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e a educação do gosto
Marco Schneider
Doutorando em Comunicação (USP) e mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ).
Professor da Unisuam e da FSMA.
E-mail: marco_schneider@ig.com.br
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sabor e pouco saber, na esfera do consumo e do tempo livre, e muito saber e 9. MARX, apud PARO,
Victor Henrique. Adminis-
pouco sabor, na esfera produtiva – sem falar do pouquíssimo saber e do imenso tração escolar…, op. cit.
dissabor, na esfera do trabalho de baixa qualificação e na exclusão social. 10. Cf. SCHNEIDER, Mar
Mas o homo sapiens, ao menos para estar à altura do nome que ele mesmo co. Música e capital mi-
diático: introdução a uma
se atribui, deveria, ao mesmo tempo em que busca o saber, buscar o sabor, crítica da economia po
isto é, ser um homem degustante; só que não o é na medida de sua potência lítica do gosto. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2003. Dis
socialmente recalcada. Quando o é, tende a tornar-se menos sábio. sertação de mestrado.
Isto não é fruto do acaso ou de alguma fantasmática natureza humana 11. WEBER, Max. A ética
supra-histórica, mas da divisão demasiado histórica das sociedades em classes, protestante e o espírito
com suas correspondentes mundivisões fetichistas (isto é, inconscientemente do capitalismo. São Pau
lo: Livraria Pioneira Edito
legitimadoras de ordens sociais calcadas na subordinação das pessoas às coisas ra, 1967.
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listas cada vez mais gigantescas, que atualmente operam em escala global. Isto
implica uma racionalização crescente do processo produtivo, que nada tem a ver
com o valor objetivo, estético, do produto, mas com seu valor econômico.
Embora a concepção e a execução da produção musical não possam ser
totalmente alienadas do produtor (nos referimos aqui a seus conhecimentos
musicais e habilidade técnica), elas são em grande parte, sobretudo no planeja-
mento (concepção) do que será ou não produzido, na determinação do tempo
e dos recursos a serem empregados no processo produtivo e, em certa medida,
na definição de determinadas características formais do produto – o qual, aliás,
é propriedade da gravadora, restando aos compositores e músicos as migalhas
(em alguns casos volumosas) de direitos autorais e conexos20.
Assim, se a subsunção real (técnica) do produtor ao capital é somente
parcial, a subsunção formal torna-se gradualmente total21.
Por outro lado, as gravadoras, ultimamente, tendem a não mais possuir
estúdios, limitando-se a financiar a serialização do produto e administrar sua
comercialização; os estúdios, porém, não passaram a ser patrimônio dos pro-
dutores, mas de outros capitalistas. Nos casos em que pertencem ao músico,
este se torna um capitalista, parte terceirizada da cadeia produtiva, na medida
em que aluga seu estúdio para outros músicos. Se não alugá-lo, utilizando-o
somente como parte dos meios de produção para sua própria produção mu-
sical – o que está longe de constituir a regra –, nem por isso deixa de estar
subordinado à indústria cultural como um todo para poder trocar seu produto
por dinheiro de modo a não ter prejuízo – a única maneira de poder socializar
sua produção sem falir.
No geral, os músicos não dispõem de estúdios e, quando podem, arcam
com o custo da produção e tentam vender o produto à gravadora. Se conse-
guirem (o que não ocorre na maioria das vezes), irão tornar-se uma espécie
de sócio minoritário na empreitada comercial; se não conseguirem, terão de
20. Cf. GUEIROS JR.,
Nehemias. Direito autoral cavar brechas nos muros das empresas de irradiação e distribuição do produto,
no show business. Rio de ou seja, concorrem com a gravadora, que dispõe de recursos e logística incom-
Janeiro: Gryphus, 1999.
