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PUBLICAÇÃO EDITADA PELO / PUBLICATION EDITED EVERY FOUR MONTHS BY

ABRES
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) Associação Brasileira
de Economia da Saúde
Diretoria Nacional / National Board of Directors
Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos
21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil COMITÊ EXECUTIVO (2005-2006) / EXECUTIVE COMMITTEE (2005-2006)
Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141
Fax.: (21) 2260-3782 Presidente / President Silvia Porto (ENSP/FIOCRUZ)
E-mail: cebes@ensp.fiocruz.br / saudeemdebate@ensp.fiocruz.br Vice-Presidente / Vice-President Áquilas Mendes (FAAP/SP e CEPAM)
Home page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html 1a Secretária / First Secretary Janice Dornelles de Castro (UNISINOS/UERGS)
Suplente de Secretária / Second Secretary Eli Iôla Gurgel Andrade (UFMG)
DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2006-2009) / NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2003-2006) Tesoureira / Treasure Elezabeth Barros (Brasília)
Suplente de Tesoureira / Second Treasure Maria Helena Lima Souza (SES/CE)
Diretoria Executiva
Presidente / President Sonia Fleury (RJ) CONSELHEIROS / COUNSELORS
1O Vice-Presidente / 1st Vice-President Ligia Bahia (RJ) Presidente / President Sérgio Piola (IPEA/Brasilia)
2O Vice-Presidente / 2rd Vice-President Ana Maria Costa (DF) Conselheiro / Counselor Gabriel Ferrato (UNICAMP)
3O Vice-Presidente / 3th Vice-President Luiz Neves (RJ) Conselheiro / Counselor Martha Teixeira (SES/BA)
4O Vice-Presidente / 4th Vice-President Mario Scheffer (SP)
1O Suplente / 1nd Substitute Francisco Braga (RJ) CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING COUNCIL
2O Suplente / 2nd Substitute Lenaura Lobato (RJ) Sílvia Marta Porto – ENSP/FIOCRUZ
Eli Iola Gurgel Andrade – UFMG
CONSELHO FISCAL / FISCAL COUNCIL Maria Alicia Ugá – ENSP/FIOCRUZ
Áquilas Mendes (SP), José da Rocha Carvalheiro (RJ), Assis Mafort (RJ), Sonia Ferraz (DF), Mariângela Leal Cherchiglia – UFMG
Maura Pacheco (RJ), Gilson Cantarino (RJ) & Cornelis Van Stralen (MG). Mônica Viegas Andrade – UFMG
Marcos Bosi Ferraz – CEPES/UNIFESP
CONSELHO CONSULTIVO / ADVISORY COUNCIL Janice Dornelles de Castro – UNISINOS/UERGS
Sebastião Antônio Loureiro de Souza e Silva – ISC/UFBA
Sarah Escorel (RJ), Odorico M. Andrade (CE), Nelson Rodrigues dos Santos (SP), Lucio Francisco Assis Acurcio – UFMG
Botelho (SC), Antonio Ivo de Carvalho (RJ), Roberto Medronho (RJ), José Francisco da Waleska Teixeira Caiaffa – UFMG
Silva (MG), Luiz Galvão (WDC), André Médici (DF), Jandira Feghali (RJ), José Moroni Sueli Saes – SES-SP
(DF), Ary Carvalho de Miranda (RJ), Julio Muller (MT), Silvio Fernandes da Silva (PR) &
Sebastião Loureiro (BA).

CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING COUNCIL


Paulo Amarante (RJ), Jairnilson Paim (BA), Gastão Wagner Campos (SP), Ligia Giovanella (RJ),
Edmundo Gallo (DF), José Gomes Temporão (RJ), Francisco Campos (MG), Paulo Buss (RJ),
Eleonor Conill (SC), Emerson Merhy (SP), Naomar de Almeida Filho (BA) & José Carlos Braga (SP)

EDITORA EXECUTIVA / EXECUTIVE PUBLISHER: Maria Eneida de Almeida


SECRETARIA EXECUTIVA / EXECUTIVE SECRETARIES: Marília Fernanda de Souza Correia

INDEXAÇÃO / INDEXATION
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS)
Os artigos sobre História da Saúde estão indexados pela Base HISA – Base Bibliográfica
em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe
The articles about Health History are indexed according to the HISA Base – Base Bibliográfica
em História da Saúde Pública na América Latina e Caribe (Bibliographic Base on History in Latin
America and the Caribbean)

A Revista Divulgação em Saúde para Debate é associada à Associação


Divulgação em Saúde para Debate: Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Brasileira de Editores Científicos
Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – no 1 (1989) – Rio de Janeiro: Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde, 2007.

n. 37; 27,5 cm

ISSN 0103-4383 Apoio:

1. Saúde Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES

CDD 362.1
Rio de Janeiro Número 37 ISSN 0103-4383 Janeiro 2007

II Jornada de Economia da Saúde – ABRES

SÉRIE CONASEMS
Saberes e práticas da gestão municipal
SUMÁRIO / SUMMARY

EDITORIAL / EDITORIAL ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 3

APRESENTAÇÃO / INTRODUCTION ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 5

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES


Economia política da saúde: Introduzindo o debate
The political economy of health: Introducing the debate
Ana Luíza d’Ávila Viana, Hudson Pacífico da Silva & Paulo Eduardo M. Elias ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 7

As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com Ações e Serviços Públicos de Saúde no Brasil
New layout for old problems: financing and expenditures in public health services and actions in Brazil
José Aparecido Ribeiro, Sérgio Francisco Piola & Luciana Mendes Servo ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 21

A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – Tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à
saúde no Brasil
The intervention of the Judicial Power in the private health sector – advanced granting as a health assistance guarantee instrument in Brazil
Maria Hildete S. C. Souza, Ligia Bahia, Maria Lúcia W. Vianna, Mário Scheffer, Andrea Salazar & Karina B. Grou ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 44

O Sistema Único de Saúde e o mercado suplementar de assistência à saúde no Brasil


The Unified Health System and the private health market in Brazil
Rosa Maria Lages Dias & Rosa Maria Souza de Pastrana ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 61

Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002


Public health spending in the municipalities of Minas Gerais – 2000-2002
Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P. Fortes, Edite Novais da Mata Machado & Bruna Duarte Matias ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 69

Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo


Technical efficiency and management of public hospitals of the State of São Paulo
Ricardo Luiz Pereira Bueno ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 90

Correlação entre recursos financeiros e coeficiente de mortalidade infantil nas cinco macrorregiões do Brasil (de 1997 a 2002)
Correlation between financial resources and infant mortality rate in the five Brazilian macro-regions (from 1997 to 2002)
Jorge de Azevedo, Luciana Nucci, Cristiana Toscano, Paul Douglas Fisher & Ronaldo Bordin ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 104

Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde
Clusters and thresholds of scientific-technological production: A comparison between C & T in general and in health
Catari Vilela Chaves, Eduardo da Motta e Albuquerque & Sueli Moro ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 110
EDITORIAL

A diretoria do Cebes, eleita em agosto de 2006, reno-


vou os compromissos da entidade com a retomada
do projeto de Reforma Sanitária Brasileira. Para cumprí-
mação dos direitos enunciados de seguridade soci-
al, entre os quais o de saúde em direitos efetivos;
2) incrementar os investimentos em saúde, desde aque-
los estamos revitalizando espaços de associação entre o les referidos ao complexo industrial da saúde que
conhecimento científico e a formulação de estratégias de contribuam para alavancar projetos estruturantes de
intervenção política para reconstruir um bloco de forças ampliação do direito à saúde, passando pela insti-
sociais capaz de alterar a situação de saúde e reduzir tucionalização de relações dignas de contratação dos
desigualdades. Espaços para elaborar, confrontar, deba- trabalhadores da saúde até a reforma das formas de
ter análises de conjuntura, refletir sobre as possibilida- gestão e responsabilização pela execução das ações
des e limites estruturais às mudanças da sociedade bra- de saúde, ampliação e reforma da capacidade insta-
sileira e buscar alternativas à efetivação do direito à saú- lada dos estabelecimentos públicos de saúde e a re-
de. Em 1 de dezembro de 2006 realizamos uma reunião gulamentação e cumprimento da EC 29;
Nacional de Conjuntura na Escola Nacional de Saúde Pú-
blica no Rio de Janeiro. O debate aprofundado sobre o 3) convocar a I Conferência Nacional de Seguridade
contexto, pós-eleitoral, as interrogações sobre o projeto Social integrando entidades e órgãos governamen-
de desenvolvimento econômico e social para o Brasil nos tais relacionados direta e indiretamente com Previ-
próximos quatro anos e suas repercussões sobre a saúde dência, Saúde e Assistência Social;
desdobrou-se na sistematização de uma agenda de te- 4) rever os valores que presidem as relações dos tra-
mas e estratégias de ação prioritários tais como: balhadores entre si, usuários e fornecedores de bens
1) a inserção da política de saúde numa perspectiva de e serviços com instituições públicas e implementar
desenvolvimento econômico e social voltado à dimi- dispositivos normativos para lograr uma Ética Pú-
nuição das desigualdades; a Reforma Sanitária im- blica que se coadune com a democratização dos di-
plica a garantia e democratização do acesso univer- reitos de cidadania no âmbito dos direitos sociais
sal aos cuidados e serviços de saúde humanizados e envolvendo a transparência e o controle dos recur-
de qualidade; sos públicos;

2) a necessidade de uma Reforma Política ampla inci- 5) participar do debate e mobilização em torno da ne-
dente sobre formas, conteúdos de exercício do po- cessidade de uma ampla Reforma Política que reveja
der material e simbólico e portanto sobre as for- não apenas as estruturas de poder afetas à comuni-
mas de representação de interesses particulares em cação e difusão de informações mas também àque-
detrimento das necessidades de saúde , nos Pode- las conseqüentes às distorções nas relações entre
res Executivo, Legislativo e Judiciário; Executivo, Legislativo e mercado, como ocorre com
a inadequação e corrupção que circundaram as Emen-
3) o acionamento de dispositivos para assegurar uma das Parlamentares da saúde e partidarização dos
Ética Pública plasmada na transparência do uso de quadros dirigentes e técnicos das instituições públi-
recursos responsabilização, autonomia e profissio- cas de saúde e ainda com a não observância do for-
nalização da gestão das instituições de saúde. talecimento da organização e respeito às decisões
Baseados nessas premissas, pretendemos nos so- das instâncias de controle e participação social.
mar a outros movimentos sociais, instituições de ensi- O expressivo comparecimento à reunião, a riqueza
no e pesquisa, partidos políticos, parlamentares e inte- dos pronunciamentos, a disposição para o debate, ao
grantes dos Poderes Executivo e Judiciário para: lado da presença da Abrasco e Abres que contribuíram
1) reduzir as brutais transferências de recursos envol- para sintetizar esta pauta preliminar evidenciaram a
vidas com o superávit primário, os altos juros e a necessidade de seguirmos em frente.
Desvinculação de Receitas da União para recompor O Cebes Vive! Viva o Cebes!
um orçamento público compatível com a transfor-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 3-4, janeiro 2007 3
EDITORIAL

T he CEBES directorship, elected in August 2006, recompose a public budget compatible with the
reaffirmed the entity’s commitment to resume the transformation of the nominal rights of social
Brazilian Sanitary Reform project. In order to fulfill it, security, among which is health, into effective rights;
we are revitalizing spaces of association between 2) increase investments in health, including those
scientific knowledge and formulation of political related to the industrial health complex, helping to
intervention strategies, in order to rebuild a block of boost structural projects for extending the right to
social forces capable of changing the health situation health; the institutionalization of fair relationships
and reducing inequalities. Spaces to elaborate, for hiring health professionals; the reform of
confront, discuss scenario analyses, reflect on the management and accountability mechanisms to
possibilities and structural limits to changes in the perform actions in the health sector; the broadening
Brazilian society and search for alternatives to render and reform of the installed capacity of public health
effective the right to health. units; and the regulation and enforcement of EC 29;
In December 1st, we accomplished a National
Scenario Meeting in the National School of Public 3) summon the 1st National Conference of Social
Health, in Rio de Janeiro. The deep discussion on the Security, including government entities and
post-elections scenario, the questions on the social agencies directly or indirectly related to Social
and economical development project for Brazil in the Welfare, Health and Social Assistance;
next four years and its impact on health were unfolded 4) reevaluate the values which guide the relationships
into a systematic agenda of priority themes and action of professionals, users and suppliers of goods and
strategies such as: services with public institutions and implement
1) insertion of health politics in a perspective of regulatory devices for accomplishing a Public
economical and social development, aimed at Ethics in accordance with the democratization of
reducing inequalities; the Sanitary Reform implies citizenship, in the sphere of social rights involving
the guarantee and democratization of universal transparency and control of public resources;
access to humanized and high-quality health care 5) take part in the discussion and the mobilization on
and health services; the need for a broad Political Reform. This reform
2) the need for a broad Political Reform with an effect should reevaluate not only the power structures
over the form and content of concrete and symbolic associated to the communication and diffusion of
power and, therefore, over forms of representation of information, but also those caused by distortions in
private interests which impair health needs and also the relationships between the Executive, the
of the Executive, Legislative and Judicial Powers; Legislative and the market. For example, the
inadequacy and corruption around the Parliamentary
3) the set in motion of devices capable of assuring a Amendments of Health, the influence of political
Public Ethics rendered concrete by means of parties over the managing and technical staff of
transparent resource application, accountability, public health institutions and the noncompliance
autonomy and professionalization of health when it comes to strengthening the organization of
institutions’ management. social participation and control instances and the
Based on these premises, we intend to join strengths adoption of their decisions.
with other social movements, teaching and research The significant attendance to the meeting, the
institutions, political parties, members of the parliament completeness of speeches and the willingness to
and of the Executive and Judicial Powers, in order to: debate with ABRASCO and ABRES contributed to
1) reduce the huge transfers of resorces related to the summarize this preliminary agenda and evidenced the
primary surplus, the high interest rates and the need to proceed.
Desvinculation of Union Income (DRU), in order to CEBES lives! Long live CEBES!

4 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 3-4, janeiro 2007
APRESENTAÇÃO

D esde 1989, quando foi criada a Associação Brasi-


leira de Economia da Saúde (ABRES), uma agenda
voltada para a abordagem e desenvolvimento do tema
de Economia da Saúde (DES) e da Secretaria de Ciência e
Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), ao lado da
Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG), da Fundação
no país tem propiciado o encontro sistemático de pes- João Pinheiro (FJP) e Secretaria Municipal de Saúde (SMS-
quisadores e profissionais do sistema de saúde em seus BH) – reitera os avanços na apropriação institucional da
diversos segmentos de gestão. Foram realizados sete economia da saúde, assegurando as possibilidades de uma
encontros, três jornadas de âmbito nacional, além dos parceria instigante e inovadora entre as universidades,
Congressos de Economia da Saúde da América Latina e centros e núcleos de estudo e pesquisa em economia da
do Caribe em 2004 e 2006. Nesta edição especial da re- saúde e as instâncias e profissionais responsáveis pela
vista Divulgação para Saúde em Debate, temos a satis- gestão do sistema de saúde em nosso país.
fação de apresentar os trabalhos selecionados e apre- Esta edição especial compõe-se de dois números da
sentados na 2ª Jornada de Economia da Saúde, realiza- revista Divulgação para Saúde em Debate. Neste primei-
da em Belo Horizonte, no ano de 2005, organizada pela ro, são apresentados oito trabalhos que abordam diferen-
ABRES e o Grupo de Economia da Saúde da Universidade tes temáticas: desde a retomada de alguns conceitos cha-
Federal de Minas Gerais (GPES-UFMG). ves da economia política para discutir o papel do setor
Convocados ao debate sobre ‘A Contribuição da Eco- saúde nas economias capitalistas contemporâneas; pas-
nomia da Saúde na Política e na Gestão do SUS (Sistema sando pela análise das relações entre o público e privado
Único de Saúde)’, os trabalhos selecionados revelaram no sistema de saúde brasileiro; ou textos que destacam a
as potencialidades de formulação neste campo de co- trajetória do financiamento público e gastos setoriais no
nhecimento no Brasil. âmbito nacional, abordando aspectos do financiamento
O debate percorreu questões conceituais e práticas acer- estadual, por meio do exemplo de Minas Gerais e que
ca da aplicação da teoria econômica à gestão sanitária; correlacionam financiamento e indicadores de saúde nas
sobre a avaliação econômica e a regulação do mix públi- microrregiões do país; efetuam uma avaliação de desem-
co/privado; revelou experiências inovadoras sob a ótica penho das experiências de gestão hospitalar no estado de
da eficiência e equidade na organização da atenção; as São Paulo; e, no último texto, comparam-se os limiares
desigualdades no uso e no acesso aos serviços, além de da produção científica em C&T e a produção em saúde.
contemplar a sempre importante pauta do financiamento e Com estas publicações, a ABRES pretende contribuir
alocação de recursos no Sistema Único de Saúde. para a divulgação do campo da economia da saúde,
A abordagem dada a aspectos tão fundamentais à hoje ainda incipiente entre nós, e estimular o desenvol-
consolidação de um sistema de saúde universal e equ- vimento de estudos que articulem a pesquisa científica
ânime autoriza a idéia de que a incorporação da Eco- a e a gestão dos serviços de saúde, buscando sempre o
nomia da Saúde já se apresenta como auxiliar indis- alcance de sistemas universais, integrais e equitativos.
pensável na determinação das prioridades da gestão
Sílvia Porto
em saúde e na ampliação da eficiência na provisão de
Presidente da Associação Brasileira
serviços, seja sob o aspecto da demanda, por meio da
de Economia da Saúde – ABRES
identificação das necessidades da população, seja sob
o aspecto da oferta, em termos da forma como esses
Eli Iola Gurgel Andrade
serviços são disponibilizados.
Presidente da Comissão Organizadora
O importante e decisivo apoio manifestado pelo Mi-
da II Jornada de Economia da Saúde
nistério da Saúde (MS) – por intermédio do Departamento

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 5-6, janeiro 2007 5
INTRODUCTION

S ince 1989, year of creation of the Brazilian


Association of Health Economics (ABRES), an
agenda oriented to the discussion and development of
of Health Economics (DES) and the Department of
Science, Technology and Strategic Inputs (SCTIE), along
with the Minas Gerais State Health Department (SES-MG),
this subject in the country allowed systematic the João Pinheiro Foundation (FJP) and the Belo Horizonte
meetings of researchers and professionals from several City Health Department (SMS-BH) – supports
management segments. Seven meetings, three national- improvements in the institutional appropriation of health
wide one-day meetings and the Congresses of Health economics. It ensures the possibilities of an impelling
Economics in Latin America in 2004 and 2006 were partnership among universities, study and research
accomplished. In this special edition of the Health centers in health economics and the instances and
Disclosure for Discussion Journal, we are pleased to professionals responsible for our country’s health system
introduce papers selected and presented in the 2nd management.
Health Economics One-Day Meeting, which took place This special edition comprises two issues of the
in Belo Horizonte city in the year 2005, organized by Health Disclosure for Discussion Journal. The first
ABRES and the Group of Health Economics of the Minas one brings eight papers on different subjects: the
Gerais Federal University (GPES-UFMG). retaking of some core concepts of political economy,
Joining the debate on ‘The Contribution of Health in order to discuss the role of the health segment in
Economics to Politics and SUS (Brazilian Unified contemporary capitalist economies; the analysis of
Health System) Management’, the selected papers relations between public and private in the Brazilian
disclosed possibilities of formulation in this health system; articles highlighting the trajectory of
knowledge field in Brazil. public financing and sectorial expenses in the
The debate encompassed conceptual and practical national sphere, addressing aspects of state
issues on the application of the economical theory to financing, having Minas Gerais as an example, and
sanitary management, the economical assessment correlating financing and health indicators in the
and the regulation of the public/private mix. It also country’s microregions; a performance assessment of
disclosed innovative experiences from the perspective hospital management experiences in São Paulo state;
of efficiency and equity in health care organization,
and a comparison between the thresholds of scientific
and the inequalities in the use and access to services.
production in S&T and health.
Besides, it comprehended the always important
With these publications, ABRES intends to contribute
agenda of financing and resource allocation in the
to disclosing the currently embryonic health economics
Brazilian Unified Health System.
field, and to stimulate the development of studies
The approach towards such fundamental aspects
capable of articulating scientific research and
for consolidating an universal and equitable health
management of health services, always searching for
system reinforces the idea of incorporation of Health
universal, complete and equitable systems.
Economics as an essential auxiliary for determining
priorities in health management and extending the Sílvia Porto
efficiency in the provision of services, both in the Chairman of the Brazilian Association
aspect of demand, by means of identifying the of Health Economics – ABRES
population’s needs, and in the aspect of offer, in
relation to the way these services are supplied. Eli Iola Gurgel Andrade
The significant and crucial support given by the Chairman of the Organizing Commission
Brazilian Health Ministry (MS) — through the Department 2nd Health Economics One-Day Meeting

6 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 5-6, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Economia política da saúde: Introduzindo o debate1


The political economy of health: Introducing the debate

Ana Luíza d’Ávila Viana2, Hudson Pacífico da Silva2 & Paulo Eduardo M. Elias2

RESUMO

Procura-se discutir o papel do setor saúde nas economias capitalistas contemporâneas, a partir da retomada de
alguns conceitos-chave da Economia Política e de sua visão integrada entre o social, o político e o econômico,
assim como da visão histórica da conformação da sociedade com base nas relações de mercado, no papel das
instituições, da organização social e do Estado, e nas relações que os padrões de desenvolvimento capitalista
estabelecem com a questão da saúde. Para esta finalidade, entra em discussão duas abordagens teóricas: a
convencional ou formalista, própria da Economia da Saúde, e a substantivista ou histórica que fornece elementos
para discutir a saúde a partir de suas especificidades enquanto mercadoria e bem econômico, como direito social e
como espaço de acumulação de capital. Conclui-se que a segunda abordagem fornece um referencial teórico mais
amplo, na medida que fornece categorias analíticas que possibilitam discutir a complexidade e a contradição entre os
movimentos simultâneos de desmercantilização do acesso (saúde como direito), mercantilização da oferta (saúde
como bem econômico) e formação do complexo industrial da saúde (saúde como esfera de acumulação de capital).

PALAVRAS-CHAVE: Economia da Saúde; Mercantilização; Setor de Assistência à Saúde.

ABSTRACT

This paper aims at discussing the role of the health sector in the contemporary capitalist economies, considering
some key concepts from the Political Economy and its integrated view of social, political and economic fields based
on two theoretical approaches: the conventional or formalist approach, characteristic of the Health Economics,
and the ‘substantive’ or historical approach, which provides elements to discuss health as of its specificities as a
merchandise and economic product, as a social right, and as a space for capital accumulation. It is, thus concluded
that the historical approach is more appropriate to analyze the health sector as it offers a wider theoretical referential,
once it provides analytical categories which enable the discussion of complexity and the contradiction between the
simultaneous de-mercantilism of access (health as a social right), mercantilism of offering (health as an economic
good), and the formation of the health industry complex (health as a sphere to accumulate capital).

KEYWORDS: Health Economics; Commodification; Health Care Sector.

1
Texto elaborado para apresentação na 2ª Jornada de Economia da Saúde – Abres, realizada no município de Belo Horizonte, nos dias 30
novembro, 1º e 2 de dezembro de 2005.
2
Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007 7
VIANA, Ana Luíza d’Ávila; SILVA, Hudson Pacífico da & ELIAS, Paulo Eduardo M.

INTRODUÇÃO latado por Castro, pois esse trecho, zio, pela metade ou lotado. Há, en-
tão, propriedades nessa indústria que
do nosso ponto de vista, é essencial
requerem regras e compromissos es-
Em entrevista recente, Antonio na discussão da economia da saúde:
peciais. E o que diziam os neoclássi-
Barros de Castro, a propósito das cos? Eles, absolutamente, não reco-
“... (quanto a isso) vou me referir a
controvérsias sobre o estruturalismo, nheciam propriedades específicas nes-
um fato anedótico. Quando começou
cita uma discussão entre dois enfo- a ganhar corpo a onda de desregula- te, ou em qualquer objeto, ou ramo
ques econômicos distintos – cuja mentação nos Estados Unidos, hou- de negócios. Alfred Kahn, referência
obrigatória no tema, saiu-se a propó-
denominação, segundo o autor, foi ve uma intensa discussão acerca da
indústria aeronáutica: ela deveria, ou sito com esta frase fantástica, no meio
contrabandeada da antropologia – os de um debate: ‘um avião nada mais é
não, ser também desregulamentada,
substantivistas e os formalistas. Os que custo marginal com asas’. Isso,
como muitos pretendiam? Nesse de-
substantivistas, segundo ele, têm a bate, os críticos da desregulamenta- certamente, leva ao limite as discre-
firme convicção de que os objetos de ção argumentavam que a indústria pâncias entre as duas abordagens.”
(CASTRO, 2004. p.164)
análise em economia possuem carac- aeronáutica constitui um caso espe-
terísticas fortes e próprias e podem Da mesma forma, a saúde não
estar convencidos de que o mundo pode ser estudada, do ponto de vis-
econômico é um objeto que abriga ta econômico, dentro do estrito
alta indeterminação, isto é, a inde- campo do pensamento formalista,
terminação é inerente a esse objeto. BUSCAMOS RETOMAR
pois, parafraseando Kahn, também
Prossegue, afirmando que a evoca- ALGUNS CONCEITOS DA poderíamos dizer que um hospital
ção natural nesse enfoque é Keynes nada mais é que custo marginal
ECONOMIA POLÍTICA
para quem existe uma ignorância
com doentes.
intransponível acerca do futuro: não PARA O ESTUDO DO
Por isso, nesse texto, buscamos
se conhece o futuro e isso decorre do
PAPEL DA SAÚDE NAS retomar alguns conceitos da eco-
próprio objeto e tal deficiência não é
ECONOMIAS CAPITALISTAS nomia política para o estudo do pa-
superável mediante técnicas estatís-
pel da saúde nas economias capi-
ticas. As alternativas de escolha não
talistas. Concordamos com ESPING
estão previamente definidas e isso
ANDERSEN (1999), quando ele diz que
caracteriza o quadro de incerteza.
cial, merecedor de cuidados e trata- a associação entre economia e po-
Castro alerta para o fato de que exis-
mento diferenciado. lítica – derivada tanto da escola
tem decisões cruciais em economia
Argumentavam, por exemplo, marxista quanto do pensamento
que alteram o curso dos acontecimen-
que ela é excepcionalmente capital- institucional europeu, cujos repre-
tos e são irreversíveis, e que a partir
intensiva , além de apresentar notó- sentantes são JOSEPH SCHUMPETER, MAX
delas abrem-se novos ou fecham-se
rios problemas no tocante à seguran-
velhos caminhos. WEBER e KARL POLANYI – proporciona
ça. Com tais características, se a com-
Para o autor, a visão alternati- a compreensão mais precisa dos
petição for inteiramente liberada, sur-
va, típica do neoclassicismo e dos girão, entre outras conseqüências, fenômenos sociais, pois somente a
economistas do maistream, não re- comportamentos predatórios entre as visão conjunta entre economia e
empresas. Se o avião vai mesmo voar, política, Estado e mercado, públi-
conhece propriedades específicas a
vale a pena colocar passageiros por
certos objetos. co e privado (que fundamenta esta
uma fração do preço normal, por que
Citaremos aqui um grande pará- o equipamento está sendo pago de linha de pensamento) fornece os
grafo, no qual se destaca um fato re- qualquer maneira, esteja o vôo va- elementos essenciais para empre-

8 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate

ender a análise de um fenômeno, aos demais bens disponíveis no Nesse ponto, já nos deparamos
ressalvando ainda que o mercado mercado, uma mercadoria sem es- com um grave problema: em primei-
é um espaço constituído por for- pecificidades ou materialidade es- ro lugar, como podemos limitar a
ças coletivas e instituições sociais pecífica, e o caminho é estudar necessidade de estar saudável; e
em permanente mutação. como se conformam a demanda, a dada essa limitação, como serão as
Não desconhecemos, entretan- oferta e o mercado desse bem. escolhas de acesso, isto é, segundo
to, os importantes aportes que a Se olharmos para o conceito de quais critérios: econômicos, morais,
economia da saúde (formalista) bem econômico, na obra clássica necessidade premente, etc.?
trouxe para a melhor compreensão de Cláudio Napoleoni (Curso de Segundo, como construir a cur-
do funcionamento do setor, en- Economia Política), qualquer coi- va da demanda em saúde, se a eco-
quanto produtor de bens e servi- sa que seja capaz de satisfazer ne- nomia usa o parâmetro da utilida-
ços, destacando-se desde os estu- cessidades e que pode ser tornada de para a construção da demanda
dos no campo da macroeconomia, disponível somente em quantida- de um determinado bem e a utili-
como perfil do gasto público em dade tem baixo poder explicativo
saúde e suas relações com o PIB e para o caso da saúde? A própria
os padrões de desenvolvimento idéia de utilidade não se aplica ao
econômico, bem como os microe- consumo de saúde, mas vincula-
conômicos, voltados para melhor O MERCADO É UM do, segundo muitos autores, ao
conhecer as formas de organização ESPAÇO CONSTITUÍDO conceito de necessidade.2
e desempenho das unidades pro- Terceiro, como não aceitar que
dutoras de saúde. 1 POR FORÇAS COLETIVAS a produção (oferta) de saúde apre-
E INSTITUIÇÕES SOCIAIS senta numerosas diferenças frente
1. ABORDAGEM CONVENCIONAL OU à produção das demais mercadori-
EM PERMANENTE MUTAÇÃO
FORMALISTA: COMO A ECONOMIA DA as, inclusive, pela presença de um
SAÚDE É VISTA ATUALMENTE profissional (médico) que represen-
tou, historicamente, a própria ofer-
A abordagem convencional ini- ta, até o começo do século XX? O
cia o enfoque da economia da saú- de limitada é um bem econômico; caráter de essencialidade do consu-
de pela configuração da oferta e de- por isso, ele se define por duas ca- mo de saúde e o fato da produção
manda em saúde, assumindo que racterísticas: utilidade e disponi- ter muitas particularidades, como
a saúde é um bem comum, igual bilidade limitada. a apontada acima, sugerem a ne-

1
Há, inclusive, propostas de autores norte-americanos dentro do enfoque formalista para que os estudos passem a tratar da área da
economia da assistência à saúde e a economia da saúde ganhe corpo (EDWARDS, 2001), de forma a apreender muitas outras variáveis que
interferem tanto na demanda da saúde (como condições de vida da população), quanto na oferta.
2
Segundo BIASOTO (2004), a idéia de utilidade provavelmente não é aplicável a uma situação de carência como a da ausência de saúde. Vale
notar, prossegue o autor, que a forma de aplicação de uma demanda por serviços e insumos de saúde é completamente distinta da decisão
de adquirir um automóvel. A segunda é a própria forma como a utilidade é medida nos estudos aplicados: a despesa realizada é tomada como
uma proxy das utilidades envolvidas, sob a racionalidade de que a decisão de gasto representa linearmente o desejo do consumidor. O autor
conclui que a mera interferência de utilidades e benefícios por uma representação monetária parece uma solução reducionista demais para
uma questão tão complexa.

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VIANA, Ana Luíza d’Ávila; SILVA, Hudson Pacífico da & ELIAS, Paulo Eduardo M.

cessidade da construção de outros decorrem da idéia de que há uma aparecimento de externalidades, a


3
enfoques teóricos. substantividade nessa área, ela não existência de rendimentos crescen-
Quarto, e pelas razões já levan- é igual a qualquer área produtora, tes ou monopólios naturais, a exis-
tadas antes, há uma forma própria e tanto a oferta como a demanda têm tência de incertezas (comportamen-
de organização do acesso a esse comportamentos singulares e não to de um consumidor-paciente ante
bem, pois foram criadas instâncias conseguem convergir isoladamente o risco da enfermidade; incentivos
institucionais específicas entre a para o mercado, como se dá em para o asseguramento; seleção ad-
demanda e a oferta: isto é, a saúde outros setores, como, por exemplo, versa e risco moral; processos de
conformou uma intermediação sin- o caso do mercado de duráveis ou screening; demanda induzida pela
gular entre a demanda (usuário) e a mesmo de outros bens econômicos. oferta) e a informação assimétrica
oferta (assistência), e essa interme- Quinto, e por isso mesmo, os ou incompleta entre os agentes eco-
diação não é só financeira, só mer- mercados, nessa área, fogem de nômicos.4
cado, como muitos apontam, é mais qualquer modelo abstrato. São re- Por isso, nos textos de Economia
que isso, pois está dentro e fora da correntes, mesmo na literatura mais da Saúde, diz-se que o mercado e o
lógica de mercado. Na verdade, é um convencional da economia da saú- Estado não são figuras excludentes
longo processo histórico de confor- de, as observações sobre as imper- em saúde e ambos oferecem vanta-
mação do que chamamos hoje ‘sis- feições dos mercados em saúde, fru- gens e falhas específicas. Os auto-
tema de saúde’. As razões desse fato to de uma série de fatores como: o res apontam como vantagens do

3
No caso da economia formalista, BIASOTO (2004) cita o diagrama de Williams (WILLIANS, 1987), autor que destacou o conjunto de variáveis que
influenciam a demanda em saúde: a escala de utilidades da saúde, enquanto valor para os consumidores, o que envolve a percepção dos
atributos da saúde e o valor da vida. O segundo conjunto de fatores que dá forma à curva de demanda por saúde é composto por elementos
correlatos, como renda, educação, padrões de consumo, elementos morais, que acabam agindo como condicionantes externos aos ligados à
assistência médica. A partir da influência desses fatores, a curva da demanda por saúde passa a tomar forma, matizada por elementos como
barreiras ao acesso derivadas dos preços, as filas e as condições de referenciamento às especialidades e às intervenções complexas. Ao mesmo
tempo jogam papel essencial, as formas de regulação, como o acesso aos planos de saúde e os direitos à saúde pública, e o comportamento das
pessoas frente ao sistema. No campo da oferta de serviços de saúde, um amplo conjunto de fatores está por trás da curva de produção. Os custos
e as alternativas de formas de assistência, a tecnologia, os insumos, os métodos de organização da produção de serviços e as condições do
mercado de bens e do mercado de trabalho. A interação entre demanda e oferta, segundo o diagrama de Williams, condiciona o equilíbrio do
mercado e as condições microeconômicas enfrentadas pelos agentes envolvidos. O autor ressalta que, atualmente, o novo diagrama de Edwards
propõe superar o campo da economia da assistência à saúde e construir os elementos teóricos da economia da saúde. Segundo BIASOTO, o intento
de EDWARDS (2001), em suas palavras, conquanto extremamente louvável, não logra o alcance anunciado. O novo organograma estende o campo
de ação da economia da saúde, mas a conserva na condição de mera subdisciplina da economia, usuária do mesmo arsenal de instrumentos e
metodologias de que a matriz se utiliza. Conclui BIASOTO que a reflexão sobre o instrumental analítico em economia da saúde, se levada às últimas
conseqüências, deveria indicar a necessidade de novas abordagens e a estruturação de um marco teórico-conceitual próprio, distinto da matriz
ofertada pela ciência econômica. Enfatiza, finalmente, o autor que ainda que se utilizem ferramentas trazidas da ciência econômica, é crucial
desenvolver marcos e leis de movimento próprias da economia da saúde.
4
Ferlie et al., que estudaram a reforma do sistema inglês dos anos 1990, apontam a importância de alargar o estudo sobre os mercados, tendo
em vista a ênfase das reformas na construção de mercados administrados ou paramercados. Segundo ele, a análise sociológica dos mercados
tornou-se um campo em expansão nos anos 1980. Os conceitos essencialmente sociológicos das relações sociais, da confiança, da reputação
e da obrigação são vistos como centrais para a compreensão de como os mercados funcionam. Mais recentemente, a visão relacional dos
mercados (FERLIE et al., 1999), aponta para novos comportamentos, nos quais, segundo Ferlie, os seguintes sinais podem aparecer: um número
relativamente pequeno de compradores e vendedores pode ficar preso a contratos de longo prazo ou compras repetidas, e as decisões de
compra podem ser feitas com base em dados intangíveis (confiança, por exemplo), como também em informações tangíveis. O autor aponta
ainda uma característica importante dos mercados relacionais, o valor do atributo reputação, como bem intangível essencial, base no qual
fornecedores negociam.

10 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate

Estado: reduzir os custos de transa- blema de forma simples e brilhante, ponsável pela reprodução humana,
ção, pois o controle interno é menos ao observar que, nessa concepção, pela própria existência do homem.
necessário em estruturas hierárqui- Estado e mercado deixam de ser ins- Poderíamos falar, copiando PO -
cas em que impera a autoridade; tâncias e resultados da constituição LANYI (1980)[1944], que a saúde é uma

facilitar as tarefas que requerem do capitalismo enquanto sistema mercadoria fictícia, como ele aponta
continuidade, estabilidade, limita- histórico de relações sociais e eco- ser o trabalho, a terra e o dinheiro,
ção do favoritismo e da discrimina- nômicas e passam a representar al- pois não foram criadas para e pelo
ção, garantias de acesso eqüitativo, ternativas abstratas de organização mercado, isto é, não são objetos pro-
coesão social e coerência com ou- da sociedade. Diz ele: “... como o duzidos para venda no mercado, e
tras políticas públicas. As vantagens senhor prefere, mais Estado ou mais somente depois de um longo proces-
do setor privado são: eficiência pro- mercado? E conclui: desconfio que so histórico é que foram constituí-
dutiva, capacidade de resposta às algumas teorias serviriam melhor dos e organizados os mercados es-
demandas de clientes e usuários; como um guia de instruções para pecíficos do trabalho, do dinheiro, da
maiores incentivos individuais e terra e, completando, da saúde. Al-
organizativos; flexibilidade no uso guns autores, inclusive, argumentam
de insumos produtivos que permi- que outros bens, como é o caso do
tem responder com rapidez às mu- ar, da diversidade biológica e da água
PARA O CASO
danças, às novas tecnologias de pro- emergiram recentemente como novas
dução, às preferências dos cidadãos DA SAÚDE, mercadorias fictícias, gerando mer-
e à inovação, a possibilidade de re- TAMBÉM cados que precisam ser instituciona-
petição do êxito, a assunção de ris- lizados. Esse processo foi chamado
PODEMOS
cos, geração de capital e a conquis- de mercantilização da natureza por
ta de economias de escala. São apon- FALAR DE BERTHA BECKER (2005), em artigo recen-
tados como falhas do Estado, o ris- UM PROCESSO te sobre a Amazônia, em livro orga-
co moral e, no setor privado, a sele- nizado pelo IPEA (Instituto de Pesqui-
ção adversa e o risco moral. sa Econômica Aplicada).
Como vimos, essa abordagem Para o caso da saúde, também
trata não da relação Estado/merca- garçons de restaurantes baratos” podemos falar de um processo, o
do no setor saúde, mas discorre so- (BELLUZZO, 2005. p.122). qual Polanyi chama de ‘ficção’, daí
bre duas instituições dissociadas, mercadorias fictícias a fomentar a
nas quais se explicitam argumen- 2. ABORDAGEM SUBSTANTIVISTA formação de um mercado em torno
tos para que se faça uma escolha OU HISTÓRICA: ALGUMAS QUESTÕES-CHAVE do bem saúde. Essas mercadorias
racional entre um ou outro, isto é, A SEREM RESPONDIDAS POR ESSA fictícias tiveram que ser reguladas
por mais ou menos mercado, como LINHA DE ANÁLISE pelo Estado, isto é, foram submeti-
se não existissem razões de ordem das à regulação dos governos, no
estrutural para a configuração de A abordagem substantivista ou sentido de protegê-las da ação iso-
determinados arranjos Estado/mer- histórica parte do pressuposto de que lada do mercado geral.
cado, em um dado período históri- a saúde é um bem/serviço diferente Acrescenta BELLUZZO (2005), co-
co. Belluzzo, em um capítulo do seu dos demais por razões óbvias, ten- mentando a obra magistral de POLANYI
mais recente livro, expõe esse pro- do em vista que sua presença é res- – A grande transformação –, que a

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transformação da terra, da mão-de- tal nessa área, ou a forte convic- 2.1. Marco ou referencial teórico de
obra e do dinheiro em mercadorias ção da saúde como direito. como a saúde pode ser vista à luz
significa a subordinação da própria Propomos, mais adiante, discu- da economia política: complexida-
substância da sociedade às leis de tir três questões-chave no campo da de e contradição entre os movimen-
mercado. Prossegue afirmando que Economia Política da Saúde (ou da tos simultâneos de desmercantili-
a terra (recursos naturais), a mão- linha substantivista): a primeira tra- zação do acesso e mercantilização
de-obra (capacidade de trabalho) e o ta do referencial teórico da discipli- da oferta / provisão, ao lado da
dinheiro (poder de compra) não po- na, que, do nosso ponto de vista, constituição (recente) de um cam-
dem estar sujeitos aos processos im- deve partir da discussão central da po de acumulação de capital em
pessoais, imprevisíveis e às vezes ca- economia política, isto é, como se saúde, expresso pela formação do
tastróficos do mercado, porque são, dão os avanços das formas mercan- complexo industrial da saúde.
antes de tudo, condições de sobrevi- tis e capitalistas em todos os espa-
O fenômeno mais marcante na
vência humana, meios que permitem ços da vida social e como podem
área da saúde, nos últimos 60 anos,
o acesso aos bens da vida. Condicio-
foi o processo que gerou, por um
nar o acesso a esses meios de vida a
lado, a desmercantilização do aces-
decisões que não têm outra finalida-
so à saúde e, por outro, a mercanti-
de senão a acumulação de riqueza
lização da oferta / provisão e, ao
sob a forma monetária significa lan- O PROCESSO DE DESMERCANTILIZAÇÃO mesmo tempo, criou um enorme
çar os indivíduos na insegurança per- DO ACESSO TEVE COMO COROLÁRIO parque industrial ligado à área (re-
manente (BELLUZZO, 2005, p.191-192). presentado pelas indústrias de base
A SAÚDE COMO DIREITO E O MOVIMENTO
O que diria POLANYI sobre a cria- química e biotecnologia e mecâni-
ção incessante hoje de novas merca- DE FORMAÇÃO DOS MODERNOS SISTEMAS ca, eletrônica e de materiais).
dorias fictícias como a saúde, o meio O processo de desmercantiliza-
DE PROTEÇÃO SOCIAL E DA SAÚDE
ambiente, o ar, a biodiversidade etc.? ção do acesso teve como corolário
Esta é a primeira diferença da a saúde como direito e o movimen-
abordagem da economia política da to de formação dos modernos sis-
saúde frente à linha formalista da temas de proteção social e da saú-
economia da saúde: discutir as es- ser reguladas as contradições implí- de, que passam a responsabilizar-
pecificidades da saúde enquanto citas entre o crescimento dessas se pelo risco social de um indiví-
mercadoria e bem econômico. mesmas formas mercantis e a liber- duo adoecer. Esse risco seria de res-
A segunda abordagem, decorren- dade e a igualdade entre os homens; ponsabilidade coletiva, seria cober-
te da primeira, é o imperativo de a segunda procura responder como to por toda sociedade, isto é, ga-
uma análise histórica, tanto para os mecanismos de financiamento são rantido pela idéia do direito social
dar conta do processo acelerado de definidos e quais implicações eles (direito do cidadão e/ou responsa-
mercantilização da área, como pelo têm para uma maior equidade no bilização coletiva, por isso, dever
fato de que o papel da saúde, hoje, acesso à saúde e para o reforço ou a do Estado). Esse processo se inicia
é completamente distinto do que foi negação do processo de desmercan- com a formação dos seguros ocu-
há 50 anos, tendo em vista, por tilização do acesso; a terceira envol- pacionais e nacionais na Europa,
exemplo, a constituição de um gran- ve a discussão entre desenvolvimen- no início do século XX, e se apri-
de campo de acumulação de capi- to econômico e social e saúde. mora depois da Segunda Guerra

12 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate

Mundial, com a formação dos gran- “...ele será investido nesses direitos lidade da sociedade, do coletivo, e
des sistemas nacionais de saúde fi- desde o primeiro suspiro: o nascimen- obrigação do Estado, é o longo
to de um cidadão implica, por parte da
nanciados por impostos públicos. movimento de desmercantilização
sociedade, o reconhecimento de uma
A longa trajetória de constitui- do acesso à saúde, e um dos te-
dívida. Dívida com sua subsistência,
ção dos sistemas de proteção soci- com sua dignidade, com sua educa- mas centrais de discussão da eco-
al nos países avançados e seu apo- ção, com seu trabalho, com sua velhi- nomia política da saúde.
geu no período 1945-75 – quando ce.” (BELLUZZO, 2005. p.65) Em resumo, os sistemas de pro-
a economia parece ter sido doma- teção social exprimiram uma equa-
A saúde, como se sabe, foi peça
da pela sociedade e pelo Estado, no ção em que a política influía com
chave na construção dos modernos
sentido de que foi dada uma finali- força na economia, pois foram os
sistemas de proteção social, pois o
dade ao progresso material, como, movimentos e lutas dos trabalhado-
adoecimento e a velhice são e foram
por exemplo, o bem-estar individu- res e da classe média, em grandes
os dois principais problemas das
al e coletivo – foi objeto de análise partidos de massa, que fomentaram
de numerosas pesquisas realizadas essa responsabilização coletiva pelo
por cientistas sociais europeus de bem-estar dos cidadãos.
diferentes escolas e segundo meto- Outro processo, em sentido
5
dologias diversas. ESSE PROCESSO DE MERCANTILIZAÇÃO oposto, foi o da mercantilização da
Segundo BELLUZZO, o século XX foi, oferta. A mesma se inicia com o as-
sem dúvida, palco de uma batalha
DA OFERTA TEVE DIFERENTES ETAPAS, salariamento dos profissionais, so-
que, entre mortos e feridos, deixou o SENDO QUE O ASSALARIAMENTO DOS bretudo dos médicos, no início do
saldo positivo da conquista dos di- século XX, passando pela confor-
PROFISSIONAIS É FENÔMENO MAIS ANTIGO,
reitos sociais e essa conquista deter- mação das empresas médicas, e
minou que o reconhecimento do in- E A EMERGÊNCIA DAS OPERADORAS termina na formação das operado-
divíduo como cidadão não mais de- DE PLANOS E SEGUROS, MAIS NOVO ras de planos e seguros de saúde,
pendia de sua inserção e posição no que passam a realizar uma inter-
circuito mercantil. A história do sé- mediação de natureza financeira, no
culo XIX e XX pode ser contada, como setor. Esse processo de mercantili-
diz acertadamente o autor, pela re- camadas mais pobres: como garan- zação da oferta teve diferentes eta-
sistência das camadas sociais mais tir assistência à saúde em todos os pas, muitas vezes não seqüenciais,
desprotegidas contra as forças cegas momentos do ciclo de vida (infân- sendo que o assalariamento dos
e supostamente impessoais do mer- cia, idade adulta e velhice) e uma profissionais é fenômeno mais an-
cado. E, nas suas palavras, o Esta- renda digna, quando o cidadão dei- tigo, e a emergência das operado-
do social, construído a ferro e fogo xa de trabalhar? Esses dois itens ras de planos e seguros, mais novo.
pelos subalternos, impôs o reconhe- configuram um dos problemas cen- O processo de constituição de um
cimento dos direitos dos cidadãos, trais da proteção social. campo próprio de acumulação de
isto é, da sua autonomia desde o seu O processo de transformar a co- capital em saúde pode ser visto pela
nascimento até sua morte: bertura desse risco em responsabi- formação das grandes indústrias do

5
Um resumo dessa discussão e a visão dos autores citados podem ser observados no artigo introdutório “Proteção social: introduzindo o
debate de Viana e Levcovitz”, do livro Proteção social – dilemas e desafios, organizado por VIANA; ELIAS & IBAÑEZ, 2005.

