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Em uma fazenda longínqua, distante de tudo e de todos, a família Albuquerque

florescia e enriquecia com suas largas plantações. Jorge era um paulistano frio e
temperamental, casara-se com a filha de um rico latifundiário pantaneiro. Augusta
não era diferente de seu novo marido, casada mais de três vezes, era extremamente
ambiciosa e dissimulada, mas nas horas vagas acabava amolecendo.

Os Alburquerques, ou melhor, a parte considerável dos Alburquerques, fizeram


fortuna com a Febre do Ouro e também com o café, mas as gerações atuais
decidiram por investir num mercado novo. Viajaram para uma terra esquecida,
quente, cheia de mato e mosquito. João era o patriarca, passou toda a sua vida
administrando os negócios e “recrutando” novos empregados. Muitos deles eram
mortos quando se recusavam a trabalhar para o vovô. E assim a família cresceu,
desde sempre matando e roubando.

Agora Jorge, o paulistano frio e temperamental, por algum motivo conseguiu se


infiltrar na seita maligna dos Albuquerques, diz – se que era moço bom, mas algo
aconteceu e lá ele foi. Começou trabalhando na lavoura dos patrões e com o tempo
foi ganhando a confiança deles, confiança entre outras coisas. Acabou por tornar-se
amigo muito próximo de D. Maria da Conceição, a avó, mas era uma avó jovial. D.
Maria trouxe o marmanjo para dentro da Casa Grande, o rapaz sabia dar conselhos
altamente valiosos a todos, em poucos meses, ajudara João a triplicar seus bens.
Era o que ele precisava.

Augusta da Paz Albuquerque Lima Silva dos Santos era a queridinha, filha caçula,
rebelde e insuportavelmente estúpida e patriarcal. Estudava numa cidade próxima da
fazenda (os pais não gostavam quando esta tinha contato com os “empregados” da
roça) e odiava gente, mas tinha uma paquera jovem por um dos funcionários do
estábulo. Mas esse amorzinho de primeira série acabou logo, o rapaz também era
jovem, porém acabou sendo enforcado pelos capangas do papai, isso fez de
Augusta ainda mais ranzinza, entretanto, era bom para ela agradar o pai.

Dias, meses e alguns anos se passaram e a menina crescia, todos cresciam,


inclusive as poupanças de Sr. D. João, como gostava de ser chamado. O velho
soberbo sabia que a filha lhe guardava remorsos e decidiu por casá – la, logo que
fizesse dezoito anos. Não faltava muito, só alguns meses, até lá tratou de agradá – la
ao máximo, deu-lhe até um cavalo humano com cara de índio (sim, com cara e corpo
de índio). O protótipo de megera sempre fora mimado, tinha tudo que queria e ainda
sim era revoltada a menina, era a preferida entre as três irmãs, Anastácia e Matilde,
a primeira já casada vivia com o marido na capital, e a segunda nasceu sem as
pernas e vivia sob os cuidados da babá.

Os tempos mudaram e finalmente Jorge conseguira casar-se com Augusta, em maio


de 64. Não demorou muito e os velhos apareceram mortos, no ninho de amor deles.
Augusta tinha suas desconfianças, mas embora ainda em prantos, preferiu sofrer
calada, pois àquela altura, seu marido já revelara seu verdadeiro ser.

Alguns parentes parasitas souberam do ocorrido e vieram instalar-se nas


acomodações dos Albuquerques, Augusta definhava-se ao longo do tempo, mas era
jovem, sua personalidade mudou deveras, mas ainda continuava fria e calculista,
odiava o marido, mas tinha medo das surras e por isso evitava conflitos. Jorge agora
se tornara o patriarca dos tiranos.

Mais alguns anos se passaram e Augusta agora grávida adoentara-se. No dia do


nascimento do menino quase morreu, o danado do moleque se adiantou algumas
semanas e pôs todos em choque, principalmente Jorge, que como todo bom
empresário e grande agricultor, precisava de um herdeiro descendente de seu
sangue podre. Mas Augusta se salvou e o menino cresceu.

O Sr. Albuquerque só aparecia em casa aos fins de semana, mas mesmo assim
desprezava a família com toda a sua severidade. Augusta desconfiava de casos
extraconjugais, o que não era improvável já que seu marido sempre retornava com
cheiros diferentes. Tratou logo de lhe retribuir o ato. Envolveu-se com Pedro, esposo
ou um mero pretendente de uma preta nova que tinha chegado à fazenda, veio do
norte para trabalhar na Casa Grande. A patroa não demorou a seduzir o moço à
medida que maltratava ferrenhamente sua mulher. E assim foi por mais um bom
tempo, Pedro já não era mais o único, Augusta saía com quase todos os rapazes da
fazenda, até que aparecera grávida.

