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Universidade Federal do Rio de Janeiro

A INCOMPLETUDE GRAMATICAL: ARTICULAÇÃO ENTRE


OS ENSINOS DE GRAMÁTICA E DE ESCRITA.

Cybelle Borges de Abreu

Rio de Janeiro
Março de 2017

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A INCOMPLETUDE GRAMATICAL: ARTICULAÇÃO ENTRE
OS ENSINOS DE GRAMÁTICA E DE ESCRITA.

Cybelle Borges de Abreu

Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa


Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
como quesito para a obtenção do Título de Mestre
em Linguística Aplicada.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Flávia Lopes Magela
Gerhardt

Rio de Janeiro
Março de 2017

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ABREU, Cybelle Borges de.
A incompletude gramatical: articulação entre os ensinos de
gramática e de escrita/ Cybelle Borges de Abreu. Rio de Janeiro: UFRJ/FL,
2017.
xii, 85f.: il., 31 cm.
Orientador: Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt.
Dissertação (mestrado). UFRJ / FL / Programa Interdisciplinar de
Pós-Graduação em Linguística Aplicada, 2017.
Referências bibliográficas: f. 93-97.
1. Conhecimento metassintático. 2. Escrita. 3. Incompletude
gramatical. I. Gerhardt, Ana Flávia Lopes Magela. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa Interdisciplinar
de Pós-Graduação em Linguística Aplicada. III. A incompletude
gramatical: articulação entre os ensinos de gramática e de escrita.

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A INCOMPLETUDE GRAMATICAL: ARTICULAÇÃO ENTRE
OS ENSINOS DE GRAMÁTICA E DE ESCRITA

Cybelle Borges de Abreu

Orientadora: Professora Doutora Ana Flavia Lopes Magela Gerhardt

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Interdisciplinar de Linguística Aplicada da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do
título de Mestre em Linguística Aplicada.

Examinada por:

_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Ana Flavia Lopes Magela Gerhardt

_________________________________________________
Profa. Doutora Adriana Leitão Martins – UFRJ

_________________________________________________
Prof. Doutor Marcel Álvaro Amorim – UFRJ

_________________________________________________
Profa. Doutora Kátia Cristina do Amaral Tavares – UFRJ, Suplente

_________________________________________________
Profa. Doutora Letícia Rebollo Couto – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro
Março de 2017

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Dedico este trabalho à minha família – em especial ao meu
marido, Pedro Henrique; minha mãe, Márcia; minha tia
Graça; meu irmão, Deivid; e meu pai, Luiz –, a todos os
meus amigos e aos meus alunos.

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Agradecimentos

Este trabalho só foi possível devido ao apoio de familiares e amigos, que me incentivaram
e me mantiveram motivada a superar diversos obstáculos e minhas próprias dificuldades e
limitações. Sendo assim, não poderia deixar de agradecer a todos que estiveram ao meu lado
ao longo desse processo, e até mesmo antes. Não teria ingressado em uma universidade
pública se não fosse o auxílio e apoio dos meus queridos professores do colégio (Colégio
Santo Inácio). Também não teria conseguido vencer os obstáculos inerentes ao fato de ser
uma aluna de comunidade em uma escola privada de alto nível se não fosse pelo carinho e
amparo dos meus amigos de colégio e seus familiares, cito em especial Paula Garcia e seus
pais Elizabeth e Paulo; Paula Monção e seus pais Miriam e Paulo; Livia Miranda e seus pais,
Rosana e Marcello; Nathália Novaes e seus pais Sônia e Luiz Fernando, Gabriela Freitas e
seus pais, Márcia e Wellington; Ana Paula Bassi e sua mãe, Marilda; Fernanda Brunetta e seus
pais, Márcia e Gustavo; Helena Fernandes, Ana Helena da Fonseca, Ana Clara Bastos. Fora
os amigos da escola, fui abençoada com outros amigos que também tiveram grande
participação na minha jornada, desde a graduação até este momento tão importante. Graças a
Deus são muitos, mas citarei alguns, aos quais gostaria de dedicar meus especiais
agradecimentos; foram anjos como Patrícia Noro, Carla Vieira, Tomás Mosconi, Daphne
Segal, Gabriel Boche, Pedro Rocha, Thiago Biá, Helena Faria, Sabrina de Oliveira, Letícia
Katz. Fundamentais também foram meus companheiros grupo de pesquisa (Cogens), os quais
tenho a honra de chamar de amigos: Diego Vargas, Marina Costa, Patricia Botello, Fabiana
Esteves, Marcus Almeida, Luciana Faria, Camila Pessôa e Natália Nobre. Agradeço também
à minha orientadora, Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt, por me aceitar como orientanda.
Também agradeço aos professores que se disponibilizaram a fazer parte da minha banca
avaliadora e a contribuir com sugestões e reflexões que tragam melhorias ao meu trabalho:
Professora Doutora Adriana Leitão, Professor Doutor Marcel Amorim, Professora Doutora
Kátia Tavares e Professora Doutora Letícia Rebollo. Além da gratidão para com os
companheiros da academia, não poderia deixar de expressar minha gratidão pelo colo e o
ouvido amigo, o apoio, a paciência e as risadas aos amigos, mais do que queridos, do Colégio
Integral Solar, instituição que me acolheu como professora de Língua Portuguesa e de
Redação e que me permitiu exercer minha profissão de forma a poder implementar na prática
as minhas crenças teóricas; desse grupo, agradeço especialmente às diretoras Iolanda
Maltaroli, Isabella Maltaroli e Ivonete Mendes, aos professores/amigos Débora Rocha,
Rodrigo Abreu, Caroline Rodrigues, Paula Coelho, Marcella Albaine, Rafael Betencourt e aos

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amigos Guilherme Maltaroli e Camilla Fagundes. Agradeço também aos meus alunos, que me
permitiram utilizar seus textos em congressos e para aprofundar meus estudos, além de
acreditarem em mim e na prática pedagógica que sigo. Não menos importante, gostaria de
registrar minha gratidão à compreensão da minha família, que precisou ter muita paciência
com minha ausência, com minha agenda totalmente tomada pelo trabalho e pelos estudos. Em
especial, agradeço ao meu Marido, minha força e suporte, o primeiro que me impulsionou a
ingressar nessa jornada, Pedro Henrique Salgado; à minha Mãe, Marcia Borges, que me deu
a oportunidade desta existência e cuidou para que nada me faltasse, que sempre foi meu
modelo de mulher guerreira e forte, batalhadora, que nunca desistiu de mim e do amor, que é
nossa luz; à minha tia Joceli das Graças e ao meu irmão, Deivid Lino, que sempre me deram,
de suas formas, força e apoio para concluir essa jornada com alegria e amor; ao meu pai, Luiz
Soares, que também colaborou para que eu tivesse a oportunidade desta existência e da
constituição de quem sou; à minha Tia Marta e meus primos Liliane Alves e Wagner Borges,
que sempre tiveram carinho especial por mim e mantiveram preces para que eu obtivesse
sucesso nessa empreitada. Não poderia deixar de agradecer a luz e o amparo, as preces e o
carinho dos meus avós postiços Dirceu Silveira e Adelayde Salgado, a qual citei no meu
prefácio; além da proteção espiritual e amorosa da minha falecida avó Thereza Borges.
Ademais, agradeço a Deus e ao Mestre Jesus, a todos os espíritos protetores que me guiaram
nessa jornada e me permitiram ser útil aos meus irmãos e participar, de alguma forma, da luta
pela melhoria da educação do nosso país a partir da construção de um trabalho que acredito
servirá para futuras pesquisas e produções de outros pesquisadores/professores que, assim
como eu, almejam dias melhores para nossa sociedade.

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“Aprender é ser. Se eu sou, já aprendi. Se eu ainda estou me esforçando para ser,
ainda estou aprendendo.”
(Adelayde Salgado Rodrigues)

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RESUMO

A INCOMPLETUDE GRAMATICAL: ARTICULAÇÃO ENTRE OS


ENSINOS DE GRAMÁTICA E DE ESCRITA.

Cybelle Borges de Abreu

Orientadora: Professora Doutora Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação


em Interdisciplinar de Linguística Aplicada, Faculdade de Letras, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Linguística Aplicada.

Neste trabalho, temos o objetivo de problematizar o modelo atual de ensino de


língua portuguesa por meio da apresentação e análise de um problema linguístico que
evidencia a falha nesse modelo e advogar em prol de um ensino que leve em consideração
o desenvolvimento da consciência metassintática dos alunos com vistas a sua autonomia
quanto ao gerenciamento e uso dos recursos disponíveis na sua língua de forma a atender
seus propósitos comunicativos, em consonância com as ideias de Gerhardt (2016). Assim,
lançamos mão da análise de redações de vestibulandos extraídas do banco de redações do
site UOL visando à exploração do problema de incompletude gramatical: um problema
de ordem sintática que se mostrou recorrente nas produções de alunos de diferentes
classes sociais e faixa etária e que não consta nos materiais didáticos, nem havia sido
aportado como conceito até o presente momento. A apresentação da ocorrência da
incompletude gramatical como um conceito a partir de um estudo sistematizado nos
permite 1) expor a ocorrência desse problema em diferentes níveis do texto; 2) quantificar
essa ocorrência; 3) pensar um ensino de produção textual que trabalhe o texto escrito
como sendo tanto um estilo discursivo como um sistema notacional (RAVID;
TOLSCHINSKY, 2002); e 4) refletir em torno da necessidade de saberes linguísticos para
a composição textual, isto é, a necessidade do desenvolvimento de habilidades
metalinguísticas e da consciência metassintática (GOMBERT, 1992; 2003; CORRÊA,
2004) para que o aprendiz desenvolva autonomia quanto ao uso qualitativo de sua língua
em diferentes contextos de comunicação.

Palavras-chave: Conhecimento metassintático, escrita, gramática, incompletude


gramatical.
Rio de Janeiro
Março de 2017

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ABSTRACT

GRAMATICAL INCOMPLETENESS: ARTICULATION BETWEEN


TEACHING OF GRAMMAR AND OF WRITING.

Cybelle Borges de Abreu

Orientadora: Professora Doutora Ana Flávia Lopes Magela Gerhardt

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação


em Interdisciplinar de Linguística Aplicada, Faculdade de Letras, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Mestre em Linguística Aplicada.

The purpose of the present study is to question the current model of Portuguese
teaching due to a linguistic issue, which will be presented and analyzed in this paper; and
to also support a teaching model that takes the students’ metasyntactic consciousness
development into consideration judging by their autonomy to use available language
resources that serve their basic speech needs, in accordance to Gerhardt (2016). We have
analyzed essays from prospective college student’s exams taken from UOL’s website, in
order to evaluate the grammatical incompleteness, which is a recurrent syntactic issue
present in student’s essays from different social classes and age groups, and that could
not be found in any teaching materials, nor had it been introduced as a concept thus far.
The occurrence of a grammatical incompleteness as a concept from a systemized study
allows us to 1) expose the occurrence of this issue in different levels in the text; 2)
quantify this occurrence; 3) think of a textual production teaching method for educators
to work with the written text not only as a discursive style but also as a notational system
(RAVID; TOLCHINSKY, 2002); and 4) reflect on the need for a linguistic knowledge for
textual composition; in other words, we need to develop metalinguistic abilities and
metasyntactic consciousness (GOMBERT, 1992; 2003; CORRÊA, 2004) so that students
can establish autonomy regarding the qualitative usage of their own language in different
communication contexts.

Keywords: Metasyntactic knowledge, writing, grammar, and grammatical


incompleteness.

Rio de janeiro
Março de 2017

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................................12
1.1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA.............................................................................15
2. CONTEXTUALIZAÇÃO....................................................................................................18
2.1. O PROCESSO DE ESCRITA........................................................................................18
2.2. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS MOLDES ATUAIS: AS AULAS DE LÍNGUA

PORTUGUESA E AS AULAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL.............................................................22

2.2.1. AS AULAS DE PORTUGUÊS: O ENSINO DE GRAMÁTICA ...................................23


2.2.2. RESSIGINIFICANDO A GRAMÁTICA................................................................29
3. APORTE TEÓRICO...........................................................................................................45
3.1. A CONSCIÊNCIA METASSINTÁTICA.........................................................................45
3.2. A CONSCIÊNCIA METASSINTÁTICA E O GERENCIAMENTO DO TRATO COM O TEXTO...46
3.3. A INCOMPLETUDE GRAMATICAL: DEFINIÇÃO..........................................................47
4. METODOLOGIA..............................................................................................................65
5. ANÁLISE DOS DADOS E REFLEXÕES: REDAÇÕES DO BANCO DE REDAÇÕES DO UOL........68
5.1. ANÁLISE DOS DADOS.............................................................................................69
5.2. O PAPEL DO PROFESSOR..........................................................................................83
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UM OUTRO ENSINO DE GRAMÁTICA .................................89
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................92

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem origem na experiência de sua autora como monitora do


curso Oficina de Língua Portuguesa (OLP) do Curso de línguas Aberto à Comunidade da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (CLAC/UFRJ). As discussões e reflexões
propostas neste material são fruto da interação entre muitas mentes, dentre as quais
autores citados na bibliografia deste documento, amigos pesquisadores, tanto os de
mesmo grupo de pesquisa quanto de outros ambientes de trabalho que proporcionam
ações de pesquisa, minha orientadora Ana Flávia Gerhardt, meus alunos etc. Tendo isso
em vista, utilizarei doravante o plural não apenas como forma de tornar meu texto
impessoal, mas também como forma simbólica de representar essa multiplicidade de
vozes que, junto a minha, foram responsáveis pela concretização do presente material.
O objetivo específico do trabalho que apresentaremos aqui é sistematizar o
conceito de incompletude gramatical com vistas a, num âmbito geral, problematizar o
ensino de língua portuguesa. Utilizaremos os estudos sistematizados desse problema de
escrita como base para discutir o ensino de gramática, buscando mostrar a importância da
articulação entre o ensino de gramática e ensino de texto.
Antes de apresentar nosso problema, situaremos nosso leitor acerca do nosso
trajeto. Começaremos nossa jornada entendendo o que é a escrita, que ao nosso ver é uma
ação processual, conforme mostram diversos autores, dentre os quais Gerhardt (2013,
2015, 2016); Hayes & Flowers (1981); Gombert (1992) e Myhill (2000, 2007, 2009). Em
seguida, interessa-nos apresentar os movimentos feitos tanto no ensino de língua
portuguesa quanto no ensino de produção textual, a fim de averiguar se esses movimentos
propuseram de fato qualidade ao ensino de língua portuguesa, no sentido de que as
alterações implementadas nesse ensino ao longo dos anos levaram em conta as ações
envolvidas no processo de produção textual. De fato, antes mesmo do nosso acesso à
literatura que nos permitiu fazer essa averiguação no campo teórico, nossa experiência
prática já apontava para uma negativa. Ou seja, nossa prática diária como professora de
escola nos mostrava que nem os documentos oficiais – Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), Orientações Curriculares Nacionais (OCNs) etc. – nem os materiais didáticos
pareciam se mostrar preocupados com os processos cognitivos envolvidos na relação de
ensino-aprendizagem dos alunos. Isso nos revela uma preocupante situação de exclusão
dos alunos dos planos pedagógicos, como vemos em Gerhardt (2013 e 2016) e em Myhill
(2000 e 2009). O foco dado ao conteúdo pela esfera educacional parece deixar de fora

12
questões de extrema relevância para a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, como
“o que ensinar”, “como ensinar”, “para quê ensinar” e “para quem ensinar”
(GERHARDT, 2016). Assim, em termos de ensino de língua materna, as escolas
apresentam em seu currículo uma grade dividida entre aulas de língua portuguesa e aulas
de produção textual, e da mesma forma procedem os livros didáticos. Na prática, isso
acarreta uma desarticulação entre ambas as Disciplinas: de um lado, aula de gramática no
sentido de classificar estruturas; de outro, aulas de produção de texto com foco na
exploração de gêneros textuais no sentido de estilo discursivo (RAVID; TOLCHINSKY,
2002), ou seja, lidam com os conhecimentos sobre as estruturas mais globais
(GERHARDT, 2016). As aulas de gramática não encontram aplicabilidade nas aulas de
escrita, já que classificar estruturas não faz parte das ações necessárias para a produção
escrita, como veremos mais à frente.
Sobre o ensino de gramática, veremos que muitas discussões levantadas sobre o
assunto levaram à ideia de que não há necessidade de ensinar gramática, já que esse tipo
de conhecimento não pareceu exercer nenhuma influência sobre a escrita do aluno. Ao
que parece, não é apenas o Brasil que sofre com as inadequações nas orientações das
discussões que regulam o ensino: Myhill (2012) mostra as falhas nas pesquisas realizadas
na Inglaterra nos últimos 90 anos em torno do conhecimento gramatical e sua relação com
a escrita; ela mostra que a ideia de que “o ensino de gramática escolar tem pouco ou
nenhum efeito sobre os alunos” (HILLOCKS; SMITH, 1991 apud MYHILL, 2012) é
equivocada, pois as pesquisas que afirmam isso se baseiam em dados coletados de forma
inadequada. A autora atribui essa falha ao desajuste inerente ao contexto de pesquisa:
ensina-se gramática em um contexto de aula e avalia-se a influência desse ensino em uma
produção que se dá em outro contexto. A nossa prática nos revela que o conhecimento
desenvolvido nas aulas de gramática não se dá de forma adequada, isto é, de forma que o
aluno possa aplicá-lo na escrita. Os alunos tendem a realizarem as classificações, mas não
a fazerem uso delas na construção de seus textos. Nesse sentido, podemos afirmar que o
aluno sequer está aprendendo gramática, mas sim classificações. Então, não faz sentido
avaliar um conhecimento que não foi de fato desenvolvido e determinar que a gramática
é inútil para o ensino de escrita a partir do fato de haver aulas de gramática, e, mesmo
assim, os alunos apresentarem problemas de escrita. Nós, de outra forma, acreditamos
que o problema não está na gramática em si, mas na forma como ela é trabalhada nas
aulas de português, a saber, em desconexão com sua aplicabilidade na produção escrita.

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Sendo assim, advogamos em prol de uma mudança no olhar sobre a gramática1,
considerando-a um recurso necessário e constitutivo do texto, tanto escrito quanto oral.
Segundo Gerhardt,
A não atenção ao ensino de língua em termos de sistema notacional,
1aliada à ausência de metodologias de desenvolvimento da
compreensão metalinguística sobre a língua, prejudica o objetivo de
ajudar os alunos a apropriarem-se da dimensão linguístico-estrutural do
uso da linguagem, cujo conhecimento é necessário à produção e
interpretação de textos de diversas modalidades em situações reais de
comunicação. Isso os impede, por exemplo, de produzir textos
estruturalmente adequados às finalidades e contextos a que se destinam.
Impede-os até de reconhecerem gramaticalmente os textos em termos
de estilo discursivo: isso ocorre quando recebemos de alunos materiais
escritos com fortes marcas de oralidade em diversos níveis de análise,
o que revela a sua dificuldade em compreender as diferenças estruturais
entre oralidade e escrita (GERHARDT, 2013, p. 22).

Os problemas encontrados nos materiais dos alunos, conforme descreve Gerhardt


(2013), ao contrário do que muitos pesquisadores podem pensar, não se deve à inutilidade
do ensino de gramática, mas à forma equivocada como ele se dá. Dessa forma, ao nosso
ver, os problemas de escrita evidenciam o problema do ensino de língua materna no
tocante à desarticulação entre o ensino de gramática e o ensino de produção textual
(GERHARDT, 2013, 2016; MYHILL, 2000, 2007, 2009; PERINI, 2006). A partir dessas
constatações, pensamos em desenvolver um trabalho que pudesse trazer à tona novamente
as discussões em torno do ensino de gramática, de forma a apresentar uma alternativa que
incluísse a gramática nos conteúdos necessários a partir da comprovação da sua
importância para o desenvolvimento e refinamento da habilidade de escrita dos alunos.
Conforme postula Gerhardt (2013), “articular e refinar a percepção notacional do aluno
sobre a língua portuguesa é uma das tarefas primordiais do ensino de português como
língua materna” (p. 21).
Pensando nesse propósito de ressiginificar a gramática nas aulas português e no
ensino de língua de forma geral, defendendo a articulação entre as aulas de português e
as de produção textual, optamos pelo trabalho com um recorte que sirva de evidência do
ensino inadequado atual e possibilite que seja pensado um outro ensino. Encontramos,
assim, na incompletude gramatical - um problema linguístico, de ordem sintática, que se
mostrou recorrente nas redações de alunos de diferentes idades e classes sociais, e que
não consta como conteúdo nos livros didáticos - um material produtivo para nós, que nos

1
Quando usamos o termo “gramática” estamos nos referindo aos conhecimentos gramaticais, ao conteúdo
linguístico, e não do livro escolar.

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auxiliaria a desenvolver nossas ideias em torno de um ensino que tenha como base o
desenvolvimento da consciência do aluno sobre as estruturas linguísticas pertinentes a
sua língua e sobre como gerenciá-las em suas práticas de linguagem, ou seja, um ensino
que se volte para o desenvolvimento da consciência metalinguística – no nosso caso
específico, trataremos da consciência metassintática, que é a consciência e gerenciamento
das estruturas sintáticas que compõem o texto (GOMBERT, 2009), como veremos mais
à frente. Ao longo deste trabalho, mostraremos que o desenvolvimento das habilidades
metalinguísticas, no sentido que abordaremos aqui, traz como consequência a autonomia
do aluno quanto às suas práticas de linguagem e a possibilidade de mudanças sociais
(GERHARDT, 2016).

1.1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA


Para estudar a incompletude gramatical, compusemos um corpus de textos escritos
pertencentes ao gênero dissertação argumentativa com vistas ao ENEM. Esses textos
foram extraídos do banco de redação do site UOL e foram escritos por alunos pré-
vestibulandos que submetem suas redações de forma anônima ao site com o objetivo de
avaliar sua performance – a produção é corrigida por um profissional contratado pelo site
e recebe uma nota e comentários, o que funciona como uma espécie de termômetro para
que o autor tenha uma noção de como se sairia nos exames oficiais. Após selecionarmos
esses textos, buscamos observar a ocorrência de um problema de ordem sintática, o qual
denominamos de incompletude gramatical, e avaliar a relação de tal ocorrência com
possíveis problemas relacionados ao ensino de escrita e ensino de gramática.
A incompletude gramatical, foco do presente trabalho, foi detectada
primeiramente por Alcir Pécora (1983), que identificou problemas de ausência de
constituintes em redações de vestibular e denominou o fenômeno incompletude
associativa. Esse pesquisador, no entanto, estava preocupado em analisar problemas
gerais de gramática em textos escritos, e seu foco era entender questões de linguagem, e
não de uso da linguagem. Além disso, Pécora (1983) não propôs um estudo sistematizado
do problema de incompletude associativa. Nós, ao contrário, levando em conta a pessoa
que usa a língua e os processos cognitivos envolvidos nesse uso, estamos propondo que
a incompletude ocorre em diferentes níveis textuais. E, por percebermos que a
incompletude pode também ocorrer no nível discursivo, o qual, por limitações do
trabalho, não poderemos tratar no momento, entendemos ser necessário:
1) dar um nome ao fenômeno de forma que a característica gramatical ficasse em

15
evidência, deixando em aberto o espaço para uma outra proposta de estudo sobre
a incompletude discursiva;
2) tornar a incompletude gramatical um conceito, que será apresentado dentro do
capítulo de aporte teórico.
A incompletude gramatical pode ocorrer:
 No nível lexical, referindo-se à ausência de léxicos importantes para a
construção de significado e para a manutenção da coesão textual;
 No nível argumental, referindo-se à ausência de um argumento projetado pelo
verbo ou pelo nome, ou ainda pela ausência do próprio verbo;
 No nível proposicional, referindo-se à ausência de uma proposição inteira,
podendo esta ser um predicado ou uma oração que deveria estar articulada a
outra – na nomenclatura da gramatica tradicional, essa oração seria
correspondente a uma oração principal ou a uma das coordenadas.
Esse fenômeno linguístico se mostrou produtivo nas redações avaliadas e
evidenciou problemas relacionados aos saberes sobre práticas de linguagem dos alunos.
A observação desse problema de escrita faz emergir questões concernentes tanto ao
ensino de língua quanto ao uso da língua em si, isto é, às causas que se relacionam com
ações metacognitivas do usuário no momento de sua prática de linguagem. Em outras
palavras, notamos que havia uma relação entre a ocorrência do problema linguístico e as
falhas no ensino de língua; e entre as falhas no ensino e as ações metacognitivas referentes
às práticas de linguagem. Identificamos que os problemas de escrita apresentados pelos
alunos estavam relacionados à dificuldade de gerenciar os recursos de sua própria língua
nos seus atos de comunicação, sejam eles orais ou escritos; e essa dificuldade evidencia
o problema causado pela desarticulação entre o ensino de português e o ensino de
produção textual, além do equívoco característico da própria aula de português, que, como
veremos, entende o ensino de gramática como ensino de regras e de classificações de
estruturas da língua, sem nenhuma relação com a produção textual oral ou escrita. Ou
seja, um sistema de ensino de língua falho, que não propõe ao aluno experiências de
qualidade com a própria língua.
A partir desses achados, propomos um recorte específico, mas visamos os
conhecimentos de língua de forma geral. Trataremos da incompletude gramatical nos três
níveis, mas tendo em mente uma mudança no tratamento de todos os problemas
linguísticos. A incompletude gramatical, nesse sentido, será apenas um exemplar de
problemas linguísticos não tratados pela escola, e a sua exploração nos ajudará a mostrar
16
a importância do desenvolvimento das habilidades metalinguísticas nas aulas de
português, não no sentido de Jakbson (1960), mas de Gombert (2009), que trata dessas
habilidades como habilidade de gerenciar os recursos linguísticos disponíveis para a
construção de textos. Sendo assim, advogamos aqui, em consonância com os postulados
de Gerhardt (2016), em prol da mudança de foco no ensino: da língua para a pessoa que
usa a língua. Então, quando observamos a incompletude como um fato estrutural que diz
respeito a regras de uso da língua, estamos focalizando, na verdade, os processos
cognitivos que levam o aluno a incorrerem nesse problema; diferentemente do que se faz
no ensino hoje, estamos propondo um trabalho com o erro, em conformidade com o que
postula Gerhardt (2013, 2014, 2015, 2016). E objetivamos, com isso, abrir a possibilidade
de pensar em práticas pedagógicas que possam dar conta desse e de outros problemas
gramaticais, o que acarretará uma mudança substancial no ensino de gramática, que
passará a estar a serviço das práticas de linguagem, do efetivo uso da língua, da produção
em diferentes gêneros e contextos comunicativos em diferentes registros e modalidades,
da experiência de qualidade da pessoa com a sua língua.
Segundo Perini (2006), “precisamos conhecer as regras porque elas são parte do
mecanismo mental que nos permite relacionar formas com significados e, portanto,
compreender e transmitir mensagens” (p.64). As regras a que se refere Perini (2006) são
parte dos recursos que a língua nos oferece para construir textos, e essa relação entre o
mecanismo cognitivo de significação e a materialidade linguística, que será vista mais à
frente, é o que fundamenta a necessidade de aprendermos e nos apropriarmos dos recursos
gramaticais, já que eles são fatores importantes para a construção do significado, que é o
que possibilita a efetivação dos propósitos retóricos de um escritor ou falante – no nosso
caso específico, estaremos tratando da produção textual escrita.

