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Fortaleza – CE
2014
JOSÉ FÉLIX DA ROCHA NETO
Fortaleza
2014
JOSÉ FÉLIX DA ROCHA NETO
BANCA EXAMINADORA
Assinatura: __________________________________________
Professora Ms. Adriano Pascarelli Agrello
Faculdade 7 de Setembro - Orientador
Assinatura: __________________________________________
Professor Ms. Magno Gomes de Oliveira
Faculdade 7 de Setembro - Membro
Assinatura: __________________________________________
Professor Ms. Paulo Rogério Marques de Carvalho
Faculdade 7 de Setembro – Membro
Dedico este trabalho aos que amo
incondicionalmente: meus pais, minha
esposa, meus irmãos e meus
sobrinhos. Todos, razão e força da
minha existência!
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela dádiva de minha vida, por tudo o que operou e o que
opera nela, fazendo de mim uma pessoa acima de tudo feliz, pelas
incontáveis alegrias, por ter me carregado em seus braços nos momentos
difíceis e, acima de tudo, por me dar mais do que realmente mereço.
À minha mãe Socorro, em especial, por todo amor, carinho e
aconchego, por tudo que proporcionou aos seus filhos. A ela que sempre nos
apoiou em nossas escolhas profissionais e pessoais, e nunca nos disse uma
palavra desanimadora; que sentiu, com a mesma intensidade que nós, como
se dela fosse, nossas alegrias e tristezas. Essa espetacular mulher é a
grande responsável por todas as nossas conquistas.
Ao meu pai Edivar, in memoriam, que sempre ajudou os seus filhos
a compreenderem que o trabalho dignifica o homem. Tenho certeza de que,
onde ele estiver, a felicidade o acompanha por saber que ajudou a formar
cidadãos de bem.
À minha esposa Glícya, que compartilhou comigo todos os
momentos vividos por mim desde o início da faculdade. Agradeço pelo amor,
pela compreensão, pelo companheirismo e, acima de tudo, por me encorajar
e, muitas vezes, até me carregar pela mão quando eu julgava ser complicado
alcançar minha formação. Obrigado por me fazer enxergar a importância
dessa conquista e por contribuir para essa realização.
Aos meus irmãos Elisângela, Diva, Lívia e Inácio que sempre me
apoiaram em todas as minhas decisões.
À avó de minha esposa, dona Francy, pelo seu incentivo e por me
mostrar que o estudo é a base para a conquista de todos os sonhos.
Aos pais de minha esposa, José Maria e Edvany, por terem dado a
vida a essa pessoa maravilhosa e por todo apoio a mim prestado.
À minha família, aos tios, primos, sobrinhos e cunhados, pelos
inúmeros momentos felizes.
Aos meus colegas de trabalho, pelo prazer do convívio diário.
Ao meu colega Bruno Jurema, por ter me indicado o tema para
esta pesquisa e pelas incontáveis trocas de informação que ajudaram a
enriquecer este projeto.
Ao prof. Adriano Pascarelli, pela orientação na elaboração desse
trabalho, sem a qual ele perderia muito em técnica.
Ao prof. Pedro Jairo, por me fazer compreender que o magistério é
mais do que a mera transmissão de informações, é o repasse incondicional
do amor pelo conhecimento. A ele e a todos os professores que contribuíram
direta ou indiretamente para a minha formação acadêmica.
E por fim, mas não menos importantes, aos meus colegas de
Faculdade, pelo prazer do convívio ao longo desses cinco anos: Lorena,
Geórgia, Dheimison, Marcelino, Jeremias, Yuri, Zé Rocha, Jodiel, Rebeca,
Marcília, Molina, Helena, Ocivânia, Samila, Tarcísio e toda a turma da sala 26.
Tenho certeza que sem eles a caminhada não teria sido tão gratificante.
“O juiz do trabalho não é apenas
uma simples máquina de
subsunções lógicas. A lei
atribuições mais amplas lhe defere.
A compreensão dos problemas
econômicos, da realidade social,
das exigências da época, filtradas
através de normas, lhe determina
as soluções imperativas.”
Wilson de Souza Campos Batalha.
