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BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof.ª Dra. Antonia Solange Pinheiro Xerez (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
______________________________________________________
Prof. Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos
Universidade Estadual do Ceará – UECE
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Prof.ª Dra. Josefa Jackline Rabelo
Universidade Federal do Ceará – UFC
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Prof.ª Dra. Maria das Dores Mendes Segundo
Universidade Estadual do Ceará – UECE
A minha mãe, Edimaura Saturnino, que,
apesar de não ter tido acesso à educação
escolar, sempre me motivou nos estudos.
A minha mãe, Edimaura Saturnino, por todo amor, dedicação e incentivo aos estudos. Talvez
não saiba o que esse momento pode significar para mim, mas mesmo assim se alegra ao saber
que consegui concluir mais um ciclo de estudos.
A minha companheira, Carla Bandeira, pela amizade, amor e cumplicidade.
As minhas duas filhas, Anna Júlia e Isabelly, que nos momentos de angústia e de tristeza têm
alegrado os meus dias. Com elas venho aprendendo um novo paradigma de amar, cheio de
sorrisos, descobertas, felicidades e muito amor.
A minha orientadora, pelo acolhimento, confiança e as orientações esclarecedoras, e aos
professores da banca, que dispuseram tempo e dedicação para qualificar o estudo.
Aos amigos e professores do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino, pelos
ensinamentos e os ricos momentos compartilhados, que agregaram na minha formação
humana, política, científica e profissional.
Aos amigos e professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará,
campus Limoeiro do Norte, pelos momentos vividos que contribuíram com a minha chegada
ao Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo financiamento da
bolsa de estudo no âmbito do Mestrado Acadêmico em Educação e Ensino.
“Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão,
habitação,
saúde, educação.
Só há liberdade a sério quando houver
liberdade de mudar e decidir,
quando pertencer ao povo o que o povo
produzir,
quando pertencer ao povo o que o povo
produzir”.
(Sérgio Godinho)
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar as possíveis implicações do novo Ensino Médio,
instituído por meio da Lei n. 13.415/2017, da BNCC do Ensino Médio e da Resolução n.
3/2018, na área de Educação Física escolar para a formação da classe trabalhadora, no
contexto da crise estrutural do capital. Para isso, realizamos uma pesquisa bibliográfica e
documental, ancorada nos pressupostos onto-metodológicos instaurados por Karl Marx e
recuperados pelo filósofo húngaro György Lukács. Constatamos, com o referido estudo, que a
partir dos anos 1970, com a eclosão da crise estrutural do capital, os organismos
internacionais passaram a exercer forte influência no desenvolvimento de novas políticas
educacionais, defendendo uma educação escolar pautada em competências e habilidades, que
demandam as novas relações de produção engendradas pelo Toyotismo. Para tal pleito, exige-
se um trabalhador polivalente, flexível, multifuncional, ou seja, capaz de se adaptar, às
constantes mudanças do mundo do trabalho e da sociedade capitalista. Neste contexto,
identificamos que a educação escolar tem sido fortemente subordinada aos interesses do
capital, sendo gerada no seu interior uma nova dinâmica de organização e de condução do
processo educativo, resultando no esvaziamento dos conteúdos científicos, artistas, filosóficos
e da cultura corporal ao longo da formação escolar dos alunos, conforme constatamos nas
análises das novas determinações do Ensino Médio para a formação da juventude brasileira.
Paralelo a isso, identificamos que a Educação Física perdeu a sua obrigatoriedade no currículo
escolar, sendo os seus conteúdos ministrados, agora, no Ensino Médio, apenas como estudos e
práticas, assim como os conteúdos de Arte, Sociologia e Filosofia. Como resultado,
percebemos, a partir dessa política educacional, a oferta de uma educação escolar centrada nas
novas necessidades do mercado de trabalho no contexto da crise estrutural do capital,
ofertando-se para os filhos da classe trabalhadora uma formação escolar flexível, aligeirada,
fragmentada, vinculada aos valores que alinham-se à emancipação política. Desse modo,
contrapondo-se à sociedade e à educação burguesa, defendemos a necessidade de resistência
ativa no interior da educação de forma geral e no interior da Educação Física, sendo
necessária uma práxis pedagógica revolucionária, isto é, atividades educativas com um caráter
emancipador, articuladas, de modo direto ou indireto, com a luta histórica pela superação do
capitalismo e a construção de uma sociedade comunista.
Palavras-Chave: Novo Ensino Médio; Crise Estrutural do Capital; Área de Educação Física.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the potential implications of the new High School
Education, established through Law No. 13,415/2017, the National Curricular Common Base
(BNCC) for High School, and Resolution No. 3/2018, on the field of school Physical
Education, for the formation of the working class, within the context of the structural crisis of
capital. To accomplish this, we conducted a bibliographic and documentary research,
anchored in the onto-methodological assumptions established by Karl Marx and further
developed by the Hungarian philosopher György Lukács. Through the aforementioned study,
we observed that starting from the 1970s, with the onset of the structural crisis of capital,
international organizations began to exert a significant influence on the development of new
educational policies. These policies advocated for a school education based on competencies
and skills, which align with the new production relations engendered by Toyotism. For such a
demand, a versatile, flexible, and multifunctional worker is required – someone capable of
adapting to the constant changes in the world of labor and capitalist society. In this context,
we have identified that school education has been strongly subordinated to the interests of
capital. Within this framework, a new dynamic of organization and direction of the
educational process has emerged, leading to the depletion of scientific, artistic, philosophical,
and bodily cultural contents throughout students' schooling. This observation is evident
through the analysis of the new directives for High School education and their implications
for the formation of Brazilian youth. In parallel to this, we identified that Physical Education
has lost its compulsory status in the school curriculum. Its contents are now taught in High
School solely as studies and practices, similarly to the contents of Art, Sociology, and
Philosophy. As a result, we discern from this educational policy the provision of a school
education centered around the new demands of the labor market within the context of the
structural crisis of capital. This education is offered to the children of the working class as a
flexible, streamlined, and fragmented schooling, closely tied to values that align with political
emancipation. Thus, countering bourgeois society and education, we advocate for the
necessity of active resistance within education as a whole and within Physical Education in
particular. A revolutionary pedagogical praxis is essential – educational activities
characterized by their emancipatory nature, intricately linked, either directly or indirectly, to
the historical struggle for the transcendence of capitalism and the construction of a communist
society.
Keywords: New High School Education; Structural Crisis of Capital; Physical Education
Field.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BM Banco Mundial
EC Emenda Constitucional
MP Medida Provisória
PL Projeto de Lei
2.3 A relação entre trabalho e educação nas sociedades primitivas e de classes ...... 41
Esta dissertação tem como objeto de estudo O novo Ensino Médio e as suas
implicações na área de Educação Física escolar para a formação da classe
trabalhadora1. A pesquisa se insere, dentro de uma dimensão geral, no debate que trata sobre
a relação entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital, com um recorte
específico para a última etapa da Educação Básica2, no Brasil, o Ensino Médio, ofertado,
especialmente, para a juventude de 15 a 17 anos de idade. O estudo vinculou-se à Linha:
Trabalho, Educação e Movimentos Sociais e ao núcleo: Trabalho, Educação, Ontologia,
Estética e Formação Humana, do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Desse modo, visamos, a partir desse estudo, dar continuidade aos resultados
iniciais que foram obtidos em torno desse tema com a realização de um artigo científico 3,
apresentado pelo autor desta pesquisa no I Congresso Internacional Virtual de Pesquisa, Pós-
graduação e Inovação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará,
ocorrido de 17 a 20 de novembro de 2020. Com base nisso, buscamos ampliar a discussão
crítica envolvendo os aspectos políticos, pedagógicos e ideológicos que estão relacionados
com o novo Ensino Médio, instituído durante o Governo de Michel Temer (2016-2019), do
partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB), por meio da Lei n. 13.415/2017, da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio e da Resolução n. 3/2018.
Para isso, apoiamo-nos em uma concepção de educação comprometida com os
interesses da classe trabalhadora, sendo esta crítica e revolucionária, diferenciando-se,
portanto, do modelo de educação conservadora e reacionária, defendida, amplamente, pela
1
O Guia de Normalização de Trabalhos Acadêmicos da UECE (FORTALEZA, 2022) estabelece três formas de
empregar ênfase ou destaque ao longo do texto, podendo ser por meio do uso de grifos, negrito ou itálico.
Optamos por usar o negrito tanto nas citações como nas palavras estrangeiras, assim como nos títulos das obras
anunciadas e nas outras partes textuais que consideramos importante deixar em destaque para o leitor.
2
A LDBEN n. 9.394/96 define que a educação escolar no Brasil é constituída em dois níveis: a Educação Básica
e a Educação Superior. No que concerne à Educação Básica podemos afirmar que esta é formada por três
etapas de ensino, sendo eles, respectivamente, a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
Nesse sentido, “A Educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores” (BRASIL, 2013).
3
Uma análise sobre as possíveis implicações da reforma do Ensino Médio na Educação Física Escolar. O
artigo foi apresentado no eixo temático Multidisciplinar, ficando em primeiro lugar entre os dez melhores
trabalhos apresentados neste eixo, o que garantiu a sua publicação como capítulo de livro (PEREIRA; VIDAL;
SANTOS, 2022). O trabalho foi orientado por duas professoras do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará (IFCE), campus Limoeiro do Norte, sendo elas a M.ª Maria Ozirene Maia Vidal e a M.ª
Luciana de Sousa Santos.
16
Disso emerge uma séria contradição entre o discurso vigente e a realidade, entre
igualdade material e igualdade formal. A sociedade burguesa reforça a ideia do
direito universal à educação e a necessidade de formação integral do ser
humano, porém, por ser regida pela lógica do capital, impõe obstáculos à
efetivação desse direito e impossibilita uma educação efetiva para a classe
trabalhadora [...] Uma vez que a educação está subordinada às leis do capital, que
este por sua vez se apresenta como a origem das desigualdades sociais, não seria
prudente esperar que o próprio sistema garanta a todos a igualdade no acesso e na
qualidade da educação [...] (SANTOS; SANTOS, 2021, p. 25, grifos nossos).
pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa,
como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do
capital” (MÉSZÁROS, 2000). O que há de novo nessa crise é que ela possui um caráter
universal e um alcance global, atingindo todos os complexos sociais e países. Além disso, a
sua escala de tempo é extensa e o seu modo de operar é rastejante, sendo uma crise de
natureza permanente, que tende a se agravar com o passar dos anos.
Como consequências, passamos a presenciar o aumento:
[...] entre as reformas nas áreas sociais, operadas pelo Estado brasileiro, e os
interesses do capital nacional e internacional. No campo educacional, esse
alinhamento pode ser constatado na relação existente entre a Lei nº
13.415/2017, o documento denominado Base Nacional Curricular Comum para
o Ensino Médio, e a Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016 [...] (SANTOS;
AMORIM, 2021, p. 27, grifos nossos).
reparar as mazelas sociais, em especial, as que são postas pela contradição fundamental entre
capital e trabalho. Isso nos leva a afirmar que o formato antigo do Ensino Médio brasileiro
não vinha atendendo, de forma precisa, às exigências do capital, precisando, portanto, ser
reorganizado para que pudesse ofertar para os alunos uma educação escolar voltada para
atender às novas necessidades do mercado de trabalho no contexto da crise atual.
Com base em Amorim (2018), Santos (2020) e Sobral (2021), reafirmamos, nesta
pesquisa, que a educação, enquanto uma dimensão da vida humana, deve estar voltada para a
formação humana, em outras palavras, conforme aponta Mészáros (2008), para a qualificação
dos indivíduos, para a vida e não apenas para o mercado de trabalho. Isso não implica, de
forma alguma, a negação da qualificação profissional, no entanto, o centro dessa perspectiva é
o desenvolvimento pleno dos seres humanos. A defesa desse ponto de vista vai de encontro
aos pressupostos encontrados no novo Ensino Médio, tendo em vista que esta política
educacional legitima o esvaziamento dos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da
cultura corporal4 na formação dos alunos nessa etapa de ensino.
Nesse viés, o discurso encontrado no interior do novo Ensino Médio, de estar
ofertando uma educação integral para os alunos, pode ser compreendido como uma falácia,
tendo em vista que alguns conhecimentos que são considerados até mesmo como clássicos 5, a
exemplo, da Filosofia, da Sociologia, da Arte e da Educação Física, passaram a ter a sua
oferta reduzida no currículo escolar. Desse modo, os estudantes terão acesso, no decorrer dos
três anos do Ensino Médio, a uma formação escolar flexível, com a valorização do
desenvolvimento de competências e habilidades, principalmente daquelas que são necessárias
para o ajustamento da juventude às novas relações de produção que o mercado de trabalho
brasileiro precisa no contexto da crise estrutural do capital.
Perante o exposto, parece-nos que o ponto central do novo Ensino Médio é, então,
a flexibilização dos conhecimentos no currículo escolar, que passa a afetar, principalmente, a
formação da classe trabalhadora, uma vez que o público-alvo dessa política educacional são
4
O termo cultura corporal refere-se à área de conhecimento que trata, pedagogicamente, a Educação Física no
espaço escolar, possibilitando para os alunos a vivência e a compreensão crítica das práticas corporais como os
jogos, os esportes, as danças, as lutas e as ginásticas. A perspectiva da cultura corporal é assumida pela
Pedagogia Crítico-Superadora, elaborada por um Coletivo de Autores (Carmen Lúcia Soares; Celi Nelza Zulke
Taffarel; Elizabeth Varjal; Lino Castellani Filho; Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht), responsáveis pelo
Livro Metodologia do Ensino de Educação Física (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Essa teoria pedagógica
pauta-se no Materialismo Histórico Dialético e situa-se no campo das teorias críticas da educação, tendo como
referência as concepções filosóficas desenvolvidas por Dermeval Saviani (CASTELLANI FILHO, 1999).
5
A respeito disso, Saviani (2013, p. 13, grifos nossos) afirma que “O clássico não se confunde com o tradicional
e também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é aquilo que se firmou
como fundamental, como essencial. Pode, pois, constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos do
trabalho pedagógico”.
19
da emancipação humana6. Logo, acreditamos que apenas com a instauração de uma nova
forma de sociabilidade, para além e superior ao capitalismo, é que os homens poderão receber
uma educação voltada para o desenvolvimento das inúmeras potencialidades do ser social,
tendo acesso, a partir da educação, em especial a de sentido estrito, aos conhecimentos
científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal, necessários para a formação plena do
indivíduo e para a sua constituição como membro partícipe do gênero humano.
No que concerne a sua organização, o trabalho é composto por cinco capítulos,
sendo o primeiro a Introdução, no qual apresentamos o nosso objeto de estudo, o
envolvimento do autor com o tema e a concepção de educação que defendemos. Em seguida
discutimos a problemática da investigação, expondo a questão central e as questões
norteadoras, bem como os objetivos elencados para a realização do estudo. Após isso,
expomos a concepção teórica e metodológica que nos amparamos e os procedimentos
realizados para coletar os dados sobre a realidade investigada, sendo eles a pesquisa
bibliográfica e a documental. Assim, encerramos a introdução apresentando as justificativas e
a forma como os capítulos do estudo estão estruturados.
O segundo capítulo, A relação entre trabalho e educação no contexto da crise
estrutural do capital: um resgate histórico à luz da ontologia marxiana-lukacsiana,
encontra-se dividido em quatro seções. Na primeira, discorremos sobre o trabalho enquanto
complexo fundante do ser social; na segunda, discutimos sobre a gênese ontológica do
complexo da educação e a sua natureza essencial no processo de reprodução social.
Avançando com a discussão, na terceira seção, abordamos sobre a relação entre trabalho e
educação nas sociedades primitivas e de classes. Por fim, na última seção, tratamos sobre a
relação entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital, destacando as suas
implicações no mundo do trabalho e na organização da educação escolar no Brasil.
O terceiro capítulo, O novo Ensino Médio e a legitimação da dicotomia
educacional no Brasil: uma reorganização escolar necessária para atender às novas
necessidades do capital, encontra-se organizado em três seções. Na primeira seção,
abordamos sobre a articulação do Ensino Médio com a Educação Profissional a partir dos
anos 1990. Em seguida, na segunda seção, discorremos sobre a conjuntura política que deu
6
É preciso que fique claro que a emancipação humana é, para Marx (2010), o mesmo que comunismo, ou seja,
uma nova forma de sociabilidade em que a produção material da existência humana passa a ser organizada a
partir do trabalho associado, superando, assim, as relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem. Com isso, as forças produtivas e as relações de produção passam a estar voltadas para satisfazerem as
necessidades humanas e não as que são necessárias para a reprodução do capital. Neste contexto, podemos
afirmar, com base em Marx (1985), que o trabalho abstrato, produtor de valores de troca, passa a desaparecer,
cedendo espaço para o trabalho concreto, produtor de valores de uso.
24
origem à reforma do governo de Michel Temer responsável por instituir o novo Ensino
Médio. Na última seção, realizamos um apanhado geral sobre as implicações dessa política
educacional na formação da classe trabalhadora, no qual discutimos a relação do novo Ensino
Médio com as divisões sociais realizadas no interior do complexo da educação.
O quarto capítulo, Uma análise sobre as implicações do novo Ensino Médio na
área de Educação Física escolar e a necessidade ontológica desse complexo social na
formação humana, é composto, também, por três seções. Na primeira, abordamos sobre a
gênese ontológica da Educação Física enquanto um complexo social; na segunda, tratamos
sobre o percurso histórico da Educação Física na educação brasileira e a sua necessidade
ontológica na formação humana. Em seguida, na terceira seção, discorremos sobre as
implicações do novo Ensino Médio na área de Educação Física escolar. Finalizamos a
discussão, defendendo uma práxis docente que tenha como fim maior da educação e da
Educação Física a emancipação humana e não apenas o mercado de trabalho.
