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Resumo
A bovinocultura brasileira tem se desenvolvido de forma notável nas últimas décadas. O rebanho nacional de 205 milhões de
cabeças atende à produção de carne e leite para o mercado interno e exportações, gerando em 2010 cerca de R$ 67 bilhões.
Um subproduto importante da criação de gado bovino é o esterco, cuja utilização como fertilizante em diversas culturas,
permite reciclar nutrientes e manter a produtividade do solo em níveis adequados. No presente trabalho, se avalia a
produção de esterco bovino, desde o ponto de vista energético, considerando seu valor fertilizante (em termos de
macronutrientes disponíveis) e a substituição de adubo químico com igual valor fertilizante. Também se avalia o potencial de
produção de biogás a partir de esterco, assumindo dados de operação de biodigestores rurais. Considerando o rebanho
3
brasileiro em 2009, foi estimado um potencial de geração de biogás através do esterco bovino em 62,9 bilhões de m /ano,
8
com valor energético estimado em 7,9.10 GJ/ano, a possível geração de 117,08 TWh/ano de energia elétrica e a
disponibilidade anual de 17,97.106 toneladas de macronutrientes (N, P, K). Ao considerar a substituição do fertilizante
8
químico pelo biofertilizante, obteve-se uma economia de energia fóssil na ordem de 6,1.10 GJ/ano. Em relação às emissões
de gases de efeito estufa evitadas, o manejo adequado do esterco bovino proporciona, aproximadamente, a mitigação de
564.122 Gg de CO2 eq./ano, o que corresponde a cerca de 73% das emissões totais brasileiras de CH4 e N2O no ano de 2005.
Study of cattle manure energy: their replacement value and impact of anaerobic biodigestion
Abstract
The Brazilian cattle industry has developed dramatically in recent decades. The national herd of 205 million head meets the
production of meat and milk for the domestic market and exports, in 2010 generated about R$ 67 billion. An important
byproduct of raising cattle is the manure for use as fertilizer in different cultures, allows recycle nutrients and maintain soil
productivity at adequate levels. In this study, to evaluate the production of manure from the energy point of view,
considering its fertilizer value (in terms of nutrients available) and the replacement of chemical fertilizer with the same
fertilizer value. It also evaluates the potential of biogas production from manure, assuming the operating data of rural
digesters. Considering the amount of the Brazilian herd of cattle in 2009, was an estimated the potential for biogas
3 8
generation through cattle manure in 62.9 billion m /year, with energy value estimated at 7.9.10 GJ/year, the possible
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generation of 117.0 TWh/year of electricity and the yearly availability of 17.97.106 tons of macronutrients (N, P, K). When
8
considering the replacement of chemical fertilizers by biofertilizers, we obtained a saving of fossil energy in order 6.1*10
GJ/year. In relation to emissions of greenhouse gases avoided, the proper management of manure provides approximately
564.122 Gg of mitigating CO2 eq./year, which corresponds to about 73% of Brazil's total emissions of CH4 and N2O in 2005.
100
Introdução 75
O Brasil possui o segundo maior rebanho de bovinos do mundo, sendo superado apenas pela Índia, segundo os dados da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, 2010 apud IBGE, 2009). Também é o segundo maior 25
SANTOS, Izabel Aparecida dos; NOGUEIRA, Luiz Augusto Horta. Estudo energético do esterco bovino: seu valor de substituição e impacto 5
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Estudo energético do esterco bovino: seu valor
de substituição e impacto da biodigestão anaeróbia
produtor de carne bovina, com um consumo per capita em atividade pecuária. O biofertilizante bovino na forma
torno de 34,7 quilos por habitante/ano, ficando atrás dos líquida apresenta na sua composição microrganismos
Estados Unidos, sendo considerado o maior exportador responsáveis pela decomposição da matéria orgânica,
mundial deste produto. A Pesquisa da Pecuária Municipal produção de sais e adição de compostos orgânicos e
(PPM) registrou para o ano de 2009 um efetivo de bovinos inorgânicos que atuam não só na planta, mas também
de 205,292 milhões de cabeças, considerando nesta sobre a atividade microbiana do solo.
contagem os animais existentes em 31 de dezembro O objetivo do presente estudo é determinar, em valor
daquele ano, tanto destinados à produção de carne energético, a contribuição do esterco bovino,
quanto à de leite. Observou-se o crescimento do efetivo considerando o contexto da produção pecuária brasileira.
