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Revista Agroambiental - Abril/2012

Estudo energético do esterco bovino: seu valor


de substituição e impacto da biodigestão anaeróbia

Izabel Aparecida dos Santos


Universidade Federal de Itajubá, izabel@eafmuz.gov.br

Luiz Augusto Horta Nogueira


Universidade Federal de Itajubá, horta@unifei.edu.br

Resumo
A bovinocultura brasileira tem se desenvolvido de forma notável nas últimas décadas. O rebanho nacional de 205 milhões de
cabeças atende à produção de carne e leite para o mercado interno e exportações, gerando em 2010 cerca de R$ 67 bilhões.
Um subproduto importante da criação de gado bovino é o esterco, cuja utilização como fertilizante em diversas culturas,
permite reciclar nutrientes e manter a produtividade do solo em níveis adequados. No presente trabalho, se avalia a
produção de esterco bovino, desde o ponto de vista energético, considerando seu valor fertilizante (em termos de
macronutrientes disponíveis) e a substituição de adubo químico com igual valor fertilizante. Também se avalia o potencial de
produção de biogás a partir de esterco, assumindo dados de operação de biodigestores rurais. Considerando o rebanho
3
brasileiro em 2009, foi estimado um potencial de geração de biogás através do esterco bovino em 62,9 bilhões de m /ano,
8
com valor energético estimado em 7,9.10 GJ/ano, a possível geração de 117,08 TWh/ano de energia elétrica e a
disponibilidade anual de 17,97.106 toneladas de macronutrientes (N, P, K). Ao considerar a substituição do fertilizante
8
químico pelo biofertilizante, obteve-se uma economia de energia fóssil na ordem de 6,1.10 GJ/ano. Em relação às emissões
de gases de efeito estufa evitadas, o manejo adequado do esterco bovino proporciona, aproximadamente, a mitigação de
564.122 Gg de CO2 eq./ano, o que corresponde a cerca de 73% das emissões totais brasileiras de CH4 e N2O no ano de 2005.

Palavras-chave: Biofertilizante, Bovinocultura, Energia, Macronutrientes.

Study of cattle manure energy: their replacement value and impact of anaerobic biodigestion

Abstract
The Brazilian cattle industry has developed dramatically in recent decades. The national herd of 205 million head meets the
production of meat and milk for the domestic market and exports, in 2010 generated about R$ 67 billion. An important
byproduct of raising cattle is the manure for use as fertilizer in different cultures, allows recycle nutrients and maintain soil
productivity at adequate levels. In this study, to evaluate the production of manure from the energy point of view,
considering its fertilizer value (in terms of nutrients available) and the replacement of chemical fertilizer with the same
fertilizer value. It also evaluates the potential of biogas production from manure, assuming the operating data of rural
digesters. Considering the amount of the Brazilian herd of cattle in 2009, was an estimated the potential for biogas
3 8
generation through cattle manure in 62.9 billion m /year, with energy value estimated at 7.9.10 GJ/year, the possible
8
generation of 117.0 TWh/year of electricity and the yearly availability of 17.97.106 tons of macronutrients (N, P, K). When
8
considering the replacement of chemical fertilizers by biofertilizers, we obtained a saving of fossil energy in order 6.1*10
GJ/year. In relation to emissions of greenhouse gases avoided, the proper management of manure provides approximately
564.122 Gg of mitigating CO2 eq./year, which corresponds to about 73% of Brazil's total emissions of CH4 and N2O in 2005.
100

Key-words: Biofertilizer, Dairy cattle, Energy, Macronutrients. 95

Introdução 75

O Brasil possui o segundo maior rebanho de bovinos do mundo, sendo superado apenas pela Índia, segundo os dados da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, 2010 apud IBGE, 2009). Também é o segundo maior 25

SANTOS, Izabel Aparecida dos; NOGUEIRA, Luiz Augusto Horta. Estudo energético do esterco bovino: seu valor de substituição e impacto 5

da biodigestão anaeróbia. Revista Agrogeoambiental, Pouso Alegre, v. 4, n. 1, p. 41-49, abr. 2012.