O último capítulo, Considerações Finais, é iniciado com o resgate do nosso
objeto de estudo e dos pressupostos teóricos e metodológicos, que nos ancoramos para a
realização dessa dissertação, desenvolvida no MAIE da UECE. Apontamos, também, os
principais resultados alcançados com a pesquisa, tendo como ponto de referência as questões
e os objetivos que foram apresentados neste capítulo. Por fim, destacamos as contribuições do
estudo para o avanço do conhecimento científico na área da educação e, principalmente, na
área da Educação Física escolar. Concluímos o último capítulo, expondo as fragilidades da
pesquisa e algumas recomendações para os pesquisadores que pretendem contribuir com a
construção do conhecimento científico envolvendo essa temática.
25
O trabalho, sobre esta lógica, se diferencia das formas instintivas de trabalho que
são realizadas por algumas espécies de animais, como a casa construída pelo pássaro João-de-
barro, as colmeias realizadas pelas abelhas e uma teia edificada por uma aranha. Essas formas
de trabalho são apenas atividades naturais, instintivas, tendo em vista que esses animais já
nascem com uma herança genética determinada que os levam a realizar essas atividades para
que as suas necessidades sejam atendidas na natureza. Assim, “[...] numa relação imediata
entre o animal e o seu meio ambiente (os animais atuam diretamente sobre a matéria natural)
e satisfazem, sob formas em geral fixas, necessidades biologicamente estabelecidas [...]”
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 30, grifos dos autores).
Essa citação deixa claro que o homem é um ser que possui consciência, um
atributo que lhe possibilita realizar diferentes mediações com a natureza, permitindo que ele
possa responder de maneira sempre nova às situações que são postas pela vida. A partir do
trabalho ele busca atender às suas necessidades, transformando a natureza de forma
consciente a seu favor e não apenas se adaptando a ela como ocorre com os animais. Diferente
dos homens, os animais, para que possam realizar novas formas de interação com o ambiente,
precisam que as suas determinações genéticas sofram alterações, de tal forma que seja
possível realizar novos comportamentos naturais, que possam, consequentemente, assegurar a
sua sobrevivência e a reprodução da sua espécie, que é meramente biológica.
Diante do que já expomos, podemos afirmar, com base em Marx (1985) e em
Lukács (2013), que o trabalho é o complexo responsável por fazer com que a espécie humana
se transformasse em um novo tipo de ser, diferente do natural, sendo este o ser social,
possuidor de uma consciência que o leva a se relacionar com a natureza de forma diferente
dos demais animais, uma vez que a sua ação é orientada teleologicamente, ou seja, projetada
no pensamento do indivíduo para que ele possa alcançar os fins estabelecidos. Logo, “Só
podemos falar racionalmente do ser social quando concebemos que a sua gênese, o seu
distinguir-se da sua própria base, seu tornar-se ser autônomo baseiam-se no trabalho, isto é, na
contínua realização de pores teleológicos” (LUKÁCS, 2013, p. 52).
Nessa perspectiva, Marx e Engels (2007, p. 87, grifos nossos) ressaltam que:
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo
que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo
começam a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua
organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem,
indiretamente, sua própria vida material. O modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida depende, antes de tudo, da própria constituição dos meios de
vida já encontrados e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção não
deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da
existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua
atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo
de vida desses indivíduos. Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são
eles. O que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com o que
produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são,
portanto, depende das condições materiais de sua produção.
28
Diante disso, fica claro que o trabalho foi a categoria decisiva para a humanização
do homem, sendo a base que fez com que os grupos de primatas se transformassem em
humanos, com condições para construir as suas próprias ferramentas e os meios necessários
para garantir a existência e a reprodução do ser social, o que passou a ser possível a partir das
novas formas de interação do homem com a natureza e com os próprios homens, sendo o
trabalho considerado, conforme aqui estamos discutindo, um veículo que está voltado para a
autoconstrução plena do ser social. Cabe, nesse momento, uma pergunta: por que o trabalho
ocupa um lugar privilegiado na formação do ser social e não outras categorias como a
linguagem, a cooperação ou a própria divisão social do trabalho?
Para denotar que o ser social é mais que trabalho, para assinalar que ele cria
objetivações que transcendem o universo do trabalho, existe uma categoria teórica
mais abrangente: a categoria de práxis. A práxis envolve o trabalho, que, na
verdade, é o seu modelo – mas inclui muito mais que eles: inclui todas as
objetivações humanas (NETTO; BRAZ, 2006, p. 45, grifos nossos).
[...] destaca-se em primeiro plano a ação sobre outros homens, cujo objetivo é,
em última instância – mas somente em última instância –, uma mediação para a
produção de valores de uso. Também nesse caso o fundamento ontológico-
estrutural é constituído pelos pores teleológicos e pelas cadeias causais que eles
põem em movimento. No entanto, o conteúdo essencial do pôr teleológico nesse
momento – falando em termos inteiramente gerais e abstratos – é a tentativa de
induzir outra pessoa (ou grupo de pessoas) a realizar, por sua parte, pores
teleológicos concretos [...] Os pores teleológicos que aqui se verificam realmente
têm um caráter secundário do ponto de vista do trabalho imediato; devem ter sido
precedidos por um pôr teleológico que determinou o caráter, o papel, a função etc.
dos pores singulares, agora concretos e reais, orientados para um objeto natural.
Desse modo, o objeto desse pôr secundário do fim já não é mais algo puramente
natural, mas a consciência de um grupo humano; o pôr do fim já não visa a
transformar diretamente um objeto natural, mas, em vez disso, a fazer surgir
um pôr teleológico que já está, porém, orientado a objetos naturais; da mesma
maneira, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos naturais,
mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outros homens
(LUKÁCS, 2013, p. 83-84, grifos nossos).
7
Na próxima seção esclarecemos melhor essa questão.
31
8
Nesse sentido, Lukács (2013, p. 83-83, grifos nossos) menciona, como exemplo, a caça realizada no período
paleolítico, no qual as “[...] dimensões, a força e a periculosidade dos animais a serem caçados tornam necessária
à cooperação de um grupo de homens. Ora, para essa cooperação funcionar, eficazmente, é preciso distribuir os
participantes de acordo com funções (batedores e caçadores). Os pores teleológicos que aqui se verificam
realmente têm um caráter secundário do ponto de vista do trabalho imediato; devem ter sido precedidos
por um pôr teleológico que determinou o caráter, o papel, a função etc. dos pores singulares, agora
concretos e reais, orientados para um objeto natural. Desse modo, o objeto desse pôr secundário do fim já
não é mais algo puramente natural, mas a consciência de um grupo humano; o pôr do fim já não visa a
transformar diretamente um objeto natural, mas, em vez disso, a fazer surgir um pôr teleológico que já está,
porém, orientado a objetos naturais; da mesma maneira, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos
naturais, mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outros homens”.
9
“Lukács, apesar de não ter se dedicado exclusivamente à reflexão educacional, apresenta elementos
fundamentais para a compreensão desta temática ao ter se dedicado febrilmente e mobilizado todas as suas
energias na explicitação do caráter ontológico do pensamento de Marx e as bases fundantes e fundadas da
sociedade, entendida enquanto complexo de complexos” (ROSSI; FILHO, 2019, p. 4-5).
32
algumas passagens que deixam claro para este autor qual é o papel assumido pelo complexo
da educação no processo de reprodução social. Com base nisso, para fundamentarmos melhor
esta discussão, apoiamo-nos em alguns intérpretes que discutem o complexo da educação à
luz da ontologia marxiana-lukacsiana, como Bertoldo (2015), Lima e Jimenez (2011), Rossi
(2018), Rossi e Filho (2019) e Tonet (2005, 2016).
Passamos a compreender, a partir da seção anterior, que o trabalho é o complexo
responsável por fundar o ser social, no entanto, vimos que esse novo ser não é redutível ao
trabalho. É preciso que fique claro que foi a partir do trabalho que os homens passaram a
produzir mais do que é necessário para a sua reprodução, inaugurando, assim, um processo de
complexificação que ampliou o horizonte de reprodução do ser social 10. “Como consequência
dessa complexificação, chama à vida novos e diferenciados complexos sociais, com os quais
estabelece relações e forma uma totalidade social, um complexo de complexos, em cujo cerne
pode se efetivar” (LIMA; JIMENEZ, 2011, p. 74). Entre esses complexos sociais podemos
mencionar o da educação, objeto de estudo dessa seção.
Diante disso, podemos afirmar, com base em Lukács (2013), que a educação é um
complexo social fundado a partir do trabalho, uma vez que os novos conhecimentos e valores
e as novas habilidades, que são originados ao decorrer da produção material da existência
humana, isto é, por meio dos atos do trabalho, precisam ser transmitidos para as novas
gerações. Isso fez surgir à necessidade do processo educativo entre os homens, sendo,
portanto, a educação um dos complexos sociais potencializadores do desenvolvimento
humano. Nesse viés, Tonet (2005, p. 212-213, grifos nossos) destaca que:
[...] sendo o trabalho, por sua própria natureza, uma atividade social, ainda que em
determinados momentos possa ser realizado isoladamente, sua efetivação implica,
por parte do indivíduo, na apropriação dos conhecimentos, habilidades,
valores, comportamentos, objetivos, etc., comuns ao grupo. Somente assim o ato
do trabalho poderá se realizar.
10
O trabalho, no seu sentido originário, é responsável pela criação do novo, passando, nesse caso, a impulsionar
o desenvolvimento cada vez maior da realidade social e das relações entre os homens.
33
No que concerne à relação de autonomia relativa é preciso que fique claro que:
por ser o trabalho a categoria fundante, protoforma de todas as outras, é que todas as
atividades humanas têm um caráter teleológico que pode resultar em uma
causalidade posta. Todos possuem como base a relação ontológica entre
subjetividade e objetividade, o distanciamento entre sujeito e objeto [...] Enfim, esse
processo, ou essa relação entre teleologia e causalidade, faz parte de toda a
práxis social, porque toda a práxis tem como modelo o trabalho. Por isso, tanto
no processo de trabalho como na educação existem teleologia e causalidade,
mas isto de forma alguma as identifica (MELLO, 2014, p. 97-98, grifos nossos).
11
O sentido de natureza empregado, aqui, significa a função social que a atividade humana ou fenômeno
investigado exerce no processo de reprodução do ser social.
35
[...] comandado pelo código genético, ainda que não esteja totalmente ausente
entre eles o que poderíamos chamar de “processo educativo”. Este “processo
educativo”, contudo, reduz-se, entre eles, a fazer emergir nos “indivíduos”
determinados comportamentos e habilidades, cuja base está no código genético e
que continuarão praticamente inalterado durante a vida inteira (TONET, 2005,
p. 213, grifo nosso).
Por outro lado, a educação dos homens é radicalmente diferente da dos animais,
tendo em vista que “[...] o essencial da educação dos homens, pelo contrário, consiste em
capacitá-los a reagir adequadamente aos acontecimentos e às situações novas e imprevisíveis
que vierem a ocorrer depois em sua vida” (LUKÁCS, 2013, p. 176). O processo educativo é
determinado socialmente e não biologicamente como é o caso dos animais. Embora ocorra
esse movimento contrário na educação dos homens, precisamos compreender que os aspectos
36
[...] é dirigido, e em grau cada vez maior, pela consciência. O homem, ao contrário
dos animais, não nasce “sabendo” o que deve fazer para dar continuidade à sua
existência e à da espécie. Deve receber este cabedal de instrumentos de outros
indivíduos que já estão de posse deles (TONET, 2005, 213, grifos nossos).
Com isso, passamos a identificar que o complexo da educação exerce uma grande
importância na constituição do ser social, uma vez que as atividades desenvolvidas no seu
interior possibilitam a passagem do indivíduo de integrante da espécie a membro partícipe do
gênero humano. É preciso afirmar que todos os indivíduos possuem características comuns
que são transmitidas por meio da nossa herança genética, porém, essas características não são
suficientes para elevação dos indivíduos da espécie a membro partícipe do gênero humano,
pois o pertencimento a esse novo tipo de ser “[...] não lhes é dado por herança genética, mas
por um processo histórico-social, ou seja, pela incorporação das objetivações que constituem
o patrimônio deste gênero” (TONET, 2005, p. 213).
Nesse viés, para a ontologia marxiana-lukacsiana:
[...] o homem não nasce dotado de saber, de conhecimento, pois a aprendizagem não
resulta de sua constituição genética. Somente no decurso de sua vida, ao produzir
com outros homens, é que ele vai adquirindo habilidades e conhecimentos,
criando instrumentos de trabalho e aperfeiçoando as técnicas de trabalho etc.
Isto se dá mediante um longo processo de apropriação, sem o qual seria
impossível a aprendizagem. Neste sentido, trata-se de um processo histórico-social
em que os homens aprendem fazendo com outros homens, a partir da incorporação
dos conhecimentos elaborados pelas gerações anteriores. E o que é isso senão um
ato educativo que já se encontra presente na mais singular forma de trabalho?
(BERTOLDO, 2015, p. 157-158, grifo nosso).
Percebe-se, com isso, que a espécie humana tem uma necessidade ontológica de
ser educada para que – por meio dessa mediação, que consiste em um pôr teleológico
secundário, o qual supõe uma relação entre sujeito e um objeto que é ao mesmo tempo
também sujeito – os indivíduos possam se desenvolver como ser social, elevando, assim, o
12
“O termo homeostasia é usado, pelos fisiologistas, para definir a manutenção de condições quase
constantes no meio interno. Todos os órgãos e tecidos do corpo humano executam funções que contribuem
para manter essas condições relativamente constantes. Por exemplo, os pulmões proveem oxigênio ao líquido
extracelular para repor o oxigênio utilizado pelas células, os rins mantêm constantes as concentrações de íons e o
sistema gastrointestinal fornece os nutrientes” (GUYTON; HALL, 2011, p. 4, grifos dos autores).
37
horizonte de reprodução da espécie humana a patamares superiores. Com base nisso, qual é a
natureza essencial do complexo da educação no processo de reprodução social? Ancoradas
nos pressupostos levantados por Lukács na sua ontologia, Lima e Jimenez (2011, p. 84, grifos
nossos) deixam claro que a educação é um complexo social imprescindível em todos os
modos de organização social e que a sua natureza essencial:
último, isto é, da genericidade, uma vez que a reprodução do gênero é sempre o momento
predominante no processo de reprodução do ser social.
No caso da educação, é possível afirmar que a passagem do indivíduo de membro
da espécie a membro partícipe do gênero humano é influenciada pelo processo de reprodução
mais ampla da totalidade social. Isso leva Lukács (2013, p. 178) a reconhecer que a
problemática “[...] da educação remete ao problema sobre o qual está fundada: sua essência
consiste em influenciar os homens no sentido de reagirem a novas alternativas de vida do
modo socialmente intencionado”. Nesse caso, a educação, compreendida, aqui, como um
complexo de atividades que atua nas relações entre os homens e a sociedade, deve preparar o
ser social para reagir adequadamente aos novos desafios que se apresentam na sociedade, de
tal forma que seja assegurado o processo de reprodução do ser social.
Paralelo a isso, Tonet (2005, p. 216, grifos nossos) afirma que:
Posto isso, podemos afirmar, com base em Lukács (2013), que a educação é em
sua essência conservadora, porém, esse caráter conservador não pode ser entendido no sentido
político-ideológico13, mas sim no sentido ontológico, sendo este um atributo da educação
necessário para garantir o processo de reprodução do ser social que se estenderá pelas
diferentes formas de sociedades. Com base nisso, podemos afirmar, ainda, que no interior de
uma sociedade, verdadeiramente, emancipada, isto é, comunista, a educação ainda terá esse
caráter conservador, mas com algumas diferenças que não podemos descrevê-las aqui pelo
fato da história ainda estar em processo de construção e por se tratar de uma nova realidade
objetiva que os homens ainda não conseguiram alcançar historicamente.
Nesse sentido, Tonet (2005, p. 217, grifos nossos) ressalta que a educação deve:
13
Para Tonet (2005, p. 217), “O importante é que fique claro [...] que o caráter conservador da educação não
deriva de questões político-ideológicas, mas da sua função na reprodução do ser social. Aquelas poderão influir
nele, impulsionando-o no sentido reacionário ou revolucionário, mas não estão na sua origem”.
39
Não podemos nunca perder de vista que todo ato humano é sempre um compósito de
subjetividade e objetividade, e que o fato de a objetividade ser o momento
determinante não diminui, em nada, a natureza ontológica do momento subjetivo. O
que significa dizer que a educação, como integrante do momento da
subjetividade é, do ponto de vista ontológico, tão importante quanto à ação
concreta e direta sobre a realidade a ser transformada. Quando se trata, então,
da atual transformação revolucionária da sociedade, a ação sobre a consciência é de
capital importância para a formação de uma consciência revolucionária.
40
Nesse sentido, Rossi (2017, p. 6-7, grifos do autor) contribui afirmando que:
14
É apresentada, na próxima seção, com base em Lukács (2013) e em alguns de seus intérpretes, a diferença
entre a educação em sentido lato e a educação em sentido estrito. Cabe adiantar, nesta nota de rodapé, que a
educação escolar é apenas uma das formas de como a educação em sentido estrito se manifesta no interior da
sociedade de classes.
15
Diante disso, Maceno (2017, p. 97, grifos nossos) ressalta que “[...] não se deve confundir educação em
sentido estrito com a configuração majoritária que ela assume na sociedade de classes, ou seja, com a escola ou
com a educação formal. Majoritária porque a escola não é a única forma pela qual a educação em sentido estrito
é transmitida na sociedade de classes [...] A educação em sentido estrito, todavia, é uma determinação
ontológica que se origina da necessidade que todas as sociedades possuem de assegurar, para a sua
reprodução social, a apreensão de um conjunto de conhecimentos por parte de seus membros. Que na
sociedade de classes a função social de apreensão desse conjunto de conhecimentos reclamados pela reprodução
social esteja majoritariamente a cargo da educação escolar, somente ilustra o fato de que a educação em sentido
estrito encontra-se em perfeita sintonia com a função social da educação para a qual ela se origina, a saber, a
reprodução da sociedade. Se esta sociabilidade é uma sociedade de classe, a educação em sentido estrito
exercerá a função social de assegurar uma apreensão de conteúdos por parte de seus membros que se
direcione para a reprodução das condições de desigualdade necessárias”.