Sua dissimulação perfeita foi a responsável por fazer com que Jorge acreditasse nas
histórias, agora precisava acima de tudo manter as aparências.

A preta Preta também aparecera grávida e seu filho nascera junto com Francisco, os
dois cresceram juntos, Augusta permitia moderadamente o contato, já que sabia que
um era irmão do outro. Mas e o outro irmão de Sebastião? Felipe era o primogênito,
o que nasceu adiantado, crescia sendo educado também pela babá de Matilde,
tendo essa adoecido gravemente, estava por morrer, o que lhes seria muito bom, era
nada mais que um encosto. O filho mais velho mantia pouco contato com os pais e
só por isso é que demonstrava ser um menino bom.

Então aparentemente a família ia entrando nos eixos. Jorge queria mostrar que era
um pai de família decente, por isso desgarrou-se de suas amantes e prostitutas,
ficava mais em casa. Estava velho já, era uns quinze anos mais velho que Augusta,
seu defeito agora era dormir demais, mas ainda cuidava dos seus interesses, porém
passava mais tempo com a família. Com isso, a proximidade entre seu filho com o
filho de uma das empregadas passou a lhe incomodar.

A matriarca, entretanto, continuava a manter casos escondidos com Pedro. Ora,


Jorge dormia deveras, e qual é a graça de ter um marido que dorme? Dorme e
negocia, para ser mais exato. Preta desconfiava de seu marido com a sinhá, mas já
era tarde, o rapaz já havia sido enfeitiçado pela Albuquerque.

Certo dia, Jorge entrou em seu quarto para o sono de uma típica quarta-feira pós-
almoço e lá estava Preta a arrumar sua cama.

- Não, não. Deixa – a do jeito que está mesmo. – disse o coronel.

- Perdão Senhor. Queria deixá – la arrumada para seu sono. – retrucou a empregada
que ia recuando já meio medonhamente.

- Não se desculpe, - dizia Jorge se aproximando da moça sorrateiramente e lhe


lançando grotescas palavras - sabe que lhe acho muito linda. Penso que não é de
se desperdiçar.

- Obrigado Senhor, mas tenho que ir. – dizia tentando fugir da aproximação do
Senhor.

Eis que um temporal desabou lá fora, chovia muito durante a conversa.

- Ah! Mas essa chuva... fica! Talvez possamos brincar ou jogar algo. – disse ele já
arrancando a camisola da coitada.

- Senhor! – esta gritou dando – lhe uma bofetada em seu rosto barbado e grisalho.
Este retribuiu o tapa com um saco em seu lábio e jogou a moça na cama.

Sob choros e gemidos o ato continuou, porém as fortes trovoadas ofuscaram-lhe os


ruídos. Nada se ouvia fora do quarto e todos sabiam, que durante o sono de Jorge,
não deviam interrompê – lo, a não ser que fosse algo sobre seu império de soja e
gente. E foi o que aconteceu. Palmares, uma das cozinheiras da Casa Grande, bateu
muito na porta até que despertou o Senhor de seu momento mágico com a pobre
mulher de Pedro.

- Que é imbecil? – perguntou Jorge a Palmares.

- Perdoa – me, meu Senhor. Mas há um jovem rapaz em seu escritório. Disse que
lhe espera, precisava conversar algo importante. – respondeu a cozinheira.

- Ahh! Diga – lhe que já estou a ir.

Jorge despertou Preta e ordenou que esta se vestisse e sumisse do quarto


imediatamente. O mesmo ele o fez, cobriu- se e foi ver que o esperava. Era
Magalhães, que viera de São Paulo dar – lhe as boas novas.

Já não chovia mais durante a boa conversação entre os homens, porém ela fora
brevemente interrompida por uma discussão porta afora.

- Que diabos ocorrem aqui? – perguntou Jorge às mulheres que discutiam próximo a
porta de seu escritório.
- Essa incompetente ficou sumida o dia todo, não arrumou meu quarto e agora não
posso mais deitar. Minha cama está uma zona. Como deito? Como descanso,
Jorge? – respondeu Augusta referindo – se a Preta.

- Já lhe disse, Senhora, eu estava a... – respondeu sendo interrompida por Jorge.

- Ela estava a separar uns papéis que eu lhe pedi.

- Lhe pediu para fazer isso na hora de arrumar a minha cama? Os meus aposentos.
E por que a está a defender?