RESUMO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 11
1 ÔNUS DA PROVA............................................................................................... 14
1.1 Noções Gerais sobre Prova e Ônus da Prova.............................................. 14
1.1.1 Prova: conceito, objeto e finalidade........................................................ 14
1.1.2 Ônus da prova: conceito, ônus subjetivo e objetivo............................... 18
1.2 A Distribuição do Ônus da Prova.................................................................. 22
1.2.1 Teoria estática: evolução no tempo e previsão no ordenamento pátrio 22
1.2.2 Teoria dinâmica do ônus da prova......................................................... 31
1.2.2.1 Conceito....................................................................................... 31
1.2.2.2 Origem.......................................................................................... 34
1.2.2.3 Fundamentos ............................................................................... 35
REFERÊNCIAS…............................................................................................... 122
INTRODUÇÃO
à obrigação de provar o alegado. Significa também peso e não por acaso para
os alemães é comum a expressão “peso da prova” [Beweislaste]
(DINAMARCO, 2009, p.70).
Nessa mesma esteira, Castro (1917, p. 33), Malatesta (1960, p.
141) e Porras López (apud TEIXEIRA FILHO, 2010, p. 92) também
compreendem “ônus” como obrigação.
No entanto, a partir de Carnelutti, a expressão “ônus” passou a se
desvincular da ideia de obrigação ou de dever jurídico. Esse autor identificou
os fundamentos para a distinção entre ônus e obrigação, primeiramente, na
noção de sanção jurídica, que somente é aplicada a quem descumpre uma
obrigação e não para quem descumpre um ônus. Quem deixa de satisfazer
um ônus está apenas sujeito a não auferir os benefícios decorrentes de seu
adimplemento. (AMBRÓSIO, 2013, p. 18).
Posteriormente, como bem lembra Azário (2006, p. 32), esse jurista
italiano passou a estabelecer outro critério para a referida distinção. Ele tratou
de diferenciar ônus de obrigação pelo critério do interesse a ser tutelado.
Assim, ônus refere-se à tutela do interesse do próprio onerado e obrigação
relaciona-se à tutela de interesse alheio.
Pontes de Miranda (1999, p. 253, tomo IV) leciona também que “o
ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos: satisfazer é do
interesse do próprio onerado”. Vê-se, dessa forma, que o jurista alagoano
buscou em Carnelutti as bases para a sua compreensão de “ônus”.
Santos (1952, p. 94), nessa mesma ótica, sustenta que ônus não é
o mesmo que dever jurídico (obrigação), porque “não existe um direito [alheio]
que lhe seja correlato nem propriamente qualquer sanção pelo seu não
cumprimento”.
Outro critério de diferenciação entre “ônus” e “obrigação” foi
desenvolvido por Goldschimidt, baseando-se na sua teoria da situação
jurídica processual. Esse jurista alemão afirmava que “ônus” era um
imperativo do interesse próprio de cada parte, pois estava relacionado à
noção do processo como situação jurídica de caráter dinâmico, diferindo-se
da “obrigação” porque esta se referia ao direito material como relação
jurídica de caráter estático. (2009, p. 17, destacou-se).
20
[...] a parte cujo pleito processual não pode ter êxito sem que
se aplique uma determinada norma jurídica, suporta o ônus
da afirmação e da prova de que as características definidoras
dessa norma estejam realizadas nos fatos (traduziu-se).1
__________________
1 Texto original: “la parte cuya petición processual no puede tener éxito sin que se
aplique um determinado precepto jurídico, soporta la carga de la afirmación y de la
prueba de que las características definidoras de esse precepto están realizadas
em los hechos".
25
_______________________
5 Texto original: Art. 342.° 1. Aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos
factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a
invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como
constitutivos do direito.
27
1.2.2.1 Conceito
________________________
6 Texto original: “Constituye doctrina ya recebida la de las cargas probatorias
dinámicas.La misma importa un apartamiento excepcional de las normas legales
sobre la distribución de la carga de la prueba, a la que resulta procedente recurrir
sólo cuando la aplicación de aquélla arroja consecuencias manifiestamente
disvaliosas. Dicho apartamiento se traduce en nuevas reglas de reparto de la
imposición probatoria ceñida a las circunstancias del caso y renuentes a enfoques
apriorísticos (tipo de hecho a probar, rol de actor o demandado, etc.). Entre las
referidas nuevas reglas se destaca aquélla consistente en hacer recaer el onus
probandi sobre la parte que está en mejores condiciones profesionales, técnicas o
fácticas para producir la prueba respectiva. Se debe ser especialmente cuidadoso
y estricto a la hora de valorar la prueba allegada por la parte que se encuentre en
mejor situación para producirla porque, normalmente, la misma también está en
condiciones de desvirtuarla o desnaturalizarla en su próprio beneficio”.