41
16
Encontramos esses apontamentos nos estudos realizados por Amâncio (2022), Beltrão (2019), Beltrão,
Taffarel e Teixeira (2020), Ciavatta e Ramos (2011), Frigotto (2007), Frigotto (2010), Frigotto, Ciavatta e
Ramos (2012), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), Frigotto e Ramos (2016), Mota e Frigotto (2017), Nozaki
(2004), Oliveira (2019), Krawczyk (2011), Kuenzer (2017).
42
Com base nisso, podemos afirmar que a educação, em sentido estrito, é uma
forma específica de educar os homens, originada no interior das sociedades de classes 17,
sendo as suas alterações influenciadas pelo desenvolvimento do ser social, das forças
produtivas e pela forma como os homens se organizam em sociedade. À vista disso, essa
educação possui características particulares em cada período histórico, o que nos leva a
afirmar, com base nos escritos de Bertoldo (2015, p. 130), que “[...] a educação na
Antiguidade se apresenta diferente da Idade Média, da mesma forma que se apresenta na
Modernidade e assim sucessivamente”, ou seja, que as mudanças ocorridas no seio social
passam a afetar a forma como a educação em sentido estrito é organiza e ofertada para os
homens. Nesse sentido, Lukács (2013, p. 177, grifos nossos) afirma que:
Embora essas duas formas de educação sejam diferentes, Lukács (2013, p. 177)
ressalta que não pode existir entre a educação de sentido lato e a de sentido estrito uma
fronteira “[...] que possa ser claramente traçada em termos ideias [...], entretanto, em termos
imediatamente práticos, ela está traçada, ainda que de maneira extremamente diferente,
dependendo das sociedades e classes”. À face do exposto, Lima e Jimenez (2011, p. 83, grifos
nossos) contribui com afirmação do filósofo húngaro confirmando que “Embora não exista
um limite metafísico entre essas duas formas de educação e sim uma mútua influência, é
preciso conhecer suas especificidades para compreender devidamente a dinâmica da relação
entre elas e delas com a totalidade social e com a formação do homem”.
Portanto, em caráter de síntese:
17
Isso não significa que no interior de uma sociedade plenamente emancipada, isto é, comunista, não existirá a
educação em sentido estrito. Dessa forma, no interior de outra forma de sociabilidade, para além e superior a
capitalista, sem a presença das classes sociais e das relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem, a educação em sentido estrito ganhará outra forma de organização, da qual, certamente, ela não estará
voltada para satisfazer os interesses de apenas uma classe social, mas sim de toda a humanidade. Nesse sentido,
Maceno (2017, p. 98) destaca que “Uma sociedade emancipada exigirá para a sua reprodução social outra forma
de educação em sentido estrito, uma forma que não impõe barreiras socialmente construídas ao acesso do saber
historicamente produzido pela humanidade, como faz a escola”.
43
18
Nessa perspectiva, Lessa e Tonet (2012, p. 10) afirmam que “O trabalho de coleta fundou o modo de produção
primitivo; o trabalho escravo fundou o escravismo, o trabalho do servo fundou o modo de produção feudal e o
trabalho proletário é fundante do modo de produção capitalista”. Assim sendo, podemos afirmar que o modo de
produção comunista terá como base de produção material da existência humana o trabalho associado, no qual
significa “[...] que as necessidades humanas – e não mais a riqueza da classe dominante – irão dirigir a produção
do ‘conteúdo material da riqueza social’ pela transformação da natureza nos meios de produção ou de
subsistência. O imprescindível, para tanto, é o controle livre, consciente, coletivo e universal dos produtores
sobre o processo de produção e distribuição da riqueza” (LESSA; TONET, 2012, p. 58, grifo dos autores).
19
Marx (2008), na obra Contribuição à crítica da economia política, explica que a totalidade social tem como
base as relações de produção, em outras palavras, a estrutura econômica da sociedade. Sobre essa base se
desenvolve formas de consciência que constituem o que o autor denomina de superestrutura. Para o filósofo
alemão “Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, independentes
de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas
forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência” (MARX, 2008, p. 47). Podemos afirmar, com base nisso, que os demais
complexos sociais, fundados a partir do trabalho, dentre ele a educação, a Educação Física, a religião, o direito, a
política, a economia, etc., pertencem à superestrutura, desempenhando funções específicas ao decorrer do
processo de reprodução do ser social.
44
inexistindo, então, a presença das classes sociais, da propriedade privada e de qualquer forma
de dominação e de exploração do homem pelo homem.
Nesse contexto, o que prevalecia entre os indivíduos do grupo era apenas uma
educação em sentido lato. Desse modo, o processo educativo ocorria a partir das relações que
os homens estabeleciam com a natureza, no qual, por meio da produção material da existência
humana, isto é, por meio do trabalho, os mais jovens aprendiam com os mais velhos os
conhecimentos necessários para a sua formação. A educação estava diretamente ligada ao
cotidiano dos homens, acontecendo de forma espontânea, ou seja, sem uma dada
sistematização e sem um lugar específico para os processos educativos ocorrerem, sendo que
“Os homens apropriavam-se coletivamente dos meios de produção da existência e nesse
processo educavam-se e educavam as novas gerações” (SAVIANI, 2007, p. 154).
Ponce (2015, p. 24, grifos do autor) ressalta que:
classes dominantes. Uma forma de educação para aqueles que realizam o trabalho
manual e que são as classes exploradas e dominadas [...] Outra forma para aqueles
que realizam o trabalho intelectual e que fazem parte das classes exploradoras e
dominantes [...] (TONET, 2016, p. 125-126, grifos nossos).
[...] a educação, que antes era somente cotidiana, ganha uma dualidade, passa
a ser dividida em lato e stricto [estrito]. A primeira, de caráter amplo,
continuava destinada aos trabalhadores e seus filhos e realizava-se no próprio
convívio cotidiano, no processo diário de produção da existência e de forma
assistemática. A segunda, por sua vez, destinada aos detentores da terra e do ócio,
realizava-se em local específico para esta finalidade, sistematizava conhecimentos,
orientava-se a resolver problemas de interesse de uma determinada classe. Esta
forma sistematizada de educação propiciou aos filhos dos proprietários dos
meios de produção (da terra) um modelo educacional afastado do cotidiano.
Agora esses estudantes tinham à sua disponibilidade um local exclusivo,
apropriado e especialmente preparado para o aprendizado.
20
No que concerne à relação entre trabalho e educação no interior do modo de produção escravista e feudal,
Santos (2019, p. 32-33, grifos nossos) nos esclarece que: “Mesmo com a dissolução do modo de produção
escravo e o surgimento, por sobre este, do modo de produção feudal, e apesar das inúmeras mudanças que
ocorreram na estrutura da sociedade por milhares de anos, o processo educativo mantém a sua base fincada no
ócio. É certo que muitas diferenças existem entre o escravismo e o feudalismo. Não pretendemos negar esse
fato básico da história humana. Não obstante, inegável também é que durante esses dois modos de produção
a sociedade não precisou resolver a problemática do trabalho em relação à instrução. Em outras palavras,
tanto no modo de produção escravista como no seu sucessor, o feudalismo, a relação entre as forças produtivas e
a educação não necessitava de um sistema educativo que se integrasse imediatamente à produção material da
vida. Decorre assim que durante todo esse tempo a sociedade se resolveu com a sua histórica dualidade: a
educação que atendia ao modo de produção funcionava grudada ao próprio cotidiano, onde atuavam os
não proprietários de terras; esta educação era carente de sistematização. Do outro lado, mas integrado à
dialética da totalidade social, estava o processo educativo escolarizado, sistemático e extracotidiano,
desfrutado pelos donos dos meios de produção (a terra) e seus eleitos”.
47
classe dominante ofereceu para os seus filhos uma educação para o exercício do trabalho
intelectual, vinculada, então, com o gerenciamento dos seus interesses e da manutenção da
sociedade de classes. Dessa maneira, a educação da classe dominante estava centrada na
apropriação dos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal,
estando este último conhecimento ligado aos exercícios físicos21.
A relação entre trabalho e educação não foi um problema que a classe dominante
precisou resolver no interior da sociedade escravista e da sociedade feudal, já que foi apenas
com a entrada em cena do modo de produção capitalista que a educação em sentido estrito
passou a sofrer novas determinações, articulando-se com as relações de produção, isto é, com
o trabalho produtor de bens materiais. O capitalismo, que tem como base o trabalho
proletário, gerou uma dinâmica social e produtiva mais complexa, necessitando, com isso, que
os trabalhadores recebessem uma nova forma de educação, uma educação sistematizada,
responsável por repassar para eles os conhecimentos necessários para garantir o
desenvolvimento e a expansão do capitalismo e das relações do capital.
Nesse contexto, Santos (2019, p. 44, grifos nossos) desataca que:
O complexo da educação passa a ser usado de duas formas distintas pela classe que
detém o poder político da sociedade. De um lado, essa classe passa a ver a escola
como o ambiente propício para formar seus líderes e com isso preservar e
perpetuar o status quo, oferecendo uma educação de cunho propedêutico. Do
outro lado, mas em articulação dialética com a primeira opção, a burguesia
encontra no processo escolar o lócus ideal para pôr em prática seu projeto de
adestramento do trabalhador aos particularismos burgueses, destinando-lhe
uma educação de caráter eminentemente profissionalizante. Dessa forma, estaria
fechada idealmente a equação cujo comando ficaria a cargo da burguesia, cabendo
aos trabalhadores retirar da escola os ensinamentos necessários para fazer girar essa
engenhosa descoberta moderna capaz de retroalimentar com mãos, estômagos,
espíritos e mentes o mercado reprodutor do capital.
Mesmo que essa classe tivesse o bom discernimento de oferecer educação bancada
pelo Estado burguês, laica, gratuita e de qualidade para todos os trabalhadores, a
natureza ontológica do capitalismo impediria que o suposto bom-senso da burguesia
assim agisse. A opção, portanto, da classe detentora dos meios de produção para
atender às necessidades do capitalismo é conceder aos trabalhadores apenas a
instrução minimamente necessária, mas que seja carregada com a
exclusividade dos imperativos imediatos da produção capitalista [...] Ao
necessitar do processo educativo como elemento de realimentação para a estrutura
econômica capitalista que se monta após a Revolução Francesa, o que faz a
burguesia? Universaliza o que lhe é particular. Ao tempo que guarda para si o
padrão educativo propedêutico, reserva para a classe trabalhadora o assim
chamado ensino profissionalizante.
21
Conforme aponta Saviani (2007), os exercícios físicos eram de caráter lúdico ou militar.
48
Dessa forma, a classe dominante realizou uma divisão da educação fundada por
ela mesma, a educação de sentido estrito. Consequentemente, de forma inteligente, para ter os
seus interesses atendidos, a burguesia passou a defender a “universalização” da escola,
ofertando, dentro da educação em sentido estrito, dois ramos diferentes de educação: para os
filhos da classe trabalhadora uma educação profissionalizante, e para os seus filhos uma
educação propedêutica. A partir disso, podemos afirmar que a classe dominante efetuou uma
dicotomia22 educacional, sendo este o resultado das divisões sociais ocorridas no interior do
complexo da educação e não uma dualidade educacional. Nessa linha de raciocínio, Lima
(2022, p. 29) corrobora afirmando que:
O caminho traçado, até aqui, em torno das divisões sociais realizadas no interior
do complexo da educação se justifica pelo fato desse debate se relacionar com a temática do
nosso estudo. Desse modo, retomaremos essa discussão no próximo capítulo quando
estivermos discorrendo sobre o novo Ensino Médio e as suas implicações na formação da
classe trabalhadora. Posto isso, buscamos com a Figura 1sintetizar o que discorremos nesta
seção, destacando as divisões sociais realizadas no interior do complexo da educação nas
sociedades primitivas, no modo de produção escravista, feudal e capitalista. Para isso,
tomamos como base os apontamentos formulados por Santos (2017, 2019), e defendidos por
Lima (2022) e Sobral (2021).
22
Para Cunha (2007), dicotomia significa uma divisão de algo em dois, quer dizer, a realização de uma
bifurcação, conforme encontra-se na figura 1, no qual a educação em sentido estrito passou a sofrer uma
bifurcação, dando origem a dois ramos de educação sistematizada: o profissionalizante e o propedêutico. Por
outro lado, Abbagano (2007, p. 294, grifos nossos) destaca que o termo dualidade não possui um significado tão
preciso na filosofia, indicando “[...] em geral um par de termos entre os quais haja uma relação essencial: p.
ex., matéria e forma, etc.”.
49
Discutimos, nessa seção, a tese formulada pelo filósofo húngaro István Mészáros
sobre a crise estrutural do capital, apresentando o que é a crise estrutural do capital e quais são
as suas reverberações no mundo do trabalho e na organização da educação escolar no Brasil,
assim como ela tem afetado a inserção da Educação Física enquanto área de conhecimento na
Educação Básica. Para isso, tomamos como base a obra de maturidade de Mészáros (2011)
Para além do capital e outras produções realizadas por este autor. Além disso, recorremos,
ainda, aos estudos realizados por alguns intérpretes brasileiros, como Antunes (2009), Maia
Filho, Ribeiro e Mendes Segundo (2017), Netto e Braz (2006), Rafael, Ribeiro e Mendes
Segundo (2016), Lessa e Tonet (2012) e Tonet (2016).
Inicialmente, distinguimos o que é capital e o que é capitalismo para Mészáros
(2009). Segundo esse autor, capital não pode ser entendido como sinônimo 23 de capitalismo e
a origem do capital não está atrelada ao capitalismo, uma vez que o capital antecede o
capitalismo e pode, também, se constituir como um elemento a ele posterior. Assim sendo,
não podemos tratar ou compreender o “[...] capital como uma entidade material – o
depositário neutro da ‘acumulação socialista’ – ou como ‘mercado social’, mecanismo
igualmente neutro: ignorando que o capital, na verdade, é sempre uma relação social”
(MÉSZÁROS, 2011, p. 837, grifos do autor). Nesse sentido, na esteira de Mészáros, Paniago
(2012, p. 23) afirma que o capital é:
23
A respeito dessa questão, Santos (2017, p. 18-19) destaca que a identificação de capital e capitalismo como
sinônimos “[...] levou ao equívoco todas as experiências revolucionárias do século passado, por mostrarem-se
incapazes de romper com o sistema sociometabólico do capital. Portanto, para evitar esse erro, é necessário
esclarecer que capitalismo é apenas uma das formas pelo qual o capital se realiza [...] o capitalismo se constitui
como a variante histórica melhor acabada do capital. Em outras palavras, esse modo produtivo foi o que melhor
elaborou, em última instância, a ganância, por excelência, dos lucros do capital”.
51
24
Reconhecemos, nesse texto, o trabalho proletário e o trabalho assalariado como sinônimos, tendo em vista que
não há uniformidade nos textos que recorremos para subsidiar a escrita da nossa pesquisa, o que nos leva a
afirmar que são expressões sinônimas.
25
Com base nisso, Mészáros (2000, p. 2, grifos do autor) aponta que o capital como “[...] um sistema orgânico
global, garante sua dominação, nos últimos três séculos, como produção generalizada de mercadorias.
Através da redução e degradação dos seres humanos ao status de meros ‘custos de produção’ como ‘força de
trabalho necessária’, o capital pode tratar o trabalho vivo homogêneo como nada mais do que uma ‘mercadoria
comercializável’, da mesma forma que qualquer outra, sujeitando-a às determinações desumanizadoras da
compulsão econômica”.
52
É justamente esse caráter irreformável e incontrolável do capital que faz com que
o capitalismo passe a se reproduzir enquanto um modo de produção mergulhado em diferentes
crises econômicas ao longo do seu desenvolvimento histórico, o que levou Marx (1989) a
considerar as crises como soluções momentâneas e violentas das contradições existentes no
interior do capitalismo, sendo as crises, portanto, irrupções violentas que restabelecem,
provisoriamente, o equilíbrio perturbado no processo de acumulação do capital.
Nesse sentido, Netto e Braz (2006, p. 157, grifos nossos) afirmam que:
Perante o exposto, não propusemos, neste trabalho, fazer um apanhado geral das
principais crises enfrentadas pelo modo de produção capitalista, porém, antes de adentramos,
53
mais precisamente na discussão que envolve a crise estrutural do capital, julgamos necessário
apresentarmos a diferença entre uma crise cíclica, isto é, temporária, para uma crise
estrutural, em outras palavras, uma crise geral. Nesse sentido, as crises cíclicas são aquelas
que estão associadas “[...] aos ciclos econômicos e elas são as faces mais visíveis do sistema
capitalista de produção: elas envolvem surtos de crescimento e prosperidade aparentemente
ilimitados acompanhados de declínio da atividade econômica e de ‘queima’ de capital”
(MAIA FILHO; MENDES SEGUNDO; RABELO, 2016, p. 30).
Dessa forma, entre uma crise e outra decorre o ciclo econômico e nele podemos
encontrar quatro fases que se diferenciam entre si, sendo elas, conforme apontam Netto e Braz
(2006), a primeira fase a crise, a segunda fase a depressão, a terceira fase retomada e a
quarta e última fase o auge. Com certas particularidades, considerando que as crises são o
resultado da dinâmica contraditória do modo de produção capitalista e das relações do capital,
podemos afirmar que as crises enfrentadas pelo sistema capitalista até o final dos anos 1960
seguiram uma dinâmica de abertura, desenvolvimento e superação dos limites apresentados
para a expansão do capital, sendo essas crises de natureza cíclica, ou melhor, temporária, no
qual o capital conseguiu se restabelecer e pôr em prática novamente a sua lógica de extensão e
de acumulação dos lucros por meio da subordinação do trabalho ao capital.