- Olha, Magalhães está a me aguardar. Não tenho tempo para suas bestices.

Bastou Jorge cerrar a porta para sua esposa impor ordem à empregada, que desceu
em prantos para a cozinha.

- Não dá mais Palmares. Não podemos continuar mais nesse inferno. Mas como
saímos? – perguntou e disse Preta a Palmares.

- Nem pense nisso, mulher. Quem aqui entra daqui não sai mais. Caímos em
desgraça, agora só a morte daqui nos tirará.

- Então eu a quero. Que venha a morte... não! Ou melhor, que venha a morte!

Preta retirou – se da cozinha e maliciosamente arquitetando algo em sua cuca dirigiu


– se aos aposentos da Senhora, arrumou – o mais que depressa e pôs – se a seguir
a madame.

Augusta foi buscar seu filho na cabana de Preta que brincava com seu filho,
Penzinho, os dois já aparentavam ter por volta dos sete ou oito anos. Iniciou – se
então um grande empasse entre as duas, porém algumas briguinhas e discussões
ainda eram evitadas por Jorge que evitava conflitos entre a esposa e a amante, bom
amante para ele. Preta o repugnava deveras, mas conhecia bem o lema do patrão,
algo do tipo “faça o que eu faço, mas não seja quem eu sou”. Tratou então logo de
pegar a patroinha com a boca na botija engraçando – se com outro homem.

No verão do ano seguinte, algo de muito peso lhes aconteceu. Pelo que nos parece,
Pedro acabara por recusar mais uma noite com Augusta, Preta esperava agora mais
um filho dele, e este não queria mais se envolver com a senhora, embora ainda
estivesse em hipnose por ela. A recusa comoveu tanto Augusta que esta tratou de
vingar – se. Veio a comentar com seu marido que o empregado estava a engraçar –
se com ela, havia há um tempo a chamado para juntos “apanharem algodão”, e isso
o enfureceu.

Passados algumas semanas após a delação premiada e não viram mais o caboclo
do Pedro. Preta desesperada acabou perdendo seu filho em uma noite chuvosa de
fevereiro. No dia seguinte, a mulher acordara decidida a por sua cabeça a prêmio
caso não se resolvesse com a senhora.
A propósito, Magalhães viera convidar Jorge a uma viagem a São Paulo após o
carnaval, para falarem de negócios, algo que enriqueceria ainda mais os
Albuquerques. Augusta ficaria só em casa e essa era a oportunidade para a
empregada dar seu bote, dar – lhe o troco.

Passou então as festas, chegou o dia da viagem e Augusta um pouco aflita


perguntou a seu marido:

- Tens mesmo que ir, meu bem?

- Devo ir por nossa família.

- Prometa então que pensará em mim!

Jorge aproximou – se dos ouvidos da esposa e disse:

- Não sabes que terei algo muito melhor para com que pensar?

- Neste caso então deixa que eu vá contigo.

- Não crie caso Augusta, fique cuidando de Felipe e Francisco. Adeus. Devo voltar
em um mês no máximo.

- Então adeus.

Pronto. Estava feito. Augusta tinha a companhia de seu tio Germano, mas o velho só
comia e dormia era bem mais que um comensal parasita. O aniversário de Felipe
estava por chegar, mas este não chegou a celebrá – lo. O rapazola contraiu uma
gripe das bravas que o derrubou em dias. Mas não fora só a gripe que o matara,
Preta estava disposta a destruir por completo os Albuquerques, o último seria
Francisco, afinal, o garoto por melhor que fosse, era amigo e companheiro de seu
filho.

A casa estava de luto, mas Augusta mal chorava pela morte do filho, estava muito
fria para tais sentimentalismos. Nem como mãe ela cedia. Ainda olhava para Preta
com cara de morte, pois desconfiava que aquela fosse mais uma das amantes de
seu marido. Agora sem Pedro, a sinhá não tinha mais com quem se divertir e os dias
sem Jorge tornaram – se terríveis. Não que com a companhia do marido eles fossem
melhores.

Preta pensava e pensava, decidiu que deixaria o menino de fora dos empasses que
tinha com os Albuquerques. Delatar traição? Não, aquele povo era mais imundo que
qualquer lixão nesse país, o casamento deles era só para manter aparências,
mesmo tendo se tornado um Albuquerque legítimo, Jorge precisava ter Augusta
próxima de si.

