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Copyright © 2023 por Juliana Dantas

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Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios, eventos e


incidentes são ou os produtos da imaginação do autor ou usados de forma fictícia. Qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.

Título Original: Um Marido De Mentira Para O Natal


Revisão: Sheila Mendonça
Capa: Jéssica Gomes
Ilustração: Little Pink
Sumário
Playlist do Spotify
Capítulo 1
Roberto, Ratos e um Café Roubado
Capítulo 2
Eu Roubei o seu Café e ele Roubou minha Promoção?
Capítulo 3
Um Encontro Desastroso com Lorde Farquaad
Capítulo 4
Um Marido de Mentira
Capítulo 5
A quase Segunda Morte do Roberto
Capítulo 6
Cruella
Capítulo 7
Beijos que São como Montanha-Russa
Capítulo 8
Quem é o Mentiroso agora?
Capítulo 9
A Verdade sobre Bill Conrad
Capítulo 10
Um Pedido de Casamento do Marido de Mentira
Capítulo 11
A Volta de Roberto
Capítulo 12
Janelle
Capítulo 13
Um Casamento de Mentira de Verdade
Capítulo 14
Julie Harris Está entre nós
Capítulo 15
Cenas de um Casamento de Mentira
Capítulo 16
Fingir que Sou Apaixonada por Bill Conrad por um Fim de Semana Inteiro?
Capítulo 17
Sexo, Romance e George Michael
Capítulo 18
Um Clima bem Natalino, Graças a Deus!
Capítulo 19
Olá, Papai Noel, Sou eu de Novo
Epílogo
Ou quem diria, Roberto?
Sobre a autora
Playlist do Spotify
Capítulo 1
Roberto, Ratos e um Café Roubado

A minha vida inteira eu quis saber como seria a sensação de acordar com o olhar amoroso
de um amante me observando na pálida luz da manhã depois de uma noite de sexo incrível numa
cama de lençóis egípcios 2500 fios ou algo chique assim.
Na minha imaginação, ele sussurraria ao meu ouvido com sua voz rouca e máscula algo
romântico – porém safado – antes de me encoxar para uma sessão bem pervertida de sexo
matinal antes de trazer meu café na cama. E quando digo café, eu quero dizer só café. Porque sou
dessas pessoas que não tem apetite antes das onze da manhã e não importa que minha mãe diga
que vou morrer cedo por pular a principal refeição do dia.
Se minha vida continuar ladeira abaixo como nos últimos tempos eu nem me importaria
de ir visitar o criador mais cedo. Porque a realidade em que acordo é bem diferente das minhas
fantasias.
Eu quero saber onde foi que eu assinei concordando que com 26 anos ainda acordaria
num estúdio apertado e malcheiroso com o barulho de sirenes e buzinas brigando com o
cantarolar fantasmagórico da minha colega de quarto meditando em algum lugar que nunca será
longe o bastante, já que vivemos nós cinco juntos naquele cafofo apertado.
Eu, Morgana, minha colega de quarto adepta de mantras budistas, incensos e comidas
naturebas, e seus três cães que agora estão empoleirados em cima da minha cama me encarando
com expressões rancorosas enquanto rosnam e babam nos meus lençóis baratos que comprei no
mercado de pulgas.
Eles atendem pelo nome de Júpiter, Dalai-Lama e Roberto. Júpiter porque Morgana ama
astrologia. Dalai-Lama porque é budista e seu sonho é ir para o Tibete onde imagino ela terá todo
o tempo do mundo para sua meditação assustadora que mais parece uma invocação ao diabo.
Ainda me recordo da semana que me mudei e acordei às três da manhã com alguém sussurrando
palavras horripilantes e abri os olhos já rezando todo o Pai Nosso que vovó Helga me ensinou
quando criança imaginando que encontraria com o próprio Lúcifer pronto para levar minha alma
para fazer seu churrasco de domingo no inferno, e encontrei Morgana ajoelhada meditando. Com
seu cabelo quase branco e magreza excessiva de quem se daria muito bem comendo algum
carboidrato em vez de só mato de procedência duvidosa, ela estava tão assustadora que quase
preferi o senhor das trevas mesmo.
E claro, os amados cães ao seu lado como se a protegendo da nova inquilina enquanto eu
segurava o celular como uma arma. Lembro que Roberto foi o primeiro a rosnar dando pequenos
passinhos em minha direção. Como agora. Ele é o mais assustador na verdade, e quando
questionei a Morgana por que o cãozinho bull terrier tinha um nome tão mundano como Roberto,
ela me disse que era o nome do seu marido que morreu.
— Oh, sinto muito, como ele morreu?
— Eu o matei.
Me custou muito não pegar minhas coisas e dar o fora daquele apartamento, enquanto eu
esperava Morgana rir com seus dentes amarelos de quem fumava três maços de cigarro por dia
antes de se tornar vegana ou algo do tipo e dizer que era uma piada.
Não era.
— Você disse, matou? Assim de tirar a vida?
— Sim — respondeu calmamente enquanto regava as plantas em nossa pequena varanda,
um luxo se tratando de Manhattan.
— Acidentalmente?
— Eu não sabia que ele era alérgico à quinoa.
— Como assim alguém é alérgico à quinoa.
— Pois é.
— Você não deveria estar na cadeia ou algo assim?
— Eles nunca conseguiram provar nada, mas eu acredito que Roberto reencarnou. — Ela
acariciou a cabeça de Roberto. O cachorro. — Ele tem os mesmos olhos. — Roberto era tão mal-
humorado, acredito que era por causa do glúten, sabe? É isso que o trigo faz com nosso humor.
O envenena.
Eu queria dizer que foi ela quem envenenou o pobre Roberto com uma salada de quinoa.
Eu sabia que ser vegano podia matar, por isso continuo comendo meus bons
hambúrgueres com bacon.
Porém, Roberto que voltou dos mortos para encarnar num cachorrinho, parecia nutrir um
rancor inexplicável contra mim desde o dia em que cheguei.
E toda vez que ele olhava pra mim como agora, com seus pequenos olhos de bull terrier
se estreitando levemente como um vilão terrível pronto a me atacar, eu tinha certeza que estava
arquitetando maneiras cruéis de me assassinar. Eu já tinha conversado com ele e dedurado
Morgana como sua verdadeira assassina, então se ele voltou dos mortos para vingar sua morte,
que ataque a ex e não a mim. Eu já tenho uma vida muito lascada e não preciso de um cãozinho
me seguindo por aí louco para enfiar o travesseiro no meu rosto e me matar sufocada ou algo do
tipo.
— Bom dia, Roberto — respondo seu rosnado raivoso com um sorriso.
Sua resposta enquanto eu me sento tonta de sono é rosnar ainda mais e avançar em minha
direção como o Pennywise canino e eu só tenho tempo de pular da cama e correr para o banheiro
me trancando lá enquanto Roberto e seus irmãos arranham a porta com fúria canina.
Choramingo, me sentando para fazer xixi, me perguntando quando é que vou viver a vida
que sempre sonhei.
Sério, se o criador de tudo isso aqui, seja um Deus, universo ou magos da Wicca queriam
me testar, estão de parabéns.
Eu me mudei para Nova York quando me formei, há três anos, louca para realizar meu
sonho de trabalhar com moda. Nos meus planos estava arranjar um emprego fabuloso como
Rachel Green agraciada com um cargo de Compradora na Calvin Klein, depois de ser humilhada
por três anos como garçonete. Moraria em um apartamento chique em frente ao Central Park e
seria como uma daquelas garotas de comédia romântica saltitando pelas ruas de Manhattan com
seu café superfaturado e cabelos ao vento que vestem Gucci e tem encontros com homens lindos
até que um deles a peça em casamento na estação central com um flashmoby como no filme do
Justin Timberlake. E não seria nada ruim se ele se parecesse com o Justin.
Mas tudo o que consegui foi um emprego de vendedora em uma loja de departamento
que nem era a Bloomingdale’s, como a Rachel, embora a Merlin’s seja uma das três maiores
lojas de departamento de Nova York. Morar próximo ao Central Park? Só nos meus sonhos.
Nova York é um dos lugares mais caros do mundo e eu passei esses três anos pegando vagas
para dividir apartamentos minúsculos com colegas de quarto bizarros, como Morgana, que sem
dúvida alguma é a pior de todas no ranking de pessoas esquisitas com quem tive que dividir
apartamento. E nem vamos entrar no quesito relacionamentos, porque eu também não tenho a
menor sorte em encontrar um cara que preste.
Mas tudo está prestes a mudar.
E como eu sei disso?
Porque está chegando o Natal e uma esperança causada pelo espírito natalino toma conta
do meu ânimo. Coisas mágicas acontecem nessa época não?
Quer dizer, não que alguma coisa interessante tenha acontecido comigo nos últimos
Natais, mas eu posso ter esperança.
Sem contar que ontem fiquei sabendo que finalmente vai abrir uma vaga para supervisão
de vendas na Merlin’s, e essa é minha chance de finalmente conseguir uma promoção. Um cargo
melhor, sem me humilhar o tempo todo no atendimento ao cliente, e um salário decente, que me
permita mudar daquele pardieiro que é o estúdio de Morgana, é tudo o que eu quero de presente
de Natal.
Oi, Papai Noel, sou eu de novo!
Fui uma boa menina este ano, não fui?
Quer dizer, mais ou menos. Talvez eu não devesse falar mal do novo corte de cabelo da
Donna, minha colega de trabalho, ou ter rido quando aquele senhorzinho tropeçou e caiu ao
atravessar a rua. Ou ter mentido pra minha mãe que estava doente para não ir ao jantar de Ação
de Graças, mas eu não podia falar que não queria gastar com a passagem de avião, pois ainda
estou pagando as parcelas da viagem que fiz para o casamento de Eden, uma das minhas três
melhores amigas.
Que, aliás, agora enquanto termino de prender meus cabelos castanhos em um coque,
noto que está me mandando uma mensagem dizendo que precisa falar urgente comigo.
Sorrio, porque eu absolutamente amo a Eden. Assim como amo Janelle e Bria. Nós nos
conhecemos na faculdade e nos tornamos inseparáveis naquele tempo, mas infelizmente cada
uma tomou um rumo e hoje não conseguimos nos ver com a frequência que gostaríamos. E as
últimas vezes que as vi nos últimos três anos foi nas respectivas cerimônias de casamentos delas.
E a última que se casou há cinco meses foi Eden.
— Roberto, o que está comendo, querido?
Eu saio do banheiro ao ouvir a voz da Morgana enquanto se abaixa para ver o que
Roberto tem na boca e arregalo os olhos em horror porque Roberto está comendo meu sapato.
— Ah não!
— Roberto, menino mau! Eu já falei que sapato não é algo que um cachorrinho vegano
possa comer, meu querido! Isso é couro animal! É como comer um dos seus irmãos.
Morgana consegue arrancar meu sapato preto, de usar com meu uniforme, da boca do
cachorro esfomeado e eu o pego com vontade de chorar.
— Ele comeu toda a frente do sapato — reclamo.
— Ainda dá pra usar?
Ela está louca?
Quero lhe dizer que deveria me pagar pelo estrago que o cachorro fez, mas sei que não
vai adiantar.
— Não posso usar isso... — murmuro, mas a outra opção é colocar meus sapatos
coloridos. Que é proibido na Merlin’s. Nós devemos calçar sapatos pretos, meia-calça e nossos
vestidos pretos sóbrios por cima da camisa branca do uniforme.
O único sapato preto que tenho é este.
Tento me lembrar quanto tem na minha conta e se posso comprar um sapato novo. Não
posso.
Sem alternativa, calço o sapato no pé direito, que agora deixa meus dedos revestidos com
a meia escura de fora.
Será que alguém vai perceber?
Caminho até o metrô tentando manter a dignidade e quando entro no trem, espio o celular
e tem um recado da minha mãe perguntando do Natal. Faço uma careta. Lá vamos nós procurar
passagens baratas de novo. Ela diz que meu irmão, Neal, chegará uma semana antes de São
Francisco e vai levar o namorado. Sinto uma ponta de crítica ali. Está escrito nas entrelinhas
“Quando é que você vai trazer um namorado?”. Ela também completa dizendo que Tonya, minha
irmã mais velha, está perguntando se posso comprar presentes para meus sobrinhos com
desconto na Merlin’s. Sim, eu tenho desconto, mas eu os uso comigo mesma e pra falar a
verdade não posso comprar mais nada este mês, pois já atingi meu limite.
Mas não posso dizer isso a minha mãe e estou pronta para responder alguma mentira
quando ouço uma comoção no vagão, pessoas gritando e se esgueirando e quando olho para o
chão um rato do tamanho de um poodle está correndo desembestado na minha direção.
Grito em total horror, pulando tanto quando o rato passa por mim, as pessoas fazendo o
mesmo e me empurrando no processo e perco meus sapatos quando a porta abre e consigo saltar
na estação.
— Espera, meus sapatos! — grito quando me dou conta que estou descalça,
amaldiçoando essa maldita cidade cheia de ratos, mas a porta já se fechou.
Ostentando apenas uns dez por cento de dignidade agora, saio do metrô e entro numa
cafeteria para comprar o café preferido da minha chefe. Puxar o saco de Geórgia é tudo o que me
resta fazer no momento, para que ela interceda no processo seletivo para a minha tão sonhada
promoção.
Percebo que algumas pessoas olham curiosas para meus pés descalços, mas finjo que não
estou vendo, enquanto aguardo na fila e fuço no Instagram.
A primeira foto que vejo é da Eden, que posta sua barriga de oito meses de gravidez, toda
feliz. E pensar que Eden era minha amiga pragmática, a mais inteligente do grupo, que se formou
com louvor e que conseguiu rapidinho um emprego numa multinacional em Chicago, disposta a
virar CEO antes dos trinta ou algo assim e que jurou nunca se casar quanto mais ter filhos. E lá
está ela, com seus cabelos castanhos presos num coque, radiante com seu barrigão, depois de se
casar grávida há cinco meses. Ela bem que tentou esconder o estado interessante quando nós
quatro nos reunimos para sua despedida de solteira, mas quando ela se negou a beber, Janelle
logo sacou que a sua barriguinha não era gazes, e sim um bebê.
E claro que tinha que ser Janelle a descobrir e é exatamente ela quem está comentando
primeiro na foto. Aproveito e clico no perfil da linda moça negra que obviamente é o mais
impecável de todos com quase um milhão de pessoas a seguindo. Influencer digital, casada há
três anos com Jerry West, um famoso jogador de basquete, Janelle e Jerry namoraram desde o
primeiro ano de faculdade e se casaram assim que nos formamos, se tornando um casal perfeito
que todos invejavam.
Curto a última foto que ela postou, usando um vestido deslumbrante que deve custar três
meses do meu salário, numa festa beneficente em Los Angeles, onde mora. Comento na foto um
elogio que ela adora, sentindo uma saudade genuína de quando andávamos juntas todos os dias.
Janelle é charmosa, sarcástica e um pouco maldosa. Não é à toa que ela está se tornando uma
potência nas redes, quem comenta logo abaixo de mim é Bria.
A loira doce e podre de rica, Bria Danielle Doyle, ou melhor, Doyle-Murray desde que se
casou há um ano com um herdeiro tão milionário quanto ela numa cerimônia na Inglaterra digna
de princesa. Na verdade, Janelle comentou que com certeza o pai da Bria gastou mais do que o
casamento do Príncipe Harry. Eu não duvido.
Estive presente nos três casamentos das minhas melhores amigas, sentindo uma
felicidade genuína por elas estarem tão felizes, do mesmo jeito que agora espio suas vidas de
sucesso nas redes. Elas são ricas, ou têm empregos fabulosos e casamentos de contos de fadas ou
estão tendo bebês.
E eu, bem, eu sou a amiga desafortunada, digamos assim. Não sou herdeira como Bria,
fiz faculdade com créditos estudantis que pago até hoje, não sou talentosa e simpática como
Janelle para fazer carreira nas redes sociais e muito menos sou inteligente pra cacete como Eden,
que conseguiu um emprego foda assim que se formou.
E agora pra completar todas elas se casaram nesses três anos o que de repente me faz a
amiga que, além de não ter um bom emprego, morar num estúdio com três cachorros e uma
assassina maluca, é a única encalhada. Claro que não tenho inveja das minhas amigas. Quer
dizer, talvez eu tenha um pouco, ou muito, mas só às vezes, como agora quando me perco em
suas fotos incríveis e percebo como a minha vida é uma merda.
Se ao menos eu conseguisse essa promoção... Ou tropeçasse num CEO bilionário que se
apaixonasse por mim do nada, daqueles tipo Christian Grey que compraria a Merlin’s só pra me
dar de presente, seria bem legal.
Eu só... estou de saco cheio de nada dar certo. Sei que minhas amigas me amam e torcem
por mim, mas é tão cansativo manter o sorriso no rosto como agora, quando o celular toca e me
vejo de repente em uma chamada de vídeo a quatro.
— Olá, vadias! — Janelle está usando um conjunto de ginástica lindo enquanto faz
esteira. E sim, ela tem essa mania de nos chamar de vadias, mas é de forma carinhosa.
— Janelle, não é justo que esteja linda fazendo esteira quando acabei de vomitar —
Eden reclama com as faces vermelhas e comendo bolachas de água e sal em sua sala com vista
para o Lago Michigan.
— Ainda enjoos matinais, querida? — Bria indaga com um sorriso de pena. Ela está
linda como sempre. Imagino que esteja sentada na sala de sua casa, em um endereço chique em
Londres e acho que é um mordomo com bule de chá que noto passar atrás.
— Disseram que ia passar, mas não passa nunca — Eden reclama. — Estou horrível.
— E eu que tenho que perder três quilos para caber num Valentino para a festa da
Vanity Fair? — Janelle reclama.
— As três estão lindas, parem de reclamar — eu me manifesto.
— Ella, sua fujona, estamos tentando falar com você há semanas e nunca tem tempo
para nós! — Janelle reclama.
— Estou ocupada, aliás, estou neste momento indo para meu trabalho, então vou ter que
desligar. — Sorrio esperando que Janelle não perceba que estou as evitando de propósito.
— Ocupada, vai dizer que conseguiu a promoção? — Bria indaga animada.
— Conseguiu? Eu sabia que iria conseguir! — Eden grita e de repente elas estão
comemorando sem eu nem ao menos conseguir responder que elas estão loucas, porque o
processo ainda nem começou, mas talvez eu tenha dado a entender no casamento da Eden que eu
estaria em um cargo melhor bem rápido, o que foi um exagero. Assim como devo ter mentido
que estou saindo com um cara fabuloso que não me surpreenderia que fosse minha alma gêmea.
Tudo para que elas parem de me olhar com aquela expressão condescendente de pena quando
chega a minha vez de falar da minha vida.
— A gente tem que comemorar!
Porém, antes que eu consiga interromper a comemoração, alguém esbarra em mim,
passando na minha frente, bem na hora que era minha vez de pedir.
Eu abaixo o celular, indignada, observando a nuca de cabelos loiros bagunçados e usando
sobretudo impecável fazer seu pedido, como se eu fosse transparente.
— Ei — eu o chamo irritada, mas ele continua me ignorando.
— Quero uma mocha e um cinnamon roll — pede com voz de sotaque inglês.
— Eu achei que os ingleses fossem educados — resmungo.
E então ele se dá ao trabalho de virar e me encara com um olhar divertido.
Certo, por um momento me vejo meio perdida no meu discurso indignado porque o
inglês folgado é um gato. Daqueles caras loiros, de cabelos perfeitamente bagunçados, tez
bronzeada e olhos claros de quem acabou de voltar de Saint-Tropez direto para seu castelo.
— Estava distraída no celular, te chamaram três vezes.
— E isso te dá o direito de passar na minha frente? Aqui na América, não fazemos assim!
— Certo, ele pode ser bonito, mas é um babaca folgado.
— Doze dólares, senhor — a moça do caixa diz e ele se vira, pegando seu cartão.
— Inglês folgado — murmuro.
Ele me lança um olhar de novo, desta vez me medindo.
E então seu olhar chega aos meus pés.
— Está descalça?
Eu coro, irritada, passando por ele e praticamente o empurrando para fazer meu pedido, o
ignorando.
Acho que o escuto rir e comentar algo do tipo “É alguma moda nova-iorquina andar
descalça?”. E acho que escuto um riso feminino concordando, eu me viro brevemente lançando
um olhar irritado e uma moça morena está rindo e roçando em seu braço.
Claro. Típico. Esse inglês folgado deve se achar um presente de Deus para as mulheres e
a garota que está ao seu lado, rindo como se suas piadas bestas – sobre mim – fossem muito
engraçadas está bem disposta a receber o presente de Natal antecipado, sem saber que
provavelmente ele é o tipo de cara que vai levá-la pra cama e esquecer seu nome assim que gozar
e ela vai ficar chorando o resto do ano enquanto paga caríssimo em sessões de terapia.
Aff.
Reviro os olhos, disposta a fingir que ele não existe e peço o café de Geórgia entregando
o cartão à caixa e voltando a atenção para o celular, onde a ligação já foi encerrada.
— Senhorita, o cartão não passou.
O quê?
— Passa de novo, por favor?
Tento fazer contas na cabeça do que gastei. Droga. Não é possível que eu já esteja sem
grana. Eu só recebo amanhã!
— Não autorizado.
Bufo, constrangida e irritada.
— Tudo bem, obrigada. — Pego meu cartão guardando na bolsa, irritada por não levar o
café da Geórgia.
— Bill?
A atendente chama e ninguém responde e ela deixa o café em cima do balcão.
Olho em volta e o tal Bill deve ser o inglês folgado que agora não está em lugar nenhum,
assim como a garota que estava flertando.
Hum, será que estão sacudindo a pia do banheiro?
Provavelmente.
Sem pensar, eu pego o café abandonado e saio do local, andando apressada com meus pés
descalços enquanto rio da minha travessura.
Você roubou um café? Quão baixo chegou, Ella?
Foda-se. Ele tem cara de ser rico e que pode pagar um monte de café.
Chego à loja já em cima da hora, entrando pela entrada de funcionários, deixo minhas
coisas no armário e corro até a sessão de sapatos e pego o primeiro par que encontro o calçando a
caminho da sala de reuniões.
— Dois minutos atrasada, Ella — um rapaz de cavanhaque tingido de ruivo, assim como
seu cabelo, chama minha atenção assim que entro na sala.
Disfarço uma careta para Drew, meu colega puxa-saco, ignorando a risadinha dos outros
funcionários na sala.
Geórgia, uma mulher de uns cinquenta anos de origem asiática, mas que poderia estar no
exército nazista – e ainda não tenho certeza se não foi lá que treinou, me lança um olhar crítico e
respondo com um sorriso indo em sua direção e estendendo o café.
— Tive um bom motivo para me atrasar. Seu café.
— Puxa-saco — Drew resmunga e eu ignoro.
— Muito bem, Ella, mas que não se repita. — Geórgia pega o café, sua carranca se
desfazendo e eu me regozijo. — Certo, vamos começar.
Geórgia começa a falar sobre números de vendas e conversão e Donna, uma de minhas
colegas, me cutuca.
— Você já ficou sabendo?
— O quê? — cochicho, mirando seus olhos muito verdes que fazem um contraste bonito
com sua tez morena de origem italiana e os cabelos negros encaracolados volumosos, mas agora
domados num coque como o meu.
— Tem um funcionário novo, a Kendall disse que foi apresentada a ele na sala de café há
pouco e ele é lindo.
— Kendall acha todo mundo bonito...
— Ela está louca para ser a pessoa que vai treiná-lo.
— Faça bom proveito. Odeio treinar funcionário, você sabe.
— Mas você não está louca para mostrar serviço para ser promovida?
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra.
— Se eu fosse você, não tinha tanta certeza. Drew me falou que este cara novo tem costas
largas.
— Costas largas?
— É, que foi indicação de alguém porque ele veio do nada e estava na companhia da
Geórgia. Drew acha que ele veio para ser nosso coordenador! Sabe que o cargo está vago depois
da saída do Chester e...
— Um cara que acabou de chegar? Pois que fique na dele. Ai que saco, não acaba nunca?
Eu detesto essas reuniões antes de abrir a loja onde Geórgia passa as instruções do que é
esperado de nós, como se já não soubéssemos. Acho uma total falta de tempo, e só nos obriga a
chegar vinte minutos antes. Eu preferia estar tomando café e fofocando sobre o cabelo do Drew.
— Rio e ela também.
— Aí está você, junte-se a nós.
Geórgia de repente aponta para alguém a nossas costas e eu e Donna nos viramos para
ver de quem ela está falando e abro a boca em choque ao reconhecer o inglês folgado do Café.
Ele me reconhece no mesmo instante, mas sorri de forma maldosa quando passa por mim,
e me pergunto se estava ouvindo o que eu cochichava com Donna.
— Esse é Bill Conrad, ele começa a trabalhar hoje com vocês, seja bem-vindo à equipe,
Bill.
— Uau, ele é gato mesmo — Donna comenta com admiração, mas estou ocupada
querendo vomitar.
Geórgia dá um gole no café que lhe presenteei. O café que eu roubei de Bill.
Ele acompanha o movimento e franze o olhar antes de se virar para mim.
Desvio os olhos, mordendo os lábios.
— Obrigado, Geórgia, estou muito animado. E feliz de me juntar a essa equipe tão
profissional e... honesta.
Ah merda. Ele está me dando uma indireta?
— E seu café está bom?
Geórgia sorri.
— Sim, nossa querida Ella quem me trouxe.
— Ella... — ele repete meu nome devagar me encarando sorrindo. Provavelmente como
os crocodilos sorriem antes de cravar os dentes em suas vítimas. E eu decido que não gosto desse
tal de Bill. — Você é Ella?
— Sim, esta é Ella Quinn, uma de nossas funcionárias mais antigas e eficientes.
— Imagino...
Aperto os lábios para não mandá-lo à merda.
— E imagino que ela será a pessoa certa para acompanhá-lo hoje lhe mostrando a loja.
Ah não. Não!
O sorriso maldoso de Bill Conrad se alarga e eu só me questiono o que eu fiz na outra
encarnação para vir a essa tão azarada!
Capítulo 2
Eu Roubei o seu Café e ele Roubou minha Promoção?

Assim que a reunião termina, corro como se o próprio Satã me perseguisse, louca para
fugir de Bill Conrad, na esperança de que ele se perca para sempre nos corredores da Merlin’s e
me deixe em paz.
Entro na sala de descanso dos funcionários, louca para tomar um café, ignorando que
preciso seguir as ordens de Geórgia e pajear o cara novo.
— Você é muito sortuda mesmo. — Drew me cerca chegando logo atrás de mim.
— Sortuda?
— Sim, vai passar o dia com aquele gostoso!
Rolo os olhos sem paciência, pegando meu copo de café enquanto Drew faz o mesmo.
— Gostoso, porém um babaca. Fica com ele, se quer tanto.
— Fico contente de ser tão bem recebido.
A voz de sotaque inglês me surpreende e eu me viro para ver Drew escondendo um
risinho no copo de café com a chegada inesperada do funcionário novo.
A razão número 74664857 da minha vida ser uma merda.
Muito obrigada, universo – insira aqui a ironia.
— Ah você — sibilo sem me dar ao trabalho de desfazer minhas palavras ferinas,
tomando o café rápido e queimando a língua no processo.
— Sim, eu. — Ele sorri. — Achei que tivesse recebido ordens de me mostrar a loja?
Quando a vi correndo pensei que tivesse roubado alguma coisa, mas...
Ah, que... filho da puta!
Enrubesço, mas disfarço, ignorando a indireta.
— Tenho certeza de que o Drew prefere te ajudar.
— Sim, eu ficaria mais do que... — Drew sorri todo derretido.
— Obrigado por ser tão prestativo, Drew, mas as ordens foram para... Ella, não?
— Sim, este é meu nome... Bill, não? Que peculiar. É seu nome ou diminutivo de alguma
coisa? Talvez Chernobyl?
Ele ri, como se fosse muito engraçado, e Drew gargalha junto.
Pelo amor de Deus!
— Você tem senso de humor... Ella. E era mesmo para você estar aqui tomando café?
Não é hora de estar trabalhando? — Ele olha as horas em um relógio que parece bem caro.
Aliás, ele está vestido com o uniforme dos vendedores, mas no corpo dele parece alta
costura.
Quando eu o conheci achei que fosse um desses executivos ricos e agora estou surpresa
que seja um mero vendedor como eu.
— Você não tem cara de pobre.
Percebo que falei em voz alta quando ele franze o olhar e Drew me encara como se eu
tivesse ficado louca.
— O que disse?
— É, nada, pensei alto.
— Acho que ela está querendo dizer que é bonito demais para ser um mero vendedor. —
Drew pisca.
— Não, eu não quis dizer isso — refuto horrorizada.
— Não me acha bonito?
— Só se ela fosse cega. — Drew pisca.
Ok, já chega.
— Drew, não tem que ir para o seu setor? Parece que o cara novo é daqueles que gosta de
vigiar os colegas e dedurar caso eles fiquem tomando café além do horário! — E sem perguntar
se vai me seguir ou não, saio da sala.
— Então admite que não deveria estar aqui? — O imbecil não demora a me alcançar
justamente quando abro a porta corta-fogo para descer as escadas internas para a loja. — O que
Geórgia diria se eu contasse que sua queridinha além de ser uma ladra e andar descalça nas horas
vagas ainda fica fazendo hora e fofocando na sala de café?
Eu giro nos calcanhares, espumando.
— Puxa-saco cretino e escroto e... — Não consigo conter minha indignação e isso parece
divertir Bill ainda mais.
— Uau! Não é nem um pouco legal com quem pode fazer você perder o emprego.
Meu rosto enrubesce de raiva e meu estômago revira de medo de repente.
Aquele babaca vai me dedurar?
E se eu perder mesmo o meu emprego? Respiro fundo tentando conter minha ira.
— Me desculpe. — Engulo meu orgulho e a vontade de cuspir no seu rosto bonito. Eu
posso ser falsa quando quero sim. — Certo, estou sendo irracional. Geralmente não sou essa
pessoa, é só que você...
— Eu?...
— Acho que perdi um pouco da compostura por saber que é um dos meus colegas de
trabalho, justo você que me viu sendo horrível roubando um café, mas foi apenas uma pequena
brincadeira. Porque me irritou e eu achei que nem iria mais pegar o café. Só queria... provocar.
— Sorrio de forma que espero estar sendo charmosa. — E espero que isso fique entre nós? O que
acha? Vamos ser colegas de trabalho. Confesso que fui um pouco chata com você até agora, mas
podemos começar de novo?
— Está tentando comprar meu silêncio?
— Eu não colocaria nesses termos, mas não ganha nada me dedurando para Geórgia.
Vamos lá, me diga o que posso fazer para que este seja nosso segredinho?
— Hum... O que está disposta a fazer para manter minha boca calada?
— Fazer? — Franzo o olhar, confusa e ele está sorrindo e acho que vejo certa malícia ali
e coro. — Está insinuando que devo fazer alguma coisa sexual com você pra ficar calado?
— Você quem está sugerindo.
— Ora, seu... cretino! — explodo já esquecida da minha política falsa de boa vizinhança
voltando a descer as escadas.
— Achei que já tínhamos passado da fase dos xingamentos e estabelecido que precisa me
deixar de boca calada.
Eu giro, indignada, indo para cima dele, que dá um passo atrás se encostando na parede e
coloco o dedo em seu peito.
— Você vai manter a boca calada sim!
— Se eu quiser posso ir agora até a Geórgia...
— Não tem provas!
— A minha nova amiga, Sage, a morena que, aliás, me deu o telefone, te viu roubando, é
minha testemunha.
Ai merda.
Eu penso rápido.
Meu Deus, por que fui roubar café justo deste imbecil puxa-saco delator?
— Certo, o que você quer pra ficar de boca calada?
— O que você acha?
Ele está sorrindo daquele jeito que eu começo a perceber que odeio.
Como se estivesse rindo da minha cara.
Quer dizer, provavelmente ele está e é isso que me irrita ainda mais, mas também percebo
que no meu afã de intimidá-lo, eu o prendi na parede e que estamos muito perto agora.
Assim, muito perto.
Em algum lugar da loja o som é ligado e “Jingle Bell Rock” começa a tocar anunciando
assim o primeiro dia da campanha de Natal no mesmo instante em que meu cérebro sem noção
tem uma ideia do que preciso fazer para calar Bill Conrad.
E no instante seguinte, eu aperto meus lábios nos dele.
O beijo – se é que isso pode ser chamado de um beijo – dura uns cinco segundos. Que é
o tempo suficiente que levo para perceber que beijar Bill Conrad é o erro número 8737262662 da
minha lastimável vida.
E eu me afasto, o empurrando no processo, indignada como se ele tivesse me beijado e
não o contrário.
Só que ele está encostado na parede e ao empurrá-lo eu que vou para trás e meus pés
perdem o equilíbrio.
Arregalo os olhos, meu estômago indo à boca naqueles segundos assustadores que
antecedem uma queda antes de sair rolando pelas escadas.
Penso em fazer o que qualquer pessoa faria para tentar manter o um por cento de
dignidade que ainda resta.
Fingir desmaio.
Mas num átimo de decência, decido que o melhor é fingir que nada aconteceu.
Assim que despenco feito uma jaca, eu me levanto, como num desenho animado, toda
torta, limpando o pó da roupa como se nada tivesse acontecido.
— Caramba, você está bem? — Bill está na minha frente me encarando meio assustado,
meio confuso.
— Sim, claro. Vamos continuar?
Eu me viro e saio no setor de cama, mesa e banho.
— Oi, Caroline. — Aceno para a senhorinha que trabalha naquele setor há uns cem anos
ou algo assim.
A mulher franze o olhar.
— Querida, tudo bem?
— Sim, claro. Este é Bill Conrad, acho que o conheceu na reunião?
— Conheci... O que aconteceu com você?
— Como assim?
Então eu me viro e há um espelho a minha frente quando solto um som abafado de
horror.
A saia do vestido está erguida até quase minha virilha, minha calcinha preta à mostra por
baixo da meia-calça escura. O coque do meu cabelo se desfez parcialmente e os fios castanhos
saem como tufos da medusa por todo lado.
Há um arranhão na minha testa que começa a sangrar.
E eu perdi um sapato.
— Você perde bastante os sapatos, hein?
Eu me viro e Bill Conrad está assistindo minha humilhação de camarote enquanto
estende um... lenço?
— O que é isso?
— Pegue, para limpar o sangue da sua testa.
Eu arranco de sua mão e coloco sobre minha testa enquanto desço minha saia com a outra
e Caroline me leva até uma cadeira.
— Querida, parece que foi atropelada? — Caroline exclama.
— Eu só caí da escada — resmungo, humilhada.
— Aqui o seu sapato. — Bill surge segurando o sapato perdido e antes que eu possa
impedi-lo, está se ajoelhando na minha frente e segurando meu pé, o calçando como se fosse um
maldito príncipe e eu a pobre Cinderela.
Olha, universo, não foi bem isso que pedi não quando disse que queria um conto de
fadas!
— Este sapato é da loja?
Ai, merda.
— Não...
— Ainda está com etiqueta... trezentos dólares.
— Sim, eu peguei emprestado, tive um acidente com meus sapatos. Roberto comeu parte
deles e...
— Roberto é seu namorado? Ele comeu seu sapato? Ele trabalha num circo ou algo do
tipo?
— Não, mas enfim, longa história! E depois teve os ratos no metrô...
— Oh, os ratos roubaram seus sapatos?
— Não!
— Certo, a ladra aqui é você, aparentemente. Escuta, você tem algum problema em
manter sua mão longe dos objetos que não são seus?
— Ah, vai se ferrar! Eu não sou uma ninfomaníaca!
— Quis dizer cleptomaníaca?
— Ah, sim, isso, confundi as palavras. — Enrubesço.
— Porque isso explicaria por que me atacou nas escadas. — Ele ri.
— Eu não te ataquei!
— Acho que atacou sim. Além de ladra é uma espécie de tarada em potencial?
— Cala a boca, não! Eu só queria te calar. Você estava insinuando que...
— Oh, achou que eu queria te beijar? Eu só ia pedir que me pagasse o café que roubou.
— Oh... faz sentido — murmuro humilhada.
Óbvio que ele não queria me beijar. Por que iria querer?
— Você está bem? — Caroline nos interrompe se aproximando. — Quer que eu avise à
Geórgia? Precisa ir até a enfermaria?
— Não, estou ótima.
Não quero que Geórgia fique sabendo daquele episódio lamentável, então me levanto e
estendo o lenço ao meu colega irritante.
— Obrigada.
Passo os dedos pelos cabelos, ajeitando os fios da melhor maneira que consigo e noto que
a boca de Bill está cheia de batom.
Do meu batom!
— Ah merda! — Arranco o lenço de sua mão e segurando seu queixo, começo a esfregar
em seus lábios.
— Que foi isso? — ele indaga quando termino lhe devolvendo o lenço.
— Tinha batom na sua boca.
Giro os calcanhares, evitando qualquer comentário, enquanto sigo em frente com Bill em
meu encalço.
Tento esquecer os últimos minutos e começo a falar sobre os departamentos pelos quais
vamos passando e Bill faz muitas perguntas.
Então este tal de Bill Conrad vai ser um daqueles funcionários destinados a serem
exemplares? Ou está querendo mostrar serviço?
Pra mim ele parece um chato, mas pelo menos enquanto sabatina meus colegas, ele não
está me enfurecendo e espero que esqueça o que aconteceu nas escadas.
Sério, o que diabos se passou na minha cabeça?
Preciso urgentemente parar de ser tão impulsiva.
Eu só me meto em confusão por não pensar antes de agir. E eu me pergunto qual é a
desse tal Bill Conrad. Ele é divertido e simpático com meus colegas que parecem adorá-lo à
primeira vista, não se importando com as muitas perguntas e parecem estar muito felizes com o
novo funcionário.
Kendall mais que todas, percebo, quando chegamos ao departamento de roupas femininas
onde trabalhamos juntas.
— Você é inglês? Amei seu sotaque. — Ela enrola o cabelo castanho que usa na altura
dos ombros em um dedo enquanto sorri toda charmosa.
— Sim, sou inglês.
— E o que um inglês está fazendo aqui? — Os olhos claros dela brilham de interesse mal
disfarçado.
— Trabalhando como vocês.
Hum! Que evasivo. Penso enquanto me afasto indo fazer meu trabalho, arrumando o
manequim com roupas de Natal.
— É novo na cidade?
— Sim, cheguei há poucas semanas.
— Eu ficaria encantada em te mostrar a cidade, na verdade, que tal jantarmos hoje? Tem
um restaurante fabuloso em TriBeCa e...
— Bill, como está se saindo? — Geórgia surge interrompendo o flerte descarado de
Kendall.
— Muito bem, foi uma manhã muito... Agradável — Ele me lança um olhar irônico e
desvio o rosto enquanto tento enfiar a camisa no manequim.
— Muito bem. Então você pode vir comigo.
— Oh, em qual departamento vai trabalhar, Bill? Podia ser aqui com a gente — Kendall
diz toda derretida.
— Bill Conrad é o novo supervisor de vendas, Kendall.
Eu fico tão surpresa que deixo cair o manequim. E como em câmera lenta eu o vejo ir
direto na cabeça da Geórgia!
— Ah minha nossa, que foi isso, terremoto? — Geórgia exclama amedrontada enquanto
Bill tenta tirar o manequim seminu de cima da minha chefe.
— Não, só uma funcionária desastrada — Bill comenta.
— Não foi minha intenção, desculpa Geórgia.
— Tome mais cuidado, menina!
— Foi sem querer...
— Então Bill é nosso novo chefe? — Kendall parece ainda mais interessada agora e eu só
quero arrancar o braço do manequim e enfiar no olho de Bill Conrad.
Aquele inglês filho da puta roubou minha promoção!
Capítulo 3
Um Encontro Desastroso com Lorde Farquaad