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produtor de carne bovina, com um consumo per capita em atividade pecuária. O biofertilizante bovino na forma
torno de 34,7 quilos por habitante/ano, ficando atrás dos líquida apresenta na sua composição microrganismos
Estados Unidos, sendo considerado o maior exportador responsáveis pela decomposição da matéria orgânica,
mundial deste produto. A Pesquisa da Pecuária Municipal produção de sais e adição de compostos orgânicos e
(PPM) registrou para o ano de 2009 um efetivo de bovinos inorgânicos que atuam não só na planta, mas também
de 205,292 milhões de cabeças, considerando nesta sobre a atividade microbiana do solo.
contagem os animais existentes em 31 de dezembro O objetivo do presente estudo é determinar, em valor
daquele ano, tanto destinados à produção de carne energético, a contribuição do esterco bovino,
quanto à de leite. Observou-se o crescimento do efetivo considerando o contexto da produção pecuária brasileira.
de 1,5% no ano de 2009 em relação ao ano de 2008 (IBGE,
2009). 2. Material e Métodos
De acordo com FAO (2006) apud Pacheco (2010), a
pecuária é uma das atividades econômicas mais
Visando estudar as condições para uma produção pecuária
importantes do mundo, trazendo inúmeros benefícios. No
sustentável, através de dados encontrados na literatura,
entanto, utiliza grande quantidade de recursos naturais e
este trabalho quantificou em valor energético os
contribui para o aquecimento global. A pecuária bovina é a
macronutrientes do esterco bovino e do biogás obtido
que mais contribui para a degradação do meio ambiente,
através da biodigestão anaeróbia. Também foi estimada a
devido ao grande número de animais e consequente
mitigação de gases de efeito estufa pelo manejo correto
geração de resíduos. As emissões atribuídas à pecuária são
do esterco, pela produção de energia elétrica e pela
provenientes dos processos produtivos que envolvem o
substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante.
segmento de insumos e da atividade em si. Na atividade
Nesse sentido, a seguir são apresentadas as etapas
pecuária, destacam-se as emissões de metano (CH4)
desenvolvidas (Figura 1), que compreendem:
através da fermentação entérica, das fezes e óxido nitroso
(N2O), emitidas pelas fezes e urina e no eventual uso de Caracterização do
fertilizantes nitrogenados em pastagens. Dentre os gases esterco bovino

citados, o mais importante para a pecuária de corte é o Estimativa de Produção


de esterco
CH4. Segundo o MCT (2010), o setor de agropecuária é o
maior responsável pelas emissões de CH4, representando Estimativa de
Disponibilidade
71% das emissões desse gás no ano de 2005. diária de N, P, K Produção de biogás

A mitigação desses gases pode ser feita através de


VE do biogás
tecnologias ou técnicas de produção já existentes. Uma Disponibilidade VE do esterco
anual de N, P, K como fertilizante
das alternativas seria a intensificação da atividade através Produção de
energia elétrica
da melhora do manejo das pastagens, da qualidade do Mitigação GEE pela
Mitigação GEEpelo
alimento fornecido aos animais e do manejo dos dejetos substituição do
manejo dejetos Emissões de GEE
fertilizante químico
de animais confinados, utilizando tecnologias como a evitadas pela
geração de energia
biodigestão anaeróbia para o tratamento destes dejetos. elétrica
Na bovinocultura leiteira Van Horn (1994) apud Hardoim e
Gonçalves (2000) observou que do total da energia Figura 1: Fluxograma metodológico. Fonte: Elaboração
ingerida pelas vacas, 33% é eliminada, através dos dejetos. própria.
Esta energia pode se tornar uma fonte poluidora, quando
não existe o manejo correto dos dejetos. 2.1 Caracterização do esterco bovino
Bettiol et al. (1998) apud Santos (2008) afirma que os Foi feita uma pesquisa bibliográfica a fim de obter dados
biofertilizantes estão surgindo como alternativas de referentes à quantificação e composição química do
produção para os pequenos produtores rurais, pois esterco bovino, pois a composição dos estercos é variável,
representam redução de custos com fertilizantes sendo influenciada por fatores como a espécie animal, a
químicos, sendo mais acessíveis por serem um dos raça, a idade, a alimentação, o material utilizado como
resultados da biodigestão anaeróbia, como também cama, o tratamento dado ao esterco, etc. 100
atendem a preocupação com a sustentabilidade na As equações utilizadas para os cálculos das estimativas
95
Peso do animal Produção total de esterco Conteúdo em nutrientes (g/dia) Tabela 1. Produção diária de esterco
(kg) (m3/dia) (N) (P 2O 5) (K 2O) (fezes + urina), por animais de raças 75