As quatro fases, postas logo acima, estão sintetizadas da seguinte forma:
A crise pode ser detonada por incidente econômico ou político qualquer (a falência
de uma grande empresa, um escândalo financeiro, a falta repentina de uma matéria
prima essencial, a queda de um governo). Bruscamente, as operações comerciais se
reduzem de forma dramática, as mercadorias não se vendem, a produção é
enormemente diminuída ou até paralisada, os preços e salários caem, empresas
entram em quebra, o desemprego se generaliza e as camadas trabalhadoras
padecem a pauperização absoluta.
Avançando na discussão, podemos afirmar que após ter passado pelas crises de
natureza cíclica, o capitalismo chegou ao início dos anos 1970 e começou a sentir uma crise
histórica sem precedentes, no qual a severidade dessa nova crise “[...] pode ser medida pelo
fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa,
como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, do próprio sistema do capital”
(MÉSZÁROS, 2000, p. 1, grifos do autor). Esta crise, portanto, pode ser definida, em linhas
gerais, como uma fratura que atinge os princípios e fundamentos que marcam o modo de
funcionamento do modo de produção capitalista, ameaçando, com isso, a dominação do
capital como um sistema de controle do metabolismo social.
Isso ocorre porque a crise atual resulta naquilo que Mészáros denominou de:
26
A respeito disso, Mészáros (2000, p. 9, grifos do autor) afirma que: “Em nosso futuro, a crise estrutural do
capital – afirmando-se a si própria como a insuficiência crônica de ‘ajuda externa’ no presente estágio de
desenvolvimento – deverá tornar-se mais profunda. E, também, deverá reverberar através do planeta, até mesmo
55
existência da existência da humanidade, haja vista que não sabemos onde o capital pode
chegar com as tentativas que utilizará para se reerguer, pois o capital, como já abordamos,
enquanto um sistema social global, adquiriu ao longo dos anos uma lógica perversa,
incorrigível e incontrolável, o que faz com que ele não venha a ter “[...] outro objetivo que
não sua própria autorreprodução, à qual tudo, da natureza a todas as necessidades e aspirações
humanas, deve se subordinar absolutamente” (MÉSZÁROS, 2011, p. 800).
Cabe destacar que a novidade da crise estrutural do capital não reside apenas no
fato do sistema do capital ter se chocado com os seus limites absolutos. Isso é apenas um dos
aspectos que faz com que a crise estrutural se diferencie das crises cíclicas, desencadeadas a
partir dos limites relativos, o que fez com que o capital encontrasse soluções temporárias
para as crises anteriores, passando elas a serem consideradas como uma anormalidade do
sistema. Por outro lado, a crise estrutural do capital é irreversível, ou seja, sem perspectiva de
superação, o que faz com que “[...] a antiga ‘anormalidade’ das crises – que antes se
alternavam com períodos muito mais longos de crescimento ininterrupto e desenvolvimento
produtivo – sob as condições atuais pode, em doses diárias menores, se tornar a normalidade
do ‘capitalismo organizado"' (MÉSZÁROS, 2011, p. 697, grifos do autor).
Então, além do aspecto mencionado acima em torno das crises de natureza cíclica
e estrutural e o encontro do sistema do capital com os seus limites 27, respectivamente,
relativos e absolutos, Mészáros aponta uma outra novidade histórica da crise estrutural do
capital, que é o fato dessa crise se manifestar em quatro aspectos principais, tendo em vista
que ela possui um (1) caráter universal, um (2) alcance global, uma (3) escala de tempo
permanente e o seu (4) modo de se desdobrar é rastejante.
(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por
exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de
produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica
de habilidades e graus de produtividade etc.);
nos mais remotos cantos do mundo, afetando cada aspecto da vida, desde as dimensões reprodutivas diretamente
materiais às mais mediadas dimensões intelectuais e culturais”.
27
Nesse sentido, Mészáros (2011, p. 175, grifos nossos) afirma que “Os limites relativos do sistema são os que
podem ser superados quando se expande progressivamente a margem e a eficiência produtiva – dentro da
estrutura viável e do tipo buscado – da ação socioeconômica, minimizando por algum tempo os efeitos
danosos que surgem e podem ser contidos pela estrutura causal fundamental do capital. Em contraste, a
abordagem dos limites absolutos do capital inevitavelmente coloca em ação a própria estrutura causal.
Consequentemente, ultrapassá-los exigiria a adoção de estratégias reprodutivas que, mais cedo ou mais
tarde, enfraqueceriam inteiramente a viabilidade do sistema do capital em si. Portanto, não é surpresa que
este sistema de reprodução social tenha de confinar a qualquer custo seus esforços remediadores à modificação
parcial estruturalmente compatível dos efeitos e consequências de seu modo de funcionamento, aceitando sem
qualquer questionamento sua base causal – até mesmo nas crises mais sérias”.
56
(2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do
termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas
as principais crises no passado);
1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento do
preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela
intensificação das lutas sociais dos anos 60, que objetivavam o controle social da
produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos níveis de
produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro;
28
“De maneira sintética, podemos indicar que o binômio taylorismo/fordismo, expressão dominante do sistema
produtivo e de seu respectivo processo de trabalho, que vigorou na grande indústria, ao longo praticamente de
todo século XX, sobretudo a partir da segunda década, baseava-se na produção em massa de mercadorias, que
se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada” (ANTUNES, 2009,
p. 38, grifos do autor). Logo abaixo, quando estivermos tratando sobre o processo de reestruturação produtiva,
apresentaremos, ainda que de forma breve, algumas características desses dois modelos de produção.
29
“A tendência à queda da taxa de lucro é, portanto, um reflexo das próprias leis contraditórias do capital que,
com o crescimento da produtividade, promove a saturação de produção no mercado, tornando-se uma barreira
intransponível para o próprio capital, que passa a destruir as forças produtivas para que o lucro volte a crescer”
(MAIA FILHO; MENDES SEGUNDO; RABELO, 2016, p. 29).
58
30
É preciso compreender que a base causal do desemprego está na necessidade de realização e acumulação
expandida do capital. Assim, no contexto da crise estrutural do capital o desemprego tem se tornado algo
crônico, portanto, eficiente a nova conjuntura e fase que passa o modo de produção capitalista e as relações do
capital nos dias atuais. Nesse sentido, Paniago (2012, p. 66) afirma que “Uma característica particular do
desemprego crônico é que ele não está limitado a jovens e mulheres, a trabalhadores manuais, a setores
econômicos específicos ou às regiões mais pobres do mundo; ele ocorre em todas as categorias de trabalho
qualificado e não qualificado - inclusive na classe média -, generalizando-se por toda economia mundial, sem
fazer exceção mesmo aos países capitalistas mais avançados”.
31
Dados coletados da Agência de Noticias do IBGE. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/36113-pnad-
continua-taxa-de-desocupacao-e-de-8-1-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-18-9-no-trimestre-encerrado-em-novembro
Acesso em: 26 fevereiro 2023.
59
E o mais importante de tudo é que quem sofre todas as consequências dessa situação
não é mais a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das pessoas
“desprivilegiada”, mas todas as categorias de trabalhadores qualificados e não
60
32
Em caráter de síntese, podemos afirmar que do binômio taylorismo-fordismo foi originado um padrão
produtivo que se estruturou com base “[...] no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas,
que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo
produtor dos veículos. Paralelamente à perda de destreza do labor operário anterior, esse processo de
desantropomorfização do trabalho e sua conversão em apêndice da máquina-ferramenta dotavam o capital de
maior intensidade na extração do sobretrabalho. À mais-valia extraída extensivamente, pelo prolongamento da
jornada de trabalho e do acréscimo da sua dimensão absoluta, intensificava-se de modo prevalecente a sua
extração intensiva, dada pela dimensão relativa da mais-valia. A subsunção real do trabalho ao capital, própria
da fase da maquinaria, estava consolidada. Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos,
tecendo vínculos entre as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o tempo
necessários para a realização das tarefas. Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da
produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre
elaboração e execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho, ‘suprimindo’ a
dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica. A
atividade de trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva” (ANTUNES, 2009, p. 39, grifos do autor).
33
A respeito disso, Both (2011, p. 49-50) destaca que “Essa incorporação das tecnologias microeletrônicas no
processo produtivo permite o crescimento da produtividade ao mesmo tempo em que diminui os postos de
trabalho, ocasionando aumento de desempregados e subempregados, o que significa aumento da miséria, da
fome e da barbárie social”.
61
4) tem como princípio o just in time, isto é, a produção deve ser efetivada no menor
tempo possível; 5) desenvolve-se o sistema de kanban, senhas de comando para
reposição de peças e de estoque, uma vez que no toyotismo os estoques são os
menores possíveis, em comparação com o fordismo;
Diante desse contexto, a educação escolar passou a ser utilizada como uma
mediação responsável por formar o trabalhador com as qualidades profissionais que a
sociedade atual precisa. Isso não é algo contraditório, mas sim a educação realizando a sua
função conservadora, que é a de influenciar os homens a reagirem às novas alternativas de
vida do modo socialmente intencionado. Assim, a educação escolar busca se organizar, em
suas formas e em seus conteúdos, de forma que possa garantir a continuidade da existência da
sociedade capitalista e das relações do capital, pois como tem destacado Lukács (2013, p.
177) “Toda sociedade reivindica certa quantidade de conhecimentos, habilidades,
comportamentos etc. de seus membros; o conteúdo, o método, a duração etc. da educação no
sentido mais estrito são as consequências das carências sociais daí surgidas”. E o novo perfil
de trabalhador é uma carência social surgida no contexto da crise estrutural do capital.
Nesse sentido, Santos (2017, p. 15-16,) afirma que:
Desse modo, percebe-se, então, que há uma subordinação da educação escolar aos
interesses da sociedade capitalista e das relações do capital, sendo esta expressa na atual
relação que é assumida entre trabalho e educação na sociedade brasileira, no qual a escola
busca preparar os indivíduos, ainda que de forma precária, apenas para o mercado de trabalho
63
Para isso:
34
O termo organismo internacional “[...] refere-se tradicionalmente ao sistema das Nações Unidas, sendo a
Unesco e a Unicef as agências especializadas em educação. Entretanto, existem outros tipos de organizações
internacionais que têm influência significativa no setor educacional, tais como o Banco Mundial, a Organização
Mundial do Comércio (OMC) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Ocde). Cada
uma dessas organizações apresenta sua própria história e sua própria visão de Educação” (AKKARI, 2011, p. 27-
28). Além dos organismos mencionados por Akkari (2011) outros também existem e discutem sobre a educação,
como é o caso do Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI).
35
O Decreto n. 5.154 de 2004 é um exemplo claro disso. No Art. 2, inciso III, encontramos a centralidade do
trabalho como princípio educativo como uma das premissas da educação nacional.
64
3.1 O Ensino Médio brasileiro e a sua integração com a Educação Profissional a partir
da década de 1990: a ascensão das políticas públicas neoliberais no país
36
Para Gentili (2007, p. 230), “o neoliberalismo expressa uma saída política, econômica, jurídica e cultural
específica para a crise hegemônica que começa atravessar a economia do mundo capitalista como produto do
esgotamento do regime de acumulação fordista”. Nesse sentido, Gomes e Souza (2020, p. 391, grifos nossos)
acrescentam que “[...] é a partir dos anos 80 que o projeto neoliberal começa a ser aplicado na prática em países
desenvolvidos (Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra) e, posteriormente, esse ‘receituário’ se alastra para os
demais países do globo. No Brasil, esse processo inicia no final dos anos 80, período concomitante com o
processo de redemocratização civil. A política adotada no período obedeceu aos padrões internacionais,
concretizando, assim, a redução do aparato estatal (através das privatizações) e oferecendo maior liberdade
de mercado através das desregulamentações na área econômica”.
67
Nesse sentido, Oliveira (2020, p. 72, grifos nossos) acrescenta, ainda, que:
[...] o governo, ao abrir à iniciativa privada esse nicho de mercado, atende a dois
objetivos de orientação neoliberal que se complementam em suas finalidades. Se,
por um lado, o governo se isenta de custear uma formação técnico-científica
37
Responsável por regulamentar o § 2 º do art. 36 e os Arts. 39 a 42 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
70
articulada ao ensino médio, pois este tipo de educação acaba onerando mais do que
uma formação propedêutica nos moldes das que se ofertam no ensino médio
público, sobretudo o noturno, por outro, abre ao empresariado a possibilidade de
lucrar com a educação do trabalhador. Em resumo, cortar gastos diretos com a
educação pública ou mesmo eliminá-los e ainda ceder espaço para a venda da
educação faz parte da lógica política do que se chama de Estado mínimo.
Por outro lado, o Art. 3 passou a reconhecer três níveis de Educação Profissional:
Desse modo, fica claro que as mudanças realizadas pelo governo de Fernando
Henrique Cardoso na educação vão ao encontro da reestruturação produtiva iniciada nos
países desenvolvidos e subdesenvolvidos a partir dos anos 1970, período em que foi
instaurada a crise estrutural do capital. Isso leva-nos a afirmar que o Brasil chegou aos anos
1990 não respondendo adequadamente aos interesses do capital, assim como não ofertando
uma educação escolar capaz de formar força de trabalho mais qualificada e adequada às novas
relações sociais e de produção exigido pelo padrão de produção toyotista, que necessita de um
trabalhador polivalente, flexível, multifuncional. Em outras palavras, capaz de se adaptar às
constantes mudanças do mundo do trabalho e da sociedade capitalista.
Nesse sentido, Manfredi (2002, p. 128) confirma que:
Posto isso, passaremos, a partir desse momento, tratar sobre a relação do Ensino
Médio com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio nos governos que sucederam
Fernando Henrique Cardoso, respectivamente, o de Lula da Silva e o de Dilma Rousseff,
ambos pertencentes ao Partido dos Trabalhadores (PT). No que concerne ao governo de Lula
da Silva, trataremos sobre o Decreto de n. 5.154/04, aprovado no dia 23 de julho de 2004,
responsável por regulamentar o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei n. 9.394/96, que
estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e trouxe outras providências para
organização da Educação Profissional no país. Além disso, no art. 9, o Decreto n. 5.154/04
encaminhou a revogação do Decreto n. 2.208/97.
O art. 1 do Decreto de n. 5.154/04 trouxe no seu texto que a Educação
Profissional será desenvolvida no Brasil por meio de cursos e programas, sendo estes: I
formação inicial e continuada de trabalhadores; II Educação Profissional Técnica de Nível
Médio e III educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação. Até aqui não
encontramos grandes mudanças quando comparado com o Decreto n. 2.208/97. No entanto, já
no Art. 2 do Decreto aprovado por Lula encontramos algumas alterações e conquistas que
caminham na direção apontada e defendida por alguns educadores pertencentes à esquerda
73
Posto isso, fica claro que o Decreto 5.154/04 ampliou a oferta de educação
voltada especificamente para a profissionalização no Brasil. Com a aprovação desse
dispositivo os filhos da classe trabalhadora passaram a encontrar três formas diferentes de ter
acesso à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, conforme expomos logo acima. Isso
38
Essa tese é defendida pelo filósofo italiano marxista Antonio Gramsci. No Brasil, essa concepção pedagógica
tem sido defendida pelo professor Dermeval Saviani e alguns dos seus seguidores, como Gaudêncio Frigotto,
Maria Ciavatta, Marise Ramos, Paolo Nosella, dentre outros educadores alinhados ao chamado campo da
esquerda progressista. Nesse sentido, Ciavatta e Ramos (2011, p. 31-32) destaca, em linhas gerais, que o trabalho
como princípio educativo tem como objetivo “[...] proporcionar aos sujeitos a compreensão do processo histórico
de produção científica, tecnológica e cultural dos grupos sociais considerada como conhecimentos desenvolvidos
e apropriados socialmente, para a transformação das condições naturais da vida e para a ampliação das
capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos. Ao mesmo tempo, é pela apreensão dos conteúdos
históricos do trabalho, determinados pelo modo de produção no qual este se realiza, que se pode compreender as
relações sociais e, no interior dessas, as condições de exploração do trabalho humano, assim como de sua relação
com o modo de ser da educação”.
74
O autor segue afirmando que na prática não percebe uma real revogação do
Decreto n. 2.208/97 pelo n. Decreto 5.154/05, embora o art. 9 traga isso no seu texto. Defendo
o seu ponto de vista, Santos (2017, p. 204-205, grifos do autor) esclarece que:
que precisam estudar e trabalhar ao mesmo tempo, como é o caso da maior parcela
da clientela que busca a profissionalização precoce.
Diante do exposto, constata-se que Lula da Silva, assim como Fernando Henrique
Cardoso, organizou a oferta da educação profissionalizante alinhada às orientações
neoliberais, visando garantir a formação de mão de obra de nível médio adequada para
atender as necessidades do setor produtivo, reforçando, com isso, a subordinação da educação
aos interesses do mercado de trabalho. Outro ponto a destacar é que as parcerias público-
privadas não foram superadas, o que leva-nos a considerar que o que tivemos no governo de
Lula da Silva foi à expansão da oferta da formação profissional técnica de nível pelo Brasil de
forma flexível, aligeirada e fragmentada, centrada na aprendizagem de habilidades e
competências necessárias para a garantia dos interesses do capital.
Lula da Silva concluiu o segundo mandato de presidente no dia primeiro de
janeiro de 2011, sendo a faixa passada para sua companheira de partido Dilma Rousseff, que
inaugurou um marco na história da política brasileira por ser a primeira mulher a ocupar o
cargo de Presidente da República no país. No seu governo, não tivemos mudanças
significativas em relação à forma como o Ensino Médio se articulou com a Educação
Profissional. Com base nas ações realizadas, é possível constatar que Dilma Rousseff deu
continuidade ao que Lula da Silva deixou estruturado por meio do Decreto n. 5.154/04,
chegando a aprovar alguns dispositivos que favoreceram a ampliação do acesso dos
estudantes aos cursos de formação técnica de nível médio.