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2. CONTEXTUALIZAÇÃO

Antes de podermos começar nossa discussão acerca do problema de


incompletude gramatical, faz-se mister entendermos primeiramente o contexto em que o
problema se insere. Isso significa considerar uma reflexão tanto sobre o processo de
escrita quanto sobre o ensino de escrita – ensino de texto – e de Língua Portuguesa –
ensino de sintaxe. É necessário entendermos como se dá o processo de escrita e
observarmos como a habilidade de escrita é didatizada, isto é, ministrada nas salas de aula
brasileiras. Quanto a esta última questão, é importante ressaltar que estaremos utilizando
como base para nossas considerações os expostos nos livros didáticos de língua
portuguesa, haja vista considerarmos esse material como objeto que norteia as aulas de
língua portuguesa e de produção textual nas escolas brasileiras.

2.1. O PROCESSO DE ESCRITA


O termo “escrita” possui duas acepções que julgamos principais: (a) produto do
ato de escrever e (b) um tipo de habilidade utilizada nas interações sociais. Este trabalho
se desenvolverá em torno da segunda definição. Nesse sentido, a escrita pode ser
entendida como uma habilidade utilizada por um sujeito para se comunicar com o(s)
outro(s) sujeito(s) ou apenas para se expressar, como no caso dos diários; de toda forma,
é uma habilidade referente a um tipo de prática social que se realiza por meio da
linguagem. A compreensão sobre a escrita como prática de linguagem, como veremos de
forma mais aprofundada mais adiante, pode ser encontrada nos textos de autores como
Gombert, Gerhardt, Camps and Milian, Myhill, dentre muitos outros linguistas cujos
trabalhos se voltam para a observação e reflexão em torno de textos escritos sob a
perspectiva cognitivista. Segundo Micciche (2004), a escrita é “material de prática social
no qual significados são construídos de forma ativa, ao invés de passivamente
retransmitido ou produzido sem esforço algum” (apud MYHILL, 2009, p. 31. Tradução
nossa)i.
A habilidade de escrita constitui-se de ações processuais. O processo de escrita
pode ser “descrito em três estágios: planejamento, transcrição, revisão” (GOMBERT,
1992, p. 166. Tradução nossa)ii. Na fase de planejamento, o escritor se vê diante da tarefa
de definir os detalhes pertinentes ao contexto comunicativo: o tema que será abordado;
os objetivos comunicativos do texto, o que inclui pensar em como atingir esses objetivos,
ou seja, qual mensagem deve ser construída; o gênero textual que melhor atende a seus

18
objetivos comunicativos; as demandas globais desse gênero, isto é, que tipo de
informações ele comporta, como as informações devem ficar dispostas, qual modalidade
é característica desse gênero e outros “enquadramentos” (GERHARDT, 2015) relativos à
proposta do escritor.
Antes de escrever, é necessário selecionar o tema ou determinar os
objetivos do escritor e antecipar o que será comunicado ao leitor a quem
o texto é direcionado. E então, é necessário encontrar, na memória de
longo prazo ou em fontes externas, as ideias que deverão ser postas em
palavras. Essas ideias devem ser organizadas de forma que se linguem
ao conhecimento prévio esperado do leitor e possua uma configuração
geral coerente. (GOMBERT, 1992, p. 166, tradução nossa)iii

Como já dissemos, é durante o planejamento que o escritor escolhe a modalidade,


dentre outros enquadramentos, que deve atender aos seus propósitos comunicativos. No
caso do presente trabalho, estamos tratando especificamente da modalidade escrita. Nesse
sentido, há diferenças entre essa modalidade e a modalidade oral que são de extrema
relevância para a compreensão das ideias expostas neste documento e que, por isso,
iremos pontuar abaixo:
 Segundo Czerniewska (1992) e Perera (1987), “a escrita é lexicalmente mais
densa e integrada do que a fala” (apud MYHILL, 2009, p. 31. Tradução nossa)iv.
 Conforme exposto por Myhill (2009), “a escrita não é a transcrição da fala: são
modalidades formatadas e construídas de formas diferentes e regidas por
convenções gramaticais e sociais diferentes. Um texto escrita não é o mesmo que
um texto falado.”2 (p. 31, tradução nossa)v.
 O texto oral possui um contexto de comunicação que inclui outros objetos cuja
interação participa da construção do significado, como gestos, expressões faciais,
prosódia, entre outros. O texto escrito apresenta apenas a materialidade linguística
como fonte possibilitadora de significado. (ver MYHILL, 2009)
 Na comunicação oral, locutor e interlocutor estão próximos, o que facilita
identificação de problemas de compreensão/construção de significado e,
consequentemente, a sua correção. Na comunicação escrita, os interactantes
(GERHARDT, 2010, 2015, 2016) se encontram distantes, o que demanda maior

2
No texto original, as expressões em inglês “written sentence” e “spoken utterance” apresentam formas
linguísticas (morfologias) diferentes. Se levássemos a tradução ao pé da letra, teríamos as expressões
“sentença escrita” e “fala falada”. Na primeira expressão, esbarramos no conceito de sentença, que não
contempla a ideia proposta pelo autor; e na última, enfrentamos o problema de coerência, já que o
substantivo “fala” se origina da nominalização do verbo “falar”. Por isso optamos pela tradução que
propusemos.

19
atenção por parte do escritor quanto às possibilidades de significados que as
estruturas por ele utilizadas podem propor, ou seja, a previsão do que é esperado
que o leitor entenda, já que, diferentemente da modalidade oral, não há
possibilidade de um feedback imediato na modalidade escrita. (ver MYHILL,
2009)
Myhill (2009) nos mostra que há um continuum entre oralidade e escrita e destaca
a aproximação entre essas duas modalidades em alguns gêneros, como o discurso oral
formal, que se aproxima bastante da escrita, e gêneros de escrita mais informais, como e-
mails e mensagens de celular, que se aproximam bastante da oralidade. Contudo, a autora
salienta que “as distinções linguísticas entre a fala informal e a escrita formal são bem
perceptíveis” (p.31, tradução nossa)vi, colocando essas modalidades e seus respectivos
registros nas extremidades do continuum oralidade-escrita. Todas essas considerações
servirão para discutirmos mais à frente as necessidades específicas envolvidas no ensino
de escrita e como elas são ou não atendidas pelo sistema educacional brasileiro.
Findo o estágio de planejamento, o escritor entra no estágio de transcrição, o qual
pode ser entendido como a fase de transformação das ideias em palavras escritas. Em uma
avaliação superficial, esse estágio parece ser relativo a uma atividade puramente motora;
no entanto, a literatura nos mostra que se trata de um processo muito mais complexo.
Como expõe Gombert (2015), é no estágio de transcrição que o escritor faz seleções
importantes para a materialização linguística de suas ideias. É durante a transcrição que
o escritor realiza ações como “escolhas lexicais e antecipação das convenções de escrita
no nível ortográfico, sintático e de pontuação – tudo isso como uma função da capacidade
de compreensão esperada do leitor pretendido” (GOMBERT, 2015, p. 166, tradução
nossa)vii. Vemos, assim, que as escolhas de ordem gramatical são feitas dentro desse
estágio de transcrição; e, sobre isso, vale observar que, assim como propõe Gerhardt
(2015, 2016), o léxico e a gramática compõem uma “faceta das ações de linguagem”; dito
de forma mais específica, esses elementos são entendidos como “componentes que
materializam estruturalmente as características discursivas de um texto” (GERHARDT,
2016, p. 44).
A fase de transcrição junto à de planejamento evidenciam as facetas discursivas e
gramaticais da produção escrita. A compreensão dessas duas facetas da língua pode ser
vista nos postulados de Ravid & Tolchinsky (2002), que nos apresentam a distinção entre,
de um lado, a língua como estilo discursivo, e, de outro, como sistema notacional (ver
RAVID & TOLCHINSKY, 2002; GERHARDT, 2016). Para o nosso trabalho, importar-

20
nos-á a observação da língua como sistema notacional, já que, como explicitamos em
nossa introdução, objetivamos articular o ensino de gramática ao ensino de texto. Sendo
assim, a fase de transcrição terá grande relevância nas discussões que serão desenvolvidas
mais à frente.
Voltando aos estágios de escrita, após o estágio de transcrição, Gombert (1992) e
Hayes e Flower (1980) nos apresentam o estágio de revisão, o qual é referente à fase de
avaliação do texto produzido e de correções de possíveis problemas. Esse estágio se
constitui de ações de “releitura, de comparação entre o texto produzido e o texto
planejado, e de implementação das correções necessárias” (GOMBERT, 1992, p. 166,
tradução nossa)viii. Os autores ainda destacam que a revisão do texto pode acontecer não
somente no final, mas também ao longo do processo de escrita. Ademais, Gombert (1992)
sinaliza que ao processo de revisão pode ser adicionado o de reescrita, que, segundo o
autor, “é mais do que um simples passo dentro do processo geral de composição,
constituindo uma forma modificada de retranscrição do texto que acabou de ser
produzido” (GOMBERT, 1992, p. 167, tradução nossa)ix.
O processo de revisão foi (e ainda é) explorado por diferentes autores. Escolhemos
construir nosso discurso em torno das ideias de revisão apresentadas por Hayes e Flower
(1980), Allal, Chanquoy e Largy (2004) e Myhill (2007). Segundo Allal, Chanquoy e
Largy (2004), a revisão acontece nos três estágios da escrita: planejamento, transcrição e
revisão. Os autores denominam a revisão que ocorrem no estágio de planejamento de
revisão “pré-textual”, que inclui as ações de “avaliação, revisão e refinamento de ideias e
objetivos”; a que ocorre no estágio de transcrição de “revisão online”; e a que se realiza
ao fim da produção de “revisão posterior”3 (ALLAL, CHANQUOY E LARGY, 2004,
apud MYHILL, 2007, p.324. tradução nossa)x. Enquanto esses autores identificam e
propõem uma divisão baseada nos momentos de ocorrência da revisão, Hayes e Flowers
(1980) tratam do processo em si.
No modelo de escrita de Hayes e Flower (1980), o processo de revisão se divide
em dois subprocessos: “(a) leitura para detecção e avaliação de erro e (b) edição para
propor alterações”. (HAYES E FLOWERS, 1980, apud MYHILL, 2007, p. 324. tradução
nossa)xi. Observemos que o modelo proposto por Hayes e Flower em 1980 não entra em
conflito com a proposta de Allal e colegas (2004), e que todos esses autores tratam da

3
O termo utilizado em inglês para o que traduzimos aqui como “revisão posterior” foi deferred revision.
Essa expressão, se tomado o significado ao pé da letra, deveria ser traduzida como “revisão postergada”.
No entanto, acreditamos que o léxico “posterior” atende melhor ao significado pretendido pelos autores.

21
revisão como um processo que pode ser realizado de forma consciente ou
inconsciente/automática; a diferença entre essas formas de rever o texto reflete na
qualidade da produção final. Sobre isso, Myhill (2007) destaca os postulados de Pea &
Kurland (1987), mostrando as dificuldades enfrentadas pelos estudantes durante o
processo de revisão: de um lado, eles apresentam dificuldade quanto a “auto-monitorar
quais são seus problemas de escrita”; e, de outro, se conseguem identificar o problema,
sentem falta de “técnicas e métodos para corrigi-los” (PEA & KURLAND, 1987, apud
MYHILL, 2007, p. 340. Tradução nossa)xii. Essas questões serão retomadas em capítulos
posteriores deste trabalho para maiores reflexões. Contudo, queremos ressaltar ainda que,
segundo Hayes (2004), “em muitos casos, revisamos nossos textos não por termos
encontrado um erro, mas por termos encontrado algo melhor para dizer ou uma maneira
melhor de se dizer o que dissemos” (p.11, tradução nossa)xiii.
Ainda tratando das ações de revisão, refinando a ideia de Hayes e Flower (1980),
Allal e colegas (2004) apresentam uma distinção entre a atividade de editar e a de
reescrever. Segundo eles, a edição do texto envolve a correção de pequenos erros sem que
haja mudanças de significado, enquanto a reescrita envolve as ações de transformar,
adicionar ou deletar elementos do texto, o que significa propor uma alteração no
significado (apud MYHILL, 2007). Veremos mais à frente que essa fase, bem como a fase
de transcrição, terá papel importante nas discussões que proporemos em torno do ensino
de gramática em articulação com ensino de texto.
Tendo finalizado as explanações acerca do processo de escrita, passaremos agora
a tratar do contexto educacional em que tal processo deve ser tratado. Na próxima seção,
observaremos como se dá o ensino de língua materna nas aulas de Português, no Brasil,
como a habilidade de escrita é ou não trabalhada nas escolas brasileiras, se as demandas
para que a produção textual seja implementada de forma qualitativa são ou não atendidas
e as consequências do modelo atual de ensino de língua portuguesa.

2.2. O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NOS MOLDES ATUAIS: AS AULAS DE LÍNGUA

PORTUGUESA E AS AULAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL.

Começaremos esta seção estabelecendo uma distinção necessária entre o que


chamaremos doravante de ensino de língua portuguesa, aula de língua portuguesa, ensino
de produção textual e aula de produção textual. Ensino de língua portuguesa deverá ser
entendido como sinônimo de ensino de língua materna, que, no nosso caso, é a língua
portuguesa; isso implica o ensino de diferentes práticas com a linguagem, o que abarca o

22
ensino de escrita bem como o de leitura. Aula de língua portuguesa deverá ser entendida
como a sendo referente à Disciplina Língua Portuguesa, que nas escolas brasileiras é
ministrada em separado das Disciplinas Redação e Literatura. O ensino de produção
textual, por sua vez, se refere ao ato de ensinar pertinente às aulas de produção textual,
ou seja, ao ato de ensinar a arte de escrever (ensino de escrita). Sendo assim, por aula de
produção textual, devemos entender a Disciplina que se dedica ao ensino da escrita, que
nos currículos brasileiros é denominada Redação ou Produção Textual.
Antes de prosseguirmos com nosso raciocínio, gostaríamos de fazer um adendo
relativo ao termo “língua materna”: esse termo é problematizado em Scherre (2005),
devido à ideia da autora sobre o que se ensina na escola não ser língua materna. A autora
se apoia no argumento de que “língua materna se adquire; não se aprende e nem se ensina”
(p. 93). Partindo desse argumento, Scherre (2005) chega a afirmar que o que se ensina na
escola também não é língua portuguesa, mas “gramática normativa, uma segunda língua
ou uma língua estrangeira” (p. 95). A autora diz ainda que “as gramáticas normativas, em
alguns aspectos, são reflexos de verdadeiras segundas línguas, no sentido de serem
reflexos de um outro estado de língua, com um outro conjunto de relações” (p. 95). Apesar
de reconhecermos que essa seja uma reflexão interessante e de admitirmos que a
gramática normativa possui suas peculiaridades, nosso trabalho não se aprofundará nessa
problematização. Por ora, nos importa a acepção de língua materna como idioma nacional
oficial; no nosso caso, o idioma oficial é o português. E devemos incluir nessa definição
os diferentes registros pertinentes a essa língua, a saber: o registro coloquial, referente
aos usos cotidiano em situações informais; e o registro formal, também denominado
registro padrão ou norma culta, ou ainda norma de prestígio, referente aos usos em
situações formais4. É em torno desse último que o presente trabalho se desenvolverá.
Posto o adendo e feitas as considerações terminológicas, iniciaremos as
considerações sobre as aulas da Disciplina Língua Portuguesa.

2.2.1. AS AULAS DE PORTUGUÊS: O ENSINO DE GRAMÁTICA


Conforme já dissemos, as aulas de língua portuguesa acontecem de forma
separada das de produção textual. Nos livros didáticos, a separação entre as Disciplinas
Língua Portuguesa e Redação (ou produção textual, em alguns currículos) se apresenta
também nos conteúdos trabalhados por ambas as Disciplinas. Em Língua Portuguesa,

4
Para mais informações acerca do papel do registro no texto escrito, ver GEHARDT, 2015.

23
notamos que o foco do ensino recai sobre as classificações taxonômicas e a fixação das
normas prescritas pela gramática tradicional (ver GERHARDT, 2016). O que podemos
observar a partir da experiência como professora é que as aulas de português se voltam
para atividades de classificar palavras ou frases ou estruturas soltas, fora de um contexto;
ou de fixar regras de uso da língua, priorizando o trabalho com as regras pertinentes à
variedade culta da língua. E ainda, quando encontramos atividades que se propõem a
focalizar o texto, este acaba sendo utilizado apenas como “um suporte didático para a
realização de atividades linguísticas de identificação, de localização, de análise e de
classificação de estruturas da gramática normativa” (SILVA, 2012, p. 70). Nas palavras
de Kleiman (2008), “o professor utiliza o texto para desenvolver uma série de atividades
gramaticais, analisando, para isso, a língua enquanto conjunto de classes e funções
gramaticais, frases e orações” (p. 17).
Savioli (2014) faz uma avaliação do percurso da gramática nas ações escolares. O
autor divide esse percurso em três estágios e mostra como o ensino de gramática partiu
de uma perspectiva explicitamente preocupada apenas com as classificações gramaticais
para um ensino preocupado com a utilização de gêneros textuais como aporte para as
questões gramaticais. O que o autor nos apresenta é a transformação ocorrida no ensino
de língua, a qual, no entanto, não eliminou as atividades de classificação – houve apenas
uma alteração na nomenclatura –, nem saiu do foco na língua, apesar de, de alguma forma,
passar a considerar o aluno no processo ao rever a finalidade da língua: construção de
significado e comunicação (SAVIOLI, 2014):
Nessa concepção, a gramática passa a ser vista como um conjunto de
leis responsáveis pelas regularidades geradoras de sentidos e de efeitos
de sentido. É um programa carregado de circuitos acionáveis pelo
enunciador para produzir os resultados ajustados às suas intenções e ao
tipo de relação que pretende estabelecer com seu interlocutor numa
dada circunstância de comunicação, levando em conta o contexto
cultural (SAVIOLI, 2014, p. 144).

Notamos, com esse trecho de Savioli (2014), que o aluno, enquanto enunciador,
passa a ser considerado no processo de ensino de língua, além da gramática, que passa a
ser entendida como necessária na construção de significado nas práticas com a linguagem.
Além disso, o autor considera também a influência de fatores sociais nas práticas de
linguagem:
As teorias expostas colocam com clareza o dado de que a língua é, a um
só tempo e sob aspectos diversos, um código e também um fato social.
Na condição de código, ela tem o poder de, em quaisquer das
variedades, construir significados equivalentes; na condição de fato

24
social, cada variedade se contagia do prestígio de que desfruta a
comunidade dos seus falantes. Assim, um enunciado indiferente sob o
ponto de vista do significado, pode ser comprometedor sob o ponto de
vista do fato social (SAVIOLI, 2014, p. 145).

Contudo, ainda que observemos nas considerações do autor um olhar sobre o


aspecto social, o foco não está no aprendiz, mas na língua em si, já que ainda estão sendo
desconsiderados os processos envolvidos no aprendizado dessa língua. Ademais, nesse
terceiro estágio, evidencia-se a característica do ensino de ser pautado na avaliação do
que é “certo” e do que é “errado” em termos de obediência à gramática prescritiva (ao
uso da norma culta); e, por isso, o livro didático prezar pela seleção de textos considerados
“obras escritas na variedade culta formal” (SAVIOLI, 2014, p.145).
A responsabilidade da escola pelo ensino da língua padrão, mas não
pelo método até então praticado, o de oferecer um rol de etiquetas
linguísticas esparsas, mas pelo mergulho dos aprendizes no meio em
que circula essa variedade da língua e esse meio não é outro senão o
universo das obras escritas na variedade culta formal. É só o contato
prolongado e reflexivo com essa variedade que pode levar a dominá-la
(SAVIOLI, 2014, p.145).

Essa mudança na visão sobre o ensino de língua, e especificamente o ensino de


gramática, e a observação quanto a sua ineficiência nos é resumida, de outra forma, mas
não menos interessante, por Gerhardt (2016), como expomos a seguir:
Na história do ensino de língua portuguesa no Brasil, é isso o que tem
acontecido: durante anos, afirmou-se que os alunos não aprendiam
porque os conteúdos eram de qualidade ruim. Ao longo das décadas de
oitenta e noventa, reputou-se maciçamente o ensino da gramática
tradicional como grande vilão do ensino de português. Com o advento
dos PCNs, o que houve basicamente foi uma mudança nos conteúdos,
que passaram a girar em torno dos gêneros textuais, reconhecidos, por
parte dos Parâmetros, como provocadores de um novo relacionamento
dos alunos com os conhecimentos. Mas não se atentou para o fato de
que as formas de relação entre as pessoas que integram a sala de aula –
alunos, professores – e os conteúdos ensinados são altamente
institucionalizados, com papéis e atribuições que não se flexibilizam
com facilidade nem depois de grande discussão, quanto mais sem se
refletir e se problematizar sobre eles, como aconteceu no período do
advento dos PCNs. Assim, mesmo com conteúdos novos, a relação
escolar com eles se manteve baseada nas mesmas ações cognitivas do
ensino tradicional: classificações, descrições, nomeações, definições
(GERHARDT, 2016, p.73).

Especificamente no ensino de sintaxe, o livro didático, que entendemos ser o


suporte e guia principal dos professores, oferece-nos uma aula de nomenclatura, de
classificação de frases soltas (ou ainda que estejam dentro de um texto, os enunciados

25
apenas demanda que o aluno as retire para, então, realizar a classificação), sem nenhuma
ligação com ou objetivo de contribuição para a produção escrita ou para qualquer outro
tipo de prática com a linguagem. Acrescido a isso, as demais atividades direcionadas ao
ensino de gramática não propõem nenhuma intervenção ou reflexão por parte do aluno
(GERHARDT, 2016); são apenas atividades de fixação de regras, sem haver uma
proposta de levar o aluno a pensar sobre os usos de tais regras na composição textual,
sobre como funcionam na construção de significados, por exemplo. Nas palavras de
Gerhardt (2016), “apresenta-se uma construção qualquer e se mostram aos alunos as
partes que a formam, com os devidos nomes [...]. E pretende-se com isso que os alunos
leiam e escrevam textos com qualidade” (p.76).
Ao verificarmos como se dá o ensino de gramática referente à habilidade de
escrita, fica evidente que esse ensino não oferece nenhum recurso que auxilie o aluno em
seu desenvolvimento como escritor, já que classificar elementos gramaticais, sejam eles
morfológicos, sejam sintáticos, não consta como uma ação necessária para o
desenvolvimento da habilidade de escrita – e, apesar de não ser nosso foco neste trabalho,
podemos afirmar que classificação taxonômica também não colabora para o
desenvolvimento da habilidade de leitura (GERHARDT, 2013, 2016). Sendo assim, é
legítimo levantar uma questão central para os professores de português que ministram a
Disciplina Língua Portuguesa: para que servem as aulas de língua portuguesa?
Como já vimos, a exclusão do ensino de gramática aparece como uma solução
para o problema de inutilidade das aulas de língua portuguesa nos moldes tradicionais.
Nosso ensino de gramática sofre do mesmo mal que o dos ingleses, como vemos em
Cameron (1995), que afirma que, no Reino Unido, “o debate sobre gramática tem sido
menos sobre gramática em si do que sobre ‘o valor particular e os padrões que a gramática
foi feita para simbolizar.” (CAMERON, 1995, apud MYHILL, 2000, p.151. Tradução
nossa)xiv. O que Cameron (1995) nos aponta, e que cabe ao que ocorre no Brasil, é que as
discussões sobre gramática acabaram girando em torno de questões políticas e
variacionistas (a briga de classes materializada no ensino de língua) do que em torno da
relação entre o ensino de gramática em si e as práticas de linguagem. O problema é que
ao excluir-se do ensino os conhecimentos sobre gramática, exclui-se o olhar sobre o
sistema notacional que constitui o texto.
Segundo Ravid e Tolchinsky (2002), a língua é constituída em dois planos: um
plano chamado de estilo discursivo, que trata das estruturas gerais dos gêneros textuais;
e um plano chamado sistema notacional, que trata da materialidade linguística que

26
constitui o texto. Ou seja, a gramática é parte constitutiva do texto e deve ser tratada como
tal. Contudo, tratar do sistema notacional implica tratar tanto da norma culta quanto do
uso coloquial da língua, o que é inadmissível segundo o discurso do “senso comum”.
Tanto linguistas como não-estudiosos da língua encontram dificuldade em entender a
gramática como parte importante na construção do significado e o uso coloquial como
item importante a ser levado em consideração, haja vista ser relativo aos saberes que o
aluno já apresenta, além de possuir seu próprio sistema de organização. Conforme nos
mostra Myhill (2000), ainda sobre a situação do ensino no Reino Unido,
Existe uma crença de que a gramática é uma entidade monolítica: da
mesma forma que não-linguistas acham difícil de entender que tanto o
inglês padrão [equivalente à nossa norma culta] quanto os dialetos
[equivalente ao nosso uso coloquial característico de cada local]
possuem de igual forma sua própria gramática sistematizada e
organizada, não-linguistas não sabem que a gramática varia de uma
língua para outra” (p. 156).

