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O DIREITO A HABITAÇÃO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA

ANTÓNIO WILSON BENTO1


Os problemas causados pela pobreza urbana que vão desde a poluição
à cultura dos grupos de delinquentes não são insuperáveis.
Muitas cidades encontraram soluções satisfatórias.
As cidades inteligentes reconhecem a importância da boa governação,
da prestação de serviços urbanos essenciais para todos e de ruas e
espaços
públicos onde crianças e mulheres se sintam seguros.
Ban Ki-Moon

RESUMO

Não há dúvida que o direito a habitação condigna é um direito fundamental e universal,


merecendo reconhecimento em diplomas internacionais como a Carta das Nações Unidas e
também encontra consagração legal em muitas constituições internas. Porém é notória
cada vez mais violação por parte dos Estados deste direito. Presentemente estima-se que
mais de 100 milhões de pessoas estão vivendo nas ruas por falta de uma habitação. No
nosso país Angola, a situação não foge a regra do que acontece por este mundo fora. É
verdade que o governo tem estado a empreender esforços para que tal necessidade seja
satisfeita, mas ainda estamos muito aquém de ver tal problema ultrapassado. Nesta
reflexão faremos uma análise da situação actual das políticas de fomento habitacional
partindo de uma abordagem geral para depois efectuarmos uma análise a luz do artigo 85º
da constituição de Angola o cumprimento por parte do Estado deste direito fundamental
do homem.
Palavras-chaves: Direito à habitação, Habitação condigna e Acesso à habitação.

1. INTRODUÇÃO

O direito à habitação, como conhecemos, é uma formulação que deriva da Declaração


Universal dos Direitos Humanos de 1948, mas é um dos factores estruturantes da questão
social do século XVIII e XIX, como crítica político-filosófica à desigualdade e à degradação
social que se assistia na Europa ante a expansão do capitalismo industrial. Desde então, a
sua abordagem jurídica e a busca pela sua efectividade têm encontrado guarida em
documentos de direito internacional, constituições internas e em medidas governamentais
e comerciais, como forma de assegurar um espaço para morar, a grupos económicos e
socialmente vulnerável.
Entretanto, os fenómenos migratórios, internos e externos, as situações de carência, a
precariedade humana, os desastres naturais, e as guerras vêm introduzindo novos
elementos na abordagem da temática e na materialização, desse direito, sendo que direito
à habitação corresponde cada vez mais a direito a condições para viver num espaço
territorial do que ao direito de propriedade em sentido estrito.2

1
Jurista
2
NANGACOVIE, Emiliana Margareth Morais, Políticas Públicas e Direito Humano à habitação em Angola no pós-guerra, João
Pessoa, 2013

1
Segundo estimativas da ONU houve um aumento da população do mundo nos últimos
duzentos anos de 5% para 50%. Estima-se que em 2030 mais de dois terços da população
mundial irá morar nas cidades. A crescente urbanização e, consequente degradação da
qualidade de vida, principalmente nos grandes centros urbanos, colocou em pauta
diversas questões, entre elas moradias, infra-estruturas, saneamento básico e meio
ambiente.

2.1. DIREITO A HABITAÇÃO EM ANGOLA - ANTECEDENTES

Tal como os outros Estado que ratificarem instrumentos internacionais sobre o


Habitat, textos vinculativos, portanto, Angola, que também os ratificou, é dos Estados
responsáveis perante os seus cidadãos e perante outros Estados Partes no mesmo
instrumento e, em geral, perante a comunidade internacional, uma vez que, ao ratificar, se
comprometeu solenemente a assegurar o respeito e o exercício efectivo dos direitos e
liberdades neles enunciados.
É olhando para os muitos instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos
que impõem aos Estados a apresentação periódica de relatórios sobre as medidas que
hajam adoptados a fim de assegurar a realização daqueles direitos, bem como sobre os
progressos realizados na prossecução deste objectivo,3 em resulta útil colher e tolher os
contornos sócio – jurídico do que nos ocupa
Com efeito, ao fazer parte destas convenções, o nosso país vincula-se aos já citados
diplomas se observarmos o conteúdo do art. 12.º, 13.º, 11.º, n.º 3, 202.º ss. da CRA de
2010, bem como no seu preâmbulo quando diz que a Constituição da República de Angola
se filia e enquadra directamente na já longa e persistente luta do povo angolano, primeiro,
para resistir à ocupação colonizadora, depois para conquistar a independência e a
dignidade de um Estado soberano e, mais tarde, para edificar, em Angola, um Estado
democrático de direito e uma sociedade justa.

