Você está na página 1de 8

Amor e Perdão

Meus irmãos, no Evangelho de João, capítulo 13, versículo 35, nós temos a
afirmação de Jesus de que seremos reconhecidos como seus discípulos por muito nos
amarmos. Foi o que ele disse aos seus apóstolos. Ele falava naquele momento da união
entre eles, do amor fraterno que deveria haver e que seria o sinal de que aqueles eram
discípulos de Jesus, porque muito se amam.
Em outro momento, no Evangelho Segundo São Mateus, capítulo 12, versículo
33, um fariseu testa Jesus dizendo: Mestre, qual o maior dos mandamentos. Mas Jesus
de forma muito tranquila lhe responde: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o maior e o
primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu próximo
como a ti mesmo. Estes doismandamentos contêm toda a lei e os profetas.”.
Numa outra tentativa de desistabilizar Jesus um fariseu pergunta a Jesus o que
fazer para herdar a vida eterna. Mas Jesus tinha uma forma de ensinar, que também
havia sido praticada por Sócrates, chamada Maieutica, que consiste em responder com
outra pergunta. Ao receber esse questionamento e saber estar sendo testado Jesus então
pergunta: O que está escrtito na lei e como o lês? Aquele fariseu então responde:
“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as
tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.” Jesus
lhe diz que ele está certo, que se fizer isso terá a vida eterna, mas aí ele resolve testar
Jesus mais uma vez e lhe pergunta: Mas quem é meu próximo? Jesus então lhe dá uma
grande aula e pra toda humanidade contando a Parábola do Bom Samaritano e ao fim,
ao invés de dizer ao fariseu quem era o próximo daqueles que passaram pela estrada,
Ele faz ao contrário, ele pergunta quem foi o próximo do homem caído, obrigando o
fariseu a responder que é o Samaritano. O que foi muito ruim para o fariseu, pois os
judeus e samaritanos não se davam, desde muitas décadas antes. Os judeus chegavam
ao ponto de dizer que se um samaritano bebesse água num copo, era melhor morrer
de sede do que beber água no mesmo copo. Desta forma, Jesus deixa claro que
próximo é todo mundo, todas as pessoas, mesmo um inimigo, declarado ou não.
E então nós entramos no que talvez seja o ensinamento mais difícil de ser
seguido. Há mesmo quem sinceramente julgue impossível colocá-lo em prática.
Consideramos fácil amar quem nos ama, mas nunca aqueles que abertamente e
insidiosamente procuram prejudicar-nos. Outros ainda, como o filósofo Nietzsche,
sustentam que a exortação de Jesus prova que a ética cristã se destina somente aos
fracos e aos covardes, e nunca se pode aplicar aos corajosos e aos fortes. Jesus – dizem
eles – era um idealista sem sentido prático. O que nós cristãos e nós espíritas não
podemos concordar. Mas que ensinamento é esse que é tão difícil assim?
Vou ler uma passagem do Evangelho segundo São Mateus 5.43-48, que deixará
claro qual é a proposta de Jesus, o mandamento de Jesus tão difícil de ser seguido. Os
comentários serão muitas vezes baseados num famoso sermão do reverendo Martin
Luther King e também baseados na doutrina espírita.

Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu,
porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que
vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e
bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que
recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes
somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o
mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.