Observo minha imagem no espelho mais uma vez antes de sair do banheiro, satisfeita
com minha aparência.
Meus cabelos estão brilhantes e a maquiagem impecável. Estou usando um vestido preto
que custou mais do que posso pagar, mas Donna pegou com o desconto dela na loja e com
certeza depois de todo o lucro que a Merlin’s vai ter no Natal, e ganharmos nossa porcentagem,
eu poderia cobrir o rombo no meu orçamento.
Pego meu celular e tiro uma foto aproveitando que estou linda para mandar para minhas
amigas. É bom pra não manter minha autoestima tão baixa de vez em quando. Minhas amigas
estão sempre postando fotos fabulosas e eu quase nunca tenho algo realmente legal pra
compartilhar.
Morgana está sentada no meio da sala meditando ou invocando algum espírito maligno,
não sei, e os cães graças a Deus estão dormindo.
— Morgana? — Arrisco chamá-la para a avisar que tenho um encontro, mas ela não
escuta e eu deixo pra lá.
Apanho minha bolsa e celular e saio do apartamento.
O restaurante fica a vinte minutos do metrô e dez se eu fosse de táxi, mas não posso me
dar ao luxo, então caminho até a estação torcendo para não ter mais nenhum acidente com ratos
por hoje.
Mas pelo menos o dia que começou uma merda vai acabar bem. Eu achava que,
Christian, o cara com quem eu vinha conversando no aplicativo de encontros há duas semanas
não iria dar em nada, mas qual não foi a minha surpresa quando ele me chamou pra jantar?
Confesso que não estava empolgada, mas ele era bonito na foto, trabalha em Wall Street
e joga tênis. E tenho uma queda por homens que jogam tênis. E nadam. E surfam. Enfim, eu
curto caras que praticam esportes e se eles trabalharem em Wall Street melhor ainda.
Sinceramente, já passou da hora de eu namorar um cara que tenha grana. Cansei de namorar
fracassados que insistiam em dividir a conta ou se pagavam era só para poder nos levar pra cama
no fim da noite, como se fosse uma espécie de pagamento. OK, às vezes eu ia para a cama com
eles, mas na grande maioria das noites não valia a pena nem por um filé suculento como
pagamento.
Mas de repente tenho grandes expectativas. O nome dele é Christian Felton. Sério,
Christian, como Grey, o milionário do filme. Isso só pode ser um sinal.
Quando chego ao restaurante que ele escolheu o maître me leva até a mesa e franzo o
olhar quando o rapaz na mesa acena pra mim.
Parece diferente da foto. Primeiro que na foto ele tinha cabelo e este perdeu a metade em
algum momento.
Tento manter o sorriso no rosto quando o cara se levanta ao me aproximar da mesa e noto
que bate nos meus ombros. Ele não disse que media 1 e 90?
— Olá... Christian?
— Ella, que prazer finalmente te conhecer.
Eu me sento, o sorriso agora congelado no meu rosto.
Está tudo bem. Ele só é um pouquinho diferente. E daí?
— O prazer é meu. — Quer dizer, não está sendo bem um prazer, mas vamos tentar
salvar a noite. Ele pode não ser o cara gato e atlético da foto, mas ainda trabalha em Wall Street.
— Fiquei surpresa com seu convite.
— Sério?
— Sim, a gente já está conversando há duas semanas e de repente me convida pra sair do
nada.
— É que meu outro encontro desmarcou e não queria perder a reserva.
Oi?
Eu ouvi direito? Meu sorriso se transforma em uma careta e o garçom chega com o
menu.
Eu o abro, escondendo minha cara de insatisfação.
Vamos lá pedir algo bem caro e calórico para compensar o que está começando a se
transformar num desastre.
— Eu vou querer essa massa com lagosta.
— Massa? Tem certeza?
— Sim, por quê?
— Isso é muito calórico, mulheres deveriam cuidar da silhueta, é horrível uma mulher
fora de forma. — E ele se vira para o garçom. — Ela vai comer salada.
— Não, mas...
Garçom já se afastou.
Minha nossa.
— Você pediu por mim?
— Claro, eu sei o que é melhor pra você, linda. E me fale de você, trabalha na Merlin’s
não?
— Sim, eu trabalho há três anos.
— E ainda é vendedora?
— Pois é, mas estou quase sendo promovida.
— Deveria se esforçar mais. Cadê sua garra feminista? Não era o que queriam?
Trabalhar?
— O mercado de trabalho não está fácil...
— Isso é desculpa de gente preguiçosa. Veja eu, acordo às quatro da manhã, malho,
estudo as bolsas de valores do mundo todo, trabalho doze horas por dia e ainda encontro tempo
para entreter lindas garotas como você. — Ele sorri com o que espera ser um sorriso charmoso,
mas só está parecendo cada vez mais com o príncipe minúsculo e mau-caráter do Shrek, Lorde
Farquaad.
O maître aparece com o vinho e ele faz toda aquela encenação de quem entende e eu pego
a taça aliviada por poder beber um pouco e quem sabe assim esquecer que estou num dos piores
encontros de todos os tempos.
— Ei, vai com calma, uma moça bebendo é muito feio.
— Ah é?
Ele estende a mão e segura a minha.
— Não quero que fique bêbada, meu anjo, ainda tenho planos para nós.
Com muito esforço eu não vomito dentro da taça vazia.
— Planos?
O garçom chega com a salada mixuruca e eu salivo ao ver o tamanho do filé no prato do
Lorde Farquaad. Se esse cara acha que vou pra cama com ele por uma Caesar salad está muito
enganado.
E dali por diante, Lorde Farquaad começa a discorrer sobre si mesmo, e sobre como é um
bom partido para uma pobre coitada como eu.
— Satisfeita? — ele indaga quando termino o prato de folhas como uma boa égua que ele
acha que sou.
— Muito. — Reviro os olhos com sarcasmo que lhe passa despercebido. — Podemos ir
para a sobremesa?
— Eu achei que você fosse minha sobremesa.
Desta vez a bile sobe até a garganta.
Ah, mas nem fodendo.
— Eu preferia comer um cheesecake?
— Açúcar, meu anjo? Não, não. Não faz nada bem.
— Querem ver o menu de sobremesa? — o garçom indaga e eu ergo a mão para pegar,
mas Lorde filho da puta arranca da minha mão.
— Eu...
— Shi! Shi! — Ele me cala com um sorriso cretino no rosto. — Que tal pedirmos a
conta?
— Sim, acho ótimo! — Mas não pelo motivo que ele espera.
Eu me levanto.
— Vou até o toalete antes de irmos.
— Não precisa usar essa artimanha, meu anjo.
— Artimanha?
— Não iria pedir que pague metade da conta, claro. Mulher minha não paga nada. — Ele
abre a carteira exibindo um monte de cartão.
— Ah, que romântico!
Eu me viro marchando em direção ao banheiro com um arrepio de horror na espinha.
Mas em vez de ir ao banheiro, eu me viro e me escondo atrás de uma árvore de Natal, me
perguntando se conseguiria dar a volta e sair sem ser vista e fugir.
— O que foi que roubou desta vez?
Eu ergo o olhar ao ouvir a voz de sotaque inglês que está se tornando meu pesadelo e Bill
Conrad está parado na minha frente com as mãos nos bolsos e seu sorriso presunçoso nos lábios.
Fala sério, será que vou pagar até quando por ter colocado fogo sem querer no cabelo do
Padre Kevin na missa de sétimo dia do meu avô quando eu tinha sete anos?
— Você?
— Eu.
— O que porra está fazendo aqui?
Depois que ele seguiu Geórgia, passei o dia remoendo a raiva que estava sentindo por ter
perdido a minha tão sonhada promoção para um babaca inglês que foi testemunha de vários
momentos de humilhação que passei naquela manhã.
Pensei seriamente em pedir demissão, mas se já estava difícil viver com aquele emprego,
imagina sem? A opção que eu tinha era voltar para a casa dos meus pais numa pequena cidade
em Washington e ir trabalhar de garçonete no Café local. Ou quem sabe aceitar o pedido de
casamento que Sam Medina me fez no dia em que perdi minha virgindade com ele na festa de
formatura. Ouvi dizer que ele agora é sargento do corpo de bombeiro local. E pelo menos eu já
tinha o visto pelado e não teria nenhuma surpresa com a mangueira dele.
Não, eu não ia sair da Merlin’s com o rabinho entre as pernas porque um inglês
almofadinha saído de sabe Deus onde estava ameaçando transformar a minha já medíocre vida
num inferno.
— Jantando. E você? Roubando a prataria?
— Estou no pior encontro de todos com o Lorde Farquaad e estou dando o fora!
— Lorde Farquaad? Do Shrek?
— Não é engraçado! Ele acha que vou ser a sobremesa ou algo do tipo sendo que nem me
pagou um jantar decente!
Olho através dele e noto que Lorde Farquaad está se levantando e vindo na nossa direção,
provavelmente à minha procura.
— Ai merda, preciso sair daqui agora.
Bill está rindo do meu terror enquanto olha pra trás.
— Agora entendo por que está chamando seu encontro de Lorde Farquaad...
Desesperada, uso o corpo de Bill para me esconder, o puxando para mim e sem pensar
faço o mesmo que fiz de manhã nas escadas.
Eu colo meus lábios nos dele.
Caramba, qual o meu problema?
Eu o empurro rápido e Lorde Farquaad já passou por nós em direção aos banheiros.
— Desculpa, precisei pensar rápido para resolver essa questão...
— Por que todos os seus problemas agora se resolvem me beijando? — Ele sorri nem um
pouco ofendido.
Claro, eu sou uma piada para aquele babaca inglês.
— Ah vai se ferrar, preciso dar o fora daqui.
Eu o empurro e praticamente corro para a saída do restaurante.
Paro na rua, olhando de um lado para o outro me perguntando se poderia pegar um táxi,
porque para meu azar está começando a nevar.
E pra completar Bill Conrad, o cara que eu decidi odiar até o fim dos tempos, está ali
atrás de mim com seu sorriso cretino no rosto bonito depois que eu o beijei. De novo.
— Noite ruim, hein?
— Noite péssima! Estou com frio, com fome e quase fui comida pelo Lorde Farquaad!
Então se me der licença, eu tenho que andar até o metrô.
— Pelo menos está usando sapatos.
— Nossa, que engraçado! E você está fazendo o que aqui? Por acaso é um desses stalker
e resolveu me perseguir?
— Estou num encontro também.
— Quem é a infeliz que aceitou sair com você?
— Ella?
Eu me viro e vejo Kendall saindo do restaurante.
— Você está em um encontro com este...
— Sim, não é o máximo? — Ela sorri enganchando o braço no de Bill Conrad. — E
você? Está em um encontro?
— Ella teve um péssimo encontro com Lorde Farquaad — Bill explica.
— Lorde quem?
— Deixa pra lá! — resmungo.
— Ah pobrezinha! Nem todas as mulheres têm sorte. — Ela pisca para seu encontro e eu
rolo os olhos com nojo. — Já sei, por que não vem com a gente?
— Ir com vocês? Está me chamando pra um ménage, Kendall, porque estou fora!
— Não bobinha, estamos indo tomar um drinque no pub ali na frente, vê, vem com a
gente, está nevando e merece um drinque para compensar. Bill não se importa, não é?
Eu encaro Bill.
Ele dá de ombros com seu costumeiro olhar de zombaria.
— Nem um pouco.
E é assim que eu me vejo sentada em uma mesa de bar com Kendall e o meu novo chefe
cretino depois do pior encontro de todos os tempos.
O que significa que a noite de terror ainda não acabou, mas o que pode piorar?
Bill vai até o balcão pegar nossas bebidas e eu encaro Kendall.
— Você ficou louca?
— Por quê?
— Saindo com este babaca?
— E daí? Ele é lindo e aceitou meu convite.
— E você quem convidou? Isso não é meio desesperado?
— Já viu a fila de mulheres querendo sair com ele? Eu tinha que sair na frente, oras!
— Não tem medo que dê confusão, ele é tipo nosso chefe!
— Não vai contar nada à Geórgia, né?
Eu cogito contar sim e ferrar aquele idiota, mas Bill tem muita coisa contra mim e é
melhor eu ficar calada.
— Claro que não!
Bill retorna com nossas bebidas e para minha surpresa um hambúrguer.
— Vai comer mais, Bill?
— Não, é para sua amiga. — Ele aponta pra mim.
Isso me desconcerta, confesso.
E eu quero dizer que não vou comer nada que ele tenha pedido pra mim, mas estou
mesmo morrendo de fome.
E eu amo hambúrguer.
Kendall pede licença para ir ao banheiro e eu encaro Bill.
— Você não cuspiu nele, né?
— Não, Ella, não tem minha saliva aí, se bem que já trocamos saliva duas vezes?
— Não trocamos saliva, foram dois selinhos de boca fechada pelo amor de Deus!
— Ah é mesmo, talvez no terceiro você tenha sorte.
— Vai se ferrar! Acha que eu quero te beijar? Não sou a Kendall que tem mau gosto para
homens.
— Falou a pessoa que estava num encontro com Lorde Farquaad.
Antes que eu responda, Kendall volta à mesa.
E eu me ocupo em comer meu hambúrguer como se nunca tivesse visto comida na vida.
Enquanto Kendall solta risinhos idiotas, tagarelando sobre o casamento que vai ser
madrinha, mostrando modelos de vestidos.
— Isso é muito legal! — Ela ri. — Olha Ella, este aplicativo.
Ela vira o celular pra mim e eu apareço vestida de noiva num desses filtros.
— Ah sim, que engraçado...
— Não é? Uau, fico linda de noiva, vem aqui, Bill. — Ela o puxa e tira uma foto e me
mostra e agora os dois parecem de noivo e noiva.
Corre, Bill. Corre agora, eu quero avisar, porque Kendall está claramente jogando uma
indireta, mas ele está sorrindo daquele jeito despreocupado como se minha amiga não estivesse
caidinha por ele e planejando como ficariam de noivo e noiva.
— Este filtro é muito bom, muito realista!
— Eu não acho.
— É sim, Bill, tira uma foto com a Ella pra ela ver.
Ele pega o celular e antes que eu possa impedir está do meu lado, passando o braço por
meu ombro e batendo uma selfie com o filtro.
— Uau, ficamos bem. — Ele me mostra e eu faço uma careta.
— Não achei...
Kendall pega o celular.
— Ficou muito legal! Vou te mandar.
— Não, não faz isso...
Mas já escuto meu celular vibrando, denunciando que Kendall me mandou a foto.
— Olha, eu agradeço o hambúrguer, mas já vou embora — aviso quando termino de
comer.
— Nós também já vamos — Bill anuncia e Kendall não parece muito feliz.
Chegamos à rua e ele chama um táxi.
— Eu me despeço aqui, vou de metrô.
— Claro que não! Vai com a gente! — Kendall insiste. — Nós te damos uma carona, não
é, Bill?
— Claro.
Ele abre a porta e eu entro sem alternativa. Kendall entra ao meu lado e Bill senta na
outra ponta.
Dou meu endereço ao motorista e então do nada, Kendall, que estava sussurrando sei lá o
que no ouvido de Bill, está com a língua na garganta dele.
Ah que maravilha!
Fixo meu olhar à frente enquanto minha colega se atraca com um cara que detesto no
banco de trás de um táxi.
E eu nem quero lembrar que eu beijei este cara duas vezes hoje. Tudo bem que foram
dois beijinhos de nada e não aquela vibe desentupidor de pia de Kendall, mas ainda assim.
É esquisito.
Me mate agora, por favor.
Pego o celular e tem uma conversa no grupo de mensagens com minhas amigas. Eden
acabou de postar uma foto de um linguini com camarão que seu marido chef de cozinha fez pra
ela. Bria postou uma foto com seu marido Maximilian no que parece ser um baile no Palácio de
Buckingham?! Puta merda! E Janelle está mostrando o novo anel que ganhou do marido jogador
de basquete famoso.
Suspiro quando escuto um gemido de Kendall e chego mais perto da janela.
Resumo da minha vida.
Todo mundo se dando bem, menos eu.
Não que eu inveje Kendall com seu encontro com aquele cretino inglês.
Credo.
As meninas perguntam por mim, pedindo novidades e procuro a foto que tirei antes de
sair e posto, recostando no banco e fechando os olhos, bocejando.
Acordo de repente quando o carro para em frente ao meu prédio e Kendall desapareceu.
— Cadê a Kendall?
— Eu a matei e a joguei no Rio Hudson — Bill brinca saindo do carro e eu salto ainda
confusa. — Ela já está em casa.
— Achei que eu ficaria em casa primeiro.
— Você estava desmaiada, e o apartamento da Kendall era antes.
— E você achando que ia se dar bem...
— Está triste porque o meu encontro foi tão malsucedido como o seu?
— Não perco meu tempo ficando triste por você, mas do jeito que estavam no carro,
achei que iriam fazer ali mesmo.
Ele ri com vontade.
— Eu prefiro lugares mais agradáveis para... fazer.
— Não perguntei. Enfim, boa noite!
— Não vai me convidar nem pra tomar café, já que lhe dei carona?
— Claro que não! Espera... achou que iria se dar bem comigo? — Eu começo a rir.
— E achou que eu iria querer transar com alguém como você?
Meu riso morreu numa careta.
— Que bom que estabelecemos que aqui ninguém está interessado em ninguém.
Eu me viro e entro no prédio, fechando a porta, meu rosto vermelho de consternação
enquanto subo os cinco lances de escada.
Roberto me recebe na porta rosnando.
— Roberto, querido, me deixa em paz, ok?
Eu passo por ele, rezando para que não me ataque hoje, porque não estou com o menor
humor.
Morgana continua na mesma posição e eu me pergunto se ela morreu ou algo assim.
Eu me arrumo pra dormir e quando pego o celular noto que tem um monte de mensagem
das meninas.
E eu abro um vídeo onde Eden está chorando.
— Eu não acredito que isso aconteceu! Estou tão feliz, e estou chorando, eu nunca
choro! Olha o que você fez, Ella?
Eu?
De repente o celular toca e eu atendo uma ligação de vídeo.
— O que está acontecendo?
— Quando ia contar que se casou sua vadia? — Janelle está pulando toda feliz.
— Casou?
— Sim, você nos mandou uma foto vestida de noiva, quem é ele? Que gato! Não sabia
nem que estava namorando! — Bria diz.
Então eu volto a conversa e solto uma exclamação de horror ao ver que em vez de
mandar a foto arrumada para o encontro, mandei minha foto de noiva com Bill.
Puta merda!
— Não, espera...
— A gente está surtando! — Janelle continua.
— Embora não iremos te perdoar por não nos ter chamado para a cerimônia, mas
queremos detalhes, todos! — Eden continua.
— Ah amiga, estou tão feliz, e você achando que nunca iria se casar. Agora está tudo
completo! — De repente Bria está chorando e Janelle também.
— Vamos, conte-nos tudo! — Janelle insiste.
Eu respiro fundo, pronta para desfazer o mal-entendido, mas...
— O nome dele é Bill Conrad, ele é inglês. E nos casamos na última semana — disparo
num impulso.
Foda-se.
Cansei de ser a amiga perdedora.
Capítulo 4
Um Marido de Mentira

— Acho que estou apaixonada.


Disfarço uma careta, escondendo o rosto no café com o suspiro ridículo de Kendall.
— O que foi?
— O que foi o quê? — Acho que pelo olhar chateado, ela percebeu meu desagrado.
— Por que está fazendo essa expressão?
— Kendall, você conhece esse cara há cinco minutos, como pode estar apaixonada?
Além do mais ele é um babaca idiota! — critico enquanto pego meu celular abrindo a conversa
com minhas amigas cheia de fotos do babaca idiota.
Eu tenho passado as últimas duas semanas fugindo de Bill Conrad como o diabo foge da
cruz pelos corredores da Merlin’s ao mesmo tempo em que o persigo quando ele está distraído
para tirar fotos e mandar para minhas amigas sedentas de imagens do meu querido marido.
Minha nossa, eu sou patética.
Como posso criticar Kendall por estar apaixonada por um cara com quem está saindo há
duas semanas, um cara que eu detesto, enquanto minto para minhas amigas que ele é minha alma
gêmea?
Retorno às conversas meio perplexa de como criei minha própria fanfic com Bill Conrad,
desde o dia em que num impulso decidi mentir que ele era meu marido.
Eu não sei o que é que estava pensando, ou melhor, não estava pensando.
Apenas... escapuliu.
Eu fui dormir naquela noite, sob o olhar de ódio de Roberto e seus comparsas e o
cantarolar energético da meditação de Morgana sentindo um misto de alegria e culpa.
Nunca imaginei que minhas amigas ficariam tão eufóricas por eu ter desencalhado. E ter
a aprovação delas, me sentir como elas, pela primeira vez na minha vida, e não como uma
perdedora patética, me deixou com um sentimento de pertencimento que eu nem tinha noção que
ansiava tanto sentir.
Mas no fundo não passava de uma mentira deslavada, uma pegadinha de mau gosto que
eu deveria ter posto um fim cinco minutos depois de a mentira sair da minha boca.
E não sei por que não o fiz. Apenas aleguei que estava com muito sono e precisava
acordar cedo na manhã seguinte para trabalhar e pus um fim na conversa maluca onde eu era
uma feliz recém-casada.
Ao acordar no dia seguinte, por um momento achei ter sonhado com aquela conversa,
mas quando estava no metrô, notei que minhas amigas estavam ainda delirando sobre meu
casamento intempestivo e loucas para saber de mais detalhes.
Ali eu deveria ter colocado um emoji de risada e confessado que estava brincando, mas
em vez disso me vi contando com requintes de psicopatia meu caso de amor fulminante com meu
colega de trabalho Bill Conrad.
— Ele é inglês e trabalha na Merlin’s. Na verdade, ele é meu chefe.
— Uau, você pegou o chefe? — Eden havia indagado em um tom crítico.
— Para, é romântico — Bria me defendeu.
— Mas ele é o quê? O gerente ou algo assim? — Senti um tom de desdém em Janelle
que sempre foi a mais esnobe de todas, um posto que deveria ser de Bria, sendo ela a herdeira
milionária desde que nasceu, e não uma garota comum como Janelle que teve a sorte de laçar um
futuro jogador de basquete na faculdade o que a transformou também numa it girl entre as Wags.
— Ele é dono da loja — inventei.
Que se dane. Já que é pra mentir, vamos mentir em grande estilo.
E enquanto eu continuava a mentira, dando corda para os suspiros das minhas curiosas
amigas, inventando como nos apaixonamos de forma fulminante a ponto de Bill me pedir em
casamento dois meses depois de encontros sexies pelos banheiros de funcionários da loja – até
inventei uma transa em um provador – e insistir que nos casássemos, eu me perguntava se havia
coringado de vez.
Óbvio que no fim daquele dia, eu decidi que assim que conversássemos novamente,
contaria a verdade, mas já faz duas semanas e continuo casada com Bill Conrad no mundo da
fantasia que criei.
— Ei, Geórgia estava te procurando, gata. — Drew entra na sala de café.
— Pelo amor de Deus, daqui a cinco minutos entro em horário de almoço, o que ela quer
comigo? — resmungo me virando para pegar mais café.
— Algo sobre você passar muito tempo fofocando na sala de café?
É a voz do meu “marido” que escuto atrás de mim, congelo com a caneca na mão antes
de me virar.
— E imagino que tem a ver com você ser um fofoqueiro?
— Acha que fui eu quem te dedurou?
— E não foi?
— Acho que é muito óbvio o quanto você toma café.
— Ah, agora é fiscal do café?
— Deveria ter. Na verdade, não acho que tanto café faça bem.
— O que faria bem? Chá inglês?
— Acredito que te deixaria mais calma, suas pálpebras estão tremendo?
— Minhas pálpebras tremem por estar perto de você.
— Te deixo nervosa?
— Se enxerga!
Drew e Kendall giram a cabeça entre mim e Bill como se estivessem assistindo a um jogo
de tênis.
— Então é o café mesmo. Não tem medo de ter um ataque do coração?
— Como se estivesse muito preocupado com meu bem-estar. Por que não vai vigiar meus
outros colegas e me deixa em paz?
— Por que me odeia tanto?
— Eu não te odeio!
— Acho que odeia sim — Drew comenta e eu o fuzilo com o olhar.
— Sabe, toda vez que estamos no mesmo ambiente eu sinto essa... energia estranha vindo
de você. Definitivamente não é um sentimento bom.
— Talvez eu só seja assim com todo mundo, e não é um privilégio seu.
— Então é assim negativa o tempo todo?
Ah merda, tarde demais percebo que caí numa armadilha daquele cretino.
Ele está sorrindo com as mãos nos bolsos como se fosse muito engraçado me provocar e
me tirar do sério.
Na verdade ele está bem bonito hoje, com seus cabelos loiros em ondas perfeitas e um
bronzeado natural que eu me pergunto onde diabos ele conseguiu porque faz uma semana que
não tem sol em Nova York.
E se ele se distraísse um pouquinho eu poderia tirar uma foto e mandar para minhas
amigas com a legenda “meu lindo marido, morram de inveja.”
— Sem querer ser fofoqueiro, mas acho que nossa Ella achou que iria conseguir o cargo
que agora é seu, Bill. — Drew me entrega.
— Ah... Então é isso? Deseja ser supervisora de vendas?
— Com certeza seria melhor que você. Trabalho aqui há três anos e você chegou há cinco
minutos e até agora não vi fazendo nada que prestasse de verdade a não ser andar pelos
corredores vigiando o trabalho dos outros e pegando funcionárias.
O sorriso sarcástico congela em seu rosto e pela primeira vez eu vejo uma centelha de
raiva genuína.
Ah... Então eu o atingi?
Sinto um furor de prazer por ganhar um ponto.
Toma essa, usurpador de cargos filho da puta!
— Ella! — Kendall me belisca. — Não fala merda!
— E não é verdade?
— Bill nunca me pegou pelos corredores, pelo amor de Deus! — Ela está vermelha de
consternação.
— Espera, está rolando? — Drew aponta para Bill e Kendall com um sorriso malicioso
de quem descobriu a fofoca do ano e eu me arrependo na hora de ter aberto minha boca grande.
Não que já não tenha passado pela minha cabeça dedurar Bill Conrad para Geórgia e
quem sabe assim ele ser demitido e eu finalmente conseguir a promoção que tanto sonho, mas
não poderia prejudicar Kendall no processo.
— Drew você não deveria estar no seu setor? — Bill fala num tom autoritário que nunca
ouvi e Drew se levanta na mesma hora, percebendo que a situação ficou séria.
— Claro, chefe!
— Ella, era segredo, não deveria sair espalhando por aí! — Kendall me critica. — Quer
me prejudicar? Prejudicar Bill?
— Me desculpa, escapou. Não quero prejudicar você, mas não me importaria de
prejudicar seu namorado idiota.
— O namorado idiota é seu chefe. — Bill usa o mesmo tom duro que usou com Drew,
mas não me intimido.
Meu ranço por aquele cara é tão grande que passa por cima do meu medo de ser demitida.
— Ela sabe disso! — Kendall me lança um olhar de aviso. — E a gente não ia almoçar?
— Ela sorri para o namorado idiota. — Eu vou só pegar minha bolsa no armário.
Ela passa por ele, nos deixando sozinhos.
— Você é muito atrevida não é mesmo, Ella Quinn?
— O que quer dizer?
— Anda por aí descalça roubando cafés, tomando uma caneca de café atrás da outra e
destilando veneno em vez de fazer seu trabalho.
— Está mesmo chamando minha atenção? Seu inglês cretino, usurpador, comedor de
funcionárias acha que tem moral comigo?
— Continue falando assim comigo e não terá emprego.
— Está me ameaçando?
— Estou te avisando. Em vez de me chamar de usurpador e se achar injustiçada, deveria
fazer melhor o seu trabalho e não perder tempo fazendo fofoca na sala de café, achando que
puxar o saco de Geórgia vai te levar a algum lugar.
Meu Deus, que... filho da puta!
Eu respiro por arquejos, meu rosto ruborizado de raiva. A vontade que eu tenho é de voar
em cima dele e arranhar seu rosto bonito.
— As coisas estão mudando por aqui e este tipo de comportamento não será tolerado.
— Ah é? Está chamando minha atenção, mas não vi chamar a atenção da Kendall. Ah
claro, ela está chupando seu pau, então tudo bem!
— O que foi isso? Está se oferecendo para chupar meu pau também?
Arregalo os olhos, chocada com sua sugestão.
E por um momento tenho a impressão que ele também está surpreso por sua provocação.
Porque solta um palavrão baixo e dá um passo atrás, abaixando o olhar e passando os dedos
pelos cabelos.
— Muito bem, muito profissional, senhor supervisor de vendas! — destilo com ironia. E
chego até a abrir um sorriso. — Vai lá, contar pra Geórgia que funcionária horrível que eu sou.
Que eu conto que está envolvido com a Kendall e que acabou de me fazer uma proposta
indecorosa.
— Eu não te fiz nenhuma proposta.
— Hum, não sei se Geórgia vai acreditar em você.
— Talvez ela acredite quando eu contar que é uma ladra.
Perco um pouco da minha postura.
— Então, fique longe de mim. Eu fico longe de você e estamos quites!
— Vamos? — Kendall escolhe aquele momento para voltar à sala e Bill a acompanha
antes de me lançar um olhar de raiva e eu lhe mostro o dedo do meio.
— Que ódio!
— Uau, pra que tanta raiva? — Drew volta à sala do café.
— Odeio este cara!
— Mas ele é nosso chefe, né? E aí, vamos almoçar?
Drew abre a geladeira tirando sua marmita e eu dou de ombros, pegando o sanduíche que
é meu almoço.
— Eu não entendo. — Sento na frente do Drew, desembrulhando meu lanche de atum
com uma careta. Não aguento mais comer tão mal, mas não tenho dinheiro suficiente para gastar
num restaurante.
— Não entende o quê?
— Da onde este cara saiu?
— Quer saber, achei esquisito também, achei que iam abrir uma vaga interna.
— Eu também! E daí vem este inglês saído sabe Deus de onde e acha que manda na
gente? Vai se ferrar!
— Olha, eu tenho minhas teorias...
— Teorias?
Ele abaixa a voz.
— Cá pra nós, quer saber da fofoca que ouvi?
— Que fofoca?
— Que a Merlin’s está sendo vendida.
— Não!
A Merlin’s é uma rede de lojas de departamentos fundada em 1936 por Ronald Merlin.
Atualmente quem comanda a loja é Rupert Merlin, o filho do primeiro Merlin. Tudo bem que
hoje ele deve ter uns duzentos anos, mas eu adorava quando ele aparecia na nossa loja, que é a
maior da rede, ocupando um quarteirão inteiro. Ele sempre tem frases motivacionais e nos faz
sentir parte de uma família. “Esteja em todos os lugares, tenha uma boa logística, faça tudo e
nunca esqueça de surpreender o cliente”, dizia. E sempre que ele ia embora eu me sentia mais
animada a fazer da Merlin’s o lugar onde eu teria uma carreira.
— Não pode ser verdade! A família Merlin é dona de todas as lojas há quase cem anos!
— Mas o velho Rupert está quase batendo as botas!
— A família vai herdar, não?
— Ele teve só uma filha, que morreu há uns 15 anos, e tem duas netas que não estão nem
aí para o legado pelo que ouvi falar. E parece que foram elas que convenceram o avô a vender.
— Eu não acredito... vender pra quem?
— Dizem que para uma holding que opera centenas de lojas de departamento em vários
países.
— Que horror! O Sr. Merlin não ia permitir isso!
— E tem mais. E se este Bill Conrad for uma espécie de olheiro dessa holding?
— Ah não, não pode ser.
— Mas você não acha ele muito esquisito? Ele passa o dia nos espionando e fazendo
perguntas...
— Bem, ele entrou agora na loja, acho que é normal que ele queira conhecer tudo.
— Se você diz. Eu acho muito estranho.
Eu como meu sanduíche pensando na teoria de Drew e odiando Bill Conrad ainda mais se
for verdade. Então ele pode estar ali para nos espionar? E se a loja for mesmo vendida, como
Drew deduz, o que vai acontecer com a gente?
E se decidirem demitir todo mundo?
“As coisas estão mudando por aqui e este tipo de comportamento não será tolerado.”, ele
havia dito.
Droga.
Eu já estou na merda, estou quase comprando luzinhas de Natal para enfeitar o fundo do
poço, não é possível que vou me ferrar mais.
Será que existe um nível de humilhação mais baixo ainda?
***

— Estou tão triste! — Kendall está chorando há quatro horas com a trilha sonora de
músicas natalinas da loja ao fundo e eu lhe passo mais um lenço me perguntando que horas ela
achou que sua história com o safado do Bill Conrad iria dar certo.
O que aconteceu é que assim que voltou do almoço, Kendall estava inconsolável porque
levou um fora.
— O que ele te disse? — Contive a vontade de rir, porque não era o que Kendall
precisava naquele momento.
E também me abstive de racionalizar em cima do fato de que estava mais feliz do que
seria saudável com o fim do caso entre Kendall e Bill.
— Ele disse que queria terminar tudo!
— Acho que foi melhor assim, Kendall. Sinceramente. Se a Geórgia descobre, você pode
perder o emprego.
— Não me importo, ele era o amor da minha vida.
— Vocês estavam saindo há duas semanas!
— E daí? Eu senti que tínhamos uma conexão, que iríamos ficar juntos. Acha que me
iludi? Eu vi os sinais! Ele me fez acreditar que estávamos apaixonados! Não é justo.
E desde então ela não para de chorar e nada do que eu digo funciona.
E nem sei como é possível, mas estou com mais ódio ainda por ter iludido a pobre
Kendall.
E já estamos no fim do expediente quando vou tomar mais um cafezinho e para meu
horror, Bill Conrad está lá. Ele está distraído mexendo no celular e não me vê quando dou um
passo atrás.
Por um momento, penso em dar meia-volta, mas aproveitando que está distraído, pego
meu celular no bolso e tiro uma foto.
— Tirou uma foto minha?
Ai merda.
Meu rosto se tinge de vermelho culposo.
— Sim, para mostrar pra polícia, quando mais alguma colega te acusar de assédio. —
Uso o ataque para distraí-lo e entro na sala de café pegando uma caneca.
— Que porra está falando?
Eu dou de ombros.
— Não sabe? Vai se fazer de idiota?
— Está falando da Kendall? Não assediei Kendall.
— É o que diz.
— Kendall te falou isso?
— Não, mas ela está desolada! Como pode ser tão cretino? Eu deveria saber que é um
desses caras tóxicos, seu... Chernobyl! Coitada da Kendall, a iludiu, a usou, a fazendo acreditar
que estava apaixonado por ela, que tinham futuro...
— Isso não aconteceu, a sua amiga é louca.
— Ah não, vai mesmo ser tão clichê e chamar Kendall de louca? Típico de homens como
você!
Ele olha de novo para o celular, como se estivesse recebendo alguma mensagem
importante.
— Olha, eu não te devo nenhuma explicação, ok? Quer acreditar no que Kendall diz,
fique à vontade. — Ele se levanta saindo da sala, mas eu ainda grito:
— Claro que vou acreditar na minha colega e não em um embuste como você!
Não sei se ele escuta meu desabafo desaforado, mas espero que tenha ouvido.

Porém, quando estou chegando em casa, me recordo de novo das desconfianças de Drew.
Será que eu deveria ter confrontado Bill?
Sinceramente, acho essa teoria dele meio insana e fantasiosa. Bill deve ser só um cretino
que se acha um presente de Deus para as mulheres por ser bonito, enquanto consegue cargos de
trabalho facilmente pelo mesmo motivo.
Inferno, é muito injusto que alguns tenham tanta sorte e outros não.
Assim que abro a porta do apartamento, arregalo os olhos, horrorizada com a cena à
minha frente.
Roberto e sua gangue espalharam todos os meus sapatos pela sala e estão literalmente os
comendo.
Perco o ar por um momento, em choque.
Aquele... cachorro mau-caráter passou de todos os limites agora.
— Roberto?
Ele levanta a cabeça, com um sapato vermelho que eu ainda nem paguei na boca e juro
por Deus que acho que vejo um sorriso ali.
— Morgana? — chamo, mas ninguém responde.
Eu fecho a porta e me aproximo devagar dos cães que rosnam de jeito ameaçador como
quando não querem que se aproxime de sua comida, só que neste caso a comida são meus
sapatos!
— Roberto, fofinho, largue o meu sapato.
Ele rosna mais forte largando o sapato e eu respiro aliviada, mas meu alívio dura alguns
segundos.
Quando avanço para tentar tirar o que sobrou dos sapatos do massacre, Roberto late e
agarra meu tornozelo.
— Roberto me solta! — grito sacudindo a perna enquanto seus comparsas latem em
volta.
Toda a confusão dura apenas alguns segundos enquanto sacudo a perna loucamente para
fazer o cãozinho me soltar e finalmente levanto a canela com mais ímpeto e jogo Roberto longe.
Pela janela.
Ai meu Deus.
Matei Roberto?
Capítulo 5
A quase Segunda Morte do Roberto

Eu achei que o fundo do poço era o fim do caminho, mas aparentemente ele tem um
subsolo.
Quando chego à loja naquela noite, levando duas malas com tudo o que tenho, depois de
Morgana me expulsar do estúdio sob a acusação de ter sido responsável pela quase segunda
morte de Roberto, entro pela porta principal como se fosse uma das clientes sendo recebida por
Mariah Carey no alto-falante, e a imensa árvore de Natal logo na entrada.
Todos estão felizes fazendo suas compras de Natal e eu só me pergunto onde foi que tudo
começou a dar errado na minha vida.
Arrasto minhas malas pela escada rolante ignorando os olhares curiosos dos meus colegas
muito ocupados com o movimento do fim de expediente – a loja fica aberta até meia-noite no
Natal – e subo até o andar onde há as salas dos funcionários. Eu tenho só um objetivo. Chegar à
sala do café.
Assim que chego lá, largo as malas no chão e ataco a máquina de café como se fosse o
elixir que vai resolver tudo de ruim da minha vida.
Não me importo de queimar a língua. Bebo tudo e encho de novo.
Sinto a cafeína entrando no meu sistema depois da quinta caneca e talvez esteja tendo
taquicardia, mas quem se importa? Talvez eu mereça ter um treco e morrer depois de ter virado
uma quase assassina de cachorros.
Em minha defesa, Roberto me atacou primeiro. Foi legítima defesa, mas eu já imagino o
PeTA – aquela associação famosa de defesa dos animais – vindo atrás de mim me expondo como
a louca que ataca cãezinhos indefesos.
Pelo menos Roberto não morreu de novo. Ainda meio apoplética, corri com Morgana
para socorrer o cão, que teve a sorte de ter sua queda amenizada pelo toldo do restaurante chinês
no térreo do prédio.
Eu queria ir com ela ao veterinário, mas Morgana gritava ensandecida para eu ficar longe
de Roberto.
Ela estava achando o quê? Que eu ia desligar os aparelhos que manteriam Roberto vivo
na clínica veterinária como uma vilã de novela da tarde ruim?
Tudo bem que eu e Roberto tínhamos problemas de relacionamento, mas ele começou!
Voltei para casa e esperei Morgana, torcendo para que Roberto não morresse, e tentando
me esquivar de seus irmãos que me encaravam com um olhar acusatório que queria dizer “vamos
nos vingar se você matou nosso líder”.
Morgana voltou do veterinário horas depois dizendo que Roberto ficou internado depois
de quebrar a patinha e perder a visão do olho direito.
Eu respirei aliviada, mas meu alívio durou pouco, pois Morgana me expulsou do
apartamento.
— Não pode me expulsar.
— Posso sim. Atacou o meu cachorro.
— Você viu o que ele fez com meus sapatos? Não sobrou um pra contar história.
— Roberto é contra o uso de couro! Ele estava defendendo seu ponto de vista, de pessoas
capitalistas que estão destruindo o mundo como você.
— Não sou uma capitalista destruidora.
— Não interessa! Deveria saber que não ia dar certo, eu vi sua aura, sua energia ruim...
— Não tenho energia ruim!
— Faça suas malas e fora daqui!
— Mas não pode fazer isso!
— Agora!
Assim, eu fiz minhas malas, no qual não tinha um sapato sequer e saí do apartamento de
Morgana, que podia ser um pardieiro, mas era o que meu dinheiro podia pagar.
Sem ter pra onde ir, vim pra loja e agora me pergunto o que vou fazer da minha vida?
Droga, o café não está adiantando.
Eu deveria ir até a sessão de bebidas e pegar um vinho e me embebedar até cair e
esquecer o quão perdedora sou.
Sim, é isso que vou fazer, penso com um surto de energia que provavelmente tem a ver
com a cafeína.
Sem pensar, saio da sala de café e subo até onde tem as bebidas caras na Merlin’s.
Caminho pelos corredores verificando as garrafas e os preços que custam o mesmo que um rim
no mercado clandestino.
Será que posso vender meu rim?
Hum, não posso passar mais nada com meu desconto de funcionário para pagar na folha
de pagamento este mês. E na minha carteira devo ter dez dólares e olhe lá.
Será que alguém vai ver se eu pegar uma garrafa e levar disfarçadamente para a sala de
café?
O vendedor daquele turno, Marcus, um espanhol metido a conquistador que já havia dado
em cima de mim, sorri quando me vê e sorrio de volta.
— Ei, Marcus!
— O que está fazendo aqui a essa hora, Ella? — Seu sorriso adquire um tom charmoso.
— E vai comprar um vinho? Vai ter um jantar especial? Alguém especial?
— Ah, isso? Na verdade estava pensando em te convidar para beber comigo. — Meu
sorriso se abre ainda mais.
Mas não tem o efeito que espero porque Marcus franze o olhar me encarando esquisito.
— Tudo bem?
— Sim, por que não estaria?
— Seu rosto está vermelho e seus olhos estão meio esbugalhados. Você usou alguma
coisa?
— Ah, deve ser a cafeína! Sabe, me deixou ligadona. — Faço um passinho de dança,
movendo os braços e no instante seguinte a expressão confusa de Marcus se transforma em
horror e quando escuto o barulho de garrafas indo ao chão percebo por quê.
Eu paro de mover os braços e dou um passo atrás, observando pelo menos umas três
garrafas de vinhos caríssimas espatifadas aos meus pés.
— Ah meu Deus, eu fiz isso? — Levo as mãos à boca, chocada.
— Ella, minha nossa, que confusão!
— O que está acontecendo aqui?
Ah não.
A voz imperiosa de sotaque inglês invade meus ouvidos e solto um gemido desalentado.
Mas claro que aquele babaca usurpador tinha que estar por perto para assistir mais uma
das minhas humilhações!
— Nada, apenas um acidente. — Marcus se encaminha ao balcão, pegando o telefone,
chamando a limpeza.
O olhar de Bill vai da bagunça no chão para meu rosto.
— Você!
— Sim, eu!
— Está em seu horário de trabalho? — Ele me mede da cabeça aos pés e embora ainda
esteja usando o meu uniforme de trabalho, estou sem as meias finas pretas, que ficaram
destruídas quando Roberto me atacou. Eu as havia tirado enquanto esperava Morgana voltar do
veterinário e havia alguns arranhões de Roberto ali e agora reparo que também tem um filete de
sangue provavelmente causado por algum caco de vidro das garrafas quebradas.
— Não estou em meu horário de trabalho!
— Mas está aqui. Causando confusão.
— Foi só um acidente. — Marcus vem ao meu socorro.
Nossa, que cara legal! Eu deveria mesmo dar uma chance a ele.
— E acho que você se machucou.
— Ah não é nada, na verdade, eu vou... é... vou dar o fora daqui! — Eu me apresso em
passar por cima da bagunça e praticamente corro do setor.
— Não ia comprar um vinho? — Marcus grita atrás de mim.
— Deixa pra lá!
Mas se penso que me livrei de Bill Conrad, me engano, porque ele me alcança no andar
seguinte.
— Onde pensa que vai?
— Não ouviu? Dar o fora daqui!
Entro na sala de café e paro, sem saber para onde ir daqui.
Droga. Não tenho pra onde ir.
Minha garganta aperta ao me dar conta do filme de terror ruim que virou minha vida.
Eu sou uma sem-teto, oficialmente.
Que opção eu tenho?
Nem uma das minhas amigas mora na cidade. Eu considero Kendall uma amiga, mas não
somos íntimas, e Kendall divide apartamento com Shonda, que me odeia, porque uma vez ela me
convidou para jantar e o namorado da Shonda deu em cima de mim e agora ela acha que sou uma
espécie de piranha que rouba namorado alheio.
— O que está falando?
Eu me viro e me dou conta, confusa, que Bill está atrás de mim.
— Oi?
— Você não está falando coisa com coisa.
Ah merda.
— Eu estava pensando alto! Às vezes eu tenho essa mania.
— Você usou alguma droga?
Eu começo a rir.
— Droga? Acha que tenho dinheiro pra sustentar algum vício?
Eu me dobro de tanto rir.
— Se bem que um cigarro de maconha viria bem a calhar? Você não teria um aí, não é?
Não, você tem cara que usa aquelas drogas sintéticas caras em baladas chiques! Balinha? Tem
alguma balinha?
— Não, não tenho nenhuma balinha, Ella...
— Ah, que pena... E eu queria beber aquele vinho, droga! Eu quebrei aquelas garrafas e
vou ter que pagar, não é mesmo? Será que Marcus vai me dedurar? E se eu fizer um boquete
nele, será que ele fica quieto? Ele tem um sotaque espanhol gostoso até. Uma vez eu transei com
um cara da Croácia. Ele era bom, sabe, com a língua? Mas não durava nem três minutos...
— Pelo amor de Deus o que deu em você? — Bill está me fitando meio aterrorizado.
— Ops! Pensei alto de novo? Ah, este dia está uma merda! — Levo a mão à testa
começando a sentir dor de cabeça. — Acho que preciso de café.
— Não, não tem mais café pra você.
Bill se coloca na minha frente, arrancando a caneca da minha mão.
— Tenho direito de tomar café! Eu trabalho aqui!
— Não está em horário de trabalho, aliás, não estou entendendo o que está fazendo aqui
ainda? Estava dando em cima do cara do vinho?
— E se tivesse? Não tem nada a ver com isso! Não é meu marido de verdade!
— O quê? — Ele me fita confuso.
— Quer saber, eu devia subir lá e chamar o Marcus pra uma rapidinha em um provador!
Isso, sexo selvagem é o que eu preciso pra tentar melhorar esse dia de merda! Ah meu Deus, eu
sou tão patética...
De repente começo a chorar, os soluços rompem meu peito e me sento escondendo o
rosto entre as mãos.
— Eu sou uma sem-teto.
— Ei, pare de chorar. Está surtando. — Bill estende um lenço pra mim.
E eu choro ainda mais.
— Será que é muito cedo pra pedir um milagre de Natal?
— Milagre de Natal?
— Só um milagre pra consertar minha vida agora...
— Por que não se acalma? Parece que está passando por alguns problemas.
Eu levanto a cabeça.
— Alguns? Estou totalmente ferrada!
— Certo. Me conte o que aconteceu. — Ele senta ao meu lado e indaga com uma voz
surpreendentemente gentil.
— Eu quase matei o Roberto...
— Roberto? O cara que fez isso com você? — Ele aponta para os arranhões e marcas
roxas na minha perna. — Roberto é seu namorado abusivo?
— Não, ele é o marido da minha colega de quarto. E ela me expulsou de casa e eu não
tenho para onde ir...
— Ah, por isso essas malas? São suas?
— E eu não tenho mais sapatos... — Choro ainda mais me recordando de todos meus
sapatos destruídos. — Roberto destruiu todos. Aquele cachorro mau-caráter! E agora... Sou
quase uma assassina! Eu vou ser processada por tentativa de assassinato? Você acha que posso
ser presa? Se bem que talvez seja melhor eu me entregar, pelo menos terei onde dormir.
— Não acho uma boa ideia se entregar para a polícia.
— É, tem razão. Eu não duraria nem meio dia na cadeia. Não serviria para ser a putinha
de nenhuma detenta em troca de proteção. Eu não curto sexo lésbico, sabe que na faculdade, teve
uma vez que eu e Janelle bebemos todas e nos beijamos, mas não é pra mim, sabe. Eu gosto de
caras. Eu gosto de transar com caras, mas parece que não tem um homem que preste mais! Isso é
tão injusto!
— Certo, já chega. Pare de chorar e vamos embora.
— Embora pra onde? Você não me ouviu? Eu não tenho para onde ir! Será que posso
ficar aqui? Esse sofá até parece confortável.
— Não pode ficar aqui.
— Mas...
— Eu vou levá-la para minha casa.
Capítulo 6
Cruella