Conquistada que está a independência em 1975 e o Estado de Direito e Democrático


em 1992, continua a ser imperioso a construção de um verdadeiro Estado democrático de
direito e uma sociedade justa, sendo certo que, apesar de longe ainda, estamos, portanto,
em presença do regime do respeito da dignidade humana.
A habitação em Angola, enquanto direito de cada cidadão é marcada por uma herança
colonial, que resultou grande parte da Lei n.º 43/76, de 3 de Março Lei dos Confiscos e das
Nacionalizações. Quer dizer: o sistema político administrativo do período pós-colonial,
limitou-se a herdar o património urbano colonial. Isto trouxe consequências graves, no
domínio da oferta habitacional porque o património urbano (casas), pouco ou nada
aumentou, enquanto a população cresceu vertiginosamente.
Em 1991, através da Lei n.º 19/91, de 25 de Maio - Lei Sobre a Venda do Património
Habitacional do Estado, foram criadas as bases para o Estado deixar de ser o senhorio dos
imóveis sujeitos à habitação afectados em regime de arrendamento estabelecido, à data,
pelo Decreto-Lei nº 40333, de 31 de Outubro - Lei do Inquilinato, passando a vender em
regime de propriedade privada as casas deixadas como herança colonial.4

3
Idem. pág. 4
4
Bessa de João, Direito à habitação e os seus mecanismos de efectivação. Revista Mosaiko, Instituto para a cidadania, N.º 18,
Março/2013

2
Por força da enorme pressão realizada pela “Revolução Imobiliária” em Angola
iniciada em 2002, foi aprovada na Assembleia Nacional a Lei nº 3/04, de 25 de Junho - Lei
do Ordenamento do Território e do Urbanismo, cujo fito seria a correcção das construções
feitas em contravenção às normas técnicas bem como definir as regras de planificação dos
terrenos de modo a permitir a realização de construções com dignidade.

No mesmo ano de 2004, a Assembleia Nacional aprovou a Lei n.º 9/04 de 9 de


Novembro - Lei de Terras, instrumento que veio definir as regras para a concessão de
terrenos e as bases para a gestão e/ou administração de todos os domínios fundiários do
país, os acessos e a melhor determinação dos seus fins e usos. Consagrou também os
diversos direitos que podem recair sobre a terra, tais como: a) Direito de propriedade
privada; b) Direito de superfície; c) Direito de ocupação precária; d) Domínio útil civil e)
Domínio útil consuetudinário.

Está aqui uma prova, em sede da sua política legislativa, do Estado promover
mecanismo que garantam a efectivação do direito à habitação condigna, momento que
encontrou corpo constitucional no título II que aborda os deveres e direitos fundamentais,
no seu artigo 26.º nos fala do âmbito dos direitos fundamentais, da CRA:

Artigo 26.º
1. Os direitos fundamentais estabelecidos na presente Constituição não
excluem quaisquer outras constantes das leis e regras aplicáveis de
direito internacional.
2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos
fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos e os tratados internacionais sobre a
matéria, ratificados pela República de Angola.
3. Na apreciação de litígios pelos tribunais angolanos relativos à
matéria sobre direitos fundamentais, aplicam-se os instrumentos
internacionais referidos no número anterior, ainda que não sejam
invocados pelas partes.5
Vemos aqui claramente que Angola afirma e ratifica todos instrumentos plasmados como a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e
dos Povos e os tratados internacionais sobre a matéria.

No mesmo diploma angolano nos termos do artigo 37º o Estado prevê a propriedade
privada, requisição e expropriação:

Artigo 37.º
1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua
transmissão, nos termos da Constituição e da lei.