Segundo Luther King, insurreições sobre insurreições demonstram que o homem


moderno caminha ao longo de uma estrada semeada de ódios. O mandamento para
amarmos os nossos inimigos, longe de ser uma piedosa imposição de um sonhador
utópico, é uma necessidade absoluta para podermos sobreviver. O amor pelos inimigos
é a chave para a solução dos problemas do nosso mundo. Jesus não é um idealista sem
sentido prático; é um realista.
Ele estava certo, assim como os grandes trabalhadores da seara do Mestre, de
que Jesus compreendeu a dificuldade inerente ao ato de amar os nossos inimigos. Ele
Sabe que toda a verdadeira expressão de amor nasce de uma firme e total entrega a Deus
e nunca pregou que ter uma vida moral correta era simples. Quando Jesus diz: “Amai os
vossos inimigos”, não ignora a dificuldade dessa imposição e conhece bem o
significado de cada uma das suas palavras. A responsabilidade que nos cabe como
cristãos é a de descobrir como viver este ensinamento.
Como nós devemos amar os nossos inimigos? Kardec nos diz em O Evangelho
Segundo o Espiritismo que “Amar aos inimigos não é ter para com eles uma afeição
forçada, que não é natural, já que o contato com um inimigo faz bater o coração de
uma maneira totalmente diferente. Amar aos inimigos segundo este ensinamento de
Jesus é não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança. É
perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem impor condições, o mal que nos fazem. É
não colocar nenhum obstáculo à reconciliação. É desejar-lhes o bem no lugar do
mal. É alegrar-se pelo bem que lhes aconteça ao invés de se entristecer. É socorrê-los
em caso de necessidade. É não fazer nada que possa prejudicá-los em palavras ou em
atos. É, enfim, pagar-lhes todo mal com o bem, sem intenção de os humilhar. Quem
fizer isto, estará seguindo o mandamento: Amai aos vossos inimigos.”
Então nós, ao contrário do que muitos pensam, nós que ainda estamos na Terra,
nessa faixa evolutiva, para nós amar o inimigo consiste em não querer seu mal, ajuda-lo
sempre que possível, ficar feliz quando algo bom acontecer a ele. Eu não consigo nem
imaginar isso. Porque a nossa primeira reação quando algo ruim acontece a alguém que
sabemos ter nos feito mal, ou ter feito mal a alguém, é ficar feliz. Mas isso nos
acontece, porque tem algo muito importante relacionado ao amor aos inimigos que nós
ignoramos, que é o Perdão. Para amar um inimigo, nós temos primeiro que desenvolver
e manter a capacidade de perdoar. Como lido anteriormente: Perdoar sem pensamento
oculto, perdoar sem impor condições e sem impor obstáculos. O perdão não necessita
nem mesmo de que o ofensor se arrependa pra ser perdoado, é dever do cristão perdoar
as ofensas.
Em Mateus capítulo 5, versículos 25 e 26, Jesus diz: “Reconciliai-vos o mais
depressa possível com o vosso adversário, enquanto estais com ele a caminho, para
que ele não vos entregue ao juiz, o juiz não vos entregue ao ministro da justiça e não
sejais metido em prisão. Digo-vos, em verdade, que daí não saireis, enquanto não
houverdes pago o último ceitil.” A implicação disso em nossa vida é que se não formos
ao encontro do adversário o quanto antes para a devida reconciliação, nós nos veremos,
pela própria Lei de Deus, ligados a ele em vidas futuras. Jesus fala em adversário, pois
nas idas e vindas da vida, nós ofendemos e somos ofendidos, de forma que tudo se
mistura tanto com as encarnações passadas que não é possível precisar quem foi o
primeiro ofensor, então o ideal é reconciliar o mais depressa possível.
Luther King diz em seu sermão, proferido em 1964, um ano tão emblemático
para o Brasil, quando a ditadura aplicava seu golpe mais duro no povo: Aquele que não
perdoa, não pode amar. É mesmo impossível iniciar o gesto de amar o inimigo sem a
prévia aceitação da necessidade de perdoar sempre a quem nos faz mal ou nos injuria.
Também é preciso compreender que o ato do perdão deve partir sempre de quem foi
insultado, da vítima gravemente injuriada, daquele que sofreu tortuosa injustiça ou ato
de terrível opressão. Só o ofendido, pode realmente derramar as águas consoladoras do
perdão.
O perdão não significa ignorância do que foi feito, perdão vem do latim
perdonare, de per-, “total, completo”, mais donare, “dar, entregar, doar”, ou seja,
significa ema entrega completa, uma doação completa. É uma doação de harmonia, de
recomeço. Perdão deve significar que a má ação cometida não representa mais uma