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setor, conformando um complexo Hoje, o estudo desse aspecto da saú- As relações entre essas caracte-
industrial da saúde, sendo processo de é fundamental, pois o Brasil é rísticas / processos não são simples
recente, e altamente dependente da muito dependente da importação nem lineares. Pode-se afirmar que
inovação tecnológica e do próprio desses bens e sua maior autonomia a saúde como direito influenciou,
avanço científico no campo biomé- frente a tais interesses pode ser peça de forma indireta, dado o aumento
dico. O grande desenvolvimento tec- chave na consolidação do sistema de demanda que propiciou / esti-
nológico, a revolução tecnológica dos público de saúde. mulou, em alguns casos, a rápida
últimos 25 anos, ao lado da etapa O Quadro 1 exemplifica, ou me- expansão da saúde como bem eco-
atual de globalização e financeiriza- lhor, resume esses três processos / nômico; essa mesma expansão da
ção acelerada propiciaram a forma- dimensões, que não foram constitu- demanda, ao lado do desenvolvi-
ção / consolidação desse complexo. ídos em um mesmo momento histó- mento científico, por sua vez, esti-
Vários autores nacionais têm cha- rico e nem de forma combinada, mas mulou a formação do complexo
mado atenção para esse ponto, que hoje convivem de forma com- industrial da saúde (produção em
como G ADELHA (2003), B ERMUDEZ plexa e contraditória em um mes- larga escala de medicamentos, por
(1995), GUIMARÃES (2005) e outros. mo sistema de saúde. exemplo). Entretanto, esses proces-
sos são e foram diferentes de país
QUADRO 1 – Processo complexo e contraditório da Economia Política da Saúde: saúde como a país e, mesmo hoje, essas carac-
direito, bem econômico e campo de acumulação de capital ou Três características/dimensões terísticas / processos / dimensões
essenciais presentes hoje nas políticas de saúde não estão igualmente desenvolvi-
dos, isto é, não estão plenamente
A saúde como direito → desmercantilização do acesso → sistemas de proteção social maduros em todos os países.
A saúde como bem econômico → mercantilização da oferta → assalariamento dos profissionais (médicos), formação de empre- Há sistemas nos quais não se
sas e intermediação financeira (planos e seguros) implantou a saúde como direito, ao
A saúde como esfera de acumulação de capital → formação do complexo industrial da saúde → globalização e financeirização lado de um acelerado processo de
constituição da saúde como bem
Fonte: elaboração própria
econômico e campo de acumulação.
Pretendemos diferenciar o pro- cia de grandes massas consumido- Poderíamos dizer que esse é o pior
cesso de criação do bem econômi- ras, por um lado, e de todo um apa- dos mundos. Há outros países em
co saúde, que necessitou da forma- rato público e privado na área de ci- que os três processos foram intensi-
ção de um conjunto de agentes mer- ência e tecnologia que viabilizou a ficados, como o caso dos europeus,
cantis, como os médicos (já na sua aplicação massiva e continuada de onde, como afirmam FREEMAN e MO-
forma liberal de prestação de ser- pesquisas básicas, principalmente na RAN, paradoxalmente, é o complexo
viços, ou depois, enquanto assala- área de fármacos e medicamentos. industrial da saúde e seus interes-
riados dos antigos aparatos previ- Estamos chamando de ‘comple- ses que garantem o direito à saúde,
denciários ou depois ainda, das xa e contraditória’ porque, parado- isto é, a permanência dos sistemas
empresas médicas ou de sistemas xalmente, é possível que não haja universais. Outros, ainda, onde é
públicos), do processo de formação uma oposição automática entre es- fraca a presença do complexo e de
do complexo industrial da saúde. sas dimensões, como veremos mais seus interesses, e assim por diante.
Esse segundo processo, além de ser adiante, nas pertinentes observações Tal convivência contraditória e
mais recente, necessitou da existên- de FREEMAN & MORAN (2002). complexa é altamente dependente de

14 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate

como o Estado intervém, no sentido sões presentes (hoje) na política de mesmo razoável alterar este quadro
tanto de regular o ciclo econômico saúde. Segundo os autores, a polí- – a saúde como direito, o que im-
quanto de criar espaços de integra- tica de saúde desempenhou um pa- põe alguns limites às reformas.
ção não mercantis, exatamente o que pel fundamental na reconstrução dos
• A dimensão política da polí-
distingue o Estado liberal do início sistemas europeus de proteção so-
tica da saúde. A saúde é objeto de
do século XX, do Estado dos 30 anos cial por muito boa razão: a vultosa
conflitos entre o provedor, o usuá-
gloriosos (1945-75). quantidade de dinheiro em jogo. A
rio, o pagador e os governantes. As
Segundo BELLUZZO (2005), nesse pe- “epidemia” de reformas (denomina-
instâncias decisórias são constituí-
ção dada por Rudolf Klein) foi guia-
ríodo do consenso keynesiano foi pos-
das por redes de instituições, repre-
da pelos fortes elos existentes entre
sível contemplar, com sucesso, tanto
essas três dimensões: sentando uma complexa constelação
as exigências da acumulação capita-
de atores.6 As mudanças promovem
lista quanto as pretensões dos homens • A dimensão da saúde como alterações nas relações de poder e
comuns que aspiravam a uma vida sistema de proteção social. A in- na autoridade dessas instituições, e
digna e verdadeiramente livre, prote-
nos seus interesses. A reforma sig-
gida, em suas palavras, dos riscos e
nifica o momento de reconstrução
atropelos periodicamente produzidos
da autoridade pública na saúde.
pela engrenagem econômica. ATUALMENTE, O ESTADO ESTÁ Esse aspecto implica em reforçar o
Entretanto, atualmente, o Esta-
SENDO COMBATIDO POR TER papel do Estado nos processos de
do está sendo combatido por ter de-
reforma, de modo a não permitir que
sempenhado ambas as funções, de DESEMPENHADO AMBAS AS FUNÇÕES,
nenhum ator tenha o domínio (he-
regulação do ciclo econômico e de DE REGULAÇÃO DO CICLO ECONÔMICO gemonia) das decisões políticas.
criação de espaços de integração
E DE CRIAÇÃO DE ESPAÇOS DE • A dimensão industrial da
não mercantis, o que possibilita que
a convivência complexa e contradi- INTEGRAÇÃO NÃO MERCANTIS saúde. A saúde está inserida num

tória entre os três processos / dimen- complexo mercado constituído por

sões seja auto-regulada, isto é, re- fortes setores industriais, como o

gulada por lógicas próprias – pri- farmacêutico e o de equipamentos

vadas – e, portanto, destituídas de serção da política de saúde como eletroeletrônicos, por exemplo, que
componente dos sistemas e mode- auferem elevadas taxas de lucro nas
caráter público e coletivo.
los de proteção social propiciou a economias capitalistas. A saúde é
ANÁLISE DE FREEMAN E MORAN consciência do direito à saúde, as- ainda o setor formador / responsá-
SOBRE AS TRÊS DIMENSÕES DA similada por diferentes sociedades, vel por um imenso número de em-
POLÍTICA DE SAÚDE constituindo uma característica das pregos diretos e indiretos, sendo, em
sociedades modernas a preocupação muitos países, a maior fonte empre-
FREEMAN & MORAN (2002) interpre- com a saúde e a procura por cuida- gadora. Estes fatores geram confli-
tam esse mesmo movimento a par- dos médicos. Para muitas socieda- tos internos e externos, resumida-
tir da identificação de três dimen- des, não parece mais possível ou até mente, pela oposição entre redução

6
Os médicos são os principais atores não-governamentais, e suas organizações de interesses corporativos constituíram-se em alguns países
antes mesmo do evento da democracia liberal.

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do gasto por imperativo fiscal ver- to econômico e social, como vere- A lógica da equivalência é um
sus expansão da demanda, pela mos em tópico específico. mecanismo difundido em países em
pressão das indústrias do setor (ex- que o mecanismo dos planos e se-
terno, tendo em vista que a indús- 2.2. Financiamento da saúde: ló- guros é predominante, como os Es-
tria ligada à saúde é altamente in- gica da equivalência e lógica da tados Unidos, e a lógica da solida-
ternacionalizada e globalizada). Re- solidariedade riedade é dominante nos sistemas
formar, não atendendo aos impera- Duas lógicas distintas presidem o beveridgianos ou universalistas,
tivos da expansão da demanda, tam- financiamento da saúde em diferen- como são os sistemas de saúde da
bém não parece muito viável. tes sistemas: a lógica da equivalên- Europa do Norte.
cia, presente na compra de planos e O Quadro 2 exemplifica o financi-
Como afirmam F REEMAN & MO- seguros, cujo benefício está associa- amento da saúde em diferentes siste-
RAN (2002), os sistemas nacionais do às condições de pagamento (por mas de saúde (modelo universalis-
de saúde se inserem em contextos isso, equivalência entre o que eu fi- ta, assistencial ou residual, ocupa-
socioeconômicos e políticos espe- cional ou previdenciário e misto) para
cíficos, isto é, conformam as eco- diferentes classes de renda. É inte-
nomias capitalistas e, reciproca- ressante observar que o modelo ocu-
mente, foram desenvolvidos por pacional também funciona dentro da
elas; concorreram para a forma- OS SISTEMAS NACIONAIS lógica da solidariedade, mas dentro
ção da democracia política e fo- de grupos (categorias ocupacionais
DE SAÚDE SE INSEREM
ram também formados por ela. e seus dependentes) fechados.
EM CONTEXTOS
Portanto, esse deve ser o marco São representativos do modelo
teórico para as análises da econo- SOCIOECONÔMICOS E assistencial os Estados Unidos; do
mia política da saúde, isto é, en- modelo ocupacional, a Europa conti-
POLÍTICOS ESPECÍFICOS
tender o processo de constituição nental; do modelo universalista uni-
simultâneo e complexo, às vezes ficado ou puro, os sistemas de saúde
contraditório (quando o desenvol- da Europa do Norte e da Inglaterra, e,
vimento de um processo impede finalmente, dos sistemas universais
outro), outras vezes positivo (quan- nancio/contribuo e o que eu recebo mistos ou diversificados, o Brasil.
do um processo reforça o outro), de benefícios); e a lógica da solidarie- As discussões no campo da eco-
das três dimensões (saúde como dade, presente nos sistemas de saúde nomia política estão focadas em
direito, bem econômico e campo de universais, financiados com impos- melhor conhecer os impactos de
acumulação de capital) presentes tos gerais. A lógica da solidariedade cada tipo de financiamento na equi-
7
na política de saúde. importa em socializar o financiamen- dade dos sistemas e para verificar
Por último, esses três processos to do risco de adoecer entre todos os de que forma cada tipo de financia-
materializam, para área da saúde, cidadãos de uma dada comunidade mento pode estar confirmando ou
o conjunto de questões que envol- ou país, onde todos pagam pela pres- negando a desmercantilização do
vem a relação entre desenvolvimen- tação da assistência para todos. acesso nessa área.

7
No caso de FREEMAN e MORAN, as três dimensões se referem aos aspectos do direito, econômico e político, presentes na política de saúde. No
caso da economia política da saúde, os três processos são da saúde como direito, bem econômico e campo de acumulação de capital.

16 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate

QUADRO 2 – Financiamento da Saúde segundo diferentes sistemas e classes de renda

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Fonte: Médici A.C. Economia e financiamento do setor saúde no Brasil: balanços e perspectivas do processo de descentralização. Faculdade de Saúde Pública da USP, 1994.

O crescimento do gasto privado ticas assistenciais voltadas para os zam políticas públicas que promo-
em alguns sistemas é um movimento grupos de excluídos por renda ou vem o bem-estar coletivo.
claro de mercantilização do acesso algum outro tipo de discriminação. Nesse último caso, a idéia de
e de negação do direito social. Isto é, o bem-estar é fruto tanto do desenvolvimento é entendida como
Identificar as formas atuais de desenvolvimento econômico quanto desenvolvimento econômico e so-
(des)mercantilização a partir da aná- do desenvolvimento social. cial, e deve estar associada à me-
lise do financiamento dos sistemas é AMARTYA SEN, em texto recente lhor distribuição eqüitativa da ri-
um exercício no campo da economia (SEN, 2004), dividiu as teorias do queza e da renda, ao estabeleci-
política da saúde, e prioritário, no desenvolvimento em dois grupos: mento de um equilíbrio regional,
sentido de melhor compreender me- o primeiro seria constituído por te- a garantia de soberania nacional,
canismos visíveis e invisíveis do avan- orias que tratam do desenvolvimen- uma sociedade civil forte e um
ço das formas mercantis, que podem to como um processo de sacrifícios Estado democrático.
conduzir a um quadro de inseguran- e a idéia de que qualquer processo Segundo Furtado (1968; 1998),
ça, próximo daquele que viveram os de progresso material traz inevita- isso distingue o desenvolvimento,
trabalhadores do século XIX. velmente mais sacrifícios que bem- em sentido lato, da situação de sub-
estar (como advogam as concep- desenvolvimento, pois o subdesen-
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E ções que defendem que os interes- volvimento não é uma etapa do de-
SOCIAL E SAÚDE ses dos indivíduos e grupos devem senvolvimento, mas um desenvolvi-
ser subordinados aos interesses do mento sem as características virtu-
Nas sociedades contemporâneas, crescimento econômico), o que pode osas apontadas aqui. Esse proces-
o bem-estar da população é fruto de justificar vias autoritárias e, no li- so se traduz na emergência e ama-
três tipos de políticas públicas: as mite, o crescimento sem melhorias durecimento da democracia, e não
políticas de crescimento econômico na distribuição de renda e de bene- se faz, entretanto, de forma linear.
que garantem renda e emprego; as fícios sociais. O segundo grupo, Se olharmos para a história dos
políticas sociais universais, que se mais palatável, seria representado modernos sistemas de proteção so-
responsabilizam pela promoção da pelas teorias que admitem uma cial (no sentido de que eles materia-
igualdade e qualidade de vida, como combinação virtuosa entre desen- lizaram formas de desenvolvimento
previdência social, educação e aten- volvimento, liberdades individuais social), veremos que o pleno flores-
ção à saúde; e, finalmente, as polí- e maior igualdade social, e valori- cimento dos mesmos esteve mais

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007 17
VIANA, Ana Luíza d’Ávila; SILVA, Hudson Pacífico da & ELIAS, Paulo Eduardo M.

associado a um tipo específico de dos ganhos de produtividade nos indivíduos submetidos à socializa-
desenvolvimento capitalista, o capi- salários; o crescimento de um con- ção dos mercados.
talismo do pós-guerra. sumo de massas; a teoria econô- O desenvolvimento social, por
É importante perceber que os sis- mica keynesiana que legitima e sua vez, pode ser visto como o grau
temas de proteção social têm dife- modela a intervenção pública; o de legitimidade dado pela socieda-
rentes características segundo os crescimento da capacidade admi- de às necessidades sociais; esse
padrões de desenvolvimento capita- nistrativa do Estado; e o aprofun- grau de legitimidade (das necessi-
lista: na etapa liberal, emergiram os damento dos compromissos demo- dades sociais em dada sociedade)
seguros nacionais e ocupacionais, cráticos por parte da sociedade. determina o quão democrática essa
e foi somente no pós-guerra que flo- Segundo BELLUZZO (2005), citan- sociedade é.
resceram, com intensidade e exten- do Bobbio, a democracia moderna Para muitos autores, a garan-
são, os modelos universais. tia e a ampliação do atendimento
Por isso, o Estado de Bem-estar das necessidades sociais é a úni-
Social (Welfare State) configura um ca forma de compatibilizar econo-
8
momento e um regime específico de mia de mercado, democracia e bem-
proteção social, introduzido a partir estar coletivo.
de políticas sociais mais abrangen- Os sistemas de proteção social
APROXIMAR BEM-ESTAR
tes para diferentes grupos sociais, de exprimem, por sua vez, tanto esse
efeito sinérgico e incorporando as INDIVIDUAL DO BEM-ESTAR grau de legitimidade quanto as res-
classes médias em expansão. Este 9
PÚBLICO É ESSENCIAL, postas dadas por diferentes socieda-
padrão ou regime de proteção social des sobre quem proteger, quanta
TENDO EM VISTA A CRESCENTE
emerge na Europa no pós-guerra, e proteção oferecer e como oferecer
configura uma etapa específica de SOCIALIZAÇÃO DOS essa proteção aos cidadãos de uma
desenvolvimento capitalista, quando RISCOS SOCIAIS dada territorialidade.
o papel do Estado se alastra para Além disso, aproximar bem-es-
diferentes campos e ganham impor- tar individual do bem-estar público
tância, nas decisões políticas, atores é essencial, tendo em vista a cres-
como a burocracia governamental, significa, na verdade, a imposição cente socialização dos riscos soci-
sindicatos e a grande corporação. de limites ao domínio do econômi- ais entre grupos populacionais, re-
Algumas condições especiais co, ao jogo da acumulação e do giões e países por conta do proces-
estão na raiz do surgimento do wel- enriquecimento privado para pre- so de globalização. Nesse aspecto,
fare state no pós-guerra: a expan- servar as condições de vida, o meio o papel do Estado é cada vez mais
são do emprego e a incorporação ambiente, a saúde psicológica dos relevante para garantia de renda,

8
‘Regime’ expressa as formas de compartilhamento dos riscos sociais pela família, mercado e Estado em diferentes momentos históricos.
Observe-se que o termo será usado por OFFE (1993) para designar as considerações morais e políticas que sustentam o grau de compartilha-
mento dos riscos na política social. Esping-Andersen, por sua vez, utiliza esse mesmo termo para designar os diferentes arranjos entre
família, mercado e Estado nos diferentes tipos de Bem-estar Social (WS).
9
MELLO (1995) assinala que essa talvez seja a principal mudança ocorrida nos modelos de intervenção do Estado na área social,
configurando um terceiro modelo, quando o WS deixa de ser entendido enquanto mecanismo institucional voltado para os grupos mais
destituídos (pós-guerra).

18 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
Economia política da saúde: Introduzindo o debate

emprego e políticas sociais univer- individual; do grau de legitimida- Retomar a discussão conjunta
sais, tendo em conta as limitações de das necessidades sociais e do entre desenvolvimento econômico e
do mercado e mesmo de novos seto- papel do Estado como financiador, social é a única forma de fugir, por
res (ONGs, OSCIPs etc.) para amplia- regulador e articulador de um con- um lado, das amarras do economi-
ção da extensão da proteção social junto de políticas. O Quadro 3 re- cismo, o pensamento dominante atual
tanto na área de saúde quanto junto sume essas questões, cujas respos- na área da economia, que naturali-
aos demais setores componentes da tas permitem caracterizar os tipos za o movimento de avanço das nor-
área social. / vias de desenvolvimento social em mas da mercantilização e da concor-
Dessa forma, os rumos do de- determinado país. rência em todas as esferas da vida,
senvolvimento social dependem do Certamente, as questões aqui segundo Belluzzo, como critérios
enfrentamento desse conjunto de elencadas são preliminares e não dominantes da integração e do reco-
questões e desafios, isto é, da vin- esgotam todos os aspectos envolvi- nhecimento social. Por outro, das vi-
culação entre bem-estar público e dos com o desenvolvimento social. sões seletivas e reducionistas da po-
lítica social, neste caso entendidas
QUADRO 3 – Questões que definem determinada via de desenvolvimento social apenas como combate à pobreza.

1. Qual o grau de legitimidade que as necessidades sociais possuem?


Aqui cabe uma nota para o caso
brasileiro, dadas as especificidades
2. Quais são as maiores dificuldades (financeiras, organizacionais e administrativas, recursos humanos, políticas, tecnológicas etc.)
para que o Estado melhor atenda a essas mesmas necessidades? das inter-relações entre o desenvol-
vimento econômico e social em nos-
3. Qual o grau de articulação presente entre as políticas responsáveis pelas condições de bem-estar da população e que medidas
são prioritárias para o incremento desse grau de articulação? so país, muito bem retratado no ar-
tigo de AMÉLIA COHN (2005). Em nos-
4. Qual o impacto das atuações setoriais para a melhora das condições de vida e saúde?
so caso, o aspecto tardio da implan-
tação do SUS (ver a definição de VI-
Por isso, a melhora das condi- combinam e são reguladas as três ANA (2002) para o uso do termo ‘tar-

ções de saúde não depende apenas dimensões / processos – do direito, dio’) – tardio, inclusive, no sentido
do êxito das políticas de saúde, econômica e política – discutidos de ter sido implantado na derroca-
mas também da forma como estão nesse texto. da do projeto nacional desenvolvi-
sendo conduzidas as diferentes po- A etapa atual do capitalismo, ao mentista, ao término de seu período
líticas públicas responsáveis pela dissociar desenvolvimento econômi- de apogeu, isto é, em um período
garantia de condições mínimas de co de desenvolvimento social, isto de crise, com subseqüente adoção
bem-estar para a população como é, ao deixar de ver, por exemplo, o de políticas de cunho liberal no pla-
um todo. Isto é, como se combina gasto social como componente im- no econômico (configurando 15
desenvolvimento econômico e soci- portante da demanda agregada e anos de políticas liberais, um tem-
al. A forma, o tipo dessa combina- como fator central na garantia do po de ‘hegemonia liberal’, na expres-
ção é o balizador das estratégias direito social, no sentido da plena são de Brasílio Sallum Júnior) –,
de extensão da proteção social em autonomia do homem, coloca novos naturalmente, impõe limites bastan-
saúde. E a inter-relação entre de- desafios para as políticas setoriais, te sérios para a efetiva implantação
senvolvimento econômico e social ao mesmo tempo que introduz limi- de políticas mais universalistas, re-
nada mais é do que a tradução, para tes sérios para a sobrevivência de distributivistas e igualitárias. Esse
o setor saúde, das formas como se algumas políticas públicas. processo, de emergência de políti-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007 19
VIANA, Ana Luíza d’Ávila; SILVA, Hudson Pacífico da & ELIAS, Paulo Eduardo M.

cas universais, difere radicalmente CASTRO, A. B. Entrevista. Pesquisa e ma sanitária. In: LIMA , N. T.; GERS -
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pós-guerra – e o pleno florescimen- GERSCHMAN S., EDLER F. C., SUÁREZ J. balho e proteção social. São Paulo
to de um modelo de gestão integra- M. (orgs). Saúde e Democracia – em Perspectiva, São Paulo, v.9, n.4,
do público (ver VIANA, 2002, para História e perspectivas do SUS. Rio p.40-46. 1995.
definição desse modelo). de Janeiro: Fiocruz, OPAS, 2005.
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Dessa forma, o SUS carece de
EDWARDS, R. T. Paradigms and the e Stato Nazionale: In: FERRERA, M.
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research programmes: Is it time to (ed), Stato Sociale e Mercato Mon-
crescimento e desenvolvimento, e
move from health care economics to
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isso tem implicado um perfil espe- health economics. [S.l.]: Health
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20 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de
saúde no Brasil
New layout for old problems: financing and expenditures in public health services and actions in Brazil

José Aparecido Ribeiro1, Sérgio Francisco Piola1 & Luciana Mendes Servo1

RESUMO
A Emenda Constitucional 29 estabeleceu a vinculação de recursos orçamentários da União, estados e municípios,
para despesas com Ações e Serviços Públicos de Saúde, com os objetivos de proporcionar maior estabilidade aos recursos
da Saúde e fazer com que as esferas subnacionais aumentassem sua participação no financiamento do SUS. A partir dos
dados do SIAFI para o período de 1995 a 2004, realiza-se uma análise detalhada da trajetória do financiamento e dos
gastos do Ministério da Saúde (MS) e das Ações e Serviços Públicos de Saúde. Destacam-se momentos de inflexão como
a criação da CPMF, a aprovação da Emenda 29 e a redução dos gastos federais ocorrida em 2003, além do crescimento do
gasto com transferências frente aos gastos diretos do MS. Utilizando dados do SIOPS para o período de 2000 a 2003,
analisa-se ainda a trajetória do gasto público da União, dos Estados e Municípios com Ações e Serviços Públicos de
Saúde, bem como a sua respectiva distribuição entre as três esferas de governo. Constata-se que a implementação da EC
29 obteve impactos distintos em cada uma das três esferas, alterando a composição relativa do financiamento público
da Saúde. Observa-se uma estagnação da participação federal ao lado de um crescimento da participação de estados e
municípios – embora os estados ainda não alcancem, em média, os mínimos exigidos pela EC 29.
PALAVRAS-CHAVE: Economia da Saúde; Financiamento da Saúde; Gasto Público Federal em Saúde; Gastos Públicos em
Saúde; Emenda Constitucional n. 29.

ABSTRACT
The Constitutional Amendment 29 (EC 29)sets forth the connection of the Federal, State and Municipal Government
budget resources, for expenses with Public Health Actions and Services, with the purposes of providing greater
stability to the Health resources, making sub-national spheres to increase their participation in the Unified Health
System (SUS) financing. As from data of the SIAFI for the period between 1995 and 2004, a detailed analysis is carried
out of the financing and expenditures of the Health Ministry (MS) and Public Health Actions and Services. We
highlight moments of inflection as the creation of the CPMF (Transitory Contribution over Financial Transactions),
the approval of Amendment 29 and the reduction of federal costs occurred in 2003 apart from the increased expenditure
with transfers considering direct expenditures of the MS. Using data from the SIOPS (Informational System on Public
Expenditure with Health) for the period between 2000 and 2003, we analyze also the route of the Federal, State and
Municipal public expenditure in Public Health Actions and Services, based on their respective contribution within the
three governmental spheres. We notice that the implementation of the EC29 had different impacts on each of the three
spheres, altering the composition related to the public health financing. We observed a stagnation of the federal
participation next to a growth in the participation of states and municipalities – although the states have not yet
reached, in average the minimum level required by the EC29.
KEYWORDS: Health Economics, Financing Health; National Government Expenditures on Health; Government
Expenditures on Health; Constitutional Amendment #29.
1
Diretoria de Estudos Sociais, Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, Brasília, Distrito Federal, Brasil.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 21
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

INTRODUÇÃO um setor especial, diferente de ou- sar de tudo, a efetiva constituição e


tros setores da economia, e também configuração dos sistemas de aten-
O financiamento da saúde é, por é uma necessidade especial, distin- ção à saúde dependem da trajetória
motivos diversos, objeto de preocu- ta de outras necessidades conside- histórica e política de cada nação,
pação em quase todos os países do radas básicas. Tal diferença vem da especificamente no campo dos direi-
mundo. Naqueles desenvolvidos, relativa imprevisibilidade das ne- tos sociais – o que resulta em con-
que investem parcela considerável cessidades de atenção, do fato de a siderável diversidade de ‘soluções’
do seu Produto Interno Bruto (PIB) falta de atendimento oportuno po- encontradas para a questão da saú-
em saúde, a preocupação cresce, der levar à morte, e dos custos do de: alguns países adotam sistemas
com a eficiência, efetividade e equi- atendimento, por vezes elevadíssi- universais, outros contributivos; uns
dade nos gastos, uma vez que o in- mos, poderem ser financeiramente mais voltados para o mercado, ou-
cremento nos dispêndios com servi- catastróficos para as famílias, in- tros predominantemente públicos.
1
ços médico-assistenciais não redun- clusive as de renda média. Os modelos de financiamento da
dam, necessariamente, em melhores saúde evoluíram de uma relação
condições de saúde e nem resolvem, direta consumidor/provedor, que
de modo automático, as iniqüida- ainda se mantém de forma mais re-
des no acesso aos serviços. Nos paí-
BASICAMENTE, duzida, para a criação de ‘fundos’
ses em desenvolvimento, por sua vez, que agregam recursos, com o obje-
existe o problema adicional de esten-
OS RECURSOS PARA O tivo básico de tornar o financiamen-
der a cobertura a toda a população e FINANCIAMENTO DA SAÚDE to da saúde mais solidário. Essa
de atender às exigências de financia- função solidária está na gênese das
VÊM DE DOIS GRUPOS DE AGENTES
mento setorial em concorrência com ‘caixas’ por categorias profissio-
outras necessidades do desenvolvi- ECONÔMICOS – FAMÍLIAS nais, da criação dos seguros soci-
mento social e econômico. E EMPRESAS ais, dos sistemas nacionais de saú-
Basicamente, os recursos para de e até mesmo dos planos coleti-
o financiamento da saúde vêm de vos privados de saúde.
dois grupos de agentes econômi- Em sistemas nacionais existem
cos – famílias e empresas. O Esta- Além disso, a intervenção do Es- dois modelos paradigmáticos quan-
do, apesar de não gerar recursos tado na saúde é justificada pelas to à origem dos recursos alocados
a não ser quando desenvolve ati- imperfeições do mercado da saúde, pelo setor público: 1) financiado
vidade produtiva, tem o papel im- pelas características de bem públi- basicamente por impostos gerais –
portante de arrecadar – por inter- co de algumas atividades sanitári- Modelo Beveridge –, como são, por
médio de impostos, contribuições as, pelas externalidades geradas por exemplo, os sistemas da Suécia,
e taxas – e distribuir recursos fi- alguns serviços. Todas essas carac- Dinamarca e Inglaterra; e, 2) finan-
nanceiros para execução de ações terísticas do setor justificam a par- ciado majoritariamente por contri-
e serviços públicos. ticipação do Estado, seja como fi- buições sociais, complementado por
A intervenção do Estado nesse nanciador, seja como regulador das impostos gerais – Modelo Bismar-
setor é justificada porque saúde é atividades no campo da saúde. Ape- ckiano –, como são, por exemplo,

1
Para aprofundar a discussão dessa questão, ver MUSGROVE (2004).

22 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

os sistemas da Bélgica, França, Ho- fontes de financiamento. Essa plu- O financiamento público, de cer-
2
landa e Alemanha. ralidade é expressa nas quatro vias ta forma, estende-se a todos esses
De maneira geral, nos países de- básicas de acesso da população aos segmentos. Em alguns, de forma
senvolvidos e em desenvolvimento a serviços de saúde, que são: mais direta e mais preponderante.
maior parte do financiamento da saú- Em outros, como é o caso dos seg-
de provém de fontes públicas. Nos 3 • sistema único de saúde, que é
mentos privados, de forma mais
4 de acesso universal, gratuito, fi-
países da OCDE a maior parte do fi- indireta, por meio da possibilida-
nanciado com recursos públicos;
nanciamento – em torno de 70% –, de de descontar os gastos com
provém de fontes administradas pelo • segmento de planos e seguros pri- médicos, laboratórios, hospitais e
poder público. Na América Latina, vados de saúde, de vinculação ele- planos de saúde dos rendimentos,
onde predominam sistemas segmen- tiva, financiado com recursos das para fins de declaração do Impos-
tados, a participação de recursos famílias e/ou dos empregadores; to de Renda.
públicos é bem menor – inferior a O Brasil não tem um sistema de
• segmento de atenção aos ser-
50%. O desembolso direto, forma contas nacionais em saúde, o que
vidores públicos, civis e mili-
mais iníqua e instável de financia- não permite dizer com precisão ade-
tares, de acesso restrito a es-
mento é, paradoxalmente, maior nos quada nem o gasto total com saú-
sas clientelas, financiado com
países mais pobres (OMS, 2000). de e, muito menos, de onde se ori-
recursos públicos e contribui-
ginam os recursos.5 Sabe-se mais
ções dos próprios servidores
FINANCIAMENTO DO SISTEMA sobre o gasto público. Têm-se esti-
– os chamados sistemas de
DE SAÚDE BRASILEIRO mativas sobre os gastos das famí-
‘clientela fechada’;
lias, com base nas pesquisas de or-
O sistema de saúde brasileiro é • segmento de provedores priva- çamento familiar (POF-IBGE),6 mas
pluralista e, de certa forma, segmen- dos autônomo de saúde, de muito pouco sobre a participação
tado, em termos das formas organi- acesso direto mediante paga- patronal, isto é, o gasto realizado
zacionais de atenção à saúde e das mento no ato. pelos empregadores.

2
Segundo S KIDELSKY (1998), o modelo bismarckiano começou na Alemanha em 1880, com base em um 'seguro social' compulsório. As
contribuições e benefícios eram associados aos rendimentos, bem como às ocupações, sendo a administração descentralizada. As contribui-
ções eram feitas em conjunto por empregados e empregadores que administravam os 'fundos sociais' que pagavam os benefícios. O modelo
beveridgiano, implementado na Inglaterra em 1940, está relacionado a um sistema com base em impostos e, em geral, com base de direitos
universais. Os benefícios, portanto, não eram baseados em contribuição, mas num cálculo de necessidades.
3
A exceção mais importante são os Estados Unidos, onde a maior parte dos recursos é originária de fontes privadas. O modelo dos EUA
baseia-se fundamentalmente na cobertura por meio da inserção no mercado de trabalho. A provisão de assistência à saúde pelo empregador
não é obrigatória, ainda assim, 61% da população estão cobertos por essa modalidade. Existe uma cobertura federal para os idosos e pessoas
portadoras de deficiência – Medicare –, complementada por uma cobertura compartilhada entre o nível federal e o estadual para os
indigentes que sejam também idosos, deficientes, crianças ou gestantes – Medicaid. O restante da população, para ter atenção à saúde, deve
pagar por ela diretamente do bolso – out-of-pocket (ROSS et al., 1999, p.73).
4
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reúne os países mais ricos e/ou desenvolvidos do mundo. Fundada
nos anos 1960, é composta pela maioria dos países da Europa Ocidental, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Japão, além dos novos
membros integrados nos últimos dez anos, como Coréia, México e alguns países do Leste Europeu.
5
Para uma apresentação esclarecedora das propriedades e limites das Contas de Saúde, ver SERVO et al. (2005).
6
cf. SILVEIRA et al. (2002).

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 23
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

TABELA 1 – Gasto Nacional em Saúde: percentual do PIB, per capita e participação do público 5,1% e 6,2%. Nos EUA, que têm um
e privado: estimativas para 2001 sistema de saúde assentado com pre-
dominância no mercado, tais gastos
alcançavam 6,2% do PIB.8
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"$ #"% $ # FINANCIAMENTO PÚBLICO – ALGUMAS


CARACTERÍSTICAS
& "# $ " " $

&' %! " #% ## $ A garantia de fontes estáveis para


( ' "$ ! ! % " " o financiamento público da saúde
1
Em dólares internacionais, ou seja, valores padronizados segundo paridade de poder de compra (PPP) sempre foi uma aspiração do setor.
Fonte: OMS (2004). Os constituintes de 1988 manifesta-
ram esse desejo ao dispor no artigo
A Organização Mundial de Saúde maior do que naqueles países da 55 do Ato das Disposições Constitu-
(OMS) estima, no entanto, que o Bra- OCDE que possuem sistemas de saú- cionais Transitórias (ADCT) que
sil gasta cerca de 7,6% do PIB com de públicos e universais. “...até que seja aprovada a lei de
saúde, que o gasto privado respon- No ano de 2003, segundo dados diretrizes orçamentárias, trinta por
de por 58,4% do gasto total e que o do Sistema de Informações Orçamen- cento, no mínimo do orçamento da
gasto direto das famílias atinge cer- tárias sobre Políticas de Saúde (SI- seguridade social, excluído o segu-
ca de 37,4% do gasto total em saúde, OPS), a estimativa do gasto público ro-desemprego, serão destinados ao
ou ainda, 64,1% do total do gasto total em saúde, ou seja, a soma de setor saúde” (BRASIL, 1988). Parado-
privado (OMS, 2004). Se as estimati- todos os gastos da União, do Distrito xalmente, ao atribuir transitorieda-
7
vas da OMS estiverem corretas , se- Federal, dos estados e dos municípi- de à vinculação, o legislador cons-
ria possível dizer que a sociedade os em relação ao PIB, foi de 3,45% tituinte estaria, aparentemente, se
brasileira gasta com saúde uma par- (SIOPS, 2005). Cotejando com os re- posicionando contra uma vincula-
cela do PIB bastante próxima à dos sultados de outros países, segundo ção específica e permanente, confi-
países da OCDE (ver Tabela 1). Entre- dados da Organização Mundial de ando que, a cada ano, a Lei de Dire-
tanto, como nosso produto interno Saúde (OMS, 2004, p.136-43), para trizes Orçamentárias (LDO) definiria
bruto per capita é menor do que o o ano de 2001, o gasto público total a partilha mais adequada (BARROS et
desses países, percentuais equivalen- em saúde na França, na Espanha e al., 1996. p.65). Esse dispositivo foi
tes significam gastos per capita em na Inglaterra correspondeu, respec- colocado em algumas LDOs, valen-
saúde consideravelmente menores. tivamente, a 7,2%, 5,4% e 6,2% do PIB. do mais como um teto orçamentá-
Como agravante, percebe-se que a Na Argentina e Cuba, o gasto públi- rio do que para a realização efetiva
participação privada no Brasil é co correspondia, respectivamente, a de despesas. Mas, a partir de 1993,

7
Como dissemos antes, o Brasil não possui um sistema de Contas de Saúde que permita dizer se essas estimativas estão ou não corretas. A
forma como a OMS calcula esses dados pode levar a que as informações apresentadas no quadro tenham não só problemas de comparabi-
lidade, mas também dupla contagem dos gastos, no caso brasileiro.
8
Interessante notar ainda que, embora o setor público de EUA e Inglaterra apliquem os mesmos 6,2% do PIB na área da Saúde, o significado
é distinto: os gastos do setor público correspondem a 82% do total dos dispêndios do setor na Inglaterra, enquanto que nos EUA este
percentual representa apenas 44% do total dos gastos em saúde.

24 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

diante dos aumentos da despesa pre- para definir a participação dos go- ção desses problemas, o MS teve que
videnciária, os recursos arrecadados vernos subnacionais, fazendo que recorrer à utilização de empréstimos
pelo INSS deixaram de ser repassa- todas as pressões para aumento dos junto ao Fundo de Amparo ao Tra-
dos ao Ministério da Saúde (MS), recursos setoriais recaíssem exclu- balhador (FAT)10 que, se por um lado,
sendo exclusivamente destinados à sivamente sobre a União. foram fundamentais para tornar
Previdência. Como conseqüência, a A situação de incerteza levou à possível a travessia de uma situa-
Saúde perdeu importante fonte de busca de soluções transitórias, ção particularmente crítica no finan-
cobertura de seus gastos, tendo de como a criação do Imposto Provisó- ciamento da Saúde, por outro, one-
disputar com outras áreas uma mai- rio sobre a Movimentação Financei- raram os orçamentos dos anos sub-
or participação nas demais fontes de ra (IPMF), em 1994, posteriormente seqüentes. Assim, diante desse qua-
receitas, como a Contribuição para o rebatizado como Contribuição Pro- dro, desde 1993 começaram a sur-
Financiamento da Seguridade Social visória sobre a Movimentação Finan- gir, no âmbito do legislativo, diver-
(COFINS) e Contribuição sobre o Lucro ceira (CPMF) em 1996. A CPMF vi- sas propostas para dar maior esta-
Líquido de Empresas (CSLL). bilidade ao financiamento setorial.
A responsabilidade maior pelo O ponto comum dessas propostas
financiamento da seguridade social era a vinculação dos recursos orça-
– na qual a saúde está incluída – é mentários dos três níveis de gover-
da União, mais isso não exclui ou- A EC 29 ESTABELECEU A no que, no caso dos governos sub-
tras instâncias de governo de com- VINCULAÇÃO DE RECURSOS nacionais, variava de 10 a 15% da
partilharem seu financiamento: a receita disponível. O último desses
ORÇAMENTÁRIOS DA UNIÃO,
Constituição, em seu artigo 159, dispositivos foi o Projeto de Emen-
especifica que “...a Seguridade So- ESTADOS E MUNICÍPIOS, da Constitucional (PEC Aglutinativa
cial será financiada (....) mediante 86-A) que, depois de aprovada pela
PARA DESPESAS COM SAÚDE
recursos provenientes dos Orçamen- Câmara de Deputados e pelo Sena-
tos da União, dos Estados, do Dis- do, foi transformado na Emenda
trito Federal e dos Municípios e das Constitucional n. 29 (EC 29), em
seguintes contribuições sociais agosto de 2000.
(...)” (BRASIL, 1988). De qualquer for- gorou até o final de 1998 e, após A EC 29 estabeleceu a vincula-
ma, apesar de, na prática, estados e intenso debate legislativo, foi de ção de recursos orçamentários da
municípios participarem do financi- novo prorrogada, deixando de ser União, estados e municípios, para
amento do SUS, havia uma relativa uma contribuição exclusiva da saú- despesas com saúde. Para a União,
9
ausência de critérios e parâmetros de. Em caráter emergencial, em fun- a EC 29 determina que, para o ano

9
Em prorrogações subseqüentes, a CPMF teve sua alíquota aumentada, passando a participar do financiamento das despesas previdenciá-
rias, a partir de 1999, e do Fundo de Combate à Pobreza, a partir de 2001.
10
"O Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT – é um fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho
e Emprego – MTE –, destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de
Desenvolvimento Econômico. A partir da promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, nos termos do que determina
o seu art.239, os recursos provenientes da arrecadação das contribuições para o PIS e para o PASEP foram destinados ao custeio do
Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e, pelo menos quarenta por cento, ao financiamento de Programas de Desenvolvi-
mento Econômico, esses últimos a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES." (Ministério do Trabalho
e Emprego http://www.mte.gov.br/Trabalhador/FAT/Conteudo/Historico.asp).

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 25
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

2000, o montante mínimo aplicado preocupação com o volume e a re- fixação de recursos mínimos a serem
aplicados por cada uma das munici-
em ações de saúde deveria ser o gularidade dos recursos no financi-
palidades trabalha no sentido de abo-
valor executado em 1999, acresci- amento das políticas de saúde. Ao
lir a prática identificada em certas re-
do de 5%. Nos anos seguintes, en- exigir das esferas subnacionais giões, onde alguns municípios, mais
tre 2001 e 2004, o aumento das des- maior participação efetiva no finan- comprometidos com o SUS, acaba-
pesas está vinculado à variação no- ciamento da área, fortalece a parti- vam assumindo a atenção à saúde
de cidadãos de outros municípios.”
minal do PIB. Para os estados e cipação e a responsabilidade dessas
municípios, os percentuais míni- instâncias no arranjo federativo que Apesar dos seus aspectos positi-
11
mos de vinculação de sua receita sustenta o SUS, como destaca BIA- vos, a EC 29 não está isenta de críti-
de impostos deverão chegar a 12% SOTO JUNIOR (2003. p.39-40): cas. Segundo DAIN (2001. p.136), a
e 15% em 2004, respectivamente, es- EC 29 apresentou três problemas
“...a Emenda Constitucional n. 29
tipulando-se para o ano 2000 um tem um papel crucial na ampliação sérios: o virtual abandono do Orça-
percentual mínimo de aplicação de do gasto em saúde (...). No entanto, mento da Seguridade Social (OSS),
7% como ponto de partida. De acor- que previa solidariedade no finan-
do com estimativas feitas na oca- ciamento das áreas que o compõem,
sião, esperava-se que o impacto da Previdência Social, Saúde e Assis-
EC 29 fosse mais intenso sobre as A IMPLEMENTAÇÃO DA PRETENDIDA tência Social; a dissociação da tra-
contas estaduais, jetória dos recursos da saúde em
SOLIDARIEDADE ENTRE AS ÁREAS DE
relação ao crescimento da arrecada-
“...cujos gastos com saúde deverão
crescer 123% até 2004. Para a União SEGURIDADE SOCIAL FOI SEMPRE OBSTADA, ção das contribuições sociais – que
tem, sem dúvida, sido mais veloz; e
e municípios, os recursos adicionais
EM DIVERSAS OCASIÕES, EM NOME DA
até 2004 serão da ordem de 20,7% e a vinculação ao PIB nominal, que
45,0%, respectivamente, resultando AUSTERIDADE FISCAL E/OU DO AJUSTE se torna um sério problema sob um
em um aumento total de 43,8% para
as três esferas de governo. Em valores DE CONTAS DA PREVIDÊNCIA processo de estagnação econômica.
absolutos, isso representará um apor- O risco de abandono dos princí-
te de mais R$ 15,2 bilhões para a exe- pios da Seguridade Social, no que
cução das ações e serviços públicos
tange o seu financiamento, deve ser
de saúde.” (SIOPS, 2002)
vale frisar a importância da EC no compreendido sob a constatação de
Vemos, portanto, que a EC 29 teve sentido de reforçar as ações de saúde que, de fato, a implementação da
duas grandes motivações: garantir numa situação de competência con- pretendida solidariedade entre as
corrente das três esferas de governo.
recursos estáveis para a saúde, dian- áreas de Seguridade Social foi sem-
De um lado, a fixação de recursos
te das crônicas oscilações no volume mínimos para aplicação dos Estados pre obstada, em diversas ocasiões,
dos gastos públicos; e fazer com que serve como catalisador da discussão, em nome da austeridade fiscal e/ou
as esferas subnacionais, sobretudo os que já vem sendo conduzida, sobre a do ajuste de contas da Previdência.
necessidade da esfera estadual assu- O IPEA (2004. p.46) aponta, que
estados, aumentassem sua participa-
mir maiores obrigações dentro da ges-
ção no financiamento do SUS. “...nesse contexto, as soluções se-
tão do SUS, notadamente na alta e
A importância e os objetivos da média complexidade e na articulação toriais, como a proposta pela EC 29,
EC 29, no entanto, transcendem a regional do sistema. De outro lado, a partem de um cálculo realista, a

11
Para uma discussão mais geral das relações entre o SUS e o marco federativo no Brasil, v. OLIVEIRA (2001).

26 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

inexistência de fato, e não de direi- atingido em 2000. De modo que os apresentou também problemas no
to, de institucionalidade que dê for- recursos federais só se expandiri- que se refere à sua efetiva imple-
ma e conteúdo aos princípios cons- am em termos reais, dali para fren- mentação e controle. A intricada di-
12
titucionais da Seguridade Social”. te, se ocorresse uma trajetória sus- versidade de enfoques e interpreta-
O critério de fixação da despesa tentável de crescimento econômi- ções existentes dificulta a tarefa de
da União também tem sido alvo de co. De fato, como conclui D AIN avaliar a aplicação da EC 29. Tenta-
críticas. O parâmetro utilizado foi (2001. p.136), no âmbito federal a remos resumir a seguir, o mais di-
um aumento de 5% no volume de EC 29 condena a população mais daticamente possível, os dois prin-
recursos aplicados em saúde em carente e dependente do SUS a ser cipais dissensos: a definição acerca
1999, para o primeiro ano de vigên- duplamente atingida em caso de de quais gastos podem ser conside-
cia da EC – ano 2000 –, e a partir estagnação econômica: pela que- rados como “Ações e Serviços Pú-
daí, a correção pelo crescimento do da na renda e aumento do desem- blicos de Saúde”; e a base de cálcu-
PIB. Como destaca Oliveira (2001, prego, de um lado, e pela baixa lo a ser utilizada para a previsão
p.38), “...desvinculou-se, na práti- mínima de recursos, o embate ‘base
ca, (...) contribuições que têm apre- fixa’ versus ‘base móvel’.
sentado crescimento bem mais fa- Ao determinar que um patamar
vorável do que o apresentado pelo mínimo de recursos – calculado
PIB – caso da COFINS, CPMF etc. – aplicando-se a variação nominal do
de compromissos com o financia-
A INTRICADA DIVERSIDADE PIB sobre os gastos federais em Saú-
mento da Saúde.” Em outras pala- DE ENFOQUES E INTERPRETAÇÕES de ano a ano –, seria destinado obri-
vras, mesmo que o crescimento da gatoriamente a ‘ações e serviços
EXISTENTES DIFICULTA A TAREFA DE
arrecadação tributária federal con- públicos de saúde’, a EC 29 não de-
tinue sendo liderado pelas contribui- AVALIAR A APLICAÇÃO DA EC 29 terminou também quais ações go-
ções sociais, não necessariamente a vernamentais seriam consideradas
área de saúde será contemplada por para tal. Ao não expressar de modo
13
este crescimento. explícito, por exemplo, que apenas
Por fim, a EC 29, ao vincular o os gastos com ações do SUS seriam
financiamento federal ao cresci- elevação dos recursos federais legítimos para o atendimento das
mento nominal do PIB, virtualmen- para a saúde, do outro. metas definidas na EC-29, foi aber-
te congelou os recursos federais Além dos problemas vinculados to muito espaço para dúvidas. Dú-
para a área de Saúde, em termos à trajetória futura do financiamento vidas como o que fazer com as des-
de participação no PIB, no patamar da Saúde, apontados aqui, a EC 29 pesas de saneamento; com os inati-

12
IPEA (2004, p.46) continua, apontando que "...significativo desse momento político da área de Saúde, no sentido de resguardar recursos de
forma setorialista, foi a recusa, na própria Conferência Nacional de Saúde de 2003, em sinalizar a criação de uma institucionalidade que dê
vida ao principio da Seguridade Social."
13
Além de implicitamente congelar a participação federal no SUS, deixando para as esferas subnacionais a responsabilidade pela elevação
no financiamento da saúde, PIOLA, REIS & RIBEIRO (2001. p.20), justificando a opção, apontam também a preocupação da EC 29 em constituir
uma defesa da vindoura reforma tributária, que, à época, esperava-se que atacasse e reformulasse todas as contribuições sociais. Ao se
vincular ao PIB, a EC 29 não se tornaria obsoleta poucos anos depois. Porém, isto não justifica de maneira adequada o tratamento
diferenciado à União - se o problema fosse o receio de se prender a contribuições sociais em vias de extinção, nada impediria que se fizesse
a vinculação federal sobre o conjunto da arrecadação tributária, do mesmo modo que foi feito para estados e municípios.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 27
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

vos do setor saúde; com os gastos lamenta o FCEP, e a EC 29, que esta- consolida os entendimentos do Con-
das políticas de alimentação; e com belece recursos mínimos para a área selho sobre a aplicação e implemen-
os gastos do setor público com ser- de saúde. Na LDO de 2005, que ori- tação da EC 29, veremos que as di-
viços de saúde de clientela fechada, enta o Orçamento do ano que se ini- retrizes quinta, sexta e sétima não
como os planos de saúde dos servi- cia, o governo respeitou o entendi- consideram ações típicas de assistên-
dores públicos, dentre outras. É es- mento proposto pelo Legislativo, cia social como integrantes do con-
sencial, portanto, que se estabeleça mantendo a exclusão dos gastos do ceito de ‘ações e serviços públicos
o que são ‘ações e serviços públi- MS financiados pelo FCEP. de saúde’. Neste sentido, para acom-
cos de saúde’, aos quais os recur- Mesmo assim, ainda resta um panhar a Emenda 29 de forma ade-
sos foram vinculados, para que não problema: a definição de ‘ações e quada às recomendações do CNS,
ocorram interpretações diferencia- serviços públicos de saúde’ estabe- deve-se descontar, além do previsto
14
das a cada ano. lecida na LDO não exclui as ações na LDO, os gastos do MS com ações
Esta limitação foi em parte de transferência direta de renda, que de transferência direta de renda – o
equacionada na LDO de 2002 e de antigo Bolsa-Alimentação, atualmen-
2003, que definiam ‘ações e servi- te parte integrante do Bolsa-Família.
ços públicos de saúde’ como a to- Uma outra questão referente à
talidade das dotações do MS, des- PARA ACOMPANHAR A interpretação e implementação da EC
contada dos seus gastos com en- 29, que tem gerado debate constan-
cargos previdenciários da União
EMENDA 29 DE FORMA ADEQUADA ÀS te, consiste na contraposição entre
(EPU) e com os serviços da dívida, RECOMENDAÇÕES DO CNS, DEVE-SE os critérios de ‘base móvel’ e ‘base
descontando, também, a parcela fixa’. Por meio do artigo 77, adicio-
DESCONTAR, ALÉM DO PREVISTO NA LDO,
dos gastos financiada com recur- nado ao Ato das Disposições Consti-
sos do Fundo de Erradicação e Com- OS GASTOS DO MS COM AÇÕES DE tucionais Transitórias, a EC 29 defi-
bate à Pobreza (FCEP). Esta delimi- TRANSFERÊNCIA DIRETA DE RENDA niu como ponto de partida o exercí-
tação, contudo, foi comprometida na cio de 1999, uma vez que estabele-
LDO de 2004, quando o artigo que a ceu como patamar mínimo de recur-
determinava foi vetado pelo Execu- sos da União para ações e serviços
tivo federal, com intuito de tornar detém parcela significativa do orça- públicos em saúde no ano 2000 “o
legal a inclusão dos recursos do mento do MS – R$ 818,8 milhões montante empenhado em ações e
FCEP no âmbito da EC 29 – o que executados em 2004, e R$ 1,1 bi- serviços públicos de saúde no exer-
permitiria ao governo utilizar os lhão previstos na dotação inicial de cício financeiro de 1999 acrescido
recursos deste Fundo para cumprir 2005. Se consultarmos a Resolução de, no mínimo, cinco por cento”.
duas Emendas – a EC 31, que regu- n. 322 do CNS, de maio de 2003, que Como o termo ‘empenhado’ é um

14
O MS organizou seminários sobre a operacionalização da EC 29 para tentar estabelecer consensos para a implementação da EC 29, com a
participação de representantes de Tribunais de Contas, do Conselho Nacional de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de
Saúde (CONASEMS), da Secretaria do Tesouro Nacional, além do próprio Ministério da Saúde e de diversos especialistas da área (SIOPS, 2002). A
proposta para o âmbito federal gira em torno da despesa realizada pelo Ministério da Saúde, sendo excluídos os gastos com inativos e
pensionistas e com amortização da dívida. Em relação ao saneamento básico, somente se considerariam, para efeitos da EC 29, as despesas
associadas ao controle de vetores, aos Distritos sanitários especiais indígenas ou outras ações que forem definidas pelo Conselho Nacional
de Saúde. Não seriam incluídas as despesas com merenda escolar e as relativas à coleta de lixo hospitalar. Nos seminários, entretanto, não
houve consenso em relação ao que considerar das despesas com encargos financeiros.