5
CRA

3
2. O Estado respeita e protege a propriedade e demais direitos reais
das pessoas singulares, colectivas e das comunidades locais, só sendo
permitida a requisição civil temporária e a expropriação por utilidade
pública, mediante justa e pronta indemnização, nos termos da
Constituição e da lei.
3. O pagamento da indemnização a que se refere o número anterior é
condição de eficácia da expropriação.
Ao ratificar os tratados internacionais, Angola obriga-se a defender a dignidade dos
seus concidadãos e criar melhores condições de habitabilidade para o desenvolvimento
efectivo dos mesmos. Criar boas condições de acessibilidade aos projectos habitacionais e
dar a mesma oportunidade para todos os cidadãos nacionais.

2.1. CONCRETIZAÇÃO JURÍDICO - LEGAL

a) A Constituição da República de 2010.

Nos termos da Constituição, a todos os cidadãos é garantido o direito à habitação e


à qualidade de vida, dispositivo consagrado no art. 85.º. A história recente de Angola
obrigou à concretização deste direito e doutros a ele conexos como uma preocupação não
só social, mas, acima de tudo, constitucional.
Neste pressuposto, inspirou-se a aprovação da Lei do Fomento Habitacional, Lei n.º
3/07, de 08 de Setembro, que veio definir os princípios da política de fomento
habitacional, aí qualificada como factor essencial para a concretização daquele dispositivo
constitucional de cariz social. Este diploma assume-se, portanto, como uma Lei – Quadro
do Urbanismo e da Habitação em Angola, destacando-se nela os princípios do
“ordenamento territorial prévio dos terrenos destinados à edificação”, v. g. al. a), do n.º 1 do
art. 1.º), da “concretização programática… por regiões territoriais” e da “promoção de pólos
habitacionais desenvolvidos com os serviços púbicos necessários, saneamento básico e
urbanismo” (idem, al. c) e j)).

b) O Código Civil

A estrutura dos direitos e das obrigações referentes a bens imóveis em Angola


encontra toda a sua raiz no ordenamento jurídico português que vigorou no período
anterior à independência de Angola em 1975 e que, por sua vez, tem a sua origem e é
influenciado pelo Direito Romano-germânico. Esta estrutura tem por base o Código Civil -
Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966 - sujeito a diversas alterações
pontuais posteriores à independência de Angola6. Foi neste quadro legislativo que,
gerando os necessários estímulos, se sustentou a criação das novas centralidades e
condomínios, resultado de um elevado esforço do Estado e entidades privadas para
cumprir com as suas responsabilidades sociais7.

6
Está em curso o processo de alteração do nosso Código Civil por um período de um ano… pensamos não ser possível tal ocorrer,
porque o Código Civil tem matérias tão ossificadas, que pela sua natureza civilística requerem tamanho estudo e compreensão.
7
A cidade do Kilamba Kiaxi é o espelho desta planificação de centralidades. Considerado como o maior projecto habitacional de
Angola, o Kilamba é uma cidade criada de raiz e com números impressionantes: terá 400 mil habitantes, 80 mil habitações, mais de
700 edifícios, 20 creches, 15 escolas primárias e 50 quilómetros de estradas. A esta juntar-se-ão cerca de 30 outras centralidades.

4
3. O DIREITO A HABITAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Para entendermos um pouco mais sobre esta temática começaremos a nossa