Então chegou o dia que o patriarca voltaria, ele provavelmente já soubera da morte
de seu filho que fora embora já com quinze anos. Aquele foi um dia tão frio e
esmarrido, já amanhecera chuvoso e escuro, D. Augusta despertara alegremente
fúnebre, com uma aparência e jeito deveras lânguidos. Não acordara com era de
costume, carrancuda e mal – humorada, naquele dia ela estava diferente, estava
estranha. A criada estava para por o almoço:

- Minha Sinhá, pretende levantar – se ainda hoje? Teu amado Jorge regressa ainda
hoje, para a alegria de todos né. – disse Preta com seu tom sarcástico. – O almoço
está servido, Palmares acaba de pô – lo. – completou a criada com um ar de capeta
inocente.

- Logo irei, retira – te! Deixa – me só! – disse a megera fechando a janela que dava
ao jardim.

O cuco cantou pela décima vez quando Palmares retirou a mesa do almoço. A infeliz
da D. Augusta chorava ainda no quarto igual ao céu lá fora. Devia ter caído a ficha
da morte de seu filho, uma semana após o óbito, mas decidira descer, claramente
não almoçou, tomou um chá.

- Onde a peste do Francisco se meteu agora? – questionou aos ares.

- Ora, onde mais ele poderia estar? Está a traquinar com o filho daquela preta
arrogante. Ainda não sei como você o suporta com essa gente esquisita. –
respondeu tio Germano. – Não sei se sabes, mas Preta...

- Não me interessa saber! – interrompeu – o D. Augusta.

A mulher estava sorumbática naquele dia, tanto que nem se manifestou contra o filho
ter dormido na toca da cobra.

“Devia estar brincando, e chove muito também, ainda é um pirralho de fraldas”,


pensou ela.

Às cinco, seu Jorge chegou com seu mais novo carro na fazenda dos Albuquerques,
Augusta animou – se repentinamente e correu para recebe – lo. Chegou, e a dona
gozou muito da chegada, beijou – lhe, mas fora evitada, não era amada, e sabia
disso, sentira nele seu próprio aroma de lambisgoia, de adúltera. Pois que mesmo
assim o dia manteve sua integridade, depois de terem passado um bom tempo em
uma casa sem comandante.

- Tenho estado deveras doloroso desde que soube da morte de Filipe. Então deixa –
me, mulher. Ou melhor, vá e chama por Sebastião que o quero agora! – disse a
Augusta.

Augusta dirigiu – se a Preta e ordenou que essa fosse buscar o filho em sua cabana.

- A senhora não se julga capaz de ver que estou atarefada? E não saio nessa
chuvarada pra buscar filho de ninguém. Ora, vá a senhora. E poupe suas palavras,
se quiser contar esse meu “desacato” ao senhor bom Jorge, esteja disposta a ver
algumas coisinhas.

Augusta sentiu – se contrariada, mas resolveu aplicar uma punição à mulata assim
que voltasse, naquele momento estava preocupada com seu filho caçula, enfrentou o
temporal e foi busca – lo, mas quando chegou à cabana da empregada, nada
encontrou lá, apenas os utensílios da mulher. Olhou dentro de seus aposentos e
encontrou uma corda e uma faca sob a cama da mesma com um papel escrito “qual
devo usar?”. Assustada, Augusta retornou a CG e não encontrou Preta, tratou logo
de levar tudo ao marido. Disse que não encontrou nenhum rastro do moleque e que
pelo contrário, encontrou faca e corda na cabana onde os meninos sempre
brincavam.

Jorge procurou por Preta e também não a achou, nem Penzinho, nem Sebastião.
Passaram-se as horas, nove, dez e nada, acabaram dormindo aflitos, assomados.
De manhã, Augusta despertou aos prantos, pressentira algo? Talvez. Agora na sala,
pai, mãe e tio esperava algum sinal de alguém que tivesse alguma notícia de
Sebastião ou ainda da empregada insolente. Àquele dia já não chovia mais e às
onze em ponto ouviu – se bater na porta. Jorge correu e a abriu e viu uma carta sob
o capacho, recolheu – a e a leu em voz alta.

O papel dizia que Sebastião e Penzinho haviam sido raptados e levados para os
confins da fazenda, bem longe das longas plantações de soja. Não pediram resgate,
só avisaram na carta de sequestro que se quisessem os meninos de volta, Jorge,
sozinho teria de buscá – los. Como representação de desprezo, o Albuquerque
chamou seus capangas e eles reviraram o imenso latifúndio em busca de Sebastião,
pouco lhes importava saber sobre o paradeiro de Penzinho e sua mãe, queriam mais
é que tivessem sumido mesmo.