33
1.2.2.2 Origem
_________________________
7 Texto original: “Entre las partes contrarias ¿a cual se debe imponer la obligación
de proporcionar la prueba? Esta cuestión presenta infinitas dificultades en el
sistema procesal técnico. En um régimen de justicia franca y simple, em um
procedimento natural, es muy fácil de contestar. La carga de la prueba debe ser
impuesta, em cada caso concreto, a aquella de las partes que la pueda aportar
com menos inconvenientes, es decir, com menos dilaciones, vejámenes y gastos”.
35
1.2.2.3 Fundamentos
vontade particular. Sendo assim, não mais se admite uma participação estéril
do magistrado frente às lutas muitas vezes desiguais entre as partes.
Nesse sentido, Lépori White (2008, p. 67-68) expõe seu
pensamento do seguinte modo:
através das regras do CPC que proíbem a litigância de má-fé (arts. 16 a 18), a
atuação simulada das partes (art. 129), a utilização de instrumentos
processuais para fins protelatórios (art. 538, parágrafo único), as condutas
contrárias à dignidade da justiça (art. 600), dentre outras.
Segundo o professor Fernando Negreiros (2013, p. 128), no
processo do trabalho, aplicam-se tais normas tendo em vista a CLT não tratar
diretamente dessas espécies de atuação processual maléfica e de o CPC
poder ser utilizado supletivamente pelo intérprete trabalhista (art. 769 da
CLT).
Corroborando com esse entendimento, Bezerra Leite (2013, p. 78)
alerta para o fato de haver omissão na legislação consolidada sobre as
normas que desdobram o princípio da boa-fé. Conclui afirmando que não há
qualquer incompatibilidade no emprego subsidiário do CPC ao processo do
trabalho para suprir tais lacunas.
Pelo exposto, observa-se que a proposta da doutrina argentina é
legitimar a adoção da teoria dinâmica do ônus da prova sobre fundamentos
restritos ao âmbito do próprio direito processual (justiça do caso concreto,
atuação inquisitiva do juiz e deveres das partes de agirem com boa-fé).
Apesar disso, na presente análise, foram inseridas informações
relacionadas aos direitos fundamentais das partes que não decorrem do
posicionamento argentino. Isto porque esta pesquisa busca ir um pouco além
dos alicerces processuais adotados pela doutrina daquele país. Procura-se
aqui legitimar o emprego da dinamização do ônus da prova nos atuais valores
consagrados na Constituição, em especial, nos direitos fundamentais
estudados no próximo capítulo.
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E A DINAMIZAÇÃO DO ÔNUS
DA PROVA
Título II da CF 88. Isso é possível por causa do art. 1°, III, da Constituição,
que prescreve o princípio da dignidade humana como fundamento do Estado,
combinado com o seu art. 5°, § 2°, que estabelece uma cláusula aberta ou o
princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais (CANOTILHO, 2003,
p.379, destaques do autor). Ou seja, “os direitos fundamentais não se
esgotam naqueles direitos reconhecidos no momento constituinte originário,
mas estão submetidos a um permanente processo de expansão.” (PARDO,
apud MARMELSTEIN, 2013, p. 21).
Com isso, o referido autor deixa claro que o magistrado deve, além
de admitir qualquer meio idôneo de prova, afastar toda regra legal que impeça
62
servos – exatamente para que não lhes fosse possível invocá-los” (2013, p.
68).
Esse fato demonstra a importância atual da universalidade e
concretização do direito fundamental ao devido processo legal, como base
para a manutenção da ordem democrática vigente.
Convém assinalar, outrossim, que o conteúdo do direito
fundamental a um devido processo legal é aberto, pois se trata de uma
cláusula geral, ou seja, conforme explicação de Didier Júnior (2013, p. 47), o
devido processo legal já contém um acúmulo histórico mínimo de garantias e
evolui com o passar dos anos, agregando novos direitos fundamentais.