68 0,005 27,2 10,4 21,8 leiteiras, com 87,3% de umidade, 933,0


3
113 0,009 45,4 20,8 38,2 kg/m de densidade e conteúdo em
227 0,019 90,7 37,4 76,5 nutrientes. Fonte: (WPS-18, 1985 apud 25
454 0,037 186,0 75,9 147,5 Campos, 1997.
635 0,052 258,5 106,0 207,6 5

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da produção de esterco, da disponibilidade dos


macronutrientes, do valor energético de substituição do 2.4 Estimativa do valor energético de substituição do
esterco, da produção e valor energético do biogás, foram esterco
elaboradas a partir dos dados constantes na Tabela 1 O valor energético de substituição do esterco foi calculado
abaixo. considerando a disponibilidade diária de macronutrientes
(N, P, K), presentes no esterco bovino e os coeficientes
2.2 Estimativa da produção de esterco energéticos associados à produção de fertilizantes
Pela impossibilidade de quantificar as diversas categorias químicos.
animais de todo o rebanho bovino brasileiro, para a A Tabela 2 apresenta os valores mínimos, médios e
determinação da quantidade diária do esterco foi feita a máximos dos coeficientes energéticos utilizados nos
média ponderada de produção de esterco por kg de peso diversos estudos de análises energéticas. Para o cálculo do
vivo (PV) dos animais. No presente estudo o peso médio valor energético de substituição do esterco foram
dos bovinos foi considerado em 300 kg de peso vivo (PV). utilizados os valores médios dos coeficientes energéticos
Para a estimativa da produção diária de esterco, foi para a produção de fertilizantes químicos.
utilizada a Equação 1 abaixo.
Fertilizantes CE mínimo CE médio CE máximo
(MJ/kg)
Pest=PV*VM [1]
Nitrogênio (N) 48,9 62,58 73
Onde:
Fósforo (P 2O 5) 7,5 12,33 17,4
Pest= Produção diária de esterco (kg/dia);
Potássio (K 2O) 4,6 9,18 13,6
PV= Peso vivo do animal (kg);
VM= Valor médio de produção de esterco (0,07 kg). Tabela 2. Coeficientes energéticos (CE) médios utilizados na
produção de fertilizantes químicos. Fonte: Elaboração
2.3 Estimativa de disponibilidade diária de própria.
macronutrientes
A disponibilidade diária de macronutrientes (N, P, K), O valor energético de substituição do esterco foi calculado
presentes no esterco bovino foi calculada de acordo com de acordo com a Equação 5, abaixo.
as Equações 2, 3 e 4, abaixo.
VEEst(T)=DN∗(CEMN)*a+DP∗(CEMP)*a+DK∗(CEMK)∗a
DN=PE*PN [2] [5]
Onde: Onde:
DN = Disponibilidade de nitrogênio presente no esterco VEEst(T) = Valor energético total estimado do esterco
bovino (kg/dia); (MJ/ano);
PE= Produção de esterco (kg/dia); DN = Disponibilidade de nitrogênio presente no esterco
PN= Percentual de nitrogênio presente no esterco bovino (kg/dia);
bovino (0,53%); CEMN = Coeficiente energético médio utilizado na
produção de nitrogênio químico (MJ/kg);
DP=PE*PP [3] DP = Disponibilidade de fósforo presente no esterco
Onde: bovino (kg/dia);
DP = Disponibilidade de fósforo presente no esterco CEMP = Coeficiente energético médio utilizado na
bovino (kg/dia); produção de fósforo químico (MJ/kg);
PE= Produção de esterco (kg/dia); DK = Disponibilidade de potássio presente no esterco
PP= Percentual de fósforo presente no esterco bovino bovino (kg/dia);
(0,21%); CEMK = Coeficiente energético médio utilizado na
produção de potássio químico (MJ/kg);
DK=PE*PK [4] a = número de dias no ano (365). 100

Onde: 95

DK = Disponibilidade de potássio presente no esterco 2.5 Estimativa de disponibilidade anual de