28 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

conceito de contabilidade pública A segunda defende que o termo jamento, este último particularmen-
reconhecido na doutrina e legisla- ‘apurado’ deve ser entendido como te importante na medida que orien-
ção orçamentárias, não há dúvidas ‘calculado’, ou seja, o valor míni- ta os vetos presidenciais à LDO e à
a dirimir quanto ao piso definido mo para determinado ano será o Lei Orçamentária.
legalmente para o ano de 2000. Os valor mínimo calculado para o ano Em 2004, a Mensagem Presiden-
problemas surgem, entretanto, para anterior, corrigido pela variação cial que encaminhou o Projeto de Lei
o período de 2001 a 2004, quando a nominal do PIB. Esta interpretação Orçamentária 2004 ao Congresso foi
EC 29, no mesmo artigo 77, esta- é conhecida como ‘critério da base favorável ao critério de ‘base mó-
belece que os recursos mínimos a se- fixa’, pois ao considerar como base vel’. Nela está manifesta a opção
rem aplicados corresponderão ao de cálculo não a execução efetiva pelo “critério definido pelo Tribunal
“valor apurado no ano anterior, cor- do ano imediatamente anterior, mas de Contas da União”, isto é, o crité-
rigido pela variação nominal do Pro- sim o piso calculado, os recursos rio de ‘base móvel’. Entretanto, na
duto Interno Bruto”. Ao se empre- previstos para ações e serviços pú- LDO 2005, o artigo que definia como
gar o termo ‘apurado’ nesta frase, ao base de cálculo o critério de ‘base
invés de repetir o termo ‘empenhado’ móvel’ voltou a sofrer veto presiden-
utilizado antes, ou outro conceito cial – assim como ocorrido na LDO
reconhecido, abriu-se espaço para AO SE EMPREGAR O 2003 –, restabelecendo deste modo
15
duplicidade de interpretação. o critério de ‘base fixa’ como orien-
TERMO ‘APURADO’,
A primeira interpretação defende tador da Lei Orçamentária, e contra-
que o termo ‘apurado’ deve ser en- AO INVÉS DE REPETIR O dizendo o comportamento adotado
tendido como ‘empenhado’, à seme- TERMO ‘EMPENHADO’, pelo governo para 2004.
lhança do que foi definido pela Na Tabela 2, podemos ver com
ABRIU-SE ESPAÇO PARA
Emenda para o ano 2000. Este en- clareza como este debate entre as
tendimento é conhecido como ‘crité- DUPLICIDADE DE INTERPRETAÇÃO distintas interpretações da EC 29
rio de base móvel’, porque desta confunde o acompanhamento e a
forma a base de cálculo sempre será avaliação acerca do cumprimento da
o volume de recursos efetivamente mesma. Comparando os gastos sob
aplicado no ano anterior, exceto blicos de saúde serão, em cada ano, o conceito de Ações e Serviços Pú-
quando este for inferior ao respecti- sempre correspondentes ao valor blicos de Saúde utilizado na coluna
vo piso mínimo calculado – o que empenhado em 1999, acrescido de (b) – que exclui EPU, Juros e Amor-
configuraria uma situação de des- 5% e corrigido pela variação nomi- tização da Dívida, FCEP e Transfe-
respeito à Emenda. Esta interpre- nal do PIB acumulada no período. rências Diretas de Renda –, com o
tação é compartilhada, entre ou- Tal entendimento é defendido, fun- piso calculado de acordo com o cri-
tros, pelo MS, pelo Conselho Naci- damentalmente, pelo Ministério da tério de ‘base fixa’ – coluna (c) –,
onal de Saúde e pelo Tribunal de Fazenda, pela Advocacia-Geral da vemos que a Emenda teria sido
Contas da União (TCU). União, e pelo Ministério do Plane- cumprida com relativa folga, exce-

15
No texto da EC 29 está determinado que, em 2004, deveria ser aprovada Lei Complementar para regulamentar diversos pontos, que se
mostraram carentes de definições adicionais, e até mesmo revisar os parâmetros da referida Emenda. O Projeto de Lei está tramitando no
Congresso Nacional e é uma oportunidade de aperfeiçoamento do financiamento do Sistema Único de Saúde. De qualquer modo, enquanto
a Lei Complementar não for aprovada, continuam valendo os parâmetros básicos estabelecidos na EC 29.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 29
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

tuando o exercício de 2003, quan- cio desde então a Emenda teria sido Tal valor é suficiente apenas para
do mesmo sob o piso menor obtido cumprida. Os recursos executados atender o critério de ‘base fixa’ –
a partir da ‘base fixa’, a execução em Ações e Serviços Públicos de isto, apenas se a execução destes
foi apertada. Saúde foram, sob este critério, per- programas alcançar o elevado pa-
Porém, se observamos a coluna sistentemente insuficientes: R$ 0,6 tamar de 98%. Observando o crité-
(d) – na qual o critério utilizado foi bi a menos em 2001, R$ 0,2 bi em rio de ‘base móvel’, seriam neces-
o de ‘base móvel’, defendido pelo MS 2002, R$ 1,4 bi em 2003 e R$ 0,7 bi sários créditos adicionais a partir de
e pelo Conselho Nacional de Saúde em 2004, acumulando no período R$ 1,5 bilhão. Caso contrário, esta
–, o resultado da análise é comple- um déficit de recursos da ordem de diferença será acrescida no déficit
tamente distinto. Excetuando o ano R$ 2,9 bi, que deixaram de ser utili- acumulado no cumprimento da
de 2000, em nenhum outro exercí- zados no cumprimento da EC 29. Emenda 29, que alcançaria a mar-
ca de R$ 4,4 bilhões.

TABELA 2 – Execução Orçamentária em Ações e Serviços Públicos de Saúde. Ministério da Saúde, Nesse sentido, merece menção
2000 a 2004 e estimativa para 2005 o recente Acórdão n. 957/2005 do
TCU, de 13 de julho. Neste docu-
Em R$ bilhões correntes mento, reafirmam-se alguns enten-
!
"# $ dimentos do TCU em relação à EC
29, dos quais destacam-se: 1) O
%%% %&$ %&$ '&! '&!
método considerado correto para
%% &( &( &) !&
o cálculo do piso mínimo de apli-
%% $&' $&' !&) (&
%%! *& +&) +&* )& cações em Ações e Serviços Públi-
%%$ ! &* ! &' !%&) ! &+ cos de Saúde exigido pela Emenda
%%( (
!+&) !(&* !$&' !*& é o chamado critério de ‘base mó-
Fonte: SIAFI/SIDOR. vel’; 2) Os gastos realizados por
1
Segundo a definição das LDOs: Gastos Totais do Ministério da Saúde, excetuando-se as despesas com Inativos e Pensionistas, Juros meio do Fundo de Combate e Erra-
e Amortizações de Dívida, bem como as despesas financiadas pelo Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza.
2
Além das exclusões previstas na LDO, excluiu-se também nesta coluna as despesas com programas de transferência direta de renda. dicação da Pobreza, bem como os
3
Sob o enfoque de ‘base fixa’, o percentual de variação do PIB nominal é aplicado sobre o valor mínimo de recursos calculado para gastos do Programa Bolsa-Família,
o ano anterior.
4
não devem ser considerados parte
Sob o enfoque de ‘base móvel’, o percentual de variação do PIB nominal é aplicado sobre o volume de recursos executado no ano
anterior, exceto quando este for inferior ao piso mínimo calculado. integrante dos recursos aplicados
5
Dados da Execução para 2005 correspondem à Dotação Inicial.
em Ações e Serviços Públicos em
Saúde; 3) O TCU reconhece que, de
Para 2005 o quadro não parece Ações e Serviços Públicos de Saú- acordo com os critérios reafirma-
promissor. A dotação inicial total do de: R$ 36,8 bilhões, de acordo com dos nesse Acórdão, a Emenda Cons-
MS para o corrente exercício é de os critérios estabelecidos pela LDO. titucional n. 29 não foi cumprida
RS 40,5 bilhões. Excluindo-se os Entretanto, a dotação do MS previs- pelo governo federal no ano de
gastos com Inativos e Pensionistas, ta para financiar ações de transfe- 2003. Mas considera que os recur-
Juros e Amortização da Dívida, e rências diretas de renda é de R$ 1,1 sos ausentes em 2003 foram ade-
Fundo de Combate e Erradicação da bilhão. Excluindo-se também este quadamente compensados pelos
Pobreza, temos uma primeira apro- valor, chegamos a uma dotação ini- recursos excedentes em 2004,
ximação da dotação inicial para cial líquida de R$ 35,7 bilhões. quando a EC 29 teria sido cumpri-

30 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

da; 4) O TCU também alerta a Pre- tações orçamentárias do MS movi- com detalhamento suficiente, o mes-
sidência de República e o MS a res- mentam-se muito pouco. Realizando mo não acontece com os dados de
peito do sério risco de descumpri- o mesmo exercício da Tabela 2, des- estados e municípios.
mento à Emenda no ano de 2005, ta vez para a dotação atual – dados Nos anos 1990, foram realizados
uma vez que as dotações iniciais de 11 de novembro de 2005, da base pelo IPEA17 alguns levantamentos dos
do Ministério de Saúde são clara- de dados de execução orçamentária gastos sociais estaduais e munici-
mente insuficientes. da COFF/Câmara e PRODASEN –, consta- pais, que eram feitos a partir da ex-
Uma questão importante em re- ta-se que enquanto a dotação atual pansão de amostra levantada pelo
lação a este último ponto, que ge- do MS passou de R$ 40,5 bilhões para Departamento de Contas Nacionais
rou muita polêmica, foi o crédito R$ 42,0 bilhões, a dotação líquida (DECNA) do IBGE. Com a implantação
adicional de R$ 1,2 bilhão ao MS para Ações e Serviços Públicos de do Sistema de Orçamentos Públicos
para o programa de transferência Saúde eleva-se apenas de R$ 35,7 de Saúde (SIOPS) pelo MS, o setor pas-
direta de renda – o Bolsa-Família. bilhões para R$ 35,8 bilhões. sou a contar com uma confiável fon-
Embora tal recurso esteja suplemen- te de informação. Ainda assim, ape-
tando a dotação orçamentária do sar da obrigatoriedade de alimentar
MS, ele não está resolvendo a insu- a base de dados do SIOPS, têm-se pro-
ficiência de recursos para o cumpri- blemas para uma melhor aferição
mento da EC 29 em 2005 – segundo COM A IMPLANTAÇÃO DO dos gastos públicos em saúde. De
a LDO, ações financiadas com recur- qualquer forma, já foram progressos
SISTEMA DE ORÇAMENTOS PÚBLICOS
sos do Fundo de Combate e Erradi- importantíssimos vis a vis a situa-
cação da Pobreza não são conside- DE SAÚDE (SIOPS), O SETOR ção existente nas décadas anteriores.
radas Ações e Serviços Públicos de PASSOU A CONTAR COM UMA A partir dos dados de recente
Saúde. Além disso, como visto an- relatório divulgado pelo SIOPS (SI-
CONFIÁVEL FONTE DE INFORMAÇÃO
tes, a Resolução 322 do Conselho OPS , 2005), percebe-se que a im-
Nacional de Saúde também não re- plantação da Emenda Constitucio-
conhece gastos com ações de trans- nal n. 29 foi bem sucedida na bus-
ferência direta de renda para fins de ca do objetivo de elevar a partici-
cumprimento da Emenda. Nesse sen- COMO ESTÁ A DISTRIBUIÇÃO DO GASTO pação de estados e municípios,
tido, seja por um ou por outro crité- PÚBLICO COM SAÚDE ENTRE AS TRÊS mas também que o seu desempe-
rio, estes recursos adicionais não ESFERAS DE GOVERNO? nho na União confirmou as piores
estarão contribuindo para a recom- expectativas. Corrigindo pelo IGP
posição do orçamento do MS para A contabilização dos gastos pú- médio os valores encontrados pelo
fins de cumprimento da Emenda blicos não é tarefa trivial. Se para o S IOPS, vemos que os recursos des-
16
Constitucional n. 29. Excetuando gasto federal, a partir dos últimos pendidos em Ações e Serviços Pú-
este crédito específico, as outras do- anos, existem bases confiáveis e blicos de Saúde pelo Governo Fe-

16
Além disso, este crédito não constitui nem ao menos um acréscimo no total dos recursos para o Bolsa-Família – uma vez que ao crédito
realizado na parcela do programa contabilizada no MS correspondeu um idêntico corte na parcela contabilizada no Ministério do Desenvol-
vimento Social (BRASIL, 2005). E, pelo menos até o dia 11 de novembro, tal situação não se modificou.
17
A esse respeito, ver FERNANDES et al. (1998).

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 31
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deral mantiveram-se estagnados no do as três esferas de governo em Em termos de percentuais do PIB,


período – até 2003, quando ocorre seu conjunto, o crescimento dos a despesa com Ações e Serviços Pú-
uma significativa queda. Já esta- recursos atingia quase 10% em blicos de Saúde das três esferas tam-
dos e municípios ampliaram seus 2002, mas este avanço foi quase bém apresenta crescimento significa-
gastos em torno de 25% após a todo comprometido pelo desempe- tivo no período. Porém, analisada por
18
aprovação da Emenda. Observan- nho crítico realizado em 2003. esta ótica, a trajetória de crescimen-
to dos gastos públicos em Saúde se
TABELA 3 – Despesa com Ações e Serviços Públicos de Saúde por Nível de Governo, 2000 a 2003 apresenta um pouco mais fraca. O
crescimento dos recursos aplicados
R$ milhões de 2004, corrigidos pelo IGP médio
por Estados e Municípios alcança o
patamar de 38% e 35%, respectiva-
mente, enquanto que os gastos do
governo federal recuam, particular-
mente no ano de 2003. Ainda assim,
o efeito consolidado das três esferas
!
de governo é de um crescimento de
"# $% mais de 11% nas aplicações em Ações
e Serviços Públicos de Saúde.
& !
A implantação da EC 29 obteve
Fonte: SIOPS. Elaboração: DISOC/ IPEA. impactos distintos em cada uma das
três esferas de governo. Deste
modo, a composição do financia-
TABELA 4 – Despesa com Ações e Serviços Públicos de Saúde por Nível de Governo, em Percentual mento público da Saúde também se
do Produto Interno Bruto, 2000 a 2003 alterou nos últimos anos. Os dados
do SIOPS revelam que o gasto públi-
co total com o SUS atingiu em 2003
o equivalente a 3,45% do PIB. Nes-
' ()* se ano, a União respondeu por
50,7% do total, os Estados por 22,8%
e os Municípios por 26,5%. No ano
! de 1995, segundo dados estimados
pelo IPEA, a situação era bastante
"# $%
diferente: os recursos da União res-
& ! pondiam por 63,0% dos recursos
públicos destinados à saúde, os
Fonte: SIOPS.
Estados por 20,7% e os Municípios

18
Reconhece-se que o IGP apresenta grande sensibilidade às flutuações do câmbio – o que exige prudência na observação dos dados
para períodos que atravessaram choques cambiais, como os ocorridos nos anos de 1999 e 2002. Entretanto, a trajetória de redução dos
gastos do governo federal é corroborada pela análise em relação ao PIB – é necessário lembrar que 2003 foi um ano recessivo e, nesse
sentido, uma queda na participação percentual do PIB é particularmente drástica.

32 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

por 16,4% (FERNANDES et al., 1998). (2005) aponta que os gastos em Saú- A situação dos municípios pare-
19
Isto parece indicar que a EC 29 de dos Estados e Distrito Federal, ce mais consolidada. O percentual
trouxe, efetivamente, maior parti- como percentual da receita vincula- dos gastos em Saúde dos municípi-
cipação de Estados e Municípios no da pela EC 29, crescem de 7,1% em os, frente à receita vinculada, pas-
financiamento do SUS. 2000 para 9,6% em 2003, em mé- sa de 13,9% em 2000 para 17,4% em
Este movimento, entretanto, ain- dia. Patamar ainda bastante inferi- 2003 – superando o patamar de 15%
da não está completo. Os gastos dos or aos 12% da receita vinculada es- definido pela Emenda (SIOPS, 2005b).
governos estaduais com Ações e tabelecidos pela Emenda. Em um Em termos gerais, portanto, os go-
Serviços Públicos de Saúde cresce- outro trabalho, revela-se, por exem- vernos municipais já se adequaram.
ram de maneira considerável, mas plo, que apenas 11 governos esta- Mas, em um universo de mais de 5
não o suficiente para cumprir os duais cumpriram a EC 29 de manei- mil municípios, a fiscalização dos
20
níveis exigidos pela EC 29. SIOPS ra inequívoca (SIOPS, 2005b). atores sociais deve permanecer vi-
gilante para encontrar e denunciar
GRÁFICO 1 – Participação da três esferas de governo no gasto público em saúde, 1995 (IPEA) as prefeituras que se encontrarem
irregulares em relação à Emenda.

EVOLUÇÃO RECENTE DOS DISPÊNDIOS E


DO FINANCIAMENTO FEDERAL DO SUS

O gasto do MS apresentou um
comportamento irregular ao longo
do período 1995-2004, tanto em re-
Fonte: FERNANDES et al. (1998).
lação ao seu valor global, quanto
ao valor destinado, mais especifica-
GRÁFICO 2 – Participação das Três Esferas de Governo no Gasto Público Total em Saúde, mente, ao financiamento das ações
2003 (S IOPS) e serviços de saúde.
A despesa com ações e serviços
de saúde corresponde ao gasto to-
tal, menos as despesas com inati-
vos e pensionistas – os chamados
Encargos Previdenciários da União
(EPU) – e os dispêndios com encar-
gos e serviços da dívida interna e
Fonte: MS (SIOPS, 2005). externa. São também excluídos des-
se conceito, os gastos financiados

19
As diferenças entre as metodologias e as bases de dados utilizadas pelo IPEA e pelo SIOPS, que não serão exploradas aqui, fazem com que as
informações não sejam comparáveis de fato. A intenção de apresentar seus resultados lado a lado é tão-somente tentar caracterizar
tendências gerais.
20
Tal afirmação não significa, necessariamente, que os outros 16 governos estaduais estejam irregulares. Como visto antes, a interpretação
e implementação da Emenda 29 é bastante complexa, dando margem a diversas interpretações.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 33
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

com recursos do Fundo de Combate trabalho, entretanto, serão excluídas EPU mantiveram um patamar apro-
21
e Erradicação da Pobreza (FCEP). também as despesas com programas ximado de R$ 3,2 bilhões, em ter-
Esse valor líquido é que tem sido de transferência direta de renda – o mos reais, até 2000. Os encargos da
considerado oficialmente para efei- Bolsa-Família –, em acordo com o dívida, por sua vez, foram bastante
to de verificação do cumprimento da prescrito pela Resolução 322 do Con- elevados, alternando valores na casa
EC 29 pelo Governo Federal. Neste selho Nacional de Saúde. de R$ 1 bilhão ou R$ 3 bilhões entre
1995 e 1998. A partir daí, estas duas
TABELA 5 – Ministério da Saúde: Disponibilidade líquida para as Ações e Serviços de saúde, despesas apresentaram uma tendên-
1995-2004 cia declinante. No caso dos EPU, o
Em R$ milhões de dez/2004, deflacionados mês a mês pelo IGP-DI fluxo de novas aposentadorias, ace-
/0 ( 1 +4 lerado em um primeiro momento
+4
&2! 3 5 2. (67
+ ,! & ! ( -$. ! 5 2. (67 como uma reação defensiva frente
-2 ! 5!6 '
5!6
! ,& ! às incertezas geradas pela Reforma
da Previdência, reduziu-se; no caso
das despesas financeiras, estas vol-
taram a um patamar de normalida-
de,22 após a amortização do endivi-
damento acumulado durante a cri-
se de financiamento ocorrida em
1993 (ver Tabela 5).
Analisando a trajetória do gasto
total do MS, no período 1995 a 2004,
verifica-se que há uma queda em
1996 e recuperação em 1997 – ano
de início da CPMF – quando atingiu
o valor mais alto do período em ter-
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração IPEA/DISOC. mos reais, R$ 42,9 bilhões. Após
nova queda em 1998, os gastos se
A magnitude dos recursos finan- e os oriundos do Fundo de Combate mantiveram estáveis, em um pata-
ceiros utilizados pelo MS para ad- à Pobreza mais programas de trans- mar um pouco inferior ao de 1997,
ministrar e executar as ações e ser- ferência direta de renda –, oscilou até 2001, quando ocorreu nova re-
viços de saúde – isto é, exclusive entre 82% e 90,1% do total de gastos cuperação nos valores. Os anos de
aqueles destinados à amortização de do Ministério entre 1995 e 2004. 2002 e 2003 apresentam quedas pro-
dívidas, ao pagamento de inativos Neste período, os dispêndios com os nunciadas, sendo 2003 o pior ano

21
Criado em dezembro de 2000, o “Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza tem como objetivo viabilizar a todos os brasileiros o acesso
a níveis dignos de subsistência e seus recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, saúde, educação, reforço de
renda familiar e outros programas de relevante interesse social, voltados para a melhoria da qualidade de vida” (Art. 1º da Lei Complementar
n. 111, de 6 de julho de 2001).
22
Parte das operações do MS é realizada por meio de convênios e empréstimos junto a organismos internacionais. Esta modalidade de endividamen-
to – a chamada dívida contratual –, é que mantém os encargos financeiros do MS em um patamar reduzido, mas ainda significativo.

34 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

da série em termos reais. Houve al- têm o menor volume de gastos em de 2001 e 2002, em ritmo inferior ao
guma recuperação em 2004, mas Ações e Serviços Públicos de Saú- da população, faz com que a partici-
ainda insuficiente para recuperar o de. O ano de 1997, que apresenta pação das Ações e Serviços Públicos
patamar atingido em 2001. maior volume de gastos totais, teve de Saúde no PIB cresça enquanto o
A trajetória dos gastos em Ações essa performance fortemente influ- seu valor per capita diminui.
e Serviços Públicos de Saúde é, en- enciada pela amortização da dívida
tretanto, muito distinta da realiza- contraída antes junto ao FAT. Os FONTES DOS RECURSOS FINANCEIROS DO
da pelos gastos totais do MS (ver anos que, de fato, revelam o maior MINISTÉRIO DA SAÚDE
Tabela 6). Os piores anos do perío- patamar de gastos totais em Ações
do continuam sendo os de 1996 e de e Serviços Públicos de Saúde cor- A Tabela 7 mostra quais são as
2003, mas é no ano de 1996 que se respondem ao triênio 1999-2001. principais fontes de recursos do MS
e como a participação dessas fontes
TABELA 6 – Ministério da Saúde: Gasto em Ações e Serviços Públicos de Saúde, Per Capita e varia ao longo do período. A primei-
Proporção do PIB, 1995-2004 ra constatação que pode ser feita, a
partir das Tabelas 7 e 8, e do Gráfico
89
( 2 !% ! 3, é que as participações relativas
+ 0 ! ' ()*
8 9 - :; das diferentes fontes no financiamento
- :;
das despesas do MS não apresentam
um padrão estável, com flutuações
intensas na distribuição entre elas.
Só a partir de 2000, percebe-se mai-
or estabilidade, com variações mais
sutis na sua composição.
As contribuições sociais, toma-
das no seu conjunto, são responsá-
veis por parcela maior do financia-
mento do MS. A participação relati-
va dessas fontes no gasto total do
MS oscilou entre os 63% de 1996 e
os 87% de 2004 (ver Tabela 8). As
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC. contribuições da Seguridade Social
(1)
Valores deflacionados mês a mês pelo IGP/DI. – COFINS e CSLL – apresentam trajetó-
ria errática: no início do período atin-
Mas, ao retomarmos a análise 1997, e R$ 173,7 – menor valor – em giam, respectivamente, 49% e 20%
utilizando os valores per capita, o 2003. Como percentual do PIB, a do total da despesa, caindo, a partir
ano de 1997 volta a se apresentar maior participação alcançada foi de daí, até 1999. A COFINS, após elevar
como o de melhor desempenho. Os 1,90 % em 1995 e 2001. Porém, é ne- sua participação nos anos de 2000
dispêndios do MS com Ações e Ser- cessário apontar o efeito da estagna- e 2001, para um patamar próximo
viços Públicos de Saúde oscilaram ção econômica sobre os indicadores: a 40%, atingiu o seu menor nível de
entre R$ 218,7 – maior valor –, em o baixo crescimento do PIB nos anos participação em 2002 e 2003 – em

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 35
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

TABELA 7 – Ministério da Saúde: Distribuição do Gasto, segundo a Fonte dos Recursos, 1995-2004

Em R$ bilhões de dez/2004, deflacionados mês a mês pelo IGP-DI.

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Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC.

TABELA 8 – Ministério da Saúde: Distribuição Percentual das Fontes de Recursos, 1995-2004

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Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC.

36 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

GRÁFICO 3 – Participação de CPMF e FSE/FEF nos Gastos Totais do Ministério da Saúde, 1995-2004

Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC.

torno de 20% –, atingindo 25% em ficativa, variando entre 12% e 19,5%. cutados por meio da fonte Recursos
2004. A CSLL realizou um movimen- Como seus recursos eram originados Ordinários. Até a criação da DRU, a
to contrário nos últimos anos: de- da desvinculação de receitas seria fonte Recursos Ordinários era res-
pois de apresentar a menor partici- importante visualizar em que propor- ponsável por expressar, na execu-
pação no ano de 2001 – apenas 7,1% ção os recursos desvinculados retor- ção orçamentária, os recursos oriun-
– aumentou fortemente sua impor- naram à área de Saúde, embora ape- dos de impostos gerais – no caso,
tância, atingindo patamares inédi- nas um olhar sobre o conjunto da principalmente, Imposto de Renda e
tos de participação – 27,4% em 2003 Seguridade Social, e não apenas so- IPI. A partir de 2000, entretanto, não
e 32,7% em 2004. bre a Saúde, permitiria avaliar se o é mais possível distinguir, para de-
A CPMF, por sua vez, surgiu em FSE/FEF foi adequadamente ‘devol- terminada área ou programa, qual
1997 já como a principal fonte de vido’ à área social. parcela de recursos é originária de
financiamento do MS. Atingiu 37% O FSE/FEF foi reformulado no impostos gerais, e qual parcela é
de participação no ano seguinte e, ano 2000, passando a ser denomi- originária da Desvinculação, uma
após algumas flutuações, no últi- nado Desvinculação das Receitas da vez que ambas agora compõem,
mo triênio financia em torno de 30% União (DRU). Embora a atual desig- combinadas, a mesma fonte Recur-
do total dos gastos do MS. nação seja mais sincera que as an- sos Ordinários.
Outra importante fonte de finan- teriores, a nova sistemática de fun- É nesse contexto que deve ser
ciamento do MS, no período, foi o cionamento tornou a análise da exe- qualificada, a partir de 2000, a par-
Fundo Social de Emergência (FSE), cução orçamentária menos transpa- ticipação da fonte Recursos Ordiná-
posteriormente transformado no Fun- rente. Os recursos desvinculados rios. Embora essa fonte mantenha
do de Estabilização Fiscal (FEF). A pela DRU não integram uma fonte os percentuais significativos atingi-
participação desta fonte na primeira de recursos específica, como no caso dos em 1998 e 1999, a partir de 2000
metade do período analisado é signi- do FSE/FEF. Ao invés disso, são exe- ela incorpora também os recursos

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 37
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

do antigo FSE/FEF. Ou seja, o volu- lhões – para os demais anos da sé- de algumas tendências importantes,
me de recursos aplicados pela fonte rie, os recursos totais do MS, após o conforme revelado pelas Tabelas 9
Recursos Ordinários no MS, a partir acréscimo da CPMF, seriam muito e 10 e pelo Gráfico 4.
de 2000, deve ser analisado levando superiores aos efetivamente observa- Percebe-se, no período, uma re-
em conta não apenas a participação dos: R$ 47,8 bilhões em 1997, R$ 48,3 dução no volume de gastos com Pes-
anterior desta fonte, mas também a bilhões em 2000, R$ 49,8 bilhões em soal, que pode ser explicada por uma
parcela que cabia ao FSE/FEF. Nesse 2002 e R$ 47,0 bilhões em 2004. So- conjunção de fatores – a contenção
sentido, a observação do Gráfico 3 bre 2004, é interessante notar também de salários devido aos longos perío-
parece tornar claro que o aporte dos o crescimento na participação das con- dos sem reajustes a que foi submeti-
Recursos Ordinários ao financiamen- tribuições sociais, paralela a uma re- do o servidor público; a migração
to do MS, após 2000, não mantém o dução das demais fontes – um prová- precoce para a inatividade devido às
grau de participação antes observa- vel reflexo da recente elevação na ar- incertezas geradas pela Reforma da
da para essa fonte e o FSE/FEF – o recadação da COFINS. Previdência; e a não-substituição de
que indica que ou os recursos dos recursos humanos transferidos para
impostos gerais ou os recursos da estados e municípios.
Desvinculação, ou ambos, tem tido Os gastos na rubrica de Outras
23
a sua destinação ao MS reduzida. Despesas Correntes – onde são regis-
A análise dos gastos do MS pela OU OS RECURSOS DOS trados, entre outras despesas, os pa-
ótica das fontes de financiamento tam- IMPOSTOS GERAIS OU OS gamentos realizados diretamente a
bém permite demonstrar que a intro- prestadores de serviços de saúde –,
RECURSOS DA DESVINCULAÇÃO,
dução da CPMF em 1997 contribuiu reduzem-se muito, como conseqüên-
muito mais para estabilizar o pata- OU AMBOS, TEM TIDO A SUA cia da descentralização das políticas
mar de recursos orçamentários do DESTINAÇÃO AO MS REDUZIDA de Saúde. As Transferências a Muni-
MS do que para efetivamente elevá- cípios realizam um crescimento im-
lo (ver Gráfico 3). Isto porque as ou- pressionante entre 1996 e 1999 – sob
tras fontes que por tradição financi- a NOB 01/96 –, estabilizando-se a
avam o MS realizaram uma clara partir daí em um patamar elevado
trajetória de acomodação, reduzindo EVOLUÇÃO DO GASTO SEGUNDO A de recursos. Apesar da importância
os seus aportes. A título de exemplo, CATEGORIA ECONÔMICA DA DESPESA da NOB 01/9324 para o avanço da des-
recuperando os valores apresentados centralização, foi sem dúvida a apro-
na Tabela 7, vemos que, se manti- A análise da evolução do gasto vação da NOB 01/96 que intensificou
dos os montantes que as outras fon- do MS segundo categoria econômi- tal processo, sobretudo por meio dos
tes aportavam em 1996 – R$ 35,8 bi- ca da despesa permite a verificação repasses do Piso da Atenção Básica

23
Mais uma vez, seria necessário um olhar panorâmico sobre a Seguridade Social para verificar se esta tendência é específica ao setor Saúde,
ou se ocorre neste momento também em outras áreas sociais. Desde logo, entretanto, pode ser enfatizado que, conforme trabalho realizado pela
Consultoria de Orçamentos da Câmara dos Deputados – Núcleo Previdência, Assistência e Trabalho –, a DRU retirou em 2002 R$ 20,1 bilhões
da Seguridade Social. Entretanto, apenas R$ 15,1 bilhão foi devolvido por meio da execução da fonte Recursos Ordinários (BRASIL, 2003).
24
Até janeiro de 1997, 3.127 municípios, representando 62,9% do total, haviam se habilitado a alguma das formas de gestão estabelecidas
pela NOB 01/93. Desses 3.127 municípios, 2.367 foram habilitados à gestão Incipiente (75,7%), 616 (19,7%) à gestão Parcial e 144 (4,6%) à
gestão Semiplena. (BRASIL, 1999).

38 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

– PAB Fixo –, e dos repasses destina- vel e modesto. Em 1999, por exem- ças na concepção do papel a ser
dos a programas incentivados – PAB- plo, alcançou a cifra de R$ 1,7 bi- exercido pelos estados na imple-
variável. Também cresceu o número lhão. Isso pode ser explicado, por mentação do SUS – consolidadas na
de municípios que se habilitaram à um lado, pela tendência municipa-
NOAS 01/2000.
gestão plena de seus sistemas muni- lista observada no processo de des-
As despesas com Inativos e Pen-
cipais.25 Estes dois movimentos cons- centralização na saúde sob as NOBs
sionistas, que alcançaram níveis
tituem a principal explicação para o 01/93 e 01/96 e, por outro, pelo fato
elevados no início do período, co-
significativo incremento dos repas- de que os estados estavam mais
meçam a ser reduzidas a partir de
ses do MS para a esfera municipal, reticentes na assunção das respon-
sabilidades inerentes à gestão des- 1999, assim como os gastos com
que saltam de R$ 3,8 bilhões em 1996
para R$ 12,1 bilhões em 1999. centralizada.26 Somente a partir de juros e amortização de dívidas.

O repasse dos recursos financei- 2001 verifica-se um crescimento Chama a atenção, também, o baixo
ros para a gestão estadual teve, no mais intenso nas Transferências a patamar de Investimentos realiza-
início, comportamento mais está- Estados e DF, refletindo as mudan- dos diretamente27 pelo MS.

TABELA 9 – Ministério da Saúde: Gasto Total segundo Categoria Econômica, 1995-2004


Em R$ bilhões de dez/2004, deflacionados mês a mês pelo IGP-DI

!" # $% & ' (

) *+ $ ( ,

) *+ - %

) ).
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC.

25
Apesar de publicada em novembro de 1996, a NOB 01/96 foi implementada somente a partir de janeiro de 1998. De janeiro de 1998 a abril
de 1999, 5.222 municípios (quase 95% do total) estavam habilitados em alguma das duas novas formas de gestão descentralizada: 4.752
(86,3% do total) estavam habilitados como gestores da Atenção Básica e 470 (8,5% do total) habilitados como gestores Plenos do sistema
municipal de saúde (BRASIL, 1999).
26
Até abril de 1999, poucos estados estavam habilitados nas novas condições de gestão estabelecidas pela NOB 01/96. Alagoas habilitou-
se na gestão Plena do sistema e o Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia na condição de gestão Avançada do
sistema estadual. O Rio Grande do Sul estava solicitando a mudança da gestão Avançada para Plena e o Paraná, Santa Catarina e Pará,
solicitando a habilitação na gestão plena (BRASIL, 1999).
27
É necessário lembrar que, além destes investimentos realizados diretamente pela União, parcela dos recursos transferidos a Estados e
municípios se destina a programas de investimento a serem realizados por estas esferas.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 39
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

TABELA 10 – Ministério da Saúde: Distribuição Percentual do Gasto Total segundo Categoria Econômica, 1995-2004

!" # $% & ' (

) *+ $ ( ,
) *+ - %

) ).
Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC.

A expressão financeira da descen- diretamente – Pessoal, Outras Despe- çamento do MS, enquanto as transfe-
tralização se torna ainda mais clara sas Correntes e Investimentos – com rências a outras esferas de governo
no Gráfico 6, quando se compara a a trajetória das Transferências a esta- representavam apenas 7,9%. Em 2004,
evolução da participação conjunta dos dos e municípios. Em 1995, as pri- os percentuais encontrados são de
principais gastos do MS executados meiras respondiam por 72,7 % do or- 31,8% e 56,5%, respectivamente.28

GRÁFICO 4 – Descentralização dos gastos do MS: comparação entre a participação percentual das aplicações diretas do MS e os recursos transferidos
a outras esferas de governo, 1995-2004

Fonte: SIAFI/SIDOR. Elaboração: IPEA/DISOC.

28
A soma dos dois percentuais não alcança 100% porque algumas despesas do MS – como Amortização e Juros da Dívida, Inativos e
Pensionistas, e Transferências a Instituições Privadas, foram excluídas deste exercício gráfico, para melhor efeito didático.

40 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS Seguridade Social para a saú- • Explorou-se também as contro-


de. Com o aumento das despe- vérsias a respeito da aplicação
Os principais pontos destacados sas previdenciárias, a saúde da EC 29, especificamente para
neste artigo foram: perde espaço na distribuição o caso do Governo Federal. Se
dos recursos da Seguridade, aplicados os entendimentos pro-
• Os modelos de financiamento
sendo feita outra tentativa, atra- postos pela Resolução 322 do
da saúde vêm passando por al-
vés da CPMF, de garantir finan- CNS, conclui-se que a União
terações em todo o mundo. Nos
ciamento pra esse setor. Contu- não vem cumprindo de manei-
países desenvolvidos, de modo
do, é a Emenda Constitucional ra adequada a Emenda. Por ou-
geral, a maior parte do financi-
29 (EC 29), de agosto de 2000, tro lado, os variáveis entendi-
amento provém de fontes públi-
a busca mais direta de vincu- mentos expressos na LDO garan-
cas (sendo uma das exceções os
lar recursos orçamentários para tem a legalidade da atuação da
Estados Unidos). Na América
União. Para 2005, tais proble-
Latina, predominam sistemas
mas continuam – pelo menos
mais segmentados, com menor
até o momento de conclusão
participação do setor público.
deste trabalho.
• O sistema de saúde brasileiro é • Dados publicados recentemen-
uma mistura de quatro segmen- A INTRODUÇÃO DA CPMF CONTRIBU te pelo SIOPS revelam crescimen-
tos: o SUS, universal, gratuito
MUITO MAIS PARA ESTABILIZAR O PATAMAR to dos gastos realizados pelo
e financiado por recursos pú-
conjunto de União, Estados e
blicos; o segmento dos planos DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS DO
Municípios com Ações e Servi-
e seguros de saúde, financiado MINISTÉRIO DA SAÚDE QUE PARA ços Públicos de Saúde – isto,
por recursos das famílias e/ou
apesar da redução observada
dos empregadores; o segmento
EFETIVAMENTE ELEVÁ-LO
nos dispêndios da União em
dos servidores públicos, de 2003. Ressalte-se também que,
acesso restrito a essas cliente- embora os gastos dos governos
las, financiado parte com recur- estaduais com Ações e Serviços
sos públicos e parte com recur- Públicos de Saúde tenham cres-
sos dos próprios servidores; e a saúde, através da aplicação cido de modo considerável, ain-
o segmento dos prestadores pri- de um montante mínimo. da não alcançaram os níveis
vados autônomos, com finan- exigidos pela EC 29.
• A EC 29 expressa, entre outros
ciamento via pagamento no ato.
objetivos, a preocupação com • Analisando o gasto do MS, ve-
• Pelo lado do financiamento pú- garantir um aumento da parti- rificamos que este apresenta um
blico, observa-se, que, desde a cipação de estados e municípi- comportamento irregular ao
Constituição Federal de 1988, os no financiamento de ações e longo do período 1995-2004,
houve uma preocupação em serviços públicos de saúde. Do com queda em 1996, recupera-
buscar garantir recursos para lado federal, ela virtualmente ção em 1997 – ano de início da
a saúde – inicialmente através congelou os recursos federais CPMF –, e nova queda em 1998,
da busca de garantir uma apli- para a área de saúde, em ter- mantendo-se os gastos estáveis
cação mínima dos recursos da mos de participação no PIB. nesse patamar até 2001. Os

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 41
RIBEIRO, José Aparecido; PIOLA, Sérgio Francisco & SERVO, Luciana Mendes

anos de 2002 e 2003 apresen- REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República


taram nova queda nos gastos, Federativa do Brasil. Brasília, DF:
e a recuperação de 2004 foi BARROS, M. E.; PIOLA, S. F. & VIANNA, Imprensa Nacional, 1988.
apenas parcial. S. M. (1996) Política de Saúde no DAIN , S. (2001) O financiamento
Brasil: Diagnóstico e Perspectivas. público na perspectiva da políti-
• Analisando as fontes de finan-
Brasília, DF: IPEA, 1996. (Texto para ca social. Economia e Sociedade,
ciamento dos gastos federais,
Discussão, 401). n. 17. Campinas, SP: Instituto de
observamos que as contribui-
BIASOTO Junior, G. Setor Saúde: cons- Economia, 2001.
ções sociais, em seu conjun-
tituição do SUS, financiamento fe- FERNANDES, M. A. et al. Gasto Soci-
to, são responsáveis pela mai-
deral, transferências e questões fe- al das Três Esferas de Governo:
or parcela do financiamento
derativas. Campinas, SP: Instituto de 1995. Brasília, DF: IPEA, 1998.(Tex-
do MS – e elevam ainda mais
Economia, 2003. (mimeo.). to p/ Discussão, 598).
sua participação em 2004.
Contudo, individualmente, a BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. EC n. IPEA. Políticas Sociais – acompanha-
CPMF é a principal fonte de fi- 29: valor mínimo a ser aplicado em mento e análise, n. 8. Brasília, DF:
nanciamento do MS – exceção ações e serviços públicos de saúde IPEA, 2004.
feita ao ano de 2004, quando – interpretações controversas e suas
. Políticas Sociais – acom-
implicações no Orçamento da União.
foi superada pela CSLL. A aná-
panhamento e análise, vários nú-
lise dos gastos desse ministé- BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Suple- meros. Brasília, DF: IPEA, 1999.
rio permite demonstrar que a mentação do Bolsa-Família da Saú-
MÉDICI, A. Financiamiento y gasto
introdução da CPMF contribui de: PLN n. 02/2005. (Nota Técnica
público en salud en los años no-
muito mais para estabilizar o 03/2005). Brasília, DF: Consultoria
venta. Washington, DC: Banco Inte-
patamar de recursos orçamen- de Orçamentos e Fiscalização Finan-
ramericano de Desarrollo, 2001.
tários do mesmo que para efe- ceira da Câmara dos Deputados
tivamente elevá-lo. (COFF)/Câmara dos Deputados, 2005. MUSGROVE, P. Public and Private Ro-
les in Health. Health Economics in
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. O im-
• Por fim, ao analisar os gastos Development. Washington, DC:
pacto da DRU no Orçamento de
do MS por categoria econômi- World Bank, 2004.
2003. Brasília, DF: Consultoria de
ca, percebe-se o impacto da
Orçamentos e Fiscalização Financei- OLIVEIRA, F.A. FUNDEF e Saúde: duas
descentralização nas finanças
ra da Câmara dos Deputados (COFF)/ experiências (virtuosas?) de descen-
do Ministério. As transferênci-
Câmara dos Deputados, 2003. (Es- tralização. (mimeo) Rio de Janeiro:
as para municípios crescem
tudo n. 59/2003). EBAP/FGV, 2001.
rapidamente a partir de 1997
– sob o efeito da NOB 01/96 –, BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Resolu- OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE.

enquanto que as transferênci- ção n. 322. Brasília, DF: Conselho World Health Report 2004. Genebra:
as para Estados e DF crescem Nacional de Saúde, 2003. WHO, 2004. (Annex Table 5).

a partir de 2001, com a NOAS BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Análise OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE.
01/2000. Juntas, as transferên- de alguns aspectos do processo de Informe sobre la salud en el mun-
cias a governos subnacionais descentralização do Sistema Único do 2000 – Mejorar el desempeño
alcançam 56,5% dos gastos do de Saúde. Brasília: Ministério da de los sistemas de salud. Genebra:
MS em 2004. Saúde, 1999. (mimeo) WHO, 2000.

42 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007
As novas configurações de antigos problemas: financiamento e gasto com ações e serviços públicos de saúde no Brasil

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Disponível em: http://siops.datasus
.gov.br/publicacoes.htm

. Boletim SIOPS, Brasília,


DF, 2002. [vários números].

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 21-43, janeiro 2007 43
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como


instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil1
The intervention of the Judicial Power in the private health sector – advanced granting as a health assistance guarantee
instrument in Brazil

Maria Hildete S. C. Souza2, Ligia Bahia3, Maria Lúcia W. Vianna4, Mário Scheffer5, Andrea Salazar6 & Karina B. Grou7

RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar e contextualizar algumas relações conflituosas no mercado de planos
e seguros de saúde, sob a ótica de soluções judiciais singulares para estes conflitos de interesse. Esta questão
vem sendo investigada por diversos pesquisadores que observam o protagonismo do Poder Judiciário e a
garantia dos direitos sociais. Por um lado, um reforço da lógica democrática e, por outro, uma intervenção
concorrencial com outras instâncias políticas e legislativas. A este protagonismo, com sua intervenção no
âmbito das relações sociais e políticas, os cientistas sociais descrevem como um fenômeno de Judicialização,
que diz respeito a uma transformação das normas e das formas de atuação dos membros do Poder Judiciário,
colocando-os frente à escolha entre exercer um ativismo judicial diante das demandas advindas do
recrudescimento da chamada “questão social” ou manterem sua clássica postura de neutralidade política.
Este fenômeno tem origem comum ao movimento de constitucionalização do direito ordinário, porém, o que
mudou foi a infiltração de princípios de justiça social onde havia o império da lei. Na perspectiva de descrever
a intervenção judiciária nos conflitos inerentes ao setor de saúde suplementar, a análise de seiscentas e onze
decisões judiciais permitiu demonstrar que o Poder Judiciário tem agido no sentido de conceder, ou mesmo de
garantir, o direito à cobertura reclamada. Têm validado o direito à saúde, tanto no sentido de preservar a vida
humana numa situação dramática, quanto tem garantido o direito em casos de permanência em planos de
saúde, reajustes, carências, entre outros itens. O fato deste comportamento do Judiciário como aliado do

1
Este trabalho se baseia na dissertação de mestrado apresentada por Maria Hildete Souza ao Programa de Pós-graduação em Saúde
Coletiva do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob orientação da Profa Dra
Ligia Bahia, em setembro de 2005.
2
Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Saúde, Rio de
Janeiro, Brasil.
3
Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva e Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
4
Instituto de Economia e Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.
5
Pela Vidda/SP & CNS.
6
Consultora jurídica.
7
Consultora jurídica.