Germano dormiu profundamente após tomar o chá no dia anterior, dormiu de um dia
para o outro, não acordara mais, aquele lá foi esquecido no quarto de hóspedes da
casa. Já Augusta, aquela esperava aflita por notícias do filho, parece que se tornara
gente depois de perder seu primogênito. Estava sentada no canapé, na sala de estar
da Casa Grande. Rezando? Não. Não rezava. Apenas estava esperando por
notícias, mas notou que algo fazia um barulho incômodo na janela abaixo da escada
que dava para os quartos de cima. Levantou – se e foi ver o que era. Não era nada,
quando voltou viu uma cabeça aparecendo acima do canapé. Era de Preta. Sob a
mesinha em frente ao móvel estavam a faca e a corda.

- Então. Eu lhe perguntei qual eu deveria usar, mas a senhora não respondeu. Eu
estou indecisa, não sei qual seria melhor para gente como você? – disse a
empregada.

- O que você fez com o Sebastião? – perguntou D. Augusta.


- O pirralho? Não fiz nada. Ele está como sempre com meu filho na cabana de
Batuka (outra negra que trabalhava na fazenda).

Começou a chover lá fora.

- Na cabana de Batuka. Mas aquela carta dizendo que os meninos estariam


escondidos numa cabana nos confins da fazenda?

- Ah, aquilo foi só pra distrair o patrão. A não ser que a senhora queira que ele
participe do nosso showzinho.

- O que você está fazendo, sua louca?

- Eu? – Preta perguntou ironicamente pegando a corda e a faca na outra mão. – eu


nada. Eu só quero devolver – lhe todas as desgraças que me causaram desde que
vim pra esse inferno. – terminou golpeando a mulher nas coxas. – Além disso, acho
que a senhora merece uma noite feliz.

Preta decidiu que o final da família deveria ser bem trágico, pouparia Sebastião e
junto com seu filho sumiriam daquele lugar depois de aniquilar o último Albuquerque
restante. Mas tratou de ser bem delicada com D. Augusta. Após deixá – la
imobilizada e toda ensanguentada no chão, bem próximo ao canapé, Preta armou a
corda e a amarrou em um alpendre que sustentava o teto da sala. A cena do crime
estava quase pronta. Mas ela ainda precisava levantar Augusta.

Demorou um pouco, mas no final Augusta estava pendurada com a corda no


pescoço já desfalecida. Estava com um vestido de seda branco, mas Preta retirou
todas as suas roupas e a fatiou como um animal de açougue. Já morta, a mulher
pingava sangue sob o tapete da sala enquanto esperava o primeiro convidado do
show chegar.

Tiveram de esperar o dia seguinte para apresentar ao mundo como D. Augusta ficara
bonita, parecendo Tiradentes. Naquele dia o calor foi de matar, o corpo já estava
apodrecendo quando Jorge chegara. Preta não se esqueceu dos mínimos detalhes e
deixou uma cartinha em forma de colar no cadáver da megera escrito

“Eu lhes avisei. Agora basta saber quem será o próximo...”.

Jorge ficara ainda mais apavorado com tal cena, não sabia se ficaria ainda mais
perdido por talvez ser o próximo ou porque seu único filho e herdeiro ainda estar
desaparecido.

Os criados da casa não apareceram por dias, todos os capangas fugiram também.
Jorge terminara sozinho naquela casa imensa, naquela fazenda imensa, enquanto
isso no quarto de cima o esqueleto de Germano já estava à mostra.

Jorge não teve forças para sozinho limpar a casa daqueles cadáveres e das
manchas de sangue. Aos poucos a podridão fora o consumindo até que se adoecera.
O tempo destruiu por completo todo o patrimônio dos Albuquerques, a enorme
fazenda era agora um monte de mato, toda abandonada, e o Sr. Jorge Albuquerque
Silva dos Santos morreu no dia 21 de abril de 1971, velho e sozinho, no canapé que
sua mulher fora esfaqueada ao lado do cadáver da mesma.

E assim termina o império de mais de 200 anos dos Albuquerques. Preta, seu filho e,
ou melhor, seus dois filhos, Pedro, o Penzinho e Sebastião foram viver na cidade,
provavelmente ainda no Mato Grosso, onde também cresceram. Antes que seu pai
morresse, Sebastião perguntou:

- Tia Preta, o que aconteceu com papai e mamãe?

- Eles morreram, Sebastião. Morreram e agora você se tornou irmãozinho de


Penzinho. - respondeu a nova “mãe” do menino.

- Ah que pena. Quis dizer que legal. Mas para aonde estamos indo? – perguntou o
inocente menino desconsiderando a morte dos pais, já que mal se importavam com
ele.

- Nós? Nós estamos indo escrever nossa própria história.

...

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