Assim, o ensino de gramática ora é pensado apenas como ensino de regras da boa
escrita, ora é ojerizado e tido como inútil; e o ensino de escrita em momento nenhum se
articula com os conhecimentos gramaticais de forma explícita, com ressalvas para as
questões de concordância verbal e nominal e colocação pronominal, como vimos ser
necessário para que qualquer aluno tenha condições de produzir bons textos – e não
apenas aqueles que já estão imersos nas comunidades linguísticas de prestígio, o que
ajuda de alguma forma a proximidade das suas produções do que é considerado bom,
socialmente aceito ou passível de significação5. E a escolha pelo trabalho com foco em
textos nas aulas de língua portuguesa não parece ter contribuído para a melhoria nem da
leitura nem da escrita, pois ainda deixava de fora os aspectos gramaticais que trabalhavam
para a construção do significado do texto.
Não se fazia o esforço interpretativo, marcado pelo propósito de
aprender os sentidos dos signos no seu interior e no modo como se
articulam para criar uma unidade de sentido. As aulas de texto, em geral,
restringiam-se a responder questionários ou testes que se fixavam
apenas nas informações de superfície (SAVIOLI, 2014, p. 140)

E, ainda que as considerações sobre variedades linguísticas estejam sendo cada


vez mais aceitas (apesar de ainda vivenciarmos muitas polêmicas em torno desse assunto),

5
A imersão nas comunidades linguísticas de prestígio faz com que o sujeito tenha acesso à fala cujas
estruturas são mais próximas do estabelecido pela norma culta. Assim, considerando o que colocamos
anteriormente sobre o continuum fala-escrita, podemos concluir que esse sujeito advindo das comunidades
de prestígio, ainda que escreva como uma transcrição da sua oralidade, se aproxima, na escrita, do que a
norma culta estabelece como apropriado.

27
as atividades relativas a esse tema se restringem à identificação do tipo de variedade,
discussão em torno da situacionalidade – se o registro utilizado é apropriado ou não à
situação de comunicação – e correção – transformar um texto coloquial em texto formal.
Em nenhum momento, as produções dos alunos, com seus erros, suas inadequações, são
consideradas. Logo, ao não admitir as produções dos alunos, o erro, não considerar os
saberes e não saberes desses alunos, não considerar as ações cognitivas envolvidas nas
habilidades que se pretende trabalhar/desenvolver (leitura e escrita) e insistir nas práticas
pedagógicas que se voltam para a transmissão de regras apenas, o que vemos é que as
mudanças no ensino de gramática, no ensino de língua portuguesa e no ensino de escrita
de forma alguma fez com que o foco saísse da língua e se voltasse para a pessoa, conforme
nos mostra Gerhardt (2013, 2015, 2016).
A proposta de ações didáticas meramente apresentativas e definicionais
para os elementos da linguagem, seja com finalidade de análise e
classificação, seja para identificar a relação entre as formas linguísticas
e os seus significados possíveis, está presente e ocupa espaço
majoritário na maioria dos atuais materiais didáticos e propostas
pedagógicas do português como língua materna. Essa forma de ensino
está relacionada à naturalização do aprendizado porque diz respeito à
ideia de que os alunos são capazes de aprender de qualquer jeito, mesmo
que, no processo, eles estejam situados como elementos passivos, não
sendo desafiados, motivados a fazerem coisas com a linguagem, nem a
desconstruírem percepções e opiniões sobre ela, nem a compreenderem
que a efetiva intervenção consciente sobre o que produzem
linguisticamente também é uma prática de linguagem (GERHARDT,
2016, p. 73)

O que Gerhardt (2016) está nos apresentando é que o problema central do ensino
de língua portuguesa é não se centrar no auxílio ao desenvolvimento das competências
metalinguísticas (que incluem a consciência metassintática) e metatextuais dos alunos, ou
seja, na conscientização deles sobre ações envolvidas nas práticas de linguagem e dos
recursos disponíveis para melhorar a implementação de tais ações: não há um foco em
melhorar a experiência do aluno com a língua.
No capítulo que segue, aprofundar-nos-emos nesse assunto, desenvolvendo os
conceitos de metalinguagem e metassintaxe. Além disso, apresentaremos nossa visão
sobre como se daria um ensino apropriado de gramática e como atender à necessidade de
se estabelecer uma articulação entre esse ensino e o ensino de escrita, objetivando mostrar
a importância do ensino de gramática para a melhoria da produção escrita e efetivar a
mudança de foco das reflexões: da língua para a pessoa.

28
2.2.2. RESSIGNIFICANDO A GRAMÁTICA
Ao longo dos anos, o ensino de gramática, associado às aulas de língua
portuguesa, passou por grandes transformações, todas fundamentadas em diferentes
estudos, como vimos no capítulo anterior. No entanto, vimos também que nenhuma
dessas mudanças trouxe significado às aulas de gramática, nem melhoria às aulas de
produção textual; e apontamos que, conforme afirma Gerhardt (2013), isso se devia ao
fato de tais transformações não terem afetado a visão sobre o aluno e sobre o aprendizado:
o aluno continua sendo um sujeito passivo inserido contexto de aprendizado onde o
próprio aprendizado é naturalizado. Somente a partir da redefinição do papel do aluno é
que se torna possível pensar em uma desnaturalização do aprendizado, o que inclui a
realização de uma reflexão acerca de o que se deve ensinar e, consequentemente, de como
se ensinar. A partir do momento em que os agentes responsáveis pela idealização e
implementação das práticas pedagógicas concernentes ao ensino de língua materna
passarem a entender o aluno como um sujeito agentivo na relação com o aprendizado,
entenderão também a necessidade de se repensar os conteúdos que devem ser trabalhados
em sala de aula de forma a atender às necessidades desse sujeito, o que significa rever os
conteúdos das aulas de português e de produção textual de forma a atender às demandas
desse sujeito quanto às suas práticas com a linguagem. Nesse contexto, repensar-se-á
também o conceito ou a visão sobre a gramática e seu ensino. Hoje, o ensino de gramática
é visto como um instrumento de manutenção da dominância do registro padrão, ou língua
de prestígio, sobre o registro coloquial. Mas, essa visão só é possível devido à abordagem
inadequada que se tem dado a esse ensino, que não leva em conta as práticas de linguagem
dos alunos, já que “muito poucas pesquisas têm dado atenção genuína ao modo como
aprendizes aprendem gramática e aos problemas e dificuldades que eles enfrentam em
aprenderem conhecimento metalinguístico” (MYHILL, 2000, p. 152, tradução nossa)xv.
Em outras palavras, o ensino não trabalha com práticas de linguagem porque não trabalha
com erros; apenas com regras.
Nossa visão sobre a gramática e seu ensino envolve o reconhecimento da relação
entre gramática e significado (MYHILL, 2000; RAVID; TOLCHINSKY, 2002;
GERHARDT, 2013, 2015, 2016) e consideração das dificuldades relativas à experiência
dos aprendizes com a língua em prática, isto é, consideramos os problemas que os alunos
encontram ao lidarem com a gramática em contextos de comunicação; seja ele de leitura,
de escrita ou de oralidade (MYHILL, 2000; GERHARDT, 2013, 2016). Nesse sentido,
entendemos que “parte do desafio para os professores de gramática é mudar a concepção

29
do aluno sobre a gramática, auxiliando-o a deixar de entendê-la como ‘uma forma de dar
nome às partes’ e passar a ver as classes em termos de relação de significado entre
palavras dentro de uma sentença e de um texto” (MYHILL, 2000, p. 157, tradução
nossa)xvi. Ademais, concordamos com Myhill (2000) no tocante à defesa do retorno da
gramática ao currículo não significar o desejo do retorno do ensino que não leva em
consideração as práticas de linguagem dos aprendizes, e nem mesmo os leva em
consideração; mas o desejo de um outro ensino, com uma outra abordagem sobre a
gramática e outras práticas pedagógicas. Conforme assevera a autora, estamos no
momento de pararmos os debates sobre se devemos ou não ensinar gramática e de
começarmos a investir esforços em pesquisas acerca dos processos envolvidos no
aprendizado de gramática e na capacitação de professores para lidarem com as novas
concepções e novas visões em torno do ensino de língua materna (MYHILL, 2000).
Nas próximas seções, aprofundaremos nossa visão sobre a gramática,
discutiremos a importância de sua presença na constituição do currículo escolar,
entenderemos o que é a consciência metassintática e como essa habilidade estabelece a
relação entre o conhecimento gramatical e a produção escrita.
Segundo Perini (2014), “aprende-se a língua padrão através da prática,
principalmente da leitura e da escrita, não através dos estudos gramaticais” (p. 48). O
autor faz tal afirmação como forma de negar a justificativa tradicional utilizada pela
escola para o ensino de gramática permanecer dentro de suas atividades: “é preciso
estudar gramática para ajudar na aquisição da língua escrita: leitura e, principalmente,
redação” (PERINI, 2014, p.50). O pensamento de Mário Perini não é tão incomum e não
seria de todo equivocado se tomarmos como base o ensino de gramática da forma como
temos atualmente. Conforme nos mostra o autor, “a imagem da língua representada nas
gramáticas escolares é incorreta, mal dirigida em seus objetivos e deficiente em
fundamentos teóricos” (PERINI, 2014, p. 49). Essa má representação gramatical da
língua é comprovada através de diversos estudos linguísticos, que mostram que há mais
possibilidades de construções linguísticas do que nos apresentam as gramáticas que
circulam na escola (PERINI, 2014). Sobre o ensino de gramática, o autor afirma que
A maioria dos professores concordará que se aprende a ler e escrever
lendo e escrevendo; e a utilidade do conhecimento gramatical é no
máximo uma coisa marginal: como quando olhamos na gramática o
posicionamento recomendado de um pronome, ou a regência de um
verbo no dicionário. Certamente, não foi através dessas consultas que
chegamos (quando chegamos) a dominar a língua escrita” (PERINI,
2014, p. 50)

30
Se a utilidade da gramática fosse mesmo apenas para consultas periféricas,
concordaríamos totalmente com as colocações de Mário Perini. No entanto, o presente
trabalho mostrará que essa ideia não procede: a utilidade da gramática está além do que
se tem colocado nas escolas. E é por causa de as escolas estarem fazendo um uso
inadequado desse material que discursos como o de Perini se tornam comuns. As escolas
não só abordam apenas a gramática prescritiva, que de fato está estagnada em relação ao
movimento de mudanças que ocorre frequentemente na língua em uso, como também
realizam uma abordagem que nada auxilia no desenvolvimento da habilidade de escrita
(e de leitura) dos alunos; o que serve de argumento favorável às afirmações feitas por
Perini (2014). Ainda segundo ele,
A aula de gramática típica não comporta perguntas embaraçosas,
referentes a comos e por quês que não constam no livro adotado. O
professor nunca precisa justificar a análise que ensina, tem apenas que
reproduzi-la (sic) tal como a encontrou na bibliografia. Ou seja, nas
aulas de gramática não se aprende gramática, nem sequer se estuda
gramática” (PERINI, 2014, p. 55).

Dessa colocação do autor, queremos ressaltar o termo “análise”, utilizado por ele para
descrever o que se faz nas aulas de gramática. Como vimos no capítulo anterior, o ensino
de gramática, que acontece nas aulas de português, se restringe à classificações e
taxonomias (GERHARDT, 2013, 2015, 2016), o que, de fato, não significa ou não
acarreta numa aprendizagem de uso da língua, nem mesmo aprendizado de língua em si,
em termos de reconhecimento das estruturas pertinentes à língua, já que dar nome não é
sinônimo de aprender gramática. Mas, diferente do que pensamos, a proposta de solução
de Perini (2014) gira em torno de tornar o ensino de gramática uma “disciplina científica,
tal como a química, a história e a biologia” (PERINI, 2014, p. 56). De acordo com o autor,
“a gramática é uma disciplina científica, pois tem como finalidade o estudo, a descrição
e a explicação de fenômenos do mundo real” (PERINI, 2014, p. 58). E isso resolveria o
problema quanto à concepção de gramática adotada por ele: “os livros que chamamos de
“gramáticas” contêm resultados, mas nunca dizem, nem perguntam, como é que se
chegou a eles. [...] toda hora nos dizem não como a língua é, mas como a língua deveria
ser” (PERINI, 2014, p. 55-56). Ou seja, tornar a gramática uma disciplina científica abre
a possibilidade de questionamento e de estudos em torno dos processos que levaram às
determinações/prescrições que constam nesse material; além de abrir espaço para
possíveis mudanças.

31
Por um lado, a postura adotada por Perini (2014) parece bem interessante,
principalmente quando se trata das questões político-econômico-sócio-culturais
pertinentes às diversas práticas de linguagem. Por meio desses estudos propostos pelo
autor, a língua pode ser avaliada como recurso que contém características sociais,
culturais, econômicas e que participa de agendas políticas. Pode-se também compreender
usos diversos dos prescritos pela gramática tradicional, mas que são permitidos pela
língua sem que haja prejuízo na efetivação da comunicação. Além disso, tais estudos
permitem reconhecer outras estruturas, além das que já se encontram na gramática, como
legítimas e eliminar velhas ideias ou estruturas que já caíram em desuso (como a
mesóclise no uso do futuro em começo de frase) ou se mostraram inúteis, inconscientes,
incompletas ou problemáticas (como o conceito de objeto indireto, que tem como
requisito a possibilidade de converter o objeto em pronome oblíquo, mas que é utilizado
para classificar objetos como “de banana” em frases como “gosto de banana”).
Por outo lado, devido aos nossos estudos, não podemos concordar com Perini
(2014) quanto à solução para o problema no ensino atual ser abordar a gramática como
Disciplina científica. Ademais, não acreditamos também que as pessoas aprendam a
escrever apenas escrevendo. Conforme vimos no capítulo anterior, essa visão naturalizada
do ensino é problemática; além do mais, o processo de escrita envolve diversas ações
cognitivas, algumas delas que precisam de orientação explícita dos professores para
serem realizadas de forma eficiente, sobretudo as ações que envolvem conhecimentos
gramaticais. A propósito disso, esse conhecimento gramatical exigido no processo de
escrita está para além do que o proposto por Perini (2014), que o restringe a consultas
periféricas de posicionamento e regras de regência. Entendemos que o sistema linguístico
é um componente importante na construção de significado, logo a gramática, ao nosso
ver, é um material que nos auxilia no reconhecimento das estruturas passíveis de
significação, e, por consequência, de efetivar comunicação ou interação. De outra forma,
apesar de defendermos o estudo da gramática, não o fazemos sob a perspectiva de
estudiosos como Perini (2014), nem como Duarte (2008), que, apensar de olhar para as
estruturas argumentais como nós, também restringe a utilidade da gramática à mero
material de análise e ainda afirma que “todo falante domina sem esforço” os padrões
sentenciais de sua língua, o que exclui o uso formal, que é institucionalizado
(GERHARDT, 2016). Segundo Duarte (2008),
O trabalho com os termos da oração em sala de aula não deveria, em
princípio, limitar-se à sua mera identificação, sob pena de se tornar

32
enfadonho e sem finalidade. [...] Reconhecer e identificar os
constituintes da sentença é ainda importante para a boa utilização dos
sinais de pontuação: o aluno entenderá melhor, por exemplo, que a
vírgula não deve ser usada entre o predicador e seus ‘argumentos’, a
menos que ocorra um ‘adjunto’ interveniente ou que a ordem canônica
desses argumentos seja mudada. Enfim, cabe ao professor levar o aluno
a produzir sentenças a partir de predicadores verbais e nominais e torna-
lo capaz de identificar os padrões sentenciais de sua língua, que todo
falante domina sem esforço e que o estudante tem a chance de conhecer
e analisar. Afinal, o conhecimento de como funciona a própria língua é,
tal como o conhecimento de história, geografia, matemática, física,
química, uma das habilidades que a escola deve desenvolver no aluno
(DUARTE, 2008, p. 201).

Apesar de descordarmos, de forma geral, com os expostos de Duarte (2008),


notamos que há ideias específicas com quais concordamos, mas com muitas ressalvas.
Destacamos a ideia de entender o conhecimento sobre o funcionamento da própria língua
como habilidade que deve ser desenvolvida pela escola. Certamente, a forma como
Duarte (2008) concebe essa habilidade não é como nos propomos desenvolver no presente
material. Para nós, o conhecimento linguístico exerce papel importante na produção
escrita, que está para além da pontuação, e o que deve ser desenvolvido não é apenas o
conhecimento sobre como funciona a língua, mas como funcionam as diferentes
estruturas linguísticas na proposição de significado dentro das práticas de linguagem do
sujeito; no nosso caso específico, como essas estruturas funcionam na composição do
texto escrito de forma a produzir significado e possibilitar interação. Nesse sentido, faz-
se mister pontuarmos aqui o que entendemos por gramática: “ a gramática pode ser
entendida como um conjunto de instruções para construir e interpretar unidades:
sintagmas, frases, orações e períodos” (PERINI, 2006, p. 59).
Dentro desse contexto, sintaxe é “maneira como as palavras se organizam para
formar frases e outras unidades menores”, e semântica é “significado que os usuários da
língua atribuem às estruturas sintáticas” (PERINI, 2006, p. 18). Em “Princípios de
linguística descritiva”, Mario Perini (2006) apresenta as relações entre fenômenos
sintáticos e fenômenos semânticos, denominando tais relações de “simbólicas” (p.20). As
relações simbólicas nos importam centralmente, pois são elas que dão finalidade ao
ensino de gramática da forma que defendemos: um ensino que considere o funcionamento
das estruturas sintáticas na proposição de significado em textos escritos. E como tratamos
do padrão escrito, estaremos trabalhando com a gramática do tipo prescritiva, que
apresenta o sistema de regras referentes ao uso formal da língua. No entanto, este estudo
de forma alguma pretende supervalorizar o uso formal frente ao coloquial. Assim como

33
Perini (2006), também defendemos que “a língua falada também existe e constitui um
objeto de estudo interessante e importante” (p.22). Contudo, estamos focando na forma
escrita e nosso trabalho se direciona especificamente para textos que devem ser
produzidos em contexto formal – redação de vestibular e ENEM.
Um linguista, portanto, não deve fazer julgamentos de valor a respeito
de seu objeto de estudo – para ele, qualquer variedade da língua tem
interesse, desde que realmente exista e seja usada (ou tenha sido usada)
por uma comunidade. Uma pessoa que não consegue se libertar da
sensação de que certas formas da língua são “feias”, “erradas” ou de
alguma maneira desagradáveis deveria procurar outra profissão que não
a de linguista ou professor de línguas (PERINI, 2006, p.23).

É nesse espírito de respeito proposto por Perini (2006) que queremos que nosso
interlocutor entenda a nossa escolha por explorar questões concernentes à norma culta.
Fizemos essa opção, pois, assim como Scherre (2005) coloca, entendemos que ensinar o
uso da norma culta é “ensinar a usar uma arma de luta social” (p. 93), já que é com esse
recurso que nossos alunos podem suprir seus “guarda roupas linguísticos” e terem
“roupas” para serem utilizadas nas diferentes ocasiões. Cada situação comunicativa fora
da escola demandará do aluno uma utilização de um registro da língua: situações
coloquiais – e principalmente situações orais – demandam estruturas pertinentes ao uso
coloquial da língua; situações formais – mais típicas da escrita – demandam a utilização
de estruturas pertinentes à norma culta. Em outras palavras, o que queremos deixar claro
é que o ensino de gramática possui papel importante quando pensamos no contexto social
do nosso país, não como forma de manter preconceito de qualquer espécie, mas como
forma de efetivar o que é direito do aluno: aprender todas as variedades de sua língua e a
gerenciá-las de acordo com suas necessidades comunicativas. Nos vestibulares e no
ENEM, exames que definem o ingresso do aluno às universidades, o modelo de escrita
exigido é o registro de prestígio. Sendo assim, se nossos alunos não tiverem acesso a esse
registro, no mínimo apresentarão dificuldade para atender aos requisitos dos exames e
obter uma nota que os auxilie no ingresso à comunidade acadêmica. Os alunos que
circulam em comunidades linguísticas cujo uso é a língua de prestígio terão um pouco
mais de facilidade na escrita, ainda que realizando a escrita como transcrição da oralidade,
pois esta é próxima ao que consta na gramática normativa (MYHILL, 2009). Mas e os
alunos advindos de comunidades linguísticas cujo uso está distante do prescrito na
gramática?
Ensinar gramática normativa é acima de tudo uma atitude política, e a
postura do professor na sala de aula é fundamental no processo

34
ensino/aprendizagem de gramática normativa. Na minha opinião, para
bem ensinar, além de uma atitude sem preconceito e respeitosa, o
professor tem de estabelecer outra relação com o ensino de gramática
normativa, seja esta antiga ou moderna, atualizada ou não-atualizada
(SCHERRE, 2005, p. 98).

Vemos em Scherre (2005) que o necessário não é a retirada da gramática do


ensino, nem a sua utilização como ditadora de verdades absolutas, mas a mudança na
postura do professor frente ao seu ensino. Isto é, o professor também é um ator importante
para que o ensino de gramática seja significativo; é ele quem deve selecionar os conteúdos
que julgar necessários para auxiliar seus alunos, e só o poderá fazer se levar em
consideração os saberes e não saberes que seus alunos apresentam em comparação com
as demandas do processo de escrita e dos enquadramentos envolvidos nesse processo
(GERHARDT, 2015, 2016). Por exemplo, se o professor precisa que seu aluno aprenda a
escrever um e-mail para um interlocutor em situação formal, como um e-mail de
reclamação ao serviço de atendimento ao cliente de alguma empresa, ele precisa
identificar quais saberes são necessários para realizar essa tarefa, que nada mais é do que
uma prática de linguagem comum no mundo fora da escola. A partir disso, o professor
precisará também identificar quais saberes seus alunos apresentam, para, então, investir
seu tempo os ajudando a aprender o que ainda não sabem e a desenvolver o que já sabem,
construindo, assim, um espaço de aprendizado eficiente. É importante também que não
só o professor tenha em mente como também explicite para seus alunos que “unidades
gramaticais da fala não são necessariamente as mesmas que as unidades gramaticais da
escrita. Falar não é o mesmo que escrever. [...] Todos nós somos exímios falantes da nossa
língua materna” (SCHERRE, 2005, p. 100), mas a norma culta é institucionalizada, isto
é, ela é aprendida apenas na escola.
Quando olhamos para a gramática a partir dessa perspectiva, entendemos que o
importante para o ensino de escrita, em termos de conhecimentos gramaticais, é a
avaliação das estruturas como proporcionadoras de significado, ou, como Perini (2006)
chamou, avaliação das “relações simbólicas”. Perini (2006) mostra que “a própria
maneira como se organizam as palavras em frases e outras unidades tem um significado
próprio” (p.45). Para confirmar sua afirmação, ele utiliza o exemplo a seguir:
I. O periquito comeu meu gato.
II. Meu gato comeu o periquito.

Essas frases mostram como a mudança de ordem das palavras, ocupando


35
estruturas sintáticas diferentes, acarreta mudança no significado. No caso (I), o agente da
ação de comer é o periquito, e o paciente é o gato. No caso (II), quem exerce a ação de
comer é o gato, e o ser que sofre a ação é o periquito.
E quando se trata dos constituintes, o autor usa a frase “A casa de Sandrinha é
verde” para explorar a significação das partes da estrutura. Ele mostra como dividimos
naturalmente as estruturas que compõem a frase por termos uma gramática internalizada.
Segundo o autor,
O receptor, ao receber uma sequência de palavras, procura organizá-la
de acordo com seus conhecimentos da língua (e do mundo). Isso se faz
em várias frentes: o receptor procura na sequência estruturas sintáticas
corretas da língua, e também procura evitar sequências cuja
interpretação seja absurda ou implausível. [...] as regras da língua estão
presentes na mente do usuário, e incluem uma espécie de receita de
como construir orações (PERINI, 2006, p. 46).

As considerações de Perini (2006) são de extrema relevância para as reflexões em


torno da articulação entre o ensino de gramática e o ensino de escrita. Apesar de o próprio
autor, em artigos posteriores, não conseguir apresentar essa articulação, seus postulados
nos servem de base para advogar em prol da necessidade, ou melhor, da importância do
ensino de gramática como parte do ensino de escrita. Quando estamos tratando da
modalidade escrita no registro padrão, temos que considerar as noções estruturais
expostas na gramática normativa, que, reiteramos, é institucionalizada, como parte
importante para que o produto final atenda às demandas da uma interação como a
proposta pelo texto escrito. “A escrita requer um formato mais sofisticado da língua para
atender às necessidades de um leitor [receptor] ausente, em contraste com o feedback
provido por um interlocutor [receptor] de conversa oral” (MYHILL, 2009, p. 30, tradução
nossa)xvii. Esse formato mais sofisticado ao qual Myhill (2009) se refere é alcançado pelas
estruturas que são pertinentes à escrita e que se encontram de forma prescritiva nas
gramáticas escolares. Nesse sentido, é necessário que os alunos tenham domínio sobre
essas estruturas para poderem produzir textos escritos de forma adequada, permitindo ao
seu leitor/receptor construir significado a partir de tais estruturas. Perini (2006) nos
resume bem a forma como as estruturas se organizam dentro texto para produzir
significado:
Em resumo: uma frase se estrutura em unidades, isto é, palavras,
sintagmas, orações, que podem ocorrer umas ao lado das outras e
inclusive umas dentro de outras. Essas unidades têm valor formal (são
peças utilizadas na montagem das sequências) e valor semântico (são
parte da informação passada pelo emissor ao receptor, e que permite a

36
este último construir o significado final das sentenças) (PERINI, 2006,
p. 101).

Observamos, assim, que o texto escrito não se constitui apenas da estrutura do


gênero, mas também de estruturas linguísticas que se organizam para propor os
significados desejados pelo emissor. Ou seja, não podemos negar a importância de
dominarmos as possibilidades de estruturação da língua para que consigamos fazer
escolhas de fato quanto a quais dessas estruturas possibilitam os significados que
desejamos cheguem ao nosso receptor. Além disso, aprender essas estruturas será
importante principalmente nas ações envolvidas tanto no processo de escrita, que envolve
a revisão, quanto no de reescrita: se não tivermos conhecimento gramatical, não
detectamos problemas na etapa que Hayes e Flower (1980) chamaram de “leitura para
detecção de erros e para avaliação”, e, assim, incorreremos em erros como o de
incompletude gramatical, que foi brevemente apresentado no capítulo de introdução, mas
que será aprofundado mais à frente. Sendo assim, entendemos que não se aprende a
escrever simplesmente escrevendo, como nos apontou Perini (2014), conforme já
colocamos neste material anteriormente. É preciso se conscientizar sobre as estruturas
pertinentes à língua e sobre as regras que as regem, a fim de se realizar as ações envolvidas
no processo de escrita com mais qualidade e se alcançar uma produção textual com menos
possibilidade de ocorrência de problemas que possam prejudicar a comunicação entre
quem escreve e quem lê. Nesse sentido, as regras se fazem importantes por conta da
“recursividade” estrutural característica da nossa língua (PERINI, 2006).
É possível fazer uma lista de todas as palavras de uma língua (os
grandes dicionários, como Aurélio e o Houaiss, chegam perto disso),
mas não é possível fazer uma lista de todas as frases (ou sintagmas) da
língua. [...] Um dos papéis das regras gramaticais é justamente
descrever a maneira de montar palavras de modo a formar constituintes.
[...] O usuário da língua utiliza seu conhecimento de regras como essa
para construir ou entender enunciados (PERINI, 2006, p. 61-64).