Nesse sentido, destaca-se a Lei n. 12.513/11, aprovada no dia 26 de outubro de
2011, sendo a responsável por instituir o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (PRONATEC), no qual o seu público alvo era prioritariamente os estudantes que
cursaram o Ensino Médio na rede pública de ensino e os trabalhadores que já estavam
inseridos no mercado de trabalho e que queriam aperfeiçoar os conhecimentos profissionais
por meio de um curso técnico. Dessa forma, o programa foi criado com a finalidade de
ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica por meio de ações de
assistência técnica e financeira. O parágrafo único do Art. 1 da referida Lei trouxe os
objetivos específicos do programa, sendo eles:
III - contribuir para a melhoria da qualidade do ensino médio público, por meio
da articulação com a educação profissional;
Para isso, foi preciso estabelecer parcerias com as instituições da rede federal de
Educação Profissional; as instituições de educação profissional e tecnológica das redes
estaduais, distrital e municipais; as instituições dos serviços nacionais de aprendizagem e as
instituições privadas de Ensino Superior e de Educação Profissional e tecnológica habilitadas
para a oferta de cursos técnicos de nível médio. As relações realizadas reforçaram, assim
como o Decreto de n. 2.208/97, uma articulação do Ensino Médio com a Educação
Profissional de forma precária, o que leva-nos a concordar com Lima (2012a, 2012b) quando
afirma que o estado brasileiro buscou, no contexto da crise do capital, resolver a problemática
da formação profissional para o mercado via criação do mercado da formação.
Diante do exposto, constata-se que nem Fernando de Henrique Cardoso, nem Lula
da Silva e nem Dilma Rousseff conseguiram superar a dicotomia educacional que predomina
no interior da sociedade brasileira. Embora o Ensino Médio tenha conquistado a tão esperada
possibilidade de ser integrado com a Educação Profissional, no governo de Lula da Silva e no
de Dilma Rousseff, não foi possível na prática encontrarmos a oferta de uma proposta
educativa capaz de unir ao decorrer da formação dos estudantes a educação propedêutica com
a educação profissionalizante. Logo, fica claro que esses dois ramos de educação
permanecem, ainda, separados pelos muros das escolas públicas e privados, que atendem,
respectivamente, os filhos da classe trabalhadora e os filhos da classe dominante.
Em síntese, realizamos, nessa seção, uma abordagem em torno da integração do
Ensino Médio com a Educação Profissional no Brasil a partir da década de 1990. Nesse
sentido, discutimos algumas Leis e Decretos que foram aprovados, respectivamente, por
Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff, como a Lei n. 9.394/96, o
Decreto de n. 2.208/97 e o de n. 5.154/04, assim como a Lei n. 12.513/11. Assim, nessa
seção, não discutimos sobre a nova reforma do Ensino Médio brasileiro. Esta discussão foi
resguardada para a seção seguinte, no qual discorremos sobre o processo de impeachment
77
sofrido por Dilma Rousseff e as novas reformas aprovadas após o seu afastamento da
Presidência da República, com destaque para a que instituiu o novo Ensino Médio.
3.2 A nova reforma do Ensino Médio: apontamentos sobre a conjuntura política que
resultou no golpe contra a democracia e a educação brasileira
O golpe sofrido por Dilma Vana Rousseff teve como objetivo a imposição de uma
agenda de governo neoliberal, representada pelos partidos de Direita, tendo à frente
desses Aécio Neves, o qual não foi bem aceito pela maioria da população brasileira,
portanto, não conseguindo vencer as eleições presidenciais do ano de 2014. Dessa
forma, o único caminho encontrado por esse grupo foi tomar de assalto o
comando do país e, para isso, aliaram-se ao grande capital financeiro, à elite
conservadora do país, ao parlamento, ao poder judiciário e às mídias
conservadoras, cujos donos são a elite do país.
39
O Congresso Nacional é a sede do poder legislativo no Brasil, sendo composto pela Câmara dos Deputados e o
Senado Federal, no qual são conhecidos, respectivamente, como a Câmara Baixa e a Câmara Alta.
78
[...] Temer acelerou e aprofundou o processo de ajuste fiscal requerido pelo capital
no País naquele momento, pondo em marcha uma série de ataques aos direitos
trabalhistas. A materialização desses ataques se expressa em leis e outras medidas
austeras, tais como: Lei da Terceirização nº 13.429/17, de 31 de março de 2017,
que altera o regime de trabalho temporário e dispõe sobre as relações de trabalho na
empresa de prestação de serviços a terceiros, liberada para atividades-fim; Lei nº
13.467/17, de 13 de julho de 2017, que institui a Reforma Trabalhista, formula
novas regras que alteram a CLT, flexibiliza as relações de trabalho, cria o trabalho
intermitente, fragiliza os direitos trabalhistas e reverbera de forma devastadora sobre
a juventude mais vulnerável e sobre o mundo do trabalho; a EC nº 95/16, de 15 de
dezembro de 2016, que impôs limites e congelou por vinte anos os investimentos
primários com educação e saúde, comprometendo todo e qualquer meio de
valorização da educação; Lei nº 13.415/17, de 16 de fevereiro de 2017, que alterou a
LDB atual e estabeleceu mudança na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo
mínimo do estudante na escola de 800 para 1.000 horas anuais (até 2022) e definiu
uma nova organização curricular, mais flexível, a qual contempla uma Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e a oferta de possibilidades de escolhas aos
estudantes, os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na
formação técnica e profissional (AMÂNCIO, 2022, p. 101, grifos nossos).
40
Vários autores reconhecem em suas produções que o que aconteceu no âmbito da política brasileira em 2016
foi, de fato, um Golpe de Estado, entre eles podemos mencionar Basto, Junior e Ferreira (2017), Beltrão (2019),
Beltrão, Taffarel e Teixeira (2020), Oliveira (2016), Oliveira (2020), Frigotto e Ramos (2016), Motta e Frigotto
(2017), Neira (2018), Santos (2019), Souza (2016, 2019) e Taffarel e Beltrão (2019).
79
41
Embora a discussão em torno desse assunto tenha tido início durante o governo de Dilma Rousseff, isso não
significa que a discussão tenha sido instigada por ela.
80
partir desse cenário, a comissão foi formada para discutir um novo modelo de organização
que estivesse ligado às diferentes possibilidades formativas e as múltiplas necessidades
socioculturais e econômicas dos alunos, perspectivando, com isso, a universalização de um
ensino de qualidade no Ensino Médio brasileiro.
Nesse sentido, a CEENSI defendia a necessidade de promover uma:
[...] ao caráter compulsório do ensino médio em tempo integral, num país em que a
concomitância entre escola e trabalho é uma realidade entre os jovens; a proibição
do ensino noturno aos menores de 18 anos e sua desvalorização no PL, embora sua
oferta seja de enorme importância na garantia do direito ao ensino médio para jovens
trabalhadores; a escolha de áreas de ênfase na formação do aluno, retrocedendo a
uma formação fragmentada que compromete a formação geral para todos; a
transformação da formação profissional numa área de ênfase, minimizando sua
importância e desconsiderando o modelo de ensino médio integrado já praticado na
rede federal e em algumas redes estaduais (CORTI, 2019, p. 5-6).
[...] uma concepção de Ensino Médio como educação básica, como educação “de
base”, e que, portanto, deve ser comum e de direito a todos e todas. Coloca-se,
portanto, contrário às proposições que caracterizam um Ensino Médio em
migalhas e configuram uma ameaça à educação básica pública e de qualidade
para os filhos e filhas das classes trabalhadoras. O Movimento defende,
amparado nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que,
sendo a última etapa da educação básica, se assegure a todos e todas, cidadãos e
cidadãs brasileiras, o acesso a uma formação humana integral, entendida como
aquela que busca garantir o pleno desenvolvimento intelectual, afetivo, físico,
moral e social, com base em princípios ético-políticos que sustentem a
autonomia intelectual e moral e que oportunizem a capacidade de análise e de
crítica, tendo, enfim, a emancipação humana como princípio e finalidade. O
Movimento Nacional pelo Ensino Médio propõe a organização de um currículo que
integre de forma orgânica e consistente as dimensões da ciência, da tecnologia, da
cultura e do trabalho, como formas de atribuir significado ao conhecimento escolar
82
nova reforma, mas não como a que foi realizada às pressas, em outras palavras, de forma
urgente, pulando as etapas que são necessárias para a elaboração de um texto normativo que
pudesse instaurar no país uma reforma do Ensino Médio com qualidade, capaz de ampliar as
experiências formativas dos alunos e não apenas promover uma reorganização curricular
voltada para atender às novas exigências do mercado de trabalho.
Diferente disso, o que tivemos foi à aprovação de uma reforma do Ensino Médio
sem a realização de uma discussão que respeitasse o pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas ao longo da sua elaboração, sobressaindo como resultado os interesses de
fundações, institutos e movimentos ligados ao empresariado brasileiro. Diante desse cenário,
destacam-se o instituto Ayrton Senna, Natura, Unibanco e a fundação Lemann, Cesgranrio,
Roberto Marinho e Itaú, assim como o movimento Todos pela Educação e o movimento pela
BNCC, no qual o que esses institutos, fundações e movimentos possuem em comum,
conforme apontam Santos e Amorim (2021), é a busca para impor uma reformulação
curricular no país e a adesão de uma lógica empresarial na educação brasileira.
Com base nisso, Nascimento e Bezerra (2022, p. 324) afirmam que:
Como resultado disso, a reforma do Ensino Médio foi aprovada sem levar em
consideração o posicionamento da comunidade escolar e das entidades estudantis, sindicais,
profissionais e científicas, entidades que poderiam ter contribuído com a elaboração de uma
reforma que pudesse, de fato, atender as necessidades formativas dos estudantes brasileiro e
não apenas os interesses do capital. Essa decisão verticalizada gerou revolta na população e
nos estudantes de todo o país, que passaram a ocupar algumas escolas de Ensino Médio como
forma de protesto contra a MP n. 746/2016, a Emenda Constitucional (EC) n. 95/2016 e a
Escola Sem Partido, sendo este último um movimento político de caráter conservado liderado
pela extrema-direita brasileira (LESSA, 2019).
Paralelo a isso, Amâncio (2022, p. 112-113, grifos do autor) destaca que:
Se, por um lado, a contrarreforma do ensino médio contou com a adesão massiva do
empresariado, por outro, encontrou rapidamente um leque muito grande de
reprovação e contestação. Inspiradas na versão original do PL nº 6.840-A/2013, às
inúmeras alterações na LDB atual, impostas de forma autoritária pela MP nº
746/2016, aliadas às medidas antipopulares de Temer, desagradaram aos alunos,
84
pais, professores e especialistas na área. Tal insatisfação com o “novo” ensino médio
culminou no surgimento do Movimento ocupar e resistir, também chamado
Primavera Secundarista, considerado uma das maiores mobilizações e protestos
já realizados na história do movimento estudantil brasileiro, que levaram à
ocupação de mais de mil escolas públicas. As ações do Movimento ocupar e
resistir serviram de exemplo aos universitários, que passaram a se inspirar e, pouco
depois, adotaram a mesma prática. Protagonizado pela juventude, denuncia o ataque
à democracia e o sucateamento da educação pública, com duração de cerca de dois
meses na maioria dos 21 estados com ocupação, tendo conquistado repercussão
nacional, numa demonstração de força, resistência e recusa à contrarreforma do
ensino médio, à Escola sem partido e à EC nº 95/2016, que congela investimentos
públicos com saúde e educação por 20 anos.
Art. 24 I - a carga horária mínima anual será de Art. 24. I - a carga horária mínima anual será de
oitocentas horas, no ensino fundamental, e de mil e oitocentas horas para o ensino fundamental e para o
quatrocentas horas, no ensino médio, distribuídas por ensino médio, distribuídas por um mínimo de
um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o
escolar, excluído o tempo reservado aos exames tempo reservado aos exames finais, quando houver;
finais, quando houver;
Art. 24. § 1º A carga horária mínima anual de que
Art. 35-A. A jornada escolar no ensino médio trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de
incluirá pelo menos sete horas de trabalho efetivo em forma progressiva, no ensino médio, para mil e
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino
período de permanência na escola, a critério dos oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo
sistemas de ensino. menos mil horas anuais de carga horária, a partir de
2 de março de 2017.
BNCC
Art. 36. § 1º A base nacional comum dos currículos Art.35-A. § 2º A Base Nacional Comum Curricular
do ensino médio compreenderá, entre seus referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente
componentes e conteúdos obrigatórios, o estudo da estudos e práticas de educação física, arte,
língua portuguesa; da matemática; do conhecimento sociologia e filosofia.
do mundo físico e natural; da Filosofia e da
Sociologia; da realidade social e política, Art.35-A. § 3º O ensino da língua portuguesa e da
especialmente do Brasil; e uma língua estrangeira matemática será obrigatório nos três anos do ensino
moderna, além daquela adotada na parte médio, assegurada às comunidades indígenas,
diversificada, conforme dispõe o art. 26, § 5º. também, a utilização das respectivas línguas
maternas.
Art. 36. § 6º A ênfase na formação por áreas do
conhecimento ou profissional não exclui Art.35-A. § 4º Os currículos do ensino médio
componentes e conteúdos curriculares com incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua
especificidades e saberes próprios, construídos e inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras,
sistematizados, implicando o fortalecimento das em caráter optativo, preferencialmente o espanhol,
relações entre eles e a sua contextualização para de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e
apreensão e intervenção na realidade, requerendo horários definidos pelos sistemas de ensino.
planejamento e execução conjugados e cooperativos
dos seus professores.
Áreas de conhecimentos
Art. 36. Os currículos do ensino médio, observado o Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular
disposto na Seção I deste Capítulo, serão definirá direitos e objetivos de aprendizagem do
organizados a partir das seguintes áreas do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho
conhecimento: Nacional de Educação, nas seguintes áreas do
conhecimento:
I – linguagens;
II – matemática; I - linguagens e suas tecnologias;
III – ciências da natureza; II - matemática e suas tecnologias;
IV – ciências humanas. III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
Art. 36. § 5º A última série ou equivalente do ensino Art. 36. O currículo do ensino médio será composto
médio será organizada a partir das seguintes opções pela Base Nacional Comum Curricular e por
formativas, a critério dos alunos: itinerários formativos, que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos
I – ênfase em linguagens; curriculares, conforme a relevância para o contexto
II – ênfase em matemática; local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a
III – ênfase em ciências da natureza; saber:
IV – ênfase em ciências humanas;
V – formação profissional. I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
Art. 36. § 7º É permitido ao aluno concluinte do III - ciências da natureza e suas tecnologias;
ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao IV - ciências humanas e sociais aplicadas;
da conclusão, outra opção formativa. V - formação técnica e profissional.
Art. 36. § 4º A inclusão de novos conteúdos e Art. 26. § 10. A inclusão de novos componentes
componentes curriculares no ensino médio ficará curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional
86
Art. 35-B. O ensino médio noturno, respeitadas as Art. 24. § 2 º Os sistemas de ensino disporão sobre a
formas de organização previstas nesta Lei, observará oferta de educação de jovens e adultos e de ensino
a carga horária total mínima de 4.200 (quatro mil e noturno regular, adequado às condições do
duzentas) horas, sendo 3.200 (três mil e duzentas) educando, conforme o inciso VI do art. 4 º. (NR)
horas desenvolvidas ao longo de quatro anos,
mediante jornada escolar de pelo menos quatro
horas de trabalho efetivo em sala de aula, e 1.000
(mil) horas a serem complementadas a critério dos
sistemas de ensino.
Avaliações e o ENEM
Art. 36. § 11. As avaliações e processos seletivos Art. 35-A. § 6º A União estabelecerá os padrões de
que dão acesso à educação superior serão feitos com desempenho esperados para o ensino médio, que
base na opção formativa do aluno, conforme serão referência nos processos nacionais de
disposto no § 5º e respeitada a base nacional comum avaliação, a partir da Base Nacional Comum
dos currículos do ensino médio. Curricular.
Formação docente
Art. 62. § 8º Os currículos dos cursos de formação Art. 62. § 8º Os currículos dos cursos de formação
de docentes para o ensino médio serão organizados a de docentes terão por referência a Base Nacional
partir das áreas do conhecimento, conforme disposto Comum Curricular. (NR)
no art. 36. (NR)
42
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) (s.d) “A COVID-19 é uma doença infecciosa
causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. Outros
sintomas menos comuns e que podem afetar alguns pacientes são: perda de paladar ou olfato, congestão nasal,
conjuntivite, dor de garganta, dor de cabeça, dores nos músculos ou juntas, diferentes tipos de erupção cutânea,
náusea ou vômito, diarreia, calafrios ou tonturas”. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19 Acesso em:
15 maio 2023.
43
Dados acessados do portal Coronavírus Brasil. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 6 de
junho de 2023.
89
poderiam ser menores se Jair Bolsonaro tivesse agido de forma responsável no combate à
pandemia, respeitando os protocolos e as recomendações científicas divulgadas.
Este foi o governo que ficou responsável por implementar o novo Ensino Médio
no país. Um trabalho difícil, visto que isso demanda um alto investimento na educação
brasileira, ampliação da política de valorização dos professores, mudanças na formação
docente, realização de concursos públicos para a admissão de professores efetivos, compra de
materiais didáticos e de equipamentos para as salas de aula, bibliotecas, ginásios, laboratórios,
banheiros e refeitórios, assim como a construção de novas escolas e uma readequação das
instituições de ensino, que não possuem ainda condições objetivas necessárias para atender as
necessidades dos alunos em uma escola de tempo integral. Portanto, uma tarefa árdua que
coube a Jair Bolsonaro e ao Ministro da Educação Milton Ribeiro.