44 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

cliente em posição de vulnerabilidade, tem trazido para a superfície do debate regulatório, questões envolvendo
demandas que se repetem na justiça. Não é da natureza do Poder Judiciário criar direito, porém, tem funcionado
como mecanismo de afirmação e vocalização social, por maior abrangência do escopo dos contratos privados
de assistência à saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Saúde Suplementar; Planos de Pré-Pagamento em Saúde; Seguro Saúde; Política – legislação &
jurisprudência; Poder Judiciário.

ABSTRACT

This study refers to the investigation and context of how conflicts of interest within the private health
insurance market are solved by means of judicial decisions in Brazil. The increasing demand for judicial
solutions and the consequent notability of the Judicial Power is interpreted, by different researchers, both as
a reinforcement of democratic founded values, and as a strategy to compete with other political and legislative
institutions. According to social scientists, the increasing intervention of the Judicial Power within the social
and political arena is characterized by the alteration of its norms, as well as its usual way of acting, when
facing the choice between advocating in favour of social demands – for whom the judicial pathway has proved
to be a potential means for social changes – or assuming its traditional neutral political position. Such
strengthening of the Judicial Power in the mediation of social relations originated, along with the movement
for the review of ordinary laws based on constitutional principles, during the second half of the 80’s in Brazil,
favouring the principles of social justice instead of the strict observation of lawful statements. Within the
perspective of describing the intervention of the Judiciary Power in the conflicts inherent to the private health
sector, the analysis of 611 judicial decisions enabled the demonstration that the Judiciary Power has been
granting, or even assuring, the right to the claimed coverage. It has been validating the right to health, not
only in the preservation of human life in a dramatic situation, but also assuring the right to permanence in
health plans, readjustment, grace periods, amongst other items. The fact is that this behaviour of the Judiciary
Power, as an ally to client in a vulnerable position, has been bringing to surface the regulating debate, issues
involving demands repeated in court. I.e., on one hand, it is not the Judiciary Power’s nature to create a right,
however, it has been working as a mechanism of social affirmation and verbalization, for a greater inclusion
in the scope of private healthcare contracts.

KEYWORDS: Supplemental Health; Prepaid Health Plans; Insurance, Health; Politics – law & jurisprudence;
Judicial Power.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007 45
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

INTRODUÇÃO dos tribunais. De certa maneira as sociais e políticas, os cientistas so-


exigências dos diferentes contextos ciais costumam descrever como fe-
Este texto está dividido em duas históricos coloca os tribunais frente nômeno da judicialização.
partes. Na primeira, revisaremos al- à escolha entre exercer um ativis- Esse fenômeno da judicialização
guns autores caros ao estudo da Ju- mo judicial, diante das demandas das relações sociais tem origem co-
dicialização, acentuando a transfor- advindas do recrudescimento da cha- mum com o movimento de consti-
mação do papel do Poder Judiciário
mada “questão social”, ou manter tucionalização do direito ordinário.
entre os Poderes Republicanos, mi-
sua clássica postura de neutralida- O que mudou foi a infiltração de
grando, ao longo do tempo, de uma
de política. Tanto um aspecto quan- princípios de justiça social onde
posição periférica e neutra, para um
to o outro, ativismo ou neutralida- havia o império da lei.
rasgo de ativismo político quando
de, têm um preço a ser pago. O pre- Entretanto, o desempenho dos
confrontado com questões sociais
ço da neutralidade e omissão frente tribunais não depende só de fatores
advindas tanto do desabastecimento
ao vigor das demandas sociais co- políticos, não depende só de legiti-
de políticas sociais públicas, quanto
das relações assimétricas provenien- midade, capacidade ou independên-
tes do campo dos mercados. Na se- cia. Este desempenho, tanto o midi-
gunda parte, analisaremos este ‘pro- ático quanto aquele de rotina, guar-
tagonismo’ do Poder Judiciário na da relação com outros fatores: com
garantia dos direitos sociais. Para tan- O QUE MUDOU FOI o nível de desenvolvimento do país,
to, examinaremos ações judiciais sin- A INFILTRAÇÃO DE e sua posição no sistema de econo-
gulares, promovidas por clientes de mia mundializado; com a cultura
planos privados de saúde, coletadas
PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA
jurídica dominante, associada aos
pelo observatório jurídico do Labora- SOCIAL ONDE HAVIA grandes sistemas ou famílias de di-
tório de Economia Política da Saúde reito; com o processo histórico, por
O IMPÉRIO DA LEI
(LEPS) da Universidade Federal do Rio meio do qual essa cultura jurídica
de Janeiro (UFRJ). Por fim, de um lado emergiu e se desenvolveu; e com a
alguns autores apontam um risco na
propensão litigiosa da sociedade
arena regulatória diante da presença
estudada, associada aos meios e
plural de várias instâncias com po-
locava-o no risco da inutilidade ins- recursos, formais e informais, de
der de influir no marco da regulamen-
titucional, tornando-o obsoleto para resolução de litígios em determina-
tação; por outro lado, esta busca de
influir nos processos decisórios. O da cultura (SANTOS, 1996).
soluções judiciais abre possibilidades
preço do ativismo político chama Portanto, uma análise do siste-
de que esta pluralização institucional
para si questionamentos a respeito ma judiciário não deve prescindir de
produza uma ação sinérgica entre os
agentes envolvidos, capaz de tradu- de sua legitimidade, capacidade e abordar uma periodização do de-
zir-se em benefício coletivo. independência frente aos demais sempenho judicial de rotina ou de
Poderes Republicanos, ao mesmo massa, e dos fatores sociais, econô-
BREVE REVISÃO HISTÓRICA DO PAPEL tempo em que o fortalece enquanto micos, políticos e culturais que con-
DESEMPENHADO PELO PODER JUDICIÁRIO instância representacional. dicionam, historicamente, o âmbito
A este protagonismo do Poder e a natureza da judicialização.
Uma série de fatos colaborou Judiciário enquanto espaço repre- Santos distinguirá três grandes
nessa rotação na postura política sentacional no âmbito das relações variações neste “significado socio-

46 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

político da função judicial” nas so- nomia e administrar o social, o go- A elevação dos direitos sociais e
ciedades modernas: o período do verno começa a demandar, do Le- econômicos a direitos constitucio-
Estado Liberal; o período do Esta- gislativo, uma enorme produção de nais – direito ao trabalho e ao salá-
do-Providência e o período atual, ao leis de alcance específico. rio justo, à segurança no emprego,
qual designa como período da “cri- Para CAPPELLETTI (apud WERNECK à saúde, à educação, à habitação, à
se do Estado-Providência”. VIANNA, 1999), em razão dessa cres- segurança social – significa, entre
O período do Estado liberal inicia- cente necessidade de produção legis- outras coisas, “a juridificação da
se no século XIX e se estende até a lativa ocorre o fenômeno de overlo- justiça distributiva”.
Primeira Guerra Mundial. Sua longa ad do Parlamento. Ou seja, os par- A emergência dos movimentos
duração histórica tornou-o particular- lamentos perdem a capacidade de sociais em luta por direitos é, em
mente importante para a consolida- responder, a tempo e com competên- parte, a causa desta proliferação
ção do modelo judicial moderno. cia técnica, às complexas questões normativa do Estado Social. A dife-
Com uma clara delimitação de envolvidas nas tentativas de “orga- renciação entre conflitos individuais
fronteiras para a ação judicial con- e coletivos torna-se difícil, pois os
substanciada principalmente no fato interesses individuais emergem as-
de os tribunais estarem circunscri- sociados a interesses coletivos.
tos aos parâmetros da lei – princí- As respostas que o Poder Judiciá-
pio da legalidade – acabou influin- A ELEVAÇÃO DOS DIREITOS rio deu a este fenômeno incluíram re-
do para que esses ficassem à mar- SOCIAIS E ECONÔMICOS A DIREITOS formas, tais como: informalização da
gem do processo de explosão de con- justiça; reaparelhamento dos tribunais,
CONSTITUCIONAIS SIGNIFICA, ENTRE
flituosidade social desse período, em recursos humanos e infra-estrutu-
pois seu âmbito funcional “se limi- OUTRAS COISAS, “A JURIDIFICAÇÃO rais, inclusive com a informatização e
tava à microlitigiosidade interindi- a automatização da justiça; criação de
DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA”
vidual, e não à macrolitigiosidade juizados especiais para as pequenas
social” (SANTOS, 1996). causas, tanto em matéria civil como
No período pós-Segunda Guerra criminal; inserção de novos e alterna-
Mundial, consolida-se nos países tivos mecanismos de resolução de con-
centrais uma nova forma política do nizar” o capitalismo, e assim trans- flitos – mediação, negociação, arbitra-
Estado: o Estado-providência, o Wel- ferem, para o Executivo, grande gem; diversas reformas processuais –
fare State, que emerge na esteira das parte de sua atividade. ações populares, tutela de interesses
lutas do movimento operário. Diante do enorme empreendimen- difusos, ação civil pública.
Esta “publicização” da esfera da to de regular, a um só tempo, os flu- A “explosão de litigiosidade” con-
vida privada, agora sob a jurisdi- xos das variáveis econômicas e da cedeu maior relevo aos tribunais. Os
ção da administração publica do ordenação do social, o desafio do diferenciais entre a demanda e a
Estado, passa, também, a regular a Estado Social foi sincronizar o seu capacidade de oferta de tutela judi-
economia em todos os seus aspec- agir, com a temporalidade desses cial, porém, questionam a efetivida-
tos. Inclusive o próprio mercado de dois processos. Ou seja, com o tem- de e as possibilidades de acesso à
trabalho, regulado por direito espe- porário, o provisório, o incerto, con- tutela judicial.
cial – o direito do trabalho. Para fundindo o tempo do direito, assim Durante as décadas de 1970 e 80
cumprir as metas de regular a eco- criado, com o da política. emergiriam as primeiras manifesta-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007 47
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

ções da denominada crise do Esta- poder judicial, tanto em países cen- a criação de instâncias judiciais
do-Providência. À declaração dos trais como nos periféricos, requer transnacionais, a exemplo do Tri-
Estados Nacionais sobre as limita- diversas chaves de interpretação, bunal Penal Internacional; e final-
ções de recursos financeiros para entre as quais as seguintes: a emer- mente, a emergência de discursos
atender aos gastos sociais crescen- gência do fenômeno de normatiza- acadêmicos e doutrinários, vincu-
tes, adicionaram-se as críticas ção de direitos, especialmente em lados à cultura jurídica, que per-
oriundas de setores situados à es- face de sua natureza, difusa e cole- cebem no protagonismo / expansão
querda, no espectro de posições po- tiva, derivada da característica mas- do poder judicial uma via de refor-
líticas, quanto à publicização exces- sificadora de nossa sociedade; as ço da lógica democrática.
siva da esfera privada. Essa última transições pós-autoritárias que mar- Assim, o fenômeno de judiciali-
teria criado os cidadãos-clientes, caram as décadas de 1970 e 80, e zação da política e das relações so-
cujas opções de vida (de atividade e trouxeram consigo a edição de Cons- ciais pode ser observado por duas
de movimento) são controladas e tituições democráticas, preocupadas vertentes: a afirmativa, referente aos
supervisionadas por agências buro- direitos já declarados, e por meio da
cráticas, despersonalizadas. possibilidade de virem a ser criados
As transformações nos sistemas direitos ainda ignorados. Esse fenô-
produtivo e de regulação do traba- meno reafirma um processo de “de-
AS TRANSFORMAÇÕES NOS SISTEMAS
lho, tornadas possíveis graças às sestatalização do direito”.
revoluções tecnológicas, acompa- PRODUTIVO E DE REGULAÇÃO DO TRABALHO, O cenário mais específico estu-
nharam a “difusão do modelo neo- TORNADAS POSSÍVEIS GRAÇAS ÀS REVOLUÇÕES dado neste trabalho, em que este
liberal e do seu credo desregula- protagonismo do Poder Judiciário
TECNOLÓGICAS, ACOMPANHARAM A
mentador”. A influência e a expan- tenta estabelecer-se, é o da demo-
são da presença de agências multi- “DIFUSÃO DO MODELO NEOLIBERAL E DO cracia brasileira. Democracia que se
laterais de fomento, e a adoção dos SEU CREDO DESREGULAMENTADOR” encontra em processo de consolida-
cânones neoliberais para a inserção ção, muito embora autores (WERNECK
de economias nacionais nos circui- VIANNA et al., 2003; SADER, 2005) apon-
tos globalizados da economia, con- tem para um déficit em seu funcio-
tribuíram para o aprofundamento da em reforçar instituições de garantia namento que poderia pervertê-la em
crise do Estado-Providência. do Estado Democrático de Direito, um sistema de procedimentos forma-
Nos países centrais, os impactos dentre elas a Magistratura e o Mi- lizados, extremamente fechados às
da “crise da seguridade” sobre o sis- nistério Público; a emergência do expectativas e demandas sociais.
tema jurídico e sobre a atividade dos fenômeno de criminalização da res- Esse funcionamento deficitário
tribunais relacionam-se com “uma ponsabilidade política, ou melhor, guardaria relação com a predomi-
nova onda de inflação legislativa” da irresponsabilidade política, que nância do Executivo sobre o Legis-
– cujas causas podem ser buscadas veio à baila diante das numerosas lativo, que ganhou relevo em virtu-
na “desregulamentação da econo- investigações sobre corrupção na de da paralisia decisória da repre-
mia” – e com a exigência de novos classe política; os novos formatos sentação da maioria; em conseqüên-
processos de regulação. institucionais, derivados da mundi- cia, evidencia-se a primazia do ou-
Para CITTADINO (2003), a compre- alização dos mercados e a emergên- tro poder através da prática, antide-
ensão do processo de expansão do cia de uma pauta de debates sobre mocrática, da edição de Medidas

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A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

Provisórias. Esse processo de toma- mentais da população mais pobre, no hiato entre a importância atribu-
da de decisões vem subtraindo a na década de 1990. Para a autora, a ída à questão social na Carta de 1988
formação da opinião, tanto no âm- Constituição Federal de 1988, que e a adoção de estratégias de Refor-
bito parlamentar, quanto no da so- abraçou todos os direitos da Decla- ma do Estado, orientadas por uma
ciedade civil, nas questões estraté- ração da ONU como direitos funda- agenda neoliberal.
gicas para os rumos da sociedade mentais no Brasil (parágrafo 2º do No Brasil, problemas considera-
(WERNECK VIANNA, 2003). art. 5º), e introduziu, diversos me- dos fundamentais como o ajuste fis-
Em virtude dessa primazia do canismos processuais, que buscam cal do Estado, a privatização e a
Executivo concedida à política eco- dar eficácia a estes direitos é, certa- abertura comercial – criação de con-
nômica, e da concomitante diminui- mente, a principal referência da in- dições para a abertura de mercados
ção da esfera pública, têm-se obser- corporação da linguagem dos direi- –, entram na agenda da reforma. A
vado uma crescente reação, por parte tos (CITTADINO, 2003. p.17). opção pela Reforma Administrativa,
da sociedade civil, das minorias entretanto, só entra em pauta em
políticas às organizações sociais – 1995, após a eleição e posse de
quando não do simples cidadão –, Fernando Henrique Cardoso. Neste
no sentido de recorrerem ao Poder momento, a reforma é considerada
Judiciário, contra leis, contra des- condição, de um lado, da consoli-
NOS ANOS 1990, A REFORMA DO
mandos da Administração, por fim, dação do ajuste fiscal do Estado
contra a omissão do papel do Esta- ESTADO TORNOU-SE TEMA CENTRAL brasileiro e, de outro, da existên-
do em relação às demandas sociais. EM TODO O MUNDO COMO PARTE cia no país de um serviço público
No que tange aos direitos sociais moderno, profissional e eficiente,
DAS RESPOSTAS AO PROCESSO
propriamente ditos, CITTADINO (2003) voltado para o atendimento das
destaca que no Brasil o movimento DE GLOBALIZAÇÃO DA necessidades dos cidadãos.
de incorporação da linguagem dos ECONOMIA EM CURSO A reforma administrativa brasi-
direitos ao debate político, e ao or- leira vai sendo implementada e os
denamento jurídico, se deu por meio desenhos das novas políticas soci-
da confluência de fatos que assola- ais públicas focalizam, cada vez
ram o país, nas já citadas décadas, Nos anos 1990, a Reforma do mais, a questão da pobreza e nos
tais como: a emergência dos movi- Estado tornou-se tema central em mecanismos de amortizá-la, em de-
mentos de defesa dos direitos huma- todo o mundo como parte das res- trimento da ampliação da cidadania
nos, na década de 1970 como reação postas ao processo de globalização e políticas redistributivas.
ao regime autoritário vigente; a luta da economia em curso. A redução Diante de duas dinâmicas, por
pela reconquista dos direitos de par- da autonomia dos Estados Nacio- um lado, o texto constitucional re-
ticipação política durante a transição nais para formular e implementar cém aprovado, por outro, a agenda
democrática nos anos 1980; a orga- políticas começa a se delinear nos de Reforma do Estado – que para
nização de diversos setores da socie- anos 1970, mas só assume plena ser implementada exige uma larga
dade civil, a partir de 1985 para par- definição na década de 1980. Por- produção legislativa e/ou o uso de
ticipar da elaboração da nova Cons- tanto, parte das razões que explicam Medidas Provisórias pelo Poder Exe-
tituição de 1988; a reação a denún- a centralidade do Poder Judiciário na cutivo – a sociedade civil começa a
cias de violações de direitos funda- vida nacional pode ser encontrada enxergar nos instrumentos proces-

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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

suais disponíveis, a possibilidade de legais mediando este tipo de transa- 1999, reajustassem as mensalidades
adentrar o espaço decisório do Esta- ção, quanto no que orientou a cria- acima do percentual de 11,69%, au-
do, ou seja, o espaço regulamentar. ção de uma cultura de consumo. O torizado, em 2005, pela ANS para
Durante a década de 1980, o Ju- consumidor de serviços assistenci- os contratos novos.
diciário brasileiro descreveu uma tra- ais de saúde passa a contestar arbi- Essa dicotomia entre opiniões es-
jetória de informalização e facilita- trariedades cometidas pelos opera- tabelecidas pelo Judiciário é mais um
ção de acesso, por meio da abertura dores de seus planos de saúde por exemplo das contradições endógenas
dos Juizados de Pequenas Causas. meio de reclamações ao Programa de uma instituição judicial que tem
Para Werneck Vianna, a percep- de Defesa do Consumidor (Procon), se aproximado do cenário político.
ção cappellettiana do caráter estra- que promove a proteção da relação O crédito na via judicial de solu-
tégico do acesso à justiça para a for- consumeirista. ção de litígios passa a ficar mais
mação da cidadania encontrou recep- Mas, o Poder Judiciário encerra atrativo, na medida que o instituto
ção na magistratura brasileira. contradições em relação à sua in- da Tutela Antecipada passa a refle-
Com o amadurecimento da crítica tir uma verdadeira revolução pro-
da processualística convencional, con- cessual, antecipando os efeitos da
verge-se para a criação dos Juizados futura decisão da ação (FUX, 2000).
Especiais Cíveis e Criminais, por meio INFLUINDO NO CENÁRIO CONFLITUOSO Enquanto solução provisória e
da Lei 9.090, em 26 de setembro de paralela ao curso da ação judicial,
1995. Então, o Judiciário é exposto a
DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL, a antecipação da tutela é muitas
microlitigiosidade em seu estado bru- A PARTIR DA DÉCADA DE 1990, vezes buscada no Judiciário. E po-
to. Isso tirou os magistrados do meio derá ser aplicada, pelos magistra-
REGISTRAM-SE FATOS MARCANTES,
relativamente neutro em que se man- dos, nos conflitos existentes entre
tinham e lhes conferiu uma posição COMO O AMADURECIMENTO DAS clientes, de um lado, e planos e se-
digna para a invenção da sociabili- RELAÇÕES DE CONSUMO guros de saúde, de outro.
dade (WERNECK VIANNA, 1999). FUX (2000) destaca o caráter dis-
Portanto, como o processamen- cricionário da regra de aplicação
to, nesses Juizados Especiais, é deste instituto, no sentido de que o
mais rápido, se comparado com a tervenção no campo regulamentar juiz dispõe desse poder de avalia-
Justiça Comum, eles concentraram da saúde suplementar. A decisão ção da situação de segurança e da
grande parte da demanda sobre di- crucial do STF, em 2003, que deixa situação de evidência.
reito do consumidor, inclusive de fora da órbita da Lei 9.656/98 e da A situação de segurança, por sua
planos de saúde. ação da Agência Nacional de Saúde vez, guarda ligação com a produção
Influindo no cenário conflituoso (ANS) os planos antigos de saúde, de prova inequívoca / verossimilhan-
da saúde suplementar no Brasil, a parece contradizer as decisões da ça, apresentada, no requerimento da
partir da década de 1990, registram- maioria dos casos levantados du- Tutela Antecipada (TA), pelo represen-
se fatos marcantes, como o amadu- rante esta nossa pesquisa. Em pólo tante legal do cliente / demandante.
recimento das relações de consumo, oposto estaria a decisão, do TRF da Essa prova precisa evidenciar um
atribuída à criação do próprio Códi- 5ª Região (Recife), de não permitir incremento no perigo / risco de vida,
go de Defesa do Consumidor (CDC), que as operadoras de planos e se- associado à negação de cobertura
tanto no que criou de salvaguardas guros-saúde antigos, anteriores a pelo plano ou seguro de saúde.

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A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

De outra parte, a situação de evi- Neste exemplo de conduta de se- plos em que duelarão o pressuposto
dência se relaciona mais fortemente tores do Judiciário é que se observa da legalidade e da justiça. Ou seja, a
com aqueles casos em que existem o agir político do Magistrado, o agir lei escrita, já existente e altamente
direitos disponíveis a serem garan- contra legem. Nos casos de anteci- anacrônica, a conceder um direito
tidos por meio da tutela. pação da tutela em situações urgen- num parágrafo, e a limitá-lo, restrin-
A TA, porém, só poderá ser conce- tes, podemos retirar exemplos da gi-lo ou anulá-lo no outro, se defron-
dida mediante requerimento da par- chamada constitucionalização do tará com a sensibilidade discricioná-
te. Ou seja, o legislador excluiu a pos- direito ordinário. Pois, nessas situ- ria de alguns setores do Judiciário,
sibilidade de o magistrado, enquanto ações urgentes, o bem da vida, o que evocam o valor humano da vida
representante funcional do Estado, dar direito à cobertura integral em saú- como o bem maior a ser protegido.
início à tutela sem que, antes, tenha de, é interpretado pelo juiz à luz de Os efeitos do processo de judicia-
sido provocado para tanto. Ou seja, o princípios valorativos da vida e da lização geral na saúde são inequívo-
magistrado pode ter conhecimento da cos. Os avanços alcançados, desde a
dignidade humana.
ação em curso e da necessidade da Constituição de 1988, na definição de
tutela, mas não poderá oferecê-la sem saúde enquanto direito social, e no

que haja um pedido formal. entendimento de que a saúde é um


bem de relevância pública, e que sua
F UX (2000) esclarece que, no
denegação incorre em crime de res-
jogo de poder entre os poderes re- OS EFEITOS DO
ponsabilização jurídica, expressa-
publicanos,
PROCESSO DE ram, ainda que no plano formal, a
“ (...) o pregoado ativismo judicial, que ruptura com um modelo médico as-
poderia ser efetivado por meio da TA,
JUDICIALIZAÇÃO
sistencial privatista e meritocrático.
recebeu um contrapeso conservador
GERAL NA SAÚDE Nesse sentido, o atual texto consti-
por parte do legislador, que retirou com
a outra mão, a sedutora idéia da TA, ao SÃO INEQUÍVOCOS tucional adotou uma concepção mais
dispor no parágrafo 2 do art. 273 do abrangente de seguridade social, em
Código de Processo Civil, que: ‘Não se
rota oposta à do seguro.
concederá a antecipação da tutela
quando houver perigo de irreversibili- No entanto, nas palavras de COHN
dade do provimento antecipado’ (...) (2003), as tradicionais e históricas
Aqui se evidencia a distância entre o Por tudo isso, os magistrados po- dicotomias no setor saúde, entre o
legislador e a vida fenomênica, pois, dem conceder ou negar a antecipação universal e o elegível, o público e o
invariavelmente, as situações de ur-
da tutela. Os que a concedem, podem privado, o preventivo e o curativo,
gência na saúde, que reclamam a an-
tecipação da tutela, geram situações
valer-se do que Fux chama do “dever o rural e o urbano, o carente e o
irreversíveis, dado que a satisfação da geral de segurança”; os que a dene- não-carente e entre o discurso e a
necessidade do demandante, via de re- gam podem invocar o argumento da prática das políticas de saúde não
gra, deve ser imediata. Daí resultando,
irreversão, ou mesmo o da pertinên- foram superadas. Os problemas e
quase sempre, que o fato do juiz decidir
pela concessão da TA já, por si só, re- cia de cláusulas contratuais, que ex- impasses antepostos à perspectiva
sulta numa decisão de difícil contesta- cluam a cobertura ora reclamada. da conformação, no Brasil, da cida-
ção, visto seus efeitos não poderem ser Portanto, o contexto de antecipa- dania de uma ordem democrática
anulados pelo simples fato de gan-
ção da tutela judicial, em situações também incidiram sobre a saúde. A
ho de causa para o plano de saúde
na ocasião do julgamento da ação.” urgentes, no campo da saúde suple- herança da concepção da saúde res-
(FUX, 2000. p.45-46) mentar, será um dos possíveis exem- trita à assistência médica e pertinen-

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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

te à esfera privada contrapôs-se à venção do Poder Judiciário. Em es- possibilidade de garantia de uma
definição da saúde como direito do pecial, escolhemos descrever esta cobertura assistencial médica digna.
cidadão e dever do Estado. assimetria em relação ao mercado Embora formalmente, segundo os
As proposições de mudança de de planos e seguros de saúde. contratos novos – aqueles firmados
rota na orientação privatizante da Tendo em vista que a regulamen- a partir de janeiro de 1999, de acor-
saúde, predominante, desde os anos tação deste setor – Lei 9.656 – se do com o artigo 10 da Lei nº 9.656/
1930, preconizadas pela Constituição deu em 1998 e que algo em torno de 98, que institui o Plano-Referência de
Federal de 1988 (CF/88), por meio de 70% dos planos e seguros de saúde assistência à saúde –, os planos de
prestações ativas por parte do Esta- têm contratos anteriores a este mar- saúde deveriam cobrir todas as do-
do ainda não lograram plena efeti- co legal, e que a intervenção da ANS enças listadas no CID 10 da OMS,
vação. O Sistema Único de Saúde – criada em 2000, por meio da Lei entretanto, isso ocorre parcialmente.
(SUS) convive com um expressivo 9.661 – foi limitada pelo STF, em A permissão para a comercialização
mercado de planos e serviços priva- de quatro tipos opcionais de regimes
2003, em relação a esses contratos
dos de saúde. Mas a própria CF/88 de atendimento – ambulatorial, hos-
previu o enquadramento dos servi- pitalar, odontológico e obstétrico –,
ços privados de saúde. A CF/88, além admite a limitação de acesso.
de elevar a saúde à condição de di- Em relação a este mercado de pla-
reito social, também assumiu a pos-
O SISTEMA ÚNICO nos e seguros de saúde encontram-
sibilidade de tal prestação de servi- DE SAÚDE (SUS) se conflitos nas mais variadas situa-
ços assistenciais ser oferecida pela ções. Por exemplo: não-cobertura de
CONVIVE COM UM
iniciativa privada. O bem ofertado é próteses e órteses; limitações em re-
tido como de relevância pública, de EXPRESSIVO MERCADO DE lação ao atendimento de urgência e
interesse público. Ou seja, a sua de- PLANOS E SERVIÇOS emergência; necessidades de trans-
negação, independente da natureza plantes de outros órgãos além dos
jurídica do prestador de serviço con-
PRIVADOS DE SAÚDE de rins e córneas; descredenciamen-
fere responsabilização jurídica. to de médicos, hospitais e laborató-
O constituinte, ao referir-se à re- rios; aumentos abusivos de mensa-
levância pública das ações e dos lidade relacionados à faixa etária;
serviços de saúde, pretendeu elevar antigos, fica óbvio que esse cenário exigência de cheque-caução; limita-
a saúde à mesma condição do direi- é gerador de situações conflitantes. ção de tempo de internação; descum-
to à vida e da dignidade da pessoa Esses contratos antigos limitam primento contratual; cláusulas abu-
humana, um dos fundamentos da a cobertura das chamadas doenças sivas em contrato; propaganda en-
República (SANTOS, 1997). e lesões preexistentes, e alguns até ganosa e rescisão unilateral de con-
mesmo de doenças crônico-degene- tratos por parte da operadora.
A PESQUISA DE AÇÕES NO JUDICIÁRIO rativas, como diabetes, hipertensão, A pesquisa do LEPS/UFRJ (SALAZAR,
câncer, hepatite B, hepatite C, Aids, SCHEFFER & GROU, 2005) coletou deci-
O escopo de nossa pesquisa dá entre outras. Quando não negam co- sões que versavam sobre questões
prioridade às relações assimétricas bertura, negam os procedimentos li- de cobertura, carência, benefício le-
nos mercados, nos quais a defesa gados ao tratamento da doença. Es- gal, erro médico, reajustes, rescisão
da vulnerabilidade do consumidor sas demandas do tipo “paiol de pól- unilateral de contrato, rescisão uni-
encontra abrigo por meio da inter- vora”, encontraram no Judiciário a lateral de contrato por falta de pa-

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A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

gamento, descredenciamento de Por meio dos registros coleta- assunto cobertura, aproximada-
prestadores de serviços médicos e dos, percebe-se que São Paulo com- mente 80% das decisões analisa-
decisões sobre outros assuntos. pareceu, no levantamento total, em das. No Rio de Janeiro, 17% das de-
Foram avaliadas 611 decisões co- cinco de cada seis decisões (Tabe- cisões analisadas versaram sobre
letadas nos tribunais de Justiça dos la 1). O assunto ‘cobertura’ respon- RUC. Juntos, cobertura e RUC mo-
estados do Rio de Janeiro e São Pau- deu por cerca de metade das deci- tivaram perto de oito em cada dez
lo, correspondendo às decisões profe- sões do TJSP e por cerca de dois decisões analisadas pelo TJRJ.
ridas em Agravo de Instrumento nos terços no TJRJ. Os temas ‘benefício Quando considerados em conjunto
anos de 2003 e 2004, relativas à con- legal (BL)’ e ‘rescisão unilateral de os dois tribunais, o perfil das de-
cessão de Tutela Antecipada como contrato (RUC)’, com freqüências cisões analisadas se assemelha ao
garantia provisória para conflitos em torno de 18% e 9%, aparecem da capital paulista, devido ao mai-
emergentes das relações entre clien- em segundo e terceiro lugar em or número de registros identifica-
tes e planos ou seguros de saúde. São Paulo e totalizam junto com o dos em São Paulo.

TABELA 1 – Distribuição das decisões segundo assunto abordado e tribunal, 2003 e 2004

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No TJRJ tiveram alguma signifi- freqüência das decisões recursais duções do número de decisões favo-
cância as questões residuais sobre favoráveis alcançou quase o dobro ráveis, em segunda instância, em re-
reajustes e não ocorreram deman- das de primeiro grau (Tabela 2). lação às de primeiro grau (diferenças
das sobre carência, erro médico e Em São Paulo (Tabela 2), os as- iguais ou superiores a 20%), foram
descredenciamento (Tabela 2). suntos que apresentaram as maiores descredenciamento, erro médico e ca-
Em ambos os tribunais, as deci- freqüências de decisões favoráveis em rência, em ordem decrescente.
sões favoráveis em primeira instân- segunda instância (iguais ou superi- No Rio de Janeiro, as proporções
cia foram mais freqüentes do que as ores a cerca de 70%) foram, em or- de decisões favoráveis, tanto de pri-
de segundo grau, exceto para o tema dem decrescente: BL, reajuste, RUC, meira quanto de segunda instânci-
“reajustes” em São Paulo, em que a cobertura e carência. As maiores re- as foram sempre mais elevadas do

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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

que em São Paulo. De maneira ge- Como demonstra a Tabela 3, das sidade mórbida’, em ambos os tribu-
ral, as proporções de decisões de decisões sobre cobertura com moti- nais, e ‘urgência e emergência’ e
segunda instância mostraram-se vo especificado, aquelas relaciona- transplantes no TJRJ. Cabe destacar,
sempre maiores que 70% (Tabela 2). das com “próteses e outros materi- entretanto, que as baixas freqüências
Quando consideradas todas as ais” foram as mais freqüentes em observadas no Rio de Janeiro podem
demandas em conjunto, em ambos ambos os tribunais. estar associadas às expressivas vari-
os tribunais, o perfil das decisões No TJSP aparecem, em segundo ações registradas nas proporções das
analisadas, quanto ao resultado fa- e terceiro lugares, as decisões so- decisões favoráveis nas primeira e
vorável, se assemelha ao do tema bre câncer e obesidade mórbida. No segunda instâncias (Tabela 4).
cobertura, em decorrência da eleva- TJRJ tais posições foram ocupadas Quanto à fundamentação jurídi-
da freqüência de registros (acima de pelos motivos ‘obesidade mórbida’ ca das decisões dos magistrados (Ta-
50%) identificados (Tabela 2). e ‘urgência e emergência’, este úl- bela 5), houve referência à legisla-
Na análise da Tabela 3, para timo em condições iguais com ção específica do setor – Lei 9.656/
cada dez decisões sobre “cobertu- home-care (Tabela 3). 98 – em cerca de 129 das 611 coleta-
ra” cerca de cinco (45,29%) versa- De forma geral, as decisões fa- das, o que representa algo em torno
vam sobre ‘coberturas diversas’, voráveis em segunda instância no de 20%, quando consideradas tam-
tema que agrega muitos motivos, Rio de Janeiro, tenderam a apresen- bém as referências à Lei 9.656 asso-
com freqüências individuais bai- tar freqüências mais elevadas do ciadas ao CDC. Comparando com o
xas. Quando considerados em con- que no TJSP (Tabela 4). observado por Fux em 2000, quan-
junto, tais motivos geraram a mai- Tal como observado nos demais do de 66 decisões coletadas, em São
or demanda por cobertura, em am- assuntos coletados na amostra, as Paulo e no Rio de Janeiro, apenas três
bos os estados. Observa-se, ainda, decisões de segunda instância tende- mencionavam essa Lei, ou seja, ape-
que a metade restante das decisões ram a ser menos favoráveis do que nas 4,54%, pode estar sinalizando um
sobre o tema ‘cobertura’ versou as correspondentes em primeiro grau. crescimento da influência deste mar-
sobre seis temas. As exceções foram as relativas à ‘obe- co legal do setor.

TABELA 2 – Número e proporção de decisões favoráveis nas primeira e segunda instâncias, segundo tribunal, 2003 e 2004
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A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

TABELA 2 – Número e proporção de decisões favoráveis nas primeira e segunda instâncias, segundo tribunal, 2003 e 2004 (continuação)
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* O número de decisões tratando da rescisão unilateral de contratos coletivo é 49 (77,77%) frente a 14 (22,22%) de rescisão de contratos individuais ou familiares.
Fonte: LEPS/UFRJ 2004.

TABELA 3 – Distribuição das decisões sobre cobertura, segundo o problema de saúde e o tribunal, 2003 e 2004

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Fonte: LEPS/UFRJ 2004.

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SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

TABELA 4 – Número e proporção de decisões favoráveis sobre cobertura nas primeira e segunda instâncias, segundo tribunal e problema de
saúde, 2003 e 2004
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Fonte: LEPS/UFRJ 2004.

TABELA 5 – Distribuição da fundamentação jurídica das decisões proclamadas segundo tribunal, 2003 e 2004

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Fonte: LEPS/UFRJ 2004.

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A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS de da ANS no processo de regula- A maior ou menor dificuldade


ção da assistência médica suplemen- dessas demandas de alcançarem sua
A mudança de rota na postura tar (GAMA, 2002). realização pode ser explicada por
política dos tribunais pode ser evi- Embora o impacto da interven- meio de um conjunto relevante de
denciada sob diversos focos de aná- ção do Judiciário na situação de variáveis. Dentre elas abordaremos,
lise. A intervenção de Poder Judiciá- melhoria ou ampliação de cobertu- nesse momento, apenas três: o grau
rio no âmbito privado da saúde é ra dos serviços assistenciais priva- de mobilização da coletividade de
mais um exemplo, entre outros, do dos, de uma forma geral, não pos- usuários, ou da sociedade civil em
ativismo político de alguns magis- sa ser mensurado, tendo em vista geral; o grau de acomodação de in-
trados. O marco da constitucionali- o escopo desta pesquisa, o tempo teresses políticos expressados no
zação do direito ordinário reforça de vigência da Lei 9.656/98 e o ní- marco regulatório do setor; e a ca-
essa postura. A pressão da socieda- vel de crescimento da cultura soci- pacidade administrativa / fiscaliza-
de civil por justiça, proveniente tan- etal de busca de soluções judiciais dora da ANS em relação aos opera-
to das relações consumeiristas de dores de planos de saúde que des-
mercado quanto das relações com o cumprem a lei, e o tipo de solução
Estado, tem encontrado abrigo na enfatizada por essa instância. Essa
intervenção desta terceira parte. NO BRASIL A LUTA PELA variável relaciona-se, mais forte-
O complexo processo de produ- mente, à situação fiscal e ao nível
CONSOLIDAÇÃO DE UM
ção regulamentar que envolve, hoje, de renda do operador de plano de
o setor de assistência à saúde su- SUS JUSTO E DIGNO saúde. Esse fator também é deci-
plementar põe a ANS diante de imen- sivo, na medida que indica a ca-
PARA TODA A POPULAÇÃO
sos desafios. Na análise de GAMA pacidade, do operador de oferecer
(2002), a tônica pragmática que pre- É O QUE DEVERIA NORTEAR a cobertura assistencial acordada
dominou na elaboração e na imple- AS POLÍTICAS PÚBLICAS (DRAIBE, 1999).
mentação da Lei 9.656/98 não pare- Pesquisadores sobre modelos de
ce predominar em outras instâncias seguridade social (VIANNA, 2000) re-
de decisão. As decisões provenien- velam que os seguros universais e
tes do Poder Judiciário estão ampa- – que está sendo monitorado a par- públicos, ou administrados sem fi-
radas em legislações mais abrangen- tir dos dados coletados nessa amos- nalidades lucrativas, são a forma
tes e em princípios fundamentais da tra pelo LEPS / UFRJ em relação ao custo-efetiva mais justa de se garan-
República brasileira, e buscam, cla- setor assistencial privado da saú- tir a saúde da população. No Brasil
ramente, a defesa do bem da vida e de –, na conjuntura atual, a possi- a luta pela consolidação de um SUS
da dignidade humana. bilidade de que esta pluralização justo e digno para toda a população
O perigo que existe na arena re- institucional produza uma ação si- é o que deveria nortear as políticas
gulatória diante da presença plural nérgica entre os agentes envolvidos, públicas. A escolha pelas soluções
de várias instâncias com poder de capaz de traduzir-se em benefício de mercado na área da saúde deve-
influir no marco regulatório, é o de coletivo, abre perspectivas poten- ria ser uma escolha e não uma fata-
que estes marcos reguladores mais cialmente inovadoras em termos de lidade advinda da crença de que o
ampliados entrarem em rota de co- ampliação do espaço público, de sistema público de saúde é para os
lisão e ultrapassarem a centralida- ação para a cidadania. pobres. Além disso, o mercado de

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007 57
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

planos de saúde é perspicaz na sele- institucional – ANS – com normas al de escassez de recursos frente ao
ção dos riscos que serão cobertos e de natureza mais abrangente no vigor da demanda, houve, graças ao
na maioria das vezes tem demons- sentido de se garantir a integrali- do marco regulatório, uma real ex-
trado um descumprimento no cuida- dade de cobertura assistencial à pansão de cobertura, no período re-
do integral à saúde de seus clientes. saúde. Nesse sentido, a necessida- cente, após um tempo de disparida-
Cabe assinalar a tensão que per- de de flexibilizar os requisitos de des na oferta de produtos. A meta
meia o desenho regulamentar do acesso das representações de todos da integralidade, porém, permane-
setor. Um pressuposto implícito na os atores envolvidos constitui um ce como um ideal a ser perseguido.
formulação regulamentar é que os grande desafio. Os problemas apontados em re-
laços burocráticos e clientelistas O marco regulatório do setor de lação à regulamentação do setor de
que regem os interesses setoriais saúde suplementar vem sendo imple- planos e seguros de saúde privados,
devem ser rompidos na medida em mentado em um quadro de mudan- examinados durante esse trabalho,
que se criem mecanismos institu- ças estruturais no setor e em um sugerem a necessidade de um refi-
cionais de participação social que namento no debate, sobre qual deve
representem, equanimente, todos ser o modelo de regulamentação bra-
os atores envolvidos. Assume-se, sileiro para o setor.
assim, que a capacidade propositi- A falta de capacidade demons-
va destas representações tenha peso É IMPORTANTE PARA A trada pelo Poder Executivo em im-
igualitário nas decisões sobre a re- plantar um consenso em torno do
SOCIEDADE BRASILEIRA QUE A
gulamentação, diminuindo assim a desenho da política regulatória, le-
margem de atuação de outras ins- REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE vou a uma sistemática reedição de
tâncias regulatórias, como o Judi- SUPLEMENTAR SEJA PACTUADA Medidas Provisórias, desde a pro-
ciário tem se convertido. mulgação da Lei 9.656/98, hoje sob
EM BASES DEMOCRÁTICAS
A presente avaliação permite que a guarda da ANS.
se conclua que, embora o novo dese- Entretanto, é importante para a
nho regulamentar tenha levado a uma sociedade brasileira que a regula-
maior eficiência e representatividade, mentação da saúde suplementar seja
também apresenta um viés distribu- ambiente marcado por profundas in- pactuada em bases democráticas.
tivo, quando efetivamente posto em certezas. O baixo investimento pú- Para tanto, torna-se importante a
prática. Com efeito, vem ocorrendo blico na oferta de serviços assisten- participação não apenas do Congres-
um sancionamento das desigualdades ciais de saúde tem justificado a pro- so Nacional, como também da soci-
existentes entre as diversas enverga- cura por soluções privadas e a ofer- edade civil organizada. Estas instân-
duras das empresas de saúde, como ta de serviços pelo mercado. E isso cias devem se pronunciar sobre a
suas capacidades implementadora, implica mudanças institucionais criação de uma Lei que esteja em
técnica e financeira. Nesse sentido, ao marcantes, introduzidas por uma harmonia com o conceito ampliado
premiar os agentes mais capacitados, nova agenda do setor. Essa agenda, de saúde (GAMA, 2002).
corre-se o risco de reproduzir a desi- hoje, tem como centro o aperfeiçoa- A presença de outros atores no
gualdade (COHN, 2003). mento do marco regulatório. cenário regulamentar é uma ques-
Algumas pressões operam no É importante ressaltar que, a tão que merece ser profundamente
sentido de reduzir o compromisso despeito da contínua queixa setori- estudada. O papel do Poder Judiciá-

58 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
A intervenção do Poder Judiciário no setor de saúde suplementar – tutelas antecipadas como instrumento de garantia da assistência à saúde no Brasil

rio é moldar comportamentos e ar- permanência em planos de saúde, CPC associado a referências ines-
bitrar conflitos. A litigiosidade pre- reajustes, carências, entre outros pecíficas, em ambos os estados,
sente nas relações sociais que per- itens. Esse comportamento do Ju- evidenciando que as situações nas
passam o setor privado de assis- diciário, como aliado do consumi- quais se concederam as TA, podem
tência à saúde tem dado voz a re- dor em posição de vulnerabilidade, ter sido as que Fux atribui ao ca-
clamos dos clientes que, amiúde, tem trazido para a superfície do ráter discricionário da regra de
se vêem a descoberto diante de debate regulatório demandas que se aplicação deste instituto, no senti-
suas necessidades. repetem na justiça. Assim, embora do de que o juiz dispõe desse poder
O fato de estes conflitos ganha- não seja da natureza do Judiciário de avaliação da situação de segu-
rem espaço no Judiciário pode estar criar direito, esse Poder tem funci- rança e da situação de evidência. A
demonstrando uma necessidade de onado como mecanismo de afirma- referência ao CDC foi pequena, e a
maior amadurecimento da regula- ção e de vocalização social, no sen- CF/88 mostrou-se residual.
ção dos planos de saúde. Não pode- tido de ampliar a abrangência do Assim, o Judiciário tem sido um
mos ser injustos em dizer que a le- escopo dos contratos privados de instrumento muito valioso para o
gislação não tem avançado na re- assistência à saúde. exercício de uma cidadania jurídi-
gulamentação. Mas parece que, en- A robustez das demandas associ- ca. Mas se estamos diante de um
quanto espaço público de articula- adas à cobertura assistencial, de- Poder Judiciário com um papel cen-
ção de interesses, a ANS tem demons- monstrada pela pesquisa, revela que tral na construção da sociabilida-
trado maior permeabilidade ao em- há um nó crítico em relação à imple- de e diante de um desafio imenso,
presariado do que aos clientes / be- mentação da extensão de cobertura sob o ponto de vista pedagógico,
neficiários de planos de saúde. Esse nos marcos do Plano Referencial pro- na criação de uma cultura cívica
fato pode ganhar contornos nítidos posto pela Lei 9.656/98, e as restri- republicana, só o tempo, e futuros
ao analisarmos as demandas que ções de acesso impostas pelos regi- estudos, o poderão afirmar.
encontramos no Judiciário. Pois es- mes segmentados de atendimento,
sas demandas convergem para o Ju- além de tratamentos não incluídos REFERÊNCIAS
diciário por não encontrarem abri- na legislação, como quimioterapia e
go em soluções extrajudiciais, que radioterapia, transplantes de outros CITTADINO, G. Judicialização da Polí-
poderiam partir da própria agência. órgãos além de rins e córneas, trata- tica, Constitucionalismo Democrá-
Dentro da perspectiva de descre- mento domiciliar, entre outros. tico e Separação de Poderes. In:
ver a intervenção Judiciária nos con- Quanto à fundamentação jurí- WERNECK VIANNA, L. (Org.). A Demo-
flitos inerentes ao setor de saúde dica, a referência à Lei 9.656/98 cracia e os Três Poderes no Brasil.
suplementar, a análise das 611 de- ocorreu em cerca de 20% das deci- [S.l.:S.n.], 2003.
cisões judiciais permitiu demonstrar sões coletadas. Esse é um sinal de
COHN, A. Estado e sociedade e as re-
que o Poder Judiciário tem agido no certo crescimento da utilização
configurações do direito à saúde.
sentido de conceder, ou mesmo ga- desse instrumento legal em rela-
Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Ja-
rantir, o direito à cobertura recla- ção ao observado por Fux em 2000,
neiro, v.8, n.1, p.9-18, 2003.
mada. Tem validado o direito à saú- quando de 66 decisões coletadas,
de, no sentido de preservar a vida em São Paulo e no Rio de Janeiro, DRAIBE, S. M. et al. Avaliação Quali-
humana numa situação dramática, apenas três mencionavam tal Lei. tativa de Programas Sociais Priori-
tem garantido o direito em casos de A maior referência jurídica foi o tários. Universidade Estadual de

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007 59
SOUZA, Maria Hildete S. C. et al

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60 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 44-60, janeiro 2007
O Sistema Único de Saúde e o mercado suplementar de assistência à saúde no Brasil
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

O Sistema Único de Saúde e o mercado suplementar de assistência à saúde no Brasil


The Unique Health System and the private health market in Brazil

Rosa Maria Lages Dias1 & Rosa Maria Souza de Pastrana2

RESUMO

A proposta deste artigo é abordar a relação entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o mercado Suplementar
de Assistência no Brasil, tendo como foco de análise o ressarcimento ao SUS. Destaca-se o esforço da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no sentido de implantar mecanismos de regulação mais ágeis visando
assegurar os princípios e diretrizes do SUS. Enfatiza-se a importância da construção de bases propositivas de
uma agenda comum objetivando o aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Sistema Único de Saúde; Saúde Suplementar; Setor Público; Setor Privado; Ressarcimento ao SUS.

ABSTRACT

This article approaches the relation between the “Sistema Único de Saúde” (Unique Health system)- SUS and the
private health market in Brazil using as its analyzing focus the refunds from the private to the public sector. It
highlights the efforts of ANS- Agência Nacional de Saúde Suplementar ( National Health Agency) in implementing
better regulating mechanisms in order to secure the principles and directions of SUS. It emphasizes the importance
of building bases of a common agenda aiming the improvement of SUS.

KEYWORDS: National Health System (BR); Supplemental Health; Public Sector; Private Sector; SUS Refunds.

1
Enfermeira; Especialista em Gestão em Saúde pela FGV/RJ; Gerente Geral de Integração com o SUS – GGSUS/ANS, Rio de Janeiro, Brasil.
2
Economista; Sanitarista da Seceretaria Estadual de Saúde, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Doutora em Saúde Coletiva pelo IMS/
Uerj, Rio de Janeiro, Brasil.