Conforme nos mostra Perini (2006), as regras não são apenas para serem
consultadas em atendimento a questões superficiais como a colocação pronominal
segundo a norma culta. Em contradição ao que o próprio autor coloca em 2014,
defendemos que as regras são importantes para que o escritor compreenda os recursos
disponíveis para construir os significados que desejar. E como o escritor precisa levar em
conta o seu leitor, ele também precisa entender que este irá compreender as suas
sequências de informações a partir da segmentação delas: “segmentar as sequências

37
recebidas em constituintes é uma das operações necessárias para a compreensão dessas
sequências” (PERINI, 2006, p. 47). Ao realizar esse procedimento de segmentação, o
leitor usará o seu conhecimento de mundo para “distinguir interpretações que fazem
sentido das que não fazem, ou que são tão improváveis que acabam sendo rejeitadas”
(PERINI, 2006, p. 55). De posse de todo esse conhecimento, o escritor pode, com mais
facilidade, escolher as sequências que atendam às suas necessidades.
Temos visto, portanto, o valor da compreensão sobre as estruturas gramaticais de
forma a contribuir para a produção de significado, o que de extrema importância na
efetivação dos objetivos comunicativos de um escritor. Observamos também que o
escritor deve considerar as estratégias que serão utilizadas pelo seu leitor para extrair os
significados propostos pelas estruturas linguísticas dispostas no texto, de forma a poder
escolhe-las com mais eficiência no que tange a alcançar seus propósitos. A respeito disso,
Perini (2006) nos propõe um pequeno resumo que mostra, de forma didática, essas
estratégias:

Estratégia léxico-gramatical: com base nas indicações formais do sinal linguístico e


no seu conhecimento de língua, atribuir uma ou mais interpretações semânticas à
expressão percebida.

Estratégia cognitiva: com base no seu conhecimento geral de mundo, avaliar cada uma
das interpretações semânticas resultantes da estratégia léxico-gramatical e rejeitar uma
ou mais interpretações, se for o caso.
(PERINI, 2006, p.56)

O autor separa as estratégias, mas é apenas para nos mostrar de forma didática
que, para depreender o sentido de um texto, o leitor utilizará o conhecimento de mundo e
o conhecimento de língua. Logo, entendemos que ambas estratégias ocorrem de forma
conjunta. “O significado que tiramos de uma expressão linguística é resultado da
aplicação de operações mentais” (PERINI, 2006, p.56). Sobre essas operações,
GERHARDT (2016) nos mostra, a partir dos estudos cognitivistas, como elas se dariam,
isto é, como, do ponto de vista cognitivo, se efetiva a construção de significado. A
pesquisadora utiliza os postulados de Gilles Fauconnier e Mark Turner para nos mostrar
como se dá esse processo, que os autores denominam de “integração conceptual”.
Segundo Gerhardt (2016), a integração conceptual, ou mesclagem conceptual, “mostra

38
como os significados são produzidos a partir da integração entre os nossos saberes prévios
e as informações que o universo cognoscente, pleno de experiências, cenários, contextos
etc., oferece (FAUCONNIER; TURNER, 2002, apud GERHARDT, 2016).
Sendo resultado da integração entre os saberes prévios das pessoas e as
informações exteriores com as quais elas têm contato, a existência de
ideias e conceitos novos, imprevistos, é que caracteriza o ineditismo e
a singularidade da construção dos significados, na linguagem e em
qualquer outra relação de intercâmbio entre as pessoas e o mundo
(GERHARDT, 2016, p. 20).

Considerando essas colocações de Gerhardt (2016), observamos que “as ciências


cognitivas atualmente podem oferecer o entendimento de como a construção do
significado em ‘coparticipação social’ (MOITA LOPES, 1996, p. 88) se manifesta em
termos de processos cognitivos realizados pelas pessoas”. (GERHARDT, 2013, p. 18).
Traçando um paralelo entre a integração conceptual de Fauconnier e Turner (2002),
apresentado por Gerhardt (2016), e os postulados de Perini (2006) acerca das estratégias
de construção de significado que são utilizadas pelos leitores de um texto, podemos
especular que as marcas linguísticas (léxico-gramaticais) são as informações advindas do
mundo cognoscente (GERHARDT, 2016) que se integrarão aos conhecimentos de
mundo, correspondentes ao conhecimento prévio no sistema proposto por Fauconnier e
Turner (2002). No âmbito cognitivo, o que nos importa para o presente trabalho é entender
que participando da construção de significado, a gramática se torna importante de ser
ensinada em articulação com o ensino de texto e não da forma como é feito atualmente,
a saber, como descrevemos no capítulo anterior: uma dissociação entre esses ensinos,
sendo a gramática vista nas aulas de língua portuguesa de forma taxonômica e a escrita
trabalhada nas aulas de redação com foco apenas no estilo discursivo (RAVID;
TOLSCHINKY, ), que corresponde à estrutural global do texto (GERHARDT, 2013,
2015, 2016; SILVA, 2012; SANTOS, 2002ª; SAVIOLI, 2014; PERINI 2006, 2014;
SCHERRE, 2005). Considerando esse contexto de nova perspectiva sobre o ensino de
gramática, cabe também ressaltar que, dentro desse ensino, deve-se também ser incluído
o trabalho com os erros6 e não apenas com regras; isto é, o trabalho com as produções
advindas dos alunos, que devem ser avaliadas por eles como fonte de aprendizado e não
mais de vergonha ou qualquer espécie de embaraço. Essas produções apresentarão para o

6
Quando utilizamos o termo “erro”, fazemo-lo considerando a norma culta como parâmetro que norteia
nossas considerações. No entanto, não estamos com isso descartando a ideia de adequação da língua ao
contexto comunicativo; utilizamos apenas parâmetros específicos que são inerentes ao gênero discursivo
com o qual optamos trabalhar: o texto dissertativo argumentativo, ou redação de vestibular.

39
professor as dificuldades de seus aprendizes/escritores, o que o possibilitará propor
atividades direcionadas a resolução desses problemas e recursos que auxiliem seus alunos
a alcançarem essa solução. Nas palavras de Gerhardt (2016),
Um desencadeador da formação de novas ideias e de aprendizado é a
necessidade de resolver problemas que precisam ser superados para se
obter alguma coisa que se deseja e se precisa. Por isso, para que haja
aprendizados reais na escola, é necessário que em sala de aula sejam
colocados problemas relevantes aos alunos, para que sejam por eles
reconhecidos e discutidos, e com recursos suficientes para que possam
ser resolvidos. [...] A proposição de problemas [em termos de
gramática] significa reconhecer que os alunos, por uma série de
motivos, escrevem textos que incluem construções gramaticais
problemáticas, e que é preciso avaliar e resolver essa questão para
melhorar a qualidade dos seus textos em termos estruturais. Nas aulas
de gramática, propor aos alunos problemas de gramática é essencial
para que eles percebam e construam instrumentos para sanar as suas
próprias dificuldades de prática de linguagem (GERHARDT, 2016, p.
24).

As colocações de Gerhardt (2016) nos fazem concluir que 1) trabalhar com o erro
do aluno é o que realmente possibilita que haja aprendizado; e 2) o domínio de
conhecimentos gramaticais age como facilitador para o escritor identificar e buscar sanar
seus problemas estruturais, refinando, assim, sua produção escrita. No tocante à primeira
conclusão, desejamos acrescentar que esse tipo de trabalho é o que de fato inclui o aluno
no processo de aprendizado, pois o ensino passa a acontecer a partir das necessidades
desse aprendiz e com a finalidade de desenvolver sua autonomia no tocante ao
gerenciamento das suas construções e produções escritas. Além disso, esse tipo de ensino
passa a significar as aulas de português – antes, sem utilidade prática – ao trabalhar com
o que o aluno precisa aprender e/ou melhorar de forma a propor-lhe uma outra experiência
com a sua língua. Assim, um dos objetivos do ensino de língua portuguesa passa a ser o
desenvolvimento da autonomia dos alunos quanto às suas práticas de linguagem dentro e
fora da escola (GERHARDT, 2013,2016). A segunda conclusão acaba aparecendo como
parte da primeira, haja vista que o domínio dos conhecimentos gramaticais se relaciona
intimamente com o desenvolvimento da autonomia do aluno, pois são esses
conhecimentos que são requisitos para auxiliar na solução dos problemas que emergem
das produções desses escritores. Em outras palavras, se o aluno tiver consciência das
estruturas gramaticais de que precisa lançar mão para construir algum significado que
deseje a fim de atingir seus objetivos retóricos, ele conseguirá perceber falhas nessas
estruturas, caso ocorram, e terá recurso para corrigi-las e evitar prejuízos à sua

40
comunicação, além de ter a noção de quais estruturas são e não são apropriadas ao
contexto comunicativo em questão, podendo, com isso, gerenciar de forma consciente e
autônoma o uso da sua língua em suas interações cotidianas. A despeito dessa capacidade
de reconhecer e corrigir estruturas ou escolhas lexicais problemáticas, devemos ressaltar
que a identificação, avaliação e solução desses problemas não acontecem somente após a
produção textual estar completa; mas ao longo da produção.
Conforme nos mostra Myhill (2009), “os textos são sintaticamente organizados”
e as escolhas gramaticais são feitas na frase de tradução (do pensamento em palavras
escritas), o que “envolve tanto a seleção de um vocabulário apropriado e a estruturação
de palavras em frases quanto a organização das frases em parágrafos, e textos” (p. 30,
tradução nossa)xviii. E enquanto essas escolhas estão sendo feitas, podem também ser
conscientemente avaliadas a fim de garantir que estejam sendo feitas de forma adequada
e de corrigir de imediato possíveis escolhas inadequadas ou que possam ser substituídas
por outros elementos que expressão de uma forma melhor a ideia pretendida pelo escritor
a partir das suas considerações sobre o seu público alvo, seu receptor. Myhill (2009)
afirma ainda que “fazer escolhas linguísticas e formar frases e textos de forma a satisfazer
as necessidades de um leitor implícito é muito desafiador” (p. 33, tradução nossa)xix, o
que faz cair por terra a ideia de que a escrita é algo fácil, que se aprende apenas escrevendo
(PERINI, 2014) e não demanda o desenvolvimento de uma atitude consciente para
gerenciar as ações envolvida nesse processo, ou seja, um ser agentivo que gerencie suas
escolhas com vistas a alcançar seus objetivos comunicativos. Ao contrário, vemos que os
escritores “precisam dominar tanto as construções gramaticais pertinentes às frases
escritas quanto a habilidade de imaginar como o leitor poderá ler seus textos” (MYHILL,
2009, p. 32, tradução nossa)xx. Além disso, a autora nos mostra que é necessário, tanto
durante a ação de tradução quanto a de revisão, também ter consciência sobre as estruturas
que são pertinentes à oralidade e as que são pertinentes à escrita, o que significa que é
importante o escritor ter em mente que, conforme colocamos anteriormente, “falar não é
o mesmo que escrever” (SCHERRE, 2005, p. 100).
Isso [adquirir adaptabilidade em transformar estruturas orais em
estruturas escritas] demanda um grau de deliberação no processo de
escrita que é mais custoso cognitivamente do que simplesmente
transcrever as palavras que vêm a nossa mente (...). Isso também requer
a aquisição de um repertório linguístico o qual é específico da escrita e
que pode não ter estruturas paralela na fala” (MYHILL, 2009, p. 41.
Tradução nossa)xxi.

41
Outra questão relevante que Myhill (2012) nos apresenta se relaciona com a
escolha de registro. A autora fala da sua escolha pelo trabalho com uma gramática
descritiva, que apresenta “uma análise mais orientada para as questões social envolvidas
nas formas de uso da língua, considerando diferentes contextos linguísticos, social e
cultural” (p. 1245, tradução nossa)xxii. Nós, no entanto, estamos trabalhando com a
gramática normativa, por elegermos como objeto de estudo as redações de vestibular e
ENEM. Nesse sentido, estamos tratando como conhecimentos gramaticais os
conhecimentos acerca do que prescrevem as gramáticas normativas, ou gramáticas
escolares, especificamente. De alguma forma, estamos tentando unir o que a autora critica
na gramática normativa, que é a característica de “defender a importância da gramática
no sentido de garantir o certo na expressão escrita”, ao que ela defende por ser uma
característica da gramática descritiva, que é a de “defender a importância da gramática
para esclarecer como textos escritos produzem significado em contextos diferentes”
(MYHILL, 2012, p.1245, tradução e grifo nosso)xxiii. Quando falamos da consciência
sobre as estruturas gramaticais, que provam a necessidade de ensino de gramática – de
um tipo diferente do que se apresenta atualmente –, falamos da consciência das diferentes
estruturas, que funcionam em diferentes contextos comunicativos e em diferentes
modalidades – como já exploramos anteriormente o continuum oralidade-escrita. Logo,
falamos de construção de significado em diferentes contextos. Contudo, atendendo à
necessidade de se fazer um recorte para o trabalho que nos propomos fazer, optamos por
abordar o que é adequado dentro da norma culta, pois é ela que está como requisito para
a produção escrita no contexto comunicativo que estamos tratando (de redação de
vestibular). Então, precisamos tratar da gramática que regula a forma padrão da língua,
que é a gramática normativa/prescritiva. Porém, a articulação entre o ensino de gramática
e o ensino de escrita não precisa ficar restrito ao ensino de norma culta; é possível utilizar
a consciência sobre as estruturas da língua para melhorar a qualidade de outras
experiências, outras práticas de linguagem, que não apenas a escrita e muito menos apenas
as formais.
Ou seja, quando se trata de prática de linguagem de forma geral, podemos levar
em consideração as ideias de Myhill (2012), que mostra que “o significado é criado a
partir de formas linguísticas utilizadas para alcançar as intenções retóricas” (KOLLN,
2002; LOCKE, 2005; MICCICHE, 2004; PARASKEVAS, 2006, apud MYHILL 2012, p.
1245. Tradução nossa)xxiv, que podem ser de um escritor ou de um falante; coloquemos
como um emissor, de forma geral. A autora cita Carter (1990) para mostrar também que

42
“o controle e a escolha consciente da língua” permite ao aluno, enquanto usuário dela,
“ver através da língua de uma forma sistemática e usar essa língua com mais
discernimento” (CARTER, 1990, apud MYHILL, 2012, p. 1245. Tradução nossa)xxv. E,
quando se trata de práticas de linguagem referentes à escrita de forma específicas,
consideremos que “a escrita é um ato de comunicação” que demanda o “entendimento
dos propósitos sociais e do público alvo dos textos e de como a língua cria significado e
efeitos”, dentro disso a gramática é entendida como “um recurso de construção de
significado, que dá suporte aos escritores na escolha apropriada de formas linguísticas
que devem ajuda-los a produzir textos de forma a satisfazer suas intenções retóricas” .
(MYHILL, 2012, p. 1245, tradução nossa)xxvi
Todas essas considerações que foram expostas nessa seção sobre a relação das
estruturas gramaticais com a produção textual e sobre a necessidade consequente de essa
relação incluir o ensino de gramática nos currículos escolares atuais implicam uma
reorientação pedagógica no tocante a esse ensino de gramática, que deve ser realizado de
uma forma remodelada, “fazendo mais conexões entre escolhas linguísticas e efeitos de
construção de significado” (MYHILL, 2009, p. 41, tradução nossa)xxvii. Os estudos de
Myhill (2012) se mostraram relevantes por
ressiginificar a relação entre o ensino de gramática e a escrita. (...) O
estudo demonstrou que o aprendizado dos estudantes sobre a escrita é
melhorado pela compreensão explícita sobre como as escolhas
gramaticais podem ser usadas para produzir textos que atendam aos
objetivos retóricos dos escritores (MYHILL, 2012, p. 1258, tradução
nossa)xxviii.

Se entendemos os textos produzidos em ambiente escolar como “atos sociais de


significação” (SINHA, 1999b, apud GERHARDT, 2013), precisamos pensar em
“ambiente de aprendizado, onde a produção de linguagem estrutura e ao mesmo tempo
manifesta a experiência mental e a semiose social” (GERHARDT, 2013, p. 18). Isto é,
precisamos pensar em um ensino de gramática que só possa se dar dentro do ensino de
texto, seja escrito, seja falado ou lido. Nesse contexto, em conformidade com os estudos
cognitivistas em ensino de língua, os elementos linguísticos devem ser compreendidos
como “desencadeadores de ações cognitivas” (GERHARDT, 2013), o que deve ser
considerado também pelo aluno/escritor. Essa relação entre elementos linguísticos e ações
cognitivas é o que vimos descrevendo como processo de construção de significado e ela
nos interessa, pois, como veremos em seções mais a frente, esse processo é prejudicado
por estruturas gramaticais problemáticas. E é para minimizar a ocorrência de estruturas

43
problemáticas que falamos, no decorrer desta seção, sobre a importância do
gerenciamento consciente dos conhecimentos gramaticais nas construções de sequências
de informações que constituem um texto escrito. Esse gerenciamento consciente das
estruturas linguísticas, que deve ser um dos objetivos das aulas de língua materna e que
concorre para a autonomia do aluno quanto suas práticas de linguagem, será melhor
explorado no próximo capítulo a partir da explanação sobre a consciência metalinguística
e o desenvolvimento da consciência metassintática.

44
3. APORTE TEÓRICO: A CONSCIÊNCIA METASSINTÁTICA E A ARTICULAÇÃO ENSINO DE

GRAMÁTICA-ENSINO DE TEXTO

3.1. A CONSCIÊNCIA METASSINTÁTICA


Para entendermos a consciência metassintática, é preciso entender a metacognição
e a interação entre desenvolvimento metalinguístico e desenvolvimento das habilidades
de leitura e escrita. A metacognição é a habilidade da mente humana de monitorar e
controlar a si própria (Overschelde, 2008), isto é, é a capacidade da mente de pensar sobre
os processos e os produtos do próprio pensar (Flavell, Miller & Miller, 1993; Gombert,
1993; Overschelde, 2008). Nesses termos, as habilidades metalinguísticas podem ser
entendidas como formas da capacidade de metacognizar e estão relacionadas à
manipulação de forma deliberada – para alguns, “consciente” - os elementos linguísticos
que constituem o texto; um uso discernido da língua (GOMBERT, 2003).
Metalinguagem ou atividades metalingüísticas: subcampo da
metacognição interessado na linguagem e seu uso – em outras palavras,
compreende (1) atividades de reflexão da língua e seu uso; (2)
habilidade do sujeito de intencionalmente monitorar e planejar seus
próprios métodos de processamento linguístico (tanto em compreensão,
quanto em produção). Essas atividades e habilidades podem referir-se a
qualquer aspecto da língua, tanto fonológico (atividades
metafonológicas), sintático (atividades metassintáticas), semântico
(atividades metassemânticas) ou pragmático (atividades
metapragmáticas). (GOMBERT, 1992, p. 13, tradução nossa)xxix

O desenvolvimento dessas habilidades acarreta o desenvolvimento das


habilidades de leitura e de escrita, já que proporciona a experiência de consciência sobre
cada elemento que se pretende colocar em uma composição, no caso da escrita, ou que se
está observando, no caso da leitura. Com essa experiência, o usuário da língua se apropria
dos saberes necessários para a boa composição de um texto e pode gerenciá-lo de forma
a atingir seus objetivos comunicativos com mais qualidade e com menos chances de
incorrer em erro. Entendemos, assim, que a consciência metalinguística envolve a
consciência e controle deliberado sobre vários aspectos da língua (KARMILOFF-SMITH
et. al. 1996).
Em se tratando de produção textual, o gerenciamento consciente desses saberes
requer a habilidade de selecionar as formas linguísticas adequadas ao propósito
comunicativo, considerando que a articulação dessas estruturas atua na produção de
significado, como vimos no capítulo anterior. É importante ressaltar também que o texto
escrito envolve a micro e marcorrevisão, reescritura e edição, processos que demandam

45
uma reflexão do usuário sobre as estruturas e os significados proporcionados por elas no
contexto comunicativo em que se insere (RAVID; TOLCHINSKY, 2002) – ou seja, uma
consciência metalinguística. Segundo Gombert, as habilidades metalinguísticas tratam de
aprendizagens que envolvem apropriação, elaboração verbal e reflexão sobre o
conhecimento que se está adquirindo em termos de língua. Já a consciência metassintática
se refere às habilidades que permitem ao escritor/leitor reconhecerem e gerenciarem os
elementos linguísticos conforme suas funções sintáticas; isto é, o saber metassintático
refere-se à habilidade de refletir sobre aspectos sintáticos da língua e exercer controle
intencional sobre a aplicação das regras gramaticais (GOMBERT,1992).

3.2. A COMPREENSÃO METASSINTÁTICA E O GERENCIAMENTO DO TRATO COM O TEXTO


As questões relacionadas aos constituintes do texto estão ligadas à dificuldade,
por parte do escritor, de reconhecer a ausência de um elemento ou de uma proposição
inteira durante o processo de composição. Isso acontece pela falta de uma orientação
prévia quanto à existência do problema. Em outras palavras, é necessária a legitimação
do problema para que, assim, durante o processo de escrita, os olhos possam se concentrar
em reconhecer e identificar estruturas problemáticas para então corrigi-las.
Nesse sentido, faz-se necessário entender que o olhar exerce uma função
fundamental no procedimento de composição tanto quanto no de leitura. Segundo Hacker,
Keener e Kircher, em “Writing is Applied Metacognition”, o olho realiza movimentos que
são, comprovadamente, importantes nos processos de escrita: enquanto o indivíduo
compõe, o globo ocular realiza movimentos que colaboram na criação de novas ideias e
na realização de micro e macrocorreções.
Ao desenvolver conhecimentos linguísticos pertinentes a sua língua, o indivíduo
se encontra em condições de realizar os movimentos oculares de forma mais qualitativa,
pois o olho buscará por estruturas previamente estipuladas como inadequadas à língua,
isto é, o olho buscará identificar o erro. Quanto mais estruturas forem compreendidas,
melhor será a produção de ideias, as micro e macrocorreções e a detecção de problemas;
maior também será o leque de sugestões de soluções e mais rápido se torna o processo de
composição, além de exigir menor esforço, ou “custo cognitivo”. Em suma, o
direcionamento do olhar é o reflexo prático da consciência metassintática: é necessária a
apropriação dos conhecimentos sintáticos para que o olho seja adequadamente
direcionado na busca por identificar e corrigir estruturas inadequadas – no caso deste
trabalho, estruturas incompletas.

46
Sendo assim, é possível concluir que a falta de legitimação ou de apropriação
sobre o conhecimento acerca dos elementos constituintes do texto acarreta a não
observância de suas ocorrências tanto no momento de composição quanto no momento
de revisão, quando as estruturas devem ser observadas para que problemas possam ser
identificados e corrigidos. Ao não identificar o problema, o usuário não pode pensar em
soluções nem implementar melhorias no texto. Vale ressaltar que a falta de um
constituinte concorre para graves problemas de interpretação de textual: o escritor não
tem seu texto devidamente compreendido, o leitor não consegue extrair o comunicado
intentado pelo texto.

3.3. A INCOMPLETUDE GRAMATICAL: DEFINIÇÃO


O problema que será tratado nessa seção se mostra de grande relevância para o
ensino de língua portuguesa na medida em que evidencia a necessidade de uma
compreensão gramatical e de um uso consciente das estruturas sintáticas que constituem
a nossa língua para as práticas de linguagem, já que sua ocorrência está diretamente
relacionada à ausência de domínio ou de gerenciamento deliberado de tais estruturas e
acarreta prejuízo à construção de significado. Neste capítulo, procuraremos descrever a
incompletude gramatical como problema de escrita com vistas a construí-lo como
conceito, o que possibilitará o seu tratamento didático. E, mais à frente, apresentaremos
uma análise da ocorrência desse problema nas redações extraídas do banco de redações
do UOL – essas redações foram produzidas de forma anônima por pré-vestibulandos que
buscam serem avaliados por uma banca a fim de obterem uma noção da qualidade de seus
textos com vistas ao ENEM. Essa análise nos possibilitará fundamentar nossas ideias
acerca da necessidade de articulação entre ensino de gramática e ensino de escrita e
refletir acerca do papel do professor no que defendemos por outro modelo de ensino de
língua portuguesa.
O termo “incompletude gramatical” está sendo cunhado por nós neste trabalho
com a finalidade de apresentar este problema de escrita como um conceito, que não deixa
de estar associado ao que Pécora (1983) denomina de “incompletude associativa”. A
diferença, contudo, está no fato de Pécora não ter apresentado um estudo de forma
sistemática da ocorrência da incompletude, não a tornando, assim, um conceito.
Considerando este contexto, buscaremos não só ratificar o problema observado por
Pécora (1983) como também expandir seu escopo, mostrando que a incompletude
gramatical ocorre em diferentes níveis estruturais do texto: no nível do léxico, no nível

47
da estrutura argumental e no nível do período composto.
No nível do léxico, o problema de incompletude gramatical pode interferir na
coesão referencial, como ocorre no exemplo a seguir:
O uso equilibrado da disciplina na formação escolar traz, portanto,
resultados positivos na educação dos alunos. Contudo, é necessário que a
liberdade do aluno de expressar sua criatividade seja respeitada. Sem
levar-se em conta este fator, corre-se o risco de que essas instituições
estejam formando pessoas q1ue, embora capazes de cumprir tarefas, não
entendem o motivo de estas serem cumpridas.7

No exemplo acima, podemos observar a falta de um referente possível para ser


retomado pelo “essas” de “essas instituições”, causando, assim, um problema de coesão
referencial.
No nível da estrutura argumental, a incompletude gramatical prejudica a
construção de significado, como vemos no exemplo abaixo:
A população do Brasil está enfrentando uma crise política e econômica
que surgiu pela má gestão pública, e a situação que já era ruim, sem
recessão, tornou ainda pior.8

Nesse exemplo, vemos a ausência de um argumento para a forma “tornou”, já que


o verbo “tornar” projeta um argumento externo – o que torna – e dois argumentos internos
– o que é tornado e em que é tornado –, como em “Maria se tornou freira após a morte do
pai”.
No nível da proposição, a incompletude gramatical prejudica a construção lógica
do raciocínio, como observamos no exemplo abaixo:
A utilização dos recursos adequados, como: salas de aulas, materiais
didáticos e conteúdos de ensinos com uma metodologia aberta com os
alunos poderia ser a forma que espera uma educação com qualidade. Para
pode ajudar na linha de raciocício de cada jovem e deixa-lo livre sobre
suas escolhas.9

7
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado em: 15 de dezembro de
2016.
8
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado em: 15 de dezembro de
2016.
9
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado em: 15 de dezembro de

48
No exemplo acima, além de outros problemas, observamos uma proposição que
indica uma finalidade para algo que não está presente no texto.
A incompletude associativa foi um termo primeiramente utilizado por Alcir
Pécora (1983), que já em 1977 notava problemas que denominou de problemas de
“Elementos mínimos de constituição – períodos incompletos”.
Neste grupo localizam-se todos os elementos que dizem respeito à
exigência mínima de constituição do período, ou seja, todos os
elementos pressupostos pela noção de conjunto de orações, este
entendido tradicionalmente. No caso do conjunto unitário (período
simples), é pressuposto o domínio de regras linguísticas de base, ligadas
aos mecanismos de combinação e seleção que tornam as frases
aceitáveis para a média dos nativos de português. Joga-se aí com a
atribuição ou não de uma predicação a um sujeito. Acontece o mesmo
em relação ao período composto, onde como exigência de constituição,
se acrescenta o domínio do emprego dos termos relacionais (relatores)
e o domínio dos processos de coordenação e subordinação (PÉCORA,
1977).