abordagem numa perspectiva generalizada para depois particularizarmos o caso de
Angola.
Viver numa casa segura em paz e com dignidade não passa de um sonho para muitas
pessoas. A situação da habitação em África é particularmente difícil em comparação com
outras regiões do mundo. A pobreza, a falta de acesso ao emprego, à água e à electricidade
constituem desafios para muitas pessoas que desejam viver com dignidade e com um nível
de vida adequado.
O problema é mais evidente nas áreas urbanas, onde os bairros degradados estão a
crescer em tamanho e número, em grande parte devido à migração dos campos para as
cidades. As pessoas das zonas rurais têm também falta de acesso a uma habitação
condigna. Existe, em particular, uma escassez grave de materiais de construção, preços
acessíveis e um acesso muito limitado aos serviços.8
O direito a uma habitação condigna é o direito de cada mulher, homem, jovem e
criança a obter e manter uma casa e uma comunidade seguras em que possam viver em
paz e dignidade.9
Com a adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o direito a
uma habitação condigna passou a integrar o conjunto dos direitos humanos
universalmente aplicáveis e reconhecidos. Posteriormente, este direito foi reafirmado
num vasto conjunto de outros instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos,
consagrados a grupos distintos da sociedade.
Pelo menos 12 textos diferentes foram adoptados e proclamados pelas Nações Unidas,
reconhecendo explicitamente o direito a uma habitação condigna. Muitos dos
instrumentos que reconhecem o direito a uma habitação condigna enunciam-no como um
direito que assiste a todos.
Trata-se de um aspecto importante porque, embora outros textos refiram o direito a
uma habitação condigna no contexto de um ou outro grupo social (que assim vê
reconhecida uma maior protecção jurídica), este direito pertence essencialmente a todas
as crianças, mulheres e homens, em todo o mundo.10 O nº 1 do artigo 25º e o n.º 1 do
artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamam:
“Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua
família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao
alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem
direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros
casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”
“Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um
nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e
alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de
existência. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas destinadas a assegurar a

Aos projectos, já em execução – do Bengo - Dande, de Cabinda e da Lunda Norte – somar-se-ão as centralidades de Luanda – de
Cacuaco, Km 44 e Musseque Kapari – do Lobito, do Lubango, do Namibe, de Malanje e de Menongue. Todas estas novas
centralidades vêm dar resposta a um largo conjunto de problemas.
8
Haki Zetu, Direitos ESC na Prática, O direito a uma habitação condigna, Publicado em colaboração com Hakijamii, Centro de
Direitos Económicos e Sociais Hakijamii, Kenya, Amesterdão, 2011
9
Idem. p. 8 .
10
Fichas informativa nº 21, Direitos Humanos: O direito humano a uma habitação condigna, Nações Unidas, 95-2004, Genebra, p.
8

5
realização deste direito, reconhecendo para este efeito a importância essencial de uma
cooperação internacional livremente consentida”.
Conforme referido na Introdução, viver numa habitação segura, em paz e com
dignidade, não passa de um sonho para muitas pessoas. A realidade para muitas pessoas
que vivem na África rural é habitarem em casas mal construídas, sem acesso adequado à
água ou electricidade.
Possivelmente há mais espaço nas zonas rurais do que nas cidades, mas a fraca
qualidade das casas devido à pobreza, à falta de acesso ao emprego e a materiais de
construção a preço acessível, bem como a transportes e a outros serviços básicos significa,
muitas vezes, que as pessoas não podem viver de forma condigna. De acordo com o
Programa das Nações Unidas para os estabelecimentos humanos (UN HABITAT), há neste
momento cerca de 1 bilião de pessoas em todo o mundo a viver em bairros degradados.
Só em África, mais de 60% das pessoas que vivem em zonas urbanas residem em
bairros degradados, calculando-se que até 2020, haverá mais africanos a viver nas cidades
do que nas zonas rurais.11
Viver em estabelecimentos urbanos informais significa normalmente viver em
barracas sobrelotadas, divididas por passagens mal delineadas e regos cheios de água
nojenta e lixo a apodrecer. A realidade para estas pessoas é a falta de saúde, o saneamento
inadequado, a falta de privacidade e a falta de segurança legal.
Os residentes vivem sob a ameaça constante das expulsões forçadas, de serem
separados dos seus amigos e vizinhos, bem como do acesso a empregos e à escola.
Algumas pessoas tentaram exprimir a sua dignidade humana chamando a estas zonas
«estabelecimentos do povo».12
Segundo Maria de Jesus Tavares, o direito à habitação é um direito humano que está
intrinsecamente ligado a outros direitos fundamentais, é importante para a vivência de
todos os direitos económicos, sociais, culturais, assim como cívicos e políticos, tendo por
isso de ser respeitado e tratado de forma integrada com os outros direitos.
A habitação não se restringe apenas a um abrigo, ou um teto, ela preenche as
necessidades físicas ao proporcionar segurança e abrigo face às condições climatéricas;
necessidades psicológicas ao permitir um sentido de espaço pessoal e privado; as
necessidades sociais na medida em que proporciona uma área e um espaço comum param
a família humana, a unidade base da sociedade.
O direito à habitação é um direito que se estende a todos, toda a sociedade e cada um
de seus membros têm de ter acesso a uma habitação provida de infraestrutura básica e
outras facilidades, ou seja, acesso a uma habitação adequada.