de 1,5% no ano de 2009 em relação ao ano de 2008 (IBGE,
2009). 2. Material e Métodos
De acordo com FAO (2006) apud Pacheco (2010), a
pecuária é uma das atividades econômicas mais
Visando estudar as condições para uma produção pecuária
importantes do mundo, trazendo inúmeros benefícios. No
sustentável, através de dados encontrados na literatura,
entanto, utiliza grande quantidade de recursos naturais e
este trabalho quantificou em valor energético os
contribui para o aquecimento global. A pecuária bovina é a
macronutrientes do esterco bovino e do biogás obtido
que mais contribui para a degradação do meio ambiente,
através da biodigestão anaeróbia. Também foi estimada a
devido ao grande número de animais e consequente
mitigação de gases de efeito estufa pelo manejo correto
geração de resíduos. As emissões atribuídas à pecuária são
do esterco, pela produção de energia elétrica e pela
provenientes dos processos produtivos que envolvem o
substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante.
segmento de insumos e da atividade em si. Na atividade
Nesse sentido, a seguir são apresentadas as etapas
pecuária, destacam-se as emissões de metano (CH4)
desenvolvidas (Figura 1), que compreendem:
através da fermentação entérica, das fezes e óxido nitroso
(N2O), emitidas pelas fezes e urina e no eventual uso de Caracterização do
fertilizantes nitrogenados em pastagens. Dentre os gases esterco bovino
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Onde: 95
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Estudo energético do esterco bovino: seu valor
de substituição e impacto da biodigestão anaeróbia
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Para a obtenção do balanço geral dos GEE, foi realizada MGEEFQ=FEGEEN∗DMN∗n∗a [15]
a conversão dos fluxos de CH4 e N2O em CO2 eq, conforme
Onde:
metodologia abaixo, adaptada de Oliveira (2010). Os
cálculos foram feitos considerando o Potencial de
MGEEFQ= Mitigação de GEE pela substituição do
Aquecimento Global ou GWP (Global Warming Potential). fertilizante químico pelo biofertilizante (Gg CO2 eq/ano);
De acordo com MCT (2010), o GWP agrega as emissões FEGEEN= Fator de emissão de GEE na produção de
relatadas em unidades de dióxido de carbono nitrogênio (kg CO2 eq/kg);
equivalentes em um horizonte de tempo de 100 anos. Os DMN= Disponibilidade média diária de nitrogênio
fluxos de CH4 e N2O em CO2 eq foram estimados utilizando presente no esterco bovino;
as Equações 13 e 14.
n = quantitativo nacional de gado bovino;
a = número de dias no ano (365).
CO 2eq( N2O ) = N2O ∗ R P M N2O ∗ PAG N2O
[13]
MGEEFQ=FEGEEP∗DMP∗n∗a [16]
C O 2 e q ( C H 4 ) = C H 4 ∗ R P M C H 4 ∗ PA G C H 4 Onde:
[14] MGEEFQ= Mitigação de GEE pela substituição do
fertilizante químico pelo biofertilizante (Gg CO2 eq/ano);
Onde:
FEGEEP= Fator de emissão de GEE na produção de
CO2eq(N 2 O) = quantidade de N 2 O em CO 2 eq;
fósforo (kg CO2 eq/kg);
CO2eq(CH4)= quantidade de CH4 em CO2 eq (21); DMP= Disponibilidade média diária de fósforo presente
N2O = fluxo de N2O na situação; no esterco bovino;
Ch4 = fluxo de CH4 na situação; n= quantitativo nacional de gado bovino;
RPMN2O = relação entre o peso molecular do N2O e do a= número de dias no ano (365).
nitrogênio (44/28);
RPMCH4 = relação entre o peso molecular do CH4 e do MGEEFQ=FEGEEK∗DMK∗n∗a [17]
carbono (16/12); Onde:
PAGN2O = potencial de aquecimento global do N2O em MGEEFQ = Mitigação de GEE pela substituição do
relação ao CO2 (310); fertilizante químico pelo biofertilizante (Gg CO2 eq/ano);
PAGCH4 = potencial de aquecimento global do CH4 em FEGEEK= Fator de emissão de GEE na produção de
relação ao CO2 (21). potássio (kg CO2 eq/kg);
DMK= Disponibilidade média diária de potássio presente
2.9 Estimativa da mitigação de GEE decorrente da no esterco bovino;
substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante n= quantitativo nacional de gado bovino;
As Equações 15, 16 e 17 foram utilizadas para calcular o
potencial de mitigação de GEE decorrentes da a= número de dias no ano (365).
substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante,
considerando o quantitativo do rebanho bovino nacional, 2.10 Estimativa de produção de energia elétrica
de acordo com as últimas pesquisas publicadas pelo A energia elétrica gerada através do biogás foi
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2009) determinada utilizando a metodologia proposta pela
e o fator de emissão de GEE na produção de fertilizantes Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental,
químicos, de acordo com Seabra (2008). CETESB (2002), conforme Equação 18, que considera um
rendimento de 30% para o grupo gerador.