Consequentemente, o conteúdo do que era devido no início com a
Magna Carta de 1215, não é o mesmo do que é devido hoje, com a
incorporação das conquistas sociais do século XX.
Cabe salientar, ainda de acordo com Didier Júnior, que:
3.1.1 Na Argentina
________________________
1 Texto original: Artículo 375.- Carga de la prueba. 375.1. Incumbirá la carga de la
prueba a la parte que afirme la existencia de un hecho controvertido o de un
precepto jurídico que el Juez o el Tribunal no tenga el deber de conocer. Cada una
de las partes deberá probar el presupuesto de hecho de la norma o normas que
invocare como fundamento de su pretensión, defensa o excepción. 375.2. La
distribución de la carga de la prueba no obstará a la iniciativa probatoria del
Tribunal ni a su apreciación, conforme con las reglas de la sana crítica, de las
omisiones o deficiencias de la prueba.
75
3.1.2 Na Espanha
______________________
4 Texto original: ROJ: STS 6487/2009.Tipo Órgano: Tribunal Supremo. Sala de lo
Social. Município: Madrid – Sección: 1.Ponente: JOAQUIN SAMPER JUAN. N°
Recurso: 3409/2008 – Fecha: 23/09/2009.Tipo Resolución: Sentencia. Resumen:
Indemnización de daños por vulneración de drechos fundamentales.(...) SEXTO.- Es
certo que, confome al princípio general de la carga de la prueba, corresponde a la
parte actora probar la certeza de los hechos de los que ordinariamente se desprende,
según las normas jurídicas, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de su
demanda (articulo 216.2 de la Ley de Enjuiciamento Civil). Pero, aparte de las
excepciones que la propia ley estabelece en orden a la tutela antidiscriminatoria
y la proteción de los derechos fundamentales (artículos 96 y 179 de la Ley de
Procedimiento Laboral), la doctrina jurisprudencial ha venido aplicando con
caráter excepcional un critério alternativo de caráter corrector, ponderando las
especiales dificultades probatorias de determinados hechos y la posición de las
partes ante los medios de prueba. Así, por ejemplo, en matéria de
reincorporación de la excedencia, nuestra sentencia de 6 de octubre de 2005
(rcud. 3876/2004) señala, continuando uma línea doctrinal anterior, que “la norma
distributiva de la carga de la prueba no responde a unos princípios inflexibles,
sino que se deben adaptar a cada caso según la naturaleza de los hechos
afirmados o negados y la disponibilidade o facilidad para probar que tenga cada
parte. Criterio éste que en la actualidad ya viene legalmente consagrado, al
estabelecer el apartado 6 del tan citado art. 217 de la LEC vigente, tras haber
suministrado determinadas reglas concretas acerca de la carga probatória, que
“para la aplicación de lo dispuesto en los apartados anteriores de este artículo, el
tribunal deberá tener presente la dispoinibilidad y facilidad probatoria que corresponde
a cada uma de las partes del litigio”. Conforme a este principio se concluye que no
cabe duda acerca de que em el caso ES Correos, y no la trabajadora, quien tiene la
mayor disponibilidade de los elementos probatorios acerca de la existencia o
inexistencia de determinada vacante en un momento concreto, no sólo porque a su
alcance se encuentra la pertinente documentación, sino además porque la posible
inexistencia, pese a tratarse de un hecho negativo, puede perfectamente probarla, en
el caso de ser cierta, por cualquiera de los demás medios admitidos en derecho, entre
ellos la testifical a cargo del personal conocedor del hecho.SEPTIMO.- En el presente
caso se cumplen las exigencias para ese desplazamiento de la carga de la prueba,
pues, por una parte, es evidente la dificultad probatória de la trabajadora para acreditar
las incidencias de la gestión de las listas y em, particular, las personas contratadas y
su calificación de acuerdo con el baremo. Por outra parte, la posición de la empresa
en orden al control y disposición de la prueba sobre los processos de selección
facilita extraordinariamente su acceso y utilización de los instrumento
correspondientes. Por ello, la entidade empleadora no puede limitarse a indicar que
“no se ha acreditado el derecho a ser contratado” en atención a “los contratos que le
hubieran correspondido “por el orden que ocupaba (sic) en las listas”.