— Dá pra parar de me encarar? — Bill pede com impaciência quando estamos no táxi,
atravessando a cidade em direção a... casa dele?
Ainda parece que estou num daqueles episódios de Black Mirror desde a hora que Bill
Conrad, o meu novo colega de trabalho de quem não gosto nem um pouco e que foi mais vezes
do que eu gostaria a testemunha de algumas situações constrangedoras pelas quais passei,
afirmou de forma categórica que iria me levar para sua casa e em seguida pegou minhas malas e
saiu da sala de café rumo à saída da loja não me deixando alternativa a não ser segui-lo.
— Você continua me encarando. E seus olhos estão meio assustadores.
— Disse que vamos pra sua casa?
— Apartamento, na verdade.
— Mas... — Fecho os olhos sacudindo a cabeça como se assim pudesse organizar meus
pensamentos caóticos. — Você nem gosta de mim!
— Bem, você também não gosta de mim. Pare aqui, por favor — ele pede ao motorista.
Eu o acompanho quando saltamos, e Bill pega minhas malas.
Aperto o casaco contra o corpo sentindo o frio cortante da chuva fina que começa a cair,
deixo meu olhar vagar ao redor e franzo meu olhar confuso ao perceber que estamos em Upper
East Side, um dos bairros mais chiques de Manhattan.
— O que estamos fazendo aqui?
— Vem. — Bill ignora minha pergunta entrando no prédio elegante a minha frente e
arregalo os olhos.
— Você mora aqui? Nesse prédio chique? — indago chocada quando entramos no
elevador igualmente elegante.
A sensação de irrealidade tomando proporções assustadoras.
— Não.
— Como assim não?
— Estou hospedado no apartamento do avô de um amigo. — Ele sai do elevador e o sigo,
ainda meio perplexa enquanto ele para em frente a uma porta elegante abrindo e fazendo sinal
para eu passar e meu queixo cai quando meus olhos se deparam com a vista exuberante da cidade
pelas grandes janelas que vão do chão ao teto.
As luzes se acendem e estamos em um hall que dá pra uma sala espaçosa de paredes
verdes, sofás cremes e tapetes felpudos que fazem meus pés afundarem de forma deliciosa.
À direita é uma cozinha de conceito aberto com uma ilha enorme, dessas que vemos nos
programas de reforma de TV.
— O avô do seu amigo é rico?
— Muito — Bill responde de forma casual.
Como ele conhece essa gente rica que o deixa ficar num lugar deste?
— Vou te levar a um quarto de hóspede.
Eu o sigo ainda atordoada até um quarto que é do tamanho do estúdio que dividia com
Morgana e os delinquentes caninos.
— Uau!
Parece um quarto de princesa, ou de uma herdeira muito rica.
E o mais próximo que cheguei de um lugar assim foi quando Bria nos chamou para seu
aniversário de 21 anos em uma mansão da tia dela nos Hamptons e eu dividi com Eden um
quarto enorme com vista para o mar.
Foram dias incríveis que só me fizeram ver o abismo da minha realidade com a de
pessoas como Bria, que nasceram ricas e nunca teriam que se preocupar com a fatura do cartão
de crédito. Ou onde iam viver depois de serem expulsas por terem quase assassinado um
cachorro.
— Esse avô deve ser muito rico mesmo! De onde conhece este amigo?
— Da faculdade.
Ele larga minhas malas no chão.
— Fique à vontade, você parece precisar de um banho, mas antes precisa cuidar desses
machucados. Vem aqui, deve ter algo no armário.
Ele entra em um banheiro adjacente e eu o sigo, ainda admirada da riqueza de tudo por
ali.
— Meu Deus, estou horrorosa! — murmuro assustada quando passo em frente ao
espelho.
Meus cabelos estão uma bagunça depois da chuva que tomamos ao sair do táxi, o rímel
dos meus olhos escorreu e pareço saída de um filme de terror.
— Achei, senta aqui.
Bill aponta para o vaso e eu obedeço, ainda meio grogue. E ele se ajoelha na minha frente
com um lenço umedecido tirando o sangue do meu tornozelo e depois passando o que acredito
ser anticéptico que arde ligeiramente.
E minha nossa. Agora parece ainda mais que estou num episódio de Black Mirror.
— Isso é muito esquisito — expresso minha confusão enquanto Bill coloca um Band-Aid
em meus machucados.
— O que é esquisito?
— Você.
Ele me encara quase divertido enquanto se levanta.
— Eu sou esquisito? Já se olhou no espelho?
Rolo os olhos, por ele estar me provocando de novo.
— Você sendo legal comigo é esquisito.
— Eu sou um cara legal.
— Sério? Pois me enganou direitinho! — rebato com ironia. — Por que está me
ajudando?
— Por que você precisava? Ou preferia ir dormir com os ratos na rua? Se preferir, fique à
vontade.
— Não faz sentido. A gente não se dá bem, você não é meu amigo nem nada e... — De
repente uma desconfiança passa pela minha cabeça. — Não está achando que devo te pagar por
isso com algum favor sexual, não é? Porque cai fora. Não vou transar com você. Nunca.
— Ótimo, que bom que estabelecemos que não vamos transar. Nunca. — Ele usa o
mesmo tom irônico e meio condescendente como se eu estivesse falando uma asneira que nem
merecia ser levada a sério.
Claro. Óbvio que esse cara não está interessado em mim... dessa maneira.
Ele parece sofisticado demais para ter qualquer interesse em uma garota como eu. Seria
alguém que namoraria uma de minhas amigas bem-sucedidas, por exemplo.
Mas quem é Bill Conrad de verdade?
Eu nunca parei para pensar. Sei que é inglês, mas por que está aqui, do outro lado do
mundo, trabalhando na Merlin’s? Ele sempre passou uma vibe diferente dos outros funcionários,
mesmo estando num cargo de chefia, vamos combinar que supervisor de vendas não é um cargo
executivo.
Simplesmente não parece... combinar.
Fora que é um desses caras bonitos demais para serem reais. Ele meio que poderia estar
de cueca em algum outdoor da Calvin Klein. E vem de sabe Deus onde e usurpa empregos dos
outros. Além de ter amigos ricos que lhe emprestam apartamentos fabulosos.
E de novo me vem a teoria bizarra de Drew de que Bill não é quem diz ser.
Será? Eu poderia confrontá-lo agora, mas, sinceramente, estou tão cansada, derrotada e
destruída que só quero tomar um banho e dormir naquela cama quentinha com lençóis finos e
esquecer por algumas horas que, se não fosse Bill Conrad, eu estaria congelando lá fora.
— Certo, fique à vontade.
Percebo que estava o encarando em silêncio e pisco quando ele sai do banheiro me
deixando sozinha.
Bem, pelo menos eu não estava pensando alto dessa vez!
Assim que ele fecha a porta atrás de si, abro a mala e pego meu nécessaire, espalho
minhas coisas na bancada chique me perguntando se deveria fazer isso, já que não estabelecemos
por quanto tempo Bill vai me conceder hospedagem.
Minha nossa, se ele me mandar embora amanhã, o que eu faço?
Talvez deva engolir meu orgulho e pedir que me deixe ficar até que eu arranje outro
apartamento. O que é desanimador, Nova York está sempre lotada e é difícil achar vaga para ser
companheiro de quarto de alguém decente. Haja visto minha experiência com Morgana.
Tiro minha roupa e entro no chuveiro deixando a água quente escorrer por meus ombros
cansados e não sei quanto tempo fico ali, até que finalmente consigo me sentir minimamente
humana de novo.
Depois seco meu cabelo me tornando quase apresentável e para melhorar meu ânimo
escolho um pijama que foi presente da minha mãe e me pergunto o que ela vai dizer quando eu
contar a confusão que está minha vida.
Na verdade, eu conto para meus pais uma versão muito melhorada da minha vida ali em
Nova York, porque não quero preocupá-los. Mamãe sempre pergunta se está tudo bem, se tenho
a vida que sempre quis e minto que sim, está tudo indo muito bem. Ainda não tenho o emprego
dos sonhos, mas estou a caminho. Minha companheira de apartamento é muito gente boa e nunca
vi um rato pelas ruas.
Então me pergunto se devo ir dormir ou falar com Bill antes e decido sair do quarto e
conversar com ele sobre a possibilidade de aumentar minha estadia.
Eu posso ser simpática com ele, não posso?
Na verdade, ele foi legal me dando abrigo e até colocou Band-Aid no meu machucado e o
último cara que fez isso pra mim foi meu pai.
Só que meu pai consertava todos meus machucados com um beijinho.
Bem, seria esquisito se Bill fizesse isso. E por que diabos estou imaginando Bill beijando
meu tornozelo?
— Algum problema?
Levanto a cabeça e percebo que cheguei à sala e Bill está do outro lado da ilha...
cozinhando?
Ele tomou banho também, os cabelos loiros estão molhados e ele veste um moletom e
uma camiseta branca que lhe cai muito bem. Aquilo são bíceps?
Sério?
E ele está mexendo em uma panela na sua frente quando me aproximo.
Escuto um cachorro latindo e olho pra baixo, meio assustada quando um cãozinho
pequeno começa a fazer festa aos meus pés.
— Ei... Um cachorro.
Minha experiência malsucedida com caninos me faz recuar meio assustada.
— Sim, este é George, meu cachorro. Não gosta de cachorro?
— É... gosto, quer dizer... — Sorrio meio sem graça.
Bill está servindo dois pratos de algo que parece massa e está cheirando
maravilhosamente bem e faz meu estômago roncar.
— É que Roberto me deixou meio...
— Roberto? O namorado da sua amiga?
— Oh... Acha que Roberto é um cara? Não! Roberto é um cachorro, é o cachorro da
Morgana, mas ela acha que ele é a reencarnação do marido dela, que, aliás, ela o matou. Mas ela
foi inocentada, sabe. Enfim, Roberto é um cachorro.
— Você disse que tentou matar Roberto.
Um rubor culposo aquece minhas bochechas.
— É, foi o que eu disse.
— Você é uma dessas pessoas que odeiam cães? — A expressão de Bill muda agora e ele
me encara como se eu fosse... — Cruella — murmura com acusação na voz. — George, se afaste
dessa mulher.
Eu rolo os olhos, quando o cãozinho o obedece e ele o pega, o abraçando como se eu
fosse atacar o pobre George com dentadas assassinas pra mandar fazer um casaco com seus
pelos.
— Ai, para de me chamar de Cruella!
— Mas é o que você é. Tentou matar um cão!
— Ele me atacou primeiro, ok? Não sei por que, mas ele me odiava!
— Cães não odeiam quem não os maltrata.
— Eu nunca maltratava o Roberto. Ele que cismou comigo! E sempre me atacava, até
que hoje eu cheguei no estúdio que dividia com Morgana e ele tinha comido todos os meus
sapatos. — Minha voz embarga só de lembrar do massacre. — Ele e seus comparsas, Júpiter e
Dalai-Lama.
— Espera, quem são esses?
— Os outros cachorros da Morgana. Todos eles me odiavam. Eu pedi que eles largassem
meus sapatos e ele pulou no meu tornozelo. Você viu os arranhões.
— Achei que fosse um cara que fez isso com você.
— Por que seria melhor? Eu fui atacada! E sacudi o pé e sem querer o joguei pela janela.
— Ah! — Ele abre a boca, horrorizado, apertando ainda mais o cãozinho. — E como ele
está? Sobreviveu?
— Ele sobreviveu, mas com uma perna quebrada e um olho a menos.
— Meu Deus. Você deveria ser presa.
— Ei, foi em legítima defesa! E para de abraçar o cachorro desse jeito como se eu fosse
atacá-lo. E será que podemos comer? Estou morrendo de fome. O que é isso? — Sento na
bancada, tento mudar de assunto. — Está cheirando bem, é bolonhesa?
— Não, eu não como carne.
— Ah claro, você é um desses malucos protetores dos animais que agora acha que eu
devo ser presa e virar putinha de alguma lésbica na cadeia para pagar por meus crimes contra os
animais. — Talvez não seja uma boa hora para tentar fazer um acordo pela hospedagem.
— Você quem está dizendo, Cruella!
— Aff, pare de me chamar assim.
— Combina com você. Agora coma. E fique longe do George.
— Tudo bem, parece delicioso. — Tento sorrir e ele ainda está meio tenso quando beija
George e o larga no chão.
De repente o celular dele vibra e ele se afasta para responder, compenetrado.
Aproveito para pegar meu próprio celular e há mensagens das minhas amigas querendo
novidades.
Mordo os lábios e como Bill está distraído, ligo a câmera e o gravo disfarçadamente.
Depois mando o vídeo para minhas amigas com uma foto do prato que ele serviu com uma
legenda, “meu marido cozinha muito bem”.
Na mesma hora uma pontada de culpa embrulha meu estômago.
Meu Deus, eu estou louca? Que horas vou contar a verdade para minhas amigas e
acabar com aquela brincadeira boba? A questão é que agora sinto que fui longe demais para
parar.
E confesso que é divertido fingir que sou casada e feliz como elas.
Quase me faz esquecer dos meus problemas reais.
Quando Bill volta e senta na minha frente, eu o observo comer com curiosidade.
— Está fazendo de novo.
— O quê?
— Me encarando.
— Você me deixa curiosa.
Ele levanta a sobrancelha.
— Por quê?
— Oras, não é normal? Não sei nada sobre você.
— Você mesma disse que não somos amigos.
— Bem, a partir do momento que me trouxe pra sua casa, quer dizer, a casa que está
hospedado, acho que não somos inimigos, não é?
— Algum dia fomos inimigos?
— É, talvez seja uma palavra forte, mas há de convir que não íamos com a cara um do
outro.
— Tudo bem, o que quer saber?
Ele não confirma e nem nega que não ia com a minha cara.
— Certo, qual seu nome?
— Bill.
— Bill não é um nome!
— Claro que é. Bill Murray. Bill Gates. Bill Clinton.
— Mas é apelido, não?
— Certo, é William.
Claro. Bill é mesmo diminutivo de William. Como eu não saquei?
— Ah... Acho que combina mais.
Ele ri.
— Por quê?
— Não sei. Parece mais formal. Mais inglês. Nome de príncipe.
— Não sou um príncipe.
— Mas não é um mendigo. — Eu o encaro deixando claro minhas desconfianças.
E ele sabe que eu sei, e sustenta meu olhar por um momento.
Eu faço o mesmo.
— O que quer dizer? — ele indaga finalmente.
— Diga você, Bill Conrad.
— Você disse que não ia com a minha cara. Por quê? — Ele vira os holofotes pra mim.
Desvio o olhar.
— Você roubou meu cargo. Namorou minha amiga e foi um escroto com ela. Chernobyl!
— Não iludi sua amiga, na verdade nós saímos umas três vezes e mal nos beijamos. E só
porque ela insistiu muito nas três vezes.
— O que quer dizer? Que não estava a fim da Kendall?
— Não, não estava. Ela é bonita, claro, e estava mais do que disposta, mas eu não deveria
ter saído com ela.
— Eu não sei se isso não é pior.
— Pediu que eu fosse sincero.
— Não, não pedi.
— Mas eu fui.
— Então é um cara sincero? Sempre?
— Não, nem sempre.
— Ah... O que você esconde?
— O que acha?
Antes que eu responda, o celular dele toca e vejo um nome brilhando.
William.
— Preciso atender. Pode demorar. Fique à vontade.
Ele se afasta me deixando confusa.
Ele foi atender um cara que tem o mesmo nome que ele?
Termino de comer, levo os pratos para a pia e coloco na lava-louça.
E estou voltando para o quarto quando encontro Bill no corredor. Me sinto meio sem
graça, agora sem a bancada entre nós.
Ele parece mais alto.
Mais bonito, assim, de pijama.
Parece muito... Íntimo estar assim com ele e me sinto subitamente com vergonha.
Eu me recordo da minha mentira de que ele é meu marido.
— Bonito pijama. — Ele aponta pra mim com divertimento.
Eu dou de ombros espiando os desenhos de dinossauros bem infantis.
— Um presente da minha mãe no último Natal. Ela costuma dar pijamas iguais para mim
e meus irmãos desde que somos pequenos. É meio tradição. Isso e os suéteres cafonas de Natal
que ela nos obriga a vestir todo ano.
— Tem uma família grande?
— Tem meu pai, minha mãe e minha irmã e um irmão. Sou a filha do meio. E agora
meus sobrinhos e o marido da minha irmã.
— Parece divertido.
— Você tem uma família grande? Irmãos?
— Não tenho irmão ou irmã.
— E seus pais?
— Meu pai morreu há alguns anos.
— Oh... sinto muito.
— Tudo bem, faz tempo.
— E... você vai voltar para a Inglaterra para o Natal?
— Não sei ainda. Tenho algumas... pendências aqui. E você? De onde é sua família?
— De uma pequena cidade em Washington.
— Acho que eles não sabem o que está se passando com você?
— Não, não sabem e nem vão saber. Não quero preocupá-los. Minha mãe surtaria em
imaginar que estou prestes a virar uma sem-teto.
— Você pode ficar aqui quanto tempo quiser. Contanto que fique longe do meu cachorro,
claro.
— Eu não sou uma louca que odeia cães!
— Certo, Cruella.
Rolo os olhos irritada, mas ao mesmo tempo aliviada de ele deixar que eu fique ali.
— Olha, sei que não começamos com o pé direito, mas agradeço por estar sendo legal
comigo. Eu vou procurar um apartamento, e espero achar logo e deixar você e George em paz.
— Sorrio. — Boa noite.
Passo por ele e entro no quarto.

Acordo de repente estranhando o ambiente.


Acendo a luz do abajur, confusa, me situando.
Estou no quarto chique do tal avô do amigo de Bill Conrad, que até ontem eu odiava, mas
acho que já não odeio tanto assim.
Talvez cinquenta por cento agora?
Pego o celular e tem umas mensagens das minhas amigas, elas estão surtando com o
vídeo que mandei do Bill.
Sorrio, divertida.
E então tenho uma ideia.
Eu não paro para pensar que devo ter enlouquecido de vez quando caminho na ponta dos
pés e abro a porta do quarto dele.
O quarto está na penumbra quando avanço até a cama. Ele está dormindo pesado e até
ronca um pouco. Acendo a luz do abajur para iluminar e ele nem se mexe.
Mais corajosa, eu me deito na cama ao seu lado. Ele se mexe no sono e eu paro de
respirar.
Droga, e se acordar?
Mas Bill apenas resmunga no sono e continua dormindo.
Ligo o celular e tiro uma selfie nossa. Junto ainda mais nossas cabeças no travesseiro e
tiro outra.
Rindo da minha temeridade, giro o rosto e beijo sua bochecha.
Hum, aspiro surpresa por sentir um cheiro gostoso que vem dele.
Parece um perfume de sabonete e gel pós-barba e algo mais que deve ser seu odor
natural.
Só sei que é bom.
Tiro mais uma foto.
Quando ele nem se move, beijo seus lábios tirando mais uma foto. Gravo até um
boomerang o beijando de novo.
Uau, Bill Conrad tem mesmo um sono pesado!
Me sentindo mais audaciosa, seguro seu braço e deito a cabeça em seu peito, e rindo da
minha cara de pau, coloco sua mão no meu seio.
Certo, talvez esteja passando um pouco dos limites, mas estou me divertindo usando Bill
Conrad como meu bonequinho na minha pequena farsa.
E me ajeito mais ali, olhando as fotos que tirei. Nossa, até que fazemos um casal bem
bonito. De repente me assusto quando ele se move, virando de lado e me leva junto.
E do nada, estou meio que de conchinha com Bill Conrad, que passa o braço por minha
cintura, me puxando para perto, encaixando seus quadris nos meus.
Ai Meu Deus.
Por segundos irreais eu não me mexo esperando que vá acordar.
Mas isso não ocorre e respiro aliviada por não ter sido pega em flagrante.
Agora como vou sair dali?
Eu vou relaxando, meu coração que havia disparado vai voltando a bater normalmente e
bocejo. Vou esperar só mais um pouco. Ter certeza que ele está dormindo pesado de novo para
escapulir de volta para o meu quarto.

Desperto confusa e inesperadamente confortável.


Eu me ajeito sobre a superfície morna embaixo de mim, bocejando e abrindo os olhos,
enquanto me enrosco em algo que...
Abro os olhos, me dando conta de onde estou.
Ah caramba.
Não sei como, mas amanheceu.
Eu dormi ali, na cama de Bill Conrad.
Agarrada a ele, e agora não estou mais de conchinha, estou em cima dele, com minha
cabeça em seu peito, enquanto seus braços estão à minha volta e uma das minhas pernas está
entre as suas e nossos quadris estão grudados intimamente. Tanto que sinto...
Oh.
Aquilo é uma ereção?
Meu rosto pega fogo e pior...
Aquela parte que está grudada na... animação de Bill Conrad decide que está apreciando
este fato e começa pegar fogo também.
Sem aviso.
Sem eu dar permissão.
E meus quadris até se movem um pouco ali, assim, só pra ter certeza que não estou
delirando e ele parece ficar mais animado. E eu fico mais animada, para meu horror, sentindo um
tesão inapropriado e proibido. E de repente seus braços me apertam um pouco mais e acho que
escuto um gemido rouco e masculino escapando de sua garganta enquanto ele está obviamente
acordando e por um instante prendo a respiração antevendo que é tarde demais pra fugir. Bill
está prestes a acordar e se deparar comigo ali, na sua cama.
Praticamente abusando dele.
E sem aviso, sua mão desce para meu quadril e me aperta mais contra ele e desta vez eu
gemo, entre excitada e amedrontada, antes dele me girar de repente na cama, se insinuando entre
minhas pernas e começar a me beijar.
Ai. Meu. Deus.
Capítulo 7
Beijos que São como Montanha-Russa

Estou beijando Bill Conrad.


Ou melhor, ele está me beijando.
De verdade.
Com língua e tudo e... minha nossa, meu cérebro apaga por um instante quando ele enfia
os dedos no meu cabelo, segurando minha cabeça no lugar, me impedindo de fugir. Como se eu
pudesse me mover com seu peso sobre o meu, com seus joelhos abrindo os meus e seus quadris
se alojando ali, entre minhas pernas, o que me faz sentir mais uma vez que ele está excitado.
Muito excitado e eu estou também, por que oras, não sou de ferro, sou?
Sabe quanto tempo não sinto o peso de um cara em cima de mim? E um cara como Bill
Conrad, que me beija com uma intensidade preguiçosa de quem sabe o que está fazendo? Nem
lembro se um dia esse evento ocorreu na minha vida!
Eu só consigo soltar gemidinhos de surpresa e apreciação o beijando de volta, meus
dedos apertando seus braços enquanto em alguma parte da minha mente em curto-circuito há um
resquício de sanidade tentando me fazer perceber que o que está acontecendo não deveria estar
acontecendo. Pra começo de conversa eu nem deveria ter me enfiado na cama dele pra tirar foto
escondida como uma stalker maluca. Muito menos pegado no sono e acordar enroscada nele
como se fosse meu marido de verdade.
Mas aqui estamos, com Bill Conrad me prensando no colchão enquanto move seus
quadris safados contra os meus soltando gemidos roucos de prazer, ao deslizar os lábios úmidos
e quentes por meu queixo, meu pescoço, me arrepiando inteira e...
— Ahhh I don't want a lot for Christmas… (Ahhh Eu não quero muito nesse Natal) —
Mariah Carey explode em meu celular e Bill levanta a cabeça me encarando atordoado.
Ai merda.
Por alguns segundos ele apenas me encara como se não conseguisse entender o que está
fazendo, ou até mesmo quem eu sou e espero, ofegante, a excitação esfriando conforme ele vai
franzindo a testa em confusão... até finalmente se dar conta do que está rolando e praticamente
pular da cama me encarando em total horror.
— Que diabos?...
— É... oi? — murmuro sem saber o que fazer enquanto Mariah Carey continua a tocar
cada vez mais alto. — Droga. — Pego o celular, apertando para desligar a ligação de Janelle.
Bill está ofegante, passando os dedos pelos cabelos desgrenhados, os olhos pesados de
sono e confusão.
— Que porra está acontecendo aqui como... O que... o que estava fazendo na minha
cama?
— É, eu... — E agora? O que eu falo?
Sou sonâmbula?
Sou uma ninfomaníaca em tratamento que ataca homens durante a noite?
Ou talvez a verdade? “Olha, inventei para minhas amigas que somos casados e aproveitei
para vir tirar fotos suas e sem querer adormeci aqui e você me atacou do nada...”.
Hum, certo. A última parte é boa.
— Você me atacou do nada!
Ele arregala os olhos.
— Não te ataquei!
— Ah não? O que estava fazendo em cima de mim, enfiando a língua na minha garganta
e... se esfregando em mim e...
— Puta merda!
— Vai negar?
— Eu estava... dormindo? — Eu quase fico com pena da sua confusão, mas não posso
contar a verdade sem assumir minha culpa.
— Acho que não! Tinha uma parte de sua anatomia que estava bem acordada, na verdade
ainda está — acuso com ironia, lançando um olhar para a parte em questão.
Ele fica vermelho olhando para baixo e pega um travesseiro segurando na frente da calça
e eu teria rido se não estivesse tentando me safar daquela situação.
— Certo, eu te beijei... — ele fala como se estivesse tentando se lembrar.
— Exatamente! — Continuo usando minha voz acusadora.
— Caramba! Eu estava… não me lembro porque comecei, apenas, acordei e tinha uma
mulher grudada em mim e, acho que foi meio instintivo... Me desculpa. — Ele parece mesmo se
sentir culpado.
— Tudo bem, eu te desculpo. Nem vou te processar por assédio.
— Eu não te assediei! — Ele fica na defensiva.
— Tente falar isso para um júri...
— Inferno! Isso tudo é uma confusão, mas... espera. — Ele franze o olhar e agora sua
expressão que é acusatória. — O que estava fazendo aqui na minha cama?
Ai, droga.
— É eu... eu vim te acordar?
— Me acordar?
— Sim, precisamos ir trabalhar, só quis ser legal e entrei aqui e te sacudi... E de repente
você estava me agarrando e...
— Não me lembro disso. O que eu lembro é que estava deitada junto comigo.
— Você disse antes que nem se lembrava do que fez! Que estava dormindo! Vai mudar
seu depoimento?
— Depoimento? Não estamos num tribunal.
— Enfim, não tente arranjar desculpas para seu comportamento... inadequado!
— Eu já te pedi desculpas.
— E eu aceitei!
— Então por que estamos discutindo?
— Você quem está inventando coisas!
— O que estou inventando? Estou tentando entender por que eu tenho a impressão de que
você estava deitada... em cima de mim?
— Você estava dormindo, não tem como lembrar! Estava confuso...
— Não faz sentido algum!
— Acha que não sei? Eu só fui legal vindo te acordar e de repente sou agarrada e
prensada na cama e...
Nossa, estou lembrando de novo da sensação do peso de Bill sobre mim. De sua boca na
minha, do jeito que ele puxou meu cabelo e...
Que merda Janelle tinha que ligar justo naquele momento?
O que teria acontecido se Janelle não tivesse ligado?
Será que teríamos... continuado?
Eu não teria impedido com certeza.
Minha nossa, quase transei com Bill Conrad, e eu nem sequer gostava dele até ontem!
Mas não gosto dele hoje, gosto?
— Sim, eu te beijei — Bill repete com uma voz estranha e por um momento ele está
passando a língua sobre os lábios como se ainda pudesse sentir meu gosto e isso me deixa
ligeiramente trêmula de novo, como se estivesse sentindo sua língua ali, nos meus lábios...
— Sim, me beijou — repito no mesmo tom do dele. — E eu só não sei por quê?
Sei que deveria estar correndo daquele quarto e pedindo para Bill esquecer o assunto,
mas não consigo me mover. Na verdade, de repente sinto uma vontade inesperada de me mover
sim, mas não pra longe dele, e sim para perto.
E por que Bill me beijou?
Sério que está criando mais uma fanfic na sua cabeça? Eu me repreendo.
Ele estava confuso e agiu por instinto. Provavelmente se o boneco Fofão acordasse em
cima dele, faria o mesmo. É o que os caras fazem, não é? Eles têm ereções matinais e se agarram
a qualquer coisa que se mova e esteja à mão para satisfazer seus desejos sacanas, sem nem ao
menos pensar no que estão fazendo.
Mas eu sabia que Bill estava me beijando. E nem por um instante eu o empurrei como
deveria.
Eu deixei.
Eu queria.
Ainda quero.
Droga.
— Posso perguntar o mesmo.
— O quê? — Eu me faço de desentendida. — Bem, você me beijou primeiro — continuo
com descaso, dando um passo atrás. — E acho que já chega desse assunto, me beijou porque
teria beijado até o boneco Fofão se ele estivesse em cima de você.
— Eu sabia que estava em cima de mim!
— Modo de dizer! — rebato.
— E eu não teria beijado o Fofão.
— Que seja, não me interessa se é um tarado em potencial pela manhã.
— Não sou um tarado potencial pela manhã. Na verdade, em nenhuma hora.
— Bom saber. Quer dizer, não que eu vá ficar aqui mais alguma manhã...
De repente eu me lembro da minha situação de quase sem-teto e me deprimo. Todo o
episódio da pegação havia me distraído do fato de que tenho que decidir o que fazer da minha
vida. E não faço ideia.
— Enfim, preciso me arrumar pra trabalhar e... Não se preocupe. Não vai mais acordar
com a minha presença.
Eu saio apressada, mas quando chego ao quarto que me foi designado, louca para fechar a
porta atrás de mim e soltar um grito contra o travesseiro por ser tão sem noção e me metido
naquela confusão, escuto a voz de Bill e quando me viro ele está ali, me impedindo de fechar a
porta.
— Ella, espera.
— Sim?
— Não precisa ir embora.
— Oh, acho que preciso sim.
— Por causa do que aconteceu?
— Não, quer dizer... Foi esquisito.
— Foi esquisito? — Ele parece meio ofendido? — Esquisito, ruim?
— Quer dizer, não foi horrível, mas meio... inesperado?
— Não lembro de vê-la reclamando.
— Você estava com a língua na minha garganta, ia reclamar como?
— Não lembro de ter me empurrado.
— Eu ia, mas você é muito... forte e seus braços, sabe, tem esses bíceps aí — e aperto seu
braço e no mesmo instante percebo o que estou fazendo e recolho a mão. — Desculpa, só queria
salientar o meu ponto. Quer dizer, eu ia te empurrar, eu ia. Com certeza. — Nossa, a resposta sai
como uma mentira bem esfarrapada e coro ainda mais, porque Bill está percebendo o mesmo.
Mas o que é melhor? Que ele ache que sou a fim dele ou que sou uma maluca mentirosa
que inventou que somos casados e estava tirando fotos dele dormindo?
— Enfim, foi meio constrangedor, para nós dois, acredito.
— Não estou constrangido.
— Mas eu estou!
— Me desculpe, mais uma vez, ok? Tem razão, devo ter parecido um tarado filho da puta
e você só foi legal indo me acordar.
— E agora vai dizer que nunca mais vai se repetir?
— Não consigo.
— O quê?
— Dizer que não vai se repetir.
Oh.
Ele disse isso?
Eu entendi direito?
Por um momento arregalo meus olhos meio em choque e acho que demora uns segundos
para Bill se dar conta do que falou e ele solta um palavrão baixo.
— Merda, espera, não foi isso que eu quis dizer.
— O que quis dizer?
— Eu. — Respira fundo, aturdido. — Droga, acho que estou sendo meio incoerente aqui,
mas desde que acordei com você... nós... enfim, é como se tudo estivesse de cabeça pra baixo e
ao mesmo tempo... sabe a montanha-russa?
— Oi?
— Montanha-russa. Sabe aquele momento em que estamos de cabeça pra baixo? É a
sensação mais assustadora e ao mesmo tempo mais incrível?
Sacudo a cabeça em afirmativa ainda tentando entender onde quer chegar e...
Wow.
Ele disse que me beijar foi assustador e incrível?
— Na verdade, acho que é assim que me sinto desde que te conheci? — Bill parece
atordoado enquanto despeja essas analogias em cima de mim, como se estivesse tentando
explicar para si mesmo algo que nem ele entende.
Eu mal respiro, porque...
Ai meu Deus!
— E...
— E eu odeio montanhas-russas.
— Oh.
Não era bem o que eu esperava ouvir.
— E está me dizendo isso por quê?...
— Bem, eu não sei?
Solto uma risada porque ele parece meio miserável ali, tentando se explicar.
E é meio fofo.
E eu ainda estou meio derretida porque de um jeito estranho ele acabou de dizer que sou
uma montanha-russa.
— Ninguém nunca me chamou de montanha-russa.
— Não disse isso.
— Disse sim!
— Certo, enfim. — Ele respira fundo. — O que quero dizer, acho, é que não precisa ir
embora. Pode ficar o quanto quiser. E eu consigo acordar sozinho.
— Claro que sim. — Nós dois rimos e caramba, estou com os braços cruzados jogando o
peso do corpo de um pé para outro como uma adolescente enquanto solto risadinhas com Bill
Conrad.
Estamos flertando ou o quê?
E eu deveria estar gostando disso?
Acho que não, mas..
— E que eu devo ficar longe do seu quarto, porque você não promete que não vai...
repetir o que fizemos — continuo e não posso evitar a malícia na minha voz, assim como noto o
brilho sacana no olhar dele que me deixa acesa como luzes de Natal de novo.
E estou prestes a pedir que a gente continue de onde parou, mandando o bom senso às
favas quando escuto um celular vibrar e meu olhar vai para a mão de Bill.
— Ah, eu vim devolver seu celular também, esqueceu no meu quarto. — Ele estende o
celular pra mim, e uma tontura de horror, como se adivinhando o que aconteceria a seguir.
Estendo a mão para pegar o celular no mesmo momento em que uma foto aparece.
Uma foto de Bill Conrad dormindo.
Como em câmera lenta, ele franze a testa e recolhe o braço, levando o celular à frente aos
olhos, curioso, enquanto mergulho a mão para tentar tirar o celular dele, mas é tarde. Bill está
passando as imagens.
Aquelas imagens.
As mesmas que eu fiz na madrugada.
E com horror eu me dou conta do que ele está vendo.
Ele mesmo dormindo.
Estou deitada ao seu lado. O beijando.
Enroscada nele, com a cabeça em seu peito...
Bill me encara com um olhar frio como o gelo.
— Que diabos é isso aqui?
Ai merda.
Capítulo 8
Quem é o Mentiroso agora?

E agora?
Minha mente esvazia em pânico e não consigo achar nenhuma desculpa plausível
enquanto os segundos vão passando e o olhar de Bill vai se transformando de confuso para total
horror.
— Você tirou todas essas fotos... de madrugada?
— É... sim?
— Entrou no meu quarto, enquanto eu dormia?
— Sim...
— E deitou ao meu lado e... tirou essas fotos?
— É... isso.
— E parece que... somos um casal? Por quê?
— Então, é uma história engraçada... — Solto uma risadinha besta tentando amenizar a
situação. Talvez consiga transformar tudo numa piada?
— Engraçado? Espera... Você disse que tinha acabado de entrar no quarto para me
acordar, mas essas últimas fotos foram tiradas de madrugada? — Ele volta a fuçar no celular e
empalidece ainda mais e acho que ele achou as outras fotos. As fotos que venho tirando dele sem
que perceba. — Puta merda, que porra é essa? Todas essas fotos... Minha nossa, quem diabos é
você?
Ele dá um passo atrás me encarando como se eu fosse uma psicopata.
— Ei, será que pode devolver meu celular? Não é educado fuçar no celular alheio! —
Consigo pegar o aparelho de volta antes que ele veja as mensagens que troco com minhas amigas
e as mentiras que inventei.
— E é educado invadir o quarto de uma pessoa enquanto ela dorme e... Porra, está me
vigiando? Me seguindo por aí e tirando essas fotos, que tipo de maluca você é?
Eu rolo os olhos, que exagero!
— Não sou nenhuma maluca!
— Não? Então que diabos é isso aqui?
— Tem uma explicação.
— É bom que tenha!
— Então... — Mordo os lábios ainda tentando inventar mais alguma mentira, mas decido
contar a verdade, porque pior que está não pode ficar. — Lembra daquele dia em que tiramos
aquela foto com o filtro de noivos? No seu encontro com a Kendall?
— Sim...
— Eu acidentalmente mandei essa foto para minhas amigas. Sabe, eu tenho três amigas,
melhores amigas, estudamos juntas na faculdade. Janelle, Bria e Eden, e elas são incríveis.
Assim, maravilhosas mesmo e...
— Não quero saber sobre suas amigas.
— Tá, certo, mas é que as três se casaram recentemente e são lindas, ricas e bem-
sucedidas e felizes no amor.
— E o que você ser uma stalker pirada tem a ver com isso?
— Não sou uma stalker! O que está pensando?
— Como explica isso aqui? Sou eu nessas fotos. Desde o dia em que nos conhecemos
está me perseguindo e tirando fotos minhas, por quê? Você tem um altar com minhas fotos, velas
e... arrancou algum fio de cabelo meu? Meu Deus, fez algum tipo de vodu... — Ele parece
apavorado agora. — É por isso que está aqui? Bem que não fazia sentido sentir essa vontade de
te dar abrigo, de te ajudar... Ficar pensando em você quando menos espero, e...
— Para, não fiz nenhum vodu seu, não sou uma bruxa!
— Já me falaram isso antes!
— Agora é você quem está fugindo do foco! Não sou maluca. Não estou te perseguindo
porque estou obcecada por você ou algo assim!
— Não está?
— Agora está sendo ridículo e muito presunçoso! Acha que estou apaixonada por você
ou algo do tipo a ponto de te perseguir e fazer vodu ou sei lá o quê? Fala sério!
— Então como explica isso aqui?
— Estava explicando e me interrompeu. Eu mandei acidentalmente aquela foto nossa
para minhas amigas, que presumiam que éramos... casados.
— Por quê?
— Por causa da foto?
— E você contou que era só um filtro.
— Não.
— E por que não?
— Aí vem a parte engraçada. — Solto de novo uma risadinha que não faz Bill rir de
volta, ele só me encara com raiva. — Eu meio que deixei elas continuarem pensando assim.
— Você não desfez a confusão.
— Não.
— Por que diabos faria isso?
— Você não entende! Estou de saco cheio de ser a amiga perdedora! Todas elas têm
empregos incríveis, ou são herdeiras! E tem casamentos perfeitos e eu sou só a coitadinha da Ella
que nunca dá certo em nada! Eu só queria, pelo menos por um momento, me sentir como elas e...
acho que passei um pouco do limite.
— Espera... Suas amigas acham que somos casados?
— Sim, isso. Mas veja, é só uma brincadeira.
— Brincadeira? Você está mentindo para suas amigas!
— E daí? Não me conhece, não pode me julgar!
— E acha que ia manter essa brincadeira até quando?
— Não sei, eu ia contar a verdade, claro que ia.
— Ia? Mas em vez disso está aqui, na minha casa, entrando sorrateiramente no meu
quarto e tirando fotos enquanto me... molesta!
— Ah para, não te molestei.
— E eu me sentindo culpado por te beijar!
— Mas foi você quem me beijou!
— Foi mesmo? Não estava deitada em cima de mim se esfregando em mim...
Eu fico vermelha como pimentão.
— Só se for em sua imaginação fértil de pervertido!
— Eu sou pervertido? E você? Eu estava dormindo, caralho, o que mais você fez?
— Não fiz nada! Para de falar como se eu fosse uma degenerada lunática!
— Acho que é exatamente o que é. É uma mentirosa compulsiva.
— Não sou!
— Um júri pensaria diferente! — Ele usa minhas palavras.
— Eu não te assediei. E nem te persegui. Já expliquei. Foi só uma mentirinha de nada que
passou um pouco dos limites.
— Um pouco?
— E quando me chamou para ficar aqui, eu pensei por que não? Só vou tirar umas fotos
pra fazer elas acreditarem e...
— Como é que achou que isso era uma boa ideia? Não acha que suas amigas vão ficar
putas quando descobrirem que mentiu pra elas deliberadamente sobre um marido que nunca
existiu?
— Na verdade, acho que não pensei sobre isso...
— Por que não me surpreendo?
— Olha, me desculpa, ok? Eu sei que pareço uma psicopata maluca, mas não é assim. Eu
só...
— Chega, não quero saber mais de suas mentiras. A proposta para ficar aqui estou
retirando agora.
— O quê?
— Sim, pegue suas coisas e dê o fora, o mais rápido possível.
E ele se vira e se afasta, me deixando ali prostrada e arrasada.
Droga!
O que vou fazer agora?
***
Enquanto faço meu trabalho naquela manhã, atendendo os clientes ao som das músicas
natalinas e ignorando os resmungos de Kendall, que continua chorosa depois do fora que levou
de Bill, tento pensar numa saída para minha situação.
Mas não acho nenhuma.
Foi muito azar Bill descobrir as fotos e eu ter que contar a mentira que inventei para
minhas amigas.
E nem posso culpá-lo por ter me expulsado. O que eu faria no lugar dele se descobrisse
que um cara que trabalha comigo há duas semanas fica por aí tirando fotos minhas
sorrateiramente inclusive enquanto eu durmo?
— O que você tem? — Kendall indaga enquanto arrumamos uma arara de roupas de
inverno que chegaram hoje. — Está meio pra baixo.
— Nada.
Não quero contar a Kendall toda a confusão que me meti, ainda mais que diz respeito a
Bill Conrad.
— É algum cara?
— É, mais ou menos.
— Sabia. Homens são uns porcos. Vê Bill Conrad, hoje dei bom-dia e ele me respondeu
todo seco.
— Ele foi grosso com você?
— Estava mal-humorado, não sei como não percebi que é um babaca. Bem que você
disse! Eu nunca devia ter insistido pra sair com ele.
— Espera. Como assim insistido?
— É que ele não queria aceitar meu convite pra sair.
— Você quem convidou?
— Qual o problema? Estamos no século XXI, mulheres podem tomar a frente. E quando
convidei, ele deu desculpas esfarrapadas de que não seria apropriado e blá-blá-blá, mas eu disse
que só íamos jantar como amigos.
— Vocês pareciam num encontro.
— Porque foi um encontro. — Ela pisca. — Eu só falei sobre ser amigos para convencê-
lo.
— Mas no táxi vocês estavam se beijando...
— Eu fui pra cima, né? Era minha chance de mostrar no que sou boa. — Sorri com
malícia. — Claro que ele não ia resistir, mas achei que fosse querer passar a noite comigo, só que
ele não quis. Como pode? Enfim, eu não ia desistir. E quando ele me deu outro fora, inventei que
estava arrependida, mas que ainda podíamos ser amigos.
— Mas vocês não estavam namorando?
— Não foi bem assim. A gente nunca mais ficou, sabe, depois daquela noite, mas achei
que Bill ia se apaixonar por mim. Ele me enrolou nessas duas semanas, me fez acreditar que...
— Kendall, ele deixou claro que só queria ser seu amigo, pelo que está me contando.
— Não deixou! Que homem iria querer ser só meu amigo? Olhe pra mim, olhe pra essa
cintura, sabe que uma vez perguntaram se eu tinha tirado duas costelas, como a Thalía?
Meu Deus, Bill tem razão. Kendall é maluca.
E agora acha que sou outra maluca como ela.
Mas diferentemente de Kendall não estou obcecada por sair com ele. Não mesmo.
— Enfim, cansei de esperar e dei uma cartada final, o convidei pra transar comigo no
provador e ele me deu um fora definitivo.
— Minha nossa, você ia transar com ele no provador?
— Claro! E agora acabou. Estou tão arrasada...
— Não deveria, vocês nem tiveram nada.
— Mas na minha cabeça eu tive.
Eu suspiro com pena da Kendall. Pior que nem posso culpá-la por ter beijado Bill uma
vez e ter ficado caída.
Ele beija bem pra cacete mesmo.
— Enfim, não sei o que fazer.
— Não tem nada pra fazer. Esquece. Olha, vou tirar um minuto pra tomar café.
Saio do nosso setor, mas pela primeira vez, passar um tempo tomando café não me atrai.
Caminho pela loja, com um olhar nostálgico, e sinto uma tristeza infinita tomar conta do
meu coração.
Eu sei o que tenho que fazer. Tenho que pedir demissão e voltar para a casa dos meus
pais.
Eu tentei. Por três anos eu trabalhei e fiz tudo para conseguir a vida que eu sempre
sonhei. Que achei que merecia, mas só meti os pés pelas mãos.
Não fui promovida como almejei. Não tenho um salário decente e agora nem tenho mais
onde morar.
Do que adianta omitir dos meus pais a vida de merda que eu vivo ali, ou inventar
mentiras para minhas amigas sobre minha vida amorosa inexistente? Eu sou um fracasso.
E já está na hora de eu assumir.
Já chega.
Paro em frente a enorme árvore de Natal na entrada, observando as luzes piscantes, os
clientes animados com suas compras natalinas e sorrio com vontade de chorar.
— A senhorita pode me ajudar?
Eu me viro e, segurando uma bengala, com seu terno elegante com gravata borboleta,
Rupert Merlin está me encarando com um sorriso.
— Oh, Senhor Merlin!
Eu me surpreendo ao ver o dono da loja ali me encarando.
— Olá, como vai, Ella, não é?
Como sempre eu me surpreendo por ele ainda lembrar meu nome.
Toda vez que vinha à loja, o Sr. Merlin falava comigo de forma gentil e encorajadora, e
eu adorava suas visitas.
— Sim, Ella Quinn. Que surpresa o ver por aqui.
Sempre que Rupert Merlin aparecia era uma comoção geral que começava uma semana
antes, com Geórgia correndo louca pela loja e se certificando que tudo estaria perfeito.
— Não foi avisado que o senhor viria. — Eu me preocupo de repente. Geórgia vai surtar.
— Eu posso pedir para chamar Geórgia.
— Ah não se preocupe com isso. Geórgia deve estar ocupada, época de Natal é a mais
movimentada do ano.
— Sim, verdade. Eu mesma estava superocupada e... — Espera, por que estou querendo
parecer proativa? Eu nem vou estar por ali por muito tempo. O que faz me sentir triste de novo.
— Enfim, eu posso ajudá-lo em algo?
— Tem uma razão para essa visita inesperada. Certas coisas estão acontecendo que
preciso verificar com meus próprios olhos, mas agora que estou aqui gostaria de dar uma volta
pela loja, a senhorita me acompanha?
— Claro que sim.
E ele me dá o braço, todo cavalheiro me fazendo sorrir enquanto caminhamos pela loja
entre os clientes.
— Eu adoro a época de Natal. Ainda me lembro quando meu pai me trazia aqui quando
era pequeno. Eu esperava por todo ano para ver a decoração de Natal, e, claro, eu podia pegar
brinquedos de presente.
— Deve ser bom ser filho do dono.
— Acha que meu pai me deixava pegar o que queria porque éramos os donos? Não. Ele
era bem duro com isso. Nunca tive privilégios porque era da família Merlin.
— Eu gostaria de ter conhecido seu pai, o primeiro Merlin que fundou a loja. Deve ter
sido um homem incrível e muito inteligente para fundar um negócio desses.
— Ele era sim, mas não pense que conseguiu tudo fácil. Meu pai era filho de um
comerciante do Brooklyn, saiu de casa aos 18 anos para trabalhar em um navio. Depois de cinco
anos no mar, retornou a Nova York e trabalhou na loja da família, uma loja de doces, antes de
abrir seu próprio armarinho, em Manhattan em 1930. Sabe de uma coisa? Essa primeira loja
faliu, assim como outro negócio de produtos secos de mercearia que ele abriu dois anos depois.
— Nossa!
— Mas ele não desistiu. Viajou para Londres por um tempo, trabalhou por um tempo na
loja de um amigo que havia conhecido na época de marinheiro. Ele aprendeu muito com este
amigo. E quando voltou, abriu uma mercearia sofisticada, a Merlin’s, em sociedade com este
amigo inglês, que foi quem investiu. No primeiro dia de operação, a loja faturou US$ 21,06 e as
vendas continuaram a crescer a passos sólidos, com o faturamento bruto do ano seguinte
totalizando cerca de US$ 85.000. Com o tempo, meu pai expandiu suas operações e ocupou nove
edifícios adjacentes, vendendo várias categorias diferentes de produtos e lançando o que viria a
ser conhecido efetivamente como uma loja de departamentos.
— E o sócio dele?
— Alguns anos depois ele comprou a parte do amigo.
— Uau. Que história fascinante.
— Você é uma boa ouvinte, Ella. E é uma garota atenciosa e inteligente. Quanto tempo
trabalha na loja?
— Três anos, senhor.
— Muito bem, acho que tem futuro aqui. — Ele esboça um sorriso triste. — Queria que
minhas netas fossem como você. Interessadas em trabalhar na loja, nos negócios da família.
— Acho que elas se interessam sim.
— Não se interessam nada! Estão loucas para que eu venda a loja para a British
Department Stores.
— British Department Stores?
— É uma holding inglesa que opera centenas de lojas de departamento em vários países.
O velho William sempre quis entrar no mercado americano, ele achou que o pai dele nunca
deveria ter vendido sua parte na loja antes dela se tornar uma das maiores lojas de departamento
do país.
— Velho William?
— O filho do sócio do meu pai. Brincávamos juntos quando criança. Antes deles
desfazerem a sociedade. Eu devia ter uns seis anos, mas quando crescemos e assumimos os
negócios das nossas famílias, sempre nos esbarramos no mundo dos negócios. Ele me faz ofertas
todo ano, mas nunca pensei em tirar a Merlin’s da família. Agora minhas netas não têm o menor
interesse em continuar o legado. Willian expandiu o negócio da família dele em uma grandiosa
holding adquirindo outras lojas de departamento pelo mundo. Ele sempre foi muito ambicioso.
— E o senhor já decidiu vender?
— Eu neguei a última oferta, mas sinceramente...
Antes que o velho continue, meu celular vibra e eu o pego.
— Ah, desculpa.
— Pode atender, querida.
Sorrio sem graça vendo que tem um recado de Janelle pedindo que eu ligue para ela
urgentemente.
— Oh, é casada?
Eu levanto o olhar e vejo que o Sr. Merlin estava olhando por cima do meu ombro e viu a
foto de fundo da minha mensagem que é minha com Bill naquela maldita montagem.
— É, eu...
O velho está olhando agora com um olhar franzido.
— Este é o neto do William?
— O quê?
— A senhorita é casada com o neto do William?
De que diabos ele estava falando, então me lembro...
— Oh, sim, Bill. Ele se chama William, na verdade, às vezes me esqueço e...
— Ella?
Eu me viro e Bill está se aproximando e seu olhar vai de mim para o velho Merlin que
sorri com certa ironia.
— William Conrad III. Eu ouvi dizer que o neto do velho William estava infiltrado na
minha loja, futricando por aqui, mas queria ver com os meus próprios olhos.
Eu espero que Bill negue o que o velho está sugerindo porque não faz o menor sentido.
Mas em vez disso ele sorri com o mesmo sarcasmo do velho.
— Como vai, Rupert?
O quê?
Capítulo 9
A Verdade sobre Bill Conrad
Por Bill Conrad