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DIAS, Rosa Maria Lages & PASTRANA, Rosa Maria Souza de

INTRODUÇÃO tem: na descentralização com direção lização das Ações e Serviços de Saú-
única em cada esfera de governo; no de: A Ousadia de Cumprir e Fazer
A abordagem deste tema requer, atendimento integral abrangendo as Cumprir a Lei”, aprovado pelo Con-
mesmo que breve, uma retrospecti- atividades assistenciais curativas e selho Nacional de Saúde, inspirou a
va da gênese do sistema de saúde prioritariamente as atividades preven- introdução do conceito de eqüidade.
brasileiro, composto pelo subsiste- tivas e a participação da comunida- CORDEIRO (1985) enfatiza as polí-
ma público integrado pelos estabele- de. O SUS baseia-se nos seguintes prin- ticas de saúde e o complexo médico
cimentos públicos e os conveniados cípios constitucionais, entre outros: industrial destacando entre outros
e/ou contratados e o subsistema pri- universalidade de acesso aos servi- aspectos que a “privatização da
medicina” é um processo que se ace-
vado configurado pelo setor exclusi- ços de saúde; integralidade em todos
lera a partir de 1967, encontrando
vamente privado e pelo setor suple- os níveis de assistência. De acordo
suas bases materiais no setor priva-
mentar. Interessa, neste artigo, abor- com CARVALHO & SANTOS (1995) o prin-
do hospitalar, “lucrativo” e “não-lu-
dar o Sistema Único de Saúde (SUS) cípio da integralidade há de se fazer
crativo”. É neste período que os con-
e sua relação com Setor Suplemen-
vênios médicos estabelecidos entre as
tar, tendo como foco de análise o pro-
empresas empregadoras e as empre-
cesso de ressarcimento ao SUS.
sas tipo ‘cooperativas médicas e
ARRETCHE (2005), ao reportar-se ao
empresas de medicina de grupo’ con-
modelo anterior ao SUS e seu lega- A IMPLANTAÇÃO DO SUS NO BRASIL tribuíram para o fenômeno da capi-
do, afirma que:
INAUGURA UM NOVO PACTO SOCIAL, talização da prática médica.
“A fórmula de proteção à saúde BAHIA (2001), ao tratar das dimen-
A PARTIR DO ROMPIMENTO COM O MODELO
inaugurada por Vargas era a de um sões do mercado de planos de saú-
modelo de seguro no interior do siste- DE SEGURO SOCIAL E SUA EVOLUÇÃO PARA de, informa que:
ma previdenciário. Sua massificação
durante o regime militar ampliando O MODELO DE SEGURIDADE SOCIAL “Alguns dos esquemas assistenci-
significativamente o escopo da cober- ais coletivos privados, baseados na cap-
tura fazia com que direito a serviços tação de recursos de empresas emprega-
públicos de saúde ficasse restrito ape- doras e seus empregados destinados ao
nas aos trabalhadores formais que financiamento de uma assistência mé-
pagavam contribuições ao Instituto combinadamente com o princípio da dica hospitalar adicional àquela orga-
de Previdência Social (INPS).” nizada pelo Estado, foram criadas nos
igualdade da assistência.
anos 40 e 50. Alguns exemplos disso
Estas condições, por certo, mol- Os referidos autores argumentam são: 1) no setor público como a Caixa
daram o processo de formulação e que o atendimento especial “desi- de Assistência aos Funcionários do Ban-
implantação do SUS e possivelmen- gual” é exatamente o que preserva o co do Brasil (CASSI) e a Assistência Patro-
nal para os servidores do Instituto de
te inibiram o ideário reformista. princípio da igualdade e possibilita
Aposentadorias e Pensões dos Industri-
A implantação do SUS no Brasil a justiça na assistência à saúde de
ários (atual GEAP); 2) no setor privado:
inaugura um novo pacto social, a indivíduos com maior grau de carên- os sistemas assistenciais privados que
partir do rompimento com o modelo cia física, mental ou sensorial. A pro- acompanharam a instalação da indús-
pósito, a Norma Operacional Básica tria automobilística, particularmente as
de seguro social e sua evolução para
montadoras estrangeiras.”
o modelo de seguridade social. SUS-01/93 que se fundamenta no
As diretrizes do SUS previstas no aparato legal disposto nas Leis 8.080 O setor suplementar de saúde no
art. 7º da Lei 8.080 de 1990 consis- e 8.142 e no documento “Descentra- Brasil se instalou à margem da re-

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O Sistema Único de Saúde e o mercado suplementar de assistência à saúde no Brasil

gulação do Estado. O processo de é considerado um benefício agrega- corporativas e meritocráticas de-


regulamentação iniciou-se em 1998, do ao salário do trabalhador. safia, por um lado, a construção
com a Lei 9.656. A Agência Nacio- Os argumentos de BAHIA (2001) de um sistema de proteção social
nal de Saúde Suplementar (ANS), corroboram esta afirmativa, ao ex- universal e redistributivo e, por
implantada em 2000, vinculada ao plicitar que: outro, evidencia perspectivas para
Ministério da Saúde é o órgão res- a regulação de uma segmentação
“Dois enunciados articulados
ponsável pela regulação deste setor. entre si explicam usualmente a ex- já consolidada.
O aumento expressivo da deman- pansão dos planos privados no Bra-
da, em função da inclusão de seg- sil. Em uma primeira instância as A DIMENSÃO DO SETOR
insuficiências do SUS são associa-
mentos antes excluídos, o sucatea- SUPLEMENTAR NO BRASIL
das à expansão da assistência médi-
mento da rede pública de saúde, o
ca suplementar evocando os avan-
‘desfinanciamento’ do setor público, ços das políticas de corte neoliberal. O setor de saúde suplementar no
os incentivos governamentais e a Essa equação por sua vez remete país é integrado por empresas que
renúncia fiscal, contribuíram para questões tanto às proposições refor- operam os planos de saúde, presta-
mistas universalistas quanto às po-
a expansão da clientela beneficiária dores de serviços de saúde, profis-
líticas assistenciais seletivas.”
de planos privados, em especial sionais de saúde e usuários dos ser-
durante a implantação do SUS. Além E acrescenta que o crescimen- viços vinculados às operadoras de
disto, o acesso aos planos coletivos to das alternativas particulares, planos de saúde.

FIGURA 1 – Cartografia da distribuição das operadoras por unidade da federação (UF) de domicílio do beneficiário. Brasil, 2005

Fonte: Cadastro de Operadoras – ANS/MS – 29/08/2005. Censo Demográfico estimativa 2004 – IBGE.

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DIAS, Rosa Maria Lages & PASTRANA, Rosa Maria Souza de

O mapa revela forte concentração No Quadro 1 é possível visuali- cipação de 33%, seguida da Odon-
de operadoras na região Sudeste. Cha- zar que do total de 2.129 operado- tologia de Grupo com 20%, e da Co-
ma atenção o estado de Roraima, si- ras instaladas no Brasil, a medici- operativa Médica, com 17%, confor-
tuado na região Norte, com a menor na de grupo é a modalidade pre- me mostra o Gráfico 1.
participação da Saúde Suplementar. ponderante no país com uma parti-

QUADRO 1 – Operadoras por região da sede e modalidade. Brasil, 2005

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Nota: Operadoras ativas.


Fonte: Cadastro de Operadoras – ANS/MS – 29/08/2005.

GRÁFICO 1 – Operadora por Modalidade

Nota: Operadoras ativas.


Fonte: Cadastro de Operadoras - ANS/MS - 29/08/2005.

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O Sistema Único de Saúde e o mercado suplementar de assistência à saúde no Brasil

QUADRO 2 – Evolução da receita por modalidade

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Nota: Nas autogestões não são incluídas as autogestões patrocinadas.


Fonte: Diops/FIP - 06/2005.

A análise dos dados referentes à identificados no ressarcimento ao Cabe destacar, porém, que os
evolução da receita das operadoras SUS, no ano de 2002, sob diversos valores considerados para análise se
demonstra um crescimento impor- aspectos, dentre os quais: grupos referem aos valores praticados pela
tante no período de 2001 a 2004, selecionados, executados no Siste- tabela de procedimentos do SIH/SUS.
revelando a magnitude desse setor, ma Único de Saúde, e os identifica-
no mercado de saúde no Brasil. dos por quantidade, valor total, va- ARCABOUÇO LEGAL DO
lor médio e percentual de utilização. RESSARCIMENTO AO SUS
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para fins estudo foram selecio-
nados e analisados 14 grupos da
O ressarcimento está previsto na
Trata-se de um estudo descriti- tabela do Sistema de Informação
Lei 9.656, de 1998, nos seguintes
vo, utilizando como fonte de dados Hospitalar (SIH/SUS), por freqüên-
dispositivos:
o cruzamento das Autorizações de cia, valores totais e valores médios
Internação Hospitalar (AIH) do Sis- de AIH e percentual de utilização nos “Art. 32. Serão ressarcidos pelas ope-
radoras dos produtos de que tratam o
tema de Informações Hospitalares respectivos grupos. O método utili-
inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, de
(SIH) DATASUS / Ministério da Saúde, zado foi balizado pela comparação acordo com normas a serem definidas
com o cadastro de beneficiários dos entre o cruzamento dos atendimen- pela ANS, os serviços de atendimento
planos de saúde. tos identificados e valorados pela à saúde previstos nos respectivos con-
tratos, prestados a seus consumido-
Nesta perspectiva, a Gerência Tabela Única Nacional de Equiva-
res e respectivos dependentes, em ins-
Geral de Integração com o SUS (GG- lência de Procedimentos (TUNEP), e os
tituições públicas ou privadas, con-
SUS/ANS) realizou estudos visando dados de produção e faturamento do veniadas ou contratadas, integrantes
conhecer o perfil dos procedimentos SUS no período estudado. do Sistema Único de Saúde – SUS.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 61-68, janeiro 2007 65
DIAS, Rosa Maria Lages & PASTRANA, Rosa Maria Souza de

§ 1º O ressarcimento a que se refere o A Diretoria de Desenvolvimento no ano de 2002 no SUS correspon-


caput será efetuado pelas operadoras
Setorial da ANS – DIDES, através da deu a 77,39% dos procedimentos
à entidade prestadora de serviços,
quando esta possuir personalidade
Gerência Geral de Integração com o dos grupos selecionados e a 65,44%
jurídica própria, e ao SUS, mediante SUS – GGSUS, vem desenvolvendo no cruzamento do ressarcimento ao
tabela de procedimentos a ser aprova- um conjunto de estudos, dentre os SUS. Em contrapartida, a análise
da pela ANS.
quais a avaliação analítica dos do financeiro no SUS demonstra
§ 2º Para a efetivação do ressarcimen- atendimentos identificados, com o uma inversão nesses percentuais,
to, a ANS disponibilizará às operado- objetivo de caracterizar o ressarci- com 76,86% e 74,54%, respectiva-
ras a discriminação dos procedimen-
mento ao SUS como instrumento de mente. O valor médio das AIH apre-
tos realizados para cada consumidor.
regulação de mercado, atuando senta uma diferença de cerca de 40%
§ 4º O ressarcimento não efetuado no
como instrumento de tutela preven- mais elevada no cruzamento dos
prazo previsto no § 3º será cobrado
com os seguintes acréscimos: tiva do contrato realizado entre o atendimentos identificada do que
beneficiário e a operadora, na me- nas AIH do SUS.
I – juros de mora contados do
mês seguinte ao do vencimento, A tabela demonstra, ainda, que
à razão de um por cento ao mês os percentuais dos grupos 32, 35,
ou fração;
46, 76 e 31, somados, totalizam cer-
II – multa de mora de dez por cento. CARACTERIZAR O RESSARCIMENTO AO ca de 58,32% do total financeiro do
ressarcimento ao SUS, mas repre-
§ 5º Os valores não recolhidos no prazo SUS COMO INSTRUMENTO DE REGULAÇÃO
previsto no § 3º serão inscritos em dívi- senta 40,51% do financeiro do pró-
da ativa da ANS, à qual compete a co- DE MERCADO, ATUANDO COMO INSTRUMENTO prio SUS. No entanto, quando se
brança judicial dos respectivos créditos. considera o quantitativo de proce-
DE TUTELA PREVENTIVA DO CONTRATO
§ 6º O produto da arrecadação dos dimentos realizados, os valores são
REALIZADO ENTRE O BENEFICIÁRIO
juros e da multa de mora será reverti- semelhantes: 40,53% no SUS e 39,25
do ao Fundo Nacional de Saúde. E A OPERADORA no cruzamento.
§ 7º A ANS fixará normas aplicáveis Da análise dos aspectos referen-
ao processo de glosa ou impugnação tes à freqüência, valores totais e
dos procedimentos encaminhados,
valores médios destacam-se os gru-
conforme previsto no § 2º deste artigo. dida que funcionaria como inibidor
pos de procedimentos a seguir:
§ 8º Os valores a serem ressarcidos do descumprimento do contrato por
não serão inferiores aos praticados parte das operadoras, podendo tam- • O grupo 32 referente à cirurgia
pelo SUS e nem superiores aos prati- bém se constituir como ferramenta cardiovascular e linfática respon-
cados pelas operadoras de produtos
de regulação de sistema de saúde, deu por 1,8% dos atendimentos
de que tratam o inciso I e o § 1º do
art. 1º desta Lei.” tendo em vista que possibilitaria ocorridos no SUS, e por 4,03%
conferir maior visibilidade ao aces- dos procedimentos identificados
E na Lei da Criação da ANS, no cruzamento, sendo que na
so aos serviços de saúde no país.
9.961/2000:
análise dos valores financeiros
“Art. 4º Compete à ANS: ANÁLISE DOS DADOS a relação é de 10,97% no SUS e
de 24,82% no cruzamento. O va-
VI – estabelecer normas para res-
sarcimento ao Sistema Único de Observa-se na Tabela 1, que o lor médio das AIH identificadas,
Saúde – SUS.” total dos procedimentos executados no cruzamento e no SUS é de R$

66 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 61-68, janeiro 2007
TABELA 1 – Percentuais físicos e financeiros dos grupos em relação ao total do SUS e total do cruzamento classificados pelo financeiro do cruzamento. Brasil, 2002
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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 61-68, janeiro 2007

O Sistema Único de Saúde e o mercado suplementar de assistência à saúde no Brasil


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Fonte: Sistema de Controle de Impugnações – ANS/MS. SIH/SUS.


67
DIAS, Rosa Maria Lages & PASTRANA, Rosa Maria Souza de

3.872,18 e de R$ 2.695,29, res- dade de implantação de mecanismos REFERÊNCIAS


pectivamente, o que representa de regulação mais ágeis e com vis-
uma variação de 30,29%. tas à garantia dos princípios e dire-
ARRETCHE, M. T. S. A Política da Polí-
trizes do SUS.
• Dos procedimentos com maior tica de Saúde no Brasil. In: TRINDA-
Neste sentido a ANS vem buscan-
percentual de utilização pela cli- DE, N.; GERSCHMAN, S; EDLER, F. & SUÁ-
do integrar os setores público e su-
entela de planos de saúde no SUS, REZ. J. (Orgs.) Saúde e Democracia.
plementar com o objetivo de cons-
o grupo 35 – obstetrícia – partos História e Perspectivas do SUS. Rio
truir as bases propositivas de uma
e outros procedimentos cirúrgi- de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.
agenda comum, visando aperfeiço-
cos responderam, no SUS, por BAHIA, Lígia. Planos Privados de Saú-
ar o Sistema Nacional de Saúde.
21,23% dos atendimentos ocorri- de: Luzes e Sombras no Debate Seto-
JORGE & MALTA. (2005) corroboram
dos e por 12,77% dos valores fi- essa afirmativa ao argumentar que: rial dos Anos 90. Ciência & Saúde
nanceiros envolvidos. No cruza- Coletiva, Rio de Janeiro, v.6, n.2, 2001.
“Constata-se um grande esforço re-
mento, os percentuais são prati-
gulatório da ANS na construção de uma BAHIA, Lígia. El sistema de salud
camente os mesmos, com 21,88% agenda de regulação concentrada na suplementario (El sistema privado
das ocorrências e 10,01% dos macrorregulação, cabendo também ao
de atención a la salud). In: NEGRI,
valores financeiros, no entanto, Estado discutir sua atuação sobre o
campo da regulação operativa. Este úl- Barjas, GIOVANNI, G. Di (Orgs.) BRASIL:
o valor médio da AIH no cruza-
timo constitui o centro de reflexão do Radiografia de la Salud. Campinas,
mento é de R$ 287,75 e R$ 265,71 atual trabalho, ou seja, como ampliar a SP: Instituto de Economia, 2003.
no SUS, com uma variação per- compreensão sobre as questões que ocor-
centual de 7,6%. rem no cotidiano dessas relações, visan- CARVALHO, G. & SANTOS, L. Comentári-
do ampliar o olhar do Estado/ANS, para os à Lei Orgânica da Saúde (Leis
• O grupo 46, com participação de que se estabeleça uma nova interven-
8.080/90 e 8.142/90) Sistema Único
1,57% e 3,10% no total de procedi- ção nesse espaço atuando, sobre o mo-
de Saúde. São Paulo: Hucitec, 1995.
mentos executados e no financei- delo da assistência praticado.”

ro no SUS, respectivamente, cor- CORDEIRO, Hésio. A Indústria da Saú-


Durante os meses de dezembro
respondeu no cruzamento a 2,08% de do Brasil. Rio de Janeiro: Edições
de 2004 e fevereiro, março, abril e
e 6,52% no total de procedimentos Graal, 1985.
junho de 2005, a ANS realizou cin-
identificados. O valor médio da AIH co Encontros de Integração com o JORGE, A. & MALTA, D. Breve caracte-
apresentou uma variação percen- SUS, envolvendo representantes do rização da Caracterização da Saúde
tual de 83,8% de acordo com a ta- Ministério da Saúde, da ANS, dos Suplementar. In: MALTA, D.; CECÍLIO,
bela em referência. Sistemas Estaduais e Municipais, do L. C.; JORGE, A.; ACIOLE, G. (Orgs) Duas
Ministério Público, dos Conselhos de Faces da Mesma Moeda. Microrregu-
CONSIDERAÇÕES FINAIS Saúde e do Setor Suplementar nas lação e Modelos Assistenciais na
cinco regiões do país. Saúde Suplementar. Rio de Janeiro:
O presente estudo não pretende Os debates ocorridos nesses Ministério da Saúde, 2005.
ser conclusivo em sua análise, con- eventos ratificaram a importância da
tudo seus achados sugerem seleti- integração entre os dois setores, vi-
vidade para alguns procedimentos sando garantir os princípios de: uni-
pela clientela beneficiária de planos versalidade, integralidade e eqüida-
de saúde e demonstram a necessi- de no sistema brasileiro de saúde.

68 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 61-68, janeiro 2007
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-20021


Public health spending in the municipalities of Minas Gerais – 2000-2002

Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P. Fortes2, Edite Novais da Mata Machado3 & Bruna Duarte Matias4

RESUMO
Analisa-se o gasto público com saúde nos municípios mineiros nos anos de 2000 a 2002, a partir dos dados
do Sistema de Informações de Orçamentos Públicos de Saúde do Ministério da Saúde (S IOPS). Os municípios
foram agregados segundo as condições de gestão estabelecidas pela NOB 96, faixas de população e as
macrorregiões de saúde do estado. Foram analisados os seguintes indicadores: percentual de recursos próprios
aplicados na saúde, despesa total per capita, participação da despesa com recursos próprios municipais na
despesa total com saúde, transferências do SUS por habitante, participação da despesa com pessoal na despesa
total com saúde e participação da despesa com investimento na despesa total com saúde. Constatou-se que os
municípios mineiros aumentaram o percentual de recursos próprios aplicados na saúde e que a maior parte
deles está cumprindo o que determina a Emenda Constitucional 29. É significativa a variação dos indicadores
analisados, não apenas entre os agrupamentos realizados como intra-agrupamentos. Os gastos próprios com
saúde, assim como os gastos totais não guardam correlação com as necessidades de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Gastos em Saúde; Desigualdades em Saúde; Necessidades e Demandas em Serviços de Saúde.

ABSTRACT
The present document analyzes the municipal public health expenditure in Minas Gerais state from year 2000 to
2002, based on data from the Public Health Budget Information System of the Ministry of Health (Siops). The
municipalities were grouped according to management conditions established by the 1996 Basic Operational Norm
(NOB) of the Brazilian Unified Health System (SUS), population groups and health regions. The indicators analyzed
were: percentage of municipal resources applied to health, total per capita expenditure, percentage of municipal
expenditure in relation to total health expenditure, SUS transferences per inhabitant, percentage of personnel and
investment expenditure in relation to total health expenditure. The study shows that the municipalities increased
the percentage of their own resources applied to health, and that most of them are following the principles establi-
shed by the Constitutional Amendment 29. The indicators vary significantly among and inside the studied groups.
The municipalities' own expenditure, as well as the total expenditure, are not related to health needs.

KEYWORDS: Health Expenditure; Health Inequalities; Health Services Needs and Demand.

1
Este estudo é um dos resultados do Termo de Cooperação Técnica e Financeira celebrado entre a Secretaria de Estado da Saúde de Minas
Gerais e a Fundação João Pinheiro, em março de 2004.
2
Pesquisadora, Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES), Fundação João Pinheiro (FJP), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
3
Pesquisadora, Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES), Fundação João Pinheiro (FJP), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
4
Estagiária, Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES), Fundação João Pinheiro (FJP), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 69
FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

INTRODUÇÃO mento da eqüidade territorial. Ou de compensar desigualdades nas ne-


seja, a descentralização não se fez cessidades e requer o acompanha-
O objetivo principal foi analisar o acompanhar de instrumentos com mento dos recursos alocados pelas
gasto público com saúde nos municí- vistas a reduzir a desigualdade na três esferas de governo, co-respon-
pios mineiros nos anos de 2000 a alocação de recursos entre municí- sáveis pelo financiamento da aten-
2002 a partir das informações dispo- pios, um dos determinantes das de- ção à saúde no país.
níveis no Sistema de Informações de sigualdades em saúde. Ainda que, no Além desta introdução, este estu-
Orçamentos Públicos de Saúde do caso de Minas Gerais, a introdução do está constituído por mais cinco
Ministério da Saúde (SIOPS). Espera- do Piso de Atenção Básica (PAB) te- seções. Na segunda seção é feita uma
se que seus resultados possam con- nha garantido uma redistribuição de breve caracterização dos municípi-
tribuir para o debate relativo ao fi- recursos que favoreceu a região mais os mineiros, a partir de dados demo-
nanciamento do Sistema Único de pobre do estado, revertendo uma si- gráficos e financeiros, de modo a
Saúde (SUS), para o aprimoramento tuação na qual muitos municípios contextualizar a discussão dos gas-
do SIOPS, bem como subsidiar a ação tos com saúde. A terceira seção ana-
política dos gestores e usuários do lisa o gasto público com saúde nos
SUS no enfrentamento das desigual- municípios de Minas Gerais toman-
dades na alocação de recursos finan- do por base os dados do SIOPS e utili-
ceiros entre municípios. O conceito de PERSEGUIR A EQÜIDADE NA DISTRIBUIÇÃO zando como categorias analíticas as
desigualdade utilizado diz respeito às condições de gestão estabelecidas
DOS RECURSOS FINANCEIROS PARA A SAÚDE
diferenças produzidas socialmente, pela NOB 01/96,1 as faixas de popu-
consideradas injustas, desnecessári- PRESSUPÕE A SUA DISTRIBUIÇÃO DE MODO lação e as macrorregiões de saúde
as e evitáveis (WHITEHEAD, 1991). DESIGUAL COMO FORMA DE COMPENSAR do estado. A quarta seção busca con-
A questão da desigualdade pres- trapor o comportamento dos gas-
DESIGUALDADES NAS NECESSIDADES
supõe, portanto, um julgamento das tos com saúde com aquele verifi-
causas das diferenças detectadas, o cado para as receitas e também as-
que envolve um juízo de valor. A sociar os gastos com medidas que
partir do conceito de WHITEHEAD (1991), expressem as necessidades de saú-
serão consideradas injustas aquelas recebiam valores próximos de zero, de. Na quinta seção são apresen-
que penalizam os municípios com as mudanças, além de contempla- tadas as conclusões do estudo e na
maiores necessidades de saúde. rem apenas os recursos federais para última, as referências.
Conforme já amplamente destaca- a atenção básica, não consideram os
do na literatura, as regras de indu- diferenciais nas necessidades de saú- CARACTERIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS
ção à descentralização da política de de. Perseguir a eqüidade na distri- DE MINAS GERAIS
saúde favoreceram os municípios buição dos recursos financeiros para
com maior capacidade instalada, pri- a saúde pressupõe a sua distribui- Minas Gerais possui 853 muni-
orizando a adesão ao SUS em detri- ção de modo desigual como forma cípios e uma população total de

1
A NOB 01/96 definiu o enquadramento dos municípios brasileiros em duas modalidades de gestão do sistema de saúde: plena da atenção
básica (GPAB) e plena do sistema (GPS). Apenas os municípios enquadrados em GPS têm garantido o repasse global, fundo a fundo, dos
recursos federais. Portaria n. 2.023/GM de 23/09/2004 estabelece, no seu artigo 4º, a Gestão Plena do Sistema como a única modalidade de
habilitação de municípios.

70 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002

18.127.024 habitantes 2001).2 Ana- Campos Altos com cerca de 70 mil e para este indicador menor que 1,
lisando a distribuição dos municí- 13 mil habitantes, respectivamente) podendo ser classificados como de
pios segundo faixas de população, estão habilitados em GPSM. Em baixo desempenho econômico e tri-
observa-se que 61% deles possuem 2000 e 2001, este percentual foi de butário. A Tabela 1 permite obser-
até 10 mil habitantes e concentram 95% e 93%, respectivamente. var a variação desse indicador se-
15% da população do estado. No A análise dos dados disponíveis gundo a modalidade de gestão do
outro extremo, dez municípios pos- no SIOPS permite inferências tanto a sistema de saúde municipal, as
suem mais de 200 mil habitantes e faixas de população e as macror-
respeito do desempenho tributário e
respondem por quase 30% da popu- regiões de saúde, respectivamen-
econômico dos municípios mineiros
lação do estado. te. Os municípios em Gestão Plena
quanto à distribuição territorial dos
Quanto às modalidades de ges- do Sistema (GPS) caracterizam-se
recursos financeiros municipais.
tão estabelecidas pela NOB 01/96, por um IDTE médio mais elevado
No primeiro caso, utilizou-se
772 municípios (91% do total, cor- e também por apresentarem, rela-
um indicador (Indicador de Desem-
respondendo a 53% da população do tivamente àqueles em Gestão Ple-
penho Tributário e Econômico/
estado) estão habilitados na Gestão na da Atenção Básica (GPAB), uma
IDTE)4 que permite, a partir da de-
Plena da Atenção Básica (GPAB), 55 maior distância entre aqueles com
terminação das receitas predomi-
(46% da população do estado) na maiores e menores valores para o
nantes da arrecadação, extrair con-
Gestão Plena do Sistema de Saúde IDTE. 5 Embora considerados
(GPS) e 26 não estão habilitados.3 clusões a respeito do desempenho iguais do ponto de vista de suas
Dos 853 municípios, 805 alimen- tributário e econômico dos muni- atribuições no âmbito do SUS, são,
taram o SIOPS em 2002, o que cor- cípios (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1998). portanto, heterogêneos no que diz
responde a 94% do total. Entre os Em 2001, 694 municípios do esta- respeito ao desempenho tributário
que não o fizeram, dois (Alfenas e do (86%) apresentaram um valor e econômico.

2
O ano de 2001 foi escolhido como referência em função de as informações disponíveis no SIOPS relativas às transferências constitucionais
estarem disponíveis de modo mais desagregado.
3
De acordo com informações disponíveis no site da Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais: www.saude.mg.gov.br em 01/06/2004.
(MINAS GERAIS, 2004)
4
Na construção do IDTE foram contempladas as receitas de impostos diretamente arrecadados (ou receitas tributárias próprias, RTP), as
transferências de ICMS TICMS) e as de FPM (TFPM). As duas primeiras são produto da base econômica dos municípios e refletem, portanto,
sua capacidade de gerar recursos. Embora represente uma transferência, a inclusão da TICMS explica-se porque ela deriva, predominante-
mente, do valor que é adicionado no município, sendo determinada, portanto, pela dimensão e dinamismo de suas bases econômicas. Nessa
perspectiva, municípios que têm nas receitas de ICMS, assim como nas receitas próprias, fontes importantes de financiamento de suas
despesas, caracterizam-se por bases econômicas mais dinâmicas. Contrariamente a essas duas receitas, as TFPM realizadas pelo governo
federal são determinadas predominantemente pelo critério populacional, não se vinculando ao movimento econômico dos municípios. Desta
forma, municípios com elevada dependência de transferências do FPM caracterizam-se por bases econômicas frágeis. A partir dessas
remissas relativas às origens das receitas, o IDTE foi calculado por meio da seguinte fórmula: IDTE = (RTP + TICMS) / TFPM. IDTE < 1, o
município classifica-se entre os de baixo desempenho econômico e tributário, já que sua receita predominante deriva das transferências do
FPM, que não são determinadas pela sua base econômica. IDTE> 1, o município classifica-se entre os de maior desempenho econômico e
tributário, cujo grau aumenta diretamente com a elevação do IDTE.
5
Sempre que se fizer referência à distância entre os municípios com maiores / menores valores para os indicadores analisados, estar-se-á
referindo à distância entre os 25% dos municípios com maiores valores e os 25% dos municípios com menores valores, ou seja, à distância
entre o percentil 75 e o percentil 25 da distribuição do indicador em questão.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 71
FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

TABELA 1 – Indicador de Desempenho Tributário e Econômico (IDTE) dos municípios agregados por gestão do sistema municipal de saúde, faixa
populacional e macrorregião de saúde. Minas Gerais – 2001

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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).

Ainda que o valor médio do dos demais por apresentar um IDTE maior distância entre aqueles com
IDTE cresça quando se passa das menor que 1 (0,52), situando-se maiores / menores valores.
faixas relativas aos municípios entre os de baixo desempenho tri- A fragilidade econômica da mai-
menos populosos para aquelas re- butário e econômico. or parte dos municípios do estado
ferentes aos mais populosos, ob- Quanto às macrorregiões, a do fica evidenciada também quando se
serva-se que, entre os municípios Triângulo do Sul e do Norte apre- constata que quase 70% das recei-
com mais de 200 mil habitantes, sentam os maiores valores médios tas de impostos diretamente arreca-
Ribeirão das Neves diferencia-se para esse indicador, mas também dados, bem como 37% das transfe-

72 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002

rências de ICMS estão concentradas Tabela 2. Como reflexo dessa situ- percentual superior (34%) ao da po-
nos dez municípios com mais de ação, também os recursos vincula- pulação aí residente. Esses municí-
200 mil habitantes numa proporção dos ao cumprimento da Emenda Cons- pios recebem ainda 58% dos recur-
6
superior àquela referente à popu- titucional n. 29 (EC 29) estão con- sos transferidos do Fundo Nacional
lação aí residente (31%), segundo a centrados nesses municípios num de Saúde aos fundos municipais.

TABELA 2 – Receitas dos municípios por faixa populacional (em valores correntes). Minas Gerais – 2001
6
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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Nota: (a) FPM – Fundo de Participação dos Municípios.
(b) ICMS – Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.
(1) População referente aos 808 municípios que alimentaram o SIOPS
(2) RE_VINC_ EC_29 – Recursos Vinculados ao cumprimento da Emenda Constitucional 29.
(3) REC_TOT_MUN_AD_DIR – Receita Total Municipal – Administração Direta.

Comparando-se as demais faixas ao cumprimento da EC 29 (19%) é gundo as quais a distribuição do


de população, apenas naquela refe- superior à sua participação no total FPM tende a favorecer os municípi-
rente aos municípios com popula- da população do estado (15%). Esse os de pequeno porte. Em função dis-
ção inferior a 10 mil habitantes a resultado reflete as regras do fede- so, em Minas Gerais, 36% dos recur-
participação nas receitas vinculadas ralismo fiscal vigente no país, se- sos desse Fundo foram transferidos

6
A Emenda Constitucional 29 de 2000 estipula que até 2004 os municípios deverão gastar 15% da receita de impostos e transferências
constitucionais nas ações e serviços públicos de saúde. A partir de 2000, este percentual deverá ser, no mínimo de 7%, devendo a diferença
entre o percentual estipulado e o percentual aplicado ser reduzida à razão de, pelo menos, um quinto ao ano.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 73
FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

para os municípios com até 10 mil Quando se analisa a distribui- garantem a esses municípios 76%
habitantes em 2001, resultando num ção das receitas dos municípios do total dos recursos transferidos.
valor per capita (R$ 299, em valo- agrupados segundo a modalidade As transferências do Fundo Nacio-
res correntes) bem superior ao ob- de gestão, constata-se que os mu- nal de Saúde, por sua vez, dadas
servado nas demais faixas de popu- nicípios em GPAB que detêm ape- as regras do financiamento no SUS,
lação (Tabela 2). Ainda como conse- nas 20% dos impostos diretamente concentram-se nos municípios em
qüência do poder redistributivo do arrecadados respondem por 52% das GPS (77%), garantindo-lhe um per
FPM, se observa que a disponibili- receitas vinculadas ao cumprimen- capita bem mais elevado (R$ 106,
dade de recursos per capita para o to da EC 29 (Tabela 3). Tal fato re- em valores correntes) relativamen-
cumprimento da EC 29 é maior nos flete os efeitos redistributivos do te aos municípios em GPAB (R$ 27,
municípios de pequeno porte. FPM, conforme já mencionado, que em valores correntes).

TABELA 3 – Receitas dos municípios por gestão do sistema municipal de saúde (em valores correntes). Minas Gerais – 2001
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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Nota: (a) FPM – Fundo de Participação dos Municípios.
(b) ICMS – Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.
(1) RE_VINC_ EC_29 – Recursos Vinculados ao cumprimento da Emenda Constitucional 29.
(2) REC_TOT_MUN_AD_DIR – Receita Total Municipal – Administração Direta.

Por fim, as receitas concentram- cursos vinculados à EC 29 é superi- são inferiores às suas participações
se na macrorregião do Centro que, or à participação no total da popula- no total da população do estado, o
possuindo 31% da população do es- ção do estado, o que as coloca, rela- que as deixam em situação desfa-
tado, responde por 61% das receitas tivamente às demais, em melhores vorável no que se refere às demais,
de impostos diretamente arrecada- condições de realizar gastos. para gastos com saúde. Esta cons-
dos, por 38% das receitas de ICMS, Tomando-se as macrorregiões tatação reflete a sistemática de dis-
por 36% dos recursos vinculados à reconhecidamente com maiores ne- tribuição de recursos em vigor que,
EC 29 e por 46% das transferências cessidades de saúde como as do Je- ao favorecer os municípios com
do Fundo Nacional de Saúde (Tabela quitinhonha, Nordeste e Norte de uma economia mais dinâmica e com
4). Nas macrorregiões Centro, Leste, Minas, verifica-se que as suas par- maior capacidade de prestação de
Sul, Triângulo do Norte e Triângulo ticipações no total de recursos vin- serviços de saúde, penaliza justa-
do Sul, a participação no total de re- culados e nas transferências do SUS mente os mais pobres.

74 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002

TABELA 4 – Receitas dos municípios por macrorregião de saúde municipal de saúde (em valores correntes). Minas Gerais – 2001

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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS). Indicadores <www.datusus.gov.br > Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Nota: (a) FPM – Fundo de Participação dos Municípios.
(b) ICMS – Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.
(1) RE_VINC_ EC_29 – Recursos Vinculados ao cumprimento da Emenda Constitucional 29.
(2) REC_TOT_MUN_AD_DIR – Receita Total Municipal – Administração Direta.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 75
FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

ANÁLISE DOS INDICADORES os, nos municípios habilitados na brasileiros, tem-se que 41% deles
DE GASTOS COM SAÚDE Gestão Plena da Atenção Básica, não cumpriram o que determina a
entre 2000 e 2002 e de 16,78% para EC-29 em 2002, segundo dados do
Para a análise dos indicadores 18,30%, naqueles habilitados em Ministério da Saúde (MACHADO, 2003).
disponibilizados pelo SIOPS foram ex- Gestão Plena do Sistema, no mesmo O Gráfico 19 mostra o compor-
cluídos aqueles municípios cujas período (Tabela 5). Os dados mos- tamento desse indicador interna-
informações apresentavam valores tram ainda que, em 2002, três quar- mente a cada modalidade de ges-
7
negativos. Como resultado das ex- tos dos municípios em GPAB aplica- tão no ano de 2002, complemen-
clusões, trabalhou-se com um uni- ram mais de 13,80% de seus recur- tando as informações em termos
verso de 780, 808 e 804 municípios, sos próprios em serviços de saúde, médios. Além de permitir apreciar
respectivamente nos anos de 2000, enquanto para aqueles em GPS esse a variabilidade, este gráfico infor-
2001 e 2002. O estudo dos indicado- percentual foi de 15,18%. Esses da- ma que entre os municípios em
res evidenciou possíveis equívocos dos confirmam, portanto, que os GPAB existem muitos com percen-
no preenchimento dos dados pelos tuais discrepantes (outliers). A pre-
municípios que, no entanto, não re- sença de outliers, nesse caso, apon-
sultaram em exclusões, tendo sido ta para a necessidade de se buscar
destacados ao longo do estudo. investigar em que medida ela re-
QUANDO SE CONSIDERA O
Os indicadores selecionados para sulta de um maior comprometi-
investigação nos três anos foram: CONJUNTO DOS MUNICÍPIOS mento do poder público municipal
percentual de recursos próprios apli- BRASILEIROS, TEM-SE QUE 41% com as ações e serviços de saúde
cados na saúde, despesa total per ou de erros no preenchimento das
DELES NÃO CUMPRIRAM
capita com saúde, participação da planilhas do S IOPS.
despesa com recursos próprios mu- O QUE DETERMINA A O percentual dos recursos pró-
nicipais na despesa total com saúde, EC-29 EM 2002 prios aplicados na saúde é mais ele-
transferências do SUS por habitante, vado, em termos médios, nas faixas
participação da despesa com pesso- relativas aos municípios mais po-
al na despesa total com saúde e par- pulosos nos três anos analisados,
ticipação da despesa com investi- municípios têm aumentado seus sendo de cerca de 20% naqueles com
mento na despesa total com saúde. gastos com saúde e que, em Minas mais de 100 mil habitantes em 2002
O percentual de recursos pró- Gerais, eles estão cumprindo o que (Tabela 5). Nas demais faixas, esse
8
prios aplicados na saúde passou de determina a EC 29/2000. Quando se indicador oscila entre 16,55% (mu-
15% para 16,82%, em termos médi- considera o conjunto dos municípios nicípios com até 10 mil habitantes)

7
As informações foram coletados no site www.datasus.gov.br em 1º/06/2004.
8
Recursos próprios =receitas de impostos arrecadados pelos municípios acrescidos das transferências constitucionais. Este indicador visa
acompanhar o cumprimento da EC 29.
9
Os gráficos, denominados box-plot na literatura estatística, consistem em uma caixa, dois suportes e outliers. A linha que corta a caixa representa
a mediana dos dados. O extremo inferior da caixa representa o valor do primeiro quartil, abaixo do qual estão 25% dos dados da distribuição. O
extremo superior é o terceiro quartil, abaixo do qual estão 75% dos dados. Logo, o tamanho da caixa representa o intervalo que compreende os 50%
dos municípios, ou ainda, a distância entre os 25% dos municípios com maiores valores para a referida variável e os 25% com menores valores. Desta
forma, estes gráficos permitem apreciar a variabilidade intra-regional, complementando a informação fornecida em termos médios.

76 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
TABELA 5 - Percentual de recursos próprios dos municípios aplicados na saúde por gestão do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde. Minas Gerais – 2000-2002

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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007

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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES)
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FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

GRÁFICO 1 – Percentual de recursos próprios dos municípios aplicados na saúde por gestão do sistema municipal de saúde. Minas Gerais – 2002

Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em Saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Notas: 1 – Municípios habilitados em Gestão Plena da Atenção Básica (GPAB):726; 2 – Municípios habilitados em Gestão Plena do sistema (GPS): 53.

a 17,84% (municípios com popula- exceção do Jequitinhonha, onde fi- 2002) para R$ 195,58 (5,5% de va-
ção entre 50 mil e 100 mil habitan- cou relativamente estável. riação negativa).
tes), no mesmo ano. Tal constata- O segundo indicador analisado Quando se considera o porte po-
ção sugere que os municípios, so- é a despesa total com saúde per ca- pulacional, a despesa total per ca-
bretudo aqueles com mais de 100 pita, que representa a despesa per pita é mais elevada na faixa relati-
mil habitantes, já tenham atingido capita com saúde realizada no mu- va aos municípios com mais de 200
o limite em termos de suas possibi- nicípio com os recursos que pas- mil habitantes nos três anos consi-
lidades de gastos com saúde. sam pelo Fundo Municipal de Saú- derados (R$ 221, em 2002), confor-
Analisando-se o comportamento de, próprios e transferidos (Tabela 6). me a Tabela 6. Esse resultado re-
deste indicador nas dez macrorregi- Nos municípios em gestão plena da flete a modalidade de gestão a que
ões de saúde do estado, verifica-se atenção básica seu valor passou, estão habilitados (gestão plena do
que ele varia, em termos médios, de em termos médios, de R$ 88,35 em sistema) que lhes garante o recebi-
14,77% no Nordeste a 18,12% no Tri- 2000 (em valores constantes médi- mento do total dos recursos fede-
10
ângulo do Sul em 2002 (Tabela 5). os de 2002) para R$ 100,78 em rais aplicados no município. Deve-
O aumento no percentual de recur- 2002, o que representou um cresci- se salientar que os municípios com
sos próprios aplicados na saúde mento de 14% no período. Nos mu- até 10 mil habitantes também se des-
para o conjunto dos municípios ocor- nicípios em gestão plena do siste- tacam, em termos médios, logo
reu também, em termos médios, ma, o gasto total per capita médio após os municípios com mais de
para todas as macrorregiões, com reduziu de R$ 207 (em valores de 100 mil habitantes pelo valor relati-

10
Os valores correntes de 2000 foram atualizados pelo IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

78 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
TABELA 6 – Despesa total per capita dos municípios com saúde por gestão do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde (em valores constantes de 2002). Minas
Gerais - 2000-2002

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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007

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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Nota: Os valores dos anos 2000 e 2001 foram atualizados pelo IGP - DI da Fundação Getúlio Vargas a preço médio de 2002.
79
FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

vamente elevado da despesa com em 2002 (Tabela 7). As diferenças nicípios mais populosos são também
saúde per capita (R$ 126,64, em entre os valores per capita recebidos aquelas onde a distância entre os
2002). Para esse resultado podem pelos municípios para a atenção bá- municípios com maiores / menores
estar concorrendo a introdução de um sica expressam a adesão diferencia- valores se mostrou mais elevada.
piso para as transferências federais da aos programas propostos pelo go- As transferências do SUS por ha-
(PAB) que tendeu a favorecer os mu- verno federal (PAB variável) e tam- bitante em termos médios, foram me-
nicípios de pequeno porte populaci- bém o fato de terem sido considera- nores na macro Jequitinhonha (R$
onal conforme se constatou para dos os valores históricos na defini- 31,23) e na Sul de Minas (R$ 37,14) e
Minas Gerais, e as regras do federa- ção do piso de cada município. No maior na Triângulo do Sul (R$ 97,02)
lismo fiscal brasileiro já salientadas, caso dos municípios em GPS, esses em 2002 (Tabela 7). A macro Jequiti-
que garantem a esses municípios um valores foram de R$ 72,17 e R$ nhonha destaca-se não apenas pelo
valor per capita mais elevado para 180,34, respectivamente. Neste caso, menor valor médio como também
os recursos vinculados à EC 29 às variações no âmbito do PAB so- pela menor distância entre os meno-
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2003). res / maiores valores, o inverso do
Analisando-se os municípios agre- que ocorre com a do Triângulo do Sul.
gados segundo as dez macrorregiões Os menores valores da macro Jequiti-
de saúde do estado, observa-se que ANALISANDO-SE OS MUNICÍPIOS nhonha, em que pese ter sido favore-
a do Triângulo do Sul destacou-se, cida com a introdução do PAB, reflete
AGREGADOS SEGUNDO AS DEZ
nos três anos, pelo maior valor mé- sua baixa capacidade instalada e,
dio (R$ 199,42 em 2002), segundo a MACRORREGIÕES DE SAÚDE DO ESTADO, portanto, de serviços. Na macro Sul
Tabela 6. Os menores valores médi- OBSERVA-SE QUE A DO TRIÂNGULO DO SUL de Minas, os menores valores decor-
os foram encontrados nas macror- rem, entre outros fatores, do baixo
regiões Jequitinhonha (R$ 85,59) e
DESTACOU-SE, NOS TRÊS ANOS, grau de adesão ao PSF decorrente, por
Nordeste (R$ 97,31), regiões reconhe- PELO MAIOR VALOR MÉDIO sua vez, da organização prévia dos
cidamente pobres do estado. serviços de atenção básica segundo
Com relação às transferências do um outro modelo assistencial (FUNDA-
SUS per capita, ou seja, transferên- ÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2003). No caso da
cias do Fundo Nacional de Saúde, o mam-se aquelas decorrentes das di- Triângulo do Sul, os elevados valo-
valor médio passou de R$ 30,70 em ferenças nos valores transferidos para res podem estar refletindo tanto a mai-
2000 para R$ 33,84 em 2002 nos atender à média e alta complexidade, or capacidade instalada quanto a ade-
municípios em GPAB (10% de aumen- reflexo das diferenças na capacidade são aos programas propostos pelo
to) e de R$ 127,54 para R$ 115,67 instalada desses municípios. governo federal (PAB variável).
nos municípios em GPS no mesmo Considerando-se o porte popula- Quando se considera a partici-
período (9% de redução), segundo a cional dos municípios, o valor das pação da despesa com recursos pró-
Tabela 7. Observa-se ainda que um transferências tende a ser maior, em prios municipais na despesa total
quarto (percentil 25) dos municípios termos médios, nos municípios mais com saúde, observa-se que ela pas-
em GPAB recebeu valores inferiores a populosos como era de se esperar, sou de 66% em 2000 para cerca de
R$ 21,47, enquanto no outro extre- dadas as regras de alocação de re- 69% em 2002 nos municípios em
mo, um quarto (percentil 75) rece- cursos federais, já salientadas (Ta- GPAB e de 40% para 43% naqueles
beu valores superiores a R$ 38,64 bela 7). As faixas relativas aos mu- em GPS (Tabela 8). Acrescente-se

80 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
TABELA 7 – Transferência per capita do Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos municípios por gestão do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde (em valores de
constantes). Minas Gerais – 2000-2002

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Fonte: Dados básicos: DATASUS . Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br > Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (C EES).
Nota: (a) Sinal convencional utilizado: . dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento; (b) Os valores dos anos 2000 e 2001 foram atualizados pelo IGP – DI da Fundação Getúlio Vargas a preço médio de 2002.
81
82 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007

FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte
TABELA 8 – Participação da despesa com recursos próprios na despesa total com saúde dos municípios por gestão do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde.
Minas Gerais – 2000-2002

6/ 47:3

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Fonte: Dados básicos: Datasus. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (Siops).
Indicadores. <www.datusus.gov.br > Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (Cees). Tabela 9 – Participação da despesa com pessoal na despesa total com saúde dos municípios por gestão
do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde. Minas Gerais – 2000-2002
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002

que em três quartos dos municípi- a participação das despesas com tal com saúde, houve ligeiro cresci-
os em GPAB esse percentual foi su- pessoal também cresceu no perío- mento nos municípios em GPAB, ten-
perior a 61% em 2002, o que vem do, em termos médios, chegando a do sido, em média, de 6% em 2002
corroborar a importância da parti- 48% em 2002. Esse indicador é in- (Tabela 10). Os municípios em GPS
cipação do poder público munici- ferior a 37% em 25% dos municípi- tiveram redução do percentual mé-
pal no setor saúde. Nos municípi- os em GPS e superior a 60% tam- dio do gasto com investimento, que
os em GPS, que recebem a totalida- bém para 25% deles. foi de 3% em 2002. A distância entre
de dos recursos federais ocasionan- A participação dos gastos com os municípios com maior / menor
do um aumento na despesa total, pessoal no total da despesa também participação das despesas com inves-
constatou-se que os recursos pró- aumentou, em termos médios, em timento na despesa total é menor do
prios respondem por mais de 31% todas as faixas de população, sen- que aquela verificada para a despe-
da despesa total para 75% deles. do menor nos municípios mais po- sa com pessoal, sendo insignificante
A participação da despesa com entre os municípios em GPS. Foram
recursos próprios municipais na observados municípios com percen-
despesa total tende a ser, em termos tuais discrepantes em ambas as mo-
médios, maior nos municípios me- dalidades de gestão, sugerindo a
nos populosos e menor naqueles
OS GESTORES MUNICIPAIS ESTÃO possibilidade de erro nas informa-
mais populosos, refletindo as regras EMPENHADOS EM AUMENTAR SUA ções. De qualquer modo, a elevação
de alocação dos recursos, conforme dos gastos com investimentos nos
CAPACIDADE INSTALADA COM REPERCUSSÕES
já mencionado (Tabela 8). municípios em GPAB indica que os
Considerando-se as macrorregi- FAVORÁVEIS SOBRE A CONHECIDA gestores municipais estão empenha-
ões de saúde, esse indicador osci- DESIGUALDADE, NA DISPONIBILIDADE dos em aumentar sua capacidade
lou, em termos médios, de 56% no instalada com repercussões favorá-
Nordeste a 74% no Sul de Minas (Ta- DE SERVIÇOS, ENTRE OS MUNICÍPIOS
veis sobre a conhecida desigualda-
bela 8). É interessante observar que DE MINAS GERAIS de, na disponibilidade de serviços,
são também essas duas macrorre-
entre os municípios de Minas Gerais.
giões que se destacam pela maior
Tomando-se as macrorregiões de
(Nordeste) e menor (Sul de Minas)
saúde, a participação média dos gas-
distância entre os municípios com
pulosos no que se refere aos menos tos com investimento na despesa to-
maiores / menores percentuais.
populosos (Tabela 9). tal é maior no Triângulo do Sul (9%)
A respeito da estrutura dos gas-
A participação dos gastos com e menor no Jequitinhonha (4,72%).
tos, a participação das despesas
com pessoal na despesa total com pessoal no gasto total variou, em
saúde cresceu no período analisa- termos médios, de 48% na macro DESPESAS MUNICIPAIS COM SAÚDE
do nos municípios em GPAB, alcan- Leste a 62% na Noroeste, em 2002 VIS-À-VIS AS RECEITAS MUNICIPAIS E AS
çando 56% em 2002 (Tabela 9). Ob- (Tabela 9). A distância entre os mu- NECESSIDADES EM SAÚDE
serva-se ainda que esse indicador nicípios com maiores / menores per-
foi inferior a 48% em um quarto dos centuais, significativa em todas as Essa seção procura qualificar o
municípios em GPAB e superior a 66% macro, é menor na Jequitinhonha. comportamento da despesa per ca-
também em um quarto desses mu- Quanto à participação das despe- pita com saúde dos municípios de
nicípios. Nos municípios em GPS, sas com investimento na despesa to- Minas Gerais por meio de seu con-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 83
84 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007

FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte
TABELA 9 – Participação da despesa com pessoal na despesa total com saúde dos municípios por gestão do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde.
Minas Gerais – 2000-2002

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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br > Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Nota: (a) Inicial convencional utilizado: dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
TABELA 10 – Participação da despesa com investimento na despesa total com saúde dos municípios por gestão do sistema municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde.
Minas Gerais – 2000-2002

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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007

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Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002


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Fonte: Dados básicos: DATASUS. Informações de Saúde. Recursos Financeiros. Orçamentos públicos em saúde (SIOPS).
Indicadores. <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (CEES).
Nota: (a) Sinal convencional utilizado: – dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
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FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

fronto com indicadores de receita e Para tanto, buscou-se, em pri- saúde (total e com recursos própri-
também com os índices municipais meiro lugar, comparar o comporta- os) com aquele verificado para as
11
de necessidade de saúde. mento da despesa per capita com transferências do SUS per capita e
para os recursos vinculados para a
TABELA 11 – Variação das despesas e das receitas dos municípios por gestão do sistema saúde per capita nos anos de 2000,
municipal de saúde, faixa populacional e macrorregião de saúde. Minas Gerais – 2000-2002 2001 e 2002 (Tabela 11).
Foi constatado que o aumento da
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despesa total per capita média com
6 saúde dos municípios em GPAB en-
7 9
7 / A D 6
+?+ tre 2000 e 2001 (14%) foi superior à
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/
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as do SUS (7%) e dos recursos vincu-
+ + lados à EC 29 (6%). O crescimento da
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despesa total per capita reflete, por-
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tanto, a decisão do poder público
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municipal em aumentar o percentu-
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al de recursos aplicados nas ações e
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GPS, a despesa total per capita mé-
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dia com saúde decresceu (5,54%)
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entre 2000 e 2002, reflexo de uma
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queda ainda mais acentuada nas
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4 &$' F #$*' &$( $'# recursos vinculados (8,29%). Cabe
5 (#$)* ($ & $ % $ & salientar que, apesar da redução da
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ticamente constantes (aumento de
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0,5%). O fato de a despesa com re-
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cursos próprios ter crescido ainda
Fonte: Dados básicos:Datasus. Informações de Saúde. Recursos Financeiros Orçamentos públicos em saúde (SIOPS). que menos de 1%, concomitantemen-
Indicadores. <www.datusus.gov.br> Acesso em: jun. 2004.
Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP). Centro de Estudos Econômicos e Sociais (C EES) te a uma diminuição nos recursos

11
MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Saúde (2004). Trabalho desenvolvido em parceria entre o Centro de Desenvolvimento em Planejamento
Regional (CEDEPLAR) da UFMG e a Fundação João Pinheiro (FJP) no âmbito do Termo de Cooperação Técnica e Financeira celebrado entre o
estado de Minas Gerais, por intermédio da Secretaria de Estudo da Saúde e a Fundação João Pinheiro, a fim de viabilizar estudos na área de
saúde em 20 de março de 2003.