barreira entre as relações. O perdão, diz Luther King, é o catalisador que cria a
atmosfera necessária para de novo partir e recomeçar; é alijar um fardo ou cancelar uma
dívida.
Muitas pessoas falam que perdoam, mas não esquecem, de fato, porque perdoar
não é esquecer, é recordar sem que a má ação ainda exerça um peso que constitua num
impedimento para estabelecer relações. Da mesma maneira, nunca devemos dizer:
“Perdoo-te, mas já não quero nada contigo”. Perdão significa reconciliação, um regresso
a uma posição anterior; sem isso, ninguém pode amar os seus inimigos. O grau da
capacidade de perdoar determina o da capacidade de amar os inimigos, são diretamente
proporcionais, quanto mais aprendemos a perdoar, mais aprendemos a amar os
inimigos.
Mas quantas vezes iremos perdoar às ofensas, as injúrias, as mágoas? Depende
de nós. Quantas vezes nós já oramos o Pai Nosso e pedimos que Deus nos perdoe da
mesma forma que perdoamos aos nossos devedores? O apóstolo Pedro fez essa mesma
pergunta ao Mestre, e cheio de simbolismo Jesus responde que não 7 vezes, mas 70 x 7.
Os judeus eram muito simbólicos, até mesmo com os números, de forma que cada
número tinha seu significado oculto:
O número 1 significa a unicidade. Jesus é unigênito, Deus é único. O 1 é o único
número que pode ser dividido por ele mesmo que ainda se mantem.
O número 2 significa união, divisão e testemunho. O casamento acontece entre
dois.
O número 3 significa equilíbrio ou estabilidade, continuidade e permanência. É
considerado o número da perfeição ou completude divina. Vide por exemplo a
santíssima trindade. Pai, Filho e Espírito Santo.
O número 4 refere-se às ideias de lugar e espaço, em termos de física. 4 Cantos
do mundos, os 4 pontos cardeais.
O número 5 refere-se a redenção divina, à graça e a bondade de Deus. Porque se
quatro é um número relacionado ao mundo, aos espaços físicos e a materialidade, 5 é a
soma do mundo com Deus, que é o 1.
O número 6 simboliza o mundo natural, o homem e as seis direções do Reino
físico (para a frente, para trás, à esquerda, direita, cima e para baixo), ele é considerado
também o caminho para a santidade, porque logo após ele vem o 7. E vou parar a
explicação no número 7.
O número 7 é tão proeminente nas escrituras que até mesmo os estudiosos que
não dão muita importância a Numerologia bíblica reconhecem sua importância. Sete é o
número divino de conclusão, plenitude e perfeição espiritual, tipificando santidade e
santificação. Sete é fortemente associada com a realização e o descanso através do
Shabat (sétimo dia) e outros ciclos completos de vez.
São muitas manifestações e representações do 7 até mesmo na natureza e Jesus
elevou a outro patamar a enormidade desse número, porque Pedro o questiona se tem
que perdoar 7 vezes, o que já era muito para Pedro e o Mestre diz que não 7, mas 70
vezes 7. Tem até um caso de Chico Xavier, em que uma esposa diz a ele que não
consegue mais suportar o marido, que ele erra muito e Chico lhe fala sobre o perdão.
Ela então diz que o marido já errou tanto que ela provavelmente já o tinha perdoado
70x7 vezes que era 490. E Chico então lhe diz que são 70 x 7 para cada erro. E por fim
ela diz que isso é muito, que ela vai é desistir mesmo.
Luther King diz algo ainda em seu sermão que é muito importante nós
pensarmos a respeito do ofensor. A má ação dele nunca exprime a sua completa maneira
de ser. É sempre possível descobrir um elemento de bondade no nosso inimigo. Há em
nós alguma coisa que nos obriga a lamentarmo-nos como o Apóstolo Paulo: “O bem
que quero fazer não faço e o mal que não quero, este eu faço.”. Isso significa muito
simplesmente que naquilo que temos de pior há sempre algo de bom, assim como no
melhor existe algo de mau. Quando percebemos isso, sentimo-nos menos prontos a
odiar os nossos inimigos. E quando olhamos para além da superfície ou para além do
gesto impulsivo de maldade, descobrimos em nosso próximo um certo grau de bondade,
e percebemos que o vício e a maldade dos seus atos não traduzem inteiramente aquilo
que ele de fato é. Observamo-lo a uma nova luz. Reconhecemos que o seu ódio foi
criado pelo medo, orgulho, ignorância, preconceito ou mal-entendido, mas vemos
também que, apesar disso tudo, a imagem de Deus se mantém inefavelmente gravada no
seu ser. Amamos os nossos inimigos porque sabemos então que eles não são