É o seguinte.
Meu nome é William Conrad III, e sou o neto mais velho do magnata William Conrad.
Minha família tem tanto dinheiro que provavelmente daria para sustentar toda a galera de
um país de terceiro mundo pela vida inteira. E talvez sobre.
Dinheiro nunca foi problema desde que o meu bisavô, Edmund Conrad saiu do exército e
abriu uma pequena loja que se tornaria uma das maiores redes de lojas de departamento do país
em poucos anos.
O sucesso da Conrad’s se deu em grande parte de suas práticas de vendas e propaganda
inovadoras, que mudaram o setor de varejo e fizeram com que multidões de clientes viessem à
loja para ter experiências únicas de compras. E trinta anos depois meu avô assumiu os negócios
da família e se o velho Edmund era inovador, William era ambicioso e o mercado britânico era
pouco para ele. Meu avô começou a investir em outras lojas e cinquenta anos depois, a Conrad é
apenas uma pequena porcentagem do que virou a Holding British Departament Stores.
E onde eu me encaixo em tudo isso?
Até algumas semanas, eu não queria me encaixar de jeito nenhum. Eu estava feliz com a
vida que escolhi viver há cinco anos. Longe dos escritórios da British e do olhar reprovador do
meu avô ranzinza sempre disposto a colocar mais algumas libras em suas contas bancárias. Vovô
não aceitava que eu, o neto mais velho e o herdeiro direto de seu legado, havia deixado tudo para
trás para “desperdiçar a minha vida”. E não adiantava lhe dizer que eu estava fazendo o oposto
disso, mas vovô William não perdia a oportunidade de me cravar de críticas sempre que eu era
obrigado a comparecer a alguma confraternização familiar ou Deus me livre, uma reunião de
acionistas.
— É um absurdo que vire as costas para o legado que construí do nada para ficar por aí
subindo montanhas idiotas e se jogando de precipícios — ele resmungava revirando seu copo de
whisky. Não que vovô fosse um alcoólatra inveterado. Acho que era mais uma mania que ele
tinha para deixar as mãos ocupadas.
— São esportes, vovô.
— Esportes radicais! — Vovó Angelina fazia o sinal da cruz, com suas unhas bem-
cuidadas e sacudindo a cabeça onde um corte Chanel atemporal nem se mexia de tanto laquê.
Vovó era como uma pintura que nunca se deteriorava. Elegante em seu tailleur de grife e cabelos
impecáveis, com um tom grisalho que estava ali desde que nasci. Eu morria de medo dela na
mesma proporção que a amava.
— Sim, é emocionante. Deveria tentar. Vou levar a senhora para pular de bungee jump no
Himalaia, o que acha?
Ela revirava os olhos bem maquiados, mas seus lábios estavam sorrindo. Ela entendia.
Acho que era a única que entendia que eu não podia mais ficar preso em um escritório,
trabalhando 14 horas por dia, apenas para encher os cofres da família de mais dinheiro, sendo
que se parássemos de trabalhar hoje, ainda conseguiríamos sustentar muito bem mais umas cinco
gerações e com todo luxo e circunstâncias.
Mas nem sempre fui assim. Nem sempre eu acordava cada mês em um lugar diferente
disposto a experimentar a emoção e a adrenalina de algum esporte radical, na neve, no mar ou
nas montanhas.
Fui criado sabendo que seria o próximo William na direção dos negócios da família.
Minha mãe, uma modelo alpinista social que virou a cabeça do meu pai, pulou fora do casamento
do qual meus avós foram contra desde o início – mas nada puderam fazer para impedir já que ela
estava grávida – quando eu tinha dez anos. Abriu mão da custódia em nome de uma boa soma de
dinheiro e depois disso se casou ainda mais algumas vezes e eu perdi a conta qual era o número
do marido atual. O quinto ou o sexto? Eu só lembro de comparecer a seu casamento em Dubai há
um ano, com um milionário árabe excêntrico que ficou muito feliz de desposar uma mulher que
embora tivesse 48 anos, parecia que tinha 30.
Eu não tinha ressentimento da minha mãe. Tínhamos o mesmo senso de humor e nos
dávamos bem quase como se ela fosse uma tia legal que me deixava comer doces quando minhas
babás me proibiam.
E vovó Angelina foi minha verdadeira figura materna. A disciplinadora quando eu fazia
alguma traquinagem, amorosa quando contava histórias antes de eu dormir e a apaziguadora das
brigas com meu avô e meu pai quando me tornei adolescente.
Eu tive minha época de rebelde, onde cheguei a ter uma banda punk e me envolvia em
todo tipo de protesto de tudo o que achava injusto no mundo. Protesto contra uso de animais em
pesquisas? Já fui. Protesto contra a guerra no Afeganistão? Já fui. Protesto contra a Brexit? Fui
também.
Vovó dizia que ia passar, era uma fase.
E ela tinha razão, pois quando saí da escola, entrei na faculdade de negócios em
Cambridge como meu pai queria. Estudei e me formei com louvor e entrei na empresa da
família.
Fiz tudo o que queriam que eu fizesse embora às vezes sentisse que o mudo estava
passando lá fora enquanto eu estava enterrado em fusões e aquisições.
Então, tudo mudou quando meu pai morreu do nada. Sem aviso, numa noite de Natal,
William Conrad II teve um ataque fulminante.
A morte do meu pai me fez ver a vida por outra perspectiva. Me fez avaliar minhas
escolhas.
A verdade é que meu pai era o homem de negócio ideal. Ele nunca mais se casou depois
do divórcio. Transformou-se no homem número um no exército do meu avô. Trabalhando
incansavelmente para deixar o espólio da família ainda mais gordo enquanto sua saúde se
deteriorava sem que ele percebesse. Até que não estivesse mais aqui.
Foi a vez do meu avô quase ter um ataque quando comuniquei que estava saindo da
diretoria da empresa sem prazo para voltar. Foi vovó quem o acalmou lhe garantindo que eu
precisava desse tempo para aceitar a morte do meu pai.
Assim se passaram cinco anos. E diferentemente do que vovó garantiu, a cada dia que
passava eu me via mais afastado da vontade de voltar a ser um homem de negócios. Embora eu
não pudesse negar que depois de um tempo já não visse tanta graça em esquiar nas pistas mais
perigosas, ou surfar as maiores ondas do mundo, ou escalar montanhas por diversão.
Decidi que queria me conectar com meu lado espiritual. E por um tempo foi divertido
meditar com monges no Tibete, até que também não via mais graça nos namastê. Então me
envolvi em trabalhos voluntários, enquanto continuava viajando e tentando achar um sentido pra
vida, que parecia cada vez ter menos sentido.
Até que há algumas semanas voltei para Londres para o aniversário do meu avô e
encontrei vovó apavorada porque vovô havia decido que meu primo, Edmund, seria seu sucessor
na empresa.
— E qual o problema? — Fingi que não me importava.
Eu abri mão daquela vida, não?
Mas entendia o pavor da minha avó.
Edmund era o cara mais perdulário, fútil e burro que eu conhecia.
Ele era o único filho da minha tia mais nova, Irene, que se casou com um duque que a
única coisa de valor que ainda tinha era título, e se dedicava a causas filantrópicas cujo único
sentido era fazer jantares beneficentes para as senhoras da sociedade mostrarem os vestidos
novos, enquanto o marido gastava o dinheiro de titia em corridas de cavalo, seu hobby.
Edmund cresceu comigo, mas não poderíamos ser mais diferentes. Ele era dois anos mais
novo do que eu e quando saí da empresa, ele ainda estava na faculdade. Fiquei sabendo que
assim como eu, Edmund entrou na empresa, mas segundo o que vovó me reportava, era péssimo.
Porém havia algo que meu primo era bom. Ele era extremamente charmoso e persuasivo. Vovô o
adorava porque ele sabia como manipulá-lo. Era o queridinho do vovô.
Eu nunca me importei com isso, e talvez não deveria estar preocupado com o fato do meu
avô estar ficando gagá se achava que Edmundo não iria destruir todo o legado da família em
pouco tempo quando a herdasse.
— Você tem que fazer alguma coisa! — vovó exigiu.
— Fazer o quê? Vovô deve estar decidido.
— Só porque você virou as costas à família!
— Eu não virei as costas à família.
— Pois é assim que pareceu. Agora nossa única chance é Edmund. Meu Deus!
— Vovó, Edmund não é tão ruim.
— Não é tão ruim?
— Se fosse assim, vovô não estaria cogitando lhe deixar a presidência da empresa.
— Ele não tem escolha, já que é um ingrato.
— Vovó...
— Mas já chega. Nós lhe demos espaço para viver como queria, nessas aventuras
insanas, religião de charlatões e...
— Buda não era um charlatão...
— E essa mania de ajudar os cachorros.
— São ONGs para proteção de animais, vovó, e não fale como se fosse um trabalho
bobo, é muito sério.
— Eu sabia que devia ter sido mais dura quando aparecia aqui em casa cada semana com
um cachorro diferente! Lembra quando roubou o cachorro dos Johnson?
Não consegui conter uma risada nostálgica. Sim, eu era uma criança estranha que tinha
como traço tóxico roubar cães alheios, mas isso foi antes de entender que não podia sair por aí
roubando o pet dos vizinhos. Então passei a comprar. Usava toda a mesada para negociar e vovó
ficava maluca.
Cheguei a ter mais de dez cães em casa, até vovó me persuadir a doá-los, o que eu fazia
com o coração partido.
— Enfim, já chega. Você vai voltar pra casa e assumir seu lugar.
— Vovó...
— Não quero saber de desculpas. Cinco anos é tempo demais, daqui a pouco tem trinta
anos e não pode agir pra sempre sem responsabilidades. Quer que eu acredite que está feliz?
Bem, não pude contestá-la.
Há algum tempo eu realmente não via mais tanto sentido na vida que levava. Mas voltar
ao mundo dos negócios?
Pensar no triste fim do meu pai me arrepiava inteiro.
— Você deve isso à família! Seu primo incompetente está tomando conta de tudo. Acha
que é justo? Lembre-se que é um dos acionistas e não terá renda alguma se falirmos! E seu avô
não está nada bem...
— O que quer dizer?
— Sabe muito bem. Não vamos durar para sempre, querido. — Ela sorriu, mas eu não via
graça nenhuma.
Eu sempre achei que meus avós eram sim eternos.
Mas a vida não é assim.
E olhando mais atentamente, eu percebia rugas que não estavam ali antes. Vovó também
não estaria neste mundo pra sempre.
E quando eles se fossem, Edmund estaria no comando da empresa que meu pai deu a
vida.
E me sentiria culpado se tudo fosse para o ralo.
Inferno, eu já me sentia culpado e vovó sabia disso.
Ela sorriu com astúcia, enquanto acariciava meu cabelo.
— Volte para casa, querido.
E assim ela me convenceu.
Voltei para Londres, e para a diretoria da British, porém meu avô não estava nem um
pouco convencido de que eu era confiável e estava irredutível em se aposentar e deixar tudo nas
mãos de Edmund que parecia bem presunçoso usando seu terno caro e corte de cabelo de última
moda, enquanto se exibia em sua nova mansão cafona que comprou para a noiva, Chantal, uma
modelo de vinte anos que tinha como maior feito conseguir ser mais burra do que Edmund.
— Desista, primo, passou tempo demais fora, vovô não confia em você — ele dizia ao
fim da festa de noivado que fui obrigado a comparecer enquanto acariciava o pequeno corgi em
seu colo, chamado Valentino.
Pobre cachorro, obrigado a usar pulôver verde combinando com o terno do Ed e o vestido
da Chantal.
— Ed, acha mesmo que você tem capacidade pra gerir a British, achei que não fosse tão
burro.
— Você sempre gostou de me humilhar, Bill, mas agora as coisas mudaram. Eu sou o
preferido. Volte para sua comunidade hippie puladora de bungee jump ou sei lá o que anda
fazendo...
— Querido, estamos te aguardando! Temos fotos para fazer.
Chantal chamou o noivo para a sessão de foto no seu jardim de inverno brega, repleto de
estátuas gregas.
— Agora se me der licença. Eu tenho uma noiva bonita que está me chamando.
Rolei os olhos, com a clara exibição sem sentido do Ed, observando ele largar o cachorro
e ir em direção a Chantal.
O pequeno corgi latiu pra mim e sorri o pegando e o acariciando.
Então saí pela porta levando o cachorro comigo.
— Você não tem cara de Valentino. Tem cara de George. — Sorri, o rebatizando. Sempre
quis ter um cachorro chamado George.
A partir daquele momento, enquanto assistia divertido Chantal e Ed fazerem vídeos
desesperados atrás do cachorro roubado, eu tentava uma maneira de convencer meu avô a me dar
um voto de confiança e quando demonstrou descontentamento ao tentar mais uma vez negociar a
aquisição da Merlin’s, uma das maiores redes lojas de departamento de Manhattan, eu soube que
era o momento de mostrar que eu não estava brincando.
Pesquisei sobre a empresa familiar fundada pelo pai de Rupert Merlin, que foi amigo do
meu bisavô e entendi que adquirir a Merlin’s era mais uma questão de meu avô realizar o desejo
do próprio pai que já foi sócio da Merlin’s em seus primórdios. Ter desistido da sociedade,
alguns anos depois e ver a loja crescer e se tornar um conglomerado de sucesso revoltava meu
bisavô, que passou a vida tentando adquiri-la e agora era a missão do meu avô. Porém, Rupert
Merlin não estava disposto a abrir mão do negócio da família, embora já fosse idoso e as netas
não estivessem nem aí para continuar o trabalho do avô.
Eu me encontrei com as gêmeas Layla e Lily, duas socialites de gosto duvidoso para
moda que me lembravam muito as gêmeas Olsen, e elas estavam mais do que dispostas a ajudar
a convencer o avô.
— Nós tentamos de tudo, ele é um velho turrão — Layla havia dito fumando um cigarro
atrás do outro. Ou aquela era Lily?
— Não temos a menor vontade de gerir a Merlin’s, queremos investir em nossa marca.
Somos estilistas — a outra comentou.
— Acredito que ele já sacou que não adianta contar com a gente, e ele está mais
conformado em vender a loja.
— E o que acha que faria com que seu avô fosse convencido?
— Ele é um velho sentimental. Ele só vai vender se acreditar que as lojas não vão mudar,
que tudo vai continuar como sempre foi, então ele quer alguém que respeite este legado e
conheça a loja a fundo.
— Sim, vovô é muito sentimental. Se você mostrar pra ele que conhece a Merlin’s a
fundo, que a ama ou sei lá o quê, talvez o convença.
E assim, peguei George e fui para os Estados Unidos, disposto a me infiltrar na Merlin’s
por um tempo e conhecer aquela loja de cabo a rabo e mostrar ao velho que vender a loja para a
minha família era o melhor negócio.

Eu havia conseguido aquele cargo com a ajuda de Lily e Layla, que convenceu Geórgia
que eu era apenas um amigo pedindo um emprego. Não foi difícil. Geórgia não queria contrariar
as netas do velho Rupert.
Foram duas semanas interessantes. Muito mais do que eu previra, na verdade, e isso tinha
a ver com a garota que está ao lado do velho Merlin’s.
Ella.
Cruella.
Sério, eu deveria saber que tinha alguma coisa errada com aquela garota quando a vi atrás
de mim na cafeteria, descalça. Quem em sã consciência andava descalça pelas ruas de Nova
York?
E ela roubou a porra do meu café.
Sério? Achei que nunca mais fosse encontrá-la na minha frente, e ficaria feliz com isso
quando a vi na sala de reunião quando Geórgia me apresentou à equipe.
Ela também não esperava me ver e foi divertido provocá-la, observando seu rosto corar
de medo de ser delatada como a ladra de café.
Por um momento cogitei dedurá-la quando a vi me chamando de “gostoso, porém
babaca” quando a encontrei na sala de café, mas eu não era esse tipo de pessoa. Na verdade, eu
era conhecido por ser bem idiota em se tratando de ajudar os outros. E havia algo no olhar de
desprezo que Ella me lançava enquanto me bombardeava de insultos em resposta às minhas
provocações que parecia muito vulnerável.
E quando ela me beijou nas escadas depois que insinuei que teria que me dar algo para
me calar sobre seu pequeno furto, foi inesperado e... interessante.
Na verdade nem chegou a ser um beijo, mas naqueles poucos segundos em que me
prensou contra a parede e encostou os lábios impertinentes nos meus, eu me vi querendo mais.
O que era meio surreal.
Ella claramente não ia com a minha cara e eu ainda não tinha me decidido se simpatizava
com ela ou não.
E eu sou um cara amigável. Não costumo ter ranço de pessoas gratuitamente, embora Ella
pareça ter se esforçado para que eu não gostasse dela desde a hora em que nos esbarramos na
cafeteria.
Claramente decidiu que não gostava de mim e depois de seu ataque repentino resultar
numa queda, eu me surpreendi por entender que ela achou que eu havia insinuado que queria
algum favor sexual em troca do meu silêncio.
Pelo amor de Deus!
Uma alerta acendeu na minha cabeça. Ella era confusão na certa e o melhor que eu fazia
era esquecer aquela... curiosidade que ela havia me despertado e me manter focado no meu
verdadeiro objetivo na Merlin’s.
Só que ela me beijou de novo naquela noite, quando estava em um encontro com
Kendall. Aceitar sair com Kendall não foi a melhor decisão que tomei na vida, mas ela era bonita
e simpática, por que não? Apenas um jantar amigável não tinha problema algum, e foi só quando
cheguei lá que percebi que Kendall tinha outras ideias depois do tanto de insinuação que
começou a jogar em cima de mim.
Em minha defesa, fazia uns dois meses que eu não transava e Kendall era sexy. E fácil.
E completamente louca, como percebi depois, mas naquele momento, eu quase me
convenci que não teria problema nenhum me divertir um pouco.
Mas Ella se colocou no meu caminho mais uma vez. Sério? O que o universo estava
tentando me dizer jogando aquela garota em cima de mim nos momentos mais estranhos?
Ela estava linda. E em um encontro desastroso. E me beijou de novo.
Naquele momento, cogitei dispensar Kendall e salvar Ella do Lorde Farquaad, lhe
brindando com um final de noite bem mais interessante do que ela teria com aquele babaca. Mas
aí também seria um babaca se fizesse isso, embora não pudesse negar que quando Kendall
chamou Ella para beber com a gente e ela indagou se estava a chamando para um ménage que
minha cabeça deu uma bugada nada cristã.
Mas a vida é feita de escolhas e consequências e, no caso, eu não escolhi ter um encontro
amoroso com Kendall, mas não podia dispensá-la para ficar com a amiga dela. Seria escroto
demais.
E quando Kendall me atacou no táxi, eu só pensava que não era a boca dela que eu
gostaria de estar beijando. Quão ferrado estava?
Dispensei Kendall enquanto Ella dormia no táxi e quando a deixei em casa, e insinuei que
poderia me chamar para tomar um café, eu não tinha boas intenções, mas levei um fora.
— Não vai me convidar nem pra tomar café, já que lhe dei carona?
— Claro que não! Espera... achou que ia se dar bem comigo? — Riu da minha cara.
— E você acha que eu iria querer transar com alguém como você? — Para manter a
dignidade só me restou mentir, embora meu pau estivesse gritando se pudesse falar “Transaria
sim. De todas as maneiras. Agora mesmo.”.
— Que bom que estabelecemos que aqui ninguém está interessado em ninguém. — Ela
deu a conversa por encerrada, o que encerrou também qualquer ideia estapafúrdia que eu pudesse
ter de convidá-la pra sair.
Talvez por isso eu tenha me deixado levar pela falsa amizade de Kendall para me distrair,
embora os sinais estivessem todos ali. E quando ela me pôs contra a parede, percebi que esperava
que nossa “amizade” evoluísse para algo mais que só existia em sua cabeça. Tentei ser o mais
gentil possível para explicar que eu não estava interessado nela desta maneira e ela me acusou de
ter a iludido.
Puta merda.
E eu achando que o interesse meio obsessivo de Kendall fosse o ápice da minha
passagem pela Merlin’s. Mas provavelmente eu tinha algum ímã de atrair malucas?
Passei aquelas duas semanas fingindo que não me importava com Ella Quinn enquanto
não perdia a oportunidade de provocá-la e acirrar ainda mais o ranço que ela nutria por mim. Que
aparentemente também tinha a ver com o fato de ela ter almejado o cargo que agora era meu.
Bem, eu nem era um funcionário de verdade e se comprasse a loja talvez ela pudesse ser
promovida, embora eu não tivesse certeza se seria o ideal. Ella parecia ambiciosa, mas eu a via
mais na sala tomando um café atrás do outro do que trabalhando.
E foi onde eu a encontrei surtando ontem.
Inferno, devia ter a ignorado, mas de repente me vi compelido a ajudá-la quando disse
que foi expulsa pela colega de apartamento.
O que foi um erro colossal, porque descobri que ela é mais maluca do que Kendall.
Eu deveria saber que alguém que joga um cachorro pela janela não seria boa pessoa.
Ainda sinto arrepios de horror ao me recordar que estava muito disposto a continuar de
onde paramos quando fui atrás dela no quarto.
Ainda me sentia meio confuso da forma que nos atracamos na minha cama, porque
embora aquela situação fosse algo que tivesse passado pela minha cabeça várias vezes, ainda era
bizarro que eu tivesse acordado com ela ali, grudada em mim e muito disposta a aceitar meus
avanços. Quando me dei conta do que estava rolando, eu me afastei porque alguma coisa parecia
não estar certa.
Se eu queria? Óbvio que sim.
Mas algum sexto sentido deve ter me alertado.
E ao me deparar com as fotos em seu celular, acho que me senti como as vítimas do
serial killer Dahmer quando eram levadas para seu apartamento para serem abatidas.
Quem diabos era Ella Quinn?
E eu nem sei o que era pior, acreditar que Ella era secretamente obcecada por mim ou
aquela história estapafúrdia que inventou de marido de mentira.
Minha nossa!
Mas ali decidi que bastava.
Eu precisava colocá-la pra fora da minha vida antes que me visse compelido a dar
atenção àquela voz no fundo da minha mente que dizia “E daí que ela é louca? Você está a fim
dela desde a hora que ela te beijou naquela escada, seu idiota.”.
Mas eu sabia o que uma maluca era capaz e não estava disposto a passar por isso de
novo.

Agora eu encaro Rupert Merlin, a quem havia conhecido anos atrás em uma conferência
em Zurique que compareci com meu avô e meu pai, e me surpreendo por ele ainda se lembrar de
mim.
Merda.
E Ella está ao seu lado enquanto o velho expõe meu disfarce me encarando com os olhos
arregalados, mas eu a ignoro me concentrando em Rupert Merlin. Não posso pôr tudo a perder.
— Como vai, Rupert? Será que podemos conversar?
— Muito bem, rapaz. — O velho concorda, o que acredito ser um ponto a meu favor que
não esteja chamando os seguranças para me colocar pra fora.
Eu olho para Ella.
— Pode nos dar licença, Ella? Acho que Kendall está precisando de você no seu setor?
Ela pisca, meio que saindo do transe.
— Sim, claro, eu...
E ela sai praticamente correndo para meu alívio.
Eu posso lidar com Ella depois.
— Pode me explicar o que faz aqui, Conrad?
— Acho que deve saber. Nós queremos comprar a Merlin’s. O senhor já recebeu uma boa
oferta, não?
— E acha que devo aceitar? Enquanto se esgueira sorrateiramente pela minha loja?
— Eu queria conhecer o funcionamento da Merlin’s a fundo. Respeito o seu legado e a
maneira que conduz os negócios. Queria entender como funciona por dentro. E convencê-lo que
não queremos destruir o que construiu.
O velho avalia minha fala.
— Acha que devo acreditar em você?
— Esta loja já pertenceu à minha família. Fomos nós que investimos dinheiro aqui, seria
justo que continuássemos o seu legado, já que suas netas não parecem dispostas a tanto.
— Ah sim, aquelas meninas são um desgosto!
— Sinto muito, mas se não decidir agora o que fará, quando não estiver mais aqui, elas
poderão vender para quem bem entender.
— Tem razão. Eu gostaria que a Merlin’s ficasse nas mãos de alguém que entenda como
é importante manter as tradições.
— E eu entendo. A Conrad’s é muito parecida com a Merlin’s. E eu pude ver isso com
meus próprios olhos trabalhando aqui.
— E está casado com uma de minhas funcionárias mais antigas...
— O quê?
Do que diabos ele está falando?
— Devo dizer que gosto muito da Ella. É uma moça excelente. Se ela confia em você,
talvez seja algo positivo.
— Ella? Mas, espera... — Porra, Ella falou para o velho Merlin que somos casados?
Ela pirou de vez?
— Então quer me convencer a vender, não é?
Eu sacudo a cabeça, confuso
— Sim, claro, mas sobre a Ella...
— Sim, acho que posso te dar um voto de confiança. Quero te conhecer melhor, rapaz.
Pedirei aos meus advogados que avaliem novamente a oferta.
Isso!
— Ótimo, estarei à disposição para o que precisar. Podemos marcar uma reunião e lhe
mostrar meus planos para o futuro da Merlin’s e...
— Então está mesmo disposto a me convencer que vai cuidar da Merlin’s como merece?
Como posso confiar em você, rapaz?
— Eu sou um livro aberto. Pode fazer a pesquisa que quiser sobre mim. E claro que
gostaria que pudesse me conhecer melhor, aproveitando que estou no país...
— Claro, boa ideia. Haverá uma festa de fim de ano na minha casa de campo. Venha com
Ella e vamos conversar.
— Com Ella?
— Sim, sua esposa. Adoraria conhecê-los melhor, se vão ser os próximos donos da
Merlin’s. — Ele pisca. — Acho que tem razão, chegou a hora de tomar uma decisão sobre o
futuro da Merlin’s. Sabe que eu também conheci minha esposa na Merlin’s? Ella me lembra
muito minha querida Faith...
E estou pronto a negar que eu tenha qualquer laço matrimonial com Ella Quinn, mas me
calo.
Eu já menti para trabalhar na loja. O que acontecerá se disser que também é mentira que
sou casado com Ella Quinn a quem o dono da Merlin’s parece simpatizar tanto?
Aparentemente o velho é um romântico sentimental como disse suas netas. E posso me
aproveitar disso.
— Sim, nós iremos, eu e... minha esposa, Ella.
Que Deus me ajude.
Capítulo 10
Um Pedido de Casamento do Marido de Mentira

Eu ainda estou atordoada, andando de um lado para o outro da loja sem rumo e
tropeçando nos clientes ávidos por fazer suas compras de Natal, tentando entender o que acabou
de se passar.
Como assim Rubert Merlin conhecia Bill? E quem era esse tal de William avô de Bill?
“Eu ouvi dizer que o neto do velho William estava infiltrado na minha loja, futricando
por aqui, mas queria ver com os próprios olhos.”, o Sr. Merlin havia dito.
Como assim?
De repente me recordo da teoria de Drew.
— Não!
Será que Drew tinha razão?
Então quem era Bill Conrad de verdade?
— Oi, o que faz por aqui? Dia movimentado, né? — Donna passa por mim para atender
uma senhorinha que lhe pede um scarpin número 38 e interrompo meus passos, notando que
estou no departamento de calçados.
— Sim, muito... — murmuro e pegando meu celular no bolso me sento sobre um pufe
livre e abro o Google.
Jogo William Conrad e lá está.
Um velhinho no estilo do Sr. Merlin.
— O quê? — sussurro com minha cabeça explodindo ao ler a biografia do velho
bilionário presidente da Holding British Departament Stores.
Claro, então eu me recordo da história do Sr. Merlin sobre as origens da loja. O amigo
inglês que foi sócio do pai dele, era o bisavô do Bill!
E o Sr. Merlin disse que o filho do Edmund queria comprar a Merlin’s de qualquer jeito,
que fez inúmeras tentativas sem sucesso.
Minha nossa, Drew tem razão. Bill é uma espécie de espião!
Mas é pior do que pensávamos. Ele é neto deste tal de William Conrad.
De repente aquele apartamento enorme e chique faz total sentido. O fato de eu ter achado
que Bill era rico quando botei meus olhos nele naquele Café.
Porque ele é mesmo rico!
Ele é o herdeiro de um bilionário.
E está ali na Merlin infiltrado pra quê?
— Mas que mentiroso filho da puta! — murmuro me sentindo enganada.
Bill Conrad é uma farsa!
Que canalha! Penso ultrajada.
E ele ainda havia me dado lição de moral hoje cedo, me chamando de maluca! Enquanto
não passava de um mentiroso que enganava todo mundo.
Tomara que o velho Merlin esteja expulsando-o aos pontapés da loja. É o que ele merece.
Antes que eu guarde meu celular, vejo que há movimentação no grupo das minhas
amigas e Bria acabou de postar uma foto de uma árvore de Natal gigante.

O que acharam da minha árvore? Este ano resolvi fazer algo mais simples.

Simples?
Minha nossa!
Em seguida ela posta uma foto dela com um vestido vermelho chique, com o marido ao
lado. Os dois sorrindo daquele jeito que as pessoas ricas que nunca atrasaram um boleto na vida
sorriem.
Em seguida, Eden posta uma árvore que tem a metade do tamanho da árvore de Bria, mas
que me faz sorrir enternecida e um pouco invejosa quando ela posta uma foto dela em frente
mostrando sua enorme barriga.

A minha não é tão grande quanto a sua, mas devido ao tamanho da minha barriga, Erik
teve que montar sozinho.

Mas ficou linda! Embora a Janelle com certeza vá postar uma foto com uma árvore
gigante que fala ou algo assim. Comento.

Aliás, cadê a Janelle? Eden indaga.

Acho que ela postou uma foto no aeroporto, está indo viajar, mas não postou para onde.
Bria responde. E queremos a foto da sua árvore, Ella.

Ai, droga.
Por um momento, as acusações de Bill voltam à minha mente.
Sim, eu sei que fui longe demais e talvez já seja hora de contar a verdade e acabar com
aquela pegadinha de mau gosto.
Mas quem é Bill Conrad para me dar lição de moral?
Sem pensar muito, entro num desses aplicativos de montagem e não é difícil achar uma
árvore de Natal. Encontro uma das fotos que tirei do apartamento de Bill, insiro a árvore
digitalmente, e me coloco na frente.

Não demora para minhas amigas reagirem.

Que linda! Ah amiga, estou com lágrimas nos olhos de ver como você está feliz! Posta
uma foto com o seu marido! Estou louca para conhecê-lo pessoalmente. Bria comenta.

Sim, quando vamos conhecê-lo?


É, nunca? Penso com ironia e pesar.

Talvez eu deva responder exatamente isso e acabar logo com aquela farsa, mas quando
levanto a cabeça me deparo com Morgana avançando em minha direção brandindo alguns papéis
como se fossem armas.
— Morgana, o que faz aqui?
— Vim lhe trazer a conta do veterinário.
— O quê? Ficou louca? — Pego os papéis, aturdida.
Pois é só o que me faltava!
— E você acha que eu iria arcar com esta conta quando foi você quem tentou assassinar o
pobre Roberto?
— Morgana, não vou pagar nada! Roberto é seu cachorro!
— Que está hospitalizado por sua culpa!
Bufo, enquanto passo os meus olhos pela conta e...
— Isso é muito caro! Não tenho este dinheiro!
— Não me interessa! Vou denunciá-la à polícia se não pagar!
— Denunciar?
— Sim, como tentativa de assassinato.
— Isso é ridículo.
— Maus-tratos a animais!
— O que está acontecendo aqui?
Eu levanto a cabeça e Bill está se aproximando.
— Nada! Não se intrometa — resmungo e encaro Morgana. — Dê o fora, Morgana, não
vou pagar conta de veterinário nenhum.
— Vai sim!
— Quem é você? — Bill ignora meu pedido pra não se intrometer e para ao nosso lado.
— Ninguém, ela já está indo embora... — Noto que alguns clientes estão começando a
prestar atenção na confusão e Donna está parada próxima sem saber se ri ou não.
— Não vou sair daqui até que me pague o que deve! Quer mesmo este carma para si pra
sempre? Sabe o que o universo faz com quem rouba dos outros?
— Eu não te roubei nada!
— Pois o carma não vai te deixar em paz! — E sem aviso ela começa a falar numa língua
estranha e fazer uma dança mais estranha ainda.
Minha nossa!
— Vou chamar a segurança — Donna anuncia.
— Quem é essa maluca? — Bill indaga horrorizado.
— Essa é a Morgana, a dona do Roberto, sabe, o cachorro...
— Ah, entendo.
— Senhora, tem que nos acompanhar. — Dois seguranças se aproximam e levam
Morgana que está me amaldiçoando em alto e bom som.
— Por que ela está aqui?
— Está me cobrando a conta do veterinário do cachorro! — Eu mostro os papéis na
minha mão. — Acha mesmo que eu vou pagar? Ela está louca!
— Acho que ela tem razão. Você quem agrediu o cachorro dela.
— Mas nem se eu quisesse. Não tenho dinheiro nem pra comprar um sapato. — Pego um
par de Scarpins vermelho fabulosos e olho o preço. — E olha que estes estão com 30% de
desconto! Acha que tenho grana pra pagar conta de veterinário?
Eu suspiro, me sentindo subitamente cansada.
— Eu poderia surtar agora, sabe?
— Por favor, não surte de novo. Alguns clientes ainda estão nos espiando pra ver se vai
ter mais algum escândalo.
Sim, tem uma velhinha nos seguindo, fingindo que está olhando os preços da aérea de
promoção.
Meu Deus, quanta gente fofoqueira!
— Olha, me desculpe por isso, ok? Eu não sabia que a Morgana iria aparecer aqui me
amaldiçoando! Espera, por que estou te pedindo desculpa? — Me recordo subitamente de quem
é Bill. — Seu... mentiroso!
— Quem diz! — Ele ri com ironia.
Abro a boca, ultrajada.
— Como se sua mentira não fosse pior que a minha.
— A sua mentira é pior que a minha.
— Não é! Eu nem sei quem diabos é você! Quer dizer, eu entendi que é neto de um
figurão? O mesmo que quer comprar a loja do Sr. Merlin... E aquele apartamento é seu, não é?
— Não é meu, é do meu avô.
— Então não tem amigo nenhum, como inventou.
— Me pegou.
— Como pode ser tão cara de pau e mentir assim?
— Posso te fazer a mesma pergunta.
— Mas eu tenho meus motivos!
— E eu tenho os meus.
— Que são quais?
— Meu avô quer comprar a rede Merlin’s e quero convencer Rupert Merlin a vender.
Conheci as netas dele e elas me disseram que uma maneira é convencê-lo que conhecemos a loja
a fundo, que respeitamos seu funcionamento e que cuidaremos do seu legado.
— E por isso se infiltrou aqui?
— Sim, exatamente por isso.
— Mas agora você foi descoberto e aposto que o Sr. Merlin deve estar bem bravo.
— Na verdade, não foi bem assim.
— Então vai continuar por aqui fingindo que é um de nós como supervisor de vendas?
— Ficarei por aqui até convencer Rupert Merlin e acredito que isso acontecerá antes do
Natal.
— Eu duvido.
— Está torcendo contra?
— Estou sim. Não quero que a Merlin’s seja vendida para alguém como você!
— Nem me conhece.
— Não conheço mesmo e nem quero conhecer.
— Ei, espera... — Ele levanta a mão como se fosse se explicar.
— E ainda ficou me dando lição de moral! Seu cretino! Chernobyl... — Antes que
continue a destilar meus insultos, meu celular vibra e eu o pego, sentindo a cor fugir do meu
rosto quando vejo a mensagem de voz Janelle.

— Oi amiga, acabei de chegar em Nova York. Não é o máximo? Vim fazer compras de
Natal e aproveitar e conhecer você e seu novo marido! Podemos jantar hoje? Ah, acabei de
fechar nossa viagem de fim de ano! Daqui a uma semana, todas vamos para um fim de semana
em Vermont, não é demais?

Ah. Meu. Deus.

— O que foi? Parece que vai vomitar? — Bill estuda meu rosto meio preocupado.
— Acho que estou tendo um ataque cardíaco! Minha amiga Janelle está em Nova York,
ela está nos convidando pra jantar. Quer que a gente viaje com ela e Bria e Eden para um fim de
semana em Vermont...
— Ah, entendi
— Por que está tão calmo? Eu estou surtando!
Eu me sento sobre um dos pufes escondendo o rosto entre as mãos.
— Eu sabia que uma hora eu seria descoberta. Que teria que passar a humilhação de
contar às minhas amigas que inventei um marido. Por que fui tão idiota e comecei essa história?
Minha nossa, esse é o pior Natal de todos!
— Acho que está sendo um pouco pessimista.
Eu o encaro irritada.
— Pessimista? Quase matei um cachorro, fui expulsa pela minha colega de apartamento,
não tenho onde morar, e para me sentir melhor inventei um marido imaginário para minhas
melhores amigas que agora vão descobrir que sou uma fracassada. E aí vou ter que voltar pra
casa dos meus pais e contar a eles que sou uma perdedora. Que Nova York não é um sonho,
longe disso. — Começo a chorar. — E eu não tenho sapatos... E Morgana me amaldiçoou pra
sempre. — Encaro Bill, tentando manter o catarro que começa a escorrer do meu nariz dentro
dele, mas sem muito sucesso. — E se ela tiver razão e isso for um carma?
Bill sustenta meu olhar com uma expressão impassível. Provavelmente está pensando que
tem sorte de em pouco tempo não precisar mais ter que conviver comigo.
Talvez esteja chegando à conclusão de que sua primeira missão como dono da Merlin’s
será me demitir.
— Quanto você calça?
— O quê?
— Acho que é 36 — Donna comenta não de muito longe e eu franzo o olhar, confusa.
Ele se levanta, e eu fico ali, confusa e fungando, me sentindo miserável ao som de
Mariah Carey.
— Certo, já chega. Vamos acabar com isso. — Bill retorna e eu o assisto, aturdida, ele se
ajoelhar na minha frente e tirar meu sapato, colocando no lugar um outro par vermelho fabuloso.
— Serviu — Donna comenta ao seu lado.
— O que é isso?
— Estou de saco cheio de você resmungando que não tem sapatos.
— Roberto comeu todos os meus sapatos. — Volto a chorar.
— Quem é Roberto? — Donna indaga confusa.
— Melhor nem saber, Donna — Bill comenta, divertido, sentando ao meu lado enquanto
ainda admiro os sapatos. Acho até que ver aquela preciosidade em meus pés me fez ficar 10%
menos triste.
— E você vai levar o sapato?
— Não, eu...
— Sim, ela vai levar este e pode pegar um de cada cor. — E o queixo de Donna cai assim
como o meu quando Bill lhe entrega um cartão de crédito.
Ela se afasta, me lançando um sorriso malicioso que me deixa vermelha porque acabou
de parecer que Bill é meu sugar daddy ou algo assim e absolutamente não é nada disso!
Antes que eu consiga abrir a boca para protestar, meu celular toca e eu vejo que é Janelle.
— Ai droga, é Janelle... — Sinto meu estômago revirar.
E de repente Bill está pegando o celular da minha mão e atendendo.
— Ei...
— Olá, Bill Conrad falando.
Arregalo os olhos, em total horror enquanto Bill escuta seja lá o que Janelle está dizendo.
— Sim, sou eu mesmo, o marido da Ella. — Ele sorri todo simpático e eu quero morrer.
Ou matá-lo.
Não sei bem ainda.
— Claro, você pode vir jantar no nosso apartamento hoje. Nove horas está bom pra você?
— O que diabos ele está fazendo? — Tudo bem, combinado. Ella vai ficar feliz em rever você.
Estou louco para conhecer uma das amigas da Ella. Até mais.
Ele desliga e me entrega o celular e eu ainda estou estarrecida.
— Você acabou de dizer a minha amiga Janelle que é meu marido e a convidou para
jantar? Por acaso caiu e bateu a cabeça?
— Não. — Ele ri.
— Não é engraçado! Qual o seu problema?
— Na verdade, estou tentando resolver o seu problema?
— Como? — Eu o encaro me perguntando se Bill Conrad tem algum desvio mental que
não me contou.
— É o seguinte. O que você acha de nos casarmos de verdade?
Oi?
Capítulo 11
A Volta de Roberto

— De que hospício você fugiu? — É só o que me ocorre quando consigo encontrar minha
voz perdida em choque depois da proposta estapafúrdia do Bill.
E em resposta ele ri.
Assim, como um maluco faria enquanto dá pulinhos vestindo sua linda camisa de força.
— Eu sei que parece uma ideia maluca...
— Porque é! — Eu me levanto e me afasto quase correndo.
— Ella, espera.
— Me deixa em paz seu... psicopata!
Abro a porta corta-fogo para subir as escadas para meu departamento.
Se bem que acho que neste momento preciso urgente de uma caneca de café, mas não
tenho sorte em minha fuga, pois Bill está bem atrás de mim.
— Ella...
— Já disse pra me deixar em paz.
Porém, ele segura meu braço, me obrigando a parar.
— Pode me escutar por um instante?
— Não! — Volto a subir as escadas.
— Está sendo irracional...
Giro nos calcanhares indo pra cima dele como fui na manhã em que nos conhecemos.
— Eu que sou irracional? Acabou de pedir que eu me case com você!
Ele ri de novo e eu rosno com mais raiva ainda.
— E para de rir, porque não é engraçado.
— É sim. Está brava comigo sendo que foi você quem começou com essa maluquice de
fingir que sou seu marido.
— Disse bem, fingir!
— Então, já que está fingindo...
— Você é louco?
— Se parar por um momento e me escutar, vai entender o que estou te propondo...
— Está me propondo casamento! Puta que pariu!
— Sim, um casamento que no seu mundo de fantasia já existe e foi sem noção o
suficiente para contar essa pequena alucinação para Rupert Merlin!
— O quê? Eu não contei nada!
— E como foi que ele chegou a essa conclusão se não com você espalhando esse delírio?
— Eu não fiz nada disso! Ele viu a nossa foto no celular sem querer e perguntou você é
casada com o neto do William?
— E você respondeu não, senhor, eu sou uma louca que inventei que sou casada com ele
enquanto o molesto dormindo!
— Eu não te molestei!
— Então a culpa é sua!
— Culpa minha do quê?
— De fazer acreditar que somos casados e agora Rupert Merlin está nos convidando para
um jantar de Natal em sua casa de campo.
Abro a boca, perplexa.
— Jantar com o Sr. Merlin? Eu e você? Por que diabos ele ia me convidar?
— Porque ele acha que somos casados, qual parte ainda não entendeu?
— E por que não desfez esse mal-entendido?
— Porque agora preciso que sejamos casados para convencer Rupert Merlin a vender a
Merlin’s.
— Como é que é?
— Rupert gosta de você e eu não queria contar que essa história de casamento é uma
farsa, porque eu já acabei de ser pego na minha própria farsa.
— E agora, depois de me esculhambar por eu ter mentido para minhas amigas, quer fazer
o mesmo com o Sr. Merlin? Quer fingir que somos casados?
— Não posso mentir para o Rupert.
— Mas já mentiu.
— Na verdade, quem mentiu foi você.
— Para de jogar a culpa em mim! Podia ter explicado a verdade e escolheu mentir!
— Não seria mentira se fôssemos casados de verdade.
— Meu Deus, não pode estar sugerindo tal absurdo!
— Sim, pode ser um absurdo, mas nós dois nos beneficiaremos dessa farsa.
— Só que não seria uma farsa! Está pedindo que eu case de verdade com você!
— E não vai estar mentindo mais para suas amigas, se estivermos casados... — diz num
tom sugestivo que sabe que vai me fazer pensar.
E é o que eu faço.
Por um momento me permito escutar a proposta bizarra por outra perspectiva.
Sim, eu menti para Bria, Eden e Janelle.
Janelle que falou com Bill ao telefone e está vindo jantar...
Minha nossa, eu tinha me esquecido disso.
— Sim, sua amiga Janelle em poucas horas estará aqui... — Bill concorda e percebo que
pensei alto.
— E daí? Acha que vou me casar com você só porque inventei que era casada com você?
— Está se escutando?
— Você entendeu! Seria ridículo que aceitasse me casar apenas para não passar por
mentirosa para minhas amigas e... Oh. Até que não parece uma má ideia, pensando assim.
Então Bill sorri ao perceber o rumo dos meus pensamentos.
— Sim, você não estaria mentindo se estivéssemos mesmo casados.
— Mas isso é insano, não pode querer... se casar comigo. Nós não somos um casal! A
gente mal se conhece. E eu nem gosto de você, na verdade.
— Se não gosta de mim porque inventou que sou seu marido?
— Foi um acidente, já falei! Uma farsa que passou um pouco dos limites. Farsa! Espera...
Se quer tanto que o Sr. Merlin acredite que somos casados e eu preciso que você minta para
minhas amigas, por que não fazemos um simples acordo de continuar mentindo? Eu vou neste
jantar com o Senhor Merlin e você viaja comigo e minhas amigas.
— Não. Rupert Merlin não é um idiota. Você acha que ele não pode verificar muito
facilmente que mentimos? E não posso botar uma negociação dessa magnitude a perder por
causa de uma mentira.
— Mas está pedindo que eu minta...
— Não, estou pedindo que seja minha esposa.
Ele diz com tanta convicção que me deixa sem ar por um momento.
— Uau. Está falando sério? — indago impressionada.
Acho que ainda acredito que ele iria rir e dizer que era uma piada.
Mas Bill nem pisca.
Este cara que conheço há menos de um mês.
De quem roubei um café. Que me roubou a promoção dos meus sonhos.
Com quem tenho vivido como gato e rato desde então está me pedindo para me casar
com ele.
E pior.
Estou seriamente cogitando aceitar.
Quão maluca estou?
Mas Bill tem razão em dizer que, se eu me casar com ele, não estaria mais mentindo para
minhas amigas.
Não deixa de ser um alívio, mas...
Me casar com Bill Conrad?
Eu respiro fundo.
— Me explica como seria isso?
— Tudo bem, vamos sair daqui.