Mais tarde, esse mesmo autor, objetivando “entender o estado efetivo de um


determinado produto linguístico tendo em vista as suas condições de produção” (Pécora,
1983), usou o termo “Incompletude Associativa” para descrever o problema de redação
referente à ausência de um dos constituintes essenciais da oração: sujeito ou predicado.
O fato do cientista, este homem especializado que vive em laboratórios
escuros longe da família e dos amigos, cercado de insetos e tubos de ensaio
que nem sabemos para que servem. (PÉCORA, 1999, p. 62)

Nesse trecho, Pécora identifica como problema de incompletude associativa a


ausência de um predicador para o sujeito que já está posto, no caso do exemplo acima, “o
fato do cientista”:
Não é difícil perceber que o processo de predicação da oração principal,
que é iniciado no começo do período, deixou de ser completado: ‘O fato
do cientista’ implica uma sequência predicativa que não se resolveu nos
demais processos relacionados no interior do período. [...] Ocorre,
porém, que essa incompletude não pode ser explicada senão através da
observação da maneira como a oração principal relaciona-se com as
suas subordinadas no período: não se trata simplesmente de uma oração
isolada ou de um único processo de predicação ao qual está faltando um
termo essencial, mas sim de uma relação entre processos que
compromete a realização de um deles. E esse é justamente um primeiro
tipo de problema de coesão muito frequente nas redações: os processos
se perdem na relação que estabelecem entre si (PÉCORA, 1999, p.66).

2016.

49
A partir da citação acima, notamos que Pécora já apontava para um outro nível
estrutural que também apresentava o problema de incompletude. No entanto, o autor não
propôs um estudo sistematizado cujo objetivo fosse compreender os níveis em que
ocorriam tal problema, mas sim uma análise mais geral de problemas de escrita que se
enquadrassem dentro de três parâmetros avaliativos estabelecidos pelo o próprio autor:
problemas na oração; problemas de coesão textual; e problemas de argumentação. Nas
palavras de Pécora:
Este trabalho deverá ocupar-se, basicamente, de uma apresentação de
um diagnóstico dos problemas mais recorrentes encontrados na
produção escrita de vestibulandos e alunos de primeiro ano da
universidade, e de uma análise desse diagnóstico, à meia-luz do abat-
jour das noções relativas ao discurso (PÉCORA, 1999, p.19).

Sendo assim, seguindo seu objetivo de diagnosticar os problemas de escrita,


Pécora avalia a ocorrência da incompletude associativa no período em questão como
sendo um problema de coesão. No entanto, sua análise não problematiza os saberes e não
saberes gramaticais dos alunos (GERHARDT, 2013, 2016), conforme mostramos ser
necessário nas seções anteriores, mas sim a visão equivocada da escola acerca da prática
com a linguagem escrita, entendendo-a como algo cujo objetivo deva ser buscar por
construções complexas e extensas. Em outras palavras, segundo o autor, a escola
compreendia que ensinar a escrever seria uma ação relacionada a ensinar os alunos a
comporem textos com maior quantidade de construções complexas e extensas possível.
Dessa forma, o foco do aluno ao escrever recairia no preenchimento de espaço em branco
(páginas) ao invés da significação enunciativa em si.
Para construir seu raciocínio e chegar a essa conclusão, Pécora começa por
problematizar a ação de escrita em si, em comparação com a ação da oralidade:
Há uma explicação bastante usual para esse tipo de problema de coesão:
o aluno, ao produzir uma inserção muito longa ou uma sucessão de
inserções, esquece de desenvolver a ideia que dera margem ao início da
produção, quando não esquece a própria ideia inicial. Quer dizer, esse
seria um problema semelhante àquele que pode ocorrer na oralidade,
por exemplo, quando alguém interrompe a sua fala e diz que esqueceu
o que queria dizer, já não sabe o que ia falar, etc.: tudo não passaria de
um problema básico de memória com eventuais implicações
psicolinguísticas. Mas não deixa de ser surpreendente, no caso de uma
produção escrita, dizer que o aluno se esquece do que está bem diante
de seus olhos, ou que esse esquecimento momentâneo possa impedi-lo
de prosseguir um discurso que, ao contrário da oralidade, o vento não
levou: ele permanece grafado no papel (PÉCORA, 1999, p.67).

50
Observamos, aqui, a busca pelo autor por compreender a origem do problema de
escrita, propondo, em princípio, uma comparação com o que ocorre na oralidade. É
interessante notar que Pécora apresenta um primeiro argumento que também foi cogitado
por nós ao longo dos estudos para o presente trabalho: também refletimos sobre o
problema de a incompletude gramatical evidenciar uma dificuldade dos alunos de se
deslocarem do papel de falante para o papel de escritor, o que ocasionaria uma escrita
com reflexo da oralidade, como um diálogo de caráter online (cara a cara). Esse
apontamento, como vimos nas seções anteriores, se mostrou útil para advogarmos em
prol do ensino de norma culta como forma de situar o aluno no papel de escritor de textos
formais, como as redações de vestibular, que demandam estruturas sintáticas que são
específicas da escrita, conforme já discutimos anteriormente neste trabalho.
Continuando a reflexão de Pécora, o autor coloca, por fim, que
Esse tipo de problema, em que em meio às associações de um período
algo de essencial se perdeu para sempre, não parece difícil de ser
explicado. Ele é, mais uma vez, o resíduo das interferências escolares
sofridas pelas condições de produção da escrita. Ao assimilar esse tipo
de imagem ‘complexa e extensa’ da escrita, o que leva o aluno a
proceder às associações de um período nem sempre é o interesse em
fazer significar, nem sempre ele visa à efetivação de nexos semânticos.
Pois o efeito mais evidente dessa imagem contraditória é, justamente,
desligar o valor do desempenho escrito do valor da linguagem, da
instauração de um processo significativo. Nesse nível, o aluno passa a
concentrar-se exclusivamente na descoberta de procedimentos formais
de ocupação do espaço em branco (PÉCORA, 1999, p. 69).

Com este ponto, Alcir Pécora passa a se distanciar de nossa proposta, já que, para
ele, a questão está no objetivo de escrita do autor, que, por influência de ações escolares,
passa a ser buscar “procedimentos formais de ocupação de espaço em branco”. O que
nosso estudo vem trazer como contribuição para os apontamentos de Pécora é justamente
a mudança de foco no diagnóstico do problema, o que permite também a discussão e
proposta de alternativas didáticas que auxiliem na diminuição da ocorrência dele: tiramos
o foco da língua e passamos o foco para o usuário dela, aquele que age na e pela
linguagem.
Os estudos em desenvolvimento metalinguístico devem incluir como
variáveis, além da competência com a linguagem, a possibilidade de
que o ensino de língua também tenha como objetivo uma mudança no
comportamento e nas atitudes das pessoas diante das suas práticas de
linguagem. Refletindo sobre essa ideia, podemos enxergar, na adoção
de uma perspectiva metalinguística de observação e ensino de língua,
uma mudança radical de ponto de vista: do foco nos componentes
linguísticos usados metalinguísticamente, que é o que normalmente se
faz, para o foco no comportamento e na relação das pessoas a sua

51
experiência linguística. Essa mudança de foco exige, então, que
compreendamos quais são as ações metalinguísticas praticadas pelas
pessoas, para construirmos possibilidades de melhorar a sua qualidade
(GERHARDT, 2016, p. 43).

Conforme nos mostra Gerhardt (2015, 2016), esta mudança de foco viabilizou um
diagnóstico que, ao nosso ver, parece mais atual e acertado, considerando nosso contexto
de ensino de escrita, que se dá nas aulas de produção textual. Entendemos que a
incompletude gramatical se dá por conta da ausência de saberes gramaticais necessários
às constituições enunciativas e, portanto, à falta de possibilidade de um emprego
deliberado de tais saberes. Nesse sentido, nossa discussão, assim como a de Gerhardt
(2013, 2015, 2016), recai sobre a problematização do atual modelo de ensino de
gramática, que ocorre nas aulas de língua portuguesa, e, consequentemente, da separação
e desarticulação entre o ensino de língua portuguesa e o ensino de redação. Essa discussão
se faz pertinente na medida em que apresenta a relação entre a construção enunciativa e
os saberes gramaticais, e, sobretudo, a relação entre o ensino de gramática e as práticas
com a linguagem. Em consonância com os apontamentos de Pécora, observamos que a
incompletude gramatical afeta a integridade do corpo enunciativo. Acrescentamos a isso
a ideia de que uma unidade enunciativa prejudicada interfere na efetivação do objetivo
comunicativo, prejudicando, assim, a prática com a linguagem. Assim, reiteramos que
entendemos ser de extrema importância repensarmos o ensino de gramática com vistas à
melhoria das produções textuais, o que também significa dizer que é necessária uma
mudança no ensino de língua portuguesa de maneira que este ensino seja pensado como
forma de auxiliar os alunos a melhorarem a qualidade de suas experiências com a língua
(GERHARDT, 2013, 2015, 2016), considerando “a gramática e o léxico como
componentes que materializam estruturalmente as características discursivas do texto”
(GERHARDT, 2016, p. 44). Vale ressaltar que considerar essa articulação entre gramática
e escrita não exclui seja trabalhado nas escolas produções e avaliações de textos escritos
que demandem o uso do registro coloquial, pois mesmo esse registro, como já afirmamos
anteriormente, é gramaticalmente organizado, seja na escrita, seja na oralidade. É muito
importante que a escola considere também como parte de seu programa de ensino de
língua um trabalho mais abrangente, que abarque diferentes possibilidades de práticas
com a língua dentro do continuum fala-escrita. Focamos aqui no texto escrito em língua
de prestígio por entendermos ser um recorte mais representativo de um aprendizado que
é exclusivamente escolar.

52
Se a criança aprende a falar sem nenhum cuidado, a não ser o de colocá-
la em contato com falantes, o mesmo não acontece em relação à escrita,
que resiste vigorosamente a qualquer desabrochar espontâneo, e, não
raro, não desabrocha jamais. Quer dizer, para começar a traçar as
diferenças: entre a criança e a escrita existe a escola (sic). Entre a
capacidade de linguagem mais geral e o desempenho efetivo de um
sujeito na escrita existe um processo escolar de aprendizado (PÉCORA,
1999, p. 25).

Pécora (1999) já mostrava devia ser função da escola propor um aprendizado


sobre a escrita, já que esse processo não se dá de forma espontânea. Nós, no entanto,
acreditamos que também deve ser função da escola melhorar a qualidade das experiências
orais das pessoas; não apenas esperando que o ensino de escrita em obediência a norma
culta influencie mudanças na oralidade, mas tornando essas ações conscientes, o que
defendemos aqui que é o que propõe qualidade ao produto final: deve papel da escola
propor qualidade nas diferentes experiências das pessoas em suas práticas de linguagem
(GERHARDT, 2013, 2016). Ademais, o que observamos na atualidade é que a escola
exerce a função de ensino de escrita, mas de forma equivocada, como vimos explorando
ao longo desse trabalho. Esse equívoco, que, ao nosso ver, recai sobre a não compreensão
do papel da gramática na constituição textual – que dá espaço a um ensino de gramática
dissociado do ensino de escrita –, tem como consequência a produção de textos
problemáticos, sobretudo em termos gramático-estruturais. Segundo o site oficial do
governo, “em linguagens e códigos e suas tecnologias, a maioria (2.898.637) teve notas
entre 500 e 600 pontos. Apenas um participante ficou entre 800 e 900 e 3.862 tiveram
zero. A média nacional foi de 523,1”10. Ainda no portal do MEC, encontramos a seguinte
informação: “Na prova de redação, a maioria dos participantes (1.987.251) conseguiu
notas entre 501 e 600. Apenas 77 conseguiram nota mil. A nota zero ou a anulação da
prova foi para 291.806 estudantes”11. Esses dados nos servem de evidência de um ensino
de língua portuguesa ineficiente, que não consegue propor ao aprendiz uma experiência
de qualidade com a língua escrita, o que prejudica seu ingresso nas universidades públicas
nacionais e, supomos, dificulta o acesso a recursos importantes para ascensão ou
mudanças sociais.
Nesse sentido, buscamos aqui avaliar a incompletude gramatical como um
problema que notamos ser recorrente nas redações de vestibular (e em outros gêneros) e
que prejudica de forma considerável a composição textual na medida em que influencia

10
Disponível em <http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em: 12 de fevereiro de 2017.
11
Disponível em <http://portal.mec.gov.br/>. Acessado em: 12 de fevereiro de 2017.

53
diretamente na construção do significado. A incompletude gramatical, como já dissemos,
é um problema de ordem gramatical que observamos ocorrer em diferentes níveis textuais
e que não é validado pelo ensino de língua portuguesa, não estando, portanto, presente
nem nos materiais didáticos, nem nas aulas de português ou de produção textual. Estamos
tratando-a aqui como sendo relativa a um espaço não ocupado na estrutura, que gera a
noção de estrutura incompleta. Esse conceito pode se relacionar ao processo de revisão
nos moldes de Hayes e Flower (2002) no tocante à ação de adição de informação, ou seja,
a adição seria o contraponto da incompletude gramatical. Dessa forma, podemos
identificar uma incompletude quando podemos solucioná-la ao adicionarmos uma
informação ou preenchermos um espaço que não deveria estar vazio.
A partir de análise de textos de base argumentativa extraídos do banco de redação
do UOL e voltados para o ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio –, encontramos
evidências de que a incompletude gramatical pode ocorrer em três níveis, os quais serão
definidos a seguir de forma a propor um estudo sistematizado desse problema de escrita12:

I. Nível lexical
No nível lexical, encontramos problemas referentes a ausência de elementos
lexicais que deveriam constar no texto para auxiliar na construção da mensagem desejado
pelo escritor. Nesse nível, encontram-se os problemas de ausência de referente, ausência
de conectivo, ausência de preposições introdutórias de argumentos verbais e ausência de
índices preposicional marcando pronome relativo na introdução de orações adjetivas.

a) ausência de referente (AR)


A ausência de referente ocorre quando há a ausência de um elemento anafórico
que possa ser retomado. Segundo Gerhardt (2016), “ a ausência de referente ocorre
quando existe um elemento coesivo mas não se consegue identificar no texto a que
referente ele se associa” (p. 118). Como um exemplo da ocorrência desse problema, a
autora retoma o utilizado por Almeida (2010):
i. Ficção, comédia, romance... Estes são alguns dos temas apresentados

12
A incompletude gramatical pode ser encontra no livro “Ensino de Gramática e desenvolvimento
metalinguístico: teorias, reflexões e exercícios”, de Gerhardt (2016), como incompletude associativa ou
problema de presença. O objetivo do livro, no entanto, é ser um aparato pedagógico, pois propõe
procedimentos didáticos e utiliza o problema de incompletude como um dos problemas que podem ser
abordados e tratados com esses procedimentos. Já o nosso trabalho se propõe a construir um aparato
teórico, com foco em apresentar a incompletude gramatical como conceito e utilizá-la como base para
problematização do ensino de língua portuguesa no Brasil.

54
hoje no cinema e cada vez mais vem influenciando as pessoas. Na maioria
dos lugares se vê pelo menos um, e as pessoas passam a adquiri-lo em seus
hábitos de diversão (ALMEIDA, 2010, p. 50 apud GERHARDT, 2016).

Nesse exemplo, podemos ver que o elemento “lo” não possui um referente
possível na materialidade linguística. Isto é, não há um espaço sendo preenchido
anteriormente por um elemento que possa ser retomado por esse pronome. Observamos,
assim, que a enunciação foi prejudicada, já que não conseguimos depreender do texto o
que passa a ser adquirido como hábito de diversão.
Uma vez que o corpo do enunciado se encontra gravado, qualquer
ausência de co-referencialidade entre as duas partes, seja qual for a
distância que mantêm entre si, manifesta exatamente um problema de
coesão: afeta a integridade desse corpo (...) a unidade de um enunciado
escrito é invariavelmente uma função de todo o enunciado efetivamente
produzido e não apenas uma função da produção selecionada
sucessivamente pelo presente da enunciação (PÉCORA, 1999, p. 71).

b) ausência de conectivo (AC)


A ausência de conectivo ocorre quando há proposições sendo articuladas, mas sem
um conectivo que marque linguisticamente a relação estabelecida entre tais proposições,
com ocorre em
iv. Com a escravidão durante o século atual, os direitos trabalhistas são
deixados de lado pelo os empregadores. O reforço do governo nos direitos
trabalhistas e na fiscalização de empresas e micro empresas, colocariam
em extinção o trabalho escravo.13

No exemplo acima, há a necessidade de acrescentar um conectivo que marque a


relação de oposição entre a informação contida no primeiro período e a proposição
seguinte. Sem esse conectivo, a relação não fica clara, como seria o caso se estivéssemos
tratando de uma oração reduzida, isto é, que realiza a relação lógico-semântica sem a
necessidade de um conectivo, como acontece com o uso do gerúndio. No exemplo iv, a
falta de um conectivo causa prejuízo à compreensão do texto, acarretando inclusive a
possibilidade de um avaliador entender que houve um problema de coerência pelo
desrespeito ao princípio da não-contradição (Koch, 1993), que diz que, “ao longo do

13
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado em: 15 de dezembro de
2016.

55
desenvolvimento textual, é preciso que não se introduza nenhum elemento semântico que
contradiga, que se oponha a um conteúdo posto ou pressuposto anteriormente” (apostila
de Redação I do curso de redação do CLAC – Curso de Línguas Aberto à Comunidade –
da UFRJ) . Dessa forma, abstraindo outros erros gramaticais que não nos cabe olhar no
momento, podemos propor a seguinte correção para o exemplo iv:
Com a escravidão durante o século atual, os direitos trabalhistas são
deixados de lado pelo os empregadores. No entanto, o reforço do governo
nos direitos trabalhistas e na fiscalização de empresas e micro empresas,
colocariam em extinção o trabalho escravo.

c) ausência de preposição indicativa de argumento verbal ou nominal


preposicionado (AP)
A gramática escolar faz diferença entre objeto preposicionado, objeto indireto e
complemento relativo. Segundo a Gramática Escolar da Língua Portuguesa, de Evanildo
Bechara (2010),
Ao complemento verbal introduzido por preposição necessária
chamaremos [...] complemento preposicionado [...]; assim, em Diva
gosta de Teresópolis e Márcio assistiu ao jogo, de Teresópolis e ao jogo
são complementos preposicionados. Dizemos que a preposição é
necessária quando a sua não presença ou provoca um uso incorreto da
língua ou da modalidade exemplar, ou altera o significado do verbo. A
preposição de é necessária em Diva gosta de Teresópolis, porque, se
usarmos sem preposição [...], estaremos cometendo um erro de
português, pois se trata de uma construção anormal em nossa língua,
em qualquer das suas variedades. Já o não emprego da preposição a em
Márcio assistiu o jogo muda, na norma da língua exemplar, o
significado do verbo assistir. [...] há assistir ao jogo ´presenciá-lo’, ‘vê-
lo’, e assistir o doente ‘prestar-lhe assistência’, ‘socorrê-lo’. Como o
verbo está empregado no primeiro significado, deve-se dizer Márcio
assistiu ao jogo. Nas variedades informal e popular, só há o emprego
do verbo assistir no significado de ‘presenciar’, ‘ver’, e só aparece
construído sem preposição a: assistir o jogo, assistir a cena
(BECHARA, 2010, p. 30).

Bechara (2010) trata dos complementos preposicionados, que depois serão


divididos em objeto indireto e complemento relativo, e não deixa de apresentar o
comportamento das estruturas nas variedades informal e popular. A despeito disso, vale
observar que os usos apresentados pelo autor acabam ocorrendo na escrita, evidenciando
que o aautor coloca-se na posição de falante ainda quando faz uso da modalidade escrita,
conforme já discutimos anteriormente. O autor ainda destaca a característica “necessitar
de uma preposição” para o verbo que projete um complemento preposicionado. Isso se

56
faz necessário, pois, mais à frente, ele trata dos verbos que não necessitam de preposição,
mas cujo complemento a apresenta ainda assim, sem que isso afete o significado ou o
respeito à norma culta. A essa última ocorrência, o autor chama de Objeto direto
preposicionado. Esse tipo de objeto pode ocorre, por exemplo, em orações cujo verbo
“exprime sentimento ou manifestação de sentimento, e o objeto direto designa a pessoa
ou ser animado”, como em “estimava aos parentes” (BECHARA, 2010, p. 33).
Já dentro dos complementos preposicionados, para estabelecer a distinção entre
complemento relativo e objeto indireto, Bechara (2010) afirma que o complemento
relativo, diferente do objeto indireto, não pode ser substituído pelo pronome pessoal átono
lhe. Assim, teremos complemento relativo em “Diva gosta de Teresópolis” e objeto
indireto em “o escritor dedicou o romance à sua esposa” (BECHARA, 2010, p. 34-35).
Além de verbos, também há nomes cuja regência demanda a utilização de
preposição, como em “temos esperança de ganhar o jogo”. Nesse exemplo, o nome
esperança requer um complemento que seja introduzido por preposição (do que temos
esperança) ‘de ganhar o jogo’.
Nesse contexto, observamos problema de ausência de preposição em construções
em que o verbo projeta argumentos internos correspondentes ao que a gramática
normativa classifica por objeto indireto e complemento relativo ou em argumentos
projetados por nomes cuja regência é preposicionada, como acontece nos exemplos a
seguir, todos retirados das redações do banco de redação do site UOL.14
v. que por sua vez joga culpa departamento nacional de produção mineral
(DNPM).
vi. agir como age o mundo do crime, não nos leva à nada, que nos remete
à ideia que o ideal, seria estabelecer à pena de morte.
vii. Contribui-se com os impostos para assegurar-se que todos terão o
direito à vida com dignidade.

Observemos que, no exemplo v, a expressão jogar a culpa não encontra sua


regência respeitada, já que tal expressão demanda um complemento preposicionado
introduzido pela preposição em referente a jogar a culpa em alguém ou em alguma coisa.
Além disso, está ausente também o artigo definido que deve preceder o termo culpa.
Podemos supor aqui que o escritor possa ter continuado a frase sem a preposição em por

14
Todos os exemplos estão disponíveis em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado
em: 15 de dezembro de 2016.

57
ter passado a entender o termo culpa como verbo, e não mais como nome pertencente ao
à expressão jogar a culpa. Essa suposição daria sentido à ausência da preposição já que
o verbo culpar projeta um argumento interno não preposicionado: culpar alguém por
alguma coisa; o alguém, no caso, seria o departamento nacional de produção mineral.
No exemplo vi, o nome ideia não tem sua regência respeitada, pois esse termo
exige preposição de introduzindo seu complemento. Além disso, observamos também a
ausência de um artigo antes do pronome relativo que que introduz a oração “que nos
remete a...”. Essa ausência do artigo definido o faz com que a proposição seguinte pareça
ser um aposto explicativo do termo precedente, nada, o que de fato não procede.
Da mesma forma que ocorre em vi, no exemplo vii, vemos a ausência da
preposição de, que deveria, dessa vez, acompanhar o complemento preposicionado
projetado pelo verbo assegurar, realizando, assim, a regência adequada desse verbo.
Nesse sentido, considerando essa análise, podemos propor como correção para os itens v,
vi e vii, as seguintes formas:
v’. que por sua vez joga a culpa no departamento nacional de produção
mineral (DNPM).
vi’. agir como age o mundo do crime, não nos leva à nada, o que nos remete
à ideia de que o ideal, seria estabelecer à pena de morte.
vii’. Contribui-se com os impostos para assegurar-se de que todos terão o
direito à vida com dignidade.

d) ausência de índice preposicional introdutório de orações adjetivas (AIP)


A ausência de preposição em oração adjetiva é um problema relativo à falta de
uma preposição requisitada pelo verbo que rege a oração adjetiva quando esse verbo
projeta um argumento interno que deva ser preenchido por um complemento
preposicionado.
Na Gramática Escolar da Língua Portuguesa, de Evanildo Bechara (2010),
encontramos a seguinte explicação sobre os relativos marcados por índice preposicional:

O livro de que gostas está esgotado.


O relativo que reintroduz também o antecedente livro, de modo que a oração subordinada
de que gostas vale por gostas de livro, em que do livro é complemento relativo do núcleo
verbal gostas. Se assim é, na oração subordinada de que gostas o pronome relativo
funciona como complemento relativo. E como o complemento relativo é um termo

58
marcado por um índice preposicional e como o verbo gostar se acompanha (sic) da
preposição de, é imprescindível que este índice esteja introduzindo o relativo que
(BECHARA, 2010, p. 344).

