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O QUE OS HOMENS

TÓXICOS NÃO SABEM

Em tempos de discussão da masculinidade tóxica, salta


aos olhos a urgência de aprendermos o que significa a
masculinidade às vistas do texto bíblico. Deus revelou-se
na rica masculinidade de Adão, e sua figura era pura vida,
nunca toxidade. Vejamos.

O homem (adam) foi criado para cuidar e zelar pelo solo


(adamah). Vejamos: “Nem havia ainda Adam para cultivar
adamah (…) Formou, pois, o Senhor Deus a Adam do pó
de adamah”*. Portanto, até aqui podemos dizer que a
masculinidade, ou melhor, a adaminidade é o frágil pó
organizado e soprado pelo hálito divino imbuído de
cultivar a criação e cultuar o Criador (nunca o inverso).

Vale destacar: o vocábulo “cultivar”, que mais tarde se


tornou a palavra “trabalhar” em hebraico tem a conotação
de “servir”. Diante disso, podemos avançar: masculinidade
é servir.
Homens tóxicos não sabem disso.

Em gênesis, o homem não é a medida de todas as coisas


(para desespero de Protágoras), pois se assim fosse, tudo
seria objeto e Adão o reizinho que ao todo dá sentido. A
natureza não teria valor intrínseco, compareceria apenas
como meio para a realização do enorme ego do proto-
macho. Não haveria glória de Deus no vento, no bicho, no
mato, no mar, cada elemento criado seria descartável e
apenas um gigantesco playground cósmico para o
usufruto de Adão (vale lembrar que assim também
respondeu Platão a Protágoras**).

A verdade é clara: quem dá sentido ao Ser é o Criador,


jamais a criatura. Neste bojo, repito: a masculinidade
bíblica não é a medida de todas as coisas, tampouco ao
redor dela gira o mundo.

Homens tóxicos não sabem disso.

Ademais, sobre o homem, Deus exclamou o que Adão


ignorava: o masculino sozinho não é bom. Mesmo vivendo
na perfeição pré-queda, o Senhor aponta para algo que
não estava pleno, ou dito de outra forma: não estava
suficiente. Do alto de sua eternidade, Ele decide ajudar o
macho. Sua ação auxiliadora se exterioriza na criação do
outro: concomitantemente todo distinto e todo
correspondente;

Explico: embora feito a partir do próprio Adão, o processo


de invenção de Eva não se filiou ao seu controle. Ele
dormia passivo, descansava vulnerável e fez-se Eva. O
arquétipo é evidente: o masculino não esta no controle de
tudo, também precisa aprender a descansar e mostra-se
vulnerável.

Homens tóxicos não sabem disso.

Isto posto, fica lúcido que com surgimento do outro,


funda-se a frustração. Isto é, inaugura-se um novo tipo de
limite para o ego. O outro sempre é um limite. Eis a ajuda
que Deus queria dar ao macho.

Antes de Eva, tudo era Adão, sua voz ao escolher os


nomes das feras era indiscutível, sua ação sem
horizontes, sob os auspícios da autoridade de Deus, ele
pairava irrepetível e supremo, contemplando-se imbatível
no mundo.

Este quadro é o mais próximo daquilo que Adão não viveu


cronologicamente: a infância da hombridade.

Um modo de existir no qual ainda não nos foi apresentado


o desafio de amar voluntária e abnegadamente um ser
que não é Deus, nem bicho. Trata-se de encarar o plural e
a diversidade em nosso próprio campo de atuação, e
respeitá-la. Ou seja, não nos cabe nem invadi-lo
violentamente, nem negligenciá-lo medrosamente, como
fazem os pirralhos.

Homens tóxicos não sabem que são pirralhos.


Evidentemente, estou consciente que antes da queda
Adão não era egoísta ou controlador, isto se revela depois
da fruta mordida, no entanto, ouço a, inequívoca, negativa
divina sobre a incompletude do projeto humano vivido
como uma aventura do tipo macho-voo-solo. Fato que me
anima a pensar que Deus ainda ampliaria a consciência
adâmica com a formação do outro. Ou seja, a formação
de Eva, é também a formação de Adão.

Em tempo: não me referir em momento alguma à


dicotomia: solteiros versus casados. Não precisa ser
casado para vencer a eventual toxidade da vida – uma vez
que o outro no mundo também desafia continuamente o
solteiro – e, de forma análoga, o casamento não tira
magicamente o veneno infantilizador que assola
homenzinhos que não se conhecem como líderes
servidores.

Obs:

* Utilizo aqui a tradução de Martin Buber e Franz


Rosenzweig, Die Schrift.
** Teeteto

Texto por: David Riker (@david_riker)

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