86 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002

vinculados de quase 9%, indica que as receitas vinculáveis à saúde per lhantes apresentam valores de gas-
houve aumento do percentual apli- capita (coeficiente de correlação de tos diferenciados e vice-versa.
cado em saúde, o que também já 0,735), o mesmo não ocorrendo com Se a decisão acerca do montante
havia sido observado. a despesa total per capita e as trans- do gasto com recursos próprios é
Quando se analisa a evolução ferências do SUS per capita (coefici- uma iniciativa do poder público
dos dados dos municípios agrupa- ente de correlação de 0,477). Tem- municipal, fazer o gasto total per
dos segundo faixas de população, se, portanto, que a variação da des- capita ir ao encontro das necessida-
constata-se que o comportamento pesa total acompanha o comporta- des relativas dos municípios requer
dos municípios de pequeno porte foi mento da despesa com recursos pró- coordenação supramunicipal. Nesse
o mesmo daquele descrito para os prios, o que pode ser constatado por contexto, ganha relevância a adoção
municípios em GPAB, mesmo porque meio da correlação entre estas últi- pela esfera estadual de uma política
a quase-totalidade deles está habi- mas variáveis (coeficiente de corre- de equalização dos gastos, orienta-
litada nessa gestão. Os municípios lação de 0,827). da pelo princípio da eqüidade.
de grande porte apresentaram um
comportamento, em termos médios, CONCLUSÕES
semelhante àquele descrito para os
municípios em GPS. GANHA RELEVÂNCIA A A análise dos dados do SIOPS per-
Quanto às macrorregiões de saú- mitiu as seguintes conclusões:
ADOÇÃO PELA ESFERA
de, a despesa total decresceu, em
1) A grande maioria dos municípi-
termos médios, em apenas duas: ESTADUAL DE UMA POLÍTICA
os mineiros tem cumprido sua
Centro e Leste. Em ambas houve re-
DE EQUALIZAÇÃO DOS GASTOS, parte no financiamento da saú-
dução das transferências do SUS,
ORIENTADA PELO PRINCÍPIO de. Como conseqüência, a parti-
e, na Centro, os recursos vincula-
cipação da despesa com recur-
dos também decresceram. As trans- DA EQÜIDADE
sos próprios na despesa total
ferências do SUS reduziram tam-
com saúde é expressiva na mai-
bém, em termos médios, nas ma-
cro Sudeste, Triângulo do Norte e or parte deles. Em três quartos

Triângulo do Sul e, de modo pouco Visando qualificar as diferenças dos municípios em G PAB, esta

expressivo nas macro Noroeste e no gasto total per capita com saú- participação foi superior a 60%

Sul; mas, nesses casos, a redução de dos municípios do estado, bus- e naqueles em GPS foi superior

das transferências federais não fo- cou-se associar seus valores com a 31%, em 2002.

ram acompanhadas de decréscimos os índices municipais de necessi- 2) A despesa total per capita mos-
na despesa total com saúde. A des- dade de cuidados com a saúde. Foi trou grande variação entre os
pesa com recursos próprios só re- constatado, conforme já esperado municípios. Naqueles habilita-
duziu na macro Leste, apesar do face às regras de alocação dos re- dos em G PAB, o valor médio foi
aumento dos recursos vinculados. cursos federais, que não existe cor- de R$ 101 em 2002, sendo inferi-
Analisando-se o conjunto dos relação entre a despesa per capita or a R$ 76 para um quarto dos
municípios, a despesa com saúde (total e própria) e as necessidades municípios e superior a R$ 114
com recursos próprios per capita de saúde, o que significa que mu- também para 25% dos municípi-
está fortemente correlacionada com nicípios com necessidades seme- os. Nos habilitados em GPS, o

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 87
FORTES, Fátima Beatriz Carneiro Teixeira P.; MACHADO, Edite Novais da Mata & MATIAS, Bruna Duarte

valor médio do gasto foi de R$ ses municípios quanto ao com- sido verificado a partir da análi-
196 em 2002, sendo inferior a R$ portamento dos indicadores aqui se desse indicador. Em segundo
138 para 25% dos municípios e analisados. As diferenças cons- lugar, ainda que a elevação dos
superior a R$ 282 também para tatadas entre esses municípios gastos próprios tenha-se mostra-
um quarto dos municípios. indicam que são também distin- do superior àquela havida nos
3) Além do gasto total per capita, a tas as capacidades desses muni- recursos vinculáveis, a correla-
análise constatou a existência de cípios de organizarem e gerirem ção entre estas duas variáveis se
variação significativa para todos seus sistemas de saúde. mostrou elevada (coeficiente de
os indicadores analisados, não 5) Os dados disponíveis no SIOPS correlação de 0,735), mostrando
apenas entre os agrupamentos re- mostram que, em 2002, a despe- que a despesa com saúde tende
alizados para a análise como in- sa total com saúde dos municí- a ser maior nos municípios com
tra-agrupamentos. pios é equivalente ao somatório mais disponibilidade de recursos.

4) Corroborando o que já foi apon- da despesa própria com saúde 7) Os gastos próprios com saúde,
tado para os municípios em ges- com as transferências do SUS, fruto de decisões isoladas dos
tão plena do sistema do país indicando que a esfera estadual gestores municipais, não guar-
como um todo (VIANA, FAUSTO & não transferiu recursos para os dam relação com as necessida-
LIMA, 2003), os municípios em municípios de Minas Gerais. Em des relativas dos municípios.
GPS de Minas Gerais (55), embo- 2000 e 2001, a despesa total foi
Também os gastos totais, corre-
ra considerados iguais do ponto superior ao somatório da despe-
lacionados positivamente com os
sa própria com as transferênci-
de vista de suas responsabilida- gastos próprios, não guardam
as do SUS em seis e dois muni-
des na gestão das ações e servi- correlação com as necessidades.
cípios respectivamente.
ços de saúde na esfera munici- Na medida que a eqüidade cons-
pal, são bastante heterogêneos no 6) O confronto do comportamento titui um princípio ordenador da
que diz respeito às diversas va- da despesa com recursos própri- política estadual de saúde, e con-
riáveis aqui consideradas. Quan- os com o dos recursos vinculá- siderando-se que em Minas Ge-
to ao porte populacional, verifi- veis à saúde (EC 29) e com o das rais o poder estadual deverá au-
cou-se que 21 deles (38%) possu- transferências do SUS permitiu mentar seu gasto com saúde de
em menos de 50 mil habitantes. constatar, pelo menos, duas modo a cumprir a EC 29, parte
No que se refere ao desempenho questões. Em primeiro lugar, desse aumento poderia ser cana-
tributário e econômico medido aumentou o comprometimento lizado para políticas concebidas
pelo IDTE, foi constatado que ele do poder público municipal com
de modo a permitir que o estado
apresenta amplitude de variação as ações e serviços de saúde ex-
promova a eqüidade territorial.
significativa, ou seja, de 0,25 a presso numa elevação do gasto
próprio municipal num percen- 8) Por fim, constou-se que é signi-
12,91. Enquanto para um quar-
tual superior ao aumento nos ficativa a adesão dos municípi-
to dos 14 municípios o IDTE é
recursos vinculáveis à saúde. Ou os mineiros ao SIOPS. A existên-
menor que 0,85, para outro um
quarto ele é superior a 2,54. Por seja, houve elevação dos percen- cia de municípios, ainda que em

fim, foram observadas também tuais de recursos próprios apli- número não significativo, com

variações expressivas entre es- cados na saúde, o que já havia comportamento muito discre-

88 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007
Gasto público com saúde nos municípios de Minas Gerais – 2000-2002

pante para todos os indicadores Saúde, Governo de Minas Gerais,


aponta, no entanto, para a ne- 2004. 63p.
cessidade de se proceder a uma VIANA, Ana Luiza D´Avila; FAUSTO,
avaliação mais minuciosa dos Márcia Cristina Rodrigues & LIMA, Lu-
dados de modo a detectar erros ciana Dias de. Política de saúde e eqüi-
e aperfeiçoar o sistema. dade. São Paulo em Perspectiva, São
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ral e acrescenta artigo ao Ato das
Disposições Transitórias, para asse-
gurar os recursos mínimos para o
financiamento das ações e serviços
públicos de saúde. Lex: coletânea de
legislação e jurisprudência – legis-
lação federal e marginália, São Pau-
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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 69-89, janeiro 2007 89
BUENO, Ricardo Luiz Pereira
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo


Technical efficiency and management of public hospitals of the State of São Paulo

Ricardo Luiz Pereira Bueno1

RESUMO

Este artigo explora a nova política pública de gestão hospitalar paulista em relação ao seu desempenho. O texto
apresenta uma discussão sobre os desafios dos hospitais, bem como as peculiaridades que dificultam a avaliação
de sua eficiência. Para isso, foram selecionados aleatoriamente 11 hospitais gerais de propriedade do estado de São
Paulo, representando os modelos de gestão utilizados pelo Estado. Foram coletados: número de atendimentos
totais, número de partos, número total de exames de análises clínicas, número total de funcionários por leito e
dados sobre os recursos financeiros despendidos na operação. A análise desses dados se dá através da estimativa
de um indicador sintético de eficiência técnica e geração de um ranking, utilizando-se uma técnica não paramétrica,
chamada DEA (Data Envelopment Analysis).

PALAVRAS-CHAVE: Economia da Saúde; Modernização do Setor Público; Hospitais Públicos: Administração – Avaliação;
Administração Pública; Políticas públicas – Avaliação; Saúde Pública.

ABSTRACT

This article analyses the new public policy on hospital management in São Paulo in relation to their performance.
It discusses the challenges and peculiarity of this kind of organisation that create difficulties in the assessment of
their efficiency. For that purpose 11 hospitals belonging to the state of São Paulo, representing the management
model used by the state were randomly selected. The data collected includes: total number of health procedures,
number of births, total volume of clinical analysis exams, total number of full time employee per bed and financial
resources spent in the operation. The data analysis is performed using an estimate of a synthetic technical
efficiency indicator and generation of a ranking using a non-parametric technique called DEA – Data Envelopment
Analysis.

KEYWORDS: Health Economics; Modernization of Public Sector; Public Hospitals; Management – Assessment; Public
Administration; Public Policies – Evaluation; Public Health.

1
Doutorando em Administração no PPGA-EA/UFRGS, professor assistente da disciplina de Serviços de Atenção Direta ao Paciente,
PROAHSA -EAESP/FGV-SP (2004-2005), Professor da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre,
Rio Grande do Sul, Brasil. Para contato: ricardolpb@uol.com.br

90 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007
Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo

INTRODUÇÃO gestão hospitalar; a segunda seção ção pública gerencial. Para tanto,
define o que é um hospital e escla- tornou-se necessária a clara defini-
A década de 1990 trouxe ino- rece algumas características que ção dos setores em que o Estado ope-
vações para o Setor Saúde do es- lhe são peculiares; a terceira seção ra, bem como as principais ações em
tado de São Paulo (SES) em várias expõe os detalhes metodológicos, relação ao accountability, que inclu-
áreas. Uma das atividades mais as variáveis e o modelo matemáti- íam: a participação de usuários; a
afetadas foi a da gestão hospita- co utilizado para gerar a fronteira utilização de contratos de gestão
lar, preocupação constante do go- de eficiência técnica; a quarta se- como forma de responsabilização por
verno estadual, já que nesta épo- ção sintetiza os resultados obtidos resultados; adoção de mecanismos
ca havia 16 hospitais de sua pro- com o método e apresenta os esco- de controle social nos serviços locais
priedade em fase final de constru- res de eficiência técnica para cada e o aumento da transparência na im-
ção. Colocá-los em operação era modelo de gestão; a quinta e últi- plementação das ações do governo,
um desafio, especialmente se ficas- ma parte expõe as conclusões e possibilitando seu acompanhamen-
sem vinculados à administração to e avaliação. As noções de controle
direta. Em função dessa realida- e accountability ficariam, dessa for-
de, estudou-se a implantação de ma, estreitamente ligadas à avalia-
modelos organizacionais que refle- ção e publicidade dos resultados e
tissem a nova forma de gestão A IMPLEMENTAÇÃO DO NOVO informações dos órgãos, assim como
pública proposta pela Reforma do na institucionalização de mecanis-
MODELO DE GESTÃO, POR ORGANIZAÇÕES
Estado. Tendo em vista que o rela- mos de participação. Tratava-se, des-
cionamento da eficiência técnica SOCIAIS EM SAÚDE (OSS), AFETOU A se modo, de um avanço e de uma
com o modelo de gestão permane- EFICIÊNCIA TÉCNICA DOS HOSPITAIS visão múltipla do processo de res-
ce controverso na literatura, como ponsabilização da administração pú-
PÚBLICOS PRÓPRIOS DO ESTADO
ressaltado por B URGESS & WILSON blica (BRESSER-PEREIRA, 1998; PALOMO,
(1996), os modelos de gestão não 1998; PÓ e ABRÚCIO, 2004 e SÁ, 2001).
estariam associados à eficiência Habitualmente, os Estados mo-
técnica, sendo que outros incenti- dernos contam com quatro setores:
vos ou condições é que a determi- perspectivas no estudo da eficiên- o núcleo estratégico, as atividades
nariam. Neste trabalho, apresenta- cia em hospitais públicos. exclusivas, serviços não exclusivos
mos um estudo inédito mostrando e a produção de bens e serviços para
como a implementação do novo REFORMA DO ESTADO E o mercado (BRESSER-PEREIRA,1998).
modelo de gestão, por Organizações GESTÃO HOSPITALAR Nesta nova modelagem do Esta-
Sociais em Saúde (OSS), afetou a do, são considerados não exclusi-
eficiência técnica dos hospitais pú- Em agosto de 1995, o Ministé- vos todos aqueles serviços que o
blicos próprios do Estado (ALMEIDA rio da Administração e Reforma do Estado provê, mas que, como não
et al., 2001; BRESSER-PEREIRA, 1998). Estado (MARE) lançou o Plano Dire- envolve o exercício do poder de Es-
O paper está dividido em cinco tor da Reforma do Estado, que ti- tado, podem ser oferecidos também
seções; na primeira, o tema é con- nha por objetivo a implementação pelo setores privado e público não
textualizado e são dadas informa- da transformação da administração estatal (não governamental). Esses
ções gerais sobre os desafios da pública burocrática em administra- serviços compreendem aqueles pres-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007 91
BUENO, Ricardo Luiz Pereira

tados pelas áreas de educação, saú- hospital da administração direta mais de 70% da população brasilei-
de, cultura e de pesquisa científica (BRESSER-PEREIRA, 2005). ra, e estabelece uma comparação
(BRESSER-PEREIRA, 1998). inicial entre os modelos de gestão na
No eixo da gestão dos serviços O CONTEXTO DO HOSPITAL PÚBLICO administração pública da saúde pau-
não exclusivos, buscou-se redefinir lista, que são conseqüência das nu-
as formas de propriedade através da Os hospitais estão, como a mai- merosas reformas do Estado brasi-
criação de um instrumento jurídico- oria das organizações prestadoras leiro e de seu Setor Saúde, e a efici-
administrativo que desse mais agili- de serviços, imersos em um ambi- ência produtiva desses hospitais.
dade ao aparelho do Estado, sendo o ente competitivo e racionalizador. A América Latina conta com um
modelo proposto o de Organizações Não somente os privados, mas tam- universo de cerca de 16.500 organi-
Sociais (OS), entidades de direito pri- bém os públicos, em sua grande zações hospitalares, as quais de-
vado, sem fins lucrativos, com ativi- parte, estão expostos a complexas sempenham um papel central nos
dades consideradas de interesse so- mudanças que incluem: a Reforma sistemas nacionais de saúde (MARIN,
cial. No caso de atividades exclusi- 2001). NOVAES (1990) aponta a im-
vas, foi proposta criação de Agênci- portância do nível secundário de
as Executivas (AE) (ANDRÉ, 1999). atenção, composto por hospitais
O instrumento utilizado, tanto na gerais e ambulatórios de especiali-
constituição das AE quanto no ge- A AMÉRICA LATINA CONTA COM UM dades, que são os principais apoios
renciamento por OS, é o contrato de UNIVERSO DE CERCA DE 16.500 para os serviços do nível primário
gestão. A contratualização tem por de atenção à saúde no âmbito da re-
ORGANIZAÇÕES HOSPITALARES, AS QUAIS
base o enfoque agente-principal, em gionalização desse setor. Aos hospi-
que o Estado (principal) contrata um DESEMPENHAM UM PAPEL CENTRAL NOS tais se destinam de 75% a 85% dos
terceiro (agente) para realizar uma recursos empregados no Setor Saú-
SISTEMAS NACIONAIS DE SAÚDE
tarefa de relevância pública em tro- de, contudo os resultados decorren-
ca de um pagamento. Esse enfoque tes da aplicação desses recursos têm
evidencia o controle sobre a perfor- sido pouco satisfatórios quanto à sua
mance e informações contratuais eficiência para aqueles que os finan-
(COSTA et al., 2000). do Sistema de Saúde, avanços tec- ciam (MARIN, 2001 e NOVAES 1990).
Porém a questão da publiciza- nológicos em procedimentos e/ou As mudanças profundas por que
ção dos resultados permanece ain- equipamentos para diagnóstico e passa nosso país em matérias como
da controversa, os resultados di- tratamento dos seus usuários (SHORT, sanitarismo, políticas socioculturais
vulgados pela imprensa apontam PALMER & DAVID, 2002). e econômicas, associadas ao crescen-
para o irrefutável sucesso do mo- Entretanto, apesar do mercado te custo da atenção à saúde e em
delo, em termos da satisfação dos brasileiro da prestação de serviços especial o da atenção hospitalar, su-
pacientes e acompanhantes, me- hospitalares ser pujante e apresentar gerem novos desafios para a gestão
lhor aproveitamento dos recursos números expressivos em termos de dos serviços de saúde (MARIN, 2001).
financeiros com custo médio de Produto Interno Bruto (PIB), este ar- O tema da gerência dos serviços
internação 25% menor e um volu- tigo se preocupa com as unidades hospitalares tem emergido na Refor-
me de atendimento a pacientes 23% hospitalares públicas e as convenia- ma do Setor Saúde sob diversas
maior, quando comparados a um das que atendem ao SUS, ou seja, a perspectivas, entre elas a que sepa-

92 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007
Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo

ra as funções de provisão dos servi- medidos ou padronizados. Como cia entre os geradores dos fatos e os
ços das funções de financiamento apontado por DONABEDIAN (1993), os que deveriam utilizá-los como da-
(SÁ, 2001 e MARIN, 2001). resultados dependem fortemente da dos para decisão.
A gestão hospitalar tem dupla relação profissional / usuário, ele Para BITTAR (2001), as informa-
dimensão – a micro e a macro –, propõe um modelo de avaliação ções são fundamentais para a ad-
sendo que ambas devem possibili- composto por uma tríade de fato- ministração de qualquer hospital,
tar a redução do custo com melho- res (estrutura, processos e resulta- principalmente quando transforma-
ria da eficiência e da qualidade dos dos). Ademais, algumas das difi- das em indicadores, que são a quan-
serviços de atenção, e a implemen- culdades de mensuração nos hos- tificação dos fatos.
tação de políticas públicas em saú- pitais têm sido contornadas com a BITTAR (1996) segmenta os indi-
de dos níveis local, regional e naci- adoção de critérios de avaliação e cadores em duas categorias: seto-
onal. Portanto, a gestão hospitalar tomada de decisão chamados de riais e globais. Setoriais são aque-
deve interessar tanto às autoridades indicadores de desempenho. les que mensuram a produtividade
sanitárias quanto aos administrado- de uma determinada área da orga-
res públicos (MARIN, 2001). nização, por exemplo, o número de
Partindo-se da premissa de que compras por número de comprado-
a gestão hospitalar deve ser enten- A GESTÃO HOSPITALAR TEM DUPLA res, os indicadores globais são
dida como gestão de uma política aqueles que se prestam à gestão em
DIMENSÃO – A MICRO E A MACRO –,
pública, a sua formulação, execu- busca de melhores resultados, ou,
ção e avaliação devem ser conduzi- SENDO QUE AMBAS DEVEM POSSIBILITAR performance. Esse autor afirma que
das institucionalmente pelo Estado tais indicadores medem o desem-
A REDUÇÃO DO CUSTO COM MELHORIA
(MARIN, 2001). penho do hospital.
DA EFICIÊNCIA E DA QUALIDADE Conforme demonstrado por MA-
O QUE SÃO OS HOSPITAIS? DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO RINHO (2001a), os indicadores de per-

formance são incapazes de exprimir


São estabelecimentos de saú- resultados sintéticos de eficiência
de destinados a prestar serviço, em produtiva, sendo freqüente a incom-
regime de internação (BRASIL, 2002). MALIK (2000) reconhece o pouco patibilidade entre indicadores par-
São sistemas abertos, de grande uso dos indicadores de desempenho, ciais. As variáveis fora de controle
complexidade e amplitude, e logo se como por exemplo, a pouca discus- dos administradores e, em outro
adaptam, aprendem e influenciam o são entre profissionais administra- extremo as possibilidades de subs-
ambiente, e por ele são influencia- tivos e médicos sobre a afirmação tituição do mix entre insumos e pro-
dos (PICCHIAI, 2000). de que cada caso é um caso, ou de dutos, quando da opção por indica-
Conforme MARINHO (2001a), tra- que todos os procedimentos diag- dores de performance também são
taremos os hospitais como organi- nósticos e terapêuticos são prescri- ainda pouco exploradas.
zações profissionais, nas quais o tos com vistas ao bem-estar do pa- Ainda conforme MARINHO (2001a)
seu funcionamento depende da ca- ciente, independente do seu sistema e BITTAR (2001), apesar de tais óbi-
pacitação e do conhecimento de de financiamento (público ou priva- ces, reconhece-se aqui a utilidade
seus executores. Assim, seus resul- do). Aliado a isso, a mesma autora dos indicadores na obtenção de da-
tados não podem ser facilmente (MALIK, 2000), já constatou a distân- dos setoriais, ressaltando-se as inefi-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007 93
BUENO, Ricardo Luiz Pereira

ciências específicas. Maiores detalhes Assim, este trabalho busca har- e de controle, sem interferências
sobre esses indicadores hospitalares monizar as metodologias dos indi- do ambiente externo (BANDEIRA DE
podem ser obtidos em BITTAR (1996). cadores de performance e da esti- MELLO apud PALOMO, 1998);
Conforme MARINHO (2001b), a lite- mação de fronteiras de produção
2. Administração indireta mista: en-
ratura tem preconizado a utilização para determinação do escore de efi-
tendida como uma variação da
de metodologias relacionadas às ciência técnica que represente cada administração indireta, regulada
fronteiras de eficiência, na avaliação hospital como um todo. pela Lei Complementar n. 7 de
de desempenho de organizações do
6/11/1969 no estado de São Paulo.
setor público, bem como em organi- OBJETO E METODOLOGIA Esta forma pode se viabilizar pelo
zações complexas (MARINHO, 2000a).
estabelecimento de convênio entre
Essas metodologias dividem-se Para a realização deste estudo uma pessoa jurídica de direito pri-
em duas linhas de pesquisa: a pri- foram utilizados dados de hospitais vado com pessoa jurídica de direi-
meira, mais tradicional em outros públicos do estado de São Paulo, to público. Isto posto, ao hospital
campos da teoria econômica, cha-
autárquico se dá a possibilidade
mada ‘paramétrica’, tem a função
de gerir certo volume de recursos
de produção definida a priori, com
obtidos através de convênio entre
a especificação de um erro esto-
cástico de distribuição bastante es-
A LITERATURA TEM PRECONIZADO A o hospital e uma entidade de direi-
to privado que obtém receitas atra-
pecífica. Um aprofundamento mai- UTILIZAÇÃO DE METODOLOGIAS RELACIONADAS
vés dos serviços prestados pelo hos-
or nesses conceitos pode ser obti-
ÀS FRONTEIRAS DE EFICIÊNCIA, NA AVALIAÇÃO pital, faturando contra o SUS e con-
do em A IGNER , L OVELL & S CHMIDT
DE DESEMPENHO DE ORGANIZAÇÕES DO tra terceiros os procedimentos hos-
(apud MARINHO, 2001b).
pitalares. Esses recursos são rever-
A segunda linha de pesquisa é a SETOR PÚBLICO, BEM COMO EM
tidos para a operação e em investi-
das fronteiras não estocásticas, no-
ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS mentos na autarquia conveniada.
tadamente as que são obtidas por
intermédio da resolução de proble- Esse tipo de gestão em saúde se

mas matemáticos, como a Data En- inicia no fim da década de 1970


velopment Analysis (DEA). Sobre (PALOMO, 1998); e
cada qual pertencente a um modelo 3. Administração por colaboração:
DEA, importante referência pode ser
de gestão que está ligado a diferen- ocorre quando a operação de de-
encontrada em CHARNES, COOPER, LEWIN
tes etapas da Reforma da Adminis- terminado serviço público é dele-
& SEIFORD (1993).
tração Pública brasileira. Os três ti- gada para pessoa jurídica de di-
Cientes das dificuldades na inter-
pos de gestão são:
pretação dos resultados dos indica- reito privado sem finalidade lucra-
dores de performance, conforme de- 1. Administração direta: o hospital tiva e com experiência na área da
monstrado por MARINHO (2001b), e é gerido e suprido por um órgão gestão em saúde. Esse movimen-
das dificuldades para determinação central de direito público. Este to emerge no fim da segunda me-
de uma função de produção para tipo de subordinação ocorre tade da década de 1990 como um
cada um dos hospitais de nossa quando a Administração Pública novo modelo de gestão que reflete
amostra, optamos pela utilização da é exercida pelos seus próprios ór- as tendências da Reforma do Es-
DEA, que não requer a especifica- gãos, e neles estão presentes ele- tado. É exemplo desse modelo,
ção de funções a priori. mentos normativos, reguladores hospital de propriedade da Secre-

94 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007
Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo

taria de Estado da Saúde (SES), dos fornecida pela Secretaria, da COHN et al., 1999; ALMEIDA et al., 2001
operado e gerenciado por institui- seguinte maneira: de início foram e ALLEYENE, 2000).
ções privadas, qualificadas como separados os hospitais por tipo de Por não sabermos a proporção de
Organização Social em Saúde, por hospitais próprios do estado de São
gestão, essa segmentação gerou
meio de um contrato de gestão, no Paulo que atendem todos os critéri-
cinco listas diferentes, das quais
caso paulista conforme a lei com- os da amostragem, utilizamos as
(conforme a Tabela 1), apenas as
plementar 846/98 (PALOMO, 1998). formulações propostas por BUSSAB &
linhas referentes a administração
MORETTIN (2002) e JOHNSON (1994) para
AMOSTRAGEM direta, autarquia e organizações
determinar o tamanho da amostra:
sociais foram utilizadas e serviram
A amostra foi selecionada alea- como forma de identificar os hos- Fórmula(1.0)
toriamente conforme a base de da- pitais, neste trabalho. N = 0,25 ( Zα / 2 / ε ) 2
N = 0,25 (1.96 / 0,3) 2 = 10,671 ≅ 11
TABELA 1 – Estabelecimentos hospitalares do estado de São Paulo, segundo o tipo de gestão,
Onde:
em 1999
N = número de elementos na amostra;
Zα/2 = nível de significância bicaudal; e
ε = erro máximo.

O tamanho dessa amostra, 11


observações, tem um poder de 70%,
! "# $%& # '
o mínimo recomendado por Contan-
( )
driopoulos et al. (1994).
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS – Informações de Saúde.
IBGE – AMS – Pesquisa de Assistência Médica Sanitária 1999. Embora a amostra apresente di-
ferença proporcional entre os mode-
los de gestão, estas não foram sig-
Para obtenção de um grau mais tem estudos apontando para a exis- nificativas. A formulação utilizada
elevado de comparabilidade, os hos- tência de maiores níveis de eficiên- para o teste foi a seguinte:
pitais foram selecionados de acor- cia em hospitais de menor porte, e,
H0 : ρ1 = ρ
do com os seguintes critérios: hos- portanto que o número de leitos é
H1 : ρ1 ≠ ρ
pitais gerais, ou seja, os que aten- positivamente correlacionado com
dem as quatro especialidades bási- ineficiências alocativas (MARINHO & Onde:
cas (BRASIL, 2002); hospitais de gran- FAÇANHA, 2001; GRUCA & NATH, 2001). ρ1 = proporção amostral; e

de porte, acima de 150 leitos; e que O último critério diz respeito à ρ = proporção do modelo de gestão no universo.

tivessem sido planejados como con- participação popular no sistema de


Fórmula (2.0)
seqüência de intensa mobilização saúde, fato que tem feito parte, e
ρ1 − ρ
popular (COHN, 1999). crescido em amplitude, nos proces- t=
ρ1 (1 − ρ1 ) / N
O primeiro critério (hospitais ge- sos de Reforma do Sistema de Saú-
Onde:
rais) diz respeito à sua complexida- de desde a década de 1980, e tem
N = número de elementos no universo;
de planejada. Por sua vez, o segun- reflexos na definição de metas e ob-
ρ1 = proporção amostral; e
do critério aborda o porte em núme- jetivos para essas unidades hospita- ρ = proporção do modelo de gestão no
ro de leitos do hospital, já que exis- lares (TEIXEIRA, 1995; RIBEIRO, 1997; universo.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007 95
BUENO, Ricardo Luiz Pereira

TABELA 1-A – Teste de proporções da amostra frente ao universo do teste. Isto porque, conforme
H ALSTEINLI, KITTELSEN & M AGNUSSEN
* $ + , -./ $ -./ 0
(2001); KITTELSEN, KJÆSERUD & KVAMME
) 12 1 3 1
(2001); KITTELSEN & MAGNUSSEN (1999)
12 21 2 3 1
e KITTELSEN (1999), o teste t, paramé-
"" 214' 5)15) 3 1
4 1
trico, quando aplicado a pequenas
Fonte: Elaboração própria amostras, tem menor eficiência do
que o teste não paramétrico U, de
Mann-Whitney.
Desta forma, não podemos rejeitar trumento de medida compreendeu
Neste estudo, foram utilizadas
que as proporções da amostra e do uma prova-piloto em um hospital
escalas ordinais, contínuas e cate-
universo são idênticas, com um va- escolhido aleatoriamente na amos-
góricas, de acordo com a hipótese a
lor de p > 0,1, ou seja, conforme tra, com a finalidade de verificar a
ser testada (JOHNSON, 1994; MELO,
BUSSAB & MORETTIN (2002), inexiste evi- qualidade das perguntas, o grau de 2001; COOPER & SCHINDLER, 2003; BUS-
dência para se rejeitar H0. Em nosso compreensão, a disposição das pes- SAB & MORETIN, 2002; BOWLIN, 1998;
estudo, cada elemento da amostra soas em responder ao questionário MARINHO, 2001b).
representa uma observação. (TOBAR & YALOUR, 2001). A hipótese a ser testada é a de
A apresentação dos dados dos Durante o período da coleta de que os hospitais geridos por OSS são
hospitais toma por base a unidade dados algumas das unidades sele- mais eficientes que os demais.
de análise utilizada para categori-
cionadas estavam validando seus Para tal, os testes foram execu-
zá-los e garantir a confidencialida-
dados de 2002, assim, optou-se por tados em duas etapas; na primeira,
de dos dados coletados.
coletá-los nas respectivas unidades a hipótese I é testada para determi-
Após a criação da lista amos-
hospitalares referentes ao ano de nar se há diferença entre os escores
tral, procedeu-se à consulta dos
2001. Essas ocorrências não invali- de eficiência técnica da administra-
nomes a SES, para verificar a ade-
dam o estudo, como ressaltado por ção por OSS frente às demais; e, na
quação aos critérios de amostragem
CHIRIKOS & SEARS (2000), pois, não fase subseqüente, a hipótese a ser
descritos antes.
ocorrem alterações significativas testada é se o escore de eficiência
dos níveis de eficiência técnica no técnica dos hospitais administrados
Coleta de dados
curto prazo (N OVAES , 2000; CANO, por OSS pode ser considerado supe-
Para a obtenção dos dados das 2002 & CHARNES et al., 1993). rior aos demais modelos de gestão.
observações propostas no estudo,
Hipótese – I
foram contatados os gestores da H0 α=0,05 : C = A e B
Hipótese
Secretária da Saúde do Estado de H 1α=0,05 : C ≠ A e B
São Paulo, com intuito de receber A última etapa do estudo
consistirá na utilização de testes não Hipótese – II
autorização para a coleta das infor-
H0 α=0,05 : C = A e B
mações pertinentes, pois estas não paramétricos para testar a hipótese
H 1α=0,05 : C ≥ A e B
estavam disponíveis ao público, em estudo. A opção pela utilização
seja em suporte eletrônico, seja em dos testes não paramétricos, chama- Onde:
C = Escore de eficiência técnica do modelo
meio impresso. dos de ‘livres de distribuição’, está
de gestão por OSS;
No estudo, a estratégia adotada relacionada à natureza não para-
A e B = Escores de eficiência técnica dos
para assegurar a validade do ins- métrica da DEA e com a eficiência demais modelos de gestão;

96 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007
Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo

α = valor de alfa utilizado para construção ção das cinco variáveis coletadas de número de funcionários por leito e
da região crítica. a despesa total realizada no perío-
insumos para apenas duas manten-
do-se poder explicativo maior que do do estudo, como pode ser visto
Indicadores e variáveis
70,00%, essas duas variáveis são: o na Tabela 2.
A determinação do número ide-
al de variáveis descrita por FITZSIM- TABELA 2 – Variáveis de insumos e seu potencial explicativo para um modelo de duas variáveis,
MONS & FITZSIMMONS (2000) leva em para o ano de 2001
conta que o modelo de DEA utiliza-
6 7 6 7' $ # , 8,
do pretende maximizar os produ-
9% : # 8 ( 21)5
tos e não minimizar insumos. Com 9% : # 8 ( # 8 15
este objetivo, utilizamos no mode- ; < = - >/ # 8 12
lo uma variável de produto a mais Fonte: Elaboração própria
que a de insumo, em busca de uma
maior especificação sobre quais A mesma técnica permitiu a re- o número de exames de análises
produtos podem ser otimizados. dução das 13 variáveis coletadas clínicas, número de partos e o nú-
Esse número foi obtido com o uso de produto para apenas três, man- mero de atendimentos totais por
da seguinte formulação: tendo-se poder explicativo acima funcionário, como pode ser visto
de 65,00%. Essas variáveis foram: na Tabela 3.
Fórmula (3.0)

V ≥ I +O TABELA 3 – Variáveis de produto e seu potencial explicativo para um modelo de três variáveis,
para o ano de 2001
Onde:
V = número de hospitais utilizados no mo- $ #
$ 7 $ 7' $ 75
delo de DEA, originário do plano amostral , 8,
definido para este estudo; 9% ?
9% ) 14'
I = número de variáveis de insumos; e 8 #= # @ # 8
9%
O = número de variáveis de produto. 9% ?
A# 9% ) 1)
8 #= #
A#
ANDERSON & JENKINS (2003) desen-
9% # 9% ?
) 152
volveram uma metodologia que B # 8 #= # @ # 8
exclui insumos e/ou produtos do Fonte: Elaboração própria
modelo, de acordo com seu grau
de associação, em termos da vari-
ância. De maneira sintética, trata- Especificação do modelo O modelo adotado para mensu-
se da utilização de estatísticas A fronteira de eficiência e o pa- ração comparativa de eficiência en-
multivariadas, com as quais são drão de comparação são extraídos tre as unidades tomadoras de deci-
elaboradas matrizes de co-variân- das observações e não de prescri- são, aqui identificadas como cada
cia parcial (B USSAB & M ORETTIN , ções anteriores. A fronteira carac- hospital, é um modelo não paramé-
2002; TOBAR & YALOUR, 2001). teriza a best practice de referência, trico que tem sua origem no artigo
A utilização da técnica de ANDER- na qual o escore máximo de refe- seminal de CHARNES, COOPER & RHODES
SON & JENKINS (2003) permitiu a redu- rência será 100%. (apud MARINHO, 2001a), que empres-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007 97
BUENO, Ricardo Luiz Pereira

tam suas iniciais para nomear o ção de n+1 problemas de progra- ra de produção da best-practice de
modelo, ou seja, CCR. Este modelo mação linear. Os insumos são re- seu mercado, sujeita a restrição de
não reconhece os retornos variáveis presentados pelo X e a saída ou que nenhum desses hospitais opera
de escala, dado que no curto prazo a produção pelo Y. Assim para reso- acima desta fronteira.
tecnologia de produção é constante. lução dessa questão devemos de- Na equação (4.00) o numerador
O objetivo do modelo é estimar terminar o valor dos pesos atribu- representa a produção do hospital e
a eficiência técnica das diferentes ídos a cada insumo ou produto, o denominador os insumos. Essa
formas de gestão características da bem como a extensão que cada razão determina um escalar análo-
administração pública, na gestão hospital pode expandir suas saí- go aos indicadores de performance.
hospitalar a partir do final da dé- das ou reduzir seus insumos para Podemos citar que entre os pon-
cada de 1990, por meio da resolu- tornar-se eficiente. tos positivos da DEA estão: caracte-
rizar a eficiência, através de uma
única medida-resumo, a possibili-
s dade de prescindir de sistemas de
∑ ur yr
r =1
preços, e a dispensa de pré-especifi-
Fórmula (4.0) m
=≤ 1 * 100 cações das funções de produção
∑v x
i =1
i i
subjacentes. Além disso, baseia-se
em observações individuais e não
na média das observações, produz
resultados alocativos eficientes no
sujeito a: j=1, ..., n sentido de Pareto.
Dentre as desvantagens da DEA
está a impossibilidade de incorpo-
rar erros estocásticos, o que torna
sua fronteira suscetível a erros de
Onde: medida, desvantagem que também
r = 1, ..., s está presente nos indicadores de per-
i = 1, ..., m formance. Erros também podem
ocorrer quando da utilização de
métodos paramétricos, e para evi-
yrj, xij, positivos, são os resultados e insumos conhecidos da j-ésima DMU; e tá-los o pesquisador terá mais tra-
u r , vi ≥ 0 são as ponderações (pesos) que serão determinadas pela resolução deste balho pois, caberá um estudo cui-
problema. dadoso do sistema produtivo do hos-
pital na determinação correta da
função de produção.
Essa relação é um desenvolvi- Para FARREL (1957), a eficiência Os dados utilizados na análise
mento do problema proposto por de uma organização é uma medida constam da Tabela 4, na qual os
FARREL (1957), superando a então relativa à eficiência das outras que nomes das organizações hospitala-
limitação de um insumo ou um operam em seu setor/mercado. Um res foram substituídos pela respec-
recurso para o cálculo da eficiên- hospital será considerado eficiente tiva unidade de análise, ou seja, o
cia técnica. quando estiver operando na frontei- tipo de gestão.

98 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007
Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo

GESTÃO E EFICIÊNCIA TABELA 4 – Dados dos hospitais selecionados do Estado de São Paulo por modelo de gestão e
indicadores de performance no ano de 2001
Os resultados do modelo imple- 9%
9%
mentado são úteis para aferir o que 9%
?
* C @ # 8
G ARCIA (2001) denomina como os 8
A# @ # 8
-D / #= #
efeitos da mudança na mesogestão A#
institucional, quando se refere a 7 )1 5 '5D)4 ' D 4' 4D' ) )1)
hospitais que tentam responder às 7' 15) 'D ' 'D' 2 2 D)5 '1
mudanças advindas das Reformas 75 1) ' ) '2'D ) ' D2 ' 5144
do Setor Saúde em termos de sua 7 2125 '2D2 '5 D ' ' 2D4) 1
eficiência técnica na provisão de 7 )1 5D2 ' D) ' 4D' 1''
serviços de saúde. E7 14 'D ' 2'D4 24D' )51

Com base nos dados coletados, E7' 1)2 D5 1) 4 'D5 ' D D '5212

percebemos que a média das despe- <7 1 ')D)' 5 D' ')D4' 15

sas realizadas pelo modelo de ges- < 7' '12 ' D 251 '5D D') 5)21 2
""
tão das OSS é 11,60%, inferior ao <75 1' ')D2' 1 4 ' 2D42 ) D) 515

modelo da administração direta e <7 15 'D D2 54)D''5 '15

57,99% inferior ao modelo da admi- Fonte: SES – Secretaria de Estado da Saúde e unidades hospitalares – 2002.

nistração mista. No quesito ‘produ-


ção’ o modelo de gestão por OSS é, GRÁFICO I – Ranking de eficiência técnica utilizando o modelo CCR em 2001
em média, 51,71% superior à admi-
nistração direta e 31,04% em rela-
ção à administração mista.
Para nossos dados, os resultados
encontram-se no Gráfico I, no qual
podem ser vistos também os percen-
tuais de eficiência.
Observando-se o Gráfico I, veri-
ficamos que apenas o modelo de
gestão da administração por OSS
detém dois hospitais, C – 2 e C – 3,
considerados eficientes.
O modelo de administração di-
reta apresenta média de 66,85% de Fonte: Elaboração própria.
eficiência técnica, sendo 80,15% o
maior valor e 52,48% o menor. Já 100%. O modelo da administração ção por OSS. O escore de eficiên-
o modelo da administração por OSS mista tem média de eficiência téc- cia para o modelo de gestão da ad-
obteve média de 95,97% de efici- nica de 69,67%, ou seja, maior que ministração mista variou de
ência técnica – a variação do es- a média da eficiência técnica do 55,46% a 83,88%. Então, um dos
core de eficiência foi de 85,43% a modelo de gestão da administra- hospitais desta categoria apresen-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007 99
BUENO, Ricardo Luiz Pereira

tou algum grau de ineficiência. A Em nosso estudo, a ineficiência sa média deste modelo de gestão é
eficiência média entre os modelos média entre os hospitais pesquisa- superior ao menos em três milhões
de gestão foi de 77,49%. dos foi de 17,56%. E apenas 18,18% de reais em comparação aos demais
dos hospitais foram considerados
O estudo de DALMAU-MATARRODONA modelos de gestão.
eficientes com a aplicação do mo-
& PUIG-JUNOY (2000) sobre a eficiên- Verificamos que o modelo de ges-
delo DEA – CCR.
cia técnica dos hospitais espanhóis tão por OSS implementado no estado
Utilizamos o teste não paramé-
afirma que sua ineficiência média de São Paulo auxiliou na melhoria
trico U de Mann-Withney para ve-
está em 10,10%, e que apenas 36% rificar a hipótese apresentada, cu- da eficiência produtiva dos serviços
desses hospitais podem ser consi- jos resultados podem ser encontra- públicos hospitalares, tendo em vis-
derados eficientes. dos na Tabela 5. ta que, no ranking gerado, esses
hospitais compõem o rol daqueles
TABELA 5 – Resultados do teste U de Mann-Withney para a administração por OSS e considerados tecnicamente eficientes.
demais modelos Com base nos resultados de nosso
estudo, percebemos que o nível de
F @ F
* ineficiência nos hospitais públicos do
$ =
estado de São Paulo é de 17,56%, em
C 0 C , 2001, maior do que o proposto pela
<<G ' 9 # 1 ) 9 # 1 5
literatura (10,10%). E apenas os hos-
Fonte: Elaboração própria.
pitais do modelo de gestão por OSS
são considerados eficientes.
Assim, obtemos os valores de mais modelos de gestão, além de
Encontramos evidências de que
p = 0,0061 para o teste em rela- serem mais eficientes na alocação
o modelo de gestão por OSS apre-
ção à diferença do desempenho, en- de seus recursos financeiros, reve-
senta maior eficiência técnica que
quanto que o teste sobre o desem- lando também melhor produtivida-
os demais, tendo em vista o valor
penho superior do modelo de ges- de do trabalho. Os resultados indi-
de p nos testes estatísticos efetua-
tão por OSS obteve valor p = 0,0030. cam no sentido compatível com as
dos em nosso trabalho, contrarian-
Ambos estatisticamente significati- teorias de reforma da máquina ad-
vos em um nível de confiança de 95%. ministrativa, que julgam serem os do, assim, o resultados da pesqui-

recursos melhor alocados quando sa de BURGESS & WILSON (1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS isto é atribuição de um órgão local Tendo em vista os resultados

e não central. apurados, podemos afirmar que o


A metodologia utilizada em nos- Outra noção clara na literatura novo modelo de gestão implemen-
so estudo permitiu grande redução tanto de gestão como econômica é a tado no estado de São Paulo, o mo-
no número de variáveis e a obtenção idéia de poder de mercado, ou seja, delo de gestão por OSS, auxiliou na
do maior poder explicativo possível como a administração direta com- melhoria da eficiência produtiva dos
em relação aos dados disponíveis. pra para um grande número de hos- serviços públicos hospitalares do
Com base nos resultados obtidos pitais, o custo unitário dos produ- estado. Entretanto, nota-se um défi-
verificamos que os hospitais do tos tende a cair, respeitadas suas cit democrático em relação à publi-
modelo de gestão da administração elasticidades. Essa noção não se cização dos dados financeiros e pro-
por OSS produzem mais que os de- sustenta, tendo em vista que a despe- dutivos de forma institucional.