11
Haki Zetu, Direitos ESC na Prática, O direito a uma habitação condigna, Publicado em colaboração com Hakijamii, Centro de
Direitos Económicos e Sociais Hakijamii, Kenya, Amesterdão, 2011, p. p. 12-13
12
Idem. p. 13

6
4. O DIREITO A HABITAÇÃO A LUZ DO ARTIGO 85º DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DE ANGOLA

Em Angola, a Constituição consagra a família como o núcleo fundamental da sociedade


no seu Artigo 35º, nº 1, donde que “a família é o núcleo fundamental da organização da
sociedade e é objecto de especial protecção do Estado, quer se funde em casamento, quer
em união de facto, entre homem e mulher”.

A fim do Estado garantir protecção à família, é fundamental garantir o direito à


habitação como um fim que proporciona essa qualidade, associada a todo um conjunto de
infraestruturas necessárias, sem as quais não é possível a criação de uma qualidade de
vida tal como previsto legalmente. Assim no artigo 85º da Constituição Angolana (Direito à
habitação e à qualidade de vida) vem consagrado esse direito “Todo o cidadão tem direito
à habitação e à qualidade de vida”.13
A consagração deste direito refere-se, pois, a criação de condições de habitação
economicamente acessível e habitação condigna. Entende-se por habitação
economicamente acessível a habitação relativa à qual os custos financeiros afectos se
situam a um nível que não ameaça a satisfação de outras necessidades básicas e
representa uma proporção razoável do rendimento do indivíduo ou agregado familiar.
Por habitação condigna, entende-se por habitação que respeita os níveis básicos
relativos à segurança de ocupação, disponibilidade de serviços, materiais, equipamentos e
infraestruturas, habitabilidade, facilidade de acesso, localização e respeito pelo meio
cultural.14
Segundo o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (IBEP, 2008-2009), “A
nível Nacional 88% dos agregados vivem em habitações inadequadas, sendo a
proporção menor nas áreas urbanas (79%) comparativamente às rurais, onde é
praticamente universal a percentagem de agregados a viver em habitações inadequadas
(99%).
Estima-se que 42,5 por cento dos agregados familiares vivem numa situação de
sobrelotação, revelando um eventual défice habitacional no país, que se agrava face ao
rápido crescimento da população urbana. Calcula-se que mais de metade da população
esteja concentrada nas zonas urbanas (54,8 %) particularmente em volta das grandes
cidades das províncias de Luanda, Benguela, Huíla, Huambo e Kwanza-Sul. Os dados
resultantes do inquérito revelam a dimensão do problema de habitação em Angola.
O cenário descrito acima é bem representativo da situação actual. Desenvolvendo os
dados do inquérito podemos determinar os desafios que se avizinham no sentido de
satisfazer as necessidades de habitação. A fim de satisfazer as necessidades de uma
classe média baixa, o Estado, assumiu em 2008, a construção de um milhão de casas até
final de 2012.15

Em 2012, foi o ponto mais alto do Estado em reconhecer o défice habitacional. No dia
13 de Abril do mesmo ano, o Governo declarou novamente o programa de construção de

13
Costa, António - Desafios da efectivação do Direito à habitação em angola. Revista Mosaiko, Instituto para a cidadania, Nº 18,
Março/2013
14
Idem. pg. 9
15
Op. cit.