Encaro Bill do outro lado da mesa quando ele se senta colocando um café na minha
frente.
Parece meio irônico que estejamos justamente no Café onde nos conhecemos.
Depois que saímos das escadas, Bill sugeriu que deveríamos ir até um Café próximo à
loja.
— Estamos em horário de trabalho!
— Eu sou seu chefe, esqueceu?
— De mentira.
— Que seja. Vamos, eu aviso Geórgia.
Agora eu o encaro, esperando que explique pra mim o que está pretendendo.
— Seria um acordo — explica com uma voz muito profissional, que não deveria ser sexy,
mas é. — Meus advogados redigirão um contrato de casamento, onde ficaria muito claro este
fato.
— Um contrato... — Nossa, de repente parece que estou numa daquelas cenas de novela
da tarde.
— Exatamente. Um contrato pré-nupcial. E, claro, você será paga por isso.
— Eu não quero seu dinheiro — exclamo, ultrajada.
— Tudo bem...
— Não, espera, eu disse só pra não achar que sou mercenária. — Volto atrás rápido.
Pelo que entendi Bill é podre de rico e se quer que eu faça este favorzinho pra ele, acho
justo que me pague sim.
— Isso não será problema.
— Claro que não — resmungo.
Ricos, aff! Odeio essa gente.
Mas gostaria de ser um deles, confesso.
Preciso de uma esposa de mentira? Claro, posso comprar uma!
— E como vai funcionar?
— Bem, você já mora no meu apartamento...
— Me expulsou, esqueceu?
— Estou revogando a expulsão. Enfim, você já está alimentando essa história de
casamento há semanas com suas amigas. No fim suas montagens delirantes vão ajudar.
— E quando vamos... nos casar?
— Então está aceitando?
— Estou ouvindo os termos do contrato.
— Amanhã.
— Amanhã?
— Sim, já pedi para meu advogado solicitar uma licença de casamento que em Nova
York sai em 24 horas.
— Minha nossa, amanhã?
— Se vamos fazer isso tem que ser rápido. O jantar com Rupert é amanhã e o fim de
semana com suas amigas daqui a uma semana.
— Então você viria mesmo nesta viagem com minhas amigas? — Eu ainda não consigo
acreditar que Bill está se propondo a fingir ao vivo e a cores que somos casados, sendo que hoje
de manhã me chamou de maluca psicopata.
O mundo dá volta não é mesmo?
— Sim. Você me ajuda e eu te ajudo.
— Não acredito que estamos fazendo um acordo para ser meu marido para o Natal...
— E então? Temos um acordo?
— E depois do Natal? O que acontece?
— Assim que fecharmos a aquisição da Merlin’s, nosso acordo termina.
— E acha que isso vai ocorrer até o Natal?
— Rupert está perto de aceitar. Só precisamos terminar de convencê-lo.
— Mas como vai ser isso? Um dia estamos casados e no Ano Novo não?
— Divórcios ocorrem todos os dias. Só faremos parte da estatística.
— É, tem razão. Claro que eu não achei que isso fosse durar mais do que o necessário. —
Tomo um gole de café ignorando a sensação de pesar que embrulha meu estômago quando Bill
diz muito calmamente que estaremos divorciados depois do Natal.
Imagino tendo que dizer a minhas amigas que meu casamento dos sonhos não deu certo e
fico mais triste ainda, mas, convenhamos, o casamento já não deu certo, simplesmente porque o
casamento nem existe! Então não é melhor pelo menos não passar o vexame de ter de contar que
menti descaradamente para elas?
Bill viajará comigo para um fim de semana nas montanhas, fingimos ser um casal feliz e
depois conto que não deu certo. Pelo menos eu seria a pobre divorciada de um cara rico e não a
encalhada fracassada.
Meu celular vibra interrompendo meu fluxo de pensamento e é uma foto da Janelle
fazendo compras.
— Droga, esqueci totalmente da Janelle! — Eu me apavoro. — Ela vai jantar no seu
apartamento e como vai ser?
— Calma. É só um jantar. E ela é sua amiga, não?
— Mas nunca dei um jantar para minha amiga com meu eventual marido de mentira!
Minha nossa, ela acha que tenho uma árvore de Natal! E você nem tem uma árvore de Natal...
— Isso é fácil de resolver... — Bill abre a carteira e tira um cartão de crédito que estende
pra mim. — Compre uma árvore de Natal.
— Sério?
— Sim. Aliás, compre o que quiser, o que achar que precisa para impressionar sua amiga.
— Ele olha o relógio. — Tenho algumas questões pra resolver. Vamos? Eu te deixo na loja para
comprar uma árvore.
Entramos no táxi e seguro meu café entre as mãos enquanto contemplo a decoração de
Natal da cidade passando por nós.
— Ella, estou indo ver meu advogado, então preciso que me diga agora sua resposta.
Vamos em frente com isso? — Bill indaga e eu suspiro.
— Tudo bem, aceito.
Ele abre um sorriso astuto, que eu nunca tinha visto antes. Imagino que esta seja a versão
de Bill que não conhecia até agora. A do homem de negócios. E tomo o resto do café não
importando de queimar a língua, tentando conter a onda de nervosismo que me toma por saber
que em 24 horas estarei me casando com este cara.
Um casamento de mentira.
Mas ainda assim, um casamento.

Depois de passar todas as informações e documentos que Bill precisa, ele me deixa na
Macy’s, porque não vou me atrever a ir à Merlin’s sob o olhar dos meus colegas fofoqueiros.
Isso me lembra que não conversei com Bill sobre o que diríamos na loja, mas não quero pensar
nisso. Parece que de repente minha vida está sendo roteirizada por um escritor de comédia
romântica de Natal. Não que tenha algo romântico rolando ali. Óbvio que não.
Talvez eu esteja em alguma viagem de LSD.
Ou talvez tenha enlouquecido de vez e uma hora vou acordar em um manicômio e
descobrir que tudo não passa de um delírio.
Mas o cartão de crédito de Bill é bem real e eu compro a árvore de Natal e todos os
enfeites possíveis, e também mais algumas coisas que acho necessário para fazer todo mundo
acreditar que sou uma recém-casada feliz com um herdeiro.
Ai meu Deus.
Amanhã eu serei uma recém-casada com um herdeiro.
Toda vez que penso nisso sinto que vou desmaiar.
Peço para entregar minhas compras no apartamento de Bill e depois ainda aproveito o
cartão de crédito e passo no mercado para comprar os ingredientes para fazer o jantar para
Janelle.
Quando chego a seu apartamento, abro a porta com a chave que Bill me deu e me
surpreendo ao ver as sacolas da Merlin’s espalhadas com os sapatos que Bill pediu para Donna
separar.
Arregalo os olhos, examinando os lindos sapatos ainda me sentindo atordoada. George, o
cachorrinho de Bill vem até mim, sacudindo o rabinho e ainda me sinto meio assustada, mas ele
não parece agressivo como Roberto.
— Ei, George, você é um cãozinho bonzinho? — Acaricio seus pelos macios, sorrindo.
— Não sou a Cruella, viu? Embora estes seus pelos dariam um belo casaco!
Janelle me manda mais um recado dizendo que está indo para o hotel se arrumar, mas que
estará ali em duas horas.
Eu me apresso em tomar um banho, visto um pijama de Natal e vou para a cozinha. Estou
colocando uma lasanha para assar quando a árvore é entregue.
E estou ocupada, colocando os enfeites, quando Bill entra no apartamento segurando uma
caixa.
— O que é isso?
— Nada. Uau, que árvore gigante.
— Claro, é Natal! E preciso que vá colocar o pijama igual ao meu.
— O quê?
— É sério, comprei pijamas combinando.
— Pra quê?
— Porque vamos tirar umas fotos.
— Que bom que agora pede minha permissão para tirar fotos... — ele resmunga se
afastando, sem me dizer o que tem na caixa.
Quando retorna minutos depois está usando o pijama natalino como o meu.
— Satisfeita?
— É fofo. — Pisco disfarçando que na verdade ele está sexy.
Mas acredito que não seja permitido achar meu quase marido de mentira sexy, não?
De repente algo me ocorre.
Algo que eu e Bill não falamos sobre.
— Hum, isso cheira bem — ele comenta vindo me ajudar a colocar os enfeites.
— É uma lasanha, a comida preferida da Janelle.
— Você cozinha?
— Faz milhões de anos que não cozinho, mas quando dividia apartamento com minhas
amigas era eu quem cozinhava sempre. Eu tive que aprender, porque minha mãe nunca estava
em casa. E minha irmã Tonya era terrível na cozinha. Não sei como o marido dela e as crianças
sobrevivem...
— Por que sua mãe nunca estava em casa?
— Ela é enfermeira e tinha dois empregos.
— E seu pai faz o quê?
Eu me sinto um pouco incomodada ao falar do meu pai.
— Ele faz de tudo. Meu pai é aquele tipo de pessoa que cada ano inventa algo diferente
pra fazer. Eu nem sei quantos negócios ele já teve e já faliu. No fim, minha mãe que acabava
segurando as pontas... Está ficando linda! — Eu admiro nossa árvore querendo tirar o foco de
mim.
— Acho que nunca montei uma árvore de Natal.
— Não?
— Minha avó sempre contratava um decorador chique.
— E sua mãe?
— Minha mãe estava com algum novo marido. Eu morava com meu pai e meus avós.
— E depois de adulto?
— Eu não tinha exatamente uma casa nos últimos cinco anos.
— Como assim?
— Eu estava constantemente viajando.
— Achei que trabalhasse com seu avô.
— Eu trabalhei, mas por alguns meses. Depois decidi seguir minha vida, me aventurar
por aí.
— Fazendo o quê?
— Fazendo trabalho voluntário, praticando esportes radicais...
Eu paro, surpresa.
— Esportes radicais?
— Sim, curtia desafiar o perigo. — Sorri esticando o corpo para colocar uma estrela no
topo e a blusa do pijama sobe e dá pra ver alguns gominhos do seu tanquinho que me deixa com
água na boca.
E de novo eu me recordo sobre aquilo que não falamos sobre nosso acordo.
— Está faltando as luzes — ele diz.
— Sim, pegue ali.
Ele pega as luzes e começamos a desenrolar.
Eu ligo na tomada para ver se está funcionando e as luzes começam a piscar.
— Sabe algo me ocorreu, algo que não debatemos sobre...
— Sim?
— Este casamento vai ter... sexo?
Ele para, subindo a sobrancelha por um momento, surpreso com meu questionamento.
— Se fizer questão... — Ele dá de ombros enquanto desenrolamos os fios.
— Não faço! — Dou de ombros também. Vermelha por ele insinuar que estou meio que
querendo que tenha.
Claro que não.
— Tudo bem — concorda dando de ombros como se encerrando o assunto.
— Não, espera, não acha que devemos conversar melhor sobre o assunto? Quer dizer,
acho que seria mais convincente, não?
De repente ele abre um sorriso que é como se os piscas-piscas ligassem na minha barriga.
— Eu sabia que queria transar comigo.
— Eu não quero transar com você! Só estou querendo que nossa farsa seja o mais
convincente possível. E na verdade seria um grande sacrifício transar com você, se quer saber.
Esquece...
Eu me viro para sair dali, meio humilhada por ter tocado no assunto, e paro horrorizada
ao ver um cachorro entrando sorrateiramente na sala.
Um cachorro mancando com uma patinha enfaixada e um tapa-olho.
Um cachorro muito parecido com...
— Roberto?
Como se soubesse que estamos falando dele, Roberto se aproxima.
George, que estava dormindo em sua caminha num canto da sala, percebe a
movimentação e se aproxima também sacudindo o rabinho para o novo inquilino.
Os cães se estudam, se cheirando daquele jeito que os caninos fazem enquanto eu giro a
cabeça, encarando Bill.
— Acho que esqueci de te contar...
— O que diabos esse delinquente canino está fazendo aqui?
— Donna foi devolver meu cartão depois que conversei com Rupert e perguntar o que eu
faria com os sapatos, eu lhe passei o endereço para entregar aqui e ela também me deu as contas
do veterinário que você deixou por lá. E decidi ir pagá-la.
— Você pagou a conta do veterinário?
— Sim, paguei.
— Mas por que Roberto está aqui? Não faz sentido. Você viu a Morgana, ela... ela te deu
o cachorro?
Eu não conseguia imaginar Morgana se desfazendo de Roberto.
— Não, eu roubei.
— Você o quê?
Ele dá de ombros.
— Aquela mulher era louca, não podia deixá-lo com ela!
— Você é maluco? Morgana vai me amaldiçoar até o fim da vida! Ela acha que Roberto
é o marido dela!
— Isso é bobagem...
— E esse cachorro é agressivo e me odeia!
Bill ri.
— Ele só precisa de carinho. Às vezes é só disso que precisamos para sermos mais
felizes. Veja o George.
— George? Espera... Você também roubou o George.
— Sim, ele se chamava Valentino, mas não gostava do nome.
Eu abro a boca, ainda chocada.
— Meu Deus, você é um doido varrido ladrão de cachorro! Por que diabos faz isso?
— Eu não sei. Só faço o que acho que tem que fazer — ele fala como se fosse a coisa
mais natural do mundo.
Eu observo Roberto e George brincando com o fio do pisca-pisca e me pergunto se
George sabe que foi aliciado como comparsa deste gangster canino!
— Isso não vai dar certo... Roberto tem que ir embora.
Ouvindo seu nome Roberto levanta a cabeça me encarando com um olho só e rosna.
Ah não.
— Está vendo, ele está me ameaçando.
— Não é verdade. Tem que parar de ser tão Cruella...
Antes que Bill continue, Roberto solta um latido, como um grito de guerra, e sai correndo
pela sala levando entre os dentes o pisca-pisca.
— Ei, pare com isso, Roberto! — Tento ir atrás dele, mas agora George está fazendo o
mesmo.
— George, devolve o pisca-pisca. — Bill também tenta resgatar o fio, mas os cachorros
correm alucinados à nossa volta e de repente eu tropeço no fio. Bill me segura e me dou conta de
que os cães estão correndo a nossa volta e enrolando os fios em nós dois.
— Ah não! — grito. — Faça eles pararem!
Eu tento me segurar em Bill para não cair, mas ele está rindo como se fosse muito
engraçado.
E no instante seguinte me dou conta de que estou praticamente abraçada a ele, presos por
fios de pisca-pisca de Natal.
— Não é engraçado!
— É sim. — Sorri e caramba... está bem próximo e eu sinto o calor das luzes como se
elas viessem de dentro de mim sem conseguir desviar o olhar dos seus lábios.
E, de repente, pela terceira vez na história de nosso bizarro relacionamento, fico na ponta
dos pés e beijo Bill Conrad.
Capítulo 12
Janelle

E duas coisas acontecem em seguida.


Nós finalmente caímos sobre o tapete, com Bill amortecendo minha queda e o interfone
toca.
Levanto a cabeça atordoada e Bill está sorrindo daquele jeito presunçoso e sexy que
odeio.
— O que foi isso?
— O interfone?
— Você me beijou?
— Não, você me beijou!
Eu tento me desvencilhar dos malditos fios, e os cachorros finalmente param de correr
em nossa volta e agora estão latindo para o interfone que não para de tocar.
— Maldito pisca-pisca. — Consigo me desvencilhar o suficiente para me sentar. E Bill
não para de rir.
— Não é engraçado. E se morrêssemos eletrocutados?
— Tenho certeza que era esse o plano de Roberto.
Finalmente consigo levantar e corro até o interfone. O porteiro anuncia que Janelle
chegou e sinto meu estômago revirando quando autorizo sua subida.
Bill está segurando os cachorros.
— Vou colocá-los em um quarto.
— Faz bem, não quero que Roberto ataque minha amiga! E tome cuidado com George.
Roberto é um pequeno aliciador!
— Para de pegar no pé do pobre cãozinho, Cruella!
Ele se afasta e me apresso em abrir a porta na hora em que Janelle está saindo do
elevador.
Usando um casaco branco fabuloso, os cabelos presos num coque apertado e segurando o
celular apontado para mim.
— Olá! — ela grita vindo em minha direção e me abraçando rápido antes de girar o
celular para nós duas. — Olha onde eu cheguei, falei pra vocês sobre minha amiga Ella. Hoje
vocês vão conhecer sua casa e o marido dela. Estou animada!
Ela finalmente desliga o celular e eu rolo os olhos.
— Não vai postar isso vai?
— Claro que sim, mas... — Ela me encara atentamente. — O que aconteceu com seu
cabelo?
— Oh... — Espio minha imagem no espelho do hall e arregalo os olhos.
Meu cabelo está uma bagunça e tento ajeitá-lo.
— Culpa do Roberto!
— Roberto? Seu marido não se chama Bill? Minha nossa, Ella, você já tem um amante?
— Para de ser sem noção! Roberto é o cachorro!
— E eu sou o marido.
Bill surge na sala sorrindo e Janelle o mede da cabeça aos pés, com um olhar crítico de
quem está avaliando até os poros do seu rosto
— Finalmente nos conhecemos! Eu sou Janelle West.
— Muito prazer, Janelle. — Bill estende a mão, mas Janelle o puxa para um abraço e é
engraçado ver a cara de surpresa dele.
— O que foi? Ingleses não abraçam? Ouvi dizer que os britânicos só demonstram afeição
por seus cachorros.
— Com certeza Bill faz parte dessa turma. Bill ama cachorros até demais para meu gosto.
— Pelo menos não sou cruel com animais... — ele sussurra ao passar por mim. —
Cruella. — E então sorri para Janelle. — Posso ajudá-la com o casaco?
— Claro, obrigada. — Ela tira o casaco com a ajuda de Bill revelando um conjunto de lã
creme que deve custar todo meu salário do mês.
— E então é aqui que você mora. — Ela passa por nós indo até a sala e eu encaro Bill
com censura, quando a seguimos.
— O que foi?
— Você me chamou de Cruella.
— Ela nem ouviu...
— Quem é Cruela?
Janelle vira nos encarando com curiosidade.
— Ella — Bill responde calmamente.
— Que fofo, vocês têm apelidos carinhosos.
— Não é um apelido carinhoso! Bill pega no meu pé porque tive um... acidente com um
cachorro.
— Não foi um acidente, foi uma tentativa de assassinato, querida. — Ele para ao meu
lado e aperta minha bunda.
Eu o encaro com censura.
— Por que está pegando na minha bunda? — sussurro enquanto Janelle ligou o celular e
está andando pela sala e comentando sobre a vista enquanto faz vídeos.
— Para ser mais convincente.
— Ela nem está vendo. — Eu o afasto, vermelha. — Janelle, venha até a cozinha, a
lasanha já deve estar pronta.
— Você cozinhou pra mim?
— Claro que sim, é seu prato preferido.
— Janelle, quer beber algo? Um vinho? — Bill tira uma garrafa de vinho branco da
geladeira e pega as taças enquanto Janelle senta em frente à bancada.
— Claro! Amei sua árvore, é mais linda ainda do que nas fotos que postou!
— Sim, não é linda? — Sorrio orgulhosa pegando a taça que Bill me passa.
— Sim, é fabulosa! Vamos brindar? — Janelle ergue a taça. — A minha amiga Ella que
finalmente desencalhou.
Rolo os olhos enquanto batemos as taças.
— Janelle!
— Brincadeira! E esses pijamas? Vocês são muito fofos!
— Você chegou cedo, a gente ia...
— Transar? Ai meu Deus interrompi vocês?
Meu rosto se tinge de vermelho e Bill engasga com o vinho.
— Não! A gente ia tirar umas fotos, por isso estamos de pijamas combinando.
— Sim, como eu faço todo ano?
— Verdade, você faz isso todo ano. — E me viro para pegar os pratos, mas abro o
armário errado.
Onde diabos ficam os pratos desta casa?
— Deixa que eu arrumo a mesa — Bill abre o armário do outro lado me lançando um
olhar divertido —, querida.
Urgh! Ele tem que me chamar de querida?
Soa tão falso, não sei como Janelle não percebe.
— Ella me falou que mora em Los Angeles? — Bill indaga.
— Sim, meu marido joga pelos Lakers — Janelle fala com presunção. — Deve conhecê-
lo. Jerry West?
— Não conheço muito os times de basquete americanos.
— Esqueci que é inglês. O que vocês gostam lá? Acho que uma vez Bria comentou que o
marido dela joga aquele jogo terrível, rugby?
— Sim, rugby é bem popular. E violento. Eu joguei, mas não é meu esporte preferido.
— Eu vi no seu Instagram que gostava de praticar esportes radicais. paraquedismo,
rafting, mountain biking, escalada, trekking, mergulho, e você viajava bastante, não? Porém já
faz um tempo que não atualiza seu Instagram.
— Espera, você fuçou no Instagram dele? — questiono e não sei por que estou surpresa.
Aliás, por que eu nunca fiz isso?
— Qual o problema? Mas não tem muita coisa lá, só imagens de mais de um ano! —
comenta em um tom crítico. — E não tem nada da Ella, do casamento...
— Eu não curto muito redes sociais — Bill responde tranquilo.
— Aliás, no seu Instagram também não tem nada do seu casamento. — Ela me lança um
olhar agudo.
Ai merda.
Janelle está desconfiando de alguma coisa?
— Eu pedi que Ella não postasse nada — Bill responde por mim.
— Por quê? Por acaso tem outra esposa na Inglaterra? — Janelle ri, mas sei que está nos
interrogando. — É fugitivo da polícia?
Janelle definitivamente desconfia que tem alguma coisa estranha naquela história.
— Nem um e nem outro. Apenas sou um cara que não gosta de ver minha vida nas redes
sociais.
Ela faz uma careta, porque Janelle odeia este papo de “discrição”. Ela posta
absolutamente tudo nas suas redes sociais.
— Vamos comer? — Tento mudar de assunto quando sirvo a lasanha.
— Está cheirando muito bem. Morro de saudade das comidas que fazia quando
morávamos juntas. A Ella contou que moramos juntas na faculdade?
— Claro que contou — ele diz com sarcasmo. — Ella fala muito de vocês.
Mentiroso.
— Mas me conte tudo sobre este casamento repentino! Eu e as meninas ficamos
chocadas! Foi do nada! Nem contou que estava namorando e de repente estava casada! Não
entendo por que não nos convidou! Sabe que adoraríamos fazer um chá de panela, e uma
despedida de solteira... Nos tirou tudo isso, não é justo.
— Nós já fizemos tudo isso por três vezes, Janelle. Acho que seria até sem graça.
— Não seria. Sabe que adoro organizar eventos.
— Sei sim.
— Mas por que não nos convidou para a cerimônia?
— Bem, porque... — Sim, por quê? Eu mexo no meu prato tentando achar uma desculpa
plausível.
— Porque eu surpreendi Ella com o pedido — Bill responde. — Eu não queria esperar e
ela concordou.
— Por que não podia esperar?
— Porque estava tão apaixonado que não podia esperar mais nem um dia — ele mente
descaradamente e ainda se inclina e beija meus cabelos, sob o olhar curioso de Janelle, que
parece que não está totalmente convencida de que não tem nada esquisito rolando naquela
história.
Eu conheço Janelle.
Ela não faz ideia do que pode ser, mas ainda assim sente que algo não se encaixa.
— Mas me conte como foi suas compras.
— Um horror. Nova York está lotada de turistas.
— Claro, é Natal. Não entendo por que decidiu vir pra cá.
Ela dá de ombros.
— Jerry está viajando com o time. Estava entediada.
— Você entediada? Sempre tem um milhão de coisas acontecendo na sua vida. E como
foi a festa que ia organizar para as esposas do time?
— Foi fabulosa e...
Ela começa a discorrer sobre não só essa festa, mas todos os eventos incríveis que
participa sendo esposa de um jogador e uma socialite famosa na internet.
Janelle ama falar de si mesma e de seus feitos e eu adoro que seja assim neste momento
porque ela não fica fazendo pergunta sobre meu casamento de mentira.
— Nossa, está tarde. — Ela para de falar de repente. — Preciso ir embora.
Nós nos levantamos enquanto Bill leva os pratos para a pia.
— Ah não, está nevando? — Eu sigo o olhar de Janelle e está uma verdadeira nevasca lá
fora.
— Eu tinha esquecido que hoje a previsão era de neve — Bill comenta.
— Acha que consigo um táxi com este tempo?
— Por que não dorme aqui? — Bill sugere e eu o encaro com um olhar de “você pirou?”,
que ele ignora.
E estou esperando Janelle recusar, mas ela sorri.
— Tudo bem. Me empresta um pijama, Ella?
— Claro que sim.
— Eu vou ao banheiro, onde fica?
— Eu te mostro — Bill se prontifica.
Bill segue com Janelle e eu vou para o quarto, o mesmo em que dormi ontem e me dou
conta que não é o mesmo que o do Bill.
Droga.
Minhas malas ainda estão por ali e eu abro uma delas, pegando um pijama e Bill entra no
quarto em seguida.
— Janelle vai ter que dormir aqui. Não temos outro quarto preparado.
— E eu vou dormir onde?
— No meu quarto, querida. — Ele sorri com sarcasmo.
— Dá pra parar de me chamar de querida?
— Por que, querida?
— Porque é ridículo! E sai muito falso. Ai droga, Janelle não pode ver essas malas aqui.
Bill se apressa em pegar as malas.
— Vou levar para meu quarto.
Assim que ele sai, vou ao banheiro e recolho minhas coisas por ali jogando no nécessaire.
E quando volto ao quarto, Janelle está entrando.
— Este é o quarto que vou dormir?
— Sim, este mesmo.
Eu lhe estendo o pijama.
— Aqui o pijama.
— O que é isso aí? — Ela aponta para meu nécessaire.
— Eu ia perguntar se precisa de alguma coisa?
— Não preciso, sabe que sou uma mulher prevenida e tenho tudo na minha bolsa. — Ela
bate na bolsa Birkin que custa um rim, antes de jogá-la na cama.
— Vai ficar bem?
— Claro que sim. Este quarto parece ser bem confortável... — Ela senta sobre a cama,
pegando o celular, e vejo que está num grupo de conversa.
— Está conversando com Bria e Eden?
Eu me sento ao seu lado, curiosa, e ela tenta afastar o celular, mas vi que são minhas
amigas sim.
— O que foi? É segredo? Sabe que estou no mesmo grupo...
Ela morde os lábios.
— Não é o mesmo grupo.
— O quê? Espera, vocês têm um grupo sem mim?
— Não fique brava, ok?
— Por quê?
— A gente queria falar, sabe... sobre você, sem que você visse.
— Desde quando?
— Desde que se casou, ou quando contou que se casou.
— Fala a verdade, por que está aqui, Janelle?
— Não pode nos culpar, por achar essa história de casamento meio estranha...
— Todas vocês acham?
— Na verdade, mais eu do que Eden e Bria. Quer dizer, Eden é bem observadora, mas a
gravidez parece ter afetado seu senso crítico. E Bria é Bria, o mundo pode acabar e ela não
percebe.
— E acham estranha por quê?
— Ella, você nem tinha namorado no casamento da Eden. Na verdade vive reclamando
dos péssimos encontros que tem e de uma hora pra outra está casada com um herdeiro?
— Foi repentino...
— Sim, estou vendo. Ainda assim...
— Por que é difícil acreditar que eu me casei? Todas vocês não se casaram? Só porque
ele é um cara rico? Porque eu não posso conquistar um cara como Bill Conrad? — Eu me irrito
um pouco. — Acha que não sou tão boa quanto vocês?
— Nossa, calma. Não foi isso que quis dizer. Só achei muito rápido. E sempre achei que
quando fosse se casar nos convidaria. Não pode me culpar por achar estranho e vim ver com
meus próprios olhos.
— O que achou? Que eu estava inventando um marido?
— Claro que não. — Ela ri. — Ninguém é tão maluco a este ponto.
Claro que não, penso com ironia.
— Enfim, agora eu me sinto mais tranquila por ver que não está em cárcere privado com
um maluco que a obrigou a se casar para conseguir o green card, posso ficar tranquila. E
tranquilizar as meninas.
— Espero que me coloquem neste grupo agora! — rebato num tom magoado e ela me
abraça.
— Desculpa, a gente vai deletar o grupo, ok?
— Vou pensar no seu caso.
Eu me levanto.
— Amanhã terei que sair bem cedo, meu voo sai antes do almoço — avisa.
— Tudo bem.
— E nem tivemos tempo de falarmos sobre nossa viagem!
— Como se a gente não se falasse direto por celular! Boa noite.

Eu saio do quarto e hesito no corredor antes de entrar no quarto de Bill.


Vou dormir com ele? Sério?
— O que está fazendo aí no corredor? Vai esperar que eu durma pra invadir meu quarto
como é do seu feitio? — Escuto a voz de Bill e entro no quarto.
Ele está sentado no chão acariciando os pelos de Roberto, que parece muito feliz.
Claro, quem não ficaria feliz tendo as mãos de Bill Conrad sobre si.
— Não acredito que este cachorro fica todo mansinho com você.
— Eu te disse, ele precisa de carinho. Vem aqui, acariciar ele.
— Não, obrigada.
Eu vou para o banheiro e abro meu nécessaire.
E quando estou escovando os dentes, Bill entra no banheiro e se coloca ao meu lado,
pegando sua escova e fazendo o mesmo.
É muito esquisito, para dizer o mínimo.
Eu cuspo, meio sem graça.
— O que foi? — Ele parece divertido com minha estranheza, enquanto lava a boca e
passo creme no rosto.
— Isso é meio bizarro.
— Estamos só escovando os dentes.
— É muito... doméstico.
— Nunca morou com um cara?
Sacudo a cabeça em negativa.
— Quer dizer morei com um indiano ilegal por um mês uma vez, mas éramos só colegas
de apartamento e dei o fora quando ele começou a roubar minhas calcinhas.
— Você tem colegas de quarto bizarros.
— Eu sei bem... — Penteio meus cabelos e Bill recosta na pia e fica me olhando.
— Porque está olhando pra mim.
— Não pode olhar?
Ele se inclina e passa os dedos pelo canto dos meus lábios me fazendo ter um sobressalto.
— Tinha pasta de dente.
Eu desvio o olhar com meu coração aumentando o ritmo.
De repente me dou conta da nossa intimidade ali.
E de que em minutos vamos deitar na mesma cama.
— O que foi?
— O que foi o quê?
— Está fazendo uma cara de quem está prestes a fazer algo terrível.
— Estou me lembrando que vamos dormir na mesma cama.
— Já dormimos na mesma cama.
— É diferente agora.
— Diferente porque eu saberei que estará lá?
— Também.
— Qual o problema? — Ele franze o olhar. — Está achando que porque vamos dormir na
mesma cama, eu vou querer transar com você?
— Já que tocou no assunto…
— Você quer transar comigo?
— Não! — rebato com um horror fingido e Bill está sorrindo daquele jeito irritante como
se eu fosse uma piada. — O que é isso aqui? Você quer transar comigo?
— Sim, eu quero foder você desde que me beijou naquela escada, Cruella.
Capítulo 13
Um Casamento de Mentira de Verdade

Por um momento eu flutuo numa onda de confusão e choque, as palavras dele se


repetindo na minha mente e demora alguns segundos para eu registrar que ele usou um tom de
troça.
E continua rindo.
Filho da puta!
— Está me zoando?
Sim, óbvio que está brincando comigo, porém, não posso evitar o rubor no meu rosto,
assim como o calor indevido que se espalha por minha pele só com a simples sugestão de que ele
queria transar comigo.
Eu me viro e começo a tirar coisas do meu nécessaire com raiva e nem sei o que estou
procurando, mas preciso distrair minhas mãos da vontade de estapear Bill Conrad.
— Seu idiota! — resmungo irritada. — E para de rir, não tem graça nenhuma! Na
verdade é bem inadequado! E sai daqui agora. — Aponto para a porta.
— Calma, você está brava, por que não tem senso de humor?
— Não! Sai!
Mas ele continua ali e para minha consternação, mergulha a mão no meio das minhas
coisas.
— O que é isso aqui?
Arregalo os olhos ao ver que está segurando meu vibrador.
Que ele sabe muito bem o que é, porque seu riso se torna malicioso.
— Sabe muito bem o que é, e me dá isso aqui!
— Por isso está pedindo pra eu sair? Vai usar seu brinquedinho?
— E se for? Não é da sua conta, por que não cuida da sua vida? — Minha voz sai
agressiva quando tento tomar o vibrador de sua mão e quando finalmente o resgato, escuto um
rosnado e Roberto está ali, me encarando com um olhar ameaçador, se colocando entre mim e
Bill.
— Roberto, não estou com tempo pra você hoje, ok?
Ele late pra mim como um aviso.
E de repente eu entendo.
— Ele está protegendo você de mim? — indago perplexa sem perceber que ainda seguro
o brinquedo sexual nas minhas mãos como uma arma, e no instante seguinte, com uma
habilidade impressionante para quem está com apenas três patas, Roberto avança em mim,
pulando e tomando o vibrador das minhas mãos e correndo.
— Roberto — grito, sem acreditar que aquele delinquente canino vai destruir mais uma
coisa minha. — Me devolve isso agora! — ordeno, mas o cãozinho está embaixo da cama.
— Ei, não grita com ele! — Bill me repreende.
— Você viu o que ele fez? Roberto, sai daí. Se não sair vou quebrar sua outra pata, seu
delinquentezinho!
— Ei, não o ameace assim! — Bill me repreende. — Por isso que ele não gosta de você.
— Ele que começou!
— Deixa que eu resolvo isso.
Ele se abaixa e estende a mão, chamando o cachorro.
— Ei, Roberto, vem aqui, a Ella não vai chegar perto de você, amiguinho.
Rolo os olhos, irritada, mas finalmente Bill se levanta com o cachorro no colo e estende
meu objeto todo destruído.
— Ah não. Olha o que ele fez! — resmungo com vontade de gritar.
— Não precisa fazer drama.
— Poxa, a vida já é difícil para uma mulher solteira. Ainda sem um brinquedinho pra
aliviar o estresse fica difícil! — Volto ao banheiro e bato a porta, jogando o vibrador no lixo.
Eu enrolo no banheiro o máximo que posso, fazendo umas três sessões de skincare e
quando saio apenas uma luz difusa do abajur está ligada e Bill já está deitado sob as cobertas.
Respiro fundo e me aproximo da cama me perguntando se ele está dormindo quando me
deito sobre o colchão o mais próximo possível da beirada.
— Vai cair da cama desse jeito — Bill resmunga.
— Problema meu. — Vou ainda mais pro canto e realmente quase caio quando sinto um
braço me puxando e subitamente estou com minhas costas grudadas no peito de Bill.
— Dá pra me soltar? — Eu mal respiro, meu coração disparando tanto que acho que dá
pra ouvir as batidas no outro lado da cidade.
— Por quê? Não foi assim que dormimos na outra noite?
— O que é isso, uma vingança?
— Ainda não me convenceu que não estava me molestando.
— Para de falar absurdos. Está pensando o quê? Que é tão irresistível que não pude me
controlar?
Ele ri e escuto o som no meu pescoço, assim como sua respiração quente.
Ai caramba. Me arrepio inteira.
— Sinto muito por seu... brinquedo — diz divertido.
— Nada disso teria acontecido se não tivesse a infeliz ideia de roubar Roberto! Agora vê
do que esse cachorro é capaz?
— Parece que acha que você é uma ameaça a minha integridade. — Bill acaricia minha
barriga distraidamente e eu me pergunto se ele se dá conta de que está grudado em mim, assim,
de conchinha, e que sua proximidade me deixa excitada.
E eu nem tenho um brinquedinho pra resolver isso.
O mundo é injusto demais.
— Então se ele é seu cachorro agora, eu poderia te processar por destruição do meu
patrimônio!
— Tudo bem, eu reponho seu brinquedo perdido.
— Ah é? Quando?
— Agora? — ele me interrompe.
E sem aviso está deslizando a mão para dentro do meu pijama e ultrapassando a barreira
da calcinha e me tocando de um jeito nada cristão.
Eu fico tensa no mesmo instante ao mesmo tempo em que uma descarga de prazer
explode em meu ventre.
Puta merda.
— Que diabos é isso? — murmuro entre chocada e excitada.
Bill não move a mão por um momento e não sei se eu quero que continue ou pare com
aquele ataque inesperado.
— Você não disse que queria que eu substituísse seu vibrador?
— Não foi isso que eu quis dizer não.
— Ah desculpa, só estava sendo proativo. — E começa a deslizar a mão para fora, mas
eu a seguro ali.
— Não, não, continua...
Ele ri no meu ouvido, me arrepiando inteira e sinto seus dedos deslizando de forma
sacana dentro da minha calcinha.
— Tem certeza, Cruella?
— Pode não me chamar de Cruella? — Eu meio gemo meio reclamo movendo meus
quadris contra seus dedos atrevidos que estão girando em meu clitóris e me deixando louca.
Ah caramba ele sabe fazer aquilo...
É mil vezes melhor do que meu brinquedinho.
Na verdade, agora desejo que os dedos de Bill Conrad sejam meu brinquedinho particular
pra sempre.
— Isso é bom? — questiona em meu ouvido e fecho os olhos sentindo meu ventre sendo
sugado quando ele desliza dois dedos para dentro de mim.
— Sabe que sim... — Sinto um orgasmo que sei que vai ser delicioso sendo construído
dentro de mim. — Ah Deus...
Bill geme em meu pescoço e me aperta mais forte enquanto aumenta a pressão entre
minhas pernas e eu sinto sua ereção desperta atrás de mim que é o suficiente para eu gozar tão
forte, que enterro o rosto no travesseiro para abafar meus gritos que com certeza acordaria
Manhattan inteira, as ondas de prazer percorrendo meu corpo por segundos sublimes antes de eu
voltar à Terra atordoada e ofegante.
— Melhor que seu brinquedinho? — Bill provoca no meu ouvido com aquele sotaque
inglês delicioso e, sem pensar, o giro na cama, indo para cima dele.
Mas antes que eu consiga atacá-lo, levo um susto quando Roberto pula em cima de mim,
me empurrando.
Eu caio no colchão, no susto, e quando consigo tirar o cabelo do rosto, Roberto está entre
mim e Bill, rosnando pra mim.
— Que diabos é isso?
Bill ri.
— Acho que ele achou que você estava me atacando.
— Bem, eu estava. Mas não pra te machucar!
— Não é assim que o Roberto pensa.
— Então tira ele daqui, está com cara de quem vai me matar!
— Roberto, vem aqui, garoto...
Mas Roberto desta vez não escuta Bill, ele continua ali, ainda levanta a patinha
machucada como se estivesse brandindo pra mim.
— Sério, isso é ridículo — bufo me deitando. — Cansei de você e deste cachorro!
— Vai dormir?
— Sim, boa noite! — Eu me viro e puxo a coberta para cima de mim.
Bill suspira e apaga a luz do abajur e escuto Roberto se ajeitando ali entre nós. E me
pergunto se ele vai dormir com seu único olho aberto para eu não atacar seu mais novo dono.