75
bovino (kg/dia); macronutrientes
A disponibilidade anual de macronutrientes (N, P, K)
PE = Produção de esterco (kg/dia);
presentes no esterco bovino foi calculada de acordo com
PK = Percentual de potássio presente no esterco bovino as Equações 6, 7 e 8, abaixo. A disponibilidade média diária 25

(0,43%); dos macronutrientes N, P, K, foi estimada em 0,11, 0,04,


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0,09 respectivamente. O quantitativo do rebanho bovino VEest=PCI*Pbiogás [9]


nacional foi estimado em 205,3 milhões de cabeças, de
acordo com as últimas pesquisas do IBGE (2009). Onde:
Veest= Valor energético estimado do biogás (kJ/kg);
DAN=DMN*n*a [6] PCI= Poder calorífico inferior do biogás proveniente do
Onde: esterco bovino (kJ/kg);
DAN= Disponibilidade anual de nitrogênio presente no Pbiogás= Produção diária de biogás (kg/dia).
esterco bovino (kg/ano);
DMN= Disponibilidade média diária de nitrogênio 2.8 Estimativa da mitigação de gases de efeito estufa pelo
presente no esterco bovino; manejo dos dejetos
n= quantitativo nacional de gado bovino; Baseando-se nos estudos de Martins-Costa (2009), foi
feita a estimativa dos impactos ambientais na emissão de
a = número de dias no ano (365). gases de efeito estufa (GEE) devido ao manejo dos
dejetos, onde foram calculadas as emissões de GEE dos
DAP=DMP*n*a [7] rebanhos de corte e leiteiro. Martins-Costa (2009)
Onde: quantifica de forma simplificada as emissões de metano e
DAP = Disponibilidade anual de fósforo presente no óxido nitroso decorrentes da fermentação entérica e
esterco bovino (kg/ano); manejo dos dejetos de bovinos leiteiros e de corte nas
DMP= Disponibilidade média diária de fósforo presente propriedades rurais.
As Equações 10, 11 e 12, abaixo, foram utilizadas para o
no esterco bovino;
cálculo das emissões de GEE do rebanho bovino nacional.
n = quantitativo nacional de gado bovino;
a= número de dias no ano (365).
M GEE Gado Corte =
å ( GEEca ) [10]
DAK=DMK*n*a [8] n
Onde: Onde:
DAK= Disponibilidade de potássio presente no esterco MGEEGadoCorte = Estimativa da mitigação de GEE
bovino (kg/ano); pelo manejo dos dejetos do rebanho bovino de corte (CO2
eq);
DMK= Disponibilidade média diária de potássio presente
no esterco bovino; ∑(GEEca) = Total das emissões de GEE das categorias
n = quantitativo nacional de gado bovino; animais do rebanho bovino de corte (CO2 eq);
a= número de dias no ano (365). n= número de categorias animais do rebanho bovino de
corte.
2.6 Estimativa de produção de biogás
A Tabela 3, a seguir, apresenta alguns valores de M GEE Gado Leiteiro =
å ( GEEca ) [11]
produtividade de biogás.
n
Onde:
Produtividade Produtividade
Material Material
(m3/kg) (m3/kg) M GEE Gado Leiteiro = Estimativa da mitigação de
Esterco bovino, fresco 0,04 Resíduos vegetais, secos 0,30 GEE pelo manejo dos dejetos do rebanho bovino leiteiro
Resíduos de matadouro
Esterco de galinha, seco 0,43
(úmido)
0,07 (CO2 eq);
Esterco suíno, seco 0,35 Lixo 0,05
∑(GEEca) = Total das emissões de GEE das categorias
Tabela 3. Produtividade de biogás. Fonte: (Nogueira, 1986). animais do rebanho bovino leiteiro (CO2 eq);
n= número de categorias animais do rebanho bovino
2.7 Valor energético do biogás proveniente da leiteiro.
100
biodigestão de dejetos de bovinos M GEE Gado Corte + M GEE Gado Leiteiro
M GEE (T) =
O conteúdo energético do biogás a partir do esterco 2
[12] 95
bovino foi estimado tendo como parâmetros os valores do Onde:
poder calorífico inferior (PCI), que para este estudo foi 75
M GEE(T)= Mitigação total de GEE (CO2 eq);
considerado em 16.235 kJ/kg e a produção diária de biogás.
O cálculo do conteúdo energético do biogás foi feito
M GEE Gado Corte = Mitigação de GEE do rebanho
bovino de corte;
segundo a Equação 9. 25
M GEE Gado Leiteiro = Mitigação de GEE do
rebanho bovino leiteiro. 5