Diante do que discorremos, finalizamos esta seção destacando, mais uma vez, que
o que aconteceu, em 2016, contra a presidente Dilma Rousseff foi um Golpe de Estado,
mascarado de impeachment para que a direita pudesse chegar mais uma vez ao poder, pondo
em prática um conjunto de reformas de cunho neoliberal no Brasil. Nesse contexto, destaca-se
a reforma que instituiu o novo Ensino Médio, caracterizando-se como uma retomada a
reforma defendida pelo PL de n. 6.840/2013, apresentado na Câmara dos Deputados durante o
governo de Dilma Rousseff. Na próxima seção, trataremos sobre as implicações do novo
Ensino Médio na formação da classe trabalhadora, apontando as suas principais mudanças em
relação ao que seria o Ensino Médio antigo.
3.3 Do velho ao novo Ensino Médio: como resultado velhas implicações na formação da
classe trabalhadora e uma reorganização escolar para o mercado de trabalho
44
Dados coletados do site do INEP. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt br/assuntos/noticias/censo-
escolar/mec-e-inep-divulgam-resultados-da-1a-etapa-do-censo-escolar-2022 Acesso em: 15 junho 2023.
91
45
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
92
aos estudos obterem, a partir dos limites postos pelo capital, uma formação escolar, conforme
veremos mais abaixo, articulada com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio ou
apenas uma educação centrada na ampliação de atividades capazes de reforçar a sua formação
geral ao mesmo tempo em que eram inculcados os valores necessários para a reprodução da
sociedade de classes e do sistema do capital, por meio da oferta de uma educação estruturada
a partir de uma lógica neoliberal, com uma rasa discussão sobre o mundo do trabalho e uma
valorização de uma educação cidadã, financeira e empreendedora.
No que diz respeito ao segundo ponto, a organização curricular do Ensino Médio
regular diurno, cabe destacar que a sua estruturação deveria seguir uma base nacional comum
e uma parte diversificada46, sendo entendida como um todo integrado e não como blocos
distintos, de modo que pudesse garantir para os estudantes dessa etapa de ensino o acesso aos
saberes comuns, necessários para a sua formação escolar, por meio da oferta de uma educação
que considerasse a diversidade e as características locais, assim como as especificidades
regionais. Essa determinação vai ao encontro do que encontramos fixado no Art. 210 do texto
da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e no Art. 26 da LBDEN n. 9.394/96 (BRASIL,
1996), sendo, portanto, uma determinação antiga.
Embora a menção a uma base nacional comum tenha sido mencionado já em
1988, no Art. 210 da Constituição Federal, apenas em 201847, após quase 30 anos, tivemos a
aprovação de um documento no Brasil com essa natureza: a BNCC. Então, como era
organizado o currículo do Ensino Médio antes da elaboração da BNCC? Podemos afirmar que
o fato de não termos uma base nacional comum aprovada, até o ano de 2018, não dava o
46
“Os conteúdos curriculares que compõem a parte diversificada são definidos pelos sistemas de ensino e pelas
escolas, de modo a contemplar e enriquecer o currículo, assegurando a contextualização dos conhecimentos
escolares diante das diferentes realidades” (BRASIL, 2013, p. 185).
47
A BNCC teve a sua construção fomentada logo após a aprovação do Plano Nacional da Educação (PNE),
instituído pela Lei n. 13.005/2014, no qual a meta 7, que se refere ao fomento da qualidade da educação básica
em todas as etapas e modalidades, indicou na estratégia 7.1 a necessidade de: “Estabelecer e implantar [...]
diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano do ensino fundamental e médio
[...]” (BRASIL, 2014, p. 2, grifos nossos). No que concerne ao processo de produção da BNCC, Cássio e Catelli
Júnior (2019, p. 5-6, grifos dos autores) afirmam que em 2014 foi iniciada a elaboração da “[...] primeira versão
da BNCC, quando José Henrique Paim era ministro da Educação, no final do primeiro governo de Dilma
Rousseff. A primeira versão foi apresentada em setembro de 2015, quando Renato Janine Ribeiro era ministro da
educação e o país já estava mergulhado na crise econômica e política que culminaria com o impeachment de
Dilma Rousseff, aprovado pelo Senado Federal em agosto de 2016. Antes disso, em maio, foi lançada a segunda
versão da BNCC, quando a Aloizio Mercadante era ministro da educação, nos últimos dias do governo Dilma
Rousseff. Neste mesmo mês de maio, Mendonça Filho assumiu o Ministério da Educação (MEC) sob o governo
de Michel Temer, vice-presidente de Dilma Rousseff, que participou da articulação junto ao Congresso Nacional
para derrubada da presidente. Uma terceira versão da BNCC, somente para a Educação Infantil e para o Ensino
Fundamental, foi lançada em abril de 2017 e homologada em dezembro do mesmo ano. Em abril de 2018 foi
lançada a terceira versão da BNCC do Ensino Médio, já considerando a reforma proposta para esta etapa de
ensino em fevereiro de 2017 e transformada em Lei n. 13.415/2017. Por fim, como o Ministério da Educação sob
o comando de Rossieli Soares da Silva, em dezembro de 2018 foi homologada a BNCC para o Ensino Médio”.
93
direito de cada sistema de ensino estruturar o seu currículo de forma totalmente autônoma, ou
seja, sem seguir as recomendações de alguns dispositivos normativos aprovados, como, por
exemplo, a LDBEN n. 9.394/96 e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
(DCNEM) e outros documentos de caráter auxiliar, entre eles os PCNs.
Sendo assim, considerando uma base nacional comum e uma parte diversificada,
o currículo do Ensino Médio regular diurno era organizado em 4 áreas do conhecimento,
nomeadamente: I - Linguagens, II- Matemática, III - Ciências da Natureza e IV Ciências
Humanas. Em consideração a isso, era defendido um tratamento metodológico capaz de
promover diferentes formas de interação e articulação entre os campos dos saberes, sem
perder de vista a contextualização e a interdisciplinaridade entre as disciplinas. A organização
do currículo por áreas de conhecimentos, segundo a Resolução n. 2/2012 (BRASIL, 2012),
não deveria diluir e nem excluir componentes curriculares com especificidade e saberes
próprios, mas sim promover o fortalecimento entre eles e a sua contextualização para uma
melhor compreensão e intervenção dos alunos na realidade social.
A respeito disso, não podemos afirmar e nem negar se existia ou não uma diluição
ou uma exclusão de alguns componentes curriculares obrigatórios na formação dos alunos ao
longo do Ensino Médio antigo. Entretanto, podemos pontuar que existiam alguns
componentes curriculares que eram postos no currículo escolar como uma carga horária
reduzida quando comparadas com a de Língua Portuguesa, Matemática, Química, Biologia e
Física. Entre os componentes curriculares “reconhecidos” como de menor importância para a
formação dos alunos e com uma carga horária menor no currículo escolar destacam-se Arte,
Educação Física, Filosofia e Sociologia, ministradas, majoritariamente, através de uma aula
semanal de 50 a 60 minutos apenas, variando de acordo com o sistema de ensino.
Esse tratamento curricular desigual corrobora, certamente, para a oferta de uma
formação unilateral e não para a oferta de uma formação que possa contribuir com o
desenvolvimento pleno dos estudantes, uma vez que para isso os conhecimentos que integram
o currículo escolar precisam ser acessados dentro de uma perspectiva democrática, de forma
que possa ampliar o horizonte da formação humana e não apenas promover a oferta de uma
educação escolar voltada para o mercado de trabalho, tendo em vistas as novas exigências
do modo de produção capitalista e do capital no contexto de crise estrutural, assim como a
oferta de uma educação direcionada para a realização das avaliações internacionais48 como
as do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) (FERRETTI, 2018).
48
Esses dois pontos destacados têm sido uns dos principais motivos pelo qual as escolas vêm sofrendo novas
mudanças na sua organização curricular e na condução do processo de ensino e aprendizagem nos últimos anos
94
No que diz respeito aos conhecimentos que integravam o currículo, eles eram:
(LIBÂNEO, 2016), sendo influenciadas, conforme aponta Akkari (2009) e Xerez (2013), pelo discurso
educacional e empresarial defendidos pelos organismos internacionais como o BM, o BID, o FMI e a UNESCO.
49
O Ensino Médio ofertado para as populações indígenas contava com mais um componente curricular na área
de Linguagens, o de Língua Materna, sendo, então, o currículo escolar desta modalidade de educação composto
por 14 componentes curriculares.
95
1) Matemática.
Ciências da Natureza:
1) Biologia;
2) Física;
3) Química.
Ciências Humanas:
1) Filosofia;
2) Geografia;
3) História;
4) Sociologia.
Um ponto que merece ser destacado, frente ao exposto, é que a Língua Espanhola
era um componente curricular com oferta obrigatória pelas unidades escolares, porém, a sua
matrícula era facultativa, conforme o texto da Lei n. 11.161/2005. Além disso, o currículo
deveria tratar de forma transversal sobre: a) Educação alimentar e nutricional, b) Processo de
envelhecimento, respeito e valorização do idoso, c) Educação Ambiental, d) Educação para o
Trânsito e e) Educação em Direitos Humanos. Respeitando o que era posto como obrigatório,
a critério dos sistemas de ensino e das unidades escolares, outros componentes curriculares
poderiam ser incluídos no currículo da escola como disciplinas ou outro formato,
preferencialmente, de forma transversal e integradora.
No que se refere ao terceiro ponto, a articulação do Ensino Médio regular diurno
com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Etapa de ensino incorpora a concepção
do trabalho como princípio educativo como base para a organização do projeto de formação
humana. A concepção de trabalho como princípio educativo tem as suas bases nas reflexões
desenvolvidas pelo filósofo italiano Antonio Gramsci ao tratar sobre a escola unitária como
uma contraposição ao modelo de educação ofertada no seu país pelas classes dominantes.
Gramsci reconhecia que a educação da Itália estava em crise, sendo ofertada para o
proletariado uma educação especializada, em outros termos, incapaz de reconhecer as
inúmeras potencialidades de cada indivíduo. Como resultado, era presenciado o
distanciamento do proletariado do processo educacional médio e superior.
Nesse sentido, Gramsci (2016, p. 131-132, grifos nossos) argumentava que:
Para ultrapassar a crise do ensino, será preciso seguir esta directiva: deve-se criar
uma escola única inicial de cultura geral, humanística e formativa, que consiga
equilibrar o desenvolvimento das capacidades manuais (tecnicamente,
industrialmente) e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das capacidades
intelectuais. Depois da frequência deste modelo de escola única e através de
repetidas experiências de orientação profissional, o aluno poderá optar por
uma das escolas especializadas ou entrar para o campo do trabalho produtivo
[...] Um ponto importante no estudo da organização prática da escola unitária é o que
diz respeito à programação escolar nos seus vários graus e segundo a idade, o
desenvolvimento intelectual dos alunos e os objetivos determinados pela própria
escola. A escola unitária ou de formação humanística [...] ou de cultura geral deveria
propor-se de fazer entrar os jovens para a vida social, mas só quando já atingiram
um certo grau de maturidade, capacidades criativas intelectuais e práticas e
igualmente autonomia na orientação e nas iniciativas [...] A escola unitária
pretende que seja o Estado a assumir as despesas escolares que agora estão a
cargo das famílias, fato que faz sofrer uma alteração profunda ao ministério da
educação nacional, ampliando a sua ação e tornando-a mais complexa. Toda a
função educativa e formativa das novas gerações passa, assim, de privada para
pública e só desta forma consegue abranger todas as gerações, sem divisões
entre grupos e castas (GRAMSCI, 2017, p. 151, grifos nossos).
Essa citação nos leva, neste momento, a fazer uma observação em relação ao
espaço que a Educação Física ocupa no currículo escolar a partir da compreensão de educação
de Saviani (2007). Percebe-se que a Educação Física não é mencionada pelo autor como parte
dos conhecimentos sistematizados que deve compor o acervo mínimo necessário para a
formação dos alunos com vista às novas necessidades da sociedade. Em outros termos,
podemos afirmar que Saviani não considera a Educação Física como uma disciplina que deve
compor o currículo escolar. Posto isso, voltamos para a discussão em torno do trabalho como
princípio educativo. Desse modo, constata-se que, no Ensino Fundamental, a relação entre
trabalho e educação é implícita e indireta. Por outro lado, no Ensino Médio:
50
Isso não significa, de forma alguma, que estamos reconhecendo que as políticas educacionais recém-
implementadas têm apontando para uma formação humana capaz de unir de forma satisfatória os saberes da
ciência, da tecnologia e da compreensão dos processos de produções da sociedade brasileira e do mundo,
alcançando, com isso, a tão almejada formação omnilateral (MARX, 2010). Assim, a compreensão do trabalho a
partir da perspectiva ontológica tem sido apropriada de forma genérica, reproduzindo nos documentos um
discurso que esbarra na realidade concreta, ficando as determinações apenas no papel.
99
como, também, para os alunos matriculados no Ensino Médio regular diurno, que podiam
frequentar os cursos de formação profissional de forma concomitante ou, então, subsequente
após a conclusão dessa etapa de ensino. Um ponto a destacar é que a articulação de forma
integrada é quase que exclusivamente ofertada pelas escolas da rede pública de ensino, uma
vez que a formação profissional não é o foco das escolas privadas, mas sim a oferta de um
ensino propedêutico que direcione os alunos para os estudos posteriores.
Isso não significa, de modo algum, que a iniciativa privada não possui interesse
em lucrar com a venda da Educação Profissional Técnica de Nível no Brasil. O que acontece é
que as escolas ligadas a este setor veem a oferta dos cursos técnicos na forma concomitante e
sequencial como uma oportunidade para lucrar com a educação que tem sido historicamente
ofertada para a classe trabalhadora, visto que os alunos que cursam o Ensino Médio nas
escolas privadas não buscam por uma formação geral que esteja articulada de forma direta
com a Educação Profissional. Nesse sentido, as escolas privadas se organizam de tal forma
que possam ofertar uma educação desinteressada, ou seja, centrada na transmissão dos
conhecimentos que possam garantir para os seus alunos bons resultados nos exames que são
exigidos para o seu ingresso no Ensino Superior, entre eles o ENEM.
Com base nisso, trataremos, agora, sobre o quarto ponto, a relação estabelecida
entre a organização do currículo com o ENEM. De início, é válido pontuar que o ENEM foi
criado, em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e do Ministro da
Educação Paulo Renato de Souza. O objetivo inicial do ENEM era avaliar o desempenho
escolar dos alunos ao término do Ensino Médio, constituindo-se como uma avaliação usada
para subsidiar a elaboração de políticas públicas para a Educação Básica, o que fez com que o
exame passasse a fazer parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Desse
modo, fica entendido que o ENEM não tinha como objetivo, inicialmente, ser uma avaliação
classificatória que possibilitasse o acesso dos alunos à Educação Superior.
A Resolução n. 2/2012 aponta três funções avaliativas do ENEM, sendo elas:
I - avaliação sistêmica, que tem como objetivo subsidiar as políticas públicas para a
Educação Básica;
II - avaliação certificadora, que proporciona àqueles que estão fora da escola aferir
seus conhecimentos construídos em processo de escolarização, assim como os
conhecimentos tácitos adquiridos ao longo da vida;
51
Existe uma parceria entre essas instituições privadas com o governo que resulta no direcionamento do dinheiro
público para o setor privado, tendo como intuito ampliar as possibilidades de acesso da população brasileira ao
Ensino Superior. Parcerias como estas têm se tornado cada vez mais frequentes no contexto da crise estrutural do
capital. O Estado se ausenta em investir e ampliar os números de instituições e de vagas dos cursos superiores
nas instituições públicas do país e passa a atribuir essa responsabilidade para as instituições privadas, que lucram
com a venda da Educação Superior no nosso país.
52
Temos como exemplo a Universidade do Distrito Federal Professor Jorge Amaury Maia Nunes.
53
Temos como exemplo a Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
54
É Válido destacar que as áreas de conhecimentos do ENEM estão denominadas de forma diferente do que
encontramos na Resolução n. 2/2012, embora remetam aos mesmos conteúdos de ensino, sendo elas: Linguagens
e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas.
102
o primeiro domingo, para resolver o caderno de questões e fazer a redação, e cinco horas para
o segundo domingo para a resolução das 90 questões que faltavam.
O que diferenciava na aplicação do exame de um aluno para o outro era apenas a
Língua Estrangeira escolhida, no qual ele poderia optar pelo inglês ou espanhol. Fora isso,
todos os candidatos eram submetidos a uma avaliação geral que envolvia as quatro áreas de
conhecimentos e uma redação. Assim, os conteúdos escolares eram diluídos dentro das quatro
áreas de modo que todos os componentes curriculares fossem cobrados, embora alguns
ficassem mais evidente a sua cobrança do que outros componentes curriculares como é o caso,
por exemplo, de Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química, Biologia, História,
Geografia, Filosofia e Sociologia. Em contrapartida, questões ligadas aos componentes
curriculares de Arte e Educação Física, ainda que em menor número, podiam ser encontradas
em todas as áreas de conhecimentos, tendo em vista o diálogo interdisciplinar do ENEM.
Dessa forma, a prova era organizada levando em consideração o princípio da
isonomia, ou seja, uma igualdade legal para todos. Entretanto, essa igualdade era apenas
formal, pois a prova em si era igual, contudo, o percurso preparatório para a realização do
exame era desigual, visto que a educação escolar ofertada para os filhos da classe trabalhadora
não se vincula de forma direta com a preparação dos alunos para o ENEM, mas sim com a
preparação para atender às novas exigências do mercado de trabalho. Apesar de depararmo-
nos com essa situação desigual, o formato de organização da prova abria algumas
oportunidades para que os candidatos que cursaram o Ensino Médio público pudessem
chegar, também, ao Ensino Superior, tendo em vista que a sua formação geral básica abria
pequenas oportunidades para se apropriar, embora não de forma satisfatória, dos
conhecimentos cobrados no ENEM e nos vestibulares tradicionais.
revogada e aprovada no seu lugar outra proposta formativa que possa atender,
verdadeiramente, os interesses formativos da juventude brasileira.