100 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007
Eficiência técnica e gestão de hospitais públicos do estado de São Paulo

Em que pese a existência de es- do Sampaio de (Orgs.).Gestão de Ser- tabnet.datasus.gov.br/tabnet/


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multivariate statistical approach to
dificulta a comparação adequada SER-PEREIRA, Luiz Carlos & SPINK, Pe-
reducing the number of variables in
dessas instituições. ter Kevin (Orgs.). Reforma do Esta-
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Esse trabalho buscou apenas re- an Journal of Operational Research do e administração pública geren-
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tribuindo no sentido de se avaliar www.elsevier.com/locate/dsw. rolina Andrade].
comparativamente os mesmos em
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operação na busca da sistematiza-
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Muitas são as dúvidas que me-
recem respostas, como por exemplo: BITTAR, Olímpio J. Nogueira V. Indi- BURGESS JR., James F & WILSON, Paul
a questão da qualidade da atenção cadores de qualidade e quantida- W. Hospital ownership and thecnical
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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 90-103, janeiro 2007 103
AZEVEDO, Jorge de et al
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Correlação entre recursos financeiros e coeficiente de mortalidade infantil nas cinco macrorregiões do
Brasil (de 1997 a 2002)
Correlation between financial resources and infant mortality rate in the five Brazilian macro-regions (from 1997 to 2002)

Jorge de Azevedo1, Luciana Nucci1, Cristiana Toscano1, Paul Douglas Fisher1 & Ronaldo Bordin1

RESUMO
O repasse de recursos financeiros baseados na produção de procedimentos tais como consultas, exames e
tratamentos, parece não garantir a aquisição de melhores desfechos na saúde da população assistida. Consciente
deste problema, a Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul vem efetuando repasses a título de prêmio,
com base no coeficiente de mortalidade infantil (CMI). Este estudo tem por objetivo analisar a correlação entre
recursos financeiros e CMI utilizando-se de informações do Datasus sobre as cinco macrorregiões do Brasil, no
período de 1997 a 2002. Foi realizada análise de correlação de Pearson para cada ano e macrorregião. Constatou-
se correlação inversa entre repasse per capita e CMI para todas as regiões sendo que a força da associação é menor
na região norte, aumentando progressivamente nas regiões Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul. Conclui-se ser
plausível basear transferências no CMI. Outros estudos são necessários para melhor compreender a variabilidade
entre as regiões do impacto dessas aplicações sobre indicadores de saúde e os resultados paradoxais obtidos
quando se realizam as transformações dos valores de repasses para o dólar americano.

PALAVRAS-CHAVE: Economia da Saúde; Administração e Planejamento em Saúde; Gestão de Qualidade, Coeficiente de


Mortalidade Infantil.

ABSTRACT
Payment transfers based on procedures such as consultations, diagnostic tests and treatments, does not
guarantee better health outcomes in the health of assisted population. Aware of this problem, the “Health Office of
the State of Rio Grande do Sul” has been transferring funds to municipalities based on Infant Mortality Rates
(CMI). The main purpose of this study is to analyze the nature of the relationship between CMI and the funds
transferred, using information from DATASUS on the five macro-regions in Brazil from 1997 to 2002. The analysis
of Pearson’s correlation for each year and macro-region was carried out. It was evidenced the inverse correlation
between per capita transfer and CMI for all regions and the strength of the association is lower in the north region,
progressively increasing in the center-west region, northeast, southeast and south. We thus conclude that it is
reasonable to base fund transfers on CMI. Other studies are needed in order to better understand the variability
between regions suffering the impact of those resources over indicators of health care quality and the paradoxical
results obtained with transformation of values of funds transferred to American dollar.

KEYWORDS: Health Economics; Health Administration and Planning; Quality Management; Infant Mortality Rate.

1
Os autores são do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Porto Alegre.

104 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, janeiro 2007
Correlação entre recursos financeiros e coeficiente de mortalidade infantil nas cinco macrorregiões do Brasil (de 1997 a 2002)

INTRODUÇÃO E OBJETIVO dida da qualidade da pretendida pro- custos da assistência (CHIU, 1995).
moção à saúde (ANON, 2002; YAZLE et O problema do aumento da deman-
A definição de “Economia” como al, 2001). Conscientes do problema, da, da qualidade, quantidade, com-
ciência que se ocupa do estudo da gestores dos sistemas de saúde de plexidade e custos de procedimen-
distribuição de recursos com o obje- vários países incluindo o Brasil vem tos frente a recursos finitos parece
tivo de maximizar o bem estar soci- discutindo diferentes formas de fi- não deixar alternativas, a não ser
al é válida para explicar a “Econo- nanciamento e descentralização e priorizar ações; monitorar desfechos
mia da Saúde” (GIL et al, 2001), as- cada vez mais baseando seus re- e coibir desperdícios baseando re-
sim, economizar no sentido de oti- passes em indicadores de desfecho passes em indicadores de qualida-
mizar a aplicação de recursos não em saúde (JÚNIOR et al, 2003; PORTO, de, otimizando assim os recursos
significa obrigatoriamente gastar 1990; AGUIRRE, 2002). Uma das bar- disponíveis principalmente quando
pouco nem muito e sim gastar corre- reiras principais a ser enfrentada é o aumento do aporte de recursos es-
tamente. Quando o volume de recur- a falta de banco de dados confiáveis tiver fora de cogitações.
sos é suficiente para atender todas No Brasil, o Ministério da Saú-
as necessidades de um determinado de mantém um conjunto de banco
setor, no nosso caso a saúde, aplicar de dados acessível via internet no
corretamente os recursos significa- A QUANTIDADE E O CUSTO site www.datasus.org.br, que reú-
ria pagar a preço justo e obter o be- ne uma ampla gama de informa-
DOS PROCEDIMENTOS GERADOS
nefício desejado (promoção da saú- ções. Estes dados podem servir para
de entendida no seu sentido mais NA ASSISTÊNCIA À DOENÇA NÃO análises cujos resultados, uma vez
amplo de promoção, proteção e re- TÊM SIDO UMA BOA MEDIDA DA publicados, forneçam feedback para
cuperação). Depreende-se daí a ne- aprimoramento da qualidade das
cessidade do financiador de criar
QUALIDADE DA PRETENDIDA informações ali contidas, e aos pou-
meios de avaliar qualitativamente a PROMOÇÃO À SAÚDE cos ir viabilizando uma nova lógi-
contraprestação do benefício deseja- ca para transferência de recursos
do. Quando o volume de recursos é na área da saúde (JÚNIOR et al, 2003;
escasso, insuficiente para atender TEIXEIRA, 2003; FREITAS et al, 2001).
todas as necessidades, uma atribui- que permitam calcular e monitorar Embora intuitivamente seja fre-
ção adicional recai sobre o financia- a evolução desses indicadores de qüente associar-se volume de recur-
dor que é a de priorizar as aplica- qualidade.Uma outra constatação sos com melhoria dos desfechos em
ções. A compreensão dos conceitos importante e que há vinte anos já saúde, pouco se tem publicado em
de qualidade da atenção médica tra- preocupava estudiosos na Inglater- relação a caracterização quantifica-
zidos por Donabedian (DONABEDIAN, ra (MAXWELL, 1985) é que vem sen- da dessas correlações. Verificando
1985; 1986; 1988; 1990)são de fun- do cada vez mais difícil conciliar a como recursos financeiros repassados
damental importância para aborda- incorporação de novas tecnologias e coeficiente de mortalidade infantil
gem da questão das formas de finan- médicas com os recursos muitas ve- se correlacionam e se a correlação
ciamento e avaliação. zes estáticos dos sistemas de saúde possui as mesmas características
A quantidade e o custo dos pro- e, somado a isso, o envelhecimento para cada uma das cinco macrorre-
cedimentos gerados na assistência das populações que forçam uma es- giões do território brasileiro, este
à doença não têm sido uma boa me- calada contínua da demanda e dos estudo tem por objetivo concluir se

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, janeiro 2007 105
AZEVEDO, Jorge de et al

é plausível basear transferência de ta anual”, em reais, foi calculada te no repasse de recursos financei-
recursos no coeficiente de mortali- considerando o total de recursos fi- ros per capita entre as macrorregi-
dade infantil. nanceiros repassados e dados popu- ões, com média no período avalia-
lacionais extraídos do IBGE. Foi rea- do, variando entre R$ 51,83 (Norte)
MATERIAL E MÉTODO lizada análise de correlação de Pear- e R$ 75,82 por ano (Sudeste). O va-
son para cada ano e macrorregião, e lor médio do Coeficiente de Mortali-
A análise considerou dados se- os dados são apresentados em gráfi- dade Infantil (CMI) para o período
cundários do período de 1997-2002 cos de dispersão por região, com in- variou entre 17,13/1.000 (Centro-
obtidos do DATASUS e Instituto Bra- tervalos de confiança 95% utilizan- Oeste) e 25,67/1.000 nascidos-vivos
sileiro de Geografia e Estatística do-se o programa SPSS v.12.0. (Nordeste). Paradoxalmente, a ma-
(IBGE), disponível para acesso pú- crorregião com maior valor médio
blico via internet. Número de óbitos RESULTADOS, CONCLUSÕES E per capita (Sudeste) não foi a que
em menores de 1 ano foi obtido do LIMITAÇÕES DO ESTUDO apresentou melhor CMI (Centro-Oes-
Sistema de Informações sobre Mor- te), tampouco a de pior valor médio
talidade (SIM), número de nascidos- Observando-se a tabela 1, cons- per capita (Norte) foi a que apresen-
vivos do Sistema de Informações so- tata-se uma variabilidade importan- tou pior CMI (Nordeste).
bre Nascimentos (SINASC), dados
demográficos do IBGE. Os valores TABELA 1 – Análise descritiva das variáveis “repasse médio anual em reais” e “Coeficiente de
de repasses financeiros incluíram Mortalidade Infantil” por macrorregião, no período de 1997- 2002.
todo tipo de transferência feita pelo
Ministério da Saúde aos estados e
municípios (remuneração por servi-
ços produzidos e transferências fun- ! "
# $ % !% " %% !"
do a fundo), constituída dos reem-
bolsos pelos procedimentos ambu-
! & &! &
latoriais e hospitalizações e recur- # $ ! % "% && "
sos destinados às atividades de pre- # '(
venção e controle de doenças, obti- "! &" %% &"
dos do Sistema de Informações Am- # $ & %% % ! % "

bulatoriais do SUS (SIA-SUS), Siste- )*


!& "! !
ma de Informações Hospitalares do
# $ "% % %
SUS (SIH-SUS) e Fundo Nacional de
)*+
Saúde (FNS), respectivamente. Não !% & ! &&
foram computados os valores dos # $ & % " &% & %
percentuais sobre a receita de impos-
tos estatuais e municipais estabele- A tabela 2 contém todos os pa- ram a base para confecção da tabe-
o
cidos pela Emenda Constitucional N res de valores de repasses per capi- la 1 e dos gráficos de dispersão da
29/2000. Os dados foram extraídos e ta em reais (valores de “x” nos grá- figura. Nela podemos observar que
exportados para planilhas Excel. A ficos) e CMI por 1000 nascidos vi- para todas as regiões houve repas-
variável derivada “repasse per capi- vos (valores de “Y”), que constituí- ses com valores crescentes; que a

106 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, janeiro 2007
Correlação entre recursos financeiros e coeficiente de mortalidade infantil nas cinco macrorregiões do Brasil (de 1997 a 2002)

região Sul foi a que apresentou para TABELA 2 – Valores de repasses per capita em reais e coeficientes de mortalidade infantil por 1000
todos os anos de 1997 a 2002 os nascidos vivos para cada ano e macrorregião.
menores CMI; que a região Sudeste,
%%% %% %%
com exceção de 1998, foi a que re-
cebeu valores mais elevados de re-
, ! "! % && ""
passes per capita e que para todas
# $ "% ! "& !!
as regiões com exceção da Sudeste
houve aumento do CMI do ano de
1997 para o de 1998, apesar de ter , ! " -%% &- &-% -" -&
# $ & " & ! !
aumentado o valor do repasse.
A tabela 3 reúne em ordem cres- # '(

cente os valores dos coeficientes de , "! &% & && "

correlação linear para cada macror- # $ " ! " "

região no período de 1997 a 2002 )*

com respectivos valores de P. , !& &% !% %" "!

Analisando-se os gráficos de dis- # $ "& ! &

persão da figura abaixo, constata- )*+

se correlação inversa entre repasse , !% &% & %% ! ! "

per capita anual e CMI para todas # $ % &" &%

as macrorregiões sendo que a for-


ça da associação é menor na região TABELA 3 – Força das associações entre repasses per capita em reais e coeficiente de mortalidade
Norte (r=-0,614; P=0,195), aumen- infantil para cada macrorregião no período de 1997 a 2002. Coeficiente de correlação linear (r)
tando progressivamente nas regiões com respectivos valores de P.
Centro-Oeste (r=-0,963; P=0,002),
Nordeste (r=-0,830; p=0,041), Su-
'%& " %
deste (r=-0,938; p=0,006) e Sul
# '( '% % %"!
(r= -0,963; p=0,002).
' % !% % %"
A correlação inversa entre as
variáveis para todas as macrorre- )* '% ! % %%&

giões nos leva, preliminarmente, a )*+ ' % &! % %%

concluir ser possível basear repas-


ses de recursos financeiros no CMI. estudos são necessários para iden- do na cotação média de cada ano,
Entretanto, a importante variabili- tificar tais fatores associados à va- de 1997 a 2002, resultados opostos
dade na força das associações su- riabilidade per capita entre as regi- e aparentemente paradoxais são en-
gere que os diferentes impactos da ões; a forma de aplicação desses contrados, com correlação direta en-
aplicação dos recursos certamente recursos e do impacto dessas apli- tre as variáveis em questão e corre-
se devam a influência de fatores de cações sobre indicadores de saúde. lação inversa entre CMI e taxa de
confusão e/ou interação manifestos Além disso, quando são realizadas câmbio médio do dólar a cada ano.
de forma diferente em cada macror- transformações dos valores de repas- Pensamos que mais fidedignos
região, e por estes motivos outros ses para o dólar americano basea- serão os resultados quanto mais es-

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, janeiro 2007 107
AZEVEDO, Jorge de et al

pecífica seja a análise, isto é, quanto pois, embora fosse viável obter re- fatores associados que possam es-
menor a extensão territorial estuda- passes mensais de recursos, teríamos tar interferindo neste resultado e,
da (idealmente estudos ao nível mu- sérios problemas com o Coeficiente assim, aprimorar esta forma de re-
nicipal) e quanto maior o período de Mortalidade Infantil Proporcional. passe de recursos e avaliação de re-
analisado. A análise destes seis anos Este estudo é uma abordagem sultados, tendo em mente que este é
(1997 a 2002) se deve ao fato de ser inicial do tema. Como autores, vis- um processo dinâmico e, portanto
o único período cujos dados demo- lumbramos um longo e ramificado sujeito a variações a cada período.
gráficos, repasses financeiros e de caminho a ser percorrido até que se Finalizamos citando Ernest Ru-
mortalidade estarem concomitante- possa alcançar o objetivo final que therford que viveu entre 1871-1937,
mente disponíveis para acesso públi- seria estar estimando, para cada re- prêmio Nobel em química em 1908

co no site do DATASUS. Resolvemos gião, o impacto esperado sobre cada e criador da física atômica moder-
na, que certa vez afirmou:
não fazer a análise mensal ao invés indicador de desfecho considerando
de anual, para aumentar o número um determinado volume de recurso “ – We don’t have the money, so
de pares para análise de correlação, aplicado. Além disso, conhecer os we have to think”. (ALLIBONE, 1973)

FIGURA 1 – Representações gráficas das correlações entre “Repasse per capita anual em Reais” (eixo dos X) e “Coeficiente de Mortalidade Infantil /1000
nascidos vivos” (eixo dos Y) no período de 1997 a 2002 com curvas de IC 95%.

108 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, janeiro 2007
Correlação entre recursos financeiros e coeficiente de mortalidade infantil nas cinco macrorregiões do Brasil (de 1997 a 2002)

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Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 104-109, janeiro 2007 109
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli
ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde
Clusters and thresholds of science and technology in health

Catari Vilela Chaves1, Eduardo da Motta e Albuquerque2 & Sueli Moro3

RESUMO

Sistema Nacional de Inovação (NSI) é uma construção institucional que impulsiona o progresso científico-
tecnológico em economias capitalistas modernas. A literatura sobre economia da ciência e tecnologia (C&T)
permite desagregar o NSI em setores, pois a dinâmica de inovação é significativamente diferente entre eles. O
objetivo deste artigo é compreender as peculiaridades da distribuição dos países em relação aos indicadores de
C&T em saúde e, conseqüentemente, verificar se existe limiar de produção científica para o setor. O principal
resultado do artigo é a identificação de uma descontinuidade da produção científico-tecnológica em saúde entre
os países com sistemas maduros de inovação e países com sistemas imaturos.

PALAVRAS-CHAVE: Sistema de Inovação Setorial em Saúde; Análise de Cluster.

ABSTRACT

The literature on National Systems of Innovation (NSI) highlights how science and technology are the
engines of growth and sources of the wealth of nations. The interactions between science and technology are
important for the formation of NSIs. This paper investigates these interactions in general and in the health
sector. Investigations based on indicators of technological production (patents) and of scientific production
(indexed papers) have identified a threshold level that divides countries in two broad groups: beyond the
threshold are the developed countries, with mature NSIs, and below that threshold are the less developed
economies, with immature NSIs. The main finding is the identification of a threshold in the production of
science and technology in health. This health-related threshold, however, is different from the general threshold
identified previously: in the health sector, there is a discontinuity between immature NSIs and mature NSIs,
and not only an inflexion.

KEYWORDS: Health Innovation System; Cluster Analysis.

1
Cedeplar-UFMG e Pucminas.
2
Cedeplar-UFMG.
3
Cedeplar-Health Innovation System; Cluster Analysis. UFMG.

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Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

INTRODUÇÃO trabalho, disponibilidade de maté- Para que os países possam evo-


rias-primas, condições de saúde da luir para regimes de interação mais
O objetivo deste artigo é analisar população, distribuição de renda avançados, sua infra-estrutura cien-
as peculiaridades da distribuição dos etc. Os países que se enquadram tífica, tecnológica e seu crescimen-
países em relação aos indicadores de nessa categoria são classificados to econômico devem ser os elos fun-
ciência e tecnologia (C&T) em saúde. como pertencentes ao regime I. No damentais de uma rede de interações
Comparando esta distribuição com a caso dos países em desenvolvimen- que conecta os diversos componen-
descrita por SILVA (2003), que anali- to, artigos e patentes são produzi- tes do sistema de inovação. Isso sig-
sou a distribuição dos países para o dos de forma sistemática, mas as nifica que países menos desenvol-
Sistema Nacional de Inovação (NSI, interações entre C&T ainda não es- vidos possuem menor número de
1
na sigla em inglês) , é fundamental tão totalmente consolidadas. No en- conexões (entre produção científica,
relacionar a infra-estrutura científi- tanto, pode-se perceber contribuições produção tecnológica e crescimento
ca e tecnológica com o estágio de de- da produção científica e da tecnoló- econômico) e, à medida que evolu-
senvolvimento dos diversos países em, as conexões entre as três esfe-
em termos de C&T. De início, será ras são efetivadas. Nesse sentido,
utilizada a análise multivariada de pode-se conjeturar o seguinte: o for-
clusters hierárquicos, para estabe- talecimento da infra-estrutura cien-
lecer uma tipologia entre os países, A CONEXÃO COM A tífica e tecnológica proporciona di-
de acordo com os regimes de intera- ESFERA SOCIAL FICA namismo aos países menos desen-
ção a que pertencem. A seguir, será volvidos e age como um elo de liga-
CLARA QUANDO A
discutida a possibilidade de existên- ção com as esferas econômicas e
cia de limiar de produção científica REFERÊNCIA PASSA A sociais. A conexão com a esfera so-
para esse setor. SER O SETOR SAÚDE cial fica clara quando a referência
BERNARDES & ALBUQUERQUE (2003) passa a ser o setor saúde. Não há
identificaram três grupos de países dúvida de que países com sistema
com características semelhantes a de inovação avançado em termos de
partir das estatísticas de artigos e saúde – como tecnologia médica
patentes. Segundo os autores, os gica para o processo de crescimen- moderna, divulgação dos conheci-
países menos desenvolvidos não to econômico. Os países que possu- mentos pela saúde pública etc. –
produzem artigos e/ou patentes e, em essas características pertencem oferecem benefícios à população,
praticamente, não há articulação ao regime II. Finalmente, os países como queda da mortalidade infan-
entre as esferas científica e tecnoló- desenvolvidos possuem infra-estru- til, aumento da expectativa de vida,
gica. Isso significa que o setor pro- tura científica e tecnológica bem melhorias na produtividade do tra-
dutivo não se beneficia dos avan- consolidada, existem mecanismos balho etc. Nestes países, as inova-
ços científicos. Em termos de C&T, de feedback entre ambas as dimen- ções e intervenções sanitárias che-
apenas a produção científica contri- sões e interações entre C&T com a gam à população por meio dos sis-
bui para o crescimento econômico. esfera econômica. Esses países per- temas e serviços de saúde, que são
Este depende de outros fatores como tencem ao regime III. muito eficientes.

1
Mais especificamente, a análise refere-se a apenas uma parte do NSI, medida por artigos e patentes.

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CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

Em relação ao sistema de inova- O artigo apresenta três seções. A particularidades: em primeiro lugar,
ção, a literatura sobre economia da primeira sintetiza trabalhos anteri- o papel da ciência em processos de
ciência e tecnologia enfatiza a impor- ores que discutem o papel da infra- catching up (processo que o Brasil
tância dos investimentos em pesqui- estrutura científica na construção de precisa realizar para superar a bar-
sa como forma de os países forma- sistemas de inovação e identifica li- reira do subdesenvolvimento); em
rem “massa crítica” em termos cien- miares da produção científica em segundo lugar, uma especificidade
tíficos. A partir da formação dessa geral (esses limiares são importan- do setor saúde de um país no está-
base, haveria maior eficiência na pro- tes para a identificação dos três re- gio de desenvolvimento como o Bra-
dução de inovações tecnológicas gimes de interação). A segunda se- sil, que se caracteriza por um “mo-
(medidas pela proxy patentes). Isso ção apresenta a metodologia relati- saico epidemiológico”, situado no
significa que, ultrapassado o limiar va à análise multivariada de clus- contexto internacional de uma des-
de produção científica, haveria mai- ters hierárquicos. A terceira é dedi- conexão entre carga da doença e re-
or articulação entre a produção ci- cada à análise dos resultados refe- cursos para pesquisa.
entífica e a tecnológica, indicando a A discussão apresentada nesta
existência de mútua determinação seção contribui para a compreensão
entre ambas. Assim, pode-se reconhe- da definição da metodologia apre-
cer que a produção tecnológica for- sentada na seção seguinte e dos fun-
talece a científica que, por sua vez, O SETOR SAÚDE damentos teóricos que informam a
contribui para a expansão e o aper- comparação entre clusters de paí-
feiçoamento da tecnológica.
É FORTEMENTE ses para C&T em geral e para a saú-
A hipótese básica deste artigo é a DEPENDENTE de em particular.
de que, no sistema setorial de inova-
DA CIÊNCIA
ção em saúde, a exigência para se O papel das universidades
formar “massa crítica” e, conseqüen- e instituições de pesquisa
temente, ultrapassar o limiar de pro-
A partir da resenha do conceito
dução científica, é maior, relativamen-
de sistema de inovação e da indi-
te ao NSI agregado. O fundamento da
cação do papel da interação entre
hipótese é de que o setor saúde é for- rentes aos clusters para o NSI em
as dimensões científica e tecnoló-
temente dependente da ciência (NEL- saúde, aos limiares de produção ci-
gica, é possível focalizar com mais
SON, 1995). Por isso, as exigências para entífica e à especialização científi-
detalhe o papel das universidades
a transformação do conhecimento ci- ca. Por fim, apresenta as principais
e instituições de pesquisa – os
entífico em conhecimento tecnológico conclusões do artigo.
componentes essenciais da infra-
são maiores neste setor, o que justifi-
estrutura científica.
ca a descontinuidade científico-tecno- INFRA-ESTRUTURA CIENTÍFICA NA Há uma literatura rica sobre o
lógica que ocorre quando da passa- CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS DE INOVAÇÃO E tema. M EYER -K RAHMER & K ULICKE
gem do regime II para o regime III. A OS LIMIARES DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA (2002) sintetizam de forma feliz o
conseqüência imediata é a necessida-
papel das universidades na litera-
de de investimentos em infra-estrutu- Pretende-se resenhar o papel da
tura da economia da tecnologia:
ra científica, sobretudo para os paí- infra-estrutura científica nos siste-
“instituições na interseção entre o
ses que estão aquém do limiar. mas de inovação, indicando duas
conhecimento e a economia”. Três

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Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

textos são úteis para se ter uma no- industriais); indica setores industri- p. 6-20). Pesquisaram as referênci-
ção das pesquisas relevantes em re- ais que valorizam muito diversas as existentes nas patentes a traba-
lação ao tema: KLEVORICK et al. (1995), disciplinas científicas (a indústria de lhos científicos. Comparando os da-
NARIN et al. (1997), COHEN et al. (2002) medicamentos, por exemplo, atribui dos de 1987-1988 e 1993-1994, iden-
KLEVORICK et al. (1995) investi- elevada importância para a Biolo- tificaram um crescimento de 30% no
gam a forma que as empresas in- gia e as Ciências Médicas, enquan- total de patentes. Para o mesmo pe-
dustriais avaliam a ciência e sua to a indústria de semicondutores ríodo, o total de referências a publi-
utilidade para a dinâmica inovati- valoriza a Física e a Ciência da Com- cações científicas com autores nor-
va das empresas. A pesquisa ali re- putação). O Yale Survey resume a te-americanos passou de 17 mil para
latada (1995) é o Yale Survey, um forma como os diversos setores in- 50 mil (aumento de quase 200%).
levantamento realizado junto a 650 dustriais monitoram ativamente e NARIN et al. (1997) demonstram as
empresas de 180 diferentes indús- acompanham o que acontece na in- articulações crescentes entre as ino-
trias, que investigou questões re- fra-estrutura científica. vações da indústria dos Estados
lacionadas a oportunidades tecno- Unidos e a comunidade acadêmica.
lógicas e condições de apropriabi- Ou, em outras palavras, a crescente
lidade. Avanços no conhecimento ci- dependência da indústria america-
entífico são fontes importantes de na em relação à ciência (financiada
oportunidades tecnológicas. Os re-
OS RESULTADOS GERAIS INDICAM basicamente pelo setor público).
sultados são preciosos para identi- A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA Os resultados gerais indicam a
ficar um canal de transferência de importância da ciência financiada
FINANCIADA PUBLICAMENTE
conhecimentos que sai da infra-es- publicamente para o dinamismo tec-
trutura científica e chega à firma e PARA O DINAMISMO TECNOLÓGICO nológico da indústria norte-ameri-
DA INDÚSTRIA NORTE-AMERICANA
2
pode ser por ela absorvido. Esta cana. Desagregando os setores en-
pesquisa é pioneira por especificar volvidos, os resultados de NARIN et
essa relação e por avançar na dis- al. (1997) indicam que as patentes
cussão do papel de diferentes dis- relacionadas a drogas e medica-
ciplinas científicas para diferentes mentos são as que apresentam a
setores industriais. O trabalho de NARIN et al. (1997) mais forte dependência em relação
O Yale Survey indica a importân- apresenta dados deste mesmo senti- à ciência pública.
cia da ciência universitária e da ci- do causal (da infra-estrutura cientí- No geral, os artigos científicos
ência em geral para tecnologias in- fica para as firmas). NARIN, HAMILTON citados pelas patentes das indústri-
dustriais. Aponta, de forma precisa, & OLIVASTRO (1997) realizaram um as norte-americanas têm forte ori-
o peso de disciplinas específicas para estudo por encomenda da National gem em instituições públicas (43,9%
a indústria em geral (Ciências de Science Foundation sobre a depen- dos Estados Unidos; 29,4% estran-
Materiais, Ciências da Computação, dência da indústria norte-america- geiras), sendo que a soma das pa-
Química e Metalurgia são as que na em relação à ciência financiada tentes de drogas e medicamentos
lideram o impacto entre os setores com recursos públicos (NSF, 1998. apresenta a maior participação to-

2
Para a compreensão desse canal, é importante a elaboração de COHEN & LEVINTHAL (1989), que avaliam o duplo papel das atividades de
pesquisa e desenvolvimento em firmas: elas alimentam tanto a inovação como o aprendizado. É importante o desenvolvimento de capaci-
dade de absorção de conhecimento externo, em especial de conhecimento gerado nas universidades.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 113
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

tal de instituições públicas (79,1% seja, a infra-estrutura científica é (li- iniciados na produção científica.
de todas as citações). geiramente) mais utilizada para re- Mas, ao contrário do que críticos
A pesquisa de COHEN et al. (2002) solver problemas que surgem no de- unilaterais do modelo linear pode-
é uma expansão e uma atualização correr de atividades de pesquisa já riam supor, é necessária a presença
do Yale Survey, agora realizado iniciada do que para iniciar novos da infra-estrutura científica para a
como Carnegie Mellon Survey (CMS). projetos de pesquisa. As empresas conclusão de projetos iniciados sem
O survey é mais amplo (envolve iniciam projetos a partir de suas ati- sua participação direta. O modelo
1.267 empresas industriais), avalia vidades produtivas, por sugestão de interativo da relação entre ciência e
a opinião das firmas sobre univer- clientes ou de fornecedores e, em al- tecnologia encontra, assim, forte
sidades e instituições públicas de gum ponto do processo de P&D são evidência empírica.3
pesquisa (o Yale Survey considerou forçadas a procurar universidades e O CMS (realizado em 1994) apre-
apenas universidades) e envolve fir- laboratórios de pesquisa para com- senta resultados razoavelmente com-
mas de tamanhos diversos, incluin- pletar o projeto. A existência de um patíveis com o Yale Survey (realiza-
do start-ups. O Carnegie Mellon do em 1987). Por exemplo, a Ciên-
Survey (CMS) é mais detalhado em cia de Materiais continua sendo a
relação às fontes de informação uti- disciplina acadêmica de maior im-
lizadas pelas empresas industriais,
AS EMPRESAS CONSIDERAM AS pacto em termos dos setores indus-
em especial ao discriminar entre a INFORMAÇÕES PROVENIENTES DE triais que a consideram relevante.
importância das universidades e dos UNIVERSIDADES E LABORATÓRIOS Mas o CMS apresenta uma fo-
laboratórios públicos de pesquisa tografia mais completa dos seto-
PÚBLICOS COMO MAIS IMPORTANTES
como fontes para “sugestão de no- res industriais. Dois elementos se
vos projetos” e como “contribuição PARA O “ACABAMENTO DE PROJETOS” destacam em relação aos vínculos
para o acabamento de projetos”. entre setores industriais e pesqui-
DO QUE PARA A “SUGESTÃO
Tal discriminação é especialmen- sa acadêmica. Para tanto, a indús-
te importante porque é uma nova e DE NOVOS PROJETOS tria é desagregada em 36 diferen-
qualificada fonte de questionamen- tes setores (segundo a classifica-
to do “modelo linear” de tecnologia. ção SIC), e são investigadas dez
A rigor, segundo COHEN et al. (2002, setor produtivo envolvido em ativi- diferentes disciplinas científicas
p. 7), as empresas consideram as in- dades inovativas constitui-se em (biologia, química, física, ciênci-
formações provenientes de universi- importante fonte de questões e pro- as da computação, ciências de
dades e laboratórios públicos como blemas para a infra-estrutura cientí- materiais, medicina, engenharia
(ligeiramente) mais importantes para fica resolver, confirmando as pesqui- química, engenharia elétrica, en-
o “acabamento de projetos” (36% do sas de ROSENBERG (1982). genharia mecânica e matemática).
total) do que para a “sugestão de Ao contrário do que supunha o Em primeiro lugar, o CMS apre-
novos projetos” (32% do total). Ou modelo linear, os projetos não são senta uma avaliação abrangente dos

3
MEYER-Krahmer & SCHMOCH (1998), em estudo realizado na Alemanha sobre interação entre ciência e tecnologia em quatro campos tecnoló-
gicos, encontraram que mais de 50% dos pesquisadores universitários entrevistados nas áreas de microeletrônica, software e biotecnologia
avaliam ser a “limitada base industrial uma importante barreira para a interação (da universidade) com a indústria”. Esse ponto é muito
importante para demonstrar o efeito do crescimento da base industrial sobre a dinâmica interativa universidade-indústria, que por sua vez
é crucial para o crescimento da produção científica em geral.

114 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

setores industriais que consideram des como para novas pequenas fir- ca oferece “conhecimento para foca-
relevante (moderadamente ou mui- mas (start-ups). lizar buscas” (NELSON, 1982), ao in-
to) alguma disciplina científica. Dos vés de ser uma fonte direta de opor-
36 setores industriais, 26 indústri- O papel da ciência antes e durante tunidades tecnológicas. Em outras
as indicaram pelo menos uma dis- o processo de Catching Up palavras, a infra-estrutura científi-
ciplina considerada relevante por ca em países em desenvolvimento
A situação prevalecente nos pa-
mais de 50% das firmas investiga- deve contribuir para vincular o país
íses menos desenvolvidos não pode
das. Esse dado sugere para Cohen aos fluxos científicos e tecnológicos
ser compreendida a partir da apli-
et al. (2002, p. 12) que a pesquisa internacionais.
cação direta e sem qualificações
realizada em universidades e insti- Neste sentido, o papel da ciên-
das conclusões alcançadas na lite-
tuições de pesquisa tem impacto cia durante processos de catching
ratura sobre os países avançados.
generalizado e abrangente nas ati- up pode ser desdobrado em três di-
Há diferenças que devem ser leva-
vidades de P&D industrial. mensões. Em primeiro lugar, ela
das em conta.
Em segundo lugar, entre as dez atua como um “instrumento de fo-
disciplinas avaliadas, oito foram calização”, contribuindo para a
consideradas importantes em pelo identificação de oportunidades e
menos um setor industrial por mais para a vinculação do país aos flu-
de 50% das firmas. 4 O RESULTADO ENCONTRADO xos internacionais. Em segundo lu-
Cohen et al. (2002) apresentam INDICA QUE A PESQUISA gar, a ciência cumpre o papel de
dados em relação à importância dos instrumento de apoio para o desen-
PÚBLICA É IMPORTANTE TANTO
diversos canais de fluxos de conhe- volvimento industrial, provendo o
cimento. O canal mais importante é PARA FIRMAS GRANDES COMO conhecimento necessário para a en-
o das “publicações e relatórios” PARA NOVAS PEQUENAS FIRMAS trada em setores industriais estra-
(considerado pelo menos “modera- tégicos (PEREZ & SOETE, 1988). Final-
damente importante” para 41,2% dos mente, ela serve como fonte para
entrevistados). O segundo canal algumas soluções criativas que di-
mais importante é a “interação in- ficilmente seriam obtidas fora do
formal” (para 35,6%) e em terceiro No que diz respeito ao papel da país (exemplo: vacinas contra do-
lugar está o canal “conferências e ciência, a principal diferença reside enças tropicais, desenvolvimento de
encontros” (para 35,1%). na contribuição que ela pode ofere- tecnologias agrícolas específicas
Finalmente, COHEN et al. (2002) cer durante o processo de catching em termos de climas, condições de
apresentam evidências quanto à up: a infra-estrutura científica atua irrigação e características das ter-
importância das instituições de pes- como um “instrumento de focaliza- ras, desenvolvimento de certas li-
quisa para as firmas de acordo com ção” e como uma “antena” para gas metálicas, preparação de sof-
o seu tamanho. O resultado encon- identificar oportunidades tecnológi- twares aplicados, etc.). Decerto que
trado indica que a pesquisa pública cas e para constituir a capacidade há uma inter-relação entre esses
é importante tanto para firmas gran- de absorção do país. Em um país diferentes papéis, na medida que o
atrasado, a infra-estrutura científi-

4
MEYER-KRAHMER & SCHMOCH (1998) destacam que no caso da Alemanha, mesmo tecnologias com baixa ligação com a ciência (como a
engenharia mecânica) podem ter forte interação entre universidade e indústria.

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 115
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

desenvolvimento da capacidade de estrutura científica assumir os pa- 3. a sugestão de que a interação


absorção é uma precondição para péis que lhe cabem durante o pro- entre estas esferas muda ao lon-
desenvolvimentos tecnológicos lo- cesso de desenvolvimento? go do processo de desenvolvimen-
cais, originais e incrementais. BERNARDES & ALBUQUERQUE (2003) to até alcançar um patamar ele-
Comparando as interações en- sugerem ser possível representar em vado de determinações recípro-
tre as esferas da ciência e da tecno- um modelo bastante simples a evo- cas, nível de interação que é ca-
logia em países em processo de ca- lução das relações entre as dimen- racterístico dos países avançados;
tching up (Coréia do Sul e Taiwan)
sões científica e tecnológica ao lon-
com o caso brasileiro, RAPINI (2000) 4. a conjectura de que esta trajetó-
go do processo de desenvolvimen-
encontrou uma importante diferen- ria evolucionista é impulsiona-
to. Trata-se de um modelo útil para
ça: nos países em catching up é da pelo desenvolvimento da in-
estabelecer alguns parâmetros para
possível estabelecer uma relação fra-estrutura científica (o forta-
a investigação do papel da intera-
estatística que sugere a existência lecimento da infra-estrutura ci-
de causalidade tanto entre a pro- entífica é uma condição neces-
dução científica (em termos de ar- sária, embora não suficiente,
tigos científicos indexados pelo ISI) para detonar o desenvolvimen-
e a produção tecnológica (em ter- to tecnológico);
mos de patentes depositadas no IDENTIFICOU-SE UMA
5. a conjectura da existência de li-
USPTO), como entre a produção tec- CAUSALIDADE RECÍPROCA ENTRE
miares de produção científica que
nológica e a produção científica.5
AS DIMENSÕES CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA devem ser superados para o alcan-
Ou seja, identificou-se uma causa-
AO LONGO DO PROCESSO DE ce de novos estágios e de novos
lidade recíproca entre as dimensões
científica e tecnológica ao longo do níveis de interação entre as dimen-
DESENVOLVIMENTO ACELERADO
processo de desenvolvimento ace- sões científica e tecnológica;
lerado. Esse achado contrasta com 6. o reconhecimento de que é possí-
o caso brasileiro, no qual a autora vel integrar estas interações entre
encontrou causalidade em apenas ciência e tecnologia nas determi-
um sentido: da produção científica
ção entre ciência e tecnologia. Seis nações do crescimento econômico.
para a tecnológica.
passos são necessários:
O modelo propõe a existência de
Os limiares de produção científica 1. o reconhecimento de duas dimen- pelo menos três diferentes “regimes
sões diferentes entre as ativida- de interação” ao longo do processo
A pergunta é a seguinte: seria
des relacionadas à inovação: a ci- de desenvolvimento. No ‘regime I’,
necessária a superação de algum li-
entífica e a tecnológica; a infra-estrutura científica é ainda
miar de produção científica para que
fosse assegurada a existência de uma 2. a identificação de uma divisão de muito pequena e incapaz de alimen-
massa crítica que permitisse à infra- trabalho institucional entre elas; tar uma produção tecnológica mí-

5
A causalidade é identificada através de uma técnica desenvolvida por GRANGER. RAPINI explica o sentido desta técnica e ressalta que o estudo
permite afirmar que as duas séries temporais (artigos e patentes) comportam-se de forma tal que a causalidade “no sentido de Granger” corre
nos dois sentidos. Para mais detalhes, ver RAPINI (2000).

116 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

nima.6 No ‘regime II’, a produção ci- caracterizam os movimentos inici- infra-estrutura científica nos países
entífica cresce e pode determinar al- ais nos processos de catching up. subdesenvolvidos: há temas que não
guma produção tecnológica, mas não Portanto, ao tratarmos dos paí- podem ser resolvidos sem um inves-
a ponto de viabilizar um efeito retro- ses em desenvolvimento, é necessá- timento de pesquisa localizado nes-
alimentador sobre a produção cien- rio combinar a crítica ao “modelo ses próprios países. O chamado “hi-
7
tífica. Por fim, no ‘regime III’, as co- linear” com a crítica ao “modelo li- ato 10/90” sintetiza o problema e
nexões e interações estão plenamen- near invertido”, de modo a afirmar indica a tarefa (GFHR, 2002).
te estabelecidas (como nos países de- que há mútua determinação e feed- O cenário mundial descrito pela
senvolvidos) e o principal determi- backs positivos entre as dimensões OMS pode ser sintetizado por um
nante do crescimento econômico é a científica e tecnológica. desafio duplo: “epidemias emergen-
capacitação científica e tecnológica. O modelo proposto aqui pode ser tes e problemas persistentes” (WHO,
A discussão sobre os limiares corroborado com base em uma aná- 1999. p.13-27). Esse cenário tem
de produção científica contribui lise estatística dos dados disponíveis uma distribuição desigual, em es-
para aprofundar a visão interativa pecial na distribuição da “carga da
que nasce da crítica ao modelo line- doença evitável” (p. 22-27).
ar. A identificação da necessidade do A articulação entre sistemas de
alcance de pontos de massa crítica inovação e bem-estar social encon-
em termos de recursos científicos tra-se mais desenvolvida nos países
NO CENÁRIO INTERNACIONAL, ricos. No cenário internacional, a
para que a interação possa ser po-
tencializada sugere a crítica a um A DESIGUALDADE DO PROGRESSO desigualdade do progresso tecnoló-
“modelo linear invertido”, muitas TECNOLÓGICO REFLETE-SE NA CONDIÇÃO gico reflete-se na condição social das
vezes implícito na literatura. Este populações mundiais. Possivelmen-
SOCIAL DAS POPULAÇÕES MUNDIAIS te, a inexistência ou o caráter incom-
modelo sugere que, em primeiro
lugar, o país se desenvolve econo- pleto dos sistemas de inovação na
micamente, depois investe em tec- periferia determina essa desigualda-
nologia e, apenas em um terceiro de internacional.
momento, aplica em ciência. No caso da saúde, a avaliação da
O principal problema do “mode- para 120 países (ver BERNARDES & situação tecnológica indica de forma
lo linear invertido” é o desconheci- ALBUQUERQUE, 2003). Os resultados dramática a enorme desigualdade
mento do papel da infra-estrutura desse estudo empírico estão apre- existente. Diversos estudos recentes
científica na construção da “capaci- sentados no Gráfico 1. identificam de forma complementar
dade de absorção” indispensável essa desigualdade (GFHR, 2002;
para a imitação, para a adaptação A grande desconexão entre a carga da WHO, 1996, 2001; UNDP, 2001).
de tecnologias disponíveis em paí- doença e os investimentos em pesquisa Em primeiro lugar, há uma im-
ses mais avançados e para a reali- A área de saúde possui uma par- portante articulação entre o nível de
zação de inovações incrementais que ticularidade que amplia o papel da desenvolvimento e os recursos alo-

6
Esse regime caracterizaria a situação de numerosos países da África, que possuem alguma produção científica mas nenhuma produção
tecnológica identificada por patentes no USPTO (BANZE, 2000).
7
Esse regime caracterizaria, por exemplo, o caso brasileiro (RAPINI, 2000).

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 117
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

cados para a pesquisa e desenvol- em pesquisa e desenvolvimento: 3) doenças do tipo III: aquelas ex-
vimento em saúde: de acordo com a enquanto a pneumonia e as doen- clusiva ou predominantemente con-
OMS, os países de baixa e média ren- ças diarreicas respondem por 15,4% centradas em países pobres (várias
da respondem por apenas 2,2% dos da carga da doença (e são as duas doenças tropicais). Doenças do tipo
fundos globais destinados para pes- maiores causas de morte no plane- I contam com P&D público e priva-
quisa em saúde (WHO, 1996, p. 218). ta), recebem apenas 0,2% dos recur- do, derivando-se daí novos produ-
Certamente esse problema alocativo sos para P&D (WHO, 1996, p. xxviii). tos. Entretanto, muitas vezes a di-
é resultado imediato da inexistên- Em terceiro lugar, em um desen- fusão desses produtos para países
cia de sistemas de inovação com- volvimento desses estudos compa- pobres é limitada, seja por custos
pletos nesses países. rativos, uma Comissão da OMS elevados seja por proteção patentá-
Em segundo lugar, como um re- (WHO, 2001) pôde articular a distri- ria. Doenças do tipo II contam com
sultado de um esforço mais abran- buição mundial de doenças e recur- recursos mais limitados. Por fim,
gente realizado pela OMS e pelo Ban- sos de P&D. O trabalho distingue as doenças de tipo III recebem uma
co Mundial, desenvolveu-se uma proporção muito baixa de P&D, e
investigação visando criar instru- “essentially no commercial based
mentos para a mensuração de im- R&D in rich countries” (p. 78).
pacto dos agravos à saúde, como Combinando a carga da doença e
primeiro passo para o planejamen- O GLOBAL FORUM a alocação de P&D, a OMS discute a
to das ações específicas de combate DESTACA O “10/90 GAP”: “oferta mundial de conhecimento
a estes agravos. O principal indica- para lutar contra doenças”: “the ba-
dor é o AVAI (sigla para Anos de Vida
UM HIATO ENTRE O GASTO sic principle that R&D tends to de-
Ajustados por Incapacidade, do in- COM PESQUISA EM SAÚDE cline relative to disease burden in
glês Disability Adjusted Life Years moving from Type I and Type III di-
E A CARGA DA DOENÇA
– Daly), um indicador absoluto do seases is a robust empirical finding.
nível de saúde de uma população. Type II diseases are often termed
Esse novo indicador possui, frente negleted diseases and Type III disea-
aos indicadores comumente usados ses very neglected diseases” (p. 78).
(tais como Índice de Mortalidade entre três tipos de doenças: 1) doen- Em quarto lugar, é importante
Infantil ou Expectativa de Vida), a ças tipo I, presentes em países ricos destacar a iniciativa do Global Fo-
vantagem de levar em conta todos e em países pobres, com populações rum for Health Research (GFHR,
os agravos à saúde (doenças, aci- vulneráveis expressivas nos dois 2002), talvez uma síntese de todos
dentes, condições ambientais e so- conjuntos de países (exemplos: do- os esforços internacionais apresen-
ciais insalubres etc.), sejam eles fa- enças transmissíveis como hepatite tados nessa seção. O Global Forum
tais ou não (MURRAY & LOPEZ, 1996). B e gripe e doenças não transmissí- destaca o “10/90 gap”: um hiato en-
A partir desse indicador, outros es- veis como diabete e doenças cardio- tre o gasto com pesquisa em saúde
tudos puderam ser desenvolvidos. vasculares); 2) doenças tipo II, pre- e a carga da doença. Segundo este
A OMS pôde encontrar, em estudo sentes em países ricos e países po- estudo, menos de 10% dos gastos
sobre pesquisas no setor saúde, bres, mas com uma proporção subs- mundiais em pesquisa em saúde são
“uma desconexão monumental” en- tancial de casos em países pobres dedicados a doenças ou condições
tre a carga da doença e os gastos (AIDS e tuberculose são exemplos); que representam mais de 90% da

118 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

carga mundial da doença (p. 89-91). dos para resolver os seus problemas fil epidemiológico do país apresenta
Utilizando a classificação da OMS básicos de saúde. Portanto, sistemas demandas muito especiais sobre o
(WHO, 2001), o Global Forum clas- de inovação têm um papel insubsti- sistema de saúde e sobre a infra-es-
sifica doenças tropicais como es- tuível para a saúde. trutura científica. E coloca o país
quistossomose, leishmaniose, onco- O perfil epidemiológico do Brasil numa posição muito singular nos
8
cercose, filariose e doenças de Cha- distingue-se do perfil de países avan- fluxos internacionais de informações
gas como doenças “muito negligen- çados pela presença dos “problemas científico-tecnológicas.
ciadas” (Tipo III). persistentes”, incluindo doenças tro-
Esses dados e resultados suge- picais, e também distingue-se dos METODOLOGIA
rem dois caminhos para nossa dis- países mais pobres pela presença das
cussão aqui. Em primeiro lugar, eles “epidemias emergentes”, envolvendo Base de Dados
indicam a necessidade de a saúde ser doenças não transmissíveis (um ver-
Indicadores de produção científica
compreendida como um fenômeno dadeiro “mosaico epidemiológico”).9
mundial, donde a importância de ini- Os dados sobre artigos cientí-

ciativas cooperativas internacionais, ficos foram fornecidos pelo Minis-

envolvendo esforços de pesquisa e tério da Ciência e Tecnologia (MCT)

apoio à constituição de sistemas de a partir da base do Institute for

saúde (que garantam a efetiva difu- Scientific Information (ISI), com-


SISTEMAS DE posto pelo Science Citation Index
são das conquistas científicas e tec-
nológicas da humanidade). Em se- INOVAÇÃO TÊM Expanded (SCI), Social Sciences Ci-

gundo lugar, destacam a importân- tation Index (SSCI) e Arts & Hu-
UM PAPEL INSUBSTITUÍVEL
cia do esforço científico interno aos manities Citation Index (A&HCI).
PARA A SAÚDE São utilizados como proxies da
países em desenvolvimento: perfis
epidemiológicos diferentes determi- produção científica.
nam diferentes demandas sobre os Para analisar a infra-estrutura
sistemas de pesquisa. Ou seja, ne- científica por país, serão utilizadas
nhum país do mundo pode deixar todas as disciplinas referentes ao
de participar das redes internacio- Por isso, o Brasil é um país que ne- sistema nacional de inovação (NSI)
nais de pesquisa e difusão das ino- cessita de um sistema de saúde que e as disciplinas que se relacionam
vações e nenhum país pode contar dê conta, simultaneamente, de lidar ao setor saúde. Das 104 disciplinas
apenas com a difusão passiva de com doenças degenerativas e com enumeradas pelo ISI, 47 são relaci-
inovações dos centros mais avança- doenças parasitárias. Portanto, o per- onadas à saúde (ver Quadro 1.A do

8
Novas aplicações de substâncias (em geral inesperadas, como ressaltam GELIJINS et al., 1998) podem, por acaso, ajudar países pobres. Dois
exemplos: um medicamento veterinário da Merck (ivermectin) demonstrou ser eficaz no controle da oncocercose humana, um medicamento
da Pfizer (Zithromax) contra chlamidia mostrou-se eficaz contra o tracoma (Financial Times, November 11, 1998, p. 4).
9
BUCK et al. (1988) distinguem três estágios na evolução dos padrões de doenças: 1) estágio marcado por doenças infecciosas, associadas à
pobreza, má nutrição, falta de saneamento etc.; 2) doenças degenerativas, como doenças cardíacas e câncer; 3) problemas derivados de
poluição ambiental e problemas em famílias, comunidades e locais de trabalho que levam à violência, abuso de drogas, alcoolismo etc. Os
países desenvolvidos teriam passado por esses três estágios ao longo de um século, enquanto os países em desenvolvimento devem enfrentá-
las de uma só vez. Daí a menção ao “verdadeiro mosaico epidemiológico” (p. ix).