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Para a obtenção do balanço geral dos GEE, foi realizada MGEEFQ=FEGEEN∗DMN∗n∗a [15]
a conversão dos fluxos de CH4 e N2O em CO2 eq, conforme
Onde:
metodologia abaixo, adaptada de Oliveira (2010). Os
cálculos foram feitos considerando o Potencial de
MGEEFQ= Mitigação de GEE pela substituição do
Aquecimento Global ou GWP (Global Warming Potential). fertilizante químico pelo biofertilizante (Gg CO2 eq/ano);
De acordo com MCT (2010), o GWP agrega as emissões FEGEEN= Fator de emissão de GEE na produção de
relatadas em unidades de dióxido de carbono nitrogênio (kg CO2 eq/kg);
equivalentes em um horizonte de tempo de 100 anos. Os DMN= Disponibilidade média diária de nitrogênio
fluxos de CH4 e N2O em CO2 eq foram estimados utilizando presente no esterco bovino;
as Equações 13 e 14.
n = quantitativo nacional de gado bovino;
a = número de dias no ano (365).
CO 2eq( N2O ) = N2O ∗ R P M N2O ∗ PAG N2O
[13]
MGEEFQ=FEGEEP∗DMP∗n∗a [16]
C O 2 e q ( C H 4 ) = C H 4 ∗ R P M C H 4 ∗ PA G C H 4 Onde:
[14] MGEEFQ= Mitigação de GEE pela substituição do
fertilizante químico pelo biofertilizante (Gg CO2 eq/ano);
Onde:
FEGEEP= Fator de emissão de GEE na produção de
CO2eq(N 2 O) = quantidade de N 2 O em CO 2 eq;
fósforo (kg CO2 eq/kg);
CO2eq(CH4)= quantidade de CH4 em CO2 eq (21); DMP= Disponibilidade média diária de fósforo presente
N2O = fluxo de N2O na situação; no esterco bovino;
Ch4 = fluxo de CH4 na situação; n= quantitativo nacional de gado bovino;
RPMN2O = relação entre o peso molecular do N2O e do a= número de dias no ano (365).
nitrogênio (44/28);
RPMCH4 = relação entre o peso molecular do CH4 e do MGEEFQ=FEGEEK∗DMK∗n∗a [17]
carbono (16/12); Onde:
PAGN2O = potencial de aquecimento global do N2O em MGEEFQ = Mitigação de GEE pela substituição do
relação ao CO2 (310); fertilizante químico pelo biofertilizante (Gg CO2 eq/ano);
PAGCH4 = potencial de aquecimento global do CH4 em FEGEEK= Fator de emissão de GEE na produção de
relação ao CO2 (21). potássio (kg CO2 eq/kg);
DMK= Disponibilidade média diária de potássio presente
2.9 Estimativa da mitigação de GEE decorrente da no esterco bovino;
substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante n= quantitativo nacional de gado bovino;
As Equações 15, 16 e 17 foram utilizadas para calcular o
potencial de mitigação de GEE decorrentes da a= número de dias no ano (365).
substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante,
considerando o quantitativo do rebanho bovino nacional, 2.10 Estimativa de produção de energia elétrica
de acordo com as últimas pesquisas publicadas pelo A energia elétrica gerada através do biogás foi
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2009) determinada utilizando a metodologia proposta pela
e o fator de emissão de GEE na produção de fertilizantes Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental,
químicos, de acordo com Seabra (2008). CETESB (2002), conforme Equação 18, que considera um
rendimento de 30% para o grupo gerador.

Fator de emissão Fonte: c.