Considerando essas determinações gramaticais, podemos dizer que a ausência de


índice preposicional introdutório de orações adjetivas pode ser entendido como um
subtipo de problema de ausência de preposição em orações regidas por verbos que
projetam argumentos internos que devem ser preenchidos por complementos
preposicionados. Vejamos o exemplo a seguir, também extraído do banco de redação do
site UOL:
viii. O ensino militar, por exemplo, mostra que a junção desses elementos
citado no primeiro parágrafo resulta nas boas notas em avaliações
externas que são submetidos.15

No exemplo acima, vemos a ausência da preposição a precedendo o que na


introdução da oração que são submetidos; o que indica um desrespeito à regência da
locução “ser submetido” e, junto a outros problemas gramaticais, causa confusão no que
tange a coesão textual. Como proposta de correção desse problema, temos a frase
seguinte:
viii’. O ensino militar, por exemplo, mostra que a junção desses elementos
citado no primeiro parágrafo resulta nas boas notas em avaliações externas
a que são submetidos.

II. Nível da estrutura argumental,


No nível da estrutura argumental, temos problemas de incompletude gramatical
referente à ausência de argumentos projetados por verbos ou por nomes. Na verdade, esse
problema já havia sido descrito por Pécora (1989) como a ausência de um dos
constituintes essenciais da oração: sujeito (argumento externo) ou objeto (argumento
interno). Gerhardt (2016) mostra que dentro desse nível encontramos estruturas que não
apresentam sequer o núcleo verbal, e, para exemplificar esse tipo de ocorrência, utiliza a
frase “É crime dirigir sob o efeito de álcool, passível de detenção” (p.150). Segundo a
autora, “não há nenhum termo que se preste a ser predicado pelo adjetivo passível – pode-

15
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado em: 15 de dezembro de
2016.

59
se até perguntar, ‘o que é passível de detenção?’, e se responder, ‘dirigir sob o efeito de
álcool”, mas essa informação, que está na outra estrutura, precisa estar sintaticamente
conectada ao adjetivo” (p.150). Além disso, a autora chama a atenção para a falta de “um
verbo de ligação que conectaria passível ao seu argumento sintaticamente ausente”
(p.150).
Para exemplificar a ausência de um argumento externo e de um argumento interno
projetados por um verbo, a autora lança mão de um trecho que apresenta a ausência desses
dois constituintes de uma só vez:
ix. A crise do euro não é nada boa para o mundo, já que a europa e (sic)
o principal centro comercial dos continentes. Dá para se vê na grande
repercussão mundial onde você liga a televisão e o principal assunto é a
crise do euro16 (GERHARDT, 2016, p. 151).

Com esse trecho, a autora nos mostra que “existem apenas os núcleos dar e ver, e
não há para eles eventuais argumentos internos nem externos, embora sejam necessários
para dar conta dos significados expressos pelos núcleos” (GERHARDT, 2016, p. 150).
A seguir, vemos um exemplo da incompletude gramatical pela ausência de um
sujeito que deveria ocupar uma das lacunas argumentais projetadas pelo verbo, no caso
falta o argumento externo do verbo deixar.
x. A solução para que isso [o aumento do desemprego] termine é investir
na educação e nunca deixarem de estudar (Trecho retirado da produção de
uma aluna do Ensino Médio).

O exemplo acima apresenta o problema de ausência de um argumento externo que


ocupe a posição de sujeito tanto para o verbo investir quanto para o verbo deixarem. Há
uma necessidade de conhecimento de mundo para que o interlocutor consiga depreender
do texto o agente que precisa investir na educação e o que precisa nunca deixar de
estudar, além da necessidade de o interlocutor perceber que é necessário que sejam
agentes diferentes, apesar de o conectivo e estar estabelecendo uma relação de adição de
proposição; o que significaria que ambas as proposições estariam se referindo a um

16
Trecho extraído do livro Ensino de Gramática e desenvolvimento metalinguístico: teorias, reflexões e
exercícios, de Ana Flávia Gerhardt (2016). Mas, a autora o extraiu do banco de redações do site uol,
referendando-o da seguinte forma: http://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/redacao/zona-do-
euro.jhtm.

60
mesmo sujeito. Vale observar que o trecho foi extraído de um texto maior, mas que, ainda
assim, não apresentou um sujeito possível para o verbo em questão. Nesse caso, podemos
especular que o sujeito pode ter ficado na mente do escritor, que não o passou para o papel
quando necessário. Mas, não são apenas os verbos que projetam argumentos; nomes
também o fazem, o que tornam estruturais nominais também passíveis de sofrerem a
ausência de um termo requisitado pelo núcleo nominal, como em
Por outro lado, o uso da rigidez em excesso na disciplina militar pode
causar prejuízos à individualidade do aluno. O estabelecimento de uma
mesma tarefa a todos de um determinado grupo não leva em conta
características intelectuais e físicas, causando constrangimento e
desmotivação àquele que falhar. Com isso, a tentativa de padronização
imposta por esse método tende a bloquear o desenvolvimento de diversas
competências e qualidades do aprendiz17.

Neste exemplo, vemos que o nome padronização requer um complemento, ou


ainda, projeta um argumento, que não está presente na frase: a padronização do quê? Além
disso, há também a ausência de um complemento especificador para “características
intelectuais e físicas”18.
Notamos haver, nas produções que apresentam problemas neste nível, a
necessidade de o autor apoiar-se completamente no conhecimento de prévio do
interlocutor para se fazer compreender, o que é muito problemático, haja vista o aumento
das chances de o significado pretendido pelo escritor/emissor não ser reconstruído pelo
leitor/receptor, causando um problema de interpretação, ou seja, de não efetivação dos
objetivos retóricos do escritor.

III. Nível proposicional


No nível proposicional, temos o problema de ausência de uma das proposições,
estando uma oração subordinada sem a sua principal ou uma coordenada sem a sua
correspondente. O que nos possibilita identificar a ocorrência da incompletude gramatical
nesse nível do texto é a existência de um conectivo, que deve articular duas orações,
introduzindo uma oração, mas não encontrando a outra que deveria fazer parte da

17
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/>. Acessado em 15 de dezembro de 2016.
18
Nesse caso específico, o responsável pela correção, do site UOL, sugere a inserção do especificador
“individuais”: características intelectuais e físicas individuais.

61
articulação. Em outras palavras, percebemos a incompletude gramatical proposicional
pela utilização de conectivos marcando linguisticamente a existência de processos de
coordenação ou de subordinação, e que não são finalizados. Esse tipo de ausência na
estrutura é a que mais prejudica a construção de significado por parte do leito, logo, é a
que mais prejudica a realização dos objetivos retóricos do escritor. Nas palavrar de
Gerhardt (2016), “quando um dos termos da articulação não está presente, o problema
que se origina é denominado incompletude associativa [...]. No caso da articulação de
sentenças, é possível encontrar orações subordinadas sem as suas principais” (p. 198).
Observamos que a autora utiliza ainda a nomenclatura proposta por Pécora (1989),
pois não havia ainda o estudo que nos propomos fazer aqui, que fez emergir a necessidade
de se propor um nome específico aos achados ao longo dele e que nos mostrou que a
incompletude não se restringe às estruturas gramaticais. Não havia, até o presente
momento, uma proposta de estudo sistematizado desse problema de escrita, então a
autora, atendendo aos seus propósitos para com a sua obra, lançou mão do termo utilizado
por Pécora sem que houvesse prejuízo às ideias que ela gostaria de compartilhar com seus
leitores. Nós, no entanto, notando haver outros tipos de incompletude que por hora o
presente trabalho não daria conta de aportar, optamos por construir o conceito em torno
das questões gramaticais, posto que essa abordagem seria a que nos permite propor as
discussões em torno do ensino de gramática e ensino de escrita como vimos
desenvolvendo ao longo dessa dissertação.
É importante ressaltar que, dentro desse nível, enquadram-se também frases que
carecem de um predicador completo, já que estamos considerando a definição de
proposição a partir do que diz a gramática, que a considera uma unidade de sentido; ou
ainda como encontramos no dicionário, uma “asserção”19. Nesse sentido, como exemplo
de problema de incompletude gramatical proposicional podemos observar os exemplos a
seguir, extraído do banco de redações do site UOL:
xi. Os colégios militares do Brasil têm apresentado bons resultados, pois
o sistema de educação é mais redigido. Visto que alcançou destaque no
Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) do ano passado. Nessas
instituições o nível de indisciplina, violência e vandalismo são menores.
xii. Trabalhadores em condições sub-humanas, onde até água para os
braçais era racionada parece coisa de outro mundo, mas foi aqui no Brasil

19
Disponível em <http://www.aulete.com.br/>. Acessado em: 12 de fevereiro de 2017

62
mas precisamente no Estado do Pará presenciado por Auditores do
Trabalho.20

No exemplo xi, vemos que o segundo período já se inicia com o conectivo “visto
que”, uma locução conjuntiva que articula duas proposições que se relacionam de forma
explicativa. No entanto, o período em que esse conectivo está inserido apresenta apenas
uma proposição, não ficando claro o que está sendo explicado pela proposição introduzida
pelo conectivo em questão. Nesse caso específico, não podemos considerar que seja
apenas um problema de fronteira (ver GERHARDT, 2016), pois a retirada do ponto final
anterior a esse período, ou mesmo o posterior, não resolve o problema. Seria necessário
criar-se uma proposição para se articular com Visto que alcançou destaque no Enem
(Exame Nacional do Ensino Médio) do ano passado ou trocá-lo de lugar com pois o
sistema de educação é mais redigido e criar-se uma proposição que se articulasse com
esta última. Em ambos os casos, seria necessário que o escritor lancesse mão do recurso
da adição para corrigir o problema.
Já no exemplo xii, dentre vários problemas sintáticos e ortográficos, vemos o
sintagma nominal trabalhadores em condições sub-humanas sem um predicador possível
que possibilite a compreensão do enunciado. Além disso, também encontramos nesse
mesmo trecho o problema de incompletude gramatical argumental, com a ausência de
argumento externo para o verbo parecer, que também serviria como argumento de o que
foi presenciado por Auditores do Trabalho.
Em todos os exemplos analisados nessa seção, notamos que o usuário da língua
apresentou problemas relacionados à utilização das estruturas sintáticas pertinentes a sua
língua, o que prejudicou sua prática de linguagem escrita. Levando essa informação em
consideração, podemos supor que o escritor não corrigiu sua falha por não as perceber; e
não as percebeu por não estar ciente de que deveria olhar para esse tipo de problema.
Identificar e poder corrigir o problema é uma ação metalinguística, na medida que a
metacognição é uma habilidade da mente humana de si monitorar e administrar, e a
habilidade metalinguística é a ação de gerenciar o uso dos recursos linguísticos de forma
deliberada, o que, no caso da incompletude gramatical, envolve o gerenciamento dos
recursos sintáticos que constituem um texto, ou seja, envolve uma consciência
metassintática.

20
Disponível em <https://educacao.uol.com.br/>. Acessado em 15 de dezembro de 2016.

63
No tocante aos nossos estudos, expostos aqui, afirmamos que sua relevância se
deve ao fato de ao sistematizarmos tipos de problemas de escrita de ordem gramatical
como o que estamos propondo, possibilitamos uma reflexão pedagógica que deve refletir
nas práticas didáticas diárias nas salas de aula brasileira quanto ao ensino de língua
portuguesa. Gerhardt (2016) aponta mais do que o problema de incompletude gramatical,
que, na ocasião da obra, ainda era denominada de incompletude associativa; abarcando
diversos problemas gramaticais concernentes à escrita e propondo atividades que podem
auxiliar na diminuição da recorrência de tais problemas. Apesar disso, esse aparato teórico
e didático não contava ainda com o estudo sobre o qual nos debruçamos aqui. Sendo
assim, afirmamos que a presente produção não é uma releitura da obra de Gerhardt
(2016), mas mais uma contribuição para os estudos em desenvolvimento metalinguístico,
em geral, e metassintático, em particular, já que apontamos aqui a sistematização de um
problema gramatical ainda não-familiar no ambiente tanto acadêmico quanto de sala de
aula de produção textual e de português e cuja legitimação permite um novo olhar do
professor sobre as produções dos alunos. No que tange a esse novo olhar do professor, tal
postura permite que esse profissional possa auxiliar com mais eficiência seus alunos ao
compreender suas dificuldades gramaticais a partir da avaliação do texto como produto
composto por um estilo discursivo, mas também por um sistema notacional, como
propõem Ravid e Tolshinsky (2002). Em outras palavras, nosso trabalho colabora para o
letramento linguístico do professor a fim de que esse profissional possa colaborar para o
letramento de seus alunos, para o desenvolvimento de suas consciências metalinguísticas,
para a sua apropriação dos recursos linguísticos inerentes a sua língua e, enfim, sua
autonomia como usuários de sua língua, de forma a auxiliá-los a atingirem seus propósitos
comunicativos em suas práticas de linguagem – no caso do presente material, na prática
de escrita de textos dissertativos para vestibular e ENEM.
Passaremos agora para avaliar a ocorrência dos diferentes tipos de incompletude
gramatical nas redações retiradas do banco de redação do site UOL. No próximo capítulo,
explicaremos a metodologia utilizada para construímos nosso banco de dados, e, em
seguida, apresentaremos nossos achados e aportaremos nossas considerações acerca
deles.

64
4. METODOLOGIA
Seguindo as sugestões de Punch (2014), começamos a desenhar nossa
metodologia a partir dos níveis de abstração. Nesse sentido, primeiramente situamos
minha pesquisa no Campo da Linguística Aplicada, especificamente na área de ensino de
língua materna, a partir das nossas motivações, que giram em torno de se pensar um
ensino de língua inclusivo, que tenha como foco as individualidades e que permita aos
aprendizes a apropriação dos recursos linguísticos inerentes à sua língua, de forma a
permiti-los gerenciar as estruturas linguísticas e flexibilizar de acordo com as
necessidades do contexto comunicativas. Essa flexibilização inclui o domínio da norma
culta, necessária para o ingresso nas universidades ou em concursos públicos, processos
importantes para a mudança social daqueles que se encontram nas margens da sociedade.
Nesse sentido, determinamos que nosso tópico seria avaliar de forma sistemática a
ocorrência de um problema linguístico de ordem sintática, buscando tornar tal problema
um conceito, denominado por nós como incompletude gramatical, ao mesmo tempo que
objetivamos utilizá-lo para problematizar o ensino de escrita em língua materna no Brasil.
As perguntas gerais que regem este estudo são “qual é a relevância do estudo desse
tema”? E “Como esse estudo pode auxiliar na mudança educacional, tão necessária em
nosso país, principalmente em termos de língua portuguesa”? As perguntas específicas
são “quais conhecimentos estão faltando e, por isso, acarretando a incorrência do aluno
no problema de incompletude gramatical”? E “como esses conhecimentos estão ou não
sendo trabalhados pelas escolas”?
O presente documento foi construído a partir de uma metodologia qualitativa
interpretativa, porém oferecerá uma amostra quantitativa da recorrência do problema de
incompletude gramatical, a fim de construir argumentos que sustentem a nossa defesa
acerca da relevância do tratamento deste objeto como ponto de partida para uma discussão
mais ampla, que se dará em torno do ensino de gramática e ensino de escrita nas escolas
brasileiras. Para tanto, selecionamos um corpus de 150 (cento e cinquenta) redações
extraídas do Banco de Redações do site UOL e escritas por vestibulandos que desejam
avaliar suas performances – conforme explanamos brevemente em nossa introdução,
esses vestibulandos submetem seus textos à correção de um profissional do site que avalia
e pontua as produções e, em seguida, posta os resultados no próprio site com comentários.
Esse profissional corrige apenas 20 (vinte) redações por tema. Não tivemos acesso nem à
metodologia utilizada para corrigir, nem a utilizada para a escolha das redações que serão
corrigidas, nem às credenciais e identificação deste profissional. Não conseguimos sequer

65
saber se se tratava de uma equipe ou apenas uma pessoa. No entanto, tais questões não se
mostraram relevantes para o nosso trabalho, não interferiam de nenhuma forma na nossa
avaliação do fenômeno linguístico em questão, já que este dependia da produção em si e
não do olhar do avaliador. A única contribuição que esse avaliador poderia nos dá seria
quanto ao fato de podermos incluir em nossas discussões a sua percepção ou não da
incompletude gramatical, e isso independia da identidade do profissional, mas das
marcações e comentários que ele fazia nos textos por ele corrigidos.
Para selecionar as 150 (cento e cinquenta) redações, optamos por dividir as
redações em grupos de maiores notas e menores notas. Escolhemos 10 (dez) temas
aleatórios e averiguamos as possibilidades quantitativas de redações com maiores e
menores notas. Logo percebemos que a melhor opção seria montar um grupo com notas
iguais ou acima de 5.0 (cinco), que chamaremos aqui de grupo A, e um grupo com notas
abaixo de 5.0 (cinco), que chamaremos aqui de grupo B – o valor máximo era 10.0 (dez).
Assim, de cada tema, selecionamos as cinco maiores notas, contando a partir de 5.0
(cinco), e as dez menores notas, considerando qualquer nota abaixo de 5.0 (cinco).
Sentimos a necessidade de selecionar um décimo primeiro tema por falta de redações
(duas redações) para o grupo de notas iguais ou acima de cinco (5.0): optamos, para
solucionar essa questão, escolher as duas maiores e as duas menores notas desse último
tema, a fim de haver um equilíbrio.
Os temas selecionados foram os seguintes:
1- Pós verdade, opinião pública e democracia.
2- Filantropia: um exemplo a ser cumprido?
3- Escola no Brasil: com ou sem partido?
4- O sucesso vem da escola ou do esforço individual?
5- Estupro: como prevenir esse crime?
6- Carta-convite: discutir discriminação na escola.
7- Impeachment: a Presidente deve perder o mandato?
8- Bandido bom é bandido morto?
9- Mariana: fatalidade ou negligência?
10- Disciplina, ordem e autoridade favorecem a educação?
11- Escravizar é humano?

Após a seleção, avaliamos a ocorrência da incompletude gramatical em cada


redação, marcando os diferentes níveis que encontramos. Em seguida, montamos um

66
quadro quantificando essas ocorrências e propondo uma comparação entre os resultados
encontrados nos dois grupos de redações. Nesse sentido, parece-nos claro que esta
pesquisa se mostra pertinente ao paradigma quantitativo, haja vista seu caráter
quantificador: após a avaliação de todas as redações, quantos casos de cada nível textual
ocorrerão?
Como procedimento seguinte à avaliação do quadro de resultados quantitativos,
propusemos nossas reflexões, buscando relacionar o problema avaliado a conhecimentos
gramaticais pertinentes a ele e, dessa forma, mostrar que o ensino de gramática é
necessário para a qualidade da produção escrita e assim fundamentar nossa ideia acerca
da necessidade da articulação entre o ensino de gramática e o ensino de produção textual,
de forma a se levar em consideração as ações cognitivas envolvidas no processo de
escrita, o que significa prezar por um ensino de língua portuguesa que objetive
desenvolver as habilidades metacognitivas de gerenciamento e regulação dos recursos
linguísticos com vistas a uma experiência qualitativa com a prática de linguagem escrita
por parte dos alunos. A habilidade que trata do uso consciente dos recursos linguísticos é
a habilidade metalinguística, no sentido apresentado por Gombert (2009); no nosso caso
específico, estamos tratando do trato com estruturas gramaticais, então abordaremos as
discussões pertinentes ao desenvolvimento da consciência metassintática, sem, com isso,
excluir a necessidade de se discutir outras habilidades e outras estruturas ou elementos
que, junto à estrutura sintática, também participam da construção textual e das práticas de
linguagem cotidianas das pessoas.

67
5. ANÁLISE DOS DADOS E REFLEXÕES: TEXTOS DO BANCO DE REDAÇÕES DO UOL21

Este capítulo se destina à apresentação de um problema muito recorrente


encontrado na produção escrita de vestibulandos: a incompletude gramatical. Conforme
descrevemos nos aportes teóricos, a incompletude gramatical é um problema de escrita
de ordem sintática que pode ocorrer em diferentes níveis textuais, desde o nível lexical
até o nível da articulação de proposições. Esse problema se mostrou recorrente e
evidenciou um desajuste entre o propósito do ensino de gramática e os resultados do
emprego de tais conhecimentos em textos escritos. A análise que proporemos neste
capítulo, bem como o que foi proposto por Alcir Pécora (1999), em Problemas de
Redação, “visa entender o estado efetivo de um determinado produto linguístico tendo
em vista suas condições de produção”, que, no nosso caso, se refere ao entendimento
sobre a ocorrência da incompletude gramatical na produção textual em “modalidade
escrita da linguagem”, o que “deve permitir uma reavaliação das dificuldades encontradas
pelos alunos para cumprimento da famigerada tarefa de escrever” (PÉCORA, 1999, p.20).
Antes de avaliarmos algumas produções que exemplificam a ocorrência de incompletude
gramatical, propomos, abaixo, um quadro que apresentará a quantidade de ocorrência de
cada tipo de incompletude gramatical, a saber, incompletude gramatical lexical (ausência
de referente, ausência de conectivo, ausência de preposição indicativa de argumento
verbal ou nominal preposicionado e ausência de índice preposicional introdutório de
orações adjetiva); incompletude gramatical argumental (ausência de constituinte); e
incompletude gramatical proposicional (ausência de uma proposição). Cabe lembrar que
criamos esse quadro a partir dos procedimentos metodológicos expostos no capítulo
anterior. Após o quadro, faremos uma breve explanação sobre nossos achados e, em
seguida, passaremos para a avaliação de algumas produções textuais que servirão de
exemplares para explorarmos as diferentes ocorrências do problema de escrita sobre o
qual nos debruçamos e que nos auxiliarão a refletir sobre as causas dessas ocorrências, o
que nos ajudará a fundamentar materialmente a nossa ideia sobre a necessidade de
articulação entre ensino de gramática e ensino de produção textual, como vimos
advogando ao longo desse trabalho.

21
Todos os trechos apresentados ne capítulo foram extraídos do banco de redação do site UOL e estão
disponíveis em <https://educacao.uol.com.br/bancoderedacoes/>. Acessado em: 15 de dezembro de 2016.

68
5.1. ANÁLISE DOS DADOS:

A partir da leitura analítica das 150 redações que selecionamos para este trabalho,
encontramos dados referentes à quantidade de ocorrência de incompletude gramatical e
às diferentes posições em que esse problema ocorre. Assim, observamos a ocorrência de
incompletude gramatical
I. No nível lexical, como nos exemplos a seguir:
a) Ausência de referente
No que se refere à filantropia, é possível afirmar que é um lindo
gesto de amor ao próximo que vem ganhando força no mundo
atual. Haja visto, que alguns milionários e Bilionários estão
efetuando doações para algumas obras sociais, não só trazendo
um espírito de solidariedade, mas também dando um exemplo ao
mundo. Diante de um mundo tão desigual, é importante acabar
com essa ganância e olhar para quem mais precisa.

O trecho acima é referente ao primeiro parágrafo de um texto. Observamos que o


autor já introduz o texto com uma expressão que deve ser utilizada para articular
proposições que estabelecem entre si relação de comparação – seja por semelhança, seja
por diferença –, e que, no entanto, não está exercendo essa função, haja vista a ausência
de uma outra proposição anterior para ser articulada a esta. Além disso, encontramos
também o problema de ausência de um dos argumentos projetados pela forma verbal “é”
(o que é um lindo gesto de amor?) Outro argumento que não está preenchido é o projetado
pelo nome “exemplo” (exemplo de quê?). Por fim, observamos a ausência de um referente
para ser retomado pelo demonstrativo “essa” em “essa ganância” (não sabemos a que
ganância o autor está se referindo).

b) Ausência de conectivo
Samarco, empresa mineradora a qual o nome esta relacionado com
o maior desastre ambiental do Brasil, ultimamente, aparece nos
noticiários como causadora da contaminação do Rio Doce e perda
de vidas humanas. Porém, a responsabilidade não pode ser
totalmente depositada na empresa, visto que o governo possui uma
parcela de culpa.

69
Nesse exemplo, observamos a ausência de um argumento necessário para
preencher o espaço projetado pelo nome “responsabilidade”: responsabilidade de quê?
Além disso, notamos também a falta de um conectivo de adição, mostrando a relação de
acréscimo de informação quanto aos culpados pelo ocorrido em Mariana. Ademais,
vemos também a ausência de artigos necessários antes do nome “Samarco” e de
“empresa”. Assim, o trecho corrigido ficaria da seguinte forma:
A Samarco, UMA empresa mineradora a qual o nome esta [ESTÁ]
relacionado com o maior desastre ambiental do Brasil, ultimamente,
aparece nos noticiários como causadora da contaminação do Rio Doce e
perda de vidas humanas. Porém, a responsabilidade DISSO OU DESSA
TRAGÉDIA não pode ser totalmente depositada na empresa, visto que o
governo TAMBÉM possui uma parcela de culpa.

Outro exemplo de ausência de conectivo pode ser encontrado no trecho a seguir:


Sendo assim, não podemos impor esse tipo de limites nos professores, cada
ser humano tem seu modo de pensar, e os adolescentes são capazes de
distinguir o certo e o errado e suas consequências.

Nesse trecho, observamos a ausência de um conectivo necessário à articulação


entre a primeira e a segunda proposição de forma a explicitar a relação de explicação que
essas proposições estabelecem entre si. Uma sugestão de correção seria a seguinte:
Sendo assim, não podemos impor esse tipo de limites nos professores,
POIS cada ser humano tem seu modo de pensar, e os adolescentes são
capazes de distinguir o certo e o errado e suas consequências.

c) Ausência de preposição
É possível afirmar que, a filantropia é uma atitude a ser seguida
por todos bilionários, milionários, e também aquele capaz de
contribuir com seu trabalho em ações sociais.

No exemplo acima, vemos a ausência do artigo “os” precedendo os nomes


“bilionários” e “milionários” e da preposição “por” precedendo “aquele capaz de
contribuir”, que também é argumento da locução verbal “ser seguida”.

70
d) Ausência de índice preposicional
Não obstante, políticas de esfera regional ou nacional devem ser tomadas
para que a educação pública e privada diminuam a disparidade entre si,
possibilitando à uma maior porcentagem da população de usufruir das
oportunidades que a minoria é contemplada.

No exemplo acima, notamos a ausência de um índice preposicional precedendo o


pronome relativo “que” que introduz a oração adjetiva que encerra o trecho: quem é
contemplado é contemplado com alguma coisa. A frase corrigida ficaria da seguinte
forma:
Oportunidades com que a minoria é contemplada.