7
um milhão de casas em todo o país16. Estava reconhecido pública e inequivocamente o
défice habitacional em Angola. Deste programa resultaram diplomas como:
a) Decreto Presidencial nº 31/11, de 9 de Fevereiro, constitui a cidade do Kilamba.
b) Decreto Presidencial nº 107/12, de 7 de Junho, define o regime de acesso aos
imóveis do Estado destinados à habitação no Kilamba.
A Lei de Fomento Nacional tem como objectivo definir a política de fomento
habitacional e garantir o direito de habitação a todos os cidadãos angolanos. A definição e
execução da política de fomento habitacional deve, nos termos da referida Lei, nortear-
se por um conjunto de princípios gerais, entre os quais se destacam, a equidade e
proporcionalidade dos custos das habitações e dos benefícios a conceder em cada caso.
Pretende-se assim, diversificar os regimes de acesso ou de aquisição de habitação
através da compra, da renda resolúvel ou do arrendamento, em função das diferentes
capacidades aquisitivas dos compradores.
A Lei do Fomento Habitacional criou também o Fundo de Fomento Habitacional
que se destina a financiar as actividades de promoção, urbanização, construção e gestão do
parque habitacional. O referido fundo tem autonomia financeira e está sob a tutela do
Ministério do Urbanismo e Ambiente e do Ministério das Finanças, no que respeita ao
financiamento.17

Todas estas iniciativas legislativas visam, pelo menos do ponto de vista teórico formal,
garantir habitação bem como definir os mecanismos de acesso. Assim segundo o Relatório
Nacional Sobre Implementação da Agenda Habitat II em Angola, os elementos principais
da política de habitação são:
• Garantir o acesso à habitação em condições adequadas aos cidadãos;
• Melhorar as condições de habitabilidade das cidades e famílias angolanas;
• Deter a actual situação de desenvolvimento e anarquia urbanística;
• Deter a actual situação de degradação do parque habitacional, e reduzir de forma
acelerada o actual défice, até à sua solução;
• Racionalizar e melhorar o papel do Estado, reforçando as suas capacidades de:
regulação, planificação e ordenamento urbanístico;
• Priorizar a habitação social através do fomento do crédito à habitação de baixa
renda;
• Promover e incentivar a participação da sociedade civil, do sector privado, das
empresas e das cooperativas de habitação e de construção, na construção de
bairros e casas para os seus trabalhadores; Criar as condições necessárias que
viabilizem a melhoria do mercado habitacional e a organização da procura da
habitação;
• Criar condições e mecanismos para o enquadramento do sector informal de
habitação;
• Criar condições para o desenvolvimento da habitação no interior do país.

16
Bessa de João, Direito à habitação e os seus mecanismos de efectivação. Revista Mosaiko, Instituto para a cidadania, Nº 18,
Março/2013, p. 19
17
FERREIRA, Irina Neves e OSÓRIO, Catarina Levy- “A política de fomento habitacional em Angola e o mecanismo da renda
resolúvel”- Revista LEGAL & IMOBILIÁRIO | MLGTS LEGAL CIRCLE, Luanda Angola