No dia seguinte, quando acordo, me sinto um tanto confusa. Lá fora está tudo branco,
ainda com neve e eu me sento sonolenta tentando me lembrar se sonhei com Bill substituindo
meu vibrador.
Ah, caramba.
Aconteceu mesmo?
Escondo o rosto entre as mãos, sem saber o que pensar.
No final das contas nós não tínhamos chegado a um consenso sobre se aquele casamento
de mentira ia ter sexo ou não.
No fundo, eu sei que ir por aquele caminho e me deixar levar pela atração que sinto por
Bill pode ser um tremendo erro. Mas ao mesmo tempo, que mal tem?
Somos adultos e não é como se eu já não tenha me envolvido em enrascadas por causa de
caras errados antes.
Quem nunca, não é mesmo?
— Bom dia.
Levanto a cabeça e a razão do meu tormento, meu futuro marido de mentira, está
entrando no quarto, usando ainda pijamas e me estende uma caneca de café.
— Tome.
Eu a pego, meio ressabiada.
— Por que está desconfiada? Não cuspi dentro. É só café.
— Obrigada. — Eu tomo um gole observando quando Bill senta ao meu lado.
— Janelle está quase saindo.
— Oh não, que horas são?
— Já passa das dez.
— Me deixou dormir até agora?
— E daí, está nevando lá fora.
— Eu tenho que ir trabalhar. — Começo a tentar sair debaixo das cobertas, chutando com
as pernas, mas Bill põe a mão na minha coxa, me obrigando a parar.
— Não, não tem. Vamos nos casar hoje, esqueceu?
Ele aperta minha coxa e eu me arrepio, porque ele mantém a mão ali, como se fosse
muito natural, me fazendo lembrar que ontem a mão dele esteve em outra parte da minha
anatomia e eu tinha apreciado bastante.
Mas antes que eu consiga organizar meus pensamentos, Roberto pula na cama e se deita
entre nós, fazendo Bill rir e tirar a mão de mim, não sem antes alisar minha perna de forma quase
carinhosa.
— Roberto está apaixonado por você.
Bill acaricia os pelos do cachorro.
— Ele é um cão bonzinho.
— Ah sim... — Rolo os olhos.
— Toc-toc! — Janelle bate na porta colocando a cabeça para dentro. — Atrapalho?
— Não, entra, desculpa não ter acordado antes...
— Bill me disse que estava cansada, e não tem problema. Eu vim me despedir. Estou
indo para o hotel pegar minhas coisas e meu voo sai antes do almoço.
Eu me levanto e a abraço.
— Que bom que conseguimos nos ver, eu estava com saudade.
E estou sendo sincera.
É uma pena que não consiga ver minhas amigas com mais frequência agora que cada uma
mora em um canto.
— E nós estaremos juntas no próximo fim de semana! — Ela segura minhas mãos. —
Estou muito animada... Ei, cadê sua aliança? Anel de noivado? — Ela examina meus dedos.
Ai, droga.
— Está no cofre — Bill responde por mim.
— Como assim?
— Eu disse que não precisava, mas Ella tem medo de ser roubada.
— Que bobagem. Quero vê-la com eles, hein? Eu amo exibir o meu por aí. — Ela mostra
sua mão com o anel de noivado e a aliança.
— Porque é uma exibida!
Ela por fim se despede e eu a levo até o elevador, quando retorno, Bill pergunta se quero
comer.
— Não, não como nada de manhã.
— Isso não é saudável.
— Parece minha mãe falando, mas não tenho apetite. E então o que vamos fazer? Que
horas vamos... casar?
Argh! Ainda é inacreditável que estamos falando sobre casamento!
— Cinco horas estaremos no City Clerk.
— Certo... — Tento conter a onda de ansiedade e nervosismo.
— E hoje à noite temos a festa de Rupert Merlin.
— Ai caramba, verdade, mas não tenho nem roupa pra isso.
— Ainda tem meu cartão de crédito. Compre o que precisar. Nós vamos direto para a
casa dele, em Winchester. Eu tenho alguns negócios para resolver, mas nos encontramos lá?
Sacudo a cabeça em afirmativa, fingindo que estou de posse de minhas faculdades
mentais quando, na verdade, estou seguindo o fluxo e me abstendo de pensar que em poucas
horas estarei casada com Bill Conrad.

— E então, como estou? — indago a Bill quando saio do quarto, usando um vestido
longo e rodado com corpete apertado e mangas compridas vermelho de cetim. Acho que nunca
usei algo tão caro na minha vida. Até fui em um salão e fiz o cabelo, o prendendo em um coque
elegante e maquiagem profissional.
Quando cheguei ao apartamento de Bill, ele ainda não estava e eu me apressei em me
arrumar, depois de voltar minhas coisas para o quarto de hóspede.
Não sem me lamentar um pouco, mas agora que Janelle não estava ali não tinha por que
eu continuar no quarto dele.
Ou tinha?
Assim que mudei minhas coisas de quarto, escutei a porta abrindo e por um momento
quis lhe perguntar se achava que deveríamos dormir no mesmo quarto, mas ele me estendeu os
papéis do contrato pré-nupcial.
— Leia atentamente e assine, ok?
— Claro. Nosso contrato. — Peguei os papéis e fui para o quarto de hóspede. Eu estava
louca se achava que era boa ideia transar com Bill. O melhor era manter o acordo de forma
platônica.
Não era um casamento de verdade. Era apenas um acordo. Um contrato.
Bufando, eu me sentei, e assinei tudo sem ler. Com certeza não ia entender nada mesmo.
— Você está... muito bonita. — Bill me mede agora e observo que ele também está
bonito usando um smoking.
— Não acha que exagerei? Nunca fui numa festa chique assim. Quer dizer, teve o
casamento das minhas amigas, mas lá elas escolhiam o vestido de madrinha.
— Está ótimo. — Ele segura o casaco me ajudando a colocá-lo e seguir para o elevador.
— Mas por um momento imaginei se não iria querer vestir branco ou algo assim?
— Está de brincadeira? Não é como se fôssemos casar de verdade.
— Vamos nos casar de verdade.
— Entendeu o que eu quis dizer. É um casamento de mentira!
Saímos para a rua e me surpreendo ao ver uma limusine nos esperando e o motorista abre
a porta para nós.
Quando entro no carro, torço as mãos em nervosismo por todo o caminho.
— Está nervosa?
— Não era para estar? Nunca me casei antes.
— Como disse, é um casamento de mentira.
E não é pior?
Chegamos a City Clerk e seguimos para a sala de espera com outros casais. E tudo parece
muito surreal.
Será que ainda dá tempo de desistir?
Posso dizer que preciso comprar cigarros e não volto mais.
— Quanto tempo você acha que... vamos ficar casados?
— Hoje eu me reuni com os advogados do Rupert. Acredito que menos tempo que
imagina, então não precisa ficar preocupada.
— Que alívio.
— Não vai ter que me aturar como seu marido de mentira por muito tempo, Cruella,
mas... — ele coloca a mão no bolso e tira um anel — me dê sua mão.
— Pra quê?
— Janelle falou do anel de noivado. Precisa de um.
Eu assisto fascinada ele deslizar um lindo anel de noivado com diamante enorme por meu
dedo.
— Agora é oficial?
— Vai querer que eu me ajoelhe?
— Claro que não.
De repente chamam nosso nome e Bill aperta meus dedos.
— Pronta para se casar?
Eu hesito por um instante, mas sacudo a cabeça em afirmativa e Bill me puxa para dentro
da sala para encontrar o juiz.
A cerimônia é mais rápida do que eu imaginava e digo sim ainda com a sensação de
irrealidade ao meu redor quando somos declarados Senhor e Senhora Conrad.
Pronto.
Eu tenho um marido agora.
Pelo menos até o Natal.
Capítulo 14
Julie Harris Está entre nós

Este cara do meu lado é meu marido.


M.a.r.i.d.o.
Eu, Ella May Quinn, tenho um marido.
Bill Conrad é meu marido, repito em minha mente pela enésima vez desde que disse sim
há algumas horas e seguimos para a casa do Rupert Merlin, onde adentramos agora.
Desde que a breve cerimônia terminou e entramos na limusine rumo à casa do dono da
Merlin’s eu sentia um frio na barriga, como se algo extraordinário estivesse prestes a acontecer.
O que era uma bobagem, certamente.
Sim, eu me casei com Bill Conrad, mas não era um casamento de verdade. Nós nos
casamos apenas para convencer Rupert Merlin que Bill seria o comprador ideal da loja.
Ainda parece bizarro que uma decisão tão importante esteja condicionada ao fato do
velho gostar de mim.
Eu, a fracassada Ella Quinn que não dava certo em nada e tudo o que pedia nas últimas
semanas era um milagre de Natal.
E isso aqui não é o seu milagre, idiota? Uma voz impaciente sussurra dentro de mim.
Uau.
Não posso deixar de concordar.
Olhe pra mim, usando um vestido de grife caríssimo, um anel de brilhantes no dedo e de
braços dados com um herdeiro bilionário.
Não é pouca coisa.
Se eu esquecer que é tudo de mentira, claro.
Mas quer saber? Que se dane. Posso sorrir e me deixar levar pelo encantamento da
música de Natal que ressoa no fabuloso hall com piso de mármore e decoração natalina que
parece saída de um filme de contos de fadas, enquanto um mordomo chique nos ajuda a tirar os
casacos e avançamos para o salão cheio de gente rica.
— Pronta? — Bill aperta minha mão.
Sacudo a cabeça em afirmativa, respirando fundo e avançamos pelo salão.
A aura de irrealidade tomando uma outra proporção.
Valeu, Papai Noel.
— E se não convencermos o Sr. Merlin? — De repente sou acometida pelo pânico. E se
ninguém acreditar que aquele cara bonito ao meu lado é meu marido?
— Ele vai ser convencido — Bill garante sem um pingo de insegurança enquanto pega
duas taças de um garçom que passa por nós e me passa uma delas.
Tomo um gole tentando acalmar meus nervos.
— Aposto que todos devem estar se perguntando que diabos o herdeiro de um bilionário
inglês está fazendo com uma atendente da Merlin’s.
Bill ri divertido.
— Eles devem pensar que você me conquistou pelo sexo.
Eu engasgo com a bebida e Bill bate nas minhas costas. Mas antes que eu consiga rebater
seu comentário, as netas de Rupert Merlin se aproximam de nós usando vestidos esquisitos em
tom dourado e prateado e... isso é pena de pavão na cabeça delas?
— Olá, Bill, não sabia que meu avô tinha te convidado? — uma delas diz.
— Sim, ele me convidou.
— E trouxe companhia...
— Essa e Ella... Conrad. Minha esposa.
— Oh, não sabia que era casado.
— Nos casamos recentemente.
— Muito prazer, Ella.
Elas não dão o menor sinal de que me reconhecem, embora já tenham me visto na loja.
— Meu avô nos contou que o conheceu e sua pequena farsa foi descoberta.
— Sim, mas acredito que isso iria acontecer de qualquer maneira e eu tive a oportunidade
de fazer minha oferta. Ele contou a vocês se decidiu aceitar?
— Acho que ele está mais do que disposto. Espero que finalmente consiga fazer o vovô
vender essa loja.
— É para isso que estou aqui.
— Enfim, fiquem à vontade e divirtam-se.
Respiro aliviada quando elas se afastam.
— Será que elas têm razão e o Sr. Merlin vai mesmo vender a loja pra você?
— Tudo indica que sim.
— Parece muito despreocupado. É sempre assim? — Sinto que estou mais preocupada
que Bill e ele sorri dando de ombros e pegando a taça da minha mão e deixando em um aparador.
— Por que ficaria preocupado?
— Achei que fosse importante pra você.
— Muitas coisas são importantes pra mim e nem por isso estou disposto a ter um enfarto
me preocupando antes do tempo. Vamos dançar?
E sem esperar resposta ele me puxa para a pista de dança em frente a uma orquestra, onde
alguns casais dançam.
Bill enlaça minha cintura e me puxa para perto, os dedos entrelaçando aos meus,
enquanto deposito a mão livre em seu ombro.
Ele me guia com excepcional destreza pelo salão nos girando com um olhar divertido
preso no meu, me roubando o ar.
— Por que estamos dançando? — indago meio confusa.
— Você precisa relaxar, está muito tensa.
— Não estou. Quer dizer, acha que não deveria? Faz algumas horas que participei de uma
cerimônia de mentira e agora tenho que convencer todo mundo que sou sua a esposa de
mentira... Desculpa se estou surtando aqui.
— Acha que não estamos convencendo? — Ele me gira, me deixando tonta.
— Você acha que estamos?
— Por que não? O que acha que precisaríamos fazer para convencê-los?
É impressão minha ou ele mudou o tom da voz para me fazer essa pergunta? Parece mais
íntima. Quase... sedutora.
Meu coração dispara no peito e prendo a respiração, meus dedos deslizando quase que
por vontade própria de seus ombros para sua nuca, se infiltrando nos cabelos loiros macios
enquanto pouso meus olhos famintos em seus lábios antes de ficar na ponta dos pés e beijá-lo.
Imediatamente me arrependo do meu impulso e afasto a boca enquanto escuto Bill rindo,
o som causando estragos em meu ventre.
— Você sempre resolve todos os problemas me beijando. — Nem é mais uma pergunta.
E não consigo conter o riso também, nossas respirações se misturando quando ele abaixa a
cabeça, o beijo pairando entre nós novamente.
E eu respiro Bill Conrad.
— Estou apenas fazendo minha parte.
— Claro que sim. E fazendo muito bem. — E sem aviso é ele quem me beija agora, e não
é só um selinho como foi o meu, mas sim um beijo daqueles intensos e profundos, com línguas e
até um gemido que ele emite dentro da minha boca e me deixa fraca.
Eu o beijo de volta com igual vontade, sentindo meu pulso acelerar e o calor transbordar
do meu ventre, uma necessidade urgente começando a crescer em meu íntimo e me fazendo
desejar que Bill me beije pra sempre. E não só na minha boca.
Ele poderia me beijar onde quisesse.
Cada centímetro de Ella Quinn estaria disponível para aquele cara, pelo período de tempo
que ele desejasse.
E talvez ele fosse bonzinho e me deixasse beijá-lo também.
Inteiro. Ah caramba, imagino o tanto de perversão que eu não faria com este cara se ele
deixasse?
O que eu não deixaria ele fazer comigo?
Deixaria tudo.
E muito.
Agora.
Solto um gemido de rendição, percebendo que não estamos mais dançando, e sim nos
beijando loucamente, os braços de Bill agora a minha volta, me mantendo bem perto, enquanto
meus dedos torcem seus cabelos.
E estou prestes a pedir que ele me leve para algum lugar onde possamos tirar as roupas
quando escuto uma risada feminina muito próxima.
— Não acredito, Bill Conrad?
Bill me solta e demoro alguns segundos para conseguir voltar à Terra e quando
finalmente abro os olhos, Bill está ao meu lado, não mais me tocando, e a nossa frente tem uma
moça bonita de cabelos castanhos e usando um lindo vestido verde.
— Nossa, que surpresa encontrá-lo aqui! — Ela tem um sotaque inglês como o dele e
imediatamente sinto um arrepio estranho na nuca.
E quando olho pra Bill, percebo que ele está com uma expressão de puro horror no rosto.
— Julie Harris?
Hum, quem diabos é aquela Julie? Eu a meço agora sob aquela ótica feminina que
utilizamos para identificar uma concorrente.
— Sim, este ainda é meu nome, mas não o sobrenome. Quer dizer, agora eu uso Julie
Harris-Bennett. Eu me casei. — Ela mostra a mão onde uma aliança brilha.
— Você se casou? E onde está o pobre coitado? Preso em algum porão?
Ela solta uma sonora gargalhada.
— Ai, Bill, tinha esquecido que você tem senso de humor! Simon está por aí, falando de
negócios, claro. Ele é um workaholic que não descansa nem nas nossas férias. Mas quem é essa?
Não vai nos apresentar? — Ela prende o olhar em mim.
— Essa é Ella, minha... — Bill hesita.
— Esposa — eu respondo e tenho a impressão que ele não gostou?
Por que Bill não quer que essa tal Julie saiba que somos casados? Tem uma estranha
vibração rolando ali...
— Muito prazer, Julie. E você e Bill se conhecem de onde?
— Eu e Bill já fomos namorados.
Wow!
De repente eu entendo o climão.
— Não por minha vontade — Bill resmunga e Julie ri.
— Sempre dramático...
— Eu sou dramático?
— Nossa, Bill, faz mais de cinco anos, achei que não tivesse mais ressentimentos. Já
pensou em tratar isso na terapia? Sabe que ficar guardando ressentimento não é bom para os
rins? Já imaginou se tiver que fazer um transplante? Não iria ser legal, mas saiba que eu não
guardo ressentimento e se formos compatíveis, eu te dou um rim!
— Eu não preciso de transplante de rim e não tenho ressentimentos. — A voz de Bill sai
meio na defensiva e, sinceramente, acho que ele guarda ressentimento sim.
— Ah, acho que vi o Simon subindo as escadas. Fiquem aqui, vou buscá-lo para conhecê-
lo. Ah, já sei, que tal sairmos num encontro duplo? Vai ser incrível! Vai passar o Natal em Nova
York? E se fizermos uma sessão de fotos juntos? Vocês precisam conhecer minha filha,
Penélope! Ela é tão fofa e não precisam se preocupar, ela é um anjinho... às vezes. — Ela ri em
meio a sua epifania. — Enfim, vocês têm filhos?
— Não! — E eu Bill respondemos juntos, mas Julie continua.
— Eu e Simon estamos pensando em ter mais um, quem sabe agora um menino? Já
pensaram em nomes para bebês? Eu amo o nome Noah, acho forte e bíblico. Nome de
presidente, não acha? Você é americana? As escolas aqui são boas? Eu estou amando Nova York
e não acharia ruim me mudar. Vamos falar a verdade, a Inglaterra não é mais a mesma depois da
morte da rainha. Não importa o que Sophia diga, Charles é um bocó! Sophia é minha amiga, ela
é uma duquesa, ah, preciso apresentá-las! Ela é meio louca, mas é um amor... Mas não me
respondeu, quando pretendem ter bebês? Eu sou uma ótima mãe e posso te ajudar no que quiser.
Sophia teve bebê há pouco tempo e...
— Com licença, Julie, o papo está ótimo, mas preciso ir ao toalete. — Eu aceno e saio
praticamente correndo.
Eu me afasto pelo corredor e chego a uma sala vazia e me refugio lá, sentindo a cabeça
doer de tantos assuntos aleatórios disparados por Julie Harris-Bennett.
E ela estava falando de bebês?
Minha nossa!
Óbvio que eu e Bill nunca teríamos bebês.
Não somos um casal de verdade. Nós sequer vamos transar, acho.
E este pensamento me deixa triste de um jeito que não estou preparada para lidar. Eu não
deveria lamentar de não transar com Bill. Ou de não poder ter ciúme da história dele com a
maluca da ex-namorada de quem parece ainda ter ressentimento.
E será que tem sentimento?
Não gosto de pensar nessa possibilidade.
Assim como não gosto do vazio inexplicável que sinto ao pensar que aquela possibilidade
que Julie cogitou – eu e Bill ficando juntos e tendo bebês – nunca será real.
Não sei quanto tempo passo ali até que me surpreendo quando o próprio Rupert Merlin
me encontra.
— Olha só quem eu finalmente encontrei. Está escondida aqui? Acho que seu marido
estava procurando por você. — Ele sorri de forma carinhosa e eu me sinto sem graça.
— Só estava descansando um pouco. Aliás, sua festa está fabulosa.
— Sim, minhas netas se esmeraram. Pelo menos essa tradição se mantém. Era minha
esposa quem dava essa festa todo ano. Sinto muito a falta dela, já falei que você me lembra
Faith?
— Sua esposa? Não, não me disse.
— Acho que foi para seu marido. Ele é um rapaz de sorte. Na verdade, ambos são
sortudos, por se encontrarem. Sabe que não encontramos ninguém por acaso nessa vida.
— O senhor acredita em destino?
— Sim, acredito. E reconheço o amor quando o vejo. Eu os observei dançando, formam
um belo casal.
Reconhece o amor? Tenho vontade de rebater que ele é um velho gagá que está
precisando de óculos, mas me calo.
Não é para isso que estamos aqui? Para convencê-lo que somos o casal perfeito?
— E eu tive a oportunidade de ter uma longa conversa com seu marido agora há pouco.
— E o senhor decidiu que vai vender a Merlin’s?
— Me desfazer de um negócio que está na minha família há anos não é uma decisão fácil,
mas acredito que se realmente decidir, com certeza Bill Conrad será a pessoa certa para passar
este legado.

Quando saio da sala, me surpreendo quando Bill surge de trás de uma árvore de Natal,
segura meu braço e praticamente me arrasta para a saída.
— O que é isso? Estamos fugindo?
— Acho que já chega de festa de Natal por hoje — resmunga de mau humor, quando
chegamos ao hall e nos entregam nossos casacos.
— Era impressão minha ou estava escondido atrás daquela árvore?
— Julie Harris estava atrás de mim, querendo que eu conheça seu marido e não estava
nem um pouco a fim — responde enquanto saímos e entramos no carro que nos levará pra casa.
— Por que não? Quer dizer, talvez eu entenda. Julie é sua ex e acho que pode ser
esquisito essa coisa de ex e atual... — Deixo a questão no ar, curiosa para que ele conte sobre sua
história com Julie e porque ele parece ter questões mal resolvidas ainda.
Será que ainda gosta de Julie e por isso ficou esquisito de repente?
É óbvio que Bill está com uma carranca mal-humorada que não estava ali quando
chegamos. E eu me recordo que antes de Julie aparecer, estávamos nos beijando e eu não via a
hora de arrancar as roupas dele e fazer coisas bem pervertidas.
E hoje é nossa noite de núpcias?
Será que pode ter noite de núpcias em casamentos de mentira?
Deixo meu olhar vagar para fora, a noite escura e a neve que começa a cair na estrada, me
perguntando se os pensamentos de Bill estão no mesmo lugar que os meus.
Ele havia me tocado ontem e eu fui pra cima dele disposta a fazer o mesmo, se Roberto
não tivesse impedido. Ele estava atraído por mim ontem. E estava hoje quando me beijou. Mas
agora parece tão distante como se não houvesse mais o menor interesse.
Mordo os lábios tentando pensar numa maneira de abordar o assunto sem parecer que
estou desesperada para transar com ele.
Mesmo que eu meio que esteja.
Quando chegamos ao apartamento e entramos, decido puxar assunto.
— O Sr. Merlin disse que conversaram — comento, parando na sua frente.
— Sim, conversamos.
— Ele não se decidiu ainda, não é?
— Ele está apenas estudando a proposta com os advogados, o que é algo normal. Mas vai
vender sim, eu vi nos olhos dele. Está apaixonado pela ideia de ter um casal como nós cuidando
dos negócios.
— Então isso quer dizer que ele comprou a ideia de que somos um casal.
— Sim, nós conseguimos. Em breve ele dará sua resposta e podemos acabar com isso.
Fecharei o negócio e estaremos livres para desfazer o casamento de mentira e seguirmos nosso
caminho.
As palavras me atingem como um soco no meu estômago. E a esperança que eu nem
tinha me dado conta de que vinha acalentando se desfaz como uma criança quando descobre que
Papai Noel não existe.
Bill não está interessado em mim além do que eu represento pra ele: uma esposa de
mentira para ajudar a convencer Rupert Merlin.
E eu me surpreendo ao perceber que estou decepcionada.
Em que momento comecei a nutrir um interesse real em Bill Conrad? Sério, só porque ele
usou seus dedinhos safados pra me dar um orgasmo ontem e estava claramente excitado com
isso? Por que ele parecia gostar de me beijar? Por que às vezes sentia que ele estava se sentindo
atraído por mim da mesma forma que eu me sentia por ele?
Talvez eu tenha me iludido?
Provavelmente.
Bill é só um cara e como todos os homens deve ficar excitado com qualquer coisa. Até
com a esposa de mentira que parece bem disposta a ir pra cama com ele.
E por um momento, eu cogito mandar a dignidade à merda e ir pra cima dele e convencê-
lo que podemos transar e ainda assim mantermos as coisas no âmbito contratual.
Mas quero mesmo me humilhar daquele jeito por uma transa? Ainda que essa transa seja
com um cara como Bill Conrad que dá pra ver a anos-luz de distância que é muito bom de cama?
Não, Ella, pare agora!
— Claro, é pra isso que estamos aqui — repito suas palavras. — Espero que o Sr. Merlin
aceite sua proposta. Seria muito chato se tivéssemos casado à toa! Já que foi só por isso que nos
casamos!
— Mas nós também temos a farsa para suas amigas.
Ah droga, por um momento eu me esqueci daquilo.
— Sim, verdade. Bem, espero que também consigamos convencê-las que somos um casal
apaixonado assim como convencemos o Sr. Merlin, mas até lá acho que não precisamos fingir e
ficarmos juntos por aí. Que alívio! — minto. — Enfim, boa noite.
Eu me afasto para meu quarto, passando por George e Roberto que estão na porta do
quarto de Bill, como dois guarda-costas, mantendo Bill a salvo de mim.
— Estou vendo que recrutou um comparsa, Roberto. Fique tranquilo, seu novo dono não
está interessado em mim e eu não estou interessada nele.
O cão levanta a cabeça e me lança um olhar que juro por Deus é cheio de deboche.
— Não acredita? Não importa! — Passo por ele e vou para meu quarto.
Que triste fim, Ella. Discutindo com um cachorro!
Capítulo 15
Cenas de um Casamento de Mentira

Quando saio do quarto na manhã seguinte, já arrumada para ir para o trabalho, passo na
cozinha para tomar uma caneca de café, e me surpreendo quando Bill entra no apartamento,
usando apenas uma calça de moletom, todo suado e com fones de ouvido, passando por mim e
indo até a geladeira.
Uau.
Ele tem um peitoral do tamanho certo, aquele tipo de cara magro malhado com bíceps
perfeito para meus dedos e um tanquinho ótimo para escorregar.
Ele pega uma garrafa de água e toma direto do gargalo e sinto minha boca seca, o café
esfriando na caneca entre meus dedos.
De repente ele vira pra mim e tira o fone do ouvido.
— Bom dia.
— Bom dia. Você estava... malhando?
— Sim, tem uma academia no subsolo do prédio. Você malha?
— Não.
— Deveria.
— Está me chamando de fora de forma ou algo assim?
— Não, apenas que deveria ter hábitos mais saudáveis.
Reviro os olhos enquanto termino de tomar o café agora morno e coloco a caneca na pia
indo pegar minha bolsa.
— Este é seu café da manhã?
— Sim, não tenho apetite cedo.
— Isso não é saudável.
— Não perguntei — rebato com uma careta e quero acrescentar um “você não é meu
marido de verdade pra ficar cuidando da minha vida!”, mas me calo a tempo. — Estou indo
trabalhar. Você... vai voltar à loja?
— Na verdade, nunca nem fui um funcionário da Merlin’s. Mas devo voltar lá
eventualmente.
— Imaginei. Bem, não sou uma herdeira, então tenho que ir trabalhar. Bom dia!
Passo por ele e saio do apartamento me congratulando por ter sobrevivido a minha
primeira manhã como esposa de mentira.
Não foi difícil foi?
Ontem, depois do balde de água fria que Bill jogou na minha cabeça, fiquei bastante
preocupada de como iria ser agora.
Como é que era um casamento de mentira?
Eu e Bill não nos dávamos bem quando éramos colegas de trabalho, mas desde que
entramos naquele acordo parecia que o clima havia melhorado entre nós.
Eu quase podia dizer que meu ranço diminuiu muito.
E não consigo negar que acho que até comecei a gostar dele.
E teve aquela noite em que atravessamos a linha do “isso é só um acordo”, mas aí Bill
ficou esquisito depois de reencontrar sua ex.
E voltamos à estaca zero. Quer dizer, somos casados de mentira e moro com ele, mas não
somos um casal como outro qualquer e eu ainda não sei como agir direito ou o que esperar.
Quando chego à loja, o burburinho está rolando por todos os cantos e percebo assim que
cruzo com Drew e Donna na sala de café que a farsa de Bill foi revelada.
— Você já está sabendo do Bill? — Donna indaga deliciada por termos uma fofoca
novinha.
Eu encho minha caneca de café.
— Não, o que aconteceu?
— A minha teoria estava certa! — Drew exclama.
— Sério? — Faço minha maior cara de desentendida.
— Sim! Só que ele é a própria British Departament Stores! Quer dizer, a holding é da
família dele. Ele é neto do CEO!
— Nossa, como assim? — Uau, eu posso ganhar um Oscar.
— Não é escandaloso? — Donna ri. — E a gente pensando que ele fosse só um
funcionário!
— Eu já tinha sacado que ali tinha coisa! Eu te disse, não foi? — Drew está se sentindo
muito esperto.
Pior que ele tem razão.
— Sim, você deduziu logo, mas estou muito surpresa. E como vocês descobriram?
— Você chegou atrasada e não participou da reunião com a Geórgia que contou tudo! Ela
disse que foram as próprias netas do Sr. Merlin que pediram para empregá-lo, mas que ela não
sabia de nada.
— A pobre Geórgia estava passada! — Donna ri. — Ela foi obrigada a contar por que
Caroline ouviu o Sr. Merlin reclamando com ela sobre Bill ser um espião dessa tal holding ou
algo assim. E no fim parece que o próprio Bill confessou e agora ele não é mais nosso colega de
trabalho.
— Mas pode ser o dono de tudo! O novo Sr. Merlin! — Drew completa.
— E você não gostava dele, devia ser seu sexto sentido, intuindo que ele era um
mentiroso! — Donna comenta.
— Não é bem assim, Donna — Drew intervém.
— E é como? Ele mentiu pra todo mundo. E a pobre Kendall? Ela sabia, será?
— Ela me disse que não sabia de nada. Está tão surpresa quanto nós.
— Mas e agora, gente? Será que a Merlin’s vai ser mesmo vendida? — Donna indaga. —
Eu espero que não.
— Por que não? Eu adoraria puxar o saco do novo dono, se é que me entende... — Drew
pisca com malícia.
— E se a ideia deles for fechar a loja?
— Não acho que isso vai acontecer. Fiquem tranquilos — garanto.
Os dois me encaram.
— Como sabe?
— O Sr. Merlin jamais venderia a loja para alguém que pretenda destruí-la.
— Mas depois que ele vender, não vai poder fazer mais nada. — Donna não parece
convencida. — Eu acho que vou começar a mandar uns currículos.
Eu termino meu café e vou para meu setor.
Chegando lá, Kendall está inconsolável.
— Você já sabe do mentiroso do Bill Conrad?
— Sim, acabei de saber — minto.
— Aquele canalha! Me enganou direitinho!
— Kendall, não está exagerando?
— Estou? Tínhamos um relacionamento! Ele devia ter me contado, não ter mantido
segredos de mim!
— Vocês nem eram namorados de verdade!
— Eu não entendi assim não! Sabe de uma coisa, tinha razão! Ele é um cara tóxico.
Chernobyl! Eu deveria processá-lo! Sim, vou processá-lo por falta de responsabilidade afetiva!
— Kendall, isso é ridículo!
— Não é! Ele não é milionário? Pois vamos ver.
Rolo os olhos, indo atender uma cliente e ignorando o chororô descabido de Kendall.
Como nunca percebi que ela é totalmente sem noção?
Quase sinto pena de Bill.
Quase.

Quando chego em casa à noite, Bill não está e me pergunto se vai aparecer em algum
momento. O que eu faço? Cozinho para ele também?
Sem saber se ele vai aparecer pra jantar ou não, faço apenas um sanduíche e sento no
sofá, colocando Friends na TV enquanto os cachorros estão brincando num canto. Roberto me
lança um olhar meio ameaçador, mas desvio o rosto, tentando ignorá-lo pra ver se me deixa em
paz e acho que funciona. Ou talvez ele esteja apenas aguardando o momento em que vou baixar a
guarda para me atacar.
De qualquer maneira preciso lembrar de deixar o closet trancado, para evitar a destruição
dos meus novos sapatos.
Bill aparece algum tempo depois. Ele está vestido casualmente, o rosto vermelho do frio
lá fora. E os cachorros pulam a sua volta fazendo festinha. Confesso que sinto inveja dos
cachorros, quando ele os pega no colo enfiando o rosto em seus pelos e fazendo cócegas.
— Oi — ele me cumprimenta, meio distante, porém de forma educada.
— Oi... tudo bem? — Mordo os lábios meio sem saber como agir.
— Estava em uma reunião com advogados.
Eu o meço.
— Vestido assim?
Dá pra ver que as roupas dele são caras, mas são casuais.
Bill ri.
— É assim que me visto. Não gosto de ternos e essas coisas formais.
— Achei que fosse um executivo fodão ou algo assim.
— Eu me vestia como um executivo fodão ou algo assim antes, mas agora não vejo mais
sentido.
— Sei... — Tenho vontade de perguntar mais sobre isso, mas Bill já se afasta para seu
quarto me deixando com a sensação de que ele talvez esteja me evitando.

Quando acordo na manhã seguinte me surpreendo ao encontrar Bill se movendo pela


cozinha cantando “Last Christmas” do Wham! em alto e bom som.
— Bom dia!
Passo por ele procurando café, mas Bill, se coloca entre mim e a cafeteira
— Não hoje.
— Oi?
Ele aponta para a bancada e eu me surpreendo ao ver a mesa posta com ovos, torradas,
queijo e mais um monte de coisa que nem sei o que é.
— Que isso?
— Café da manhã.
— Não tomo café da manhã.
— Agora toma.
— Não tomo não.
— Toma sim.
— Acha que vou comer tudo isso?
— Não, mas não sabia o que ia querer comer e preparei um pouco de tudo. Só precisa
achar o que lhe cai bem. Não pode ficar sem comer.
Ele diz com firmeza e por um momento quero continuar insistindo como uma criança
birrenta, mas em vez disso bufo e me sento em frente à bancada, começando a comer os ovos que
estão surpreendentemente bons.
— Doeu?
— Talvez eu vomite em cima de você.
— Então não coma os ovos. Experimente as torradas.
— Os ovos estão bons, papai.
— Não me chama de papai.
— Mamãe?
— Seus pais te obrigavam a comer?
— Meu pai não estava nem aí, e minha mãe nunca estava em casa, mas não lembro deles
precisarem me obrigar a comer. Acho que eu comia normalmente.
— Então quando foi que parou de comer decentemente?
— Acho que foi quando vim morar em Nova York? — Tento puxar pela memória. — É
caro comer aqui, sabe? Acho que comecei pra economizar e virou um hábito.
— Um péssimo hábito.
— Bem. Obrigada por isso. — Termino de comer e me levanto. — Tenho que ir para o
trabalho. Aliás, você é a fofoca da semana.
Ele ri nem um pouco preocupado enquanto brinca com George. E Roberto está dormindo
num canto.
— Espera. George? George Michael? — Eu entendo o nome do cachorro.
— Sim, qual o problema?
— Você é fã do George Michael? — Bill não para de me surpreender.
— Sim, e até convencia meu primo a fazer uma banda cover do Wham! comigo quando
tínhamos doze e dez anos. Isso foi antes dele virar um idiota.
— Você tem um primo?
— Sim, Edmund, o primeiro dono do George.
— Você roubou o George do seu primo?
— Sim. Ele chamava Valentino, te falei? Mas combina mais com George, não é,
amiguinho?
Ele cai no tapete brincando com George, enquanto eu saio para trabalhar.

À noite, Bill não está em casa quando chego e desta vez faço comida suficiente para nós
dois, já que ele foi legal fazendo café da manhã pra mim, porém, ele só aparece quando estou
assistindo TV.
— Ei, tudo bem?
— Sim, eu... Fiz comida. Quer dizer, se quiser, é só uma massa, enfim, talvez já tenha
jantado.
— Não, não jantei, obrigado, mas não precisa cozinhar pra mim.
— Eu sei que não preciso, mas eu tinha que comer. Só sobrou — desconverso. — Não
fique pensando que sou sua esposa de mentira que vai ficar fazendo jantar pra você e lavando
banheiro, ou...
— Acho que não notou que tem uma empregada que vem algumas vezes por semana
manter o apartamento limpo, e ela abastece a geladeira, além de deixar algumas coisas prontas.
Óbvio que não espero que faça nada aqui.
— É bom mesmo…
Às vezes eu esquecia que Bill é tipo um milionário. Imagino que ele deva ter um exército
de empregados na casa dele.
Ele vai pra cozinha e para minha surpresa retorna com seu prato alguns minutos depois.
— O que está assistindo?
— Friends.
Eu acho que ele vai reclamar. Ou pedir que eu mude de canal, mas não fala nada e fica ali
assistindo e até solta algumas gargalhadas comigo.
Droga.
Eu gostei disso.

Na manhã seguinte, Bill preparou café pra mim de novo e desta vez eu apenas agradeço e
como obedientemente enquanto ele brinca com George e Roberto. Este último ainda continua me
lançando olhares de desprezo, mas pelo menos não me atacou mais.
E estou pegando minha bolsa para sair quando Bill estende um envelope pra mim.
— O que é isso?
Eu examino dentro e acho alguns cartões.
— Seus cartões.
— Oi?
— Cartão de crédito, de débito... Essas coisas, de sua nova conta.
— Você está me dando dinheiro? Não posso aceitar!
— Foi o que combinamos.
— Combinamos?
— Sim, estava no contrato.
— Ah... — Sinto meu rosto esquentar. — Não lembrava disso.
Não vou contar que na verdade eu não li o contrato.
— Enfim, você mesma concordou que eu te pagaria para fingir ser minha esposa.
— Sim, claro... — Sinto um peso na boca do estômago.
O que não deveria.
Eu sabia onde estava me metendo quando concordei em me casar com Bill.
— Tudo bem. — Coloco o envelope na minha bolsa ignorando o incômodo que sinto por
estar aceitando dinheiro para desempenhar aquele papel.
Eu não deveria me sentir mal, Bill era bilionário e aquele dinheiro não era nada pra ele,
mas eu sei que no fundo não é este o problema. Eu não tenho tantos escrúpulos assim e já passei
muito perrengue financeiro para dar uma de boa samaritana. Não vou romantizar a pobreza.
O que me entristece é saber que no final das contas o que existe entre mim e Bill é só um
acordo.
Uma mentira.
Quando no fundo eu queria que fosse mais.

A sexta-feira chega e eu saio mais cedo da loja para ir me encontrar com Bill no
apartamento e irmos viajar.
Sinto um frio na barriga de antecipação imaginando como vai ser aqueles dias com
minhas amigas, onde terei que fingir o tempo inteiro que eu e Bill somos recém-casados
apaixonados.
Tudo bem que nos últimos dias estabelecemos uma rotina amigável, porém meio distante,
onde ele fazia café pra mim, eu voltava do trabalho e cozinhava para nós. Ele chegava de seus
compromissos e se juntava a mim e assistíamos Friends, rindo como um casal de idosos que não
transa nunca.
E eu tentava ignorar que só o som de seu riso já causava estragos no meu íntimo e que eu
desejava muito que ele brincasse com a minha barriga como brincava com a de Roberto.
Cachorro sortudo, viu!
Quando estou chegando em frente ao prédio de Bill, noto um cartaz colado no poste que
chama minha atenção.
Está escrito "Procura-se cachorro desaparecido". E uma foto de Roberto!
Começo a rir, mesmo sabendo que é maldade.
Coitada da Morgana, deve estar louca atrás do cachorrinho dela, mas acho que Roberto
nem lembra que Morgana existe, ele está completamente apaixonado por Bill. E como culpá-lo?
— Ella Quinn!
Eu giro assustada ao ouvir meu nome e me deparo com...
— Lorde Farquaad!
Sim, é ele mesmo.
— Lorde Farquaad? Acho que está me confundindo. Meu nome é Christian Felton. Ou
sai com tantos homens que se confunde? Imagino que este deva ser seu lance?
— Oi?
— Sim, eu não esqueci que me deixou plantado naquele restaurante. Eu estava sendo um
cara legal com você e foi o que recebi em troca. Um comportamento lamentável. E eu achando
que era uma moça inteligente, mas acho que errei. Deve ser mais uma interesseira que só queria
um jantar grátis. Pois eu ia dividir a conta, entendeu?
— Nossa, por que está sendo tão agressivo? Eu só fui embora, porque o encontro estava
sendo um desastre!
— Só se for por sua culpa.
— Minha culpa?
Meu Deus, a autoestima de certos homens!
— Sim, eu tenho muitas mulheres querendo sair comigo. Sou um ótimo partido e você
perdeu sua chance. Mas já que a encontrei por aqui, acho que deveria me ressarcir pelo jantar. E
mais 30% pelo transtorno!
— Ficou louco? Cai fora!
Eu me viro, disposta a deixar aquele babaca falando sozinho, mas ele puxa meu braço.
— Não vai fugir de novo, não!
— Me solta!
— Ei, solta ela!
Eu levo o segundo susto do dia quando Bill surge. Ele está segurando uma coleira com
Roberto e George.
— Não se intromete, cara — Lorde Farquaad o ignora e Bill o empurra, me puxando para
perto.
— Eu falei pra soltar ela, seu filho da puta!
— E eu falei pra não se intrometer, essa vagabunda tem uma dívida comigo...
Antes que Lorde Farquaad termine seus insultos, Bill me passa a coleira dos cachorros e
vira um soco no rosto do babaca.
Os cachorros latem, excitados com a briga e eu levo a mão à boca, assustada, mas
adorando ver aquele idiota apanhando.
— Ei, você me bateu? — Lorde Farquaad se levanta, indignado. — Quem pensa que é?
— Eu sou o marido da Ella e se você não desaparecer agora, vou quebrar suas pernas
minúsculas! Vaza!
— Acha que não posso te bater! — E é difícil não rir quando Lorde Farquaad levanta as
mãozinhas com os punhos fechados fazendo posição de boxe.
Mas antes que ele continue com sua ameaça ridícula, Roberto escapa da minha mão e
avança na perna dele.
— Roberto! — Bill grita.
— Isso Roberto, arranca a perna deste filho da puta! — grito adorando a fúria de Roberto
pela primeira vez.
Mas Bill consegue resgatar o cachorro, que late ensandecido, mostrando os dentes para
Lorde Farquaad.
— Algum problema, Senhor Conrad? — Dois seguranças do prédio surgem e Lorde
Farquaad percebe que é melhor fazer o que Bill exigiu, nos dando as costas, finalmente nos
deixando em paz.
Eu respiro aliviada.
— Você está bem? — Bill me encara enquanto me leva pra dentro.
Eu sacudo a cabeça em afirmativa, ainda atordoada.
— Não acredito que este cara surgiu do nada pra me cobrar pelo jantar! Que babaca!
Ainda bem que você bateu nele!
Bill ri quando entramos no apartamento soltando os cachorros.
— E Roberto te defendeu.
— Ele defendeu você, isso sim, mas de qualquer forma estou aliviada que apareceu.
Obrigada.
Eu me recordo do momento em que ele gritou em alto e bom som que era meu marido e
sinto um quentinho no peito, percebendo que gostei muito disso.
Mais do que deveria.
— Acho melhor nos apressarmos para partir.
— Certo.
Alguns minutos depois, eu já troquei de roupa e estou em frente ao carro de Bill enquanto
ele coloca as malas no porta-malas. E olho pra cima quando o primeiro floco de neve cai.
Coloco a língua pra fora, sentindo os pingos e escuto a risada dele.
— O que está fazendo?
— Nunca fez isso? Comer neve? Eu e meus irmãos adorávamos. Tente.
Bill faz o mesmo e nós dois rimos, antes de ele abrir a porta pra mim e entro no carro.
Ele dá a volta e senta ao meu lado.
— E aí, pronta?
— Pra quê? Para viajar? Acho que sim, agora para fingir por um fim de semana inteiro
que somos um casal apaixonado? Ainda não tenho certeza. E você está pronto para fingir que sou
a mulher da sua vida?
Ele sorri de um jeito que faz meu coração disparar no peito enquanto dá partida e o carro
desliza por entre a neve.
— Acho que não vai ser nem um pouco difícil, Cruella.
Capítulo 16
Fingir que Sou Apaixonada por Bill Conrad por um Fim de Semana Inteiro?