químicos. 5
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Estudo energético do esterco bovino: seu valor
de substituição e impacto da biodigestão anaeróbia
2.11 Estimativa das emissões de GEE evitadas pela geração 3. Resultados e Discussão
de energia elétrica através do biogás
A quantificação das emissões de GEE evitadas pela
Kiehl (1985) afirma que a composição dos estercos não é
geração de energia elétrica utilizando o biogás foi
fixa, variando em função de diversos fatores, como a
estimada considerando o fator de emissão de CO2 para a
espécie animal, a raça, a idade, a alimentação, o material
produção de energia elétrica. Para se determinar o fator utilizado como cama, o manejo do esterco, etc. A
de emissão de GEE na geração de energia elétrica foi feita alimentação é um dos fatores que mais influencia a
uma consulta ao site do Ministério da Ciência e Tecnologia composição do esterco.
(MCT) (2011), onde foram encontrados os fatores médios A Tabela 5 mostra a porcentagem em relação à matéria
de emissão de CO2 (tCO2/MWh), da margem de operação, seca (MS), de macronutrientes presentes nos dejetos de
que reflete a intensidade das emissões de CO2 da energia vacas leiteiras, segundo alguns autores.
despachada na margem, para geração de energia elétrica
do Sistema Interligado Nacional, dos meses de janeiro a 3.1 Estimativa de produção de esterco
agosto de 2011. A partir destes dados foi calculado o fator No presente estudo, a média de peso do gado bovino foi
de emissão médio de CO2 para a produção de energia considerada em 300 kg e a produção diária de esterco em
elétrica, cujo valor foi considerado em 0,2717. 21 kg.
A Equação 19, adaptada de Salomon (2007),
demonstra como foi realizado o cálculo do quantitativo de 3.2 Estimativa de valor energético de substituição do
emissões de GEE evitadas pela geração de energia elétrica. esterco
A Tabela 6 apresenta os valores energéticos estimados
CO2eq=EE∗FEM [19] dos macronutrientes do esterco bovino, tendo como
parâmetros o peso vivo (PV) dos bovinos leiteiros, a
Onde:
produção de esterco, o conteúdo em macronutrientes e o
Co2eq= Total de CO2eq. Evitado (tCO2eq./ano); valor médio dos coeficientes energéticos utilizados para a
EE= Total de Energia Elétrica Gerada (Mwh/ano); produção de fertilizantes químicos, considerando a
FEM= Fator de Emissão Médio (tCO2eq./MWh). substituição do adubo químico pelo biofertilizante.
Quantidade de macronutrientes em % da MS
Autores Nitrogênio(N) Fósforo (P 2O 5) Potássio (K 2O)
Xavier e Lucas Júnior (2011) a 2,51 1,47 1,32
Pertersen et al. (1956) apud Siqueira Junior (2005) b 0,38 0,18 1,15
Safley et al. (1984) apud Siqueira Junior (2005) c 2,92 1,2 0,84
d
Osaki (1990) apud Siqueira Junior (2005) 1,11 0,68 0,67
Tabela 5. Quantidade média de macronutrientes presentes no esterco de bovinos leiteiros, em porcentagem da MS (matéria
seca). Legenda:
a) Vacas leiteiras da raça Holandesa, dieta: silagem de milho, cana-de-açúcar in natura e cana-de-açúcar hidrolisada com cal
virgem.
b) Vacas leiteiras de raça não informada, dieta: concentrado, silagem de milho e pastagem.
c) Raça e dieta não informadas.
d) Raça e dieta não informadas.
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Valor
Peso do Produção total Produção Produção Energético
animal de esterco biogás * biogás * estimado *
(kg) (kg/dia) (m3/dia) (kg/dia) (MJ/Ano)
68 4,76 0,19 0,15 888,23
113 7,91 0,32 0,25 1.481,44
227 15,89 0,64 0,50 2.962,89
454 31,78 1,27 0,99 5.866,52
635 44,45 1,78 1,39 8.236,83
Tabela 8. Valor energético (VE) do biogás de acordo com a produção diária de esterco bovin. *Valores obtidos através de
cálculos realizados por Santos (2012), com os dados constantes na Tabela 10, Adaptada de (MWPS-18, 1985 apud Campos,
1997). Fonte: Adaptado de MWPS-18, 1985 apud Campos, 1997.
Produção
Fator de emissão Emissões anuais evitadas
Fertilizantes macronutrientes
(kg CO 2 eq/kg) (Gg CO 2 eq) 100
(kg/ano)
8,24. 109
95
Nitrogênio (N) 3,97 32.723
Fósforo (P 2O 5) 2,99. 109 130c 389.659 75
Tabela 9. Emissões anuais evitadas pela substituição do fertilizante químico pelo biofertilizante.
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