8
Para dar cumprimento a tais objectivos o governo de Angola elaborou então um
grande programa de construção de novas cidade em todo país perfazendo um total de um
milhão de casas. Para fazer face a dificuldade de habitação foram criadas novas cidades em
todo país para fazer face a carência habitacional registada em Angola.
É comum as pessoas dizerem que o Estado deve garantir habitação aos cidadãos. A
constituição de Angola no artigo 85º consagra o “direito à habitação e a qualidade de vida”.
É muito diferente do simples direito à habitação. A Constituição de Angola é muito mais
rigorosa. Não só direito à habitação. Esta habitação deve igualmente permitir a qualidade
de vida.
Viver com qualidade de vida: água, luz, rede de esgotos, estradas, escolas, creches etc.
É este o estilo de habitação que a nossa Constituição defende. Como consequência, toda
política de fomento habitacional deve ser aquela que garanta a dignidade da pessoa
humana. O Estado garante a habitação, por outro lado esta não é a única forma de garantir
a habitação. Como se ouve dizer: “Nem todos estamos obrigados a viver em condomínios
ou em centralidades”. Cada cidadão é livre de escolher o modelo da casa em que pretende
viver: condomínio, em altura ou isoladamente.18
Diante de tal situação o Governo angolano a par do programa de construção de casas
levou a cabo mesmo com muitas limitações no acesso um outro programa que visa a
distribuição de lotes de terra para a construção dirigidas de casas pelos particulares, isto
tem facilitado de que maneira a população na realização do sonho da casa própria.
Um outro aspecto também de grande realce prende-se com a liberalização por parte
do Estado aos investidores privados do sector imobiliário dando incentivos, criando
facilidades de investimentos. Estas acções têm permitido de facto o surgimento de muitos
condomínios privados e de certa forma tem estado a ajudar muitas famílias a viver com
dignidade.
Afirmar que em Angola não há problemas do acesso a habitação, estaríamos a incorrer
em falácias, uma vez que embora o Governo estar a empreender uma série de esforço
ainda estamos muito longe de satisfazer este direito.
Verdade é que existem programas de acesso a habitação, mas os grandes projectos
habitacionais existentes em Angola apenas satisfazem uma determinada classe, ficando de
parte maior parte da sociedade. No acesso à habitação nos grandes projectos existente em
Angola uma grande parte das pessoas que conseguem habitação são cidadãos que já
possuem habitações.
Por não existir uma base de dados atualizada de registo predial, e embora o Decreto
Presidencial 107/12, de 7 de Junho que aprovou o regime de acesso aos imóveis
destinados à habitação na Cidade do Kilamba geridos pelo Fundo de Fomento
Habitacional, referir que apenas podem aceder aos imóveis, por qualquer das formas
supra referidas os cidadãos angolanos, maiores de 18 anos que não possuam imóvel
próprio, nem estejam inscritos em qualquer programa habitacional do Estado, incluindo
cooperativas com o apoio de fundos públicos.
Muitos cidadãos ocupam mais de uma, duas, três ou mais moradias nas novas
centralidades dependendo do poder político e económico. Isto impossibilita muitas vezes
aqueles que não têm casa própria a verem mais uma vez seu sonho adiado e aqueles que já
têm casa própria conseguem mais uma casa nas grandes centralidades. É necessário que o

18
Idem. p. 19

9
Estado angolano possa rever os diplomas que regem o acesso as moradias para então pôr
fim a estas práticas que nada ajudam numa distribuição baseada na equidade.
O acesso aos imóveis das novas cidades segundo os diplomas legais pode ser feito por
meio de arrendamento ou de renda resolúvel.
O mecanismo da renda resolúvel enquadra-se na política de fomento habitacional do
Estado Angolano e é um importantíssimo instrumento de correcção das desigualdades no
acesso à habitação dos cidadãos angolanos. A renda resolúvel permite aos cidadãos
angolanos pagar, durante determinado período, uma renda abaixo do valor de mercado
tornando-se, caso se verifiquem determinados condicionalismos e decorrido o prazo
contratualmente estipulado, proprietários do imóvel.
Importa ainda referir que o contrato que tem por objecto o acesso ao mecanismo de
renda resolúvel é outorgado por escritura pública. A lei aplicável prevê expressamente
que “o pagamento da última prestação da renda, dos imóveis em regime da renda
resolúvel pode implicar a transmissão integral e efectiva aos arrendatários.19
O valor da renda resolúvel tem implícita uma taxa de remuneração do capital (taxa de
juros), fixada pelos departamentos dos Ministérios das Finanças e Habitação em
articulação com o Banco Nacional de Angola. A renda é paga em prestações mensais, por
um período não superior a 30 anos, sendo que o pagamento da última prestação pode
implicar, conforme referido supra, a transmissão integral e efectiva da propriedade do
imóvel aos arrendatários.
O beneficiário do mecanismo da renda resolúvel (arrendatário) tem de cumprir o que
tiver sido estipulado contratualmente. Caso o referido beneficiário não efectue o
pagamento do valor da renda, dentro do prazo contratualmente acordado, +ca obrigada a
pagar ao Estado uma indemnização correspondente ao dobro da renda por cada mês em
falta. Acresce que o beneficiário ou arrendatário não pode alienar, a qualquer título, o
imóvel, enquanto este se encontrar sujeito ao regime de renda resolúvel.20
O direito a uma habitação condigna deve ir além de uma consagração legal, deve se
repercutir na vida prática dos angolanos. Precisamos sentir este direito presente nas
nossas vidas. Só assim o estado estará a respeitar este direito fundamental do cidadão.
O direito à habitação constitui, a semelhança dos outros direitos fundamentais sociais,
um direito negativo dos cidadãos e um direito positivo do Estado. Enquanto direito
negativo, o cidadão tem o direito de obter habitação, quer adquirindo moradia própria,
quer através de arrendamento em condições compatíveis com os rendimentos da família.
O Estado, por sua vez, tem o dever de se abster e não impedir que o cidadão tenha acesso
ao direito a habitação, assim como deve criar políticas de fomento à habitação. Sendo um
direito equiparado aos direitos de liberdade e de garantias é possível demandar o Estado
por inconstitucionalidade por omissão no caso de não cumprimento desta função social.21
Deve o Estado criar políticas de fomento habitacionais que permitem os cidadãos a ter
acesso a este direito fundamental a satisfação das necessidades das populações.