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 119
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

anexo). As informações estão dispo- Organização Mundial de Proprieda- sobre patentes foi feita por país do
níveis para o período de 2001 e in- de Intelectual, mas os agrega, com o inventor e os dados estão disponíveis
cluem 118 países para esse ano. auxílio de especialistas das diversas no endereço www.uspto.gov.
áreas, de forma a viabilizar informa- Sumarizando, em relação aos in-
Indicadores de produção ções para o formulador de políticas dicadores de C&T, justifica-se o uso
tecnológica e para o analista da área de econo- de artigos publicados e de patentes
mia da tecnologia. O “algoritmo” da neste trabalho (em vez de indicado-
O documento das patentes (soli-
agregação, proposto pelo OST pode res derivados de artigos e patentes)
citadas e concedidas) encontradas
ser encontrado em publicação da porque a observação simultânea des-
no site do United States Patent and
entidade (OST, 2000, p. 409). sas variáveis é importante para ana-
Trademark Office (USPTO) contém as
A classificação das patentes por lisar as conexões entre C&T e para
informações utilizadas para a ela-
domínios e subdomínios tecnológi- formular modelos sobre processos
boração das bases de dados. Entre
essas informações está a classe tec- cos, por exemplo, oferece uma visão inovativos (SCHMOCH, 1997).

nológica da patente. Existe uma


classificação internacional de paten- Indicador de crescimento

tes preparada pela Organização econômico


Mundial de Propriedade Intelectual A literatura econômica que en-
(OMPI, cujo site é www.wipo.org),
AS RELAÇÕES ENTRE CRESCIMENTO
fatiza o papel da C&T na determina-
que possui diversos níveis de desa- ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO ção do crescimento econômico é
gregação: seções, subseções, clas- SÃO MUITO MAIS RECÍPROCAS DO QUE ampla (PAVITT, 1991; ROSENBERG, 1990;
ses e subclasses. São oito seções e KLEVORICK e cols., 1995; NARIN e cols.,
mais de 600 subclasses. Se, por um
UNIDIRECIONAIS, JÁ QUE A ORDEM DE
1997; FREEMAN & SOETE, 1997). Na
lado, a alta desagregação das sub- DETERMINAÇÃO É BILATERAL verdade, as relações entre crescimen-
classes dificulta a análise por sepa- to econômico e desenvolvimento ci-
rar tecnologias relacionadas, por entífico são muito mais recíprocas
outro lado, a forma como a agrega- do que unidirecionais, já que a or-
ção é feita nos níveis de seção e sub- dem de determinação é bilateral.
seção tem a finalidade de atender às sobre o setor a que pertence a paten- Essa concepção é válida, sobretu-
necessidades dos escritórios de pa- te. O levantamento de dados sobre do, para países avançados que já
tentes e não de viabilizar análises patentes para o setor saúde incluirá atingiram certo grau de interação
acadêmicas no campo da economia os subdomínios tecnológicos relati- entre ambas as esferas.
da ciência e tecnologia. vos à engenharia médica, química O indicador de crescimento eco-
Para superar esses problemas, orgânica, química macromolecular, nômico é a renda, medida por pari-
uma iniciativa do Observatoire des produtos farmacêutico-cosméticos e dade do poder de compra, cuja fon-
Sciences et des Techniques (OST, biotecnologia. Com essa classifica- te é o World Development Indica-
2000) propôs uma forma de agrega- ção, uma das maiores lacunas dos tors, 2003, disponível em CD-ROM.
ção em seis domínios tecnológicos estudos que utilizam estatísticas de Considerando que a análise realiza-
e em 30 subdomínios tecnológicos. patentes pôde ser contornada. Isso é da conta com vários países, perten-
O trabalho proposto pelo OST parte especialmente importante para estu- centes a diferentes estágios de de-
da classificação internacional da dos da área de saúde. A pesquisa senvolvimento, o indicador de ren-

120 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

da será utilizado sob o enfoque da estrutura científico-tecnológica. Por


P ∗ = β 0 A∗ β1 eui (1.a)
paridade do poder de compra. fim, os países que participam do re-
gime III possuem capacidade cientí- Linearizada, a equação acima re-
RESULTADOS fico-tecnológica consolidada. As in- sulta em:
terações entre C&T e crescimento eco-
Limiares de produção científica em saúde nômico são recíprocas e os países são ln P * = ln β 0 + β1 ln A∗ + ui (1.b)
considerados maduros em termos do
O objetivo desta seção é compa- ln P ∗ = α + β1 ln A∗ + ui (1.c)
sistema nacional de inovação.
rar o resultado sobre a existência
A análise de BERNARDES e ALBUQUER- Onde:
de limiares de produção científica
QUE (2003) sugere que
do sistema setorial em saúde com o a = ln b0;
do sistema de inovação proposto por “Quando o regime muda, o núme-
ln P* = log natural de patentes per capita;
BERNARDES e ALBUQUERQUE (2003). Como ro de canais de interação entre infra-
estrutura científica, produção tecno- ln A* = log natural de artigos per capita.
apresentado na seção 1, um modelo
é utilizado para descrever a relação Os autores ajustaram duas linhas
entre ciência, tecnologia e cresci- compatíveis com duas regiões bem
mento econômico. A hipótese é de definidas graficamente. A interseção
que as interações entre C&T são entre as duas linhas ocorreu no pon-
importantes desde o início do pro- AS INTERAÇÕES ENTRE to onde A* era equivalente a 150 arti-
cesso de desenvolvimento. Essas gos per capita. Este foi considerado o
interações possuem diferentes carac-
C&T SÃO IMPORTANTES “limiar” que identifica a transição do
terísticas vis-à-vis dos estágios de DESDE O INÍCIO DO PROCESSO regime II para o III. Assim, os países
desenvolvimento em que os países abaixo e à esquerda desse ponto per-
DE DESENVOLVIMENTO
se encontram (p. 868). tencem ao regime II e os que ficam
Conforme explicitado, os países acima e à direita participam do regi-
que pertencem ao regime I não pro- me III. O gráfico 1 ilustra o limiar de
duzem ciência e/ou tecnologia, ex- produção científica para o conjunto
pressas pelos indicadores de artigos de países que compõem o NSI.
e patentes, respectivamente. Os paí- lógica e crescimento econômico tam- Dando continuidade à análise pre-
ses pertencentes ao regime II possu- bém se modifica. Quando o país evo- cedente, esta seção visa testar a hi-
lui, mais conexões são ligadas e mais pótese de existência de um limiar
em artigos e patentes. Porém, sua
interações passam a operar. O regime
produção científica encontra-se abai- de produção científica para o siste-
III é aquele em que todas as conexões
xo do limiar de produção científica e ma de inovação em saúde. Os paí-
e interações são realizadas.” (p. 875)
eles são considerados tecnologica- ses que fazem parte do regime I não
mente imaturos. Há alguma intera- A questão investigada passa a ser: foram considerados na análise de
ção entre ciência e crescimento e en- separar os países que fazem parte dos cluster por não possuírem artigos
tre tecnologia e crescimento, mas o regimes II e III e, com isso, detectar o e/ou patentes em saúde. Os 71 paí-
sentido de determinação é unidireci- limiar da produção científica. ses pertencentes aos regimes II e III
onal, o que significa que o cresci- Para definir o "limiar", os auto- foram agrupados por meio de clus-
mento econômico não contribui de res propõem um modelo não linear ters hierárquicos, tendo como vari-
forma decisiva para ampliar a infra- do tipo: áveis as quantidades de patentes per

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CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

GRÁFICO 1 – Artigos por milhão de habitantes (A*) x patentes por milhão de habitantes (P*) em 0,90 (significativo no nível de 1%),
1998. Dois subconjuntos são representados por diferentes símbolos e duas funções potência ajustam indica que um aumento de 1% na
os subconjuntos. (em escala logarítmica) quantidade de artigos publicados
eleva a quantidade de patentes em
cerca de 0,90%. Por outro lado, para
os países pertencentes ao regime III,
a elasticidade foi de 1,13 (correspon-
dente à soma de β1 e β2), significan-
do que um aumento de 1% na quan-
tidade de artigos aumenta a produ-
ção de patentes em cerca de 1,13%.
O limiar de produção científica
para o setor saúde foi identificado
através da mudança estrutural, ex-
pressa pela variável dummy de incli-
nação (DA3). Esta define claramente
dois padrões distintos de comporta-
mento relativos aos países que fazem
parte do regime II, representados pela
Fonte: BERNANDES & ALBUQUERQUE (2003). reta menos inclinada, e aos países do
regime III, representados pela reta
capita e de artigos científicos per DA3 = variável dummy D3 multiplicada mais inclinada, conforme o Gráfico 2.
pela produção científica dos países do regi-
capita para o ano de 2001. Por hipótese, a produção tecno-
me III. Expressa mudança de inclinação ou
Após classificar os países de lógica, a partir da produção cientí-
mudança estrutural.
acordo com o regime a que per- fica, é maior entre os países perten-
Os resultados das estimativas
tencem, o modelo para o sistema centes ao regime III relativamente
de inovação proposto por B ERNAR - são apresentados na Tabela 1.
aos países do regime II. Isso signifi-
DES e A LBUQUERQUE (2003) e adapta- O melhor resultado refere-se ao
ca que os países do regime III con-
do por SILVA (2003) será testado modelo estimado com duas variá-
seguem produzir uma patente com
para o setor saúde. veis dummies para os outliers: DP
uma quantidade média de artigos
A equação estimada é similar à para os outliers positivos, El Sal-
menor que a média produzida pelos
equação proposta por BERNARDES e AL-
vador e Cazaquistão; e DN para o países do regime II, pois estes não
BUQUERQUE (2003), à qual acrescentou-
outlier negativo, Indonésia. A intro- conseguiram obter massa crítica
se uma variável dummy de inclinação.
dução das dummies para os outli- suficiente para ultrapassar o limiar
ers foram úteis para modelar as ca- de produção científica.
ln P ∗ = α + β1 ln A∗ + β 2 DA 3 + ui (1.d) racterísticas fixas desses países, as Os resultados encontrados nes-
quais não estavam no modelo. O R2 te artigo foram similares aos encon-
Onde:
ajustado foi de 0,90. O valor esti- trados por SILVA (2003) e por BER-
ln P* = log natural de patentes per capita; mado para a elasticidade do regime NARDES e ALBUQUERQUE (2003) em ter-
ln A* = log natural de artigos per capita. II, expresso pelo coeficiente β1, foi mos da existência de limiares de

122 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

TABELA 1 – Equação de produção tecnológica para o sistema de inovação em saúde – países A principal conclusão que se pode
pertencentes aos regimes II e III, 2001 tirar é de que há um limiar de pro-
dução científica para o setor saúde,
Pit = α 0 +β 1 ( A it) + β2 (DA3) + β 3 DP + β 4 DN + ε it
como ocorre para o sistema de ino-
vação como um todo (conforme os
resultados encontrados por S ILVA
(2003), B ERNARDES e A LBUQUERQUE
(2003)), pois foi detectada mudança
estrutural em termos da infra-estru-
tura científico-tecnológica. O “limi-
ar” é importante para demarcar o
esforço de produção acima do qual
! "# o país estaria ingressando em um
Fonte: elaboração própria novo regime, o que possibilita mai-
(1) Modelo clássico de regressão – estimado pelo método dos mínimos quadrados ordinários (MQO). or eficiência em termos das conexões
*** significativa a 1%
** significativa a 5% entre C&T. No entanto, dada a des-
* significativa a 10% continuidade científico-tecnológica
para o setor, os países do regime II
produção científica para o NSI em maior que os países do regime II en- teriam de realizar maior esforço para
saúde e para o NSI. A existência de frentarão para alcançar um estágio ultrapassar o limiar, relativamente
um limiar de produção científica de desenvolvimento mais avançado, aos países pertencentes a esse regi-
significa que os países conseguem caso não haja investimentos em C&T. me e que compõem o NSI. Além do
obter massa crítica em termos ci- Uma consideração importante a aumento de sua produção científica,
entíficos e, conseqüentemente, há ser feita é que o limiar de produção os canais de conexões entre as vári-
maior articulação entre as esferas científica varia ao longo do tempo, as instituições componentes do sis-
científica e tecnológica. sendo identificado como um concei- tema de inovação precisam ser arti-
Dadas as características do setor to dinâmico. Analisando o NSI total, culados, para integrar as universi-
saúde, o ponto central é avaliar o ALBUQUERQUE (2004, p. 9) sugere que: dades e institutos de pesquisa com o
salto científico e tecnológico neces- complexo médico-industrial, através
“A investigação do comportamen-
sário para que os países do regime II de políticas industriais que incenti-
to dos dados para outros anos (1974,
possam ingressar no regime III. O 1982 e 1990) indica um padrão simi- vem o setor produtivo.
Gráfico 2 permite visualizar essa lar de cross-over, mas sugere que o
limiar tem se movimentado ao longo Especialização científica em saúde
questão. Em primeiro lugar, não foi
do tempo: em 1974, sete artigos por
detectada interseção entre os dois milhão de habitantes; em 1982, 28; Uma medida importante para si-
regimes e sim uma descontinuidade e em 1990, 60. Essa movimentação tuar a produção científica do país é o
na produção científico-tecnológica do limiar pode ser interpretada como índice de especialização científica (Sci-
uma indicação do aumento das exi-
entre ambos. Em segundo lugar, a entific Revealed Comparative Advan-
gências em termos de infra-estrutura
trajetória das retas representativas tage – SRCA) proposto por LATTIMORE e
científica para processos de catching
dos regimes II e III não é convergen- up, na medida que o tempo passa e o REVETZ (1996). Esse índice compara a
te. Isso ilustra a dificuldade cada vez sistema capitalista se desenvolve.” produção científica do país em uma

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CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

GRÁFICO 2 – Saúde geral – artigos e patentes (por milhão de habitantes), 2001.

Fonte: ISI, USPTO, elaboração própria.


As siglas de alguns países selecionados são dadas a seguir: IN (Índia); BR (Brasil); ZA (África do Sul); KR (Coréia do Sul); TW (Taiwan); IE (Irlanda); JP (Japão); USA
(Estados Unidos); CH (Suíça); SE (Suécia).

dada disciplina com a produção ci- grau de especialização científica O índice de especialização é
entífica mundial nessa mesma disci- menor que o esperado, o que su- calculado de acordo com a fór-
plina. Segundo os autores: gere maior diversificação da pes- mula a seguir (L ATTIMORE ; R EVETZ ,
quisa científica” (p. 341). 1996. p. 15):
“Um país possui vantagem com-
parativa em um campo se a partici-
pação das publicações ou do núme- ( Pij / Pmundo, j )
ro de citações naquele campo for SRCA =
maior que a participação das publi-
Pi , total de disciplinas / Pmundo, total de disciplinas
cações ou citações do mundo naque- Onde:
le campo. Então, se a medida for
SRCA = índice de especialização (Scientific Revealed Comparative Advantage);
maior que a unidade há vantagem
P = artigos científicos;
comparativa, se a medida ficar abai-
i = país;
xo da unidade não há vantagem
j = disciplina.
comparativa.” (p. 9-10)

De acordo com P IANTA & A RCHI- Através do cálculo do SRCA , os A partir do trabalho de LATTIMORE
BUGI (1991), a especialização cor- autores propõem uma tipologia em & REVETZ (1996), ALBUQUERQUE (2004,
relaciona-se inversamente com o termos de especialização científi- p. 18-19) calcula o índice de espe-
volume de produção científica. ca para os países, classificando- cialização para 118 países, fazen-
Isso significa que “países com tra- os segundo quatro padrões distin- do uma adaptação: os cálculos são
dição científica estabelecida tos: industrial, saúde, recursos na- efetuados para artigos indexados
(como EUA e Reino Unido) têm um turais e misto. ao ISI e não para citações.

124 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

Em primeiro lugar, em decor- da produção de artigos entre as “Essa especialização possivel-


rência da identificação dos limia- diversas disciplinas. mente tem uma determinação no
peso e na sofisticação do sistema de
res de produção científica e da di- À medida que a infra-estrutura
bem-estar social da Suécia, que deve
visão dos países em três grandes científica se amplia, melhora a dis- ter um forte padrão de interação com
grupos para o NSI, foi possível tribuição do SRCA entre as diversas o sistema de inovação, intermedia-
relacionar a infra-estrutura cientí- disciplinas. Isso significa que os do pela infra-estrutura científica”
fica com o padrão de distribuição países do regime III, situados aci- (ALBUQUERQUE, 2004. p. 19-20).

Esse também é o padrão de espe-


TABELA 2 – Índice de especialização científica – SRCA (média e variância)
cialização da Finlândia e da Dinamar-
ca. A Noruega, apesar de possuir ele-
$%
&' ()* &' ()* vada especialização em saúde, apre-
+ ,- - , , -., sentou, em 2001, especialização em
++ -, ,. , ,-
outras disciplinas: ciências aquáti-
+++ ,-- ,- , ,
cas, geol./petrol./ engenharia de mi-
Fonte: Albuquerque, 2004.
nas; meio ambiente/ecologia; ciência
animal e engenharia civil.
ma do limiar de produção científi- Os Estados Unidos possuem a
Coréia do Sul e Taiwan (Tabelas 5
ca, possuem SRCA médio mais bai- infra-estrutura científica mais de-
e 6, respectivamente) conseguiram
xo, tanto em 1981 quanto em 2001, senvolvida e completa do mundo,
realizar o processo de catching up ao
indicando que a produção científi- mas não há concentração em ne-
longo das décadas de 1980 e 1990.
ca é bem distribuída entre as di- nhum setor científico, o que justi-
Caracterizados por possuírem sistemas
versas disciplinas. Os países do re- fica sua baixa especialização (con-
de inovação maduros sem ênfase em
forme Tabela 3, em 2001, direito e
gime II, que estão abaixo do limi-
saúde, esses países apresentaram es-
comunicação, com SRCA de 2,8 e
ar de produção científica, apresen-
2,1, apresentaram as maiores es- pecialização científica em diversas dis-
tam maior concentração científica ciplinas relacionadas à engenharia e
pecializações). Por isso, foram ca-
com maior número de publicações atividades industriais, sendo classifi-
racterizados como tendo especia-
em um conjunto menor de disci- cados como tipicamente industriais.
lização mista. As disciplinas que
plinas. Seu SRCA médio é superior O Brasil foi classificado como
apresentaram maior SRCA relacio-
ao dos países do regime III. Final- misto, com viés para o setor médi-
nam-se às ciências sociais aplica-
mente, os países do regime I, que das e às humanas. co, por não apresentar concentra-
apresentam apenas produção cien- Quanto aos países nórdicos, é ção em grupos homogêneos de dis-
tífica, mas não possuem patentes nítida a especialização em saúde: ciplinas (conforme Tabela 7). Ape-
depositadas no USPTO, têm os mai- as disciplinas relacionadas a esse sar de o setor saúde representar
ores SRCA médios. setor apresentam os maiores SRCA. 38,23% da produção científica na-
Em segundo lugar, Albuquerque No caso da Suécia, como pode ser cional, em termos mundiais não
seleciona um conjunto de países e visto na Tabela 4, todas as disci- possui vantagem comparativa
lista todas as disciplinas com SRCA plinas com SRCA superior a 1,5 são quando tratado em termos agrega-
superiores a 1,5. relacionadas à saúde. dos,10 pois seu índice de especiali-

10
Quando o setor é desagregado, algumas disciplinas apresentam vantagem comparativa.

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CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

TABELA 3 – Especialização científica para os EUA – 1981, 1991 e 2001

* /0 ) 1 * /0 ) 1 * /0 ) 1
2 , -. 2 , . 2 ,
2%3) * 452 , . 2%3) * 452 , 2%3) * 452 ,
6 0 452 , 6 0 452 , 1 42 2* 0 207 * 2* 0 ,
, % ) 452 , 8 60 2 9) +):2 % 452 ,
1 42 2* 0 207 * 2* 0 , , . 6 0 452 ,
; 3* 452 ,.- 8 60 2 9) +):2 % 452 ,- ,
1 < /<60 * 9)* < ,.- 9)* < 1 42 ,. ; 3* 452 ,
% ) 452 ,. ; 3* 452 ,.- 1 < /<60 * 9)* < ,.
*202$ ,. - 1 42 2* 0 207 * 2* 0 ,. = 3 ,
>3 3 ,- . >3 3 ,. - >3 3 ,
= 3 ,- 1 < /<60 * 9)* < ,. *202$ ,
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*202$ ,. ? 02 2: , .
12* 202$ ) 2/202$ ,. 9)* /207 * % /<60 * ,
;)$ 2 / * 0 ,-. 0 $ 52 ! 202$ ,.
= 3 ,- 07) * $ 0 ,.
9)* < 1 42 ,-.-
;)$ 2 / * 0 ,- .
;*2)2% ,-
Fonte: ISI, MCT, Albuquerque, E. M. (2004).

TABELA 4 – Especialização científica para Suécia – 1981, 1991 e 2001

* /0 ) 1 * /0 ) 1 * /0 ) 1
0 ) +%3)20@$ * 2 )4 +): * ,- - )7 * , A 0 & *) ,. )7 * , A 0 & *) ,-
? 202$ , 0 ) +%3)20@$ * 2 )4 +): * ,- & %6 ) 0 1 < <60 * , .
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& *) /2 3 , > %' * , @ $52 % , A 2/ ,
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A 2/ ,- ,. ? % *202$ C!2D *202$ ,- -
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,-
E 2 ) 202$ F / 202$ ,-
Fonte: ISI, MCT, Albuquerque, E. M. (2004).

126 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

TABELA 5 – Especialização científica para Coréia do Sul – 1981, 1991 e 2001

* /0 ) 1 * /0 ) 1 * /0 ) 1
8 2 *)202$ & *2 6 /0 * -, . H37% * , ! *)20 +):2 % 2%3) * 452 , -
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Fonte: ISI, MCT, Albuquerque, E. M. (2004).

TABELA 6 – Especialização científica para Taiwan – 1981, 1991 e 2001

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*202$ ,.
Fonte: ISI, MCT, Albuquerque, E. M. (2004).

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 127
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

TABELA 7 – Especialização científica para Brasil – 1981, 1991 e 2001

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Fonte: ISI, MCT, Albuquerque, E. M. (2004).

zação (0,84) está abaixo da unida- ção em algumas áreas científicas rência de quebra estrutural na rela-
de. No extremo oposto, têm-se a pode ser necessária (essa teria sido ção entre as dimensões científica e
agricultura e a agronomia, apresen- uma das características do proces- tecnológica para o setor, de forma
tando vantagem comparativa em ní- so de catching up na Coréia do Sul similar à que ocorre com o sistema
vel mundial, com o maior índice de e Taiwan)”. A análise da especiali- nacional de inovação em geral. Essa
especialização científica do país (3,97). zação científica do Brasil sugere a quebra estrutural representa o “limi-
Entre as 47 disciplinas que compõem necessidade de investimentos em in- ar de produção científica” requerido
o setor saúde (ver Quadro 1.A do ane- fra-estrutura científica de maneira para se atingir maior eficiência na
xo), 11 apresentam índice de especia- geral. Mas, num primeiro momen- produção tecnológica. A partir desse
lização superior à unidade em 2001, to, para facilitar o processo de ca- ponto o país consegue formar mas-
revelando vantagem comparativa no tching up, seria interessante forta- sa crítica em termos de pesquisa, de
nível mundial: dentística, cirurgia oral lecer áreas em que o país possui modo que sua produção científica
e medicina; biologia; entomologia; bi- vantagens comparativas, como possa ser canalizada e transforma-
otecnologia e microbiologia aplicada; agricultura e ciências da saúde. da em produção tecnológica.
pesquisa médica e tópicos gerais; mi- Isso possibilitaria ao país transpor De forma distinta do NSI total,
crobiologia; medicina ambiental e saú- o limiar de produção científica e in- para o setor saúde não houve inter-
de pública; farmacologia e farmácia; gressar em um regime no qual as seção entre os dois regimes e sim
clínica imunológica e doenças infec- interações entre ciência e tecnolo- descontinuidade na produção cientí-
ciosas; biologia molecular e genéti- gia são mais eficientes. fico-tecnológica. Esse resultado ilus-
ca; saúde pública e ciência da saúde. tra a dificuldade que os países do
De acordo com A LBUQUERQUE CONCLUSÕES regime II terão para atingir estágios
(2004. p. 20) “possivelmente, em mais avançados em termos de C&T,
processos de catching up, uma am- A análise do sistema de inovação pois a distância que separa os dois
pliação transitória da concentra- setorial em saúde evidenciou a ocor- regimes torna-se cada vez maior.

128 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

Apesar de a produção de arti- cessos de catching up enfatizando nologia. Tese (Doutorado em Econo-
gos do setor saúde no Brasil res- o setor saúde. Por analogia, espe- mia). Belo Horizonte: Cedeplar-
ponder por 38% da produção total ra-se que a saúde mental seja tam- UFMG, 2005.
de artigos, o país não possui espe- bém beneficiada, caso ocorra o for-
CHAVES, C. V. & ALBUQUERQUE, E. M.
cialização científica em saúde em talecimento do setor saúde.
Desconexão no sistema de inova-
termos agregados (SRCA = 0,84),
ção no setor saúde: uma avaliação
mas para 11 disciplinas componen- REFERÊNCIAS preliminar do caso brasileiro a par-
tes do setor. O Brasil é classificado
tir de estatísticas de patentes e ar-
como possuindo um sistema mis- ALBUQUERQUE, E. Investigando a arti- tigos. UFMG – Cedeplar: Belo Hori-
to, com viés para o setor saúde, por culação entre a produção científica zonte, 2004.
não apresentar especialização cien- e tecnológica no setor saúde: nota
tífica em grupos similares de dis- COHEN, W.; NELSON, R. & WALSH, J. Links
preliminar sobre um “fosso” entre a
ciplinas. Esses dados reforçam o and impacts: the influence of public
produção científica e a produção
resultado da análise de cluster, que R&D on industrial research. Ma-
tecnológica identificado pela avali-
classifica o Brasil entre o grupo de nagement Science, v. 48, n. 1, pp.
ação da distribuição geográfica de
países que possuem sistemas de 1-23, 2002.
artigos e patentes. Belo Horizonte:
inovação imaturos ou maduros sem UFMG/Cedeplar, 2004. Relatório de ESPING-ANDERSON, G. The three worlds
ênfase em saúde, pertencente ao pesquisa. (Mimeogr.) of welfare capitalism. Cambridge:
regime II e, portanto, situado abai- Polity, 1990.
ALBUQUERQUE, E. M. & CASSIOLATO, J. E.
xo do “limiar”. É possível que a
As especificidades do sistema de ino- EVERITT, B. Cluster analysis. Halstet
ausência de ênfase sobre o setor
vação do setor saúde: uma resenha Press: New York, 1986.
saúde tenha como conseqüência
da literatura como introdução a uma FREEMAN, C. & SOETE, L. The econo-
piorar a situação do país no que
diz respeito à saúde mental, deixan- discussão sobre o caso brasileiro. mics of industrial innovation. 3 ed.

do-o entre os países do regime I – Belo Horizonte: FESBE, 2000. 151 p. London: Pinter, 1997. 470 p.

que possuem produção científica BERNARDES, A. & ALBUQUERQUE, E. Cross- GELIJNS, A.; ROSENBERG, N. & MOSKO-
em saúde mental, mas não produ- over, thresholds and interactions WITZ, A. Capturing the unexpected be-

ção tecnológica. Segundo CHAVES e between science and technology: les- nefits of medical research. The New
ALBUQUERQUE (2004. p. 19), “na ava- sons for less-developed countries. England Journal of Medicine, v. 339,
liação dos dados internacionais, Research Policy, Amsterdam, v.32, n. 10, pp. 693-697, 1998.
percebe-se a existência de um du- n.5, p.865-885, 2003. GFHR – GLOBAL FORUM FOR HEALTH RESE-
plo movimento na medida que os
B UCK, C.; LLOPIS , A.; N ÁJERA, E. & ARCH. The 10/90 Report on health re-
países passam para níveis mais
T E R R I S , M. T h e c h a l l e n g e o search 2001-2002. Geneva: Global
desenvolvidos: por um lado, cresce
epidemiology: issues and selected Forum for Health Research, 2002.
a produção científica de forma sig-
readings. Washington: PAHO/ GREENE, W. H. Econometric Analy-
nificativa, por outro lado cresce
WHO, 1988. sis. 4 Ed. New York: Prentice Hall,
também a ênfase dada ao setor saú-
de”. Esses movimentos abrem a CHAVES, C. V. As interações entre o 2000. 1004p.

possibilidade de os países, inclu- setor saúde e a saúde mental a par- KAUFMAN, L. & ROUSSEEUW, P. J. Finding
indo o Brasil, construírem seus pro- tir das estatísticas de ciência e tec- groups in data: an introduction to

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 129
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

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dungen an der schnittstelle zwischen
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vestigação a partir de estatísticas
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de artigos e patentes. 2003. 110f.
ence and Engineering Indicators – es: a bibliometric analysis of advan-
Dissertação (mestrado em Econo-
1998. 1998. Arlington, VA: National ced countries, Scientometrics, vol.
mia) – Centro de Desenvolvimento
Science Foundation 22, no. 3, 1991, pp. 341-358.
e Planejamento Regional, Univer-
NELSON, R. The role of knowledge in RAPINI, M. S. Uma investigação so- sidade Federal de Minas Gerais,
R&D efficiency. The Quaterly Jour- bre a relação de Granger-causalida- Belo Horizonte, 2003.

130 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
Clusters e limiares de produção científico-tecnológica: Uma comparação entre C&T em geral e em saúde

UNITED STATES PATENTS AND TRADEMARK


OFFICE. 2002,2003. Disponível em
http://www.uspto.gov

UNDP – Making new technologies


work for human development: Hu-
man Development Report 2001. New
York: Oxford University (captured at
www.undp.org), 2001.

UNITED STATES PATENTES AND TRADEMARK


OFFICE. 2002, 2003. Disponível em:
WELLS, K. B. Science discovery in cli-
nician-economist collaboration: le-
gacy and future challenges. The
Journal of Mental Health Policy
and Economics, Milano, v.5, n.
p.89-94, 2002.

WHO – WORLD HEALTH ORGANIZATION.


Macroeconomics and health: inves-
ting in health for economic develop-
ment. Report of the Comission on
Macroeconomics and Health. Gene-
va (www.who.org), 2001.

. WORLD HEALTH ORGANIZATION.


WORld Health Report: making a diffe-
rence. Geneva (www.who.org), 1999.

. WORLD HEALTH ORGANIZATI-


ON. Investing in health research and

development. TDR/Gen/96.1 (www.


who.org), 1996.

WORLD BANK. World Development Re-


port 1993: Investing in Health.
Oxford: Oxford University, 1993

Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007 131
CHAVES, Catari Vilela; ALBUQUERQUE, Eduardo da Motta e & MORO, Sueli

ANEXO

QUADRO 1A – Disciplinas científicas1

Administração; agricultura/agronomia; al, robótica e cont. auto.; anestesiologia


anestesiologia; arqueologia; arte e arquitetura; artes; biblioteconomia e ciência da informação; biologia;
biologia celular e do desenvolvimento; biologia experimental; biologia molecular e genética; bioquímica e biofísica; biotecnologia e microbiologia
aplicada; ciência da computação e engenharia; ciência da saúde e serviços; ciência das plantas; ciência de alimentos/nutrição; ciência dos animais; ciência dos animais
e das plantas; ciência dos materiais e engenharia; ciência espacial; ciência política e administração pública; ciências aquáticas; ciências da terra; cirurgia; clínica em psicologia
e psiquiatria; clínica geral; clínica imunológica e doenças infecciosas; comunicação; dentística, cirurgia oral e medicina; dermatologia; direito;
economia; educação; endocrinologia, metabolismo e nutrição; eng. Aeroespacial; engenharia ambiental/energia; engenharia civil; engenharia elétrica e eletrônica;
engenharia matemática; engenharia mecânica; engenharia mgmt/geral; engenharia nuclear; engenharia química; entomologia; espect./instrum./ciên. analit.; estudos
ambientais, geol e desenvolvimento; estudos clássicos; farmacologia e farmácia; filosofia; física; física aplicada/mat. cond./ciên. mat.; físico-química; fisiologia; gastroenterologia
e hepatologia; geol/petrol/engenharia de minas; hematologia; história; imunologia; instrumentação/medição; línguas; literatura; matemática; medicina ambiental
e saúde pública; medicina geral e interna; medicina reprodutiva; medicina veterinária/saúde animal; meio ambiente/ecologia; metalurgia; microbiologia;
multidisciplinar; neurociência e comportamento; neurologia; oftalmologia; oncologia; oncologia e pesquisa sobre câncer; ortopedia; ótica;
otorrinolaringologia; pediatria; pesq. médica, órgãos e sistemas; pesq./med. lab. e tecnol. médica; pesquisa médica e tópicos gerais; pesquisa
médica, diagnóstico e tratamento; psicologia; psiquiatria; química; química agrícola; química e análise; química inorgânica e nuclear; química orgânica;
radiologia, medicina nuclear e imagens; reabilitação; religião e teologia; reumatologia; saúde pública e ciência da saúde; serviço social e política social;
sistema cardiovascular e pesquisa em hematologia; sistema cardiovascular e respiratório; sociologia e antropologia; tecnologia da informação e comunicação;
toxicologia; urologia
urologia..

Fonte: ISI, 2004.


(1) As disciplinas relacionadas em negrito são relacionadas ao setor saúde.

TABELA 1A – Países componentes do NSI saúde por regime de interação – 2001

0(6 0 70 7 0 + 0(6 0
8 ) / 9 :5" '" *; '. < 9 "; = " "> ? " "
> " ?0 " @ A " 0. ( ( )< 6 , B C " " C* " C*
6 D E "" * " 8 " . F G * G G + 5 %
H , 5" " 1 5" F C" 5" - 98
- * A A A , 5" I J8
@K " H ' ' ' H 9 , 5" L L "D ")
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66 <" < 7 6 " ) 65 6 6 H B" 8 M ME CH ; C 8 H #
)2 " G ) "D L " " / C N - 8
- E - -" " - , A 8 O 9 O 5 I " H; J E
L H @ ') H 0A 3 8 3 4 <" 6 B 5"
666 %
G" G"; J 8 "A " ) 4
-" *
Fonte: USPTO, ISI, World Bank (elaboração própria).

132 Divulgação em Saúde para Debate, Rio de Janeiro, n. 37, p. 110-132, janeiro 2007
ASSOCIE-SE AO CEBES E RECEBA AS NOSSAS REVISTAS
O CEBES tem duas linhas editoriais. a revista Saúde em Debate, que o associado recebe quadrimestralmente em abril,
agosto e dezembro, e a Divulgação em Saúde para Debate, cuja edição tem caráter temático, sem periodicidade regular.

QUEM SOMOS
Desde a sua criação em 1976 o CEBES tem como centro de seu projeto a luta pela democratização da saúde e da
sociedade. Nesses 30 anos, como centro de estudos que aglutina profissionais e estudantes, seu espaço esteve
assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta, em movimentos sociais, nas
instituições ou no parlamento.
Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado em fortalecer seu modelo democrático
e pluralista de organização; em orientar sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir
nas políticas e nas práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e a formulação teórica sobre
as questões de saúde; e, em contribuir para a consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma
sociedade mais justa.
A produção editorial do CEBES é resultado do trabalho coletivo. Estamos certos que continuará assim, graças a seu
apoio e participação.
A ficha abaixo é para você tornar-se sócio ou oferecer a um amigo! Basta enviar a taxa de associação (anuidade)
de R$ 100,00 (cem reais) em cheque nominal e cruzado, junto com a ficha devidamente preenchida, em carta registrada,
ou solicitar, nos telefones ou e-mail abaixo, o envio do boleto bancário. É possível também efetuar o pagamento por
cartão de crédito. Consulte a secretaria do CEBES sobre esta forma de pagamento.

CORRESPONDÊNCIAS DEVEM SER ENVIADAS PARA


CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Diretoria Nacional – Av. Brasil, 4.036 – Sala 802 – Manguinhos – 21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Tel.: (21) 3882-9140 e 3882-9141 – Fax.: (21) 2260-3782
www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html
E-mail: cebes@ensp.fiocruz.br / saudeemdebate@ensp.fiocruz.br
#
FICHA DE INSCRIÇÃO (preencher em letra de forma) Valor: R$ 100,00
Para efetuar depósito: Caixa Econômica Federal – Agência: 1343 C/C: 0375-4 Operação: 003
CNPJ: 48.113.732/0001-14

Pagamento de Anuidade Nome:

Nova Associação Endereço:

Atualização de Endereço Rua/Av.:

Bairro: CEP:

Cidade: UF:

Tel.: ( ) Fax.: ( )

Cel.: E-mail:

Local de Trabalho:

Profissão:

Data de Inscrição: Assinatura:


INSTRUÇÕES AOS AUTORES

DIVULGAÇÃO EM SAÚDE PARA DEBATE 5. Referências Bibliográficas deverão ser apresentadas no


final do artigo, observando-se a norma da ABNT NBR 6023:
Revista do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), 2000 (disponível em bibliotecas). Exs.:
voltada para a área de Saúde Pública e Saúde Coletiva, é dis-
tribuída a todos os associados em situação regular com a te- CARVALHO, Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade
souraria do CEBES. pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Es-
Aceita trabalhos inéditos sob forma de artigos originais, tado. In.: FLEURY, Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde e demo-
artigos de opinião, artigos de revisão ou de atualização, rela- cracia: a luta do CEBES. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112.
tos de casos e resenhas de livros de interesse acadêmico, po- COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo M.; JACOBI, Pedro. Participa-
lítico e social. ção popular e gestão de serviços de saúde: um olhar sobre a
Os textos enviados para publicação são de total e exclusiva experiência do município de São Paulo. Saúde em Debate,
responsabilidade dos autores. Londrina (PR), n. 38, 1993. p. 90-93.
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos des-
de que identificada a fonte e a autoria. DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991. 111p.
A publicação dos trabalhos está condicionada a pareceres do
Conselho Editorial Ad-Hoc estabelecido para cada número da
revista. Eventuais sugestões de modificações da estrutura ou do EXTENSÃO DO TEXTO
conteúdo, por parte da Editoria, serão previamente acordadas O artigo propriamente dito deve conter até 15 laudas.
com os autores. Não serão admitidos acréscimos ou modificações Os artigos que ultrapassarem este total, serão devolvidos
depois que os trabalhos forem entregues para a composição. aos autores.
Obs.: 1 lauda tem 1.400 caracteres (com espaço), portanto
a cada 20 linhas de 70 caracteres resulta em 1 lauda. Na carta
ARTIGOS de apresentação do artigo, o(s) autor(es) deve(m) mencionar o
número de laudas.
Seqüência de Apresentação do Texto
1. Título em português e em inglês. O título deve expres-
sar claramente o conteúdo do artigo. RESENHAS
2. Folha de apresentação com nome completo do(s) Serão aceitas resenhas de livros de interesse da área de
autor(es), endereço, e-mail e no rodapé as referências profis- Saúde Pública e Saúde Coletiva, a critério do Conselho Edito-
sionais (contendo filiação institucional e titulação). Quando rial. Devem dar uma noção Devem dar uma noção do conteú-
o artigo for resultado de pesquisa com financiamento, citar a do da obra, de seus pressupostos teóricos e do público a que se
agência financiadora. dirige, em até três laudas.
3. Resumo em português e inglês (abstract), em que fique
clara uma síntese dos propósitos, dos métodos empregados e
das principais conclusões do trabalho; descritores (descrip- ARTIGOS DE OPINIÃO
tors), mínimo de três e máximo de cinco palavras, não ultra-
passando o total de 700 caracteres (aproximadamente 120 Serão aceitos trabalhos referentes a textos publicados na
palavras). Para os descritores utilizar os apresentados no vo- revista ou a assuntos de conjuntura de interesse nacional.
cabulário estruturado (DECS), encontrados no endereço http:// Serão publicados a critério do Conselho Editorial. Devem con-
decs.bvs.br. Caso não sejam encontrados descritores disponí- ter até sete laudas.
veis para a temática do artigo, poderão ser indicados termos
ou expressões de uso conhecido.
4. Artigo propriamente dito. ENVIO DO ARTIGO
a) as marcações de notas de rodapé no corpo do texto, 1. Os trabalhos para apreciação do Conselho Editorial de-
deverão ser sobrescritas. Ex.: Reforma Sanitária1 vem ser enviados à Secretaria Executiva do CEBES – Av. Brasil,
b) para as palavras ou trechos do texto que são destaca- 4036 – sala 802 – CEP: 21040-361 Manguinhos – Rio de
dos a critério do autor, utilizar aspas simples. Ex.: ‘porta Janeiro – RJ
de entrada’.
Tel.: (21) 3882-9140 e 3882-9141
c) quadros e gráficos deverão ser apresentados, também, Fax.: (21) 2260-3782.
em folhas separadas do texto, numerados e titulados cor-
retamente com indicações das unidades em que se ex- 2. Deverão ser apresentados impressos em 03 vias e em
pressem os valores e com as fontes correspondentes. disquete. Aceitaremos textos no programa Word for Windows.
d) os autores citados no corpo do texto deverão estar escri- 3. Os gráficos e/ou tabelas deverão ser apresentadas em
tos em caixa baixa (só a primeira letra maiúscula), obser-
arquivo separado, no mesmo disquete.
vando-se a norma da ABNT NBR 10520: 2001 (dispo-
nível em bibliotecas). Ex.: Conforme Mario Testa (2000).
e) as referências bibliográficas no corpo do texto, deve-
rão ser apresentadas entre parênteses em caixa alta se-
guidas do ano e, se possível, da página. Ex.: (MIRANDA
NETTO, 1986; TESTA, 2000, p. 15).
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS

DIVULGAÇÃO EM SAÚDE PARA DEBATE CARVALHO, Antonio Ivo. Conselhos de saúde, responsabilidade
pública e cidadania: a reforma sanitária como reforma do Estado.
Journal of the Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
In.: FLEURY, Sônia Maria Teixeira (Org.). Saúde e democracia: a
(CEBES) which focuses on Public Health and Collective Health,
luta do CEBES. São Paulo: Lemos, 1997. p. 93-112.
distributed to all associated individuals up-to-date with
CEBES´ treasury. C OHN , Amélia; E LIAS , Paulo Eduardo M.; J ACOBI , Pedro.
It accepts original studies in the form of original articles, Participação popular e gestão de serviços de saúde: um olhar
opinion articles, review or update articles, case studies and sobre a experiência do município de São Paulo. Saúde em
critical book reviews of academic, political, or social interest. Debate, n. 38, 1993. p. 90-93.
Texts sent for publishing are responsibility of the authors.
DEMO, Pedro. Pobreza política. São Paulo: Cortez, 1991. 111p.
Total or partial reproduction of articles is permitted, as
long as both authorship and source are identified.
Publication of articles is subject to approval by the Ad-Hoc
Editorial Advisory Board established for each issue of the TEXT LENGTH
journal. Any suggestion of changes in structure or content, by The article itself must have a maximum of 15 pages.
the editors, will be previously agreed by the authors. No Articles that do not comply to this will be returned to authors.
changes or additions can be made after articles are sent to Note: one page has 1,400 characters (including spaces),
typesetting. so every 20 lines of 70 characters each forms one page. In the
article presentation letter, the author(s) must state the
number of pages.
ARTICLES
Text presentation sequence
REVIEWS
1. Title in Portuguese and English. Titles must clearly
express article content. Critical reviews of books of interest to Public Health and
2. Cover containing full author(s) name(s), address, Collective Health, will be accepted, at the discretion of the
Email, and, as footnotes, professional references (including Editorial Board. They must discuss book’s content, its
institutional affiliation and titles). When the article is a theoretical postulates and the audience it aims to reach, in
result of a sponsored research, the sponsoring agency should up to three pages.
be mentioned.
3. Abstract in Portuguese and English, containing a OPINION ARTICLES
summary of purpose, used methods and main work conclu-
sions; descriptors, between three and five words, not more Articles about previously published articles in this
than 700 characters (approximately 120 words). For descrip- journal or about national interest issues will be accepted.
tors use the ones presented in the available structured These will be subject to Editorial Board approval. Must be
vocabulary (DECS), which can be found at http://decs.bvs.br, made up of seven pages maximum.
in case available descriptors are not found for the article’s
theme, terms or expressions of known use can be indicated.
4. Article. ARTICLE SUBMISSION

a) footnote numbers inserted in the text must be 1. Articles should be submitted to the following address
superscripted. E.g.: Sanitary Reform1 for appreciation by the Editorial Board: Secretaria Executiva
b) for highlighting words or excerpts the author should do CEBES – Av. Brasil, 4036 – sala 802 – CEP: 21040-361 –
use simple quotation marks. E.g.: ‘entrance’. Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ

c) tables and graphics should also be presented in Phone: +(55)21 3882-9140 and +(55)21 3882-9141
separate sheets, numbered and correctly named, with Fax: +(55) 21 2260-3782.
indication of the units used and corresponding 2. Articles must be submitted in three copies and in
sources. diskette. We will accept articles in Word for Windows
d) authors mentioned in the text should be written in program.
lower case (only first letters of each name in capital
letters), according to regulation ABNT NBR 10520: 4. Graphics and/or tables must be presented in a
2001 (available in libraries). E.g.: Mario Testa (2000) separate file, in the same diskette.
e) bibliographic references in the text shall be
presented inside brackets and upper case followed
by year and, if applicable, page. E.g.: (MIRANDA N ETTO
1986; TESTA, 2000, p. 15).

5. Bibliographic References shall be presented in the


end of the article, according to regulation ABNT NBR 6023:
2000 (available in libraries). E. g.:
REVISÃO DE TEXTO PROOFREADING
Sonia Regina P. Cardoso – português Sonia Regina P. Cardoso – portuguese
Nina Bandeira Seabra – inglês Nina Bandeira Seabra – inglês
Luciana Danielli de Araújo – normatização bibliográfica Luciana Danielli de Araújo – bibliographic standardization

CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA COVER, LAYOUT AND DESK TOP PUBLISHING
Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa

IMPRESSÃO E ACABAMENTO PRINT AND FINISH


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3.500 exemplares 3.500 copies

Esta revista foi impressa no Rio de Janeiro em janeiro de 2007. This publication was printed in Rio de Janeiro on january, 2007.
Capa em papel couche 180 gr Cover in couche paper 180 gr
Miolo em papel off set 75 gr Core in off set paper 75 gr

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