II. No nível argumental, como no exemplo a seguir:


Ausência de argumento.
Certamente, um dos maiores impactos ambientais brasileiros aconteceu
no dia 5 de novembro de 2015 na cidade de Mariana, quando a barragem
do Fundão se rompeu e acabou por danificar também a de Santarém.
Muitos questionamentos surgiram, porém poucas respostas foram
apresentadas.
Nesse exemplo, vemos a ausência de um argumento necessário para preencher o
espaço projetado pelo nome “questionamento”: questionamento sobre o que?

III. E no nível do período composto, como no exemplo a seguir:


Ausência de proposição
A filantropia é, portanto, um emocionante gesto que deve ser propagado
em todo o mundo. Para assim, amenizar essa desigualdade entre nós,
levando oportunidade de uma vida melhor para todos.

No exemplo acima, que se refere à transcrição do último parágrafo de uma das


redações, observamos o problema da ausência de um referente para o demonstrativo
“essa” em “essa desigualdade” (supomos que o escritor possa ter tentado fazer uma
referência exofórica, externa ao texto) e a ausência de uma proposição para ser articulada

71
à última oração, introduzida por um gerúndio22. É preciso ratificar que estamos
considerando em nossa avaliação a estrutura escolhida pelo escritor para compor sua
produção, por isso, consideramos haver aqui um problema de ausência de proposição. Se
ele tivesse escolhido outro tipo de estrutura, poderia facilmente relacionar a informação
contida na última oração ao resto do texto, mas, para isso, seria necessário que estivesse
consciente do recurso que estava escolhendo (consciência metassintática) para atingir
seus propósitos comunicativos. Outra observação importante é que aparentemente há um
problema de ausência de uma proposição que deveria ser articulada ao segundo período
por meio do “para assim”; contudo, o que ocorre, na verdade, é um problema que Gerhardt
(2016) apresenta como problema de fronteira: basta eliminar o ponto final e temos a
articulação estabelecida; não há necessidade de adicionar informações.
Além dos problemas de incompletude gramatical, encontramos também
problemas de ausência que não estão sendo considerados por nós como problema de
incompletude gramatical, por se referirem a questões que estão para além do que
concernem as discussões em torno da consciência metassintática. Infelizmente, não nos
foi possível estudar mais profundamente esses tipos específicos de ‘espaço incompleto’
no texto, devido às nossas limitações de tempo, mas acreditamos que seria interessante
quantificá-los com vistas a futuros estudos e por, de certa forma, se relacionar ao conceito
de incompletude ao ser um problema de ausência de item necessário à produção.
Vejamos o quadro abaixo, com a quantificação dessas ocorrências:
TIPOS DE INCOMPLETUDE < 5.0 ≥ 5.0
Ausência de referente 119 45

Ausência de conectivo 49 17

Ausência de preposição 37 15

Ausência de índice preposicional 06 04

Ausência de argumento (IGA) 216 84

Ausência de proposição (IGP) 136 27

Os números que constam no lado esquerdo do quadro são referentes aos achados
nas redações que apresentaram notas abaixo de 5.0 (cinco); e os números no lado direito

22
O gerúndio pode ser utilizado para articular orações com relação de explicação ou de consequência.

72
se referem aos achados nas redações que apresentaram notas iguais ou maiores que 5.0
(cinco). De acordo com os nossos achados, a maior ocorrência de incompletude
gramatical tanto nas redações com notas abaixo de 5.0 (cinco) quanto nas com notas
acima de 5.0 (cinco) se deu no nível argumental, o qual se refere à ausência de um
argumento projetado ou por um verbo (argumento externo e argumento interno) ou por
um nome, ou mesma pela ausência do próprio núcleo verbal. A segunda maior ocorrência
é diferente para os dois grupos avaliados: no grupo das redações abaixo de 5.0, a segunda
maior ocorrência de incompletude se deu no nível proposicional, que se refere à ausência
de uma proposição inteira que predique um sujeitou ou que se articule com outra
proposição que se encontra materializada no texto e introduzida por um conectivo,
marcando uma relação de subordinação ou coordenação. No grupo das redações acima de
5.0, a segunda maior ocorrência se deu no nível lexical, especificamente na ausência de
referentes. Já a terceira maior ocorrência de incompletude gramatical se apresentou como
o inverso da situação anterior; nessa colocação, o grupo de redações com notas inferiores
a 5,0 apresentaram a ocorrência de ausência de referente, e o grupo de redações com notas
superiores a 5.0 apresentaram a ocorrência de ausência de proposição.
Ademais, encontramos índices significativos de ausência de conectivo e de
preposição indicativa de argumento verbal ou nominal preposicionado. A ausência de
índice preposicional introdutório de orações adjetiva apresentou índice pouco
significativo, assim como a ausência de partícula integrante que, ausência de artigo ou
mesmo esquecimento de alguma palavra. Faz-se necessário explicar que estamos
considerando esquecimento ou desatenção a ausência de alguma palavra que nos pareceu
ser relacionado a problemas de digitação, como a ausência do mais em “o mundo está
precisando cada vez Ø de pessoas assim” (Disponívei em <https://educacao.uol.com.br/>.
Acessado em 15 de dezembro de 2016.).
As produções que avaliamos foram entendidas como manifestações dos eus de
seus autores, já que “é na linguagem e por ela que o homem se constitui como sujeito,
dado que somente ao produzir um ato de fala, ele constitui-se como eu” (Benveniste,
1966, p. 259). Apesar de nosso foco recair sobre as questões gramaticais, consideramos
importante ter em mente que as estruturas sintáticas deveriam ser observadas como forma
de construir enunciados, de possibilitar expressões de sujeitos que agem na e pela
linguagem. E, ao entendermos que a redação de vestibular é um gênero que demanda
posicionamentos políticos e sociais dos vestibulandos, podemos afirmar também que
estamos tratando de construções de extrema relevância, que demonstram a habilidade ou

73
não do escritor em se fazer compreender a partir de seu texto escrito, ou seja, de se
posicionar política e socialmente por meio da escrita.
Em nosso aporte teórico, tratamos do processo de construção de significado.
Retomaremos aqui apenas algumas ideias importantes para nossas reflexões. Uma das
ideias importante é a de “admitir que cada palavra tem uma área semântica mais ou menos
definida, e que o receptor (ouvinte ou leitor) parte daí para realizar o processo que
chamamos de interpretação das estruturas que ouve ou lê”, excluindo “interpretações que
não fazem sentido” (PERINI, 2006, p. 42-43). Segundo Perini (2006), “o significado que
transmitimos através da fala é captado pelo ouvinte a partir de vários tipos de elementos
que funcionam como pistas, entre as quais figura [...] a contribuição das palavras
individuais e das estruturas das frases” (p. 55). O autor trata da oralidade, mas as mesmas
considerações se aplicam à modalidade escrita. Tendo isso em consideração, entendemos
que o problema de incompletude gramatical prejudica esse processo de interpretação, já
que dificulta, e às vezes impossibilita, a construção de significado, devido às estruturas
estarem incompletas, carecendo de palavras, frases ou orações para servirem de pistas
para a construção do significado.
É interessante colocar que as redações que avaliamos, extraídas do banco de
redações do site UOL, já haviam sido avaliadas e pontuadas por profissionais do próprio
site. Não conseguimos acessar as credenciais desses profissionais, mas, pelos comentários
que tecem ao final de cada redação, parecem ser mesmo da área de letras. Tendo em vista
esse contexto, buscamos observar também se constava, nos comentários, alguma
evidência de que o encarregado pela correção percebia a ocorrência de incompletude
gramatical. Assim, encontramos algumas marcações relativas a problemas de
incompletude e que eram avaliadas como “estrutura incompleta” ou “estrutura confusa”;
em outros momentos, o corretor não faz uma observação de ordem sintática, então ele
propõe reformulações no próprio texto, uma dificuldade que nossa experiência na área de
ensino mostrou que é comum aos professores. Observamos também que, nos comentários,
há sempre menção à dificuldade de leitura por parte do corretor devido a essas
construções que ele denomina como confusas ou incompletas. Além disso, vemos que a
obediência à norma culta de forma geral é sim avaliada, haja vista ser parte das regras
determinadas pelos idealizadores do ENEM e dos vestibulares; ou seja, precisam ser
levadas em conta também pelo corretor do banco de redação do UOL. Nesse sentido, um
dos itens contabilizados é o domínio da norma culta da língua escrita. Vale ressaltar,
portanto, que problemas como os de incompletude gramatical não só prejudicam o

74
objetivo retórico do escritor como também ferem a norma culta.
Outra colocação importante é que, para realizarmos nosso estudo e propormos a
divisão das ocorrências nos diferentes níveis já explanados, consideramos as escolhas
linguísticas feitas pelos escritores em articulação com sua intenção comunicativa. Então,
quando o escritor escolhe usar, por exemplo, o ver ter em uma oração cuja proposta não
permite sujeito – isto é, cujo verbo ideal seria o haver –, determinamos que há problema
de incompletude gramatical argumental, já que ele escolheu um verbo que projeta um
argumento externo e deixou esse espaço vazio. Uma ação consciente sobre a escolha desse
verbo faria com que o aluno percebesse que o verbo ter projeta um argumento externo,
que deve ser um sujeito que tem/possui algo, além de um argumento interno, que é o
objeto possuído. Logo, se ele deseja produzir uma oração sem sujeito, há que optar por
um verbo que não projete um argumento externo, como o verbo haver.
Vejamos a produção textual a seguir, pertencente ao grupo de redações com notas
abaixo de 5.0 (cinco):
(Sem título 086)
a (sic) Polêmica desta frase “bandido bom, é bandido morto”. Pra
muitos pode ser favorecido a frase, mas para mim não, por quê não são
somente os bandidos que causam a violência, policiais também não são
nada santinhos, descordo totalmente sobre este tema de pessoas serem
a favor desta frase, violência não era para nem existir, se o mundo
houvesse mais amor e paciência, a violência não seria praticamente
nada, a violência gera violência, não deveria ter pena de morte nem
nada, porque acho que o único que pode tirar nossas vidas, é Deus, por
mais que o bandido faça coisas erradas, que cumpre sua pena, seu
castigo por anos em uma cadeia, do que ser morto. Deus nos deu livre
arbítrio de escolher nossos caminhos, assim também como sofrer com
as consequências. Por isso sou contra a morte e a frase de “bandido
bom, é bandido morto.
(Autor anônimo. Redação extraída do banco de redações do UOL.
Nota: 2,0)23

Comentário geral
Texto fraco, marcado pela linguagem coloquial, pelas frases mal
redigidas e com muitos problemas de pontuação. Contudo, vale a pena
comparar essa redação com a outra intitulada A maldade está no
mundo. Naquela, os problemas de linguagem são tantos que mal se
compreende o que o autor quer dizer e há trechos inteiros que nada
significam. Nesta, apesar da linguagem, o autor pelo menos demonstra
compreensão do tema e tenta apresentar suas razões para defender seu
ponto de vista. Infelizmente, porém, ao fazê-lo, dá uma demonstração
de que não sabe escrever na norma culta da língua portuguesa.
(Comentário provido pelo corretor responsável pelas correções das

23
As redações são todas anônimas e estão disponíveis em <https://educacao.uol.com.br/>. Acessado em
15 de dezembro de 2016.

75
redações do banco de redações do UOL).24

Observando a redação, notamos nela a ocorrência de diversos problemas


linguísticos e discursivos. Dentre os problemas gramaticais, encontramos a ausência de
artigo, como em “descordo totalmente sobre este tema de [AS] pessoas serem a favor
desta frase”; e problemas de incompletude gramatical, como, dentre outros, os exemplos
a seguir:
Incompletude gramatical argumental: “não deveria ter pena de morte”.
Quando o escritor escolhe utilizar o verbo ter, ele precisa estar ciente das
demandas desse verbo, ou seja, da necessidade de se preencher um argumento externo e
um interno, como explanamos anteriormente. Nesse sentido, linguisticamente há um
espaço vazio referente ao argumento externo do verbo ter, que precisa ser preenchido por
aquele que não deve ter a pena de morte. No entanto, é evidente que a oração intencionada
não comporta um sujeito. Sendo assim, as duas opções possíveis seriam ou o autor
adicionar estruturas que complementassem o sentido do verbo ter ou substituir o verbo
ter pelo verbo haver.
Incompletude gramatical proposicional: a (sic) Polêmica desta frase “bandido
bom, é bandido morto”.
A frase inicial da redação é composta por um sintagma nominal que se encontra
sem um predicador. Consideramos esse exemplo como problema no nível proposicional
por não se tratar da falta apenas de um verbo, mas de uma proposição inteira. Ainda que
desconsiderássemos as questões de pontuação e de letra minúscula em começo de frase,
a gramática que temos na nossa mente nos indica que é impossível formar uma oração
com essa frase e impossível também propor um significado a ela – segundo Perini (2006),
“as regras da língua estão presentes na mente do usuário, e incluem uma espécie de receita
de como construir orações” (p.46).
No tocante ao comentário tecido pelo responsável pela correção dessa redação,
notamos que o centro da preocupação desse corretor ficou no registro. É interessante
observar que ele compara esse texto com uma outra produção com a finalidade de chamar
a atenção para o fato de reconhecer nesse um proposito comunicativo que, no entanto,
não se realizou no registro adequado. A respeito disso, cabe dar destaque aqui ao
reconhecimento do corretor acerca de uma posição defendida pelo escritor, que, por não

24
Para nós, o corretor ficou como uma figura anônima, bem como os autores dos textos, pois não
conseguimos ter acesso à sua identidade.

76
demonstrar domínio do registro pertinente à modalidade escrita no gênero em questão,
não recebeu uma pontuação que o permitiria ingressar em uma universidade. Segundo
esse corretor, o texto foi avaliado em 2.0 (dois) ponto de um total de 10.0 (dez), o que
equivaleria a 200 (duzentos) em um total de 1000 (mil) – pontuação atual do ENEM.
Outro destaque que cabe aqui é ao fato de o corretor sinalizar que, no outro texto,
“os problemas de linguagem são tantos que mal se compreende o que o autor quer dizer
e há trechos inteiros que nada significam”. Ou seja, ele evidência que problemas
linguísticos não só ferem o uso do registro adequado como também prejudicam a
compreensão, a significação do texto, o que impede que seja alcançado o objetivo
comunicativo do escritor e a expressão e defesa de suas ideias.
Analisemos agora uma produção do grupo de redações com notas acima de 5.0
(cinco):
Quando a exceção vira notícia
Ainda que existam casos de alunos que conseguiram ascender em sua
via acadêmica de forma brilhante, são evidentes as consequências da
desigualdade social no panorama da educação. Esses eventos de
exceção tomam destaque na mídia convencional por seu teor
excepcional e levanta dúvidas quanto à capacidade do sistema de
ensino para os cidadãos mais pobres.
Neste cenário desfavorável, alternativas surgem e animam o jovem
estudante, como o sistema de cotas. Esta saída promete ao aluno uma
perspectiva maior numa sociedade excludente em que é obrigado a
lidar todos os duas. Ainda que a parte majoritária do país seja marcada
pela pobreza.
Não obstante, políticas de esfera regional ou nacional devem ser
tomadas para que a educação pública e privada diminuam (sic) a
disparidade entre si, possibilitando à uma maior porcentagem da
população de usufruir das oportunidades que a maioria é contemplada.
Portanto, à curto ou médio prazo, com investimentos na infraestrutura
e qualidade de ensino, além de programas de incentivo, os eventos de
exceção, como pobres ingressando na faculdades (sic) com louvores,
deixariam de ser dignos de nota nos jornais e os tornariam apenas
membros comuns de uma sociedade mais igualitária com
oportunidades à todos.
(Autor anônimo. Redação extraída do banco de redações do UOL.
Nota: 7,5)

Comentário geral
Texto bom, que, porém, dá um enfoque muito peculiar à proposta de
redação e deixa sem resposta a pergunta que traduz a essência do tema.
O autor reduz a um fenômeno midiático o esforço daqueles que
estudaram em condições adversas e conseguiram atingir seus
objetivos. Isso é um equívoco. Muito antes da mídia atingir o alcance
que tem hoje, já havia casos de gente humilde que fazia sucesso em suas
áreas de atuação, como é o caso de Machado de Assis e André
Rebouças. Enfim, essa é uma questão de conteúdo: o aluno interpreta
o tema de acordo com as suas referências ideológicas.

77
Independentemente disso, há também problemas de linguagem
relativamente graves. Mas o texto se salva, pois segue a estrutura
dissertativa e o aluno demonstra capacidade de argumentar em defesa
de um ponto de vista.
(Comentário provido pelo corretor responsável pelas correções das
redações do banco de redações do UOL).

Nesse texto, vemos que o autor conseguiu demonstrar um bom domínio da norma
culta e das estruturas necessárias para se compor um texto escrito em consonância com
essa norma. Nele, encontramos problema de ausência de índice preposicional introdutório
de orações adjetiva, como em “usufruir das oportunidades [COM] que a maioria é
contemplada”. Além disso, encontramos problemas de incompletude gramatical como,
dentre outros, os seguintes exemplos:
Incompletude gramatical lexical – ausência de referente: “os eventos de exceção,
como pobres ingressando na faculdades (sic) com louvores, deixariam de ser dignos de
nota nos jornais e os tornariam apenas membros comuns de uma sociedade mais
igualitária”. Nesse trecho, vemos um pronome que não encontra um referente possível,
já que, linguisticamente, o sujeito de tornariam é eventos de exceção, o que faz desse os
um objeto, algo que é tornado em membro comum de uma sociedade igualitária pelos
eventos de exceção, o que não é possível. Se esse escritor estivesse conscientemente
gerenciando sua escrita, haveria uma grande possibilidade de que ele notasse que sua
intenção ao utilizar o verbo tornar só seria atingida com a mudança, ou melhor, acréscimo
de um outro sujeito. Dessa forma, eventos de exceção continuaria sendo sujeito de
deixaria, e seria criado um outro sujeito para tornariam. Sobre esse problema, o corretor
faz uma observação no espaço destinado a comentários sobre aspectos pontuais. Antes de
explorarmos o comentário do corretor, faz-se necessário esclarecer que o corretor marca
no texto os elementos problemáticos. Algumas vezes, ele propõe a correção no próprio
texto, em verde; outras, ele apenas destaca o elemento em vermelho e comenta sobre ele
depois, seja nos comentários gerais, seja nos aspectos pontuais. No caso específico que
estamos tratando, o corretor marcou de vermelho o trecho no texto e fez um comentário
posterior. Ele mostra que notou a mudança de sujeito e a falta de ciência do escritor sobre
suas próprias ações. Nas palavras do corretor,
Mais um grave problema de sintaxe que prejudica o conteúdo. O sujeito
do período é eventos de exceção, que evidentemente não podem se
tornar membros comuns de uma sociedade. O autor mudou o sujeito de
sua declaração, passou a falar de pobres, sem fazer as necessárias
alterações no período que lhe dessem coerência. (Comentário provido
pelo corretor responsável pelas correções das redações do banco de

78
redações do UOL).

Incompletude gramatical proposicional: “Ainda que a parte majoritária do país


seja marcada pela pobreza”.
Nessa frase, vemos o articulador ainda que, que deveria articular duas proposições
que estabelecessem relação de concessão entre si, introduzindo uma proposição, mas sem
uma outra para ser articulada a ela. A partir da consciência sobre a função do conectivo
de articular orações e sobre as relações sintáticas possíveis entre essas orações (o que hoje
é localizado na gramática tradicional como orações coordenadas e orações subordinadas
adverbiais), e do gerenciamento consciente desse saber, provavelmente o escritor teria
percebido a ausência de uma estrutura necessária para ser articulada a essa introduzida
pelo conectivo ainda que. Inclusive, ele perceberia que essa outra proposição precisaria
estabelecer a relação de concessão com a oração já proposta por ele. Sobre essa
observação, achamos interessante destacar o comentário do corretor quanto aos aspectos
pontuais. Segundo ele, “a frase em vermelho está solta, não se liga sintaticamente ao
parágrafo e, portanto, não faz sentido no contexto do raciocínio que o aluno apresenta”.
Olhando para o texto, vemos que o corretor também marcou essa estrutura em vermelho
e, posteriormente, comentou sobre ela: sobre o fato de ela não estabelecer nenhuma
conexão sintática com o resto do parágrafo. Interessa-nos aqui essa observação porque
ela evidencia a percepção do corretor sobre um problema estrutura, a sua exposição sobre
o problema de significação, mas o seu desconhecimento sobre os saberes que seriam
necessários para corrigir esse problema. Ele apenas considera que não é possível construir
significado, mas não identifica que se trata de um problema de articulação de proposição,
ou uma incompletude gramatical proposicional.
Olhemos agora para algumas questões linguísticas específicas que se relacionam
com o problema de incompletude gramatical e que nos chamou a atenção ao longo do
estudo. A primeira foi utilização do elemento anafórico “onde”, que ora aparecia como
evidência de um problema de incompletude gramatical lexical pela ausência de referente
e ora como uso inadequado do vocabulário, o que poderíamos enquadrar no problema de
pertinência descritor por Gerhardt (2016). Como exemplo do uso do onde como anafórico
temos o seguinte:
i.a filantropia é complementar ao setor público. Ela faz algo para as
pessoas onde o governo ainda não conseguiu chegar (autor anônimo.
Texto: Filantropia: um exemplo a ser seguido. 6.0).

79
Nesse exemplo, vemos que não há um elemento que possa ser retomado pelo
anafórico onde. Para resolver esse problema, que também foi notado pelo corretor, nossa
sugestão seria adicionar um referente, como ‘em lugares’ ou ‘que vivem em lugares’.
Como exemplo do onde como problema de pertinência, temos o seguinte:
ii. No ano de 2014, o Brasil parou como para em todo ano de eleição,
principalmente quando chegou o momento do segundo turno, onde
brasileiros tiveram que escolher (autor anônimo. Texto: Contra [a]
corrupção? 9.5).
iii. A pós-verdade traz um conceito onde a verdade real é deixada de lado
(autor anônimo. Título: Verdade absoluta já! 2.5).

No exemplo ii, vemos que o advérbio onde não é um anafórico sem referente, já
que o espaço de referente está preenchido. O problema é, na verdade, o fato de a estrutura
escolhida pelo escritor não comportar o onde, mas um em que ou um quando como
elemento coesivo. E no exemplo iii, o onde está sendo utilizado de forma equivocada,
pois não pode retomar o elemento que ocupa o espaço de referente. Nesse caso, cabe
também uma substituição do onde pelo em que para resolver o problema. Observamos,
assim, que, em ambos os casos, o espaço de referente não está vazio e a solução para o
problema não demanda adição de informação; logo, não estamos de frente para um
problema de incompletude gramatical, mas de pertinência.
Outra questão linguística que nos chamou a atenção foi a ausência de conectivos
em algumas produções, evidenciando o problema de incompletude gramatical no nível
lexical. Como exemplo desse tipo de ocorrência temos os trechos a seguir:
iv. Há um foco tão grande em colocar a culpa em alguém que apenas
mencionamos a presidente, acabamos nos esquecendo do fundamental
(autor anônimo. Texto: Impeachment não é a solução. 7.0).
v. Um macaco então é substituído e sem saber de nada, tenta subir na
escada quando é atacado pelos demais, até o ponto em que ele adere a
esse comportamento (autor anônimo. Texto: Intolerância programada.
4.5).

No exemplo iv, vemos que entre a primeira e a segunda proposição falta um


conectivo que estabeleça a relação de oposição determinada pela articulação dessas

80
proposições, como o conectivo mas. E no exemplo v, notamos, dado o contexto em que o
trecho se inseria, a ausência de um conectivo que indicasse adição, como o também, a fim
de mostrar que o macaco em questão era mais um que aderira o comportamento descrito
no texto de onde extraímos esse trecho. Ou seja, ao corrigirmos os trechos, teríamos as
seguintes propostas:
iv’. Há um foco tão grande em colocar a culpa em alguém que apenas
mencionamos a presidente, mas acabamos nos esquecendo do
fundamental.
v’. Um macaco então é substituído e sem saber de nada, tenta subir na
escada quando é atacado pelos demais, até o ponto em que ele também
adere a esse comportamento.

Também nos chamou a atenção a alteração na significação de alguns verbos


devido ao uso equivocado de seus argumentos. Podemos ver esse problema no trecho a
seguir:
vi. De fato, isso deve à falta de ações dentro da escola (autor anônimo.
Texto: Intolerância contra a intolerância? 3.0).

No exemplo vi, vemos a alteração do sentido do verbo dever, cuja estrutura


utilizada pelo autor propõe um significado que foge ao que entendemos ser a sua intenção
retórica. O verbo dever pode ser utilizado com significado de causa/razão, como
entendemos ser o propósito do escritor, e para isso demanda o complemento da partícula
‘se’: alguma coisa se deve à/ tem como causa ou motivo alguma coisa. Mas também pode
ser utilizado com significado de ação relacionada à dívida: alguém deve algo à alguém,
como é; que é o que linguisticamente está sendo representado na estrutura utilizada pelo
autor desse trecho.
Além dessa ocorrência, também observamos as estruturas que apresentaram
problemas de incompletude gramatical no nível argumental por carecerem de um núcleo
verbal, como em
vii. o que se pode tentar debater o tema com maior frequência nas escolas,
conversar com a comunidade estudantil sobre a implementação de novas
matérias no currículo escolar (autor anônimo. Texto: Família: célula-
mãe. 2.5).

81
O trecho vii carece de um núcleo verbal para predicar as estruturas “o que se pode
tentar” e “debater o tema”. Nesse sentido, propusemos a seguinte possibilidade de
correção:
vii’. o que se pode tentar é debater o tema com maior frequência nas
escolas, conversar com a comunidade estudantil sobre a implementação de
novas matérias no currículo escolar.

Outra questão que enfrentamos ao determinar os casos de incompletude


gramatical foi diferenciar o problema de incompletude gramatical do problema de
fronteira. Em alguns casos, a alteração da pontuação era o suficiente para eliminar o
aparente problema de incompletude gramatical. Vemos o exemplo a seguir:
viii. Portanto, é preciso democratizar os meios, para que todas as
interpretações de um mesmo acontecimento sejam levadas ao público, e
assim este seja mais discernente. Comparando, interpretando
selecionando (autor anônimo. Texto: Contra-hegemonia. 2.5).