19
FERREIRA, Irina Neves e OSÓRIO, Catarina Levy- “A política de fomento habitacional em Angola e o mecanismo da renda
resolúvel”- Revista LEGAL & IMOBILIÁRIO | MLGTS LEGAL CIRCLE, Luanda Angola
20
Idem, p. 3
21
ARAÚJO, R. C. V., & NUNES, E. R. (2014) Constituição da República de Angola Anotada. p 431

10
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tanto ficou provado que o direito à habitação no ordenamento jurídico angolano é
de facto tipificado nos vários diplomas legais angolanos, porém a praxe deste ainda está
muito a quem de ser uma realidade em todos os estratos sociais. Muito se tem feito para
que tal desiderato se possa tornar uma realidade em todas as classes sociais angolanas.
É de facto verdade que muitos projectos habitacionais construídos em Angola apenas
beneficia um determinado grupo prejudicando a classe baixa e média que ainda sofrem
com as intempéries governativas que vão desde as demolições das suas casas à vedação
em muitos casos na aquisição de terrenos para construção de moradias por particulares,
violando veemente um direito fundamental (o direito a uma habitação condigna).
O acesso aos grandes projectos habitacionais em Angola não tem sido fácil, uma vez
que normalmente beneficia só e somente os funcionários públicos, ficando de parte
aqueles funcionários que trabalham em instituições privadas. O Estado deve criar
condições de acessibilidades baseadas na equidade.
Por tanto é preciso ver o homem como centro da governação e não como um meio para
atingir determinado fim. Criar condições de habitabilidade dignas para todos os cidadãos
sem excepção é um imperativo governativo.

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6. FONTES BIBLIOGRÁFICAS
• BESSA de João, Direito à habitação e os seus mecanismos de efectivação. Revista Mosaiko,
Instituto para a cidadania, Nº 18, Março/2013

• Constituição da República de Angola de 2010


• COSTA, António - Desafios da efectivação do Direito à habitação em angola. Revista
Mosaiko, Instituto para a cidadania, Nº 18, Março/2013

• FERREIRA, Irina Neves e OSÓRIO, Catarina Levy- “A política de fomento habitacional em


Angola e o mecanismo da renda resolúvel”- Revista LEGAL & IMOBILIÁRIO | MLGTS LEGAL
CIRCLE, Luanda Angola

• Fichas informativa nº 21, Direitos Humanos: O direito humano a uma habitação condigna,
Nações Unidas, 95-2004, Genebra.
• Haki Zetu, Direitos ESC na Prática, O direito a uma habitação condigna, Publicado em
colaboração com Hakijamii, Centro de Direitos Económicos e Sociais Hakijamii, Kenya,
Amesterdão, 2011

• Nangacovie, Emiliana Margareth Morais, Políticas Públicas e Direito Humano à habitação


em Angola no pós-guerra, João Pessoa, 2013

• RESULTADOS DEFINITIVOS RECENSEAMENTO GERAL DA POPULAÇÃO E HABITAÇÃO DE


ANGOLA - 2014

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