Fertilizantes Adaptado de Eelétrica=E*ηgerador*PCIBiogás [18]
(kg CO 2 eq/kg) 100
EBAMM (2005) Onde:
Nitrogênio (N) 3,97 apud Seabra Eelétrica= Energia elétrica gerada através do biogás em 95
Fósforo (P 2O 5) 130c (2008). Demais,
biodigestores;
Potássio (K 2O) 0,71 adaptados 75

de Seabra, 2008. E= Potencial energético do biogás;


ηgerador= Rendimento do grupo gerador;
Tabela 4. Emissão de GEE na produção de fertilizantes PCIBiogás= Poder calorífico inferior: 22.320 kJ/m3. 25

químicos. 5

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2.11 Estimativa das emissões de GEE evitadas pela geração 3. Resultados e Discussão
de energia elétrica através do biogás
A quantificação das emissões de GEE evitadas pela
Kiehl (1985) afirma que a composição dos estercos não é
geração de energia elétrica utilizando o biogás foi
fixa, variando em função de diversos fatores, como a
estimada considerando o fator de emissão de CO2 para a
espécie animal, a raça, a idade, a alimentação, o material
produção de energia elétrica. Para se determinar o fator utilizado como cama, o manejo do esterco, etc. A
de emissão de GEE na geração de energia elétrica foi feita alimentação é um dos fatores que mais influencia a
uma consulta ao site do Ministério da Ciência e Tecnologia composição do esterco.
(MCT) (2011), onde foram encontrados os fatores médios A Tabela 5 mostra a porcentagem em relação à matéria
de emissão de CO2 (tCO2/MWh), da margem de operação, seca (MS), de macronutrientes presentes nos dejetos de
que reflete a intensidade das emissões de CO2 da energia vacas leiteiras, segundo alguns autores.
despachada na margem, para geração de energia elétrica
do Sistema Interligado Nacional, dos meses de janeiro a 3.1 Estimativa de produção de esterco
agosto de 2011. A partir destes dados foi calculado o fator No presente estudo, a média de peso do gado bovino foi
de emissão médio de CO2 para a produção de energia considerada em 300 kg e a produção diária de esterco em
elétrica, cujo valor foi considerado em 0,2717. 21 kg.
A Equação 19, adaptada de Salomon (2007),
demonstra como foi realizado o cálculo do quantitativo de 3.2 Estimativa de valor energético de substituição do
emissões de GEE evitadas pela geração de energia elétrica. esterco
A Tabela 6 apresenta os valores energéticos estimados
CO2eq=EE∗FEM [19] dos macronutrientes do esterco bovino, tendo como
parâmetros o peso vivo (PV) dos bovinos leiteiros, a
Onde:
produção de esterco, o conteúdo em macronutrientes e o
Co2eq= Total de CO2eq. Evitado (tCO2eq./ano); valor médio dos coeficientes energéticos utilizados para a
EE= Total de Energia Elétrica Gerada (Mwh/ano); produção de fertilizantes químicos, considerando a
FEM= Fator de Emissão Médio (tCO2eq./MWh). substituição do adubo químico pelo biofertilizante.

Quantidade de macronutrientes em % da MS
Autores Nitrogênio(N) Fósforo (P 2O 5) Potássio (K 2O)
Xavier e Lucas Júnior (2011) a 2,51 1,47 1,32

Pertersen et al. (1956) apud Siqueira Junior (2005) b 0,38 0,18 1,15

Safley et al. (1984) apud Siqueira Junior (2005) c 2,92 1,2 0,84
d
Osaki (1990) apud Siqueira Junior (2005) 1,11 0,68 0,67

Tabela 5. Quantidade média de macronutrientes presentes no esterco de bovinos leiteiros, em porcentagem da MS (matéria
seca). Legenda:
a) Vacas leiteiras da raça Holandesa, dieta: silagem de milho, cana-de-açúcar in natura e cana-de-açúcar hidrolisada com cal
virgem.
b) Vacas leiteiras de raça não informada, dieta: concentrado, silagem de milho e pastagem.
c) Raça e dieta não informadas.
d) Raça e dieta não informadas.