completamente maus, nem estão fora do alcance do amor redentor de Deus.
Outra coisa importante observar, que mesmo o reverendo Luther King percebeu,
e talvez ele nunca tenha lido O Evangelho Segundo o Espiritismo, mas talvez tenha,
quem poderá dizer. Kardec diz “É, enfim, pagar-lhes todo mal com o bem, sem
intenção de os humilhar.” E o reverendo diz: não devemos procurar derrotar ou
humilhar o inimigo, mas antes granjear a sua amizade e a sua compreensão. Somos
capazes, por vezes, de humilhar o nosso maior inimigo: há sempre, inevitavelmente, um
momento de fraqueza em que podemos enterrar no seu flanco a lança vitoriosa, mas
nunca deveremos fazê-lo. Todas as palavras ou gestos devem contribuir para um
entendimento com o inimigo e para abrir os vastos reservatórios onde a boa vontade está
retida pelas paredes impenetráveis do ódio.
Nós estamos falando sobre amor, mas temos um problema no que se refere a
essa palavra, que é o que causa a estranheza nas pessoas sobre amar o inimigo. Amar
um inimigo com o amor que se ama um irmão? Uma esposa? Um filho?
O problema da nossa linguagem e dos vários idiomas ao redor do mundo é que
não conseguem os espíritos puros, como Jesus, traduzir pra nossa linguagem o que eles
querem dizer. Nós temos muitas vezes uma única palavra para falar de mais de uma
coisa, por exemplo: Em Hebraico “primo” e “irmão” são a mesma palavra. Aí as
pessoas falam dos irmãos de Jesus, sem saber que fala-se naquela passagem de primos.
E forma-se o disse me disse. Outro exemplo é o amor. Quantas formas diferentes,
quantas manifestações e nós só temos a palavra Amor. Mas não em grego, um idioma
abundantemente falado no tempo de Jesus, mesmo entre os Judeus, o grego era o inglês
de hoje, e nessa língua há três palavras que definem o amor.
 A primeira palavra é Eros, que traduz uma espécie de amor estético ou
romântico.
 A segunda palavra é Philia, um amor recíproco e afeição íntima, ou
amizade entre amigos. Amamos aqueles de quem gostamos e amamos porque somos
amados.
 A terceira palavra é Ágape, boa vontade, compreensiva e criadora,
redentora para com todos os homens. Amor transbordante que nada espera em troca,
ágape é o amor de Deus agindo no coração do homem. Nesse nível, não amamos os
homens porque gostamos deles, nem porque os seus caminhos nos atraem, nem mesmo
porque possuem qualquer centelha divina: nós os amamos porque Deus os ama. Nessa
medida, amamos a pessoa que pratica a má ação, embora detestemos a ação que ela
praticou.
É desse terceiro amor que nos fala jesus ao dizer para amarmos os nossos
inimigos. Deveríamos sentir-nos felizes por Ele não ter dito: “Gostai dos vossos
inimigos”. É quase impossível gostar de certas pessoas; “gostar” é uma palavra
sentimental e afetuosa. Como podemos sentir afeição por alguém cujo intento
inconfessado é esmagar-nos ou colocar inúmeros e perigosos obstáculos em nosso
caminho? Como podemos gostar de quem ameaça os nossos filhos ou assalta as nossas
casas? É completamente impossível. Jesus reconhecia, porém, que o amar era mais do
que o gostar. Quando Jesus nos convida a amar os nossos inimigos, não é ao Eros ou à
Philia que se refere, mas ao Ágape, compreensiva e fecunda boa vontade redentora para
com todos os homens.
Tudo isso é bonito e muito elevado, mas Por que devemos amar os nossos
inimigos? Luther King diz de forma muito bela, quase poética. “A principal razão é
perfeitamente óbvia: retribuir o ódio com o ódio multiplica o ódio e aumenta a
escuridão de uma noite já sem estrelas. A escuridão não expulsa a escuridão, só a luz
o pode fazer. O ódio não expulsa o ódio: só o amor o pode fazer. O ódio multiplica o
ódio, a violência multiplica a violência e a dureza multiplica a dureza, numa espiral
descendente que termina na destruição. Quando, pois, Jesus diz: “amai os vossos
inimigos”, é uma advertência profunda e decisiva que pronuncia. Não chegamos nós,
em nosso mundo moderno, a uma encruzilhada onde nada mais resta do que amar os
nossos inimigos? A cadeia de reação ao mal, – ódios provocando ódios, guerras
gerando guerras – tem de acabar, sob pena de sermos todos precipitados no abismo
sombrio do aniquilamento.”.
Não podemos nos esquecer, meus irmãos, de que o ódio é uma forma
aniquiladora, uma energia densa e trevosa, que como nos explica André Luís, produz
formas pensamentos, que são os pensamentos em forma de energia se dirigindo ao
próximo, ao objeto de nosso ódio. Conscientes de que o ódio é um mal e uma força