Desse modo, passamos, a partir de agora, a discorrer sobre o primeiro ponto
elencado para orientar a nossa discussão: 1) a forma de oferta do Ensino Médio regular
diurno. É válido destacar, nesse primeiro momento, que permanece aberta a possibilidade de
os sistemas de ensino organizarem o Ensino Médio em tempos escolares no formato de séries
anuais, sistema de créditos, ciclos, módulos, períodos, com base na idade, em grupos seriados,
na competência, entre outros formatos variados. Acreditamos que a oferta, no formato em
séries anuais, permanecerá como sendo a mais adotada. Isso posto, qual seria, então, a
primeira mudança que podemos apontar nesse primeiro ponto? É o fato de o novo Ensino
Médio regular diurno não ter a sua oferta no turno da manhã ou no turno da tarde, sendo
oferecido somente em regime de tempo integral, isto é, durante os dois turnos.
O acesso ao Ensino Médio regular diurno por meio de uma oferta única não
dialoga com as diferentes realidades dos jovens brasileiros, visto que os alunos que precisam
trabalhar logo cedo para ajudar com a renda familiar não encontram mais a possibilidade de
exercer uma atividade remunerada, conforme determina a Lei n. 8.069/1990, no turno da
manhã e se matricular, por exemplo, no Ensino Médio no período da tarde ou vice-versa. Isso
ocorre porque essas duas formas de acesso não existem mais, restando para os jovens, com
idade entre 15 a 17 anos, apenas a oferta dessa etapa de ensino em regime de tempo integral.
Com isso, o saldo obtido é negativo, pois com o Ensino Médio antigo os alunos tinham três
opções para frequentar o Ensino Médio regular diurno, podendo ocorrer no turno da manhã ou
no da tarde ou então em regime de tempo integral.
Como resultado, Kuenzer (2017, p. 336) reitera que a forma de oferta atual:
[...] inviabiliza o acesso ao ensino médio aos jovens que trabalham; por um lado,
permanecer na escola por sete horas, com qualidade, é seu direito. Contudo,
considerável parcela da população jovem trabalha, contribuindo de forma
indispensável para a sobrevivência familiar, o que não é compatível com a
permanência na escola por tempo integral.
Sobre esta nova configuração, o Ensino Médio regular diurno passou a ter a partir
de 2022 uma duração mínima de 3 anos, com uma carga horária mínima total de 4.200 horas,
tendo como referência uma carga horária anual de 1.400 horas, distribuídas em pelo menos
200 dias de efetivo trabalho escolar (BRASIL, 2018). Constata-se, baseado nisso, que os
alunos passaram a ter um acréscimo de 1.800 horas ao decorrer da sua formação, pois o
Ensino Médio regular diurno antigo tinha como carga horária mínima total 2.400 horas,
104
porém, isso não significa que os alunos terão uma formação geral básica com 4.200 horas.
Embora a carga horária total destinada para essa etapa de ensino tenha sido ampliada, a
destinada para a formação geral básica foi reduzida, não podendo ultrapassar 1.800 horas.
Logo, o que tivemos foi à subtração de 600 horas do tempo destinado para a formação geral
básica quando comparamos com a carga horária do Ensino Médio antigo.
Desse modo, o § 5º do Art. 35-A da LDBEN n. 9.394/1996 define que: “A carga
horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser
superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a
definição dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2022, p. 15, grifos nossos). A situação que já
não parece boa pode ainda se agravar, tendo em vista que não é fixada no texto da Lei
9.394/1996, adicionado pela Lei n. 13.415/2017, a carga horária mínima da formação geral
básica, apenas a carga horária máxima. Com isso, a definição da carga horária destinada para
esta etapa da formação pode variar de um sistema de ensino para o outro, em razão deles
terem, conforme o que foi destacado na citação acima, autonomia para propor, se for do seu
interesse, uma carga horária menor que a de 1.800 horas.
Nesse sentido, ao discutir as imposições do capital nas atuais reformas
educacionais recém-aprovadas no Brasil, correlacionado a discussão com o alinhamento
existente entre a EC n. 95/2016, a reforma do Ensino Médio e os interesses econômico do
capital, Santos e Amorim (2021, p.42) ressaltam que as determinações têm apontado para a
redução da possibilidade de acesso dos alunos ao conjunto de conhecimentos científicos que
geralmente formam o currículo escolar quando estabelece, a título de exemplo, que o tempo
curricular destinado para o estudo dos componentes curriculares da formação geral básica dos
alunos deve passar de, no mínimo, 2.400 horas em três anos de escolaridade para, no máximo,
1.800 horas. Desse modo, com essa redução alguns componentes curriculares vão,
certamente, ficar de fora, conforme veremos nos próximos parágrafos.
Isto posto, trataremos, doravante, sobre o segundo ponto: organização curricular
do Ensino Médio regular diurno. Diferente do currículo estruturado com a Resolução n.
2/2012, que estabelecia um percurso único para a formação geral básica dos alunos, o
currículo do novo Ensino Médio encontra-se dividido em dois percursos, sendo o primeiro o
responsável pela formação geral básica e o segundo pela parte diversificada, tendo como
referência os itinerários formativos. De acordo com a Resolução n. 3/2018, essas duas
etapas se complementam, formando o currículo do Ensino Médio, que deve ser entendido
como duas partes indissociáveis. Embora a resolução aponte esse caráter indissociável,
105
concordamos com Ferretti (2018) quando destaca que esta organização tende a reforçar o
acesso ao saber escolar dentro de uma perspectiva fragmentada.
Os dois percursos podem ser compreendidos da seguinte forma:
55
A noção de competências no currículo escolar assume uma forte relação entre trabalho e educação, assim
como da transmissão do saber técnico. Sendo assim, o desenvolvimento dessa proposta educativa organiza o
processo educativo visando alcançar três propósitos, a saber: “[...] a) reordenar conceitualmente a compreensão
da relação trabalho-educação, desviando o foco dos empregos e das tarefas para o trabalhador em suas
implicações subjetivas com o trabalho; b) institucionalizar novas formas de educar/formar os trabalhadores e de
gerir o trabalho internamente às organizações e no mercado de trabalho em geral, sob novos códigos
profissionais em que figuram as relações contratuais, de carreira e de salário; c) formular padrões de
identificação da capacidade real do trabalhador para determinada ocupação, de tal modo que possa haver
mobilidade entre as diversas estruturas de emprego em nível nacional e, também, em nível regional (como entre
os países da União Europeia e do Mercosul) (RAMOS, 2022, p. 39”.
106
II - matemática;
V - educação física, com prática facultativa ao estudante nos casos previstos em Lei;
107
Diante disso, os sistemas de ensino encontram espaços para organizar as suas propostas
formativas com o restante dos conhecimentos das outras disciplinas, que integravam o
currículo do Ensino Médio antigo como obrigatórias, sendo ministrados no novo Ensino
Médio regular diurno de forma breve como estudos e práticas, com os seus conteúdos diluídos
no interior das quatro áreas de conhecimento que já mencionamos 56.
É inegável que há, por trás dessa drástica mudança no currículo, uma profunda
preocupação por parte do Estado em formar indivíduos que sejam obedientes, sem a
capacidade para analisar a realidade social dentro de uma perspectiva crítica que os levem a
identificar os danos gerados em suas vidas pelo avanço das relações destrutivas do capital,
que tem resultado na ampliação das relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem em prol da acumulação dos lucros. Logo, os conhecimentos que podem contribuir
para uma formação crítica dos alunos foram afetados, como é o caso da Filosofia, Sociologia,
Arte, e, também, da Educação Física, etc., no qual por meio de suas aulas é possível trabalhar
os aspectos políticos, econômicos, sociais, assim como as relações de poder usadas pelas
classes dominantes para a manutenção e a reprodução do status quo.
Diante disso, Amorim e Santos (2021, p. 46) afirmam que:
Frente a isso, passamos a constatar que o novo Ensino Médio apresenta um caráter
de classe, pois as suas mudanças afetarão mais o funcionamento das escolas públicas, que
atendem, majoritariamente, os filhos da classe trabalhadora. Por outro lado, os filhos da classe
dominante cursam essa etapa de ensino nas escolas privadas, que encontram com as novas
DCNEM os fundamentos legais para organizar os seus currículos de forma que possam
continuar oferecendo uma formação geral básica centrada na transmissão e na assimilação dos
conhecimentos científicos, assegurando, assim, as condições necessárias para que os seus
alunos possam progredir nos estudos posteriores com o acesso aos cursos da Educação
56
Dentre os conhecimentos previstos para serem trabalhos dentro de uma perspectiva transversal e integradora
encontram-se “[...] o processo de envelhecimento e o respeito e valorização do idoso; os direitos das crianças e
adolescentes; a educação para o trânsito; a educação ambiental; a educação alimentar e nutricional; a educação
em direitos humanos; e a educação digital” (BRASIL, 2018, p. 6).
110
processo educativo e a reestruturação do currículo escolar, o que tem levado o novo Ensino
Médio a incorporar a concepção de trabalho e de cidadania como base para a formação dos
alunos, buscando desenvolver competências e habilidades que possam auxiliar a resolver
questões complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho. Isto posto, cabe destacar que existem cinco opções de itinerários formativos que
poderão ser ofertados nessa parte do currículo: I – Linguagens e suas Tecnologias, II –
Matemática e suas Tecnologias, III – Ciências da Natureza e suas Tecnologias, IV – Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas, V – Formação Técnica e Profissional.
Desse modo, a oferta dos itinerários deve “[...] considerar as demandas e
necessidades do mundo contemporâneo, estar sintonizados com os diferentes interesses dos
estudantes e sua inserção na sociedade, o contexto local e as possibilidades de oferta dos
sistemas e instituições de ensino” (BRASIL, 2018, p. 7). O fato de os alunos terem interesse
em um determinado itinerário formativo não lhes garante o acesso a ele, visto que três
questões impactam diretamente na sua oferta: 1) a sua relevância para o contexto local, 2) a
possibilidade de oferta pelo sistema de ensino, 3) as possibilidades estruturais e de recursos
das instituições ou redes de ensino. Isso deixa claro que o poder de escolha dos alunos é uma
farsa, pois de nada adianta ele ter, por exemplo, interesse em cursar o itinerário de Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas se o sistema de ensino não o ofertar.
Assim, as instituições ou rede de ensino ao orientar os alunos sobre a escolha dos
itinerários formativos farão com base somente no que o sistema de ensino pode oferecer como
opção para ser cursadas, visto que não está previsto no texto da Resolução n. 3/2018 a oferta
dos cinco itinerários formativos, mas sim de mais de um por município em áreas distintas, o
que significa que assim como alguns componentes curriculares ficarão de fora da formação
geral básica dos alunos o mesmo acontecerá com alguns itinerários formativos.
A partir disso, Ferretti (2018, p. 29, grifos nossos) contribui afirmando que:
Sendo assim:
Criados com o objetivo de dar aos jovens a opção de escolher uma área para
aprofundar os estudos, os itinerários do novo ensino médio estão, na prática, sendo
impostos e até mesmo sorteados entre os estudantes nas escolas estaduais do país.
Por falta de professores, espaço físico, laboratórios e turmas lotadas, as escolas
não conseguem atender a opção feita por todos os alunos e acabam por colocá-
los para cursar os itinerários disponíveis. Sem ter a escolha respeita, os estudantes
têm 40% das aulas do ensino médio em áreas que não são as de seu interesse.
Especialistas alertam que o modelo acaba por promover o efeito contrário do que
buscava: distancia o ensino do que interessa aos jovens e, consequentemente, reforça
os baixos níveis de aprendizagem e o risco de abandono escolar (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2023, grifos do autor).
qual o processo educacional tem sido organizado por meio de um currículo flexível, voltado
para atender as demandas de uma sociedade cada vez mais exigente e competitiva.
Certamente, as reverberações encontradas não são apenas na formação escolar
ofertado para os alunos, mas também no trabalho dos professores, que diante do novo cenário
vêm reinventando a sua prática profissional para poder ensinar sobre conteúdos de ensino que
na maioria das vezes não carregam nenhuma ligação com a sua área de formação inicial ou
continuada. Entre esses professores destacam-se, de forma mais precisa, os que possuem
formação na área de Arte, Educação Física, Sociologia, Filosofia, História e Geografia. Isso
não significa, de maneira alguma, que apenas os educadores dessas áreas tenham sido
prejudicados com a implantação do novo Ensino Médio. Diante disso, os resultados esperados
são, infelizmente, a queda na qualidade da educação oferecida nessa etapa de ensino, com
baixo índice de aprendizagem e de evasão escolar.
Temos, ainda, algumas questões para tratar que envolvem a oferta dos itinerários
formativos, porém, traremos dentro do terceiro ponto, a articulação com a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, por correlacionar mais precisamente com esse ponto.
Como vimos, existem ao todo cinco itinerários formativos, sendo que quatro deles fazem
referência direta as quatro áreas de conhecimentos da formação geral básica dos alunos e que
podem ser aprofundadas como itinerários formativos, embora a dinâmica de organização do
currículo não garanta efetivamente isso, mas sim uma apropriação fragmentada dos conteúdos
ao longo dos três anos do Ensino Médio. Assim, discorremos, nos parágrafos abaixo, sobre a
oferta da Formação Técnica e Profissional como itinerário formativo.
Este itinerário visa à qualificação profissional do estudante “[...] para adaptar-se
às novas condições ocupacionais e às exigências do mundo do trabalho contemporâneo e suas
contínuas transformações, em condições de competitividade, produtividade e inovação [...]”
(BRASIL, 2018, p. 7). Em outras palavras, isso significa, em conjunto com a educação
democrática e cidadã, a preparação dos indivíduos para se conformar com as relações de
dominação e de exploração da sociedade capitalista, expressa pela fundamental contradição
entre capital e trabalho, haja vista que a sociedade atual tem como ato ontológico-primário a
compra e venda da força de trabalho. Dessa forma, esses apontamentos vão ao encontro de
uma proposta de formação que visa à emancipação política, compatível apenas com a
manutenção do capitalismo e das relações do capital enquanto um sistema social global.
É, então, no interior desse itinerário que ocorre uma das formas de articulação do
Ensino Médio regular diurno com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, por meio
da oferta da habilitação profissional, que pode ocorrer em mais de um curso desde que
114
estejam articulados entre si. Disso fica entendido que existe, pelo menos no plano formal e
normativo, uma espécie de integração do Ensino Médio com a Educação Profissional.
Entretanto, cabe destacar que a formação profissional se encontra de acordo com a nova
organização curricular separada da formação básica geral dos alunos, o que significa, de certa
forma, a negação de uma proposta educativa integrada, capaz de unir ao decorrer do processo
educacional o ensino profissionalizante com o ensino propedêutico como uma base unitária,
verdadeiramente, indissociável ao longo dos três dessa etapa de ensino.
Apontamos, no parágrafo acima, que o itinerário de Formação Técnica e
profissional se constitui como uma das formas de articulação do Ensino Médio regular diurno
com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, pois para estes alunos ainda ficam
aberto as outras duas possibilidades de ingresso destacados na subseção anterior, sendo elas a
forma sequencial e a forma concomitante. Neste caso, encontra-se aberto a possibilidade do
aluno cursar a formação básica geral na escola e de forma concomitante a Educação Técnico
Profissionalizante de Nível Médio em uma outra instituição, uma vez que para cumprimento
de exigências curriculares as atividades realizadas em outras instituições de ensino podem,
conforme o § 12 do Art. 17 da Resolução n. 3/2018, ser reconhecidas como parte da carga
horária do Ensino Médio, tanto da formação geral básica como dos cinco itinerários
formativos, entre eles o de Formação Técnica e Profissional. Se isso é algo que vai acontecer
na prática não sabemos, no entanto, é uma possibilidade encontrada que dialoga, de forma
precisa, com a flexibilização do novo currículo do Ensino Médio regular diurno.
O itinerário de Formação Técnica e Profissional será, certamente, um dos que
mais será ofertado nas escolas públicas, visto que a Educação Profissional tem sido
historicamente oferecida para a classe trabalhadora, sendo reproduzido, com isso, a divisão
social do trabalho em nossa sociedade, no qual às classes trabalhadoras têm sido ofertadas
uma educação profissionalizante, de cunho manual, e para a classe dominante uma educação
propedêutica, de cunho intelectual, voltado para a administração do setor produtivo. No que
concerne ao trabalho docente, é permitido no interior desse itinerário formativo que as aulas
sejam ministradas por profissionais com notório saber, ou seja, sem formação docente, apenas
com os seus saberes reconhecidos pelos sistemas de ensino, embora não se saiba ainda como,
para ministrar conteúdos afins à sua formação ou experiência profissional.
professor basta ser um bom prático, alinhando-se com as críticas que afirmam que os
currículos de formação de professores são demasiadamente teóricos e pouco práticos
(BELTRÃO, 2019, p. 174-175, grifos nossos).
Isso posto, abordaremos, agora, sobre o quarto ponto: a relação estabelecida entre
a organização do currículo com a prova do ENEM. Cabe ao INEP realizar a elaboração e
publicação das matrizes de avaliação do ENEM, assim como organizar a logística de
aplicação do ENEM, que deve, a partir de 2024, conforme a Portaria n. 521/2021, que
instituiu o cronograma nacional de implementação do novo Ensino Médio, ser estruturado
levando em consideração as quatro áreas de conhecimento presentes para a formação geral
básica dos alunos e os itinerários formativos. O exame, de acordo com o § 1 do Art. 32 da
Resolução n. 3/2018, “[...] será realizado em duas etapas, onde a primeira terá como
referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a segunda, o disposto nos
Referenciais para a Elaboração dos Itinerários Formativos” (BRASIL, 2018, p. 15).