Peso do Produção de MO * Disponibilidade em nutrientes (kg/dia) VE Total **


animal esterco
(kg) (kg/animal/dia) % N P K (MJ/ano)
68 4,76 0,78 0,02 0,01 0,02 568,8 100

113 7,91 1,30 0,04 0,02 0,03 1104,2


227 15,89 2,60 0,08 0,03 0,07 2196,8 95

454 31,78 5,21 0,17 0,07 0,14 4667,2


75
635 44,45 7,29 0,23 0,09 0,19 6295,2
Tabela 6. Valor energético estimado dos macronutrientes do esterco bovino, considerando a substituição do adubo químico
pelo biofertilizante. * Valores obtidos através de cálculos realizados por Santos (2012), com valor de referência de (Nogueira,
25
1986). ** Valores obtidos através de cálculos realizados por Santos (2012), com os dados constantes na Tabela 8.
Fonte: Adaptada de MWPS-18, 1985 apud Campos, 1997. 5

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A Tabela 7 abaixo demonstra a economia de energia A substituição do fertilizante químico pelo


fóssil pela substituição do esterco. biofertilizante evitaria, anualmente, a emissão de
aproximadamente 427.170 Gg CO2 eq.
3.4 Valor energético do biogás proveniente da
biodigestão de dejetos de bovinos 3.6 Benefícios decorrentes da biodigestão anaeróbia do
A Tabela 8 apresenta o valor energético estimado do esterco bovino
3
biogás, considerando a densidade de 0,784 kg/m , a A Figura 2, demonstra a mitigação de GEE pela biodigestão
composição média do biogás em 55% CH4 e 45% CO2 e o do esterco bovino, que totaliza aproximadamente 564.122
poder calorífico inferior (PCI), em 3.877,48 kcal/kg ou Gg de CO2 eq/ano, o que corresponde a cerca de 73% das
16.235 kJ/kg, conforme Avellar (2001 apud Costa, 2006). emissões totais de CH4 e N2O no ano de 2005.
No presente estudo, a substituição do fertilizante
3.5 Estimativa da mitigação de GEE decorrente da químico foi responsável pela maior quantidade de
substituição do fertilizante químico emissões evitadas, representando cerca de 79% do total
A Tabela 9 demonstra a estimativa anual das emissões de mitigado. Isso se deve ao fato dos fertilizantes químicos
GEE evitadas, considerando o rebanho bovino brasileiro, o emitirem grande quantidade de GEE no seu processo
fator de emissão de GEE na produção de fertilizantes produtivo. O manejo dos dejetos respondeu por cerca de
químicos e a disponibilidade anual de N, P, K do esterco 16% do total das emissões evitadas, pois grande parte da
bovino. bovinocultura brasileira de corte atualmente se

Produção CE médio Economia de


Fertilizantes Valor médio dos energia fóssil
macronutrientes macronutrientes
(kg/ano) (MJ/kg) (GJ/ano)
Nitrogênio (N) 0,11 8,24 .109 62,58 5,1 . 108
Fósforo (P 2O 5) 0,04 2,99 .109 12,33 3,6 . 107
Potássio (K 2O) 0,09 6,74 .109 9,18 6,2 . 107
Total 6,1 . 108
Tabela 7. Economia de energia fóssil pela substituição do esterco. Fonte: Elaboração própria.

Valor
Peso do Produção total Produção Produção Energético
animal de esterco biogás * biogás * estimado *
(kg) (kg/dia) (m3/dia) (kg/dia) (MJ/Ano)
68 4,76 0,19 0,15 888,23
113 7,91 0,32 0,25 1.481,44
227 15,89 0,64 0,50 2.962,89
454 31,78 1,27 0,99 5.866,52
635 44,45 1,78 1,39 8.236,83

Tabela 8. Valor energético (VE) do biogás de acordo com a produção diária de esterco bovin. *Valores obtidos através de
cálculos realizados por Santos (2012), com os dados constantes na Tabela 10, Adaptada de (MWPS-18, 1985 apud Campos,
1997). Fonte: Adaptado de MWPS-18, 1985 apud Campos, 1997.