80
(art. 93, IX). Essa fundamentação será tanto mais legítima quanto mais
racionalmente for justificada a decisão (MARINONI; ARENHART, 2014, p.
269). Isso só é possível através da utilização de mecanismos como as
máximas de experiência e o princípio da proporcionalidade, que devem ser
utilizados sempre como balizas para a aplicação da dinamização do ônus da
prova (SOUTO MAIOR, 2010, p. 73).
Diante de tais considerações, o item III da Súmula retrotranscrita,
que prevê hipótese de dinamização do ônus da prova, nos casos de cartões
de pontos “britânicos”, é legítimo porque assegura a efetiva tutela jurisdicional
ao empregado que tem seu direito a horas-extras ameaçado por uma possível
fraude nos controles de frequência.
O TST, nesse caso, apenas confirmou a presunção judicial,
fundada na máxima de experiência, de que um registro uniforme de entrada e
saída do reclamante deduz a sua burla por parte do empregador, tornando a
alegação de horas-extras do reclamante verossímil. Esse é um típico caso de
dinamização do ônus da prova, apesar de terem definido como inversão, pois
o julgador não se baseará nas posições das partes (autor/réu) e muito menos
na natureza dos fatos a serem provados. Pelo contrário, ele distribuirá, de
acordo com o caso concreto, o ônus da prova à parte que está em melhor
condição para a produção probatória e desconsiderará as provas nitidamente
manipuladas por este.
Em relação à segunda objeção do argentino García Grande acima,
que afirma haver uma contradição insuperável entre o princípio constitucional
de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si e a dinamização do
ônus da prova, Feliciano (apud AMBRÓSIO, 2013, p. 104-105) afirma
categoricamente que essa crítica não procede, pelo menos no ordenamento
jurídico brasileiro. Isto se deve pelo simples fato de que o princípio da não
autoincriminação (não ser obrigado a produzir prova contra si) somente é
aplicável no âmbito penal. O jurista brasileiro lembra que há apenas duas
situações em que esse princípio é aplicável no curso de processo cível, são
elas: quando a própria lei desobriga as partes de depor sobre fatos criminosos
ou torpes de que são acusadas (art. 347, I do CPC), e nas situações em que
a lei exime as testemunhas de deporem sobre acontecimentos que lhes
possam trazer sérios danos (art. 406, I, do CPC). Ou seja, as partes só podem
92
Essa prova deveria ter sido feita facilmente pelo empregador, de forma pré-
constituída, com a exigência de apresentação de declaração da empregada
indicando o endereço em que reside e a utilização ou não de transporte
público.
Não se desvencilhando desse ônus, o TST negou provimento ao
recurso de revista da ré, mantendo a decisão do TRT que a condenou ao
pagamento da indenização de vale-transporte à autora.
Pelo exposto, conclui-se que o TST está admitindo a teoria
dinâmica do ônus da prova em seus julgados, aplicando-a algumas vezes
como sinônimo do princípio da aptidão para a prova.
Foi observado, durante a pesquisa jurisprudencial no sítio do TST,
que essa Corte Superior, até 28 de abril de 2010, não havia feito qualquer
menção à teoria dinâmica do ônus da prova em seus jugados. Até aquela
data, esse Tribunal se utilizava da inversão do ônus da prova com
fundamento no princípio da aptidão à prova para modificar o encargo
probatório. Desde então e até o dia 05 de abril de 2014, data da última
pesquisa, a distribuição dinâmica das cargas probatórias passou a integrar ao
todo 1650 (mil seiscentos e cinquenta) acórdãos do TST, sendo que 1580 (mil
quinhentos e oitenta) deles fazem referência direta ou indireta à expressão
“distribuição dinâmica do ônus da prova”, 69 (sessenta e nove) utilizam o
termo “teoria dinâmica” e 01 (um) julgado utiliza o verbete “cargas probatórias
dinâmicas”.
Com efeito, a dinamização do ônus da prova e o instituto da
inversão da carga probatória são instrumentos processuais distintos, sendo
necessário fazer uma análise das correntes doutrinárias que defendem o
emprego de um e de outro instituto. Além disso, é conveniente expor o
posicionamento atual do TST diante de tais mecanismos processuais.
onerados. Aplicar literalmente o art. 818 nesse caso, exigindo que eles
provassem o impossível, seria o mesmo que lhes negar o direito fundamental
à prova.