— Vamos ouvir George Michael o caminho todo? — reclamo depois de algum tempo em
que estamos no carro e Bill acompanha todas as músicas.
— Não gosta?
— E se eu disser que não gosto?
— Eu não confio no caráter de quem não curte George Michael. Então se não gosta fale
agora que já peço o divórcio.
— Baseado em quê? É o seguinte, senhor juiz, minha esposa ficou brava porque eu a
obriguei a ouvir Careless Whisper por quatro horas de viagem!
Ele ri.
— Só estamos há duas horas na estrada.
— E tem mais duas horas! Você é um péssimo companheiro de viagem.
— Eu parei duas vezes para você comprar café.
— Porque eu ameacei me jogar pela janela!
— Devia ter deixado você pular. Agora se vai continuar reclamando, troque de música.
— Não, tudo bem. Eu não odeio George Michael, para sua informação. Só me lembrou
muito as viagens que fazíamos quando criança. Meu pai gostava de músicas dos anos 80.
— Não gostava de viajar com a sua família?
— Não é que eu não gostava, mas sabe como são essas coisas. Três crianças barulhentas
e reclamando num carro por seis horas. Neal sempre vomitava em cima de mim, e Tonya era
muito espaçosa. E nas brigas eu sempre perdia, porque Tonya era a mais velha e Neal o caçula.
Tem sorte de ser filho único.
— Eu queria ter irmãos. Sempre achei que seria divertido.
— Era um desastre. Brigávamos por tudo, uma vez Neal correu atrás de Tonya com uma
faca.
— E onde estavam sua mãe e seu pai?
— Eu te contei, já. Meu pai sempre estava ocupado em algum negócio que ele achava
que ia ficar rico. E mamãe trabalhando em dois empregos para sustentar a família, quando meu
pai gastava todas nossas economias nesses negócios.
— Mas como eles estão hoje?
— Bem, mamãe agora tem só um emprego, já que não tem que sustentar três crianças,
depois que saímos de casa. Papai atualmente abriu uma imobiliária e espero que quando falir
pelo menos não tenha prejuízo.
— E seus irmãos moram na cidade ainda?
— Tonya sim, ela se casou há dez anos com um bombeiro, e tem dois filhos, um casal de
oito e seis anos. Neal mora com o namorado em São Francisco. Eles estão bem, não os vejo com
tanta frequência, mais nos feriados.
— Por que escolheu Nova York?
— Sempre tive o sonho de morar aqui. Assistia aquelas comédias românticas e me
imaginava andando pelas ruas toda glamorosa, morando num apartamento chique, com um
emprego fabuloso e um namorado descolado. Mas nada do que sonhei aconteceu. Eu estagnei na
Merlin’s, só posso pagar apartamentos horríveis, com companheiros de quarto malucos e nem
vou falar sobre namorados porque você viu o tipo de caras com quem consigo encontro.
— Não fale assim, Lorde Farquaad não era tão ruim — ele brinca.
— Ah sim, ainda veio atrás de mim pra eu pagar uma multa por tê-lo abandonado no
encontro!
— Mas acho que sua sorte mudou.
— Mudou? Está falando de você? Mas nem é meu encontro de verdade.
— Não, não sou.
— Além do mais, não sei se iria querer sair com um cara que rouba cães e é apaixonado
pelo George Michael.
— Eu também não gostaria de sair com uma garota que rouba café e odeia George
Michael e cachorros.
— Não odeio George Michael e cães! É o Roberto que cisma comigo!
— Ele vai aprender a confiar em você.
— Acha que ele deve confiar em mim?
— Quando não está surtando com muita cafeína até que você é legal, Cruella.
Eu rio sentindo um rubor de prazer encher meu rosto.
— Então você gosta de mim agora?
— Temos que resolver essa questão do George Michael...
— Minha nossa, por acaso sua ex, Julie, gostava de George Michael?
Ele para de rir e me pergunto se falei demais tocando no nome da ex dele.
— Desculpe, acho que não quer falar dela. Imagino que seja uma história... mal
resolvida?
— Não é isso.
— Mas parece. Ficou todo esquisito depois que a reencontrou. Eu imaginei que talvez...
ainda gostasse cela.
— Da Julie? Não! Na verdade eu tenho medo dela. Pavor.
— Como assim?
— Eu conheci a Julie na faculdade. Ela parecia divertida e sexy e saímos uma vez, mas
eu não estava interessado em namoro e nada sério. Só que ela pensava diferente. Começou a
aparecer onde eu menos imaginava, gostava das mesmas coisas que eu. E achei que talvez
devesse dar uma chance e começamos a sair, mas não demorou para eu perceber que ela era
maluca de pedra. E não vou entrar em detalhes, mas quando eu quis terminar, ela meio que me
sequestrou?
— O quê?
— Sim, ela me prendeu no porão da casa dos pais dela, e a mãe dela era uma espécie de
bruxa ou algo esquisito assim e ficava cantando e batendo tambor enquanto eu discutia com a
Julie tentando convencê-la de que não iríamos ficar juntos, e o pai dela queria tirar fotos minha
pelado, foi um pesadelo. — Ele estremece. — Enfim, quando me livrei da Julie, fiquei meio
traumatizado com mulheres malucas e obcecadas.
— Ah, por isso ficou tão bravo quando descobriu as fotos e o que inventei...
— Bem, eu teria ficado assombrado mesmo que não tivesse traumatizado com a Julie.
— Me desculpe, eu sei que passei dos limites, mas juro que não sou como essa Julie. Não
sou obcecada por você e nada disso. Eu nem gostava de você quando enviei nossa foto sem
querer para minhas amigas!
— Ainda não gosta de mim?
— Ainda não sei. Talvez eu esteja te levando para um lugar isolado para te prender num
porão, não tem medo? — provoco.
— Bem que eu deveria ter trazido Roberto para me proteger.
Roberto e George haviam ficado aos cuidados da empregada.
— Não se preocupe, não sou apaixonada por você a este ponto. Quer dizer, não sou
apaixonada por você e ponto. — Enrubesço por perceber o que tinha dito.
Não estou apaixonada por Bill.
Claro que não.
Talvez tenha uma pequena queda por ele. Mas é só.
Porém, imaginá-lo pelado amarrado num porão para eu fazer o que bem entendesse não
parece uma má ideia.
— Enfim, não precisa ficar preocupado comigo. Não sou apaixonada por você, minha
mãe não é bruxa e meu pai jamais te pediria para ficar pelado. Talvez meu irmão pedisse se fosse
solteiro, mas agora ele está comprometido.
— Bom saber.
— Quer dizer, acho que nunca vai conhecer minha família mesmo.
— Imagino que não... Você vai passar o Natal com eles?
— Sim, claro. E você vai para sua casa?
— Com certeza vovó me espera lá. Mas os Natais não são a mesma coisa desde que meu
pai morreu.
— Foi de repente?
— Ele teve um ataque cardíaco numa noite de Natal.
— Oh, sinto muito. — Sem pensar eu seguro sua mão, a apertando.
E me surpreendo quando Bill entrelaça os dedos nos meus.
Não faço a menor questão de soltar e permanecemos assim até que ele estaciona o carro
em frente a casa.
Então eu volto a sentir o frio da barriga pelo que estou prestes a fazer.
Por um momento, tenho vontade de desistir de tudo.
Encontrar minhas amigas e confessar que inventei um marido. O que de pior pode
acontecer?
Elas nunca mais quererem falar comigo?
Não, não estou preparada para contar que inventei um marido de mentira apenas porque
queria saber como é ser como elas.
— Preparada? — Bill indaga.
— Não sei. Acho que estou um pouco nervosa.
— São só suas amigas, qual o problema? Talvez eu que devesse estar nervoso.
— Elas são legais. Janelle você já conhece. Bria é muito doce e nem parece que é rica pra
cacete, berço de ouro e tudo o mais. Talvez vocês se deem bem, o pai dela é inglês e ela mora na
Inglaterra desde que se casou. O marido dela, Maximilian, também é rico. E tem Eden, que é
megainteligente e é executiva de uma grande empresa em Chicago. Ela está grávida, o que foi
uma surpresa para nós, ela não é o tipo de mulher que estava louca pra ter uma família e de
repente está se casando com um chef de cozinha. Eu não conheço Erik direito, mas ele parece ser
gente boa. No fundo eu não conheço direito o marido de nenhuma delas. Convivi um pouco com
Jerry na faculdade, mas ele estava sempre em treinos e viajando. Na verdade, todas elas são
incríveis e óbvio que os maridos delas também são. — Dou de ombros, ignorando aquele velho
sentimento de inferioridade que me acompanha sempre que penso nas minhas três melhores
amigas.
— Mas você é incrível também, Cruella. — Eu me surpreendo com o elogio de Bill, mas
antes que consiga dizer qualquer coisa, a porta se abre e Janelle aparece.
— Eles chegaram!
Respiro fundo e saio do carro.
— Hora do show! — Bill contarola como se fosse muito engraçado.
— Finalmente! — Bria corre em minha direção me abraçando. — Nem acredito que está
aqui e... — Ela olha pra Bill. — Você deve ser o marido? — Ela abraça Bill também. — Estou
tão feliz de conhecê-lo.
— E você deve ser Bria.
— Sim, e este é meu marido... Maximilian. Quer dizer, Max. Podem chamá-lo de Max.
— Ela aponta para o bonito homem de cabelos castanho-escuros, que está atrás dela.
Max troca um aperto de mão com Bill e olha pra mim.
— Prazer em conhecê-la, Ella.
— Como assim, a gente já se conhece. — Eu o encaro confusa e ele fica vermelho. O que
é inédito. Maximilian sempre parecia muito autoconfiante e até mesmo um pouco arrogante. O
que eu relevava, porque ele era daqueles ingleses aristocratas. Devia ser normal ser um pouco
nariz em pé quando se toma chá com a rainha nas horas vagas. E eu lhe dei o benefício da dúvida
porque Bria é a pessoa mais meiga que conheço e nem um pouco metida por ser rica. E se ela
gostava dele, então Maximilian... Max, devia ser uma boa pessoa.
— Oh me desculpe, eu...
— Max, está maluco? Releve, meu marido é meio distraído! — Bria lhe lança um olhar
irritado, o que também é meio inédito. Bria é sempre muito comedida, como uma lady.
— E vai ficar aí? Está frio! — Janelle grita da varanda e ao lado dela está Jerry, seu
marido, mas ele está distraído digitando algo no celular.
— Vamos entrar!
Bill pega nossas malas no carro e seguimos.
Janelle o cumprimenta e cutuca Jerry.
— Jerry, seja educado e largue esse celular!
— Oh, desculpe. — Jerry sorri. — Como vai, Ella? Fiquei sabendo que laçou um
milionário?
— Jerry, pelo amor de Deus! — Janelle revira os olhos.
— Foi você quem disse assim!
Ele é um cara de quase dois metros, negro e com um sorriso largo de quem ganha
milhões jogando para um dos melhores times de basquete do mundo.
Eu fico vermelha, mas Bill não parece irritado enquanto cumprimenta Jerry.
— E a Eden e o Erik? — pergunto enquanto seguimos para dentro.
Cabana é algo que pra mim não define aquela casa elegante, com uma sala enorme e uma
cozinha de conceito aberto, onde Erik está cozinhando. E acena para nós.
— Olá, estou terminando nosso almoço. Bom te rever, Ella. — Ele sorri de forma
simpática, faz o tipo bonitinho, com cabelos castanhos e doces olhos cinzentos.
— E eu teria ido lá fora se não estivesse entalada aqui neste pufe, alguém pode me
ajudar? — Eden reclama e eu vou ajudá-la a puxando e a abraçando.
— Você está enorme.
— Obrigada! É só o que ando escutando ultimamente. — Ela olha para Janelle.
— Eu só falei a verdade!
— Não vejo a hora de engravidar para ficar te criticando também.
— Janelle vai mandar instalar uma câmera dentro da própria barriga para mostrar o bebê
nas suas redes — Bria brinca.
— Depois eu que sou maldosa! — Janelle resmunga. — Vem, vou mostrar o quarto de
vocês.
Eu e Bill seguimos Janelle e de repente eu me dou conta de algo que tinha ignorado.
Teremos que dividir o mesmo quarto.
A mesma cama.
Bem, não é como se já não tivéssemos feito isso antes.
— Ficaram com o melhor quarto da casa — Janelle diz quando entramos no quarto
espaçoso. — E tem uma porta que vai direto para a jacuzzi. — Ela pisca com malícia.
Eden e Bria entram no quarto em seguida e Bill diz que vai ao toalete, nos deixando
sozinhas.
Elas me puxam para a cama, rindo animadas.
— Então este marido existe mesmo — Eden comenta.
— E por que não existiria? Achou que eu estivesse inventando?
— Ela não quis dizer isso — Bria rebate —, mas é que foi muito de repente e claro que a
gente sabia que existia! Mas queríamos conhecê-lo pessoalmente, saber como ele era. Se é bom
pra você.
— Eu disse a elas que Bill era um cara legal — Janelle intervém. — E Ella conquistou
um ótimo casamento!
— Sim, mas você tem um conceito de ótimo casamento meio estranho — Eden critica.
— O que quer dizer? — Janelle não gosta do que Eden diz.
— Nada! — Eden me lança um olhar estranho que eu não entendo.
O que está rolando?
— Não, diz o que quis dizer! Eu entendo mais de bons casamentos do que você que casou
ontem e já está aí cheia de soberba!
— Ei, meninas, que isso! — Bria as interrompe. — Vão brigar agora?
— Não, claro que não — Eden nega. — E não quis dizer nada, só que você às vezes tem
uns conceitos de felicidade diferente das demais pessoas. Por causa dessas coisas de internet, de
ficar se exibindo, de ter a obrigação de estar sempre feliz...
— Mas sou feliz.
— Ei, gente, sério, chega, né? É Natal e estamos aqui para nos divertir! E estamos muito
felizes por você, Ella.
— Eu estou feliz por estar aqui com vocês.
— E como Bill é? Ele parece maravilhoso quando mandava os vídeos e fotos, mas é tudo
isso mesmo? — Eden indaga.
E eu me incomodo, como se ela estivesse duvidando que eu e Bill somos felizes, mas
aparentemente ela também estava duvidando da felicidade de Janelle, ou estava louca?
— Sim, ele é maravilhoso e estou vivendo um sonho! — Sorrio, suspirando como uma
noivinha apaixonada.
— Eu pesquisei o Instagram dele e ele passou os últimos anos viajando pra caramba —
Bria comenta. — Onde vão morar? Por que ele é inglês, não? Vai se mudar para a Inglaterra? Ah
seria lindo, seríamos vizinhas!
— É, ainda não sabemos. Por enquanto ele está em Nova York.
— E você continua trabalhando na Merlin’s mesmo sendo casada com o dono da loja?
— Bem, sobre isso, eu meio que exagerei um pouco. Na verdade, ele está em processo de
adquirir a Merlin’s, quer dizer, a holding do avô dele.
— E foi assim que se conheceram — Eden continua com um olhar estranho.
— Sim, eu disse.
— E vai continuar trabalhando na Merlin’s? — Bria indaga.
— Por enquanto sim. Sabe, sou uma mulher moderna, não preciso viver à custa do meu
marido — eu recito um discurso feminista pra me safar.
— Eu concordo contigo, mas sempre achei que quisesse mais do que trabalhar na loja...
— Eden continua.
— Bem, nem todo mundo tem a sorte de conseguir um emprego incrível assim que sai da
faculdade. — Meu tom saiu mais ácido do que eu gostaria.
— Nossa, calma. Não estou te diminuindo nem nada. Só sempre achei que tem mais
potencial e que talvez estivesse perdendo tempo numa cidade como Nova York, que é realmente
muito difícil.
— O que quer dizer?
— Que está há três anos lá insistindo em algo que talvez esteja fadado ao fracasso.
Fracasso.
Claro que Eden me acha uma fracassada.
A velha insegurança fecha minha garganta.
— Mas Ella não é uma fracassada! Se casou com um herdeiro bilionário. — Janelle
interfere. — Ella não precisa de mais nada agora. Trabalho e carreira pra quê?
— Nem todo mundo quer ser como você, Janelle — Eden rebate.
— Eu tenho uma carreira.
— Mostrar sua vida na internet?
— Ei, o que deu em vocês hoje? — Bria apazigua a iminente discussão. — Cadê o
espírito natalino? Que coisa mais chata essas discussões...
— Nós só estamos conversando sobre o futuro da Ella, sei que é difícil pra você entender
que nem todo mundo nasceu milionária e nunca teve que escolher entre se casar, trabalhar ou ter
que abandonar a carreira para ter filhos na vida...
— Uau, vai começar a brigar comigo agora também? Acha que não tenho problemas?
Você não sabe de nada.
— Ah claro, quais seus problemas, princesa? — Janelle ri. — Qual vestido escolher para
tomar chá com a rainha?
— A rainha não morreu? — comento tentando fazer piada e acabar com aquela briga
esquisita que está rolando.
— Como se você tivesse problema, Janelle! — Bria rebate. — Seu marido é um jogador
milionário.
— Como se isso fosse o bastante... — Eden desdenha de novo.
— Gente, por que estamos discutindo? — eu me interponho.
Nós nunca fomos de brigar.
Quer dizer, havia desavenças de vez em quando, mas parece que hoje todo mundo está
meio sensível.
— É Natal e a gente quase não se vê. Não deveríamos estar nos divertindo?
— Sim, tem razão. — Bria sorri e me abraça. — Vamos almoçar e conversar com seu
novo marido. Ele é mais bonito pessoalmente... — Ela pisca, enquanto vamos para a sala.
Bill está conversando com Erik quando nos aproximamos.
Ele me encara.
— Tudo bem?
— Sim, por enquanto...
— Bill, eu amei as fotos de suas viagens! — Bria comenta quando sentamos pra comer e
a conversa começa a girar em torno de viagens, o que é um alívio, porque eu estava com medo
de que elas começassem a me cravar de perguntas sobre Bill e eu.
Quando terminamos, Max toma a iniciativa de limpar a cozinha junto com Bria que, na
verdade, faz uma careta e eu não sei como ela não decidiu que deveríamos ter uma penca de
empregados ali.
Jerry desaparece dizendo que tem uma ligação pra fazer e não me passa despercebido que
Janelle não gosta nada disso, mas ela sorri e diz que vai fazer alguns vídeos para seus
seguidores.
Eden boceja e Erik toca seu ombro.
— Acho que precisa dormir.
— Erik, para com isso, não estou doente. — Ela afasta sua mão, um tanto arredia e
levanto a sobrancelha notando que Erik parece chateado com o afastamento de Eden.
Na verdade, eu não deveria estar surpresa, Eden sempre foi autossuficiente e era difícil
imaginá-la se deixando cuidar por alguém.
Ainda assim, ela se afasta dizendo que vai mesmo descansar, mas Erik fica na sala com
uma cara esquisita.
— Vamos dar uma volta? — Bill me chama.
— Claro.
Eu respiro aliviada quando colocamos o casaco e saímos.
Passamos por Jerry na varanda, falando baixo ao telefone, e Bill segura minha mão.
Imagino que para passar a vibe de casal normal.
Todo caminho está cheio de neve e é lindo de ver.
— Eu amo dias assim — comento.
— Eu não gosto muito, prefiro o calor.
Eu largo sua mão.
— Mas com a neve dá pra fazer isso...
Eu me abaixo, pego um punhado de neve e jogo nele.
Bill parece indignado, mas sorri com maldade.
— Corre...
Eu grito e corro e ele pega um punhado de neve e joga em mim.
Rimos como crianças, fazendo guerra de neve, até que caímos no chão, fazendo um anjo
de neve, mexendo as mãos e os pés.
— Então, não é divertido?
— Você é divertida, Cruella.
Enrubesço quando Bill se levanta e me puxa, seguimos assim, com sua mão segurando a
minha e sinto seu calor mesmo através das luvas.
— E como estamos indo até agora?
— Bem... Elas te acham bonito.
— Elas têm bom gosto.
Eu mordo os lábios.
— Eu tinha esquecido que teríamos que... dividir a cama...
— Isso é um problema pra você? Posso dormir no sofá.
— Não, claro que não é. A gente já dormiu junto antes... — Desvio o olhar me lembrando
do que aconteceu da última vez que dormimos juntos.
— Não quero te deixar desconfortável, Ella.
— Por que eu ficaria? É só uma cama e vamos só dormir.
— Não só dormimos da última vez que esteve comigo em uma cama.
Sinto meu rosto esquentar.
— É, não.
— Nós nunca falamos sobre isso.
— Não tem nada pra falar. Foi só... uma bobagem. Somos adultos. Não foi nada de mais.
— Eu me pergunto o que teria acontecido se Roberto não tivesse interferido.
— Acho que você sabe. — Paramos de andar e eu o encaro corajosamente e acho que
está bem claro todas as minhas más intenções naquele dia.
E agora.
Os olhos de Bill recaem em meus lábios e meu pulso acelera.
— Hoje Roberto não está aqui para resguardar sua virtude.
— Não, não está. — Ele se inclina em minha direção.
— Isso é ruim ou bom? — murmuro, antecipando o gosto do beijo que paira entre nós.
— Vai ser muito bom.
Ai meu Deus, sinto um arrepio quente percorrer minha espinha e fico fraca me
aproximando ainda mais e respirando Bill Conrad.
Meu marido de mentira.
Mas não tem nada de falso na vontade que eu tenho de fazer coisas bem sacanas com ele
agora.
— Você vai me beijar? — indago ansiosa quando os segundos se passam e nem um de
nós faz qualquer movimento.
— Se eu te beijar, não vai ser só isso, Ella.
— Tudo bem.
Ele ainda hesita como se estivesse buscando em meu olhar a resposta que espera.
E estou aqui, aguardando ofegante Sentido a tensão sexual que estava sendo construída
entre nós na última semana alcançar um nível intolerável.
— Tudo bem? Nós nunca conversamos sobre se este casamento de mentira envolveria
sexo.
Fecho os olhos sentindo que posso derreter e cair no chão desintegrada a qualquer
momento só porque ouvi a palavra sexo vindo da boca de Bill.
— Você quer... sexo? — ele questiona num tom que faz um pulsar ansioso instalar entre
minhas pernas.
— Se eu te disser que quero, vai me achar uma maluca obcecada com você e sair
correndo?
Seus dedos enquadram meu rosto.
— Abra os olhos.
Eu faço o que pediu e mergulho em seu olhar sentindo todo o ar sendo roubado dos meus
pulmões porque ele me encara com um desejo que é mais real do que qualquer emoção que tenha
visto antes com caras com quem eu saí de verdade até então.
— Sim, eu quero foder você desde que me beijou naquela escada, Cruella.
— Achei que estivesse me zoando.
— Não estava.
E ele me beija de um jeito que esquenta tudo dentro de mim e sinto que o calor que
geramos poderia derreter toda a neve ao nosso redor.
É assustador.
E perfeito.
E estou a um ponto de me tornar obcecada por Bill Conrad.
Capítulo 17
Sexo, Romance e George Michael

Eu me agarro a seus ombros enquanto Bill me leva pra mais perto e me pergunto se seria
deselegante se fôssemos pra cama agora?
— Não seria não! — responde e eu me dou conta de que pensei alto quando ele me solta
apenas para me jogar em cima dos seus ombros como um saco de batata e sair me carregando de
volta para casa.
— Me põe no chão! — Não consigo parar de rir, levemente preocupada que minhas
amigas me vejam sendo carregada como uma mulher da época das cavernas, mas Bill atravessa a
varanda e vai para os fundos entrando e me solta apenas quando chegamos ao quarto.
E é só para começar a tirar as roupas e enquanto eu o encaro meio embasbacada.
— O que está fazendo?
— Tirando a roupa?
— A gente vai mesmo fazer isso?
— Foder? Sim.
— Ok. — Sacudo a cabeça em afirmativa ofegando e começando a tirar minhas roupas.
Bill termina primeiro e vem pra cima de mim me empurrando em direção à cama quando
ainda estou de sutiã e calcinha, e eu amo como ele enche minha boca de beijos molhados, as
mãos se enfiando embaixo do sutiã e torcendo meu mamilo, enquanto distribui beijos e mordidas
por minha mandíbula, meu pescoço, até chegar aos meus seios que ele abocanha como se fosse
sua refeição preferida.
Arqueio as costas da cama, gemendo impaciente, e tento enfiar o braço entre nós para
tirar minha calcinha porque sim, estou com muita pressa e Bill ri.
— Que porra está fazendo?
— Tentando me livrar da minha lingerie!
— Deixa que eu faço isso pra você.
Ele ajoelha na minha frente, nu e lindo e sinto o calor pulsar entre minhas pernas em
expectativa quando engancha os dedos no elástico da minha calcinha e a escorrega facilmente
pelas minhas pernas a jogando longe.
Ele me admira por um momento, passando a língua pelos lábios, os olhos ardendo em
mim, me deixando fraca e pronta.
— Vai ficar olhando? — Eu me impaciento e seus olhos encontram os meus.
— Estou pensando se vai querer um oral?
— Agora? Acho que prefiro seu pau? — Ofego e ele ri.
— Pode repetir? Acho que estou realizando uma fantasia aqui.
É minha vez de rir. Eu ajoelho na sua frente e seguro sua ereção o acariciando e adorando
ver seus olhos escurecerem de desejo.
— Eu quero seu pau...
— Porra, sim... — Ele segura meu queixo e me beija, me deixando tonta.
— Você tem preservativo?
— Sim. Em algum lugar...
Ele sai da cama para mexer nos bolsos de suas roupas.
— Merda, não encontro.
— Ah não! — Pulo da cama quando ele vai até a mala e começa a revirar.
Tiro a mochila da sua mão e a viro jogando tudo no chão e eu e Bill nos ajoelhamos,
pelados e excitados fuçando na bagunça de roupas até Bill levantar a mão com o pacote entre os
dedos como um prêmio.
— Achei!
— Graças a Deus!
Bill abre o pacote se apressando em colocar e eu mordo os lábios em expectativa e vou
meio que me arrastando para cama, mas ele me puxa antes que eu chegue lá.
— Aonde vai?
— Pra cama?
— Muito longe. E você está ótima assim. — E por assim eu entendo que é de quatro.
— Assim?
— Alguma objeção? — Ele aperta minha bunda.
— Não é nem um pouco romântico para uma primeira vez?
— Quer que eu seja romântico? Eu posso recitar um poema?
— Não, credo! Ok... Então anda logo.
Seus dedos puxam meus quadris com força e o sinto me penetrando assim. Nós dois
gememos, quando ele está completamente dentro de mim. Tira e põe de novo, como se estivesse
testando os movimentos e fecho os olhos, inebriada de prazer que começa onde nos encaixamos
e percorre toda minha pele como pequenos choques elétricos.
— Está bom? — ele indaga rouco e impaciente me fodendo num ritmo delicioso.
— Sim... Ah Deus... Não para...
E ele não para. Continua cada vez mais forte, mais fundo, nossos gemidos se misturando
e sinto o orgasmo sendo construído dentro de mim, me deixando tensa e plena ao mesmo tempo,
até que o clímax arrebenta em meu ventre me fazendo gritar com ondas de puro prazer me
arrepiando inteira. Como se vindo de muito longe, escuto Bill soltar um grunhido rouco e
delicioso e me apertar com mais força gozando dentro de mim.
Por fim, nós dois caímos no carpete macio, suados, ofegantes e satisfeitos.
Nós nos encaramos e começamos a rir.
Ele se levanta indo se livrar do preservativo, mas o máximo que eu consigo fazer é virar
de bruços.
— Você está bem? — Ele retorna e ainda estou estirada no chão.
— Acho que você me matou.
Ele ri deitando ao meu lado e depositando um beijo no meu ombro.
— Eu fui bruto?
— Aposto que ficar toda roxa e acho que pode ter quebrado algum osso da minha costela.
— Me dê algum tempo e eu posso mostrar meu lado romântico — ele sugere com
malícia, seus lábios deslizando por meu rosto e a mão acariciando minhas costas.
Eu mal sinto meus ossos, mas não consigo evitar o calor ressurgir entre minhas pernas.
Porém, antes que eu pudesse sugerir que agora seria uma boa hora para um oral, escuto
batidas na porta.
— Ei, estamos esperando vocês! — Bria nos chama. — Hora de fazer casinhas de
biscoitos!
Solto um gemido de desalento.
— Odeio minhas amigas.
Bill ri contra minha pele.
— É só trancar a porta e ignorá-las pelo resto do fim de semana.
— Elas vão me matar.
— Você arranja outras amigas.
— Não sou tão sociável assim. Já foi difícil arranjar essas.
Com muito custo eu me levanto.
— Só vou tomar um banho e estou inteira de novo.

Mas acaba que é muito divertido fazer biscoitos enquanto os meninos fazem um boneco
de neve e depois Janelle nos obriga a tirar zilhões de fotos com o boneco e eu finjo que é normal
quando Bill fica atrás de mim, os braços me enlaçando por meus ombros enquanto beija o topo
da minha cabeça.
Eu posso me acostumar a isso.
Já anoitece quando voltamos pra dentro e Janelle anuncia que tem pijamas iguais para
todo mundo e pantufas.
Bill entra na brincadeira sem reclamar e quando nos juntamos a Jerry e Janelle na sala,
ele me puxa para um sofá, me ajeitando perto, enquanto Janelle prepara nossa noite de filmes
natalinos.
— Isso é tão brega — Eden reclama aparecendo com Erik.
— Não é brega, é fofo — Erik a contradiz e ela rola os olhos se afastando quando ele
senta ao seu lado.
É impressão minha ou Eden está se esquivando do marido dela mais do que seria
aceitável?
— Aposto que o Max não vai querer vestir isso, amor — Jerry diz, tomando uma cerveja.
— Ele é todo aristocrata...
— Eu diria o mesmo, mas vocês repararam como ele está diferente? — Janelle comenta.
— Eu saquei também — comento. — Ele era meio formal demais, mas agora está mais
relaxado.
— Vai ver que a convivência com a Bria o mudou!
— Mudei quem? — Bria entra na sala acompanhada de Max, e sim ele está usando o
pijama e a pantufa da Janelle.
— Max — Janelle diz.
— O que tem o Max?
— Primeiro que antes ele era Maximilian...
— Oras, é só um apelido, qual o problema? O nome do Bill é William!
— Como sabe?
— Eu fucei no Instagram dele, oras! Aliás, quando estiver em Londres, podemos marcar
uma partida de tênis! Eu amo jogar tênis.
— Você joga tênis? — Eu o encaro, surpresa.
— Sim, você joga?
— Claro que não, mas eu acho muito sexy homens que jogam tênis.
— Ei, parem com essa conversa de travesseiro, tem crianças aqui — Bria aponta para a
barriga da Eden.
— E não muda de assunto — Janelle continua. — Diz aí Max, Bria é tipo uma fadinha
que transformou você num principezinho humilde?
— Janelle, para de pegar no pé do Max! E Bill, quando vai voltar pra Londres? Ella não
soube dizer...
— Provavelmente para o Natal.
— Ella vai pra Londres no Natal? Não me falou nada. — Bria me encara.
— Eu vou para a casa da minha família.
— Não vão passar o Natal juntos? — Eden questiona.
Eu fico tensa, sem saber o que responder.
— Ella preferiu ficar com a família dela, não vejo problema — Bill responde
simplesmente.
— Mas e depois? Você vai se mudar para Londres? — Eden insiste.
— Claro que vai, é onde o marido dela vive! — Bria responde como se fosse muito
óbvio.
Mas não é.
Porque Bill não é meu marido de verdade.
— Eu amaria morar em Londres — Janelle comenta. — Acho muito chique essa coisa de
realeza.
— Vamos ou não vamos ver esse filme? — Jerry nos interrompe impaciente.
— Sim, grávidas precisam dormir cedo! — Eden reclama e Janelle coloca o filme.
Mas minha mente está distraída, imaginando que em pouco tempo Bill estará indo
embora da minha vida.
E eu não deveria estar triste, mas estou.
Quando o filme termina, nós nos despedimos e vamos para o quarto e eu me sinto muito
sonolenta e meio fora da realidade quando entro no banheiro para escovar os dentes.
Olho minha imagem no espelho enquanto penteio meus cabelos me perguntando o que
diabos estou fazendo me envolvendo com Bill Conrad?
No fundo eu sei que não deveria ter transado com ele, mas como resistir? A verdade é
que eu me sinto atraída por aquele inglês folgado desde o momento em que roubei o café dele.
E o que eu faço agora? Entro no quarto e digo que não vai rolar mais nada, ou jogo a
sensatez pela janela e aproveito o tempo que tenho?
De repente escuto uma música e franzo o olhar.
Isso não é?...
Abro a porta e o quarto está meio escuro, a lareira acesa e está tocando George Michael.
— Você pediu romantismo?
Eu rolo os olhos.
— Isso é cafona, não romântico.
— Não é não, é como naqueles filmes de Natal que assiste.
— Nos filmes de Natal as pessoas nem transam!
Eu vou pra cama e me enfio debaixo das cobertas.
— No nosso sim. — Ele deita ao meu lado e me puxa para perto, me beijando e eu me
derreto rápido, esquecendo de qualquer pensamento de sensatez que ainda esteja rolando na
minha mente.
Quem se importa se vou quebrar a cara quando isso terminar?
Eu posso nem estar viva amanhã.

Mas na manhã seguinte estou vivíssima e meio arrependida de ter me deixado levar mais
uma vez pela sedução de Bill Conrad.
Jogo as cobertas para o lado, coloco uma blusa e saio para a varanda me sentando no
balaústre observando a neve cair. Bill saiu do quarto antes de mim, para atender uma ligação e
aproveitei para ficar ali, remoendo meu drama.
Caramba, a gente transou ao som de “Careless Whisper” e Bill até cantarolou o refrão
enquanto estava com a cabeça enfiada entre minhas pernas.
— Não, não canta — eu havia pedido e ele riu cantando ainda mais alto, me fazendo rir e
depois gemer quando parou de me provocar para usar sua boca para atividades mais prazerosas.
E desta vez não houve pressa quando ele deitou em cima de mim e me penetrou devagar,
roubando o resto da capacidade de pensar do meu cérebro enquanto se movia de forma precisa
para arrancar suspiros dos meus lábios e o prazer mais perfeito do meu corpo. Sinceramente, não
lembro de gostar tanto de transar com alguém antes. Parecia extraordinário e ao mesmo tempo...
normal, como se fizéssemos isso há séculos.
E eu quero fazer pra sempre.
Droga, estou muito ferrada.
— Ei.
Eu olho pra trás e Bill está saindo do quarto. Ele me estende uma caneca de café.
— Obrigada. — Eu a pego soprando e apreciando o calor.
— O que está fazendo aqui, vai congelar. — Ele se recosta em mim, as mãos alisando
meus braços, não sei se estou viajando, mas sinto uma preocupação genuína em sua voz e um
carinho em seus braços que me levam pra perto.
Não resisto, me recostando em seu peito, fantasiando que é real.
Que ele realmente gosta de mim. Se preocupa comigo.
Que aquela manhã é só a primeira de muitas que vamos acordar juntos.
Meu Deus, Ella, você enlouqueceu? Sai daí!
— Eu preciso ir embora… — Bill interrompe meus pensamentos.
— O quê? — Eu me viro e Bill me solta.
Pulo do muro e ele está de braços cruzados agora, como se estivesse na defensiva.
— Sim, tenho que sair daqui a pouco. Voltar a Nova York.
— Mas não pode ir! Só termina amanhã nossa viagem!
— Sinto muito, mas os advogados do Rupert querem que a gente se reúna antes do
Natal...
Eu fico irritada.
— Não pode me deixar aqui! Não foi o que combinamos! Você se comprometeu a fingir
que era meu marido por todo o fim de semana!
— Claro, porque é só por isso que estou aqui, pra você fazer seu teatrinho ridículo para
suas amigas.
— Ei, teatrinho ridículo? É isso o que pensou o tempo inteiro?
— E não é? Você ao menos se dá conta do quão sem noção é essa necessidade que tem
de ser como elas?
Sinto como se ele tivesse me estapeado.
— Sem noção?
— Sim! Eu acho que não tinha percebido até chegar aqui. Você é insegura e se sente
inferior a elas. Acha que é menos importante porque elas são ricas ou tem carreiras e casamentos
que você acha que é perfeito. E, sinceramente, não tem nada de perfeito nas suas amigas, você
que se colocou num lugar de inferioridade e não consegue ver.
— Não sabe de nada. Mal conhece Bria, Janelle e Eden para ficar analisando!
— E você também não conhece.
— Ah cala a boca!
— Mas eu conheço você.
— Não conhece! — grito. — Está pensando o quê? Que só porque é meu marido de
mentira me conhece? Pode ficar me julgando?
— Estou apenas falando a verdade e no fundo você sabe. Só não quer ver. Pare de querer
ser suas amigas e pense no que você quer, por você mesma e não para ser como elas!
— É, tem razão. Eu queria ser como elas, porque é horrível nunca conseguir chegar a
lugar nenhum! Qual o problema? Não vou aceitar que me julgue por isso, porque é um problema
meu! Você me conhece há cinco minutos e não sabe como é estar na minha pele! Como pode?
Você tem tudo!
— Eu não tenho tudo...
— Ah, pobre menino rico, vai se ferrar! Vai lá comprar mais uma loja para seu vovô e
continuar sendo o netinho preferido que vive de mesada pulando de montanhas por aí! Se estava
de saco cheio de fingir que era meu marido, de fazer a sua parte no nosso combinado, era só
falar! Ou estava esperando transar comigo e depois pular fora?
— Sim, era isso, eu fiz tudo pra transar com você! Está se achando muito, Ella! — Ele
entra no quarto batendo a porta.
Eu fico ali, respirando rápido e morrendo de raiva.
Mas quando ele passa por mim, segurando sua mala em direção ao carro eu sinto certo
desespero.
— Vai mesmo me deixar aqui?
Eu vou atrás dele enquanto joga a mala no porta-malas.
— Sim.
— Mas o que eu vou dizer para minhas amigas?
— Se vira, você é boa de inventar mentiras.
Eu me irrito ainda mais.
— Quer saber, George Michael é cafona!
Ele se vira com a mão na porta do carro.
— Retira o que disse?
— Não retiro!
Ele respira fundo, como se buscando se acalmar, mas eu não quero me acalmar.
— Ella, isso é ridículo...
— Sim, você é ridículo! Vá embora mesmo, não preciso de você! Suma daqui!
Ele assente e entra no carro batendo a porta e dando partida.
— E você nem transa bem! Tomara que o Sr. Merlin venda logo a loja e assim eu não
precise nunca mais ver você! Seu... ladrão de cachorro! — Eu lhe mostro o dedo do meio e me
afasto de volta para a casa.
O carro se afasta pela estrada e eu fico ali com imensa vontade de chorar.
E agora?
Eu me viro, arrastando meus pés congelados em direção ao quarto, mas antes de entrar
escuto uma voz do outro lado da varanda.
— Ei, amor, não fala assim, eu disse que precisava fazer essa viagem...
Eu franzo o olhar e vou até lá, espiando e Jerry está ao telefone.
— Eu sei, mas prometo que assim que voltar, ficaremos juntos! Eu te amo também, mas
minha esposa inventou essa viagem chata...
Coloco a mão na boca chocada enquanto volto correndo para o quarto.
Ah Meu Deus.
Jerry tem um caso?
Capítulo 18
Um Clima bem Natalino, Graças a Deus!

Volto para o quarto completamente em choque sem saber o que fazer.


Como assim?
Janelle e Jerry namoravam desde o começo da faculdade, quando ele ainda era só um
aspirante a jogador. Casaram-se assim que nos formamos e ele conseguiu contrato com o Lakers
e desde então são o casal de ouro perfeito.
Ela foi a primeira de nós a ter seu felizes para sempre. Aquela que primeiro teve a vida
que eu queria ter. Quer dizer, não bem aquela vida, mas ser feliz daquele jeito que achava que ela
era.
Mas o marido que ela escolheu, o cara que ela apostou todas as fichas, não passa de um
tremendo mau-caráter!
— Filho da puta — murmuro, furiosa.
Como ele pode trair Janelle?
Claro, no final das contas, ela era feliz, devia acreditar que tinha o marido perfeito,
enquanto ele a traía.
Pobre Janelle!