No exemplo acima, vemos que o segundo período parece deslocado, desconexo,


incompleto. Mas, na verdade, ele é uma continuidade do período anterior; basta
substituirmos o ponto final que separa ambos os períodos por uma vírgula e teremos uma
articulação que possibilita significação. Já no exemplo que veremos abaixo, a mudança
de pontuação não resolve o problema de incompletude proposicional.
ix. Se o sistema é repressor, se não é. Como que as crianças são educadas
e as formas de fazer com que elas se interessem pelos assuntos (autor
anônimo. Título: É impossível uma linha surgiri sem que se tem alguém
para desenhar. 3.0).

No exemplo ix, temos a transcrição de um parágrafo do texto, e, nele, vemos a


falta de articulação entre as ideias e o problema de ausência tanto de uma proposição,
para se articular com a condicional que constitui o primeiro período, quanto uma para se
articular com as ideias do segundo período.
Por último, mas não menos importante, nos chamou a atenção problemas de
incompletude gramatical argumental que podiam ser confundidos com orações de sujeito
desinencial, como em
x. É imprescindível que haja uma conscientização coletiva da população

82
através de palestras e ensino de direitos do cidadão nas escolas, para que
possam reivindicar seus direitos (autor anônimo. Título: Verdade absoluta
já! 2.5.)

No exemplo x, não temos um argumento externo para o verbo possam. Não há


nenhuma estrutura linguística que possa ser retomada por esse verbo de forma
desinencial, a fim de que se possa considerar o espaço do argumento externo ocupado.
Esse caso é diferente, no entanto, do caso que veremos a seguir
xi. Muitas das informações encontradas não são totalmente ou de fato
reais, a maioria são deturpadas ou baseadas em achismos (autor
anônimo. Título: Pós-verdade, opinião pública e democracia. 5.5).

Nesse último exemplo, o que temos não é a ausência de um argumento externo


referente ao que são deturpadas e baseadas, mas um problema de concordância entre o
elemento que está preenchendo o espaço projetado pelo predicativo e o predicativo em si.

5.2. O PAPEL DO PROFESSOR


Entendemos que a reflexão sobre a composição deste instrumento tão importante
para o professor de língua portuguesa e de produção textual é também de extrema
relevância para que o processo de ensino-aprendizagem se realize de maneira mais
adequada, funcional e atraente.
Bruner (1959) mostra que grupos de estudiosos, “especialmente o Committee on
School Mathematics e o Arithmetic Project da Universidade de Illinois, têm acentuado a
importância da descoberta como recurso auxiliar do ensino” (BRUNER, 1959, p.18). O
estudo realizado por esse comitê teve como foco o ensino de matemática, e o trabalho se
deu em torno da “idealização de métodos que permitam ao aluno descobrir por si mesmo
a generalização existente por trás de uma operação matemática particular” (BRUNER,
1959, p.18). Contudo, isso não nos impede de pensar no mesmo trabalho, mas buscando
por métodos que proporcionem descoberta dentro dos aprendizados linguísticos. Nesse
sentido, entendemos que o professor exerce papel fundamental de orientador, de
planejador de atividades que proporcionem tal descoberta. Em termos de língua
portuguesa, o professor pode tornar o aluno consciente do que faz com a língua, o
levando, dessa forma, a utilizá-la com mais qualidade, gerenciar o seu fazer. O professor
seria um direcionador do olhar do aluno, orientando-o a observar problemas possíveis de

83
redação em diferentes níveis estruturais, como, por exemplo, o problema de incompletude
gramatical. Esse tipo de trabalho atenderia ao que colocamos anteriormente sobre a
necessidade de se trabalhar com o erro, com as produções dos alunos como fonte de
aprendizado. E essa fonte serve de aprendizado também para o professor que, a partir da
observação acurada sobre a produção de seus alunos, pode identificar com mais segurança
os saberes e não saberes que seus aprendizes apresentam, obtendo, assim, maior facilidade
em propor atividades que possam auxiliá-los a aprenderem o que não sabem e a
desenvolverem ou refinar o que já sabem.
Esse papel de direcionador do olhar é apresentado, de certa forma, por Bruner
(1959) ao descrever um experimento com Estudos Sociais, o qual apresenta um professor
direcionando o olhar dos alunos com vistas a solucionar um problema relativo à
disciplina: o professor queria que os alunos encontrassem as cidades mais importantes em
um ponto delimitado de um mapa e, para isso, direcionou o olhar dos alunos para
características específicas a partir de um debate – os alunos levantavam pontos e o
professor guiava a discussão –, afunilando as reflexões possíveis para chegar à resposta e
proporcionando um momento de debate e descoberta para os alunos. A partir do
direcionamento para as características de uma cidade importante, mesmo sem dar os
nomes das cidades constantes na área delimitada no mapa, o professor trouxe à
consciência dos alunos o que e onde buscar (BRUNER, 1959, p.19).
É interessante notar que “os professores, e não os dispositivos, são os principais
agentes do ensino, mas as opiniões se dividiram sobre como deve o professor ser
auxiliado” (BRUNER, 1959, p.13 e 14). Para que esse auxílio se dê de forma eficiente e
adequada, faz-se necessário adotar alguns questionamentos levantados por Ausubel
(1980), como os que seguem:
Quais as principais variáveis da estrutura cognitiva e como elas afetam
a aprendizagem significativa e a retenção? Quais as medidas
pedagógicas que o professor pode adotar para maximizar a influência
da transferência ou o efeito das variáveis da estrutura cognitiva sobre a
aprendizagem atual na sala de aula? (...) Qual é a relação entre a
linguagem e a transferência? (AUSUBEL, 1980, p.137)

No trabalho de Gerhardt (2016), os leitores encontrarão medidas didáticas


possíveis que visam à otimização do processo de aprendizagem, e são úteis também para
o tratamento da incompletude gramatical. Sobre o processo de aprendizagem, Ausubel
aponta que “o fator singular mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que
o aprendiz já conhece” (AUSUBEL, 1980, p.137). Segundo ele, “o material logicamente

84
significativo (Conteúdo do assunto no contexto da aprendizagem escolar) é sempre, e só
pode ser aprendido em relação a um conteúdo previamente assimilado de conceitos
relevantes” (AUSUBEL, 1980, p.137). Vemos, portanto, que Ausubel sustenta a
importância de avaliarmos o conteúdo, de estruturá-lo de forma a organizar uma
progressão na complexidade do conhecimento apresentado aos alunos. Cada conteúdo
deve poder partir do que o aluno já sabe.
Já sobre a retenção de novos conhecimentos, o autor destaca que “se a estrutura
cognitiva for clara, estável e adequadamente organizada, significados precisos e não
ambíguos emergem, tendendo a reter sua força de dissociação ou disponibilidade”
(AUSUBEL, 1980, p.138). Ou seja, a estrutura facilita a retenção de informações novas.
Por isso, quando se trata de língua materna, entendemos que é importante haver uma
estrutura conteudística crescente, em termos de conhecimento linguístico, que deve partir
do uso e função da palavra, passar pelo período simples, aumentar a complexidade com
a introdução do período composto, passar para a organização do parágrafo, e, então,
finalizar com a avaliação de todas as estruturas – discursivo-pragmáticas e gramaticais –
do texto como um todo. Como nosso foco recai sobre a estrutura gramatical, ao se propor
um ensino linguístico que respeite a articulação entre o conhecimento prévio do aluno e
os novos conhecimentos (GERHARDT, 2016), espera-se que o aluno consiga observar
como o conhecimento gramatical a que gradativamente tem acesso se fez necessário para
a melhoria da qualidade sua produção textual, haja vista a necessidade desse
conhecimento para que o gerenciamento do trato com o texto se dê de forma mais
qualitativa. Também se espera que ele perceba que, a cada novo conhecimento com o qual
entre em contato, o conhecimento antigo é modificado e sua habilidade de escrita se refina
cada vez mais. Ele deve perceber que, pelo conhecimento acerca da sintaxe que constitui
o texto, pôde identificar, na sua revisão, durante e após a produção, questões que
comprometeriam sua enunciação por não construir os significados desejados de forma
adequada, donde se conclui que ele se conscientiza de que o conhecimento de texto passa
pelo conhecimento de gramática e que o desenvolvimento da consciência metassintática
influencia no refinamento do texto por tornar a escrita um “trabalho consciente,
deliberado, planejado, repensado” (FIAD E MAYRINK-SABINSON, 1989, p. 63).
Segundo Ausubel (1980), “quando deliberadamente tentamos influenciar a
estrutura cognitiva, de modo a maximizar a aprendizagem significativa e a retenção,
chegamos ao âmago do processo educativo”. (p.138). O trabalho com a consciência
metassintática 1) dá significado ao ensino de gramática, a partir da correlação entre o

85
conhecimento gramatical e a produção textual; 2) otimiza a aprendizagem significativa e
retenção dos conhecimentos linguísticos e colabora na melhoria da qualidade da escrita;
e 3) influencia a estrutura cognitiva do aprendiz ao propor um trabalho com metodologia
adequada, que envolve apresentação, ordenação e teste de aquisição do conteúdo exposto,
em conformidade com as seguintes colocações de Ausubel:
A estrutura cognitiva do aprendiz pode ser influenciada (1)
substantivamente, pela inclusividade, poder explanatório e
propriedades integrativas dos conceitos e princípios particulares
unificadores apresentados ao aprendiz; e (2) programaticamente, por
métodos adequados de apresentação, ordenação e testes da aquisição
significativa da matéria (AUSUBEL, 1980, p.138).

É importante ressaltar que a aquisição e transferência dependem do fato de a


aprendizagem se realizar de forma significativa para o aprendiz, isto é, que os itens
apresentados se mostrem utilizáveis dentro e fora das salas de aula. Sobre isso, Ausubel
diz que
A aprendizagem significativa necessariamente envolve a transferência.
É impossível conceber qualquer exemplo de aprendizagem que não seja
afetado de alguma maneira pela estrutura cognitiva existente”. (...) Na
aprendizagem significativa, por tanto, a estrutura cognitiva é sempre
uma variável relevante e decisiva, mesmo que não seja deliberadamente
manipulada e influenciada para se averiguar o seu efeito a nova
aprendizagem (AUSUBEL, 1980, p.139).

Em se tratando da seleção de conteúdos adequados, é preciso lembrar que o


conhecimento prévio do aluno é importante fator a ser considerado no processo de
aquisição de novos conhecimentos. Sendo assim, faz-se necessário que o professor tenha
cuidado na seleção dos conteúdos ou elementos linguísticos que serão explorados para
não propor o trabalho além do alcance cognitivo de sua turma em termos de
complexidade. Consideramos que seja interessante partir-se da exploração de conteúdos
e problemas no nível do léxico em direção ao período simples; em seguida, passar para o
período composto e, por fim, alcançar os problemas referentes ao texto como todo. Este
sistema de construção de conhecimento prévio é visto em Ausubel como construção de
ideias de esteio.
A disponibilidade de ideias de esteio relevantes para a utilização na
aprendizagem verbal significativa e na retenção pode, obviamente, ser
maximizada, aproveitando-se a vantagem das dependências sequenciais
naturais entre as divisões componentes de uma disciplina (AUSUBEL,
1980, p.163).

Além das ideias de esteio, Ausubel trata também do conceito de “organizadores”.

86
A principal estratégia (...) para deliberadamente manipular a estrutura
cognitiva de modo a aumentar a facilitação proativa e a minimizar a
interferência proativa, envolve o uso de materiais adequados relevantes
e inclusive introdutórios (organizadores) que são maximamente claros
e estáveis. Estes organizadores são normalmente introduzidos antes do
próprio material de aprendizagem e são usados para facilitar o
estabelecimento de uma disposição significativa para a aprendizagem
(AUSUBEL, 1980, p.143).

Sobre os organizadores, pode-se entender cada atividade que o professor propuser


deve servir de “organizador” para a atividade seguinte, conforme proposto por Ausubel.
O autor afirma ainda que “na aprendizagem escolar sequencial, o conhecimento do
material que aparece previamente na sequencia desempenha mais ou menos o mesmo
papel de um organizador em relação ao material que aparece posteriormente na
sequência” (AUSUBEL, 1980, p.164). A atividade introdutória apresenta o conhecimento
necessário para a realização das outras atividades; a atividade seguinte à introdutória
apresenta o conhecimento necessário para a realização da atividade seguinte; e assim por
diante, até chegar à atividade de produção final. Nesta última atividade, o aprendiz
verifica se houve ou não mestria do conteúdo trabalhado, ou, nas palavras de Ausubel, se
houve consolidação. Levando em consideração esses postulados, Ausubel (1980) trata
dos objetivos do ensino como o “de oferecer uma base tão ampla e poderosa quanto
possível para a aprendizagem ulterior – aprendizagem ulterior tanto na sala de aula como
além da mesma” (AUSUBEL, 1980, p.157).
Em consonância com as ideias de Ausubel, desejamos, a partir das reflexões que
propusemos neste material, abrir possibilidades para que os professores possam pensar
em como criar condições para que seus alunos aprendam a ser aprendizes e possam, de
forma consciente, administrar seus processos de aprendizado mesmo fora da instituição
escolar. Ou seja, que nós professores de língua materna possamos auxiliar nossos alunos
a desenvolverem autonomia em termos der uso da sua língua em suas diferentes práticas
de linguagem, a aprenderem a responsabilizar-se pela manutenção de seu aprendizado
ainda quando não estiver mais na escola. Já falamos anteriormente que os livros didáticos
de maior circulação apresentam uma carência de uma didática de escrita e de leitura,
considerando a escrita apenas como trabalho com gêneros, no sentido de estilo discursivo,
e trabalhando a leitura como exercícios, em sua maioria, de copiar e colar. Além disso, as
disposições dos conteúdos dentro desses livros não estabelecem conexão entre si,
desrespeitando as sequências e gradações conteudísticas necessárias à aprendizagem,
como já mostramos em páginas anteriores. Ademais, como também já expusemos em

87
capítulos anteriores, não encontramos nesses materiais associação entre o ensino de
gramática e o ensino de produção textual, o que caracteriza uma exposição desestruturada,
sem uma ordenação lógica, clara, integrada e sem significação para o aprendiz. Ou seja,
se avaliarmos esses livros didáticos à luz dos expostos de Ausubel (1980), poderemos
afirmar que eles não proporcionam uma experiência de aquisição de conhecimento. Nos
termos do autor, o que vemos é o rompimento da “reconciliação integrativa”.
“O princípio da reconciliação integrativa da estrutura cognitiva quando
obtido por meio da programação de materiais instrucionais pode melhor
ser descrito como antitético à prática usual dos escritores de livro-texto
de compartimentalizar e segregar ideias ou tópicos particulares dentro
dos seus respectivos capítulos ou subcapítulos. (...) São feitos poucos
esforços sérios no sentido de explorar explicitamente relações entre
estas ideias, de assinalar semelhanças e diferenças significativas, e de
reconciliar inconsistências reais ou aparentes. (...) Barreiras artificiais
são erguidas entre tópicos relacionados, obscurecendo importantes
aspectos comuns, e assim tornando impossível a aquisição de
discernimentos dependentes do reconhecimento destas comunalidades”
(AUSUBEL, 1980, p.161).

Não há, no entanto, garantias plenas de que todos os conteúdos trabalhados por
meio de procedimentos de ordem metalinguística e metassintática serão sempre
aprendidos em sua totalidade e sempre por todos os aprendizes. O que temos até o
presente momento é que a maior parte dos alunos que se submeteram à prática de
atividades de cunho metalinguístico25 demonstraram melhora na qualidade de suas
produções, com a diminuição (e, em alguns casos, eliminação) da ocorrência de
problemas de escrita devido à consciência sobre o gerenciamento dos recursos
linguísticos disponíveis na sua língua. Os alunos que realizaram atividades desse tipo26
pensavam em quais estruturas precisava selecionar para construir os significados
desejados e atingir seus propósitos comunicativos, e, ainda ao longo do processo de
produção, nos momentos de autocorreção, esses mesmos alunos, conscientes das
possíveis estruturas gramaticais de sua língua, puderam direcionar seu olhar para buscar,
identificar e corrigir possíveis problemas de forma imediata. Isso resultou numa produção
final de maior qualidade quando comparada a produções anteriores no sentido estrutural
– e pode-se especular que até mesmo no sentido discursivo.

25
Estamos tratando aqui da aplicação dos procedimentos didáticos desenvolvidos por Gerhardt (2016).
26
Alunos que participaram do curso de Oficina de Língua Portuguesa, alunos particulares e alunos da
instituição filantrópica em que a autora da presente dissertação trabalha.

88
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UM OUTRO ENSINO DE GRAMÁTICA

Dentre todas as considerações feitas neste trabalho, enfatizamos o importante


papel do professor enquanto direcionador do olhar de seus alunos, sendo estes o par
menos experiente que necessita da orientação daquele, o par mais experiente. Deve ser
responsabilidade do professor escolher o conteúdo adequado e o material apropriado para
ser utilizado em suas aulas. Para isso, o profissional precisa ter preparo e disponibilidade.
Segundo Ausubel,
Considerações teóricas sugerem que uma das características mais
importantes seria o seu grau de compromisso ou envolvimento do ego
no desenvolvimento intelectual de seus alunos e a capacidade para gerar
excitação emocional e uma motivação intrínseca para a aprendizagem
(AUSUBEL, 1980, p. 415).

Nesse sentido, Ausubel sugere as seguintes observações a serem feitas pelas


escolas (diretores) ao contratarem seus profissionais:
Uma abordagem mais promissora seria: (1) avaliar a coerência e coesão
atual do conhecimento do assunto por parte do professor, e (2) medir
sua capacidade para apresentar, explicar e organizar o assunto de forma
lúcida, de manipular eficazmente as variáveis que afetam a
aprendizagem, e de comunicar o seu conhecimento aos alunos de uma
forma adequada ao seu nível na matéria e sua prontidão evolutiva.
Dessa forma, a seleção dos futuros professores deviria se basear mais
no desempenho em situações reais de ensino na sala de aula
(AUSUBEL, 1980, p.415).

O autor completa dizendo ainda que “o entusiasmo, a imaginação ou a excitação


do professor em relação ao assunto que leciona é outra variável que está
significativamente relacionada com a eficiência do professor” (AUSUBEL, trad. 1980,
p.416). O professor também influencia na aprendizagem de seus alunos, sobretudo as
qualidades desse profissional ligadas à personalidade, já que são elas que determinam a
forma como cada um conduz suas aulas. Sobre isso, pode-se compreender que o conteúdo
precisa também fazer sentido para o professor. Faz-se mister ressaltar que as
características do professor e sua forma de ministrar aula exercem influência no processo
de aprendizagem, porém não são o determinante para que esse processo se realize.
Outrossim, por meio do presente trabalho pudemos propor uma reflexão sobre a
necessidade de mudança no ensino de língua portuguesa, desde o conteúdo, ou ‘o que
ensinar’, até às práticas pedagógicas, isto é ‘como ensinar’. Tal reflexão se amparou na
nossa constatação, em consonância com o que consta nas literaturas que apresentamos,
acerca da necessidade de se articular o ensino de gramática ao ensino de escrita. A partir

89
de nossos expostos teóricos, da nossa conceituação de um problema de ordem linguística
e da discussão em torno das ideias subjacentes ao contexto de análise de produções
textuais escritas, desejamos viabilizar para o professor o encontro de respostas para suas
questões pedagógicas. Quanto às questões relacionadas ao “o que ensinar”, mostramos
que o professor precisa buscar trabalhar com problemas que advêm dos próprios textos
dos alunos, como o problema de incompletude gramatical, que se mostrou produtivo nos
tempos atuais e que não é encontrado dentre os conteúdos apresentados pelos livros
didáticos, pelos currículos escolares ou pelos documentos oficiais que regem o ensino de
língua no Brasil. Dessa forma, acreditamos que, ao se implementar as alterações que
mostramos ser necessárias no fazer diário dos professores, a aula passa a fazer sentindo
não só para o aluno como também para o professor, que se torna um orientador do olhar
de seus aprendizes quanto aos conteúdos gramaticais que devem ser focalizados em cada
aula. Nossa proposta abordou também a ideia de os professores entenderem os recursos
linguísticos (ou gramaticais) como parte constitutiva do texto, o que significa ligar o
ensino de gramática ao ensino de texto, considerando que a construção de significado
depende também da administração adequada das estruturas sintáticas.
Gostaríamos de concluir este trabalho com as palavras de Gerhardt (2015):
É preciso imperativamente desenvolver um trabalho metodológico e de
organização de conteúdo voltado para o entendimento metalinguístico
das condições de produção dos textos de diferentes gêneros, incluindo
reflexões que busquem trazer à consciência da pessoa os mecanismos
linguísticos atravessados pelas variações decorrentes das múltiplas
possibilidades de usar a língua. (...) As pessoas, em sua vida cotidiana,
realizam ações metalinguísticas de várias naturezas: planejam,
selecionam, comparam, aprimoram o que desejam dizer. Mas, apenas a
prática sistematizada e orientada dessas ações, que deve ser conduzida
na escola, lhes permitirá alcançar generalizações sobre a construção da
linguagem em um patamar metalinguístico, uma capacidade necessária
para a sua autonomia como usuária de uma língua em suas diferentes
dimensões semióticas (GERHARDT, 2015).

A partir dessas últimas considerações e das colocações de Gerhardt (2015),


esperamos que este trabalho possa contribuir para futuras pesquisas em torno de outros
problemas linguísticos ainda não estudados, além de colaborar para formulações de
outros procedimentos didáticos que possam auxiliar os aprendizes da língua portuguesa
a se apropriarem dos recursos oferecidos por essa língua com vistas a melhorarem a
qualidade de suas interações e de suas experiências com a língua. A conceituação e
exploração do problema específico de incompletude gramatical pode também contribuir
para a proposição de mais um item a ser incluído nas chaves de correção de redação,

90
inclusive do ENEM, o que será um facilitador para os corretores.

91
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Notas:
i
Texto original: “material social practice in which meaning is actively made, rather than passively relayed
or effortlessly produced.”
ii
Texto original: “The process of written composition, classically described in three stages (planning,
transcription, revision).”
iii
Texto original: “Before all writing, it is necessary to select a theme or determine its objectives and
antecipate what is to be communicated to the reader for whom the text is intended. It is then necessary to
find, in long-term memory or in external sources, the ideas which are to be put into words. These ideas
must be organized in such a way that they link up with prior knowledge expected in the reader and
possess a coherent overall configuration.”
iv
Texto original: “Writing is more lexically dense and integrated than speech”.
v
Texto original: “Writing is not speech written down: it is shaped and constructed differently and is
governed by different grammatical and social conventions. A written sentence is not the same as a spoken
utterance”.
vi
Texto original: “the linguistic distinctions between informal speech and formal writing (at either end of
the speech-writing continuum) are well understood”.
vii
Texto original: “lexical choice and antecipation of the conventions of writing in the level of
orthography, sintax and punctuation – all this as a function of the capacity for comprehension expected of
the intended readers”.
viii
Texto original: “rereading, a comparison between the produced text and the planned text, and the
implementation of the necessary corrections”.

96
ix
Texto original: “is more than a simple step within the overall processo f composition, constituting rather
a modified retranscription of the text which has already been produced”.
x
Texto original: “pretext revision, which includes evaluation, revision, and refinement of ideas and
purposes at the planning stage; online revision, which occurs during writing; and deferred revision, which
happens once writing is complete”.
xi
Texto original: “(a) Reading to detect error and to evaluate and (b) editing to make changes”.
xii
Texto original: “Students had difficulties both in self-monitoring and identifying precise problems, and
difficulty with implementing strategies to solve these problems”.
xiii
Texto original: “we revise not because we discover a fault but because we discover something better to
say or find a better way to say what we have said”.
xiv
Texto original: “the debate about grammar has been less about grammar itself than about ‘the particular
values and standards the idea of grammar has been made to symbolise”.
xv
Texto original: “very little genuine research attention has been accorded to the way pupils learn
grammar and the problems and difficulties they face in acquiring metalinguistic knowledge”.
xvi
Texto original: “Part of the challenge for teachers of grammar is to discourage learners from a
conception of grammar as the naming of parts, but rather to see word class in terms of meaningful
relationships between words within sentences and texts”.
xvii
Texto original: “writing requires a more sophisticated shaping of language to meet the needs of an
absent reader in contrast to the instant feedback provided by a conversation partner”.
xviii
Texto original: “It involves both the selection of appropriate vocabulary and the structuring of words
into sentences, and the organization of sentences into paragraphs, and texts”.
xix
Texto original: “Making linguistic choices and shaping sentences and texts to satisfy the needs of an
implied reader is more challenging”.
xx
Texto original: “Young writers, therefore, need to master both the grammatical construction of written
sentences and an ability to imagine how a reader might read their text”.
xxi
Texto original: “This demands a degree of deliberateness in the process of writing which is more
cognitively costly than simply writing down the words that come into your head (…) It also requires the
acquisition of a linguistic repertoire which is specific to writing and may have no parallels in talk”.
xxii
Texto original: “a more socially-oriented analysis of how language is used, including in different
social, linguistic and cultural contexts”.
xxiii
Texto original: “A prescriptivist theory of a grammar-writing relationship would argue for the
importance of grammar in securing correctness in written expression; a descriptivist theory of a grammar
writing relationship would argue for the importance of grammar in illuminating how written text
generates meaning in different contexts”.
xxiv
Texto original: “meaning is crafted and created through shaping language to achieve the writer’s
rhetorical intentions”.
xxv
Texto original: “conscious control and conscious choice over language which enables both to see
through language in a systematic way and to use language more discriminatingly”.
xxvi
Texto original: “writing is a communicative act supporting writers in understanding the social
purposes and audiences of texts and how language creates meanings and effects; secondly, grammar is a
meaning-making resource: supporting writers in making appropriate linguistic choices which help them to
shape and craft text to satisfy their rhetorical intentions”.
xxvii
Texto original: “making more connections for developing writers between linguistic choices and
meaning-making effects”.
xxviii
Texto original: “reframing research in the relationship between grammar teaching and writing. (…)
The study demonstrates that more able students’ learning about writing is enhanced by explicit
understanding of how grammar choices can be used to shape written text to satisfy writers’ rhetorical
goals”.
xxix
Texto original: “Metalanguage or metalinguistic activities (different from ‘metalanguage’ in its
linguistic meaning): subfield of metacognition concerned with language and its use – in other words
comprising: (1) activities of reflection on language and its use; (2) subjects’ ability intentionally to
monitor and plan their own methods of linguistic processing (in both comprehension and production).
These activities and abilities may concern any aspect of language, whether phonological (in which case
we speak of metaphonological activities), syntactic (metasyntactic activities), semantic (metasemantic
activities) or pragmatic (metapragmatic activities)”.

97

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