Além disso, no outro polo processual, o Município de Santa Luzia
poderia facilmente provar o fato impeditivo do direito dos autores, qual seja, a
avaliação deles para fins de promoção, pois, caso tivessem sido realmente
avaliados, não teriam direito à verba compensatória. Como a Administração
Pública não se desincumbiu desse ônus dinamizado, acabou sofrendo as
consequências pela ausência de prova eficaz ao convencimento do julgador
sobre a veracidade dos fatos.
Em outras palavras, a utilização da distribuição dinâmica do ônus,
nesse caso, assegurou também aos reclamantes o direito fundamental à
igualdade substancial e o acesso a uma tutela jurisdicional efetivamente justa,
pois condenou quem realmente estava em melhores condições fáticas para
apresentar as provas necessárias ao descobrimento da verdade e não o fez.
Infelizmente, o TST não manifestou essa mesma preocupação com
a concretização dos direitos fundamentais processuais das partes em outros
julgados, como pode ser visto no acórdão da 6ª Turma, parcialmente
transcrito abaixo:
EMENTA
HORAS EXTRAS. MOTORISTA DE CAMINHÃO.
RASTREAMENTO VIA SATÉLITE. Ocorrência de
fiscalização da jornada, mesmo indireta, a afastar o disposto
no artigo 62, inciso I, da CLT, sendo devidas horas extras
pela jornada arbitrada.
Recurso ordinário interposto pela reclamada a que se nega
provimento no item.
[...]
Assim, no caso de ações trabalhistas vige a distribuição
estática do ônus da prova, nada impedindo que, no caso
concreto, a fim de se evitar a chamada prova diabólica, possa
o juiz distribuir de forma diversa o ônus probatório. O caso em
tela, todavia, não trata de prova diabólica, porquanto o
reclamante possuía todas as condições para provar o direito
que alega lhe pertencer.
Pelo exposto, descabe cogitar em inversão do ônus da
prova, o qual, caso aceito fosse, deveria se dar durante a
instrução (e não quando do julgamento como quer o
reclamante). Note-se que a inversão do ônus da prova é
regra de instrução (e não de julgamento), devendo a
decisão judicial que determiná-la ser proferida
preferencialmente na fase de saneamento do processo ou,
pelo menos, assegurar à parte a quem não incumbia
inicialmente o encargo a reabertura de oportunidade para
manifestar-se nos autos. Tal interpretação encontra-se
afinada com os valores processuais constitucionais,
sobretudo quanto ao contraditório e ampla defesa.
(destacou-se)
Assim, nega-se provimento ao recurso ordinário interposto
pelo reclamante no item.
(RO - 0001136-04.2012.5.04.0801.TRT 4ª Região (RS) -
Relator: Desembargador João Alfredo Borges Antunes de
Miranda, Data de Julgamento: 25/03/2014, 9ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 30/04/2013)
115
ALMEIDA SANTOS, José Carlos Van Cleef de. O Ônus da prova e a teoria
da carga dinâmica. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 10/2012. p. 607 a 628. PORTUGUÊS. v.101 n.924.
COULANGES, Fustel de. A Cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2004.
421 p. Coleção a obra-prima de cada autor. Tradução de Jean Melville.
ITÁLIA. Il Codice Civile Italiano. R.D. 16 marzo 1942, n. 262 Approvazione del
testo del Codice Civile. The Cardozo Electronic Law Bulletin. Pubblicato nella
edizione straordinaria della Gazzetta Ufficiale, n. 79 del 4 aprile 1942.
Disponível em:
<http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/codciv.htm>. Acesso
em: 12 mar. 2014.
JORGE MIRANDA. Manual de direito constitucional. 3.ed.,tomo IV.
Coimbra: Coimbra, 1997-2000.
128
LAZARI, Rafael José Nadim; SOUZA, Gelson Amaro de. Reflexões sobre a
perspectiva de uma distribuição dinâmica do ônus da prova: Análise de
viabilidade. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 99, p.99-
109, jun. 2011.
MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus da prova e sua
dinamização.1.ed. Salvador: Jus Podivm, 2014. 265 p.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 30. ed. São Paulo:
Atlas, 2010. 826 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed.
São Paulo: Malheiros, 2009. 926 p.