Produção
Fator de emissão Emissões anuais evitadas
Fertilizantes macronutrientes
(kg CO 2 eq/kg) (Gg CO 2 eq) 100
(kg/ano)
8,24. 109
95
Nitrogênio (N) 3,97 32.723
Fósforo (P 2O 5) 2,99. 109 130c 389.659 75

Potássio (K 2O) 6,74. 109 0,71 4.788


Total 427.170
25

Tabela 9. Emissões anuais evitadas pela substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante.
5

47
Estudo energético do esterco bovino: seu valor
de substituição e impacto da biodigestão anaeróbia

Emissões evitadas Economia de energia de origem fóssil 6,1. 108 GJ/ano


Disponibilidade de N, P, K 17,9. 106 t/ano
31.820 Gq Co2 eq (5%) 105.132 Gq Co2 eq (16%)
Produção de biogás 62,9. 109 m3/ano
Produção de energia elétrica 117,08 TWh /ano
Total das emissões evitadas 564.122 Gg de CO 2 eq/ano
Energia contida no biogás 7,9.108 GJ/ano

Tabela 10. Benefícios potenciais da biodigestão anaeróbia


do esterco.

relação às emissões de CH4 e N2O do rebanho bovino


brasileiro no ano de 2005, as emissões evitadas pelo
manejo correto dos dejetos, substituição do fertilizante
químico pelo biofertilizante e geração de energia elétrica
através do biogás, correspondem a aproximadamente
180% do total emitido por este rebanho.
A produção de energia elétrica através do biogás do
427.170 Gq CO2 eq (79%) esterco dos bovinos do rebanho brasileiro geraria
anualmente cerca de 117,08 TWh de energia elétrica, o que
Manejo dos Dejetos significa aproximadamente 27,5% do consumo de energia
Substituição do fertilizante químico elétrica no Brasil, no ano de 2009. Esta produtividade de
energia elétrica através do biogás também supriria com
Produção de energia elétrica
folga as necessidades deste tipo de energia no setor
agropecuário.
Figura 2. Total das emissões evitadas pela biodigestão Os resultados encontrados neste trabalho possuem
anaeróbia do esterco bovino. valores significativos, tanto em termos de geração de
Fonte: Elaboração própria energia, como em relação ao quantitativo de emissões
evitadas e disponibilidade de N, P, K. O estudo foi
desenvolve em áreas de pastagens, onde a emissão de desenvolvido considerando a possibilidade de total
GEE através do esterco é menor. A produção de energia aproveitamento do esterco do rebanho bovino nacional.
elétrica foi responsável por apenas 5% do total da No entanto, sabe-se que existe perda de grande parte do
mitigação de GEE, devido ao fato das emissões emitidas esterco produzido quando os animais são criados em
terem sido calculadas com base em indicadores de regime extensivo ou de semi-confinamento. Mesmo
produção de energia elétrica em usinas hidrelétricas, considerando o não aproveitamento total do esterco, a
sendo uma fonte renovável de energia. proposta do manejo adequado do esterco se justifica
pelos ganhos econômicos, sociais e ambientais.
4. Conclusões
Referências Bibliográficas
A quantificação do valor energético do esterco bovino,
neste trabalho, pode contribuir para que o mesmo não CAMPOS, A.T. (1997) Análise da viabilidade da reciclagem
continue sendo visto como um resíduo, mas sim como um de dejetos de bovinos com tratamento biológico, em
subproduto da pecuária, buscando condições para que sistema intensivo de produção de leite. Botucatu/SP. 161
esta atividade econômica tão importante para o Brasil p. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista –
possa se tornar sustentável. A Tabela 10 apresenta os Faculdade de Ciências Agronômicas.
principais resultados encontrados neste estudo.
Considerando a produtividade anual estimada de N, P, CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento
K, disponível no esterco bovino em 17,9.106 toneladas Ambiental. Emissões de metano no tratamento e na
100
anuais, este quantitativo representa aproximadamente disposição de resíduos. Ministério de ciência e tecnologia.
63% do consumo de fertilizantes químicos no Brasil no ano São Paulo. 2002. 95

de 2011, o que demonstra a importância do


75
aproveitamento dos macronutrientes presentes no COSTA, D. F. (2006) Geração de energia elétrica a partir do
esterco bovino. biogás de tratamento de esgoto. São Paulo. 194 p.
A mitigação de GEE totalizou, aproximadamente, Dissertação (Mestrado), PIPGE/USP.
25
564.122 Gg de CO2 eq/ano, o que corresponde a cerca de 73%
das emissões totais de CH4 e N2O no ano de 2005. Em HARDOIM, P. C.; GONÇALVES, A. D. M. A. Avaliação do 5

48
Revista Agroambiental - Abril/2012

potencial do emprego do biogás nos equipamentos SEABRA, J. E. A (2008) Avaliação técnico-econômica de


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