perigosa, pensamos muitas vezes nos efeitos que exerce sobre a pessoa odiada e nos
irreparáveis danos que causa nas suas vítimas. Mas o ódio é também prejudicial para a
pessoa que odeia. É como um câncer que cresce, incurável, e que corrói a personalidade.
Como dizia o escritor e dramaturgo Willian Shakespeare: “A raiva é um veneno que
bebemos esperando que os outros morram.”
Por fim, temos um terceiro e poderoso motivo por que devemos amar os nossos
inimigo, como diz o Dalai Lama: “Responder uma ofensa com outra ofensa, é lavar a
lama com lama.”. O amor é a única força capaz de transformar o inimigo em um amigo.
Nunca nos livraremos de um inimigo opondo o ódio ao ódio – só o conseguiremos,
libertando-nos da inimizade. O ódio, pela sua própria natureza, destrói e dilacera; e
também pela sua própria natureza, o amor é criador e construtivo: a sua força redentora
transforma tudo. Parece que Luther King possuía conceitos que se confundem
facilmente com a doutrina espírita. Grande homem, grande espírito. Um evangélico que
levou muito a fundo o estudo dos ensinamentos de Jesus.
Vejamos um exemplo muito prático de da reconciliação enquanto estava no
caminho e de amor ao inimigo praticada pelo presidente americano Abraham Lincoln.
Quando estava em sua campanha eleitoral para Presidente, um dos seus inimigos mais
ferrenhos era um homem chamado Stanton que, por qualquer razão, odiava Lincoln.
Todas as suas energias eram empregadas para o diminuir aos olhos do público e
tamanho era o ódio que sentia, que chegava a usar expressões injuriosas até sobre o seu
aspecto físico. Mas, apesar de tudo, Lincoln foi eleito Presidente dos Estados Unidos.
Chegou então a hora de constituir o seu gabinete e nomear as pessoas que, mais de
perto, teriam de participar na elaboração do seu programa. Começou por escolher um ou
outro para as diversas pastas e, por fim, foi preciso preencher a mais importante, que era
a da Guerra. Imaginai agora quem ele foi buscar: nada menos do que o tal homem
chamado Stanton. Houve imediatamente grande agitação lá dentro quando a notícia
começou a espalhar-se, e vários conselheiros vieram dizer-lhe: “O Senhor Presidente
está laborando num grande erro. Sabe quem é esse Stanton? Está lembrado do que ele
disse a seu respeito? Olhe que ele é seu inimigo e vai tentar sabotar a sua política.
Pensou bem no que vai fazer?” A resposta de Lincoln foi nítida e concisa: “Sei muito
bem quem é Stanton, e as coisas desagradáveis que tem dito de mim. Considerando,
porém, o interesse da nação, julgo ser o homem indicado para este cargo”. Foi assim
que Stanton se tornou Secretário da Guerra do governo de Abraão Lincoln e prestou
inestimáveis serviços ao país e ao seu Presidente. Alguns anos mais tarde, Lincoln foi
assassinado e grandes elogios lhe foram feitos. Ainda hoje milhões de pessoas o
veneram como a maior homem da América. Mas de todos os elogios que lhe fizeram, os
maiores são constituídos, decerto, pelas palavras de Stanton. Junto do corpo do homem
que ele odiara, Stanton a ele se referiu como um dos maiores homens que jamais tivesse
existido, e acrescentou: “agora pertence à História”. Se Lincoln tivesse retribuído o ódio
com ódio, ambos teriam ido para a sepultura como inimigos implacáveis, mas, pelo
amor, Lincoln transformou um inimigo num amigo. Foi essa mesma atitude que tornou
possível, durante a Guerra Civil – e quando os ânimos estavam mais azedos – uma
palavra sua a favor do Sul. Abordado então por uma assistente escandalizada, Lincoln
retorquiu: “Minha Senhora, não será fazendo deles meus amigos que destruirei os meus
inimigos?” Este é o poder do amor que redime.
Apressemo-nos a dizer que não são esses os supremos motivos para amar os
nossos inimigos. Há uma outra razão muito mais profunda para explicar por que somos
intimados a fazê-lo e essa está claramente expressa nas palavras de Jesus: “Amai os
vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso
Pai celeste”. Somos chamados para essa difícil incumbência com o fim de realizarmos
um parentesco único com Deus. Somos, em potência, filhos de Deus e, através do amor,
essa potencialidade torna-se realidade. Temos a obrigação de amar os nossos inimigos,
porque somente amando-os podemos conhecer Deus e experimentar a beleza da Sua
santidade.
Para finalizar, vou ler o poema de Maria Dolores, intitulado Amor e Perdão,
psicografado por Chico Xavier.