Frente às novas mudanças do novo Ensino Médio, o ENEM passou a ter como
objetivo, conforme aponta o texto do Art. 18 da Portaria 458/2020 (BRASIL, 2020, p. 4),
“[...] aferir o domínio das competências e das habilidades esperadas ao final da educação
básica, de acordo com a BNCC e as correspondentes diretrizes curriculares nacionais”. O
resultado da avaliação pode ser usado, entre outras coisas, para o acesso dos alunos a
Educação Superior, no qual poderão se inscrever nos programas como o SISU, o PROUNI e o
FIES, estando o primeiro voltado para o ingresso dos alunos no Ensino Superior em
instituições públicas e o segundo e o terceiro em instituições privadas, com parceria
estabelecida com o governo federal, no qual o PROUNI oferta bolsa de estudos parciais ou
integrais, e com o FIES o estudante pode conseguir o financiamento do curso.
No que concerne a aplicação do novo ENEM, podemos afirmar que o exame
continuará sendo aplicado em dois dias, possivelmente, em dois domingos seguidos do mês
de novembro, conforme ocorria anteriormente. As provas serão divididas em duas etapas. Na
primeira etapa, que corresponde ao primeiro dia de aplicação, teremos uma prova de caráter
interdisciplinar, com conteúdos cobrados obrigatórios e comuns para todos os participantes
inscritos, com questões estruturadas a partir das competências gerais da BNCC trabalhadas
117
pelas quatro áreas de conhecimentos que compõem a formação geral básica dos alunos,
porém, com maior ênfase em Língua Português e Matemática, sendo neste mesmo dia
realizado, ainda, a avaliação de produção textual por meio da redação.
A segunda etapa do ENEM, que corresponde ao segundo dia de prova, será
organizada com base na formação específica do estudante, considerando os itinerários
formativos e as competências gerais da BNCC. Serão disponibilizados como oferta quatro
blocos, onde cada participante deverá escolher, no ato da inscrição, apenas um bloco para
responder, formado pela combinação de duas áreas de conhecimento: 1) bloco I - Linguagens
e suas Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, 2) bloco II - Matemática e suas
Tecnologias + Ciências da Natureza e suas Tecnologias, 3) bloco III - Matemática e suas
Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, 4) IV bloco - Ciências da Natureza e
suas Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (BRASIL, 2022).
Constata-se que o novo formato do ENEM possibilita o distanciamento da
chegada dos filhos da classe trabalhadora à Educação Superior, haja vista que a formação
geral básica recebida por meio do Ensino Médio público regular já não será das melhores o
que já deixam eles em desvantagens para concorrer com os estudantes que cursaram o Ensino
Médio em escolas privadas. Ademais, conforme já temos alertado, o Itinerário de Formação
Técnica e Profissional será o mais ofertado para os alunos das escolas públicas que chegarão
no exame do ENEM com uma formação geral básica precária, e sem ter aprofundados os
conhecimentos em nenhum bloco do que a prova passará a cobrar na segunda etapa de
aplicação, o que reforçar o caráter de classe do novo Ensino Médio, conforme já apontamos
acima e tem sido denunciado, também, por Santos (2021).
Assim, o grande destaque do novo Ensino Médio é:
Nesse viés, Pereira, Vidal e Santos (2022, p. 15, grifos nossos), corroboram
afirmando que o novo Ensino Médio apresenta:
118
[...] uma falsa educação integral, caracterizando-se como uma política pública
neoliberal que expressa no seu interior funções políticas que a escola deve
desempenhar para reproduzir as condições materiais da nossa existência, trazendo a
curto e a longo prazo privilégios para quem já vem sendo historicamente
privilegiado em nossa sociedade, as classes dominantes. Em contrapartida, as
camadas populares são submetidas ao processo de exploração humana em prol da
acumulação do capital, assim como o de marginalização social, recebendo por
parte do Estado uma formação escolar sem a devida apropriação dos
conhecimentos científicos, com um ensino despolitizado, favorecendo, assim, a
hegemonia da classe dominante no país, algo típico da escola nova.
determinado pelo capital, para a sua própria reprodução” (SANTOS; AMORIM, 2021, p. 28).
Com base nisso, consideramos que o novo Ensino Médio reforça a dicotomia educativa no
Brasil, legitimando a criação de uma educação para a classe trabalhadora, com a oferta de
uma educação profissionalizante para que ocupem os cargos mais baixos dentro do setor
produtivo, por meio da realização de um trabalho manual. Por outro lado, é reproduzido, sem
sofrer modificações, a educação da classe dominante, no qual ela garante para os seus filhos a
oferta de um ensino propedêutico, que os direcionarão para a continuação dos estudos no
Ensino Superior em cursos de engenharia, direito, medicina, odontologia, etc., para que
depois de formados possam ocupar os cargos mais alto do setor produtivo, atividades de
gerenciamento, por meio da realização de um trabalho intelectual.
Paralelo a isso, Xerez (2013, p. 35, grifos nossos) corrobora afirmando que:
e de exploração do homem pelo homem em prol da acumulação dos lucros. Para isso, a
educação ofertada se vinculará com os princípios e valores que dizem respeito à emancipação
política, sendo estes conservadores e reacionários como, por exemplo, o da cidadania 57.
Como podemos identificar, essa desigualdade presente no interior da nossa
sociedade é inserida também no interior da educação, subordinando este complexo à lógica
capitalista, e com isso ao invés de promover uma formação humana que favoreça o
desenvolvimento dos indivíduos a patamares mais elevados de pertencimento ao gênero
humano são criadas barreiras que rebaixam a nossa condição de sujeitos criativos, críticos e
revolucionários. Isso ocorre porque recebemos uma formação de cunho unilateral, centrada
apenas nos conhecimentos que são necessários para a reprodução e o desenvolvimento do
capital e não humano. Nesse contexto, a classe trabalhadora recebe por parte do Estado uma
educação mínima, de baixo custo, condizente apenas para a sua adaptação ao conjunto de
relações desumanas e alienadas da sociedade capitalista em tempos de crise.
Diante disso, Tonet (2016, p. 99, grifos nossos) afirma que:
Portanto, a dicotomia educativa que foi gerada tende a ser reproduzida, haja vista
que ela atende de forma satisfatória às necessidades educativas da estrutura econômica do
modo de produção capitalista, bem como da sociedade brasileira que tem o trabalho e o
mercado organizado de acordo com a lógica desse sistema. É por isso que não podemos
encontrar no interior do capitalismo uma educação que possibilite ao trabalhador uma
formação integral, voltada para atender as necessidades humanas. Nesse sentido, o que
encontramos é uma formação unilateral, que rebaixa a nossa condição humana.
Diante disso, Santos (2019, p. 54) destaca que:
57
Com base nisso, Tonet (2016, p. 39-40, grifos nossos) ressalta que “Nenhum aperfeiçoamento, melhoria,
ampliação, correção ou conquista de direitos que compõem a cidadania poderá eliminar a raiz que produz
a desigualdade social. Pelo contrário, o exercício daqueles direitos permite, ao aparar as arestas e ao tornar
menos brutal a escravidão assalariada, que este sistema social, fundado na desigualdade, funcione melhor, pois
conta com o beneplácito dos próprios explorados e dominados. Reconhecer as limitações intrínsecas da
cidadania não significa, de modo nenhum, menosprezar a importância que ela teve e tem no processo de
autoconstrução do ser social. Significa apenas reconhecer que ela integra necessariamente– ainda que de modo
contraditório e tensionado – a sociabilidade regida pelo capital. De modo que cidadania, por mais plena que seja,
jamais será sinônimo de liberdade plena”.
121
Dessa forma, fica claro que a dicotomia educativa que aqui tratamos só pode ser
superada com o fim da sociedade capitalista e a instauração de uma nova forma de
sociabilidade que seja justa, humana e igualitária, voltada para o atendimento das
necessidades humanas e não do capital. E para isso acontecer é preciso que a classe
trabalhadora possa compreender as contradições presentes no interior do modo de produção
capitalista para que possam se organizar enquanto classe social para avançar com o seu
projeto histórico de superação dessa forma de sociabilidade, fundada a partir do trabalho
alienado e das relações de exploração e de dominação do homem pelo homem.
Paralelo a isso, entendemos que a educação não pode ser vista como um complexo
social capaz de assumir a centralidade nesse processo de transição de uma forma de
sociabilidade para outra, uma vez que não queremos aqui assumir uma perspectiva idealista,
mas sim realista, considerando, de fato, o que pode ser realizado no interior da educação em
sentido estrito, ofertada pelo Estado, que exerce um controle político, administrativo e
ideológico das ações que são desenvolvidas no interior do complexo educativo, dificultando,
assim, o desenvolvimento de uma educação que esteja voltada para atender as necessidades
humanas e a superação do capitalismo e do capital enquanto sistema social global.
Não queremos dizer com isso que o complexo educativo não possa contribuir com
o processo de superação do modelo atual de sociedade que vivemos, pois enquanto uma
posição teleológica secundária ela pode auxiliar na formação de uma consciência socialista
nos educandos ao desvendar as atrocidades que o capitalismo produz e reproduz socialmente
enquanto um modo de produção, deixando clara a necessidade de superação desse sistema,
assim como a centralidade que a classe trabalhadora deve ocupar enquanto sujeitos
revolucionários comprometidos com a construção de uma nova forma de sociabilidade,
radicalmente diferente e superior à sociedade capitalista.
Dessa forma, cabe destacar que os educadores comprometidos com esta causa
podem desenvolver, dentro das possibilidades que o Estado abre para a nossa atuação crítica e
revolucionária, um conjunto de atividades educativas emancipadoras, conforme defendido por
Tonet (2005, 2014, 2016). Os desenvolvimentos dessas atividades devem apontar para a
122
formação de alunos que possam compreender, por meio das práticas de ensino, que a
realidade social é construída historicamente, e que, portanto, ela pode ser transformada pelos
homens de carne e osso, no qual podemos por meio da institucionalização de uma nova práxis
social superar o capitalismo e as relações do capital. Retomaremos essa discussão na última
seção do próximo capítulo, correlacionando-a com a práxis docente desenvolvida pelos
professores de Educação Física no atual contexto da crise estrutural do capital.
123
Nesse sentido, a coleta de uma fruta, assim como a construção de uma lança para
a caça, só é possível porque o homem é um ser dotado de consciência, onde a necessidade de
se alimentar fez com que essa consciência agisse sobre a única matéria que ela pode controlar
que o seu corpo (OLIVEIRA, 2018, 2020, 2022; MELLO, 2014). Como resultado, o homem
passou a realizar uma atividade com um fim previamente estabelecido para produzir bens com
valor de uso para atender às suas necessidades, colocando “[...] em movimento as forças
naturais pertencentes à sua corporeidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se
da matéria natural numa forma útil para sua própria vida” (MARX, 1985, p. 149). Então por
meio do trabalho os homens produzem a si mesmos e, no interior desse processo, produzem e
reproduzem sua corporeidade e o seu movimento (ORTIGARA, 2011).
58
“Trata-se aqui do próprio ato de trabalho em si, antecedido pelo processo teleológico de prévia-ideação no
qual o homem, no campo ideal, analisa antecipadamente todo o processo de trabalho que está por vir”
(SOBRINHO et al., 2009, p. 5, grifos nossos).
125
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo que
se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam
a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização
corporal (MARX; ENGELS, 2007, p. 87, grifos nossos).
Em razão disso, a cultura corporal se qualifica como uma condição não eliminável
da formação e da reprodução do ser social. É a partir desse seu caráter
ineliminável na esfera humana, que temos a interdependência entre corpo-mente,
subjetividade-objetividade, etc. e, consequentemente, da construção histórica
de uma cultura em torno do corpo [...] Essa indissociabilidade nos permite
conceber a cultura corporal enquanto elemento necessário para a produção e para a
reprodução do ser social, ou seja, para a formação humano-genérica dos indivíduos
ao longo da história. Nesse sentido, todas as transformações biológicas,
anatômicas ou cinesiológicas do corpo humano e das relações sociais
estabelecidas entre os humanos, incidiram sobre a cultura corporal (por se
colocarem como elementos indissociáveis) (MAIA, 2013, p. 50, grifos nossos).
126
Desse modo:
Na sua constituição como ser humano, os primatas tiveram que recorrer à sua
corporalidade para garantir a sua existência, seja na sua defesa, na arte da
caça, na construção dos abrigos, nos deslocamentos para fugir das intempéries
da natureza. Nesse período a exigência de uma estrutura corporal forte e resistente
era condição essencial, com o decorrer do seu desenvolvimento, com o processo de
construção de ferramentas, armas mais sofisticadas, com o abandono gradativo do
nomadismo, e com o início da domesticação dos animais, se diminui a centralidade
da exigência física (força e resistência). Nesta fase as atividades corporais
atendiam prioritariamente a necessidade imediata da subsistência, era comum
que os que apresentavam deficiência física fossem sacrificados, ou mesmo
servissem de alimento para seu grupo em tempos de grande fome.
É preciso que fique claro que o trabalho é complexo fundante do ser social,
porém, ao fundar o ser social ele não esgota todas as necessidades e potencialidades humanas,
abrindo espaço para a construção de novos complexos sociais e atividades que vão para além
da relação estabelecida entre os homens e a natureza para o estabelecimento de relações entre
os próprios homens. Encontramos nessas novas práxis humanas, a exemplo das práticas
corporais que passam a integrar o complexo da cultura corporal, uma relação de dependência
ontológica, de autonomia relativa e de determinação recíproca. Dependência ontológica
59
Isso não significa que não reconhecemos a existência de outras manifestações da cultura corporal que não
fossem ligadas ao trabalho na pré-história, porém, a maioria das manifestações corporais estavam ligadas a luta
pela garantia da existência e a reprodução do ser social, sendo, portanto, práticas utilitárias como “[...] atacar e
defender-se; busca de alimentos [...] andavam e caminhavam longas distâncias; fuga de animais; caça; pesca;
nado; lutas corporais; arco e flecha; construção de armas” [...] (ANTUNES, 2012, p. 4) e de outros instrumentos.
No entanto, é válido destacar que existia, nesse período, a existência de ritos e cultos a favor dos deuses, dança
mística e lúdica, culto aos mortos, cerimônias fúnebres, etc. Porém as aprendizagens em torno dessas
manifestações simbólicas e das práticas corporais que os acompanhavam estavam ligadas ao cotidiano do
ser social, sendo a sua aprendizagem incorporada de forma espontânea pelo conjunto dos homens, assim
como as habilidades e conhecimentos necessários para o ato do trabalho. A luta, dança e o nado realizada na
pré-história, por exemplo, se diferenciam dessas mesmas práticas corporais executadas na sociedade escravista,
pois as lutas passaram a ganhar uma forma sistematizada de preparação dos indivíduos para a guerra, a dança e o
nado se constituem como práticas corporais que passam a compor a formação do ser social, claro, tendo como
base a divisão social do trabalho e a reprodução das desigualdades materiais e espirituais, estando, portanto, a
sua aprendizagem restrita aos indivíduos pertencentes a classe dominante, que dispõem de tempo livre para
aprender essas práticas corporais fora do intercambio material do homem com a natureza.
128
porque são fundadas a partir do trabalho; autonomia relativa porque cada uma delas cumpre
uma função que não resulta mecanicamente de sua relação com o trabalho; determinação
recíproca porque todas elas, não excluindo o trabalho, se relacionam entre si e se constituem
mutuamente nesse processo formando, dessa forma, a totalidade social.
Nesse sentido, Oliveira (2022, p. 96-97, grifos nossos) afirma que:
Assim, somente com uma produção que excedeu os limites diários abriu-se a
possibilidade, existente em potencial, para o desenvolvimento de práticas
corporais, baseadas no processo de trabalho. Isso implica dizer que o ser social
não é produto de um simples ato aleatório, mas uma produção social e histórica [...]
o processo de trabalho enquanto protoforma, orienta e cria as possibilidades para o
desenvolvimento de práxis humanas cada vez mais autônomas à produção
material da existência e, portanto, afastadas das barreiras naturais do intercâmbio
material entre homem versus natureza, sendo uma prática social e direcionada
pelo intercâmbio da relação homem versus homem. O homem começa a
desenvolver-se cada vez mais em escala ampliada, tão logo consegue saciar suas
necessidades imediatas. Comer e beber, vestir e morar são necessidades que
precisam ser saciadas para deixar o homem em condições de desenvolver outras
atividades que, mesmo dependendo dessa primeira, estão relativamente autônomas
e conseguem desenvolver-se como complexos puramente sociais.
convivência, que passam a compor a superestrutura jurídica e política da sociedade, que não é
trabalho, mas que possui o seu modelo nas diferentes práxis sociais.
Isso não diz respeito à cultura corporal vinculada ao pôr teleológico primário, a de
sentido lato, vinculada com o processo de transformação da natureza, mas sim a uma cultura
corporal que se ampliou e ganhou novas formas e sentidos com o movimento corporal, se
constituindo como um pôr teleológico secundário, visto que a nova mediação estabelecida
com a cultura corporal caracteriza-se como uma relação entre os próprios homens, voltados a
desenvolver novas formas de comportamento no ser social. Trata-se, portanto, de uma cultura
corporal que não tem como resultado do pôr teleológico executado à produção ou obtenção de
um produto material como, por exemplo, a captura de um animal obtido por meio de uma
corrida realizada em uma caça, a construção de um instrumento como uma lança para fisgar
um peixe ou abater um animal na caça por meio do seu lançamento.
Desse modo, percebe-se que esse pôr teleológico se difere da corrida realizada
para alcançar uma maior distância entre duas pessoas que estão brincando ao terem as suas
necessidades básicas já garantidas por meio do ato do trabalho. Nesse sentido, as