Começo a ouvir a movimentação na casa e me dou conta que não posso ficar ali o dia
inteiro.
Eu me visto e vou para a cozinha, e Bria, Max e Erik estão por ali.
— Bom dia. — Bria sorri.
— Onde está o Bill? — Max pergunta.
— Ele teve que voltar a Nova York. — Aquele outro filho da puta, penso, me lembrando
da briga que havia ficado em segundo plano na minha mente depois do choque de descobrir
sobre Jerry.
— Sim, ele passou aqui quando estava fazendo café e avisou que ia embora — Erik diz.
— Oh, estava acordado.
Merda. Será que Erik ouviu minha discussão com Bill?
— Sim, e ele deixou ordens expressas para fazer você comer. — Ele aponta para ovos
mexidos num prato. — E para não deixar você tomar muito café.
— Ah, que fofo. — Bria sorri, com certeza achando romântico.
Mas não é romântico.
Não tem nada de romântico na farsa que é meu casamento com Bill.
Não importa que ele às vezes parecia se importar comigo de verdade. Provavelmente
deve gostar de mim como um dos cachorros que rouba por aí. Na verdade, ele deve gostar mais
dos cachorros do que de mim.
Ignorando a vontade de mandar Erik jogar tudo no lixo, eu me sento pra comer.
Janelle entra na cozinha com Jerry e me controlo para não cuspir na cara daquele palhaço
mentiroso.
— O que foi? Está ruim? — Erik interpreta errado minha cara de nojo. — Bill me falou
como fazer do jeito que gostava...
— Não, está ótimo, só, às vezes me enjoa comer de manhã. — Tomo um longo gole de
café.
— Enjoada de manhã? Ah, será que você está grávida? — Janelle especula e eu me
engasgo com café.
— Não!
— Mas não seria legal? Imagina se todas nós tivéssemos filhos meio que na mesma
época...
— Do que está falando? Só a Eden está grávida e talvez a Ella. — Bria pisca pra mim.
— Eu não estou grávida!
— E se eu fosse ela não iria querer ficar grávida tão cedo. — Eden surge carregando sua
barriga que parece maior a cada hora.
— Nossa, olha quem acordou de mau humor — Janelle cantarola... — Amiga você
precisa logo parir essa criança, porque está tão chata.
— E você é chata até sem estar grávida!
— E quem disse que não estou?
— Você está? — Eu, Eden e Bria gritamos ao mesmo tempo.
Minha nossa, se Janelle estiver grávida deste paspalho, como vai ser?
— Não, mas essa cara de espanto de vocês é muito engraçada. — Janelle ri e eu respiro
aliviada. — Mas eu e Jerry decidimos tentar, não é amor?
— Sim. — Ele sorri lhe dando um selinho.
Que cara de pau!
— O que foi, vai vomitar? — Eden percebe minha consternação.
— Só não estou muito bem...
Erik toca meu ombro e eu o encaro e percebo certo entendimento em seu olhar.
Merda.
Ele ouviu alguma coisa.
O que ele sabe? E se contar a Eden, e se...
— Eden, precisa comer. — Bria está dizendo.
— Eu não preciso, estou enjoada, cansada e meus pés parecem de palhaço! — resmunga.
— Eu posso fazer uma massagem... — Erik se prontifica.
— Não, não pode. — Ela o corta de forma quase grosseira e agora tenho certeza que todo
mundo reparou.
Janelle levanta a sobrancelha. Jerry arregala os olhos e Bria olha para Eden com um olhar
de horror.
— Eden, nossa... — Bria balbucia.
— Desculpe. — Ela fica vermelha e solta um suspiro. — Eu só estou muito cansada
mesmo — responde descendo do banco. — Vou deitar no sofá um pouco.
— Erik, está tudo bem? — Bria questiona. — Eden não parece bem.
— Ela está de muito mau humor desde que chegou — Janelle diz. — Mas deve ser da
gravidez avançada. Joana, a esposa do amigo de Jerry dos Lakers, ficou muito mal também...
— Sim, provavelmente. — Erik sorri, mas tenho a impressão que tem mais coisas ali. —
Bem, preciso ir ao mercado comprar alguns ingredientes para nosso almoço.
Percebo que ele desconversou.
— Eu te levo — Max se prontifica.
— Eu vou também. — Jerry se junta a eles.
— Onde está o Bill? — Janelle questiona.
— Ele foi para Nova York. Negócios urgentes.
— Pobrezinha. — Bria faz um muxoxo.
— Hum, não gostei! A gente combinou de passar o fim de semana aqui, ele não deveria
te deixar sozinha! — Janelle reclama.
— Falei que ele tinha negócios! — rebato. — Ele não queria ir — minto.
— Nossa, calma. Só fico chateada por você. Dá pra ver que está chateada.
— Não estou. Não estou nem aí.
— Como não está nem aí? — Bria não entende e acho que exagerei.
— Quer dizer, eu entendo, só isso.
— Vou fazer uns vídeos lá fora. Vocês vêm comigo? — Janelle encerra o assunto.
— Eu vou... — Bria se anima.
— Bria, não vai não. — Eu seguro seu braço.
Janelle se afastar é a oportunidade perfeita para poder contar a Bria e Eden sobre Jerry.
— Por que não?
— Acho que devemos ficar com Eden, ela não está legal.
— Sim, verdade. Você se importa, Janelle?
— Claro que não.
Assim que ela sai, eu e Bria nos juntamos a Eden na sala.
— Amiga, você está bem? — Bria pergunta segurando sua mão e Eden sorri.
— Não seja pegajosa, Bria...
— Mas...
— Ei, parem as duas agora — eu as interrompo. — Preciso contar algo pra vocês.
As duas me encaram.
— O que foi?
— Ah não, está grávida mesmo?
— Não! Mas hoje de manhã, eu ouvi Jerry ao telefone...
— Ele fica muito no celular, né? — Bria comenta.
— E ele estava falando com alguém... Com quem ele tem um caso.
— O quê? — As duas exclamam ao mesmo tempo.
— Ele estava chamando essa pessoa de amor e se justificando que a esposa inventou uma
viagem chata!
— Mas... como sabe que era uma mulher? — Eden questiona.
— Um homem? Jerry é gay? — Bria intervém.
— Foco aqui, Bria! Eu não sei, ok? Mas ele prometeu que eles ficariam juntos assim que
ele voltasse e ainda disse um eu te amo.
As duas estão tão chocadas quanto eu.
— Não acredito que Jerry tem um caso... — Bria balbucia.
— Não sabemos ainda se é um caso...
— Realmente, certeza eu não tenho, mas acho, pelo tom da conversa, que era uma mulher
e era um caso sim.
— Minha nossa. O que vai fazer?
— Vamos contar a Janelle? — Eden questiona.
— Não acho que devemos contar — Bria diz.
— Mas não quero que ela continue sendo enganada por este cara!
— Você nem sabe... — Bria ainda parece incerta.
— Acorda, Bria. Está meio que na cara que ele tem um caso sim! — Eden a corta.
— O que eu faço? Como conto para Janelle?
— Ou não conte — Bria diz.
— Eu acho que devemos contar.
— Mas e se Bria tiver razão e for qualquer outra coisa...
— Você vai contar exatamente o que ouviu e ela vai tirar satisfação com ele. E você sabe
que se for verdade, a Janelle vai descobrir. É a Janelle!
— Sim, tem razão — concordo com ela, mas não deixo de sentir um embrulho no
estômago por ser a pessoa que vai desfazer os sonhos de uma das minhas melhores amigas.
— Nossa, desisto, está muito frio. — Janelle entra tirando o casaco e nós três nos
entreolhamos.
Eden assente pra mim, me encorajando e Bria parece que vai chorar.
— Janelle, eu preciso te contar uma coisa.
— Contar o quê? Oh... Está grávida mesmo?
Reviro os olhos, impaciente.
— Não, parem com isso!
— Certo, o que foi? Estão com uma cara estranha.
— Eu escutei uma conversa do Jerry ao celular hoje de manhã, parece ser uma conversa...
amorosa e... eu acho que ele tem um caso.
Por um momento Janelle não esboça reação e nós esperamos em silêncio.
Talvez ela entre em negação.
Talvez seja uma dessas mulheres que vai me culpar e dizer que sou louca e invejosa e
estou inventando.
Talvez ela comece a chorar e tente se matar com uma faca de cozinha.
Mas em vez disso, Janelle solta um longo suspiro.
— Eu sei.
— O quê? — Meu queixo cai e acho que ouvi errado.
— Eu sei que Jerry tem um caso.
— Mas... Como assim? — Bria indaga chocada. — Você sabia?
— Janelle, isso não faz sentido... — Eden diz igualmente perplexa.
— Espera... Você sabe que Jerry tem um caso? — repito e Janelle assente.
— Pelo amor de Deus, pra que tanto drama? Sim, meu marido tem um caso.
— E você fala assim nesta calma? Você descobriu desde quando?
— E por que ainda está com ele? — Eden pergunta.
— Porque este não é o primeiro caso do Jerry.
— O quê? — Nos três exclamamos juntas.
— Sim, o Jerry me trai faz tempo. A primeira vez ainda éramos namorados e eu descobri,
ele chorou e pediu perdão e eu perdoei porque ele jurou que nunca mais iria acontecer.
Eu a encaro estupefata.
— Por que não nos contou?
— Não era algo que eu queria que as pessoas soubessem.
Sim, Janelle sempre nos fez acreditar que ela tinha o relacionamento perfeito.
— E nos casamos, ele ficou famoso e rico e tínhamos a vida que sempre sonhamos.
Tirando o fato de que ele não consegue resistir a outras mulheres. A primeira vez que fiquei
sabendo durante o casamento, eu o confrontei e ele de novo chorou e pediu perdão. Disse que eu
não podia deixá-lo, porque éramos perfeitos juntos, que ele não era ninguém sem mim. E perdoei
de novo. Acho que até acreditei que nunca mais iria acontecer. Mas aconteceu.
— E você continuou perdoando? — Não consigo acreditar.
— Eu fingi que não estava vendo. Continuo fingindo que não estou vendo nada.
— Meu Deus, Janelle, isso está muito errado! — Sinto-me revoltada.
Eden concorda.
— Jerry é um filho da puta. Um mau-caráter que está te enganando!
— Bem, mas se a Janelle não se importa — Bria deduz...
— Cala a boca, Bria, claro que a Janelle se importa! — Eden a interrompe.
— Sim, é absurda essa situação. — Completo.
— Não é absurda... — Janelle tenta nos explicar. — Eu escolhi aceitar e...
— Quer que a gente acredite que é feliz assim? — Eden questiona.
— Eu sou sim! Olhem para minha vida. Eu sou casada com um jogador do Lakers. Sou
influente, rica e todos me invejam...
— Meu Deus, Janelle, está se ouvindo? A que custo vale a pena manter essa vida? Não
pode aceitar isso! — Eden está inconformada.
— Sim, eu pediria o divórcio... — Bria concorda.
— Não vou me divorciar!
— Por que não? Vai ficar com um cara que te engana na cara de pau? Ele não se importa
com você. — Eden continua.
— Como sabe? Ele é meu marido.
— Um cara que diz eu te amo para outra? Desculpa, mas ele não te ama.
— E você merece mais. — Eu toco seu ombro. — Não pode se sujeitar a isso...
— Sim, ficar se enganando que está feliz apenas para status? — Eden não para.
— Status? Acha que eu continuo com Jerry por status?
— E não é?
— Sim, eu gosto do meu status. Gosto da minha vida, porque foi a vida que eu sonhei,
mas eu amo Jerry. Eu o amei sempre e ele prometeu pra mim que íamos ser felizes e que me
daria tudo. E ele me deu tudo, talvez eu esteja sendo gananciosa querendo que ele seja só meu!
— Ela engasga com o nó em sua garganta. — Acha que eu não queria que ele fosse só meu? Que
me amasse como eu o amo? Acha que não cogitei ir embora tantas vezes? Mas como eu posso
viver sem ele? Eu não quero abrir mão deste casamento. Da vida que eu sonhei!
— Mas você está abrindo mão de você. Tem que parar agora, Janelle. Ainda dá tempo de
ser feliz, não pode ficar num casamento que não é feliz.
— O que sabe da minha vida? Vai me criticar? Você?
— Do que está falando?
— Acha que todo mundo aqui viu o jeito que trata seu marido. Vai querer que a gente
acredite que é feliz? Você nem gosta do Erik!
— Não sabe de nada...
— Mas ela tem razão, Eden... — Bria concorda. — Está muito esquisito...
— Esquisito, quer falar de esquisito, Bria? E seu marido que parece outra pessoa? O que
você fez com ele, lavagem cerebral?
— Mas ele é outra pessoa!
Nós três a encaramos sem entender.
— Como assim? — indago confusa.
Bria hesita, muito vermelha.
— Este cara que está aqui não é meu marido.
Meu queixo cai.
— Que história é essa?
— Ele é o... irmão do meu marido, o Maxwell. Irmão gêmeo.
— Bria, que papo é este? — Janelle exclama.
— Isso é ridículo! — Eden concorda.
— Espera, você comentou uma vez que Maximilian tinha um irmão, que eles não se
davam e que por isso não foi no casamento... — Eu de repente me lembro.
— Sim. Eles são gêmeos.
— Por que o irmão do seu marido está aqui se passando por seu marido? Cadê o seu
marido?
— Ele me odeia. Basicamente isso.
— Como assim?
— Eu menti, ok? Meu casamento nunca foi por amor. Nunca chegou nem perto disso. Eu
estava... falida.
— Falida? Sua família é rica.
— Era rica. Meu pai é viciado em corrida de cavalos e a última esposa dele levou o resto
do dinheiro e ele insistiu que eu me casasse com Maximilian Murray, porque ele era de uma
família rica e estava à procura de uma esposa... Eu aceitei, porque não via saída.
— Você podia arranjar um emprego e deixar seu pai se virar? — Eden se indigna.
— Não foi assim que eu fui criada... Enfim, eu aceitei. Maximilian era bonito e tinha seu
charme. Eu só transei com ele uma vez antes de nos casarmos, sabe. Porque queria ver se ia ser
legal e foi. Foi ótimo e eu achei que tudo iria ficar bem, que podíamos nos apaixonar. Como
aqueles livros de romance?
— A vida não é um livro de romance... — Eden revira os olhos.
— Eu sei, descobri bem rápido quando me casei e meu marido era um babaca
insuportável que nem queria mais transar comigo. E eu descobri alguns meses depois por quê.
Ele preferia transar com o melhor amigo.
— Não!
— Sim, um choque. Mas ele gostava de George Michael, não sei como não desconfiei.
— Ei, nem todo mundo que gosta de George Michael é gay, não seja preconceituosa —
revido.
— Enfim, eu aceitei que essa era minha vida.
— Por que não se divorciou?
— Porque eu não posso. Ele sustenta minha família.
— E onde seu cunhado entra nisso? — Janelle questiona.
— Eu o conheci depois de nos casarmos, e fiquei surpresa com a semelhança. E ele era
legal e... Quando surgiu a ideia de viajar, eu pedi que Maximilian viesse comigo e ele riu da
minha cara. E então eu pedi que o Max viesse e fingisse que era meu marido. Eles são iguais,
ninguém iria perceber...
— E ele concordou?
— Sim.
— Você enganou a gente deliberadamente? — Janelle se enfurece.
— Desculpe, sei que foi horrível.
— Você podia ter nos contado a verdade — Eden diz. — Que seu casamento era uma
farsa. A gente ia entender, somos amigas, íamos te apoiar, te ajudar.
— Ah sim, e você está fingindo que é feliz com o Erik!
— Não estou fingindo ser feliz com o Erik. Na verdade... Eu não estou feliz com o Erik.
— Acho que era meio óbvio — Janelle afirma com ironia.
— Qual o problema? O Erik é tão apaixonado por você — Bria indaga.
— Não é não! A gente só se casou porque eu estava grávida.
— Mas você não gosta dele?
— Eu não sei... A gente mal se conhecia. Nós tivemos só uma transa e de repente eu
estava grávida. E sabem que nunca foi meu objetivo me casar e ter filhos e acho que fiquei meio
apavorada. E quando ele sugeriu que nos casássemos, eu aceitei e nem sei por quê. Acho que
estava com medo de fazer isso sozinha. No fundo achei que nada iria mudar, que continuaria
sendo eu mesma, a mesma Eden, sensata e prática e focada no trabalho. E acho que... me assustei
quando percebi que é impossível. E a cada mês que passa mais eu tenho a impressão que estou
me perdendo de mim mesma.
— E o Erik?
— Ele é o cara mais maravilhoso do mundo e não sei como ainda não deu no pé. Eu
tenho sido... uma bruxa. Insisti em ter quartos separados e continuo trabalhando o máximo que
eu posso, nunca estou disponível... A gente nem transa.
— Por quê? Ele parece bem gostoso... — Não consigo deixar de comentar.
— Ele é, acredite, mas eu estava com medo de...
— Se apaixonar? — De repente eu entendo.
— Sim, ainda estou. Estou apavorada de ser mãe, de ser esposa...
— Por isso o trata tão mal. Pobrezinho. — Bria segura a mão dela e Janelle a outra.
— Pobrezinha da Eden, isso sim. — Eu me ajoelho à sua frente, tocando seu joelho em
apoio. — É ela quem está grávida e vai mudar tudo.
— E eu queria ter um bebê — Janelle murmura.
— Não acho que deva ter um bebê, Janelle. Olhe seu casamento, não vai ser um bebê que
vai salvar tudo.
— Eu sei, mas o que eu faço?
— Você sabe. — Seguro sua mão e a tristeza que vejo em seu olhar quebra meu coração.
— Não precisa ser perfeita. Ter o casamento perfeito. Ou a vida perfeita. Acho que ninguém tem,
percebo agora.
— Você tem o casamento perfeito — Bria funga.
— Então, acho que preciso confessar algo a vocês...
As três me encaram, à espera.
— Bill não é meu marido de verdade.
— Está de brincadeira? — Janelle ri, mas engole o riso quando vê minha expressão.
— Eu sabia que tinha alguma coisa errada! — Eden exclama.
— Como assim? — Bria está chocada.
— Quando eu mandei aquela foto pra vocês, foi sem querer. Era só um filtro. E eu sei
que podia ter desfeito a confusão, mas me vi inventando um marido.
— Por que diabos faria isso? — Janelle questiona.
— Porque eu tinha inveja de vocês. Eu queria ser como vocês.
— Ah, Ella, que patético — Janelle exclama. — Achou que a gente tinha a vida perfeita?
— Achei sim. E tudo o que eu queria era ter essa vida, mas nada dá certo pra mim. Estou
tentando a vida em Nova York por três anos e nunca chego a lugar nenhum! Tenho um emprego
que nunca sou promovida, moro com colegas de quarto bizarros que têm cachorros que me
odeiam! Ratos me perseguem no metrô e tenho encontros desastrosos com homens horríveis!
— E quem é Bill Conrad? — Eden pergunta.
— Ele entrou na loja como meu chefe, e eu o detestava, pra falar a verdade. E como eu
falei, aquela foto foi só um filtro, ele estava num encontro com uma amiga, aliás. E depois tudo
fugiu do controle. Eu comecei essa mentira e não sabia como sair dela. E era meio que divertido
inventar que era uma recém-casada feliz com um cara gato e rico. E quando eu tive um acidente
com o cachorro da minha colega de quarto e ela me expulsou, Bill me deu abrigo. E descobriu
que eu mentia sobre o fato de sermos casados. Ficou muito bravo comigo, o que é entendível,
mas a verdade é que Bill também estava numa farsa.
— Espera, ele é mesmo o neto do William Conrad, meu pai até o conhece, eles fazem
parte do mesmo clube em Londres — Bria comenta. — Por que ele estava trabalhando na loja?
— A holding da família dele quer comprar a Merlin’s, por isso ele se infiltrou na loja,
porque, segundo as netas do Senhor Merlin, iria ser mais fácil convencê-lo. E sem querer eu fiz o
Senhor Merlin acreditar que éramos casados e parece que gosta de mim e Bill ganhou pontos
com ele. E foi aí que Bill decidiu usar a minha mentira para ajudá-lo com o Senhor Merlin. E nos
casamos de verdade.
— Você se casou de verdade? Por quê? — Janelle se surpreende.
— Aí eu não estaria mentindo pra vocês, por exemplo... E era só um acordo. Bill me
ajudava e eu o ajudava.
— Mas e aqueles gritos que eu ouvi ontem à tarde não pareciam de mentira. — Ela
levanta a sobrancelha.
— Você ouviu?
— Todos nós ouvimos, amiga. — Bria ri.
— Que vergonha...
— Eu fiquei com inveja, nem lembro mais como é... — Eden suspira.
— Porque é uma tonta! Aposto que o Erik está louco para transar com você pra te deixar
menos tensa e você aí! — Bria a critica.
— É, acho que estou sendo idiota?
— Sim, o Erik parece ser um cara legal e só quer uma chance.
— Minha nossa, somos patéticas... — Bria faz uma careta. — Ninguém aqui tem um
casamento de verdade!
— Eu achei que tivesse... — Janelle suspira tristemente.
— A Eden também tem, basta ela parar de ser boba! — Bria insiste.
— Bem, e o casamento da Ella é de verdade — Eden diz.
— Não é não — eu nego. — É só um contrato.
— Mas eu achei que ele gostasse de você — Bria comenta. — E você não gosta dele nem
um pouquinho?
— Talvez um pouquinho demais — confesso —, mas é só um casamento de mentira com
prazo de validade. Provavelmente ele está fechando a venda da loja e vamos nos divorciar.
— Talvez mais alguém também vá se divorciar? — Bria encara Eden e Janelle, mas as
duas não respondem.
— E você, Bria, vai mesmo continuar neste casamento ridículo enquanto transa com seu
cunhado? — Janelle a questiona também.
Ela fica vermelha.
— Eu não transo...
— Ah, eu ouvi uns gemidos bem reveladores ontem vindo do seu quarto — Janelle
acusa.
— Bria! — Eden arregala os olhos.
— Ok, ok! Eu sei que estou ferrada, mas ele é tão gostoso... E eu descobri que não foi
com o Maximilian que eu transei antes do casamento.
— Não! — Nós três nos chocamos e de repente começamos a rir.
— Quando foi que a nossa vida se transformou num enredo de novela ruim? — Janelle
indaga.
— Está mais para um filme de Natal ruim — Eden diz.
De repente a porta abre e os homens entram.
— Ei, chegamos — Erik anuncia carregando sacolas para a cozinha.
Nós nos entreolhamos e paramos em Janelle.
Ela apenas respira fundo e se levanta.
— Não precisa se dar ao trabalho, Erik. Eu e Jerry estamos indo embora.
— O quê? — Jerry a encara, confuso.
— Sim, vou arrumar minhas malas. Assim você pode voltar mais rápido pra sua amante,
não é?
Ela solta essa e marcha para o quarto. Jerry a segue e Max encara Bria.
Nossa, como não percebi que ele não era Maximilian?
Agora que eu sei que é o gêmeo, dá pra ver pequenas diferenças.
— Acho que a gente deve ir embora, também — Bria diz. — Vamos fazer as malas.
Os dois se afastam.
— O que aconteceu aqui? — Erik indaga.
— Nem queira saber, mas se todos vão embora, a gente pode ir também — Eden conclui.
— Será que pode me ajudar a levantar?
Erik parece surpreso com o pedido de ajuda da esposa, mas se prontificou em ajudá-la.
— Acho que aceito aquela massagem nos pés, antes de irmos. — Ainda a escuto dizendo.
Eu suspiro e deixo meu olhar vagar para a neve caindo lá fora, ainda chocada com todas
as revelações.
No fim, Bill tinha razão.
A vida das minhas amigas não era perfeita.
E eu passei tempo demais querendo o que eu achava que elas tinham.
Mas o que eu quero? De verdade?
Ainda não sei.
Talvez agora eu queira um cara que é só meu marido de mentira e que vai sair da minha
vida após o Natal.
Capítulo 19
Olá, Papai Noel, Sou eu de Novo

— Posso pegar carona com você e Eden para o aeroporto? — indago a Erik quando ele
volta para a cozinha um tempo depois.
Eu estava tentando achar uma passagem de Burlington, a capital de Vermont, que fica a
quarenta minutos da casa em que estávamos.
— Sim, Bill já havia pedido para mim exatamente isso. — Ele me surpreende. —
Inclusive ele já comprou a passagem para voltar a Nova York. Claro que não íamos hoje, mas
consegui trocar sua passagem como a minha e a de Eden para Chicago.
— Quando ele falou com você?
— Antes de brigarem.
— Ah, sei.
— Imagino que por isso ele não te falou dos preparativos para sua volta.
— Sim... — E minhas palavras seguintes são interrompidas pelos gritos de Janelle no
quarto e nos entreolhamos preocupados.
— Eden te contou?
— Sim, contou. Só espero que eles não acordem Eden com este barulho.
— Como ela está?
— Está dormindo.
— Espero que as coisas melhorem entre vocês.
— Eu não sei se é possível. Embora ela pareça mais calma, quase... gentil neste
momento.
— Olha, a Eden é difícil, mas ela vale a pena. Não desista dela não.
— Nunca foi minha intenção desistir. O que acha que estou fazendo desde o dia que a
conheci?
Sorrio de volta.
— Estou torcendo.
— Estou torcendo por vocês também.
Eu faço uma careta.
Minha situação com Bill não tem nada a ver com a situação de Erik e Eden.
— Gente, acho que a Janelle quebrou alguma coisa... — Bria aparece com Max, toda
preocupada.
— Tomara que tenha sido a cara do Jerry — dardejo.
De repente Janelle passa por nós carregando suas duas malas.
— Vai se ferrar, seu filho da puta! — grita saindo da casa com Jerry tentando falar atrás.
— Amor, você tem que se acalmar...
— E não me chame de amor! — Ela joga as malas no carro e dá a volta sentando no
banco do motorista.
— Ei, onde vai? Não pode ir assim e me deixar aqui...
— Se vira, liga pra uma de suas amantes! E aproveita, liga para seu advogado e avisa
sobre o divórcio!
— Isso! — comemoro, quando ela dá partida e sai cantando pneus.
Jerry ainda grita para ela voltar e quando se vira parece desolado.
Eu não tenho pena.
— Droga! Como vou embora agora?
— Deveria era ir para o inferno!
— Não deveria se intrometer no que não é da sua conta, Ella — ele rebate.
Aparentemente já deve saber que fui eu quem começou a revolução, quando contei a Janelle
sobre a ligação com a amante.
Tudo bem que Janelle já sabia, mas com certeza a decisão de finalmente dar um basta
naquele casamento foi pressão nossa.
— Pode usar o nosso carro. Decidimos não ir hoje, não tem voo mesmo — Bria diz.
— Obrigado, Bria. Pelo menos alguém aqui ainda tem classe...
— O que disse? Está bravo comigo? Você que foi um péssimo marido, eu estou feliz que
a Janelle finalmente se livrou de você.
— E só pra constar, eu estou feliz também — Bria concorda comigo. — Só ofereci o
carro para não ter que ficar olhando pra sua cara safada!
— Ora, sua... — Antes que ele continue, Max se coloca na frente de Bria e dá um soco
em Jerry.
— Você me bateu?
— Sim, e bato de novo se falar com a Bria e a Ella desse jeito.
— Se manda, cara! Ninguém te quer aqui — Erik endossa.
Jerry parece querer argumentar, mas acaba indo pegar suas malas.
Max entra com Erik e Bria segura minha mão.
— Não era assim que eu imaginei o fim deste fim de semana.
— Terminou num clima bem natalino, graças a Deus. — Rio com ironia e ela me
acompanha.
— Então vai ficar aqui sozinha com o Max, é?
— Não me julgue. Eu só... não quero ir embora ainda.
— O que vai fazer? Tem que resolver essa situação.
— Eu não sei.
— Pode se livrar do seu marido babaca.
— Tem muita coisa envolvida.
— E o que o Max pensa?
— Eu não sei, não falamos sobre isso.
— Eu acho que ele gosta de você, senão não teria vindo aqui contigo.
— Talvez eu goste dele também, mas é muito complicado. Eu não consigo imaginar o
Max ficando contra a família. Ele ficou um tempo longe, mas agora estão bem de novo. Não
quero causar este tipo de ruptura entre eles. E tem o dinheiro...
— Sabe o que fazer. Livre-se desse cara e se Max for um babaca que prefere ficar com a
família, se livre dele também. E daí que vai ter que trabalhar pra sobreviver? Bem-vinda ao
clube.
— Eu nunca trabalhei, não sei nem por onde começar! — Ela faz uma careta. — Você
me ajuda?
Eu a abraço.
— Nunca imaginei que eu pudesse ajudar você.
— Mas você é demais, Ella. Não percebe? É muito corajosa e decidida. E sabe o que
quer...
— Não, eu não sei. Achei que sabia, mas estou meio perdida aqui.
— Então vamos ser duas perdidas. E divorciadas.
— Acho que Janelle pode se juntar ao clube também.
Ela sorri, mas não parece triste.
— Não foi assim que imaginei minha vida.
— Acho que nem uma de nós imaginava essa vida que temos agora, mas a gente vai
sobreviver.
— Sim, nós vamos.

Assim, eu viajo com Eden e Erik até o aeroporto naquela tarde.


Chego em Nova York no começo da noite e quando o táxi me deixa em frente ao prédio
de Bill eu hesito por um momento, sentindo que não deveria estar ali.
Será que ele está em casa?
Pensei em lhe mandar uma mensagem, mas não sabia o que dizer.
Nem sabia se ainda estávamos casados.
Eu deveria estar brava, mas a verdade é que já não estou. Ele tinha razão em me jogar na
cara meus motivos de ter inventado um marido e não foi um pecado tão grande assim me deixar
no meio do fim de semana, afinal, ele tinha um motivo bem sério. E relembrando o começo do
meu surto percebo que talvez tenha exagerado?
A questão é que depois disso, a briga foi ladeira abaixo, coisas horríveis foram ditas e
agora não sei em que pé estamos.
Se é que estamos em algum lugar.
Nós nos casamos com um fim específico. Fiz minha parte ludibriando o Senhor Rupert, e
Bill fez a parte dele colaborando com a minha farsa de marido para minhas amigas.
Agora já não faz diferença alguma.
Começa a nevar e percebo que não posso ficar ali para o resto da noite, entro no prédio.
Quando abro a porta, George vem até mim fazendo festinha.
— Ei, George... Onde estão seu sequestrador e seu amiguinho delinquente de um olho
só?
Óbvio que o cachorro não responde.
Mas as luzes estão acesas.
Eu entro na sala.
— Bill?
Nada.
Ligo a luz da árvore de Natal e o pisca-pisca colorido começa a brilhar. Sorrio, meio
triste.
Talvez esta seja minha última noite aqui.
E depois para onde vou?
Escuto um rosnado e me viro. Roberto está ali me encarando.
Mas não parece ameaçador, apenas... ressabiado?
Sorrio.
— Roberto, se eu disser que senti sua fata, você acredita?
O cachorro não responde. O que é um alívio, eu estaria com sérios problemas mentais se
ele falasse comigo.
— Quem diabos é você?
Eu me viro ao ouvir a voz estranha e um cara alto e magro de cabelos castanhos bem
penteados está me encarando.
— Quem diabos é você pergunto eu!
— Sou o dono do apartamento?
O quê?
— Não é não. Este apartamento é do... William Conrad.
— Meu avô.
— Você é neto do William Conrad também?
— Sim, meu nome é Edmund.
— Ah, é primo do Bill!
— Conhece meu primo?
— Sim, por isso estou... hospedada aqui. — Escondo a minha mão onde ainda brilha a
aliança.
Eu imagino que Bill não tenha contado sobre nosso casamento para a família.
Os olhos dele de repente brilham de interesse me medindo.
— Hum... Bill não contou que tinha uma... hóspede.
Ele fala isso com malícia, deduzindo que estou transando com Bill, por isso estou aqui.
— E onde ele está?
— Ele está na Inglaterra ou chegando lá, imagino.
O quê? Bill voltou pra casa?
Sinto uma decepção fria apertando meu peito.
Ele foi embora sem falar comigo?
— Vejo que está decepcionada? Ele não te contou?
— Não, não contou.
— Ele foi correndo contar ao vovô que conseguiu que o velho Rupert vendesse a
Merlin’s.
— Ah, então ele conseguiu.
Não sei se fico feliz ou triste com essa notícia.
— Sim, conseguiu. — Edmund não disfarça o aborrecimento.
— Não parece feliz?
— Ah, coisas de família. Bill nem deveria ter voltado à empresa e agora está fazendo seu
joguinho de poder pra ficar às boas com o vovô de novo, depois de ter nos abandonado por cinco
anos, quando o pai dele morreu. Eu achei que o vovô não iria aceitá-lo de volta, mas veja só,
agora que ele conseguiu finalmente a aquisição da Merlin’s, está um passo à frente. Mas eu
voltei pro jogo. Assim que o vovô contou que o negócio estava quase fechado, eu vim... ajudar,
ou melhor, tomar a frente. Se Bill acha que ganhou está enganado. Mas por que estou te
contando essas coisas? — Ele ri. — Me desculpe.
— Não, tudo bem.
— Você e Bill são...
— Não é da sua conta — eu o interrompo.
— Bill gosta de roubar as coisas dos outros, sabe.
Ele pega George no colo.
— Me roubou Valentino...
George late alto, tentando morder a mão do ex-dono que o larga quando fica impossível
segurá-lo.
— Agora Bill o chama de George.
— Hum, ridículo!
— Eu vou... dormir. E não se preocupe, vou embora amanhã.
Eu me dirijo ao quarto, mas Edmund me alcança.
— Ei, calma, por que não me acompanha para uma taça de vinho?
Ah não, lá vamos nós.
— Está dando em cima de mim?
Ele sorri com o que acha que é charme. Não é.
Parece que minha má sorte com homens babacas continua valendo.
— Eu estava dizendo que Bill gosta de roubar o que é meu, mas eu posso roubar o que é
dele também.
— Não sou do Bill!
— Não? Melhor ainda então... — Ele faz que vai me beijar, mas coloco a mão na frente.
— Ei, fique onde está!
— O que é isso? Uma aliança? É casada?
— Sim, sou casada. Com seu primo! Satisfeito, vai me deixar em paz?
Ele fica boquiaberto por um momento e então começa a rir.
— Não brinca!
— Não estou brincando. Agora se me der licença.
Mas ele segura meu braço.
— Calma, fiquei um tanto surpreso, mas queria saber mais sobre essa história. E,
aparentemente, Bill não está te dando o devido valor, se a deixou aqui e não contou a família
sobre este casamento repentino... — Ele acaricia meu braço.
— Dá pra me soltar?
— Por quê? Aposto que está caidinha por mim, senti a tensão entre nós assim que nossos
olhares se encontraram. — Ele tenta me beijar e no instante seguinte, escuto um latido e Roberto
está correndo em nossa direção.
Mas se antes ele me atacava, agora me surpreende atacando Edmund, quando pula na sua
perna.
Começo a rir com o desespero do primo babaca de Bill.
E quando ele finalmente consegue se soltar, Roberto fica entre nós rosnando.
— Este cachorro é um delinquente...
— Acho que Bill tinha razão, ele sente a má energia! Agora cai fora e fique longe do meu
quarto se não quiser ser atacado de novo!
Entro no quarto e bato a porta na cara dele.

Na manhã seguinte, eu me arrumo para trabalhar na Merlin’s pela última vez. Também
faço as minhas malas e quando saio do quarto, Roberto está dormindo na minha porta.
Sorrio, quase enternecida.
Ele me protegeu, quem diria?
Acho que fui perdoada.
Chego à cozinha e não vejo sinal do idiota do Edmund, o que é um alívio, mas imagino
que ele esteja dormindo.
Saio do apartamento e pergunto ao porteiro se pode guardar minhas malas, que eu
passarei no fim da tarde para buscá-las.
— Imagino que o Sr. Conrad voltará em breve de sua viagem à Inglaterra?
Não faço ideia, quero responder, mas me calo.
— E você pode dar este envelope para o Bill quando ele voltar?
Eu lhe passo o envelope onde guardei todos os cartões que Bill me deu, o anel de noivado
e a aliança.
— Claro.
Eu me despeço e saio do prédio.
Quando chego à Merlin’s a notícia de que a loja foi vendida já se espalhou e estão todos
em polvorosa.
E é o único assunto o dia inteiro.
— Acha que vai fechar a loja? — Drew indaga, quando estamos almoçando.
— Duvido.
— Mas e se tiver corte de pessoal? — Donna está preocupada.
— Não adianta sofrer antes do tempo, Donna.
— Você está muito calma — Kendall me encara esquisito.
— É porque este é meu último dia na Merlin’s.
— Não!
— Sim, estou pedindo demissão.
— Por quê?
— Acho que não tem mais nada aqui pra mim. E não só na Merlin’s, mas em Nova York.
— Fiquei triste agora. — Donna me abraça.
— Com quem vou fazer fofoca e tomar café? — Drew me abraça também.
— Tenho certeza que vai achar alguém. Quem sabe contratam um cara gostoso no meu
lugar?
— Deus te ouça.
Kendall me abraça.
— Não está indo embora porque a Merlin’s foi vendida, não é? Sei que não gostava do
Bill Conrad.
— Não tem nada a ver com ele, Kendall.
— E sabe o que eu descobri. Que ele é gay.
— O quê?
— Só pode. É a única explicação dele não gostar de mim. Ele ouvia George Michael, fala
sério.
— É, talvez tenha razão... — Eu concordo com ela, porque é mais fácil assim.

Saio da loja naquele fim de tarde depois de finalmente pedir minha demissão à Geórgia,
que nem parecia surpresa.
Decido caminhar até a cafeteria para pegar um café e me despedir da cidade. Caminho
sob a neve que começa a cair e a decoração de Natal por toda parte.
Sinto uma certa tristeza, mas também alívio.
Hoje é meu último dia na cidade.
Ontem liguei para minha mãe e avisei que estaria indo para casa mais cedo para o Natal,
que seria dali a três dias.
Só não contei que provavelmente ficaria em casa por algum tempo.
Eu poderia contar pessoalmente que fracassei na minha jornada de ser uma mulher bem-
sucedida.
Mas Eden tinha razão. Já chega. É hora de recuar e recalcular meus próximos passos.
Eu posso começar de novo, não posso?
Só não sei onde e como.
Olá, Papai Noel, sou eu de novo.
Sei que mandou alguns milagres, mas dá pra fazer novamente? Esses que me mandou
não deram muito certo...
Entro na cafeteria e peço um café.
Enquanto espero chamarem meu nome, pego meu celular e está cheio de mensagem no
grupo das minhas amigas.
Janelle envia fotos da fogueira que fez com as roupas do Jerry e eu fico orgulhosa dela.
Eden está avisando que chegou bem e que Erik está lhe fazendo massagem nos pés, já que ela
inchou no avião. Sinto-me feliz por ela parecer estar se entendendo com Erik finalmente.
E Bria diz que está entrando no avião para Inglaterra e decidiu pedir o divórcio.
Quando eu questionei se ela contou ao Max, ela respondeu que não, porque era um
assunto dela, que precisaria resolver independente dele.

Uau. Estou orgulhosa de todas vocês hoje. Escrevi com um sorriso.

E quanto a mim, pedi demissão e estou indo pra casa dos meus pais. Bill está na
Inglaterra, mas agora que ele fechou o negócio da Merlin’s aposto que vou receber um pedido
de divórcio muito em breve.

Podemos montar um clube das divorciadas. Desculpa, Eden, você não vai ser aceita.
Janelle escreve.

Prefiro ficar de fora dessa mesmo. Eden manda sua resposta junto com uma foto
beijando Erik.

Bria é a próxima a escrever:


E o que vai fazer depois? Sabe, preciso pensar num jeito de ganhar dinheiro, e estou
pensando em montar um brechó com todas as minhas roupas, bolsas e sapatos de grife. Aposto
que tem uma pequena fortuna no meu closet. E você poderia me ajudar, o que acha? Tem
experiência. Vamos ser sócias! E Eden pode nos prestar consultoria e Janelle fazer publi. De
graça, claro. Pronto, está decidido.

— Ella — chamam meu nome, mas eu continuo digitando enquanto rio da empolgação
da Bria.

Não tem nada decidido! Muita calma aí...

Eu me aproximo do balcão e estendo a mão para pegar meu café, mas não está ali.
— Ei, cadê meu café?
— Acho que roubaram.
A voz de sotaque inglês inconfundível fala atrás de mim e eu me viro, achando que estou
delirando.
Mas lá está ele.
Bill Conrad.
Segurando meu café e sorrindo com seu sarcasmo habitual de quem me acha uma piada.
Senti falta dele.
Droga.
— O que está fazendo aqui?
— Revanche?
— Está aqui só pra roubar meu café?
— Não...
— E não estava na Inglaterra?
Ele se aproxima e noto que segura uma coleira com os cachorros.
— Como sabe?
— Seu primo idiota, que, aliás, deu em cima de mim, me contou.
— Edmund deu em cima de você?
— Algo sobre você roubar tudo dele, até o Valentino...
— George Michael — ele me corrige.
— Que seja! Ele é um cretino e nem quando contei que era casada com você, desistiu.
Mas Roberto o atacou e ficou de guarda na porta do quarto a noite inteira.
— Isso explica por que Louise, a empregada, me contou quando cheguei que ele tinha ido
para o hospital com algum machucado.
— Bem feito! Roberto deveria ter arrancado a perna dele!
— Você é muito vingativa, Cruella. — Ele sorri. — Mas não se preocupe com Edmund,
ele é um idiota. O vovô já mandou ele voltar pra Inglaterra porque não tem nada pra fazer aqui.
— E você, está fazendo o que aqui? Achei que agora que terminaram as negociações com
a Merlin’s iria embora de vez.
— Achou que eu iria embora sem falar com você?
— Mas nós brigamos!
— Foi só nossa primeira briga e eu ganhei, vamos deixar registrado.
— Mas estava na Inglaterra...
— Eu fui contar a meus avós que conheci uma garota.
De repente ele enfia a mão no bolso e retira de lá a aliança e o anel.
Sinto meu coração indo à boca.
— E que eu me casei e vou passar o Natal com a minha esposa.
— Mentira, não falou disso! — balbucio atordoada. — Somos casados de mentira!
— Eu falei sim. Por que duvida?
— Porque não somos casados de verdade!
— Somos sim, perante a lei e se quiser perante a igreja podemos dar um jeito...
Eu o encaro chocada.
Não querendo acreditar que isso está realmente acontecendo.
Papai Noel não pode ser tão rápido e eficiente!
— Está falando sério quer ficar comigo. De verdade?
— Sempre foi de verdade, Cruella.
Eu perco o ar com a intensidade de suas palavras e o sentimento que brilha em seu olhar.
Ele pega minha mão.
— Quer continuar casada comigo, Ella?
— Mas... Você não gosta de mim, gosta?
— Acho que meio que me apaixonei por você?
Um nó fecha minha garganta e eu acho que estou prestes a chorar como uma idiota no
meio da cafeteria, então pigarreio e tento brincar com a situação.
— E se eu não quiser ficar casada com você?
— Mas está no contrato.
— O quê? — Arregalo meus olhos.
— Ah, você não leu? Que nunca pode se divorciar de mim? Até a sua morte. Ou a
minha?
— Não fez isso!
Bill começa a rir.
— Não, estou brincando.
— Seu idiota, não tem graça!
— Pra você aprender a ler as coisas antes de assinar, mas ainda não me respondeu. E
adianto que se não quiser ficar comigo, eu sei como prender as pessoas no porão.
— Não vai ser preciso. — Eu entrelaço meus dedos nos dele e sorrio. — Eu meio que me
apaixonei por você também, Bill Conrad.
Ele sorri de volta e coloca os anéis nos meus dedos e me puxa para perto.
— Eu ainda sinto que estou sonhando — murmuro.
— Não está sonhando.
— Você disse mesmo que vai passar o Natal comigo? Com a minha família?
— Claro que sim. Acho que está na hora de conhecer sua família.
Minha nossa!
Estou voltando pra casa com um marido!
— E seus avós?
— Na verdade, o Natal é meio deprê na minha casa depois da morte do meu pai. — Ele
sorri meio triste.
— Sinto muito.
— Mas acho agora que já chega. Está na hora de um novo capítulo. Seguir em frente. Eu
andei perdido um tempo, Ella. Agora eu sei o que quero.
— Mas eu não sei, Bill. — Eu lhe confesso meus medos. — Você tem razão. Estou
perdida. Fiquei tempo demais insistindo aqui e querendo o que minhas amigas tinham e agora
não faço ideia do que eu quero de verdade. Quem eu sou de verdade.
— Vai descobrir.
— Será?
— Eu tenho certeza. Este não é o final, Ella. É o começo. E eu só quero estar ao seu lado
quando descobrir.
Ele me beija e sinto que tem razão.
Assim como Bill, finalmente estou pronta para deixar tudo para trás e começar de novo.
Com ele.
Meu marido.
De verdade agora.
E não só para o Natal!
Os cachorros latem, impacientes, e Bill se afasta.
— Vamos pra casa?
— Onde é nossa casa?
— Vamos descobrir, mas estaremos juntos.
— Eu, você, George Michael e Roberto?
— E Nelson.
— Quem diabos é Nelson?
— Um gato que eu roubei no último fim de semana. — Bill pisca me levando para fora,
onde a neve agora cai com mais força. — Vai gostar dele.
Ah não! Gato também?
Epílogo
Ou quem diria, Roberto?

Um ano depois

Sabe aquele sonho que eu tinha de acordar pela manhã com um cara gato me abraçando e
pronto para fazer sacanagem num lençol chique? Então eu realizei!
Só que este cara é meu marido e antes que ele consiga enfiar suas mãos atrevidas dentro
do meu pijama eu solto um gemido nem um pouco sexy ao sentir meu estômago revirando.
— Vai vomitar? — Bill indaga num tom divertido.
— Ainda não tenho certeza... — Analiso o que estou sentindo. — Na verdade acho que é
fome?
Ele me solta e pula da cama.
— Vou trazer seu café...
— Café?
— Não, comida de verdade.
Reviro os olhos.
— Talvez eu vomite em você.
— Não seja malcriada, Cruella.
Ele sai do quarto e sorrio quando o cachorro caolho me espia perto da cama.
Algumas coisas não mudam. Eu continuo acordando com Roberto me observando, mas
agora ele não é mais meu inimigo.
Meu celular vibra e eu o pego para ver que tem várias mensagens das minhas amigas.
Eden mandou uma foto fofa de seu filhinho, Elliot.
Janelle está comemorando que marcaram a audiência de seu litigioso divórcio e eu espero
que dessa vez eles consigam resolver essas questões legais.
E Bria está perguntando se hoje eu não vou trabalhar de novo.

Você ficou muito folgada, grávida! Reclama.

Não é minha chefe, e sim minha sócia! E eu sei que está me querendo aí para poder ficar
em casa transando com seu namorado.

Bria havia se divorciado do marido e depois de alguma confusão assumiu o


relacionamento com o gêmeo certo.
Eu me mudei com Bill para Londres e nós realmente abrimos uma loja juntas em
Londres, que agora não tem só as roupas dela, mas sim de várias pessoas que querem se desfazer
de suas peças.
E precisamos organizar nossa viagem de fim de ano! Vai ser na Escócia este ano? Bria
pergunta.

Eu me recuso a viajar com três casais e só eu solteira. Janelle reclama.

Erik tem um amigo lindo, vou convidá-lo para ir com a gente.

Hum, mande foto e vejo se aprovo, E quando digo foto, é foto do... E ela completa com
um emoji de berinjela que me faz rir.

Eu concordo com o que decidirem. Respondo acariciando minha barriga ainda plana de
apenas seis semanas de gravidez.

Coloco o celular de lado e Roberto pula na cama e deita ao meu lado, muito folgado.
Acaricio sua orelha, observando meu lindo marido inglês entrando no quarto carregando
uma bandeja com meu café da manhã.
— Quem diria não é, Roberto? Quem diria...
Ele abana a orelha, concordando comigo.
Nós dois somos muito sortudos.

Fim
Nota da autora

Que delícia que é voltar às comédias românticas, ainda mais de natal! Espero que tenham
gostado, pois me diverti muito escrevendo. E se gostaram da leitura, indique para que mais
pessoas se divirtam com Ella, Bill e Roberto.
E não esqueçam de deixar avaliação.
O livro físico entrará em pré-venda em breve na minha lojinha!

Grande Abraço.

Ju
Gosta de Comédia Romântica? Leia também:
Sobre a autora
Juliana Dantas

Autora Best-Seller, com mais de 170 milhões de páginas lidas no Kindle, e 80 mil e-
books vendidos, a paulista Juliana Dantas envolveu-se com a escrita em 2006, escrevendo fanfics
dos seus seriados e livros preferidos. Estreou como autora profissional na Amazon em 2016 e
hoje possui mais de 50 títulos na plataforma Kindle, além de livros publicados pela Editora
Harper Collins - selo Harlequin, DVS Editora, Editora Pandorga e Editora Cabana Vermelha.
Sua escrita transita livremente entre dramas surpreendentes, comédias românticas e romances
sensuais. E seus títulos já estiveram várias vezes no ranking de mais vendidos da plataforma,
além de ter três deles na lista de mais vendidos da Veja.

E-books Publicados na Amazon:


O Leão de Wall Street
Vendetta
A Verdade Oculta
Segredos que Ferem
Linha da Vida
Longe do Paraíso
Espinhos no Paraíso
Juntos no Paraíso
Espera – Um Conto de O Leão de Wall Street
Cinzas do Passado
Trilogia Dark Paradise (Box)
A Outra Irmã
Segredos e Mentiras
Por um Sonho
O Highlander nas Sombras
Quando Você Chegou
O Segurança de Wall Street
Uma Noiva de Natal
Um Noivado nada Discreto
O Dia dos Namorados de Julie e Simon
As Infinitas Possibilidades do nunca
Box Romances Inesquecíveis
No Silêncio do Mar
O que Escolhemos Esquecer
Um Bebê Inesperado
Um Bebê de Natal (conto da série Julie & Simon)
Desafiando a Gravidade
O que Escolhemos Perdoar
A Irresistível Face da Mentira
Entre o Crime e a Nobreza Livro I
Entre o Crime e a Nobreza Livro II
A mãe do Ano ( conto da Série Julie & Simon)
Box Julie & Simon
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato I
Black – o Lado Escuro do Coração – Ato II
Black – o Lado Escuro do Coração – Ato III
White – O que eu não te contei
Um Natal sem Julie (Um Conto de Julie e Simon)
Supernova – As Infinitas Possibilidades do nunca pelos Olhos de Nathan
Inesquecível
Nosso Último Segredo
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Box Wall Street
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Red – Mestre dos Desejos
Box Romances de Época Inesquecíveis
Se Arrependa de mim
Se Apaixone por mim
Volte para mim
Tudo por mim
Verão Cruel
Bastardo Grego
Casamento Grego
Herdeiros Gregos
Julie e Simon estão de volta (Leituras Rápidas)
Funeral Real ( Leituras Rápidas)
Desejo e Ilusão
Um namorado para o papai ( Leituras Rápidas)
Amor e Destino
Pedido de Natal ( Leituras Rápidas)
Fogo e Gelo
Maldita Escocesa ( Leituras Rápidas)
Acordo Arriscado
Maldita Escocesa Parte 2 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 3 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 4 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 5 (Leituras Rápidas)
Maldita Escocesa Parte 6 (Leituras Rápidas)
Dinastia Calazans – Lobo em Pele de Cordeiro
Dinastia Calazans – Ninho de Serpentes
Dinastia Calazans – Veneno de Escorpião
Felizes quase para sempre – (Leituras Rápidas)
Toda Sua Fúria
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Segredos e Mentiras – Independente
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Uma Noiva de Natal – Independente
Um Noivado nada Discreto – Independente
Um Bebê Inesperado – Independente
No Silêncio do Mar – Harper Collins – Harlequin
As Infinitas Possibilidades do nunca – Independente
A Irresistível Face da Mentira – DVS Editora
O Leão de Wall Street – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato I – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato II – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato III – Independente
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White – O que eu não te contei – Independente
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Desafiando a Gravidade – Independente
Nosso Último Segredo – Independente
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Se Arrependa de mim – Independente
Se Apaixone por mim – Independente
Volte para mim – Independente
Verão Cruel – Cabana Vermelha
Linha da Vida – Independente
Henry & Sophia – Independente
Cinzas do Passado – Independente
Fogo e Gelo– Independente
Bastardo Grego – Independente
Casamento Grego– Independente
Herdeiros Gregos – Independente
Acordo Arriscado – Independente
Dinastia Calazans – Lobo em Pele de Cordeiro
Dinastia Calazans – Ninho de Serpentes
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