A Madalena fora ao túmulo querido


Entre pedras de extremo desconforto...
Levava flores para o Mestre morto,
Tinha o peito magoado e enternecido.

O Sol reaparecia, resplendente,


A névoa da manhã fundia-se no ar,
Na dourada invasão das flamas do Nascente,
Maria estava ali, unicamente,
A fim de estar a sós, recolher-se e chorar.
A desfazer-se em pranto, ela arguia:
— “Por que, por que Senhor?
Tanta saudade e tanta dor?!...
Toda a felicidade que eu sentia
Jaz aqui sepultada...
Transformou-se-me a vida em sombra e nada
No ermo deste pouso derradeiro...”

Nisso, ela viu alguém... Seria um jardineiro?


Um zelador daquele campo santo?
Mas tomada de espanto,
Viu-se à frente do Mestre Nazareno,

O excelso benfeitor ressuscitado,


A envolver-lhe de paz o coração cansado...
Ela gritou: “Senhor!”
Ele disse: “Maria!”
Ela era a expressão da perfeita alegria,
Ele, o perfeito amor.

Madalena ajoelhou-se e quis beijar-lhe os pés...


— “Maria, por quem és” — explicou-se
“Não me toques, porquanto
não te esperava aqui neste recanto,
e ainda não fui ao Pai revestir-me de luz...”

Maria, surpreendida,
indagou em seguida:
— “Senhor, onde estiveste?
Em que jardim celeste
Encontraste o descanso necessário,
Que vem de Deus, nos dons da paz completa?
Perdoa-me, Senhor, a pergunta indiscreta,
Dói-me, porém, pensar na angústia do Calvário,
Revolto-me, padeço, mas não venço
A mágoa de lembrar-te o sacrifício imenso”

Mas Jesus respondeu:


— “Não, Maria, não fui ainda ao Alto,
Nem me elevei sequer um palmo à luz do firmamento,
Quem ama não consegue achar o Céu de um salto...
Ao invés de subir aos Altos Resplendores,
Desci, mas desci muito aos reinos inferiores...

Despertando no túmulo, escutei


Os gritos da aflição de alguém que muito amei
E que muito amo ainda...
Embora visse Além, a Luz sempre mais linda,
Sentia nesse alguém um amado companheiro,
Em crises de tristeza e de loucura...

Fui à sombra abismal para a grande procura


E ao reencontra-lo amargurado e louco,
A ponto de não mais me conhecer,
Demorei-me a afaga-lo e, pouco a pouco,
Consegui que ele, enfim, pudesse adormecer...”

— “Senhor” — interrogou a Madalena


“Quem é o amigo que te fez descer,
Antes de procurar a luz do Pai?”
Mas Jesus replicou, em voz clara e serena:
— “Maria, um amigo não esquece a dor de outro amigo que cai...

Antes de me altear à Celeste Alegria,


Ao sol do mesmo amor a Deus, em que te enlevas,
Vali-me, após a cruz, das grandes horas mudas,
E desci para as trevas,
A fim de aliviar a imensa dor de Judas”.

Você também pode gostar