paravelmente superiores. Ainda que haja exceções à regra, como a experiência
21. Cf. SCHNEIDER, Mar
co, op. cit. recente de Lobão22 ilustra, estas não apontam para a sua superação, que só é
22. Lobão, nome artístico realisticamente concebível para além do capital.
de João Luiz Woerdenbag Quanto às novas tecnologias, que para alguns sugerem uma alternativa ou
Filho (Rio de Janeiro, 11
de outubro de 1957), é mesmo uma solução diante dessas tendências23, permanecem em um plano to-
cantor de rock e pop talmente marginal em relação à produção e difusão massivas: de nada adiante o
brasileiro. Em 1999, rom
peu com as gravadoras produtor dispor de um software de gravação se não possui os meios de difusão;
e o lançamento de seu difundir algo, individualmente, pela internet, por enquanto, é como jogar no
disco A Vida é Doce foi
realizado num esquema oceano uma garrafa com uma carta dentro. E já existem gigantescas empresas
inédito, com distribuição
pela internet, bancas de
que capitalizam essas garrafas, papéis de carta e oceanos virtuais.
jornais e lojas de depar É verdade que novas alternativas de divulgação on-line vêm sendo desenvolvi-
tamento. [N.E.]
das, através de blogs, links com sites onde se pode adquirir música gratuitamente
23. Cf. LÉVY, Pierre. Ci-
bercultura. Rio de Janeiro:
em formato MP3 etc. Isto parece promissor, pois, tornando-se conhecido por
Ed. 34, 1999. esses meios, o músico passa a conquistar um público consumidor potencial para
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seus shows e CDs, independente da grande mídia. Até segunda ordem, porém,
a difusão da música em escala efetivamente massiva ainda passa pelo circuito
das indústrias culturais.
Cumpre, portanto, socializar todo o aparato tecnológico e logístico disponível
em uma lógica operacional super-humana, não calcada na valorização do valor,
mas na superação concreta e universal da cisão entre prazer e conhecimento,
que é a base biopolítica (ou seja, referente à constituição dos sujeitos concretos
em meio às tensas relações de poder vigentes, cuja expressão mais profunda é
a luta de classes) do desgosto nodal da época.
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Resumo: O objetivo deste trabalho é pro Abstract: This paper aims to propose a
por uma crítica ao caráter não-democrático critical approach, based on Marx value’s
da indústria cultural e da educação formal theory, about the non-democratic nature
em geral, à luz da teoria do valor de Marx, of cultural industry and general formal
de modo a identificar certa operacionalida education, identifying both as two faces
de complementar de ambas as instâncias of a single perpetuating process of rup
na perpetuação da cisão entre prazer e ture between pleasure and knowledge,
conhecimento, que a noção de gosto car rupture that can be found in the concept
rega. O fio condutor dessa reflexão, que of taste. This approach, which subject is
tem por objeto a subordinação do gosto the subordination of taste to economy,
à economia, começa com uma análise begins from an analysis of the quoted
da cisão na própria etimologia do termo rupture within the etymology of the word
gosto; em seguida, uma breve história da taste; following this analysis, a brief history
mercantilização da música deverá ilustrar a of the process by which music gradually
forma como tal subordinação tem ocorrido. becomes a commodity might illustrate how
A escolha da música como exemplo deve- the subordination occurred. Music is the
se ao fato de se tratar do único objeto de example here because it is the only mass
prazer e conhecimento massificado pela culture subject of pleasure and knowledge
indústria cultural que já existia antes de that already existed before the emergence
sua emergência, o que nos fornece uma of a cultural industry, so a good reference
boa referência para a compreensão do to understand the wider historic process
processo histórico mais amplo da subordi of the subordination of taste to value’s
nação do gosto às leis de ferro do valor. iron rules.
25. Cf. GRAMSCI, Antô Palavras-chave: gosto, dialética, música. Keywords: taste, dialectic, music.
nio. Os intelectuais e a
organização da cultura.
São Paulo: Círculo do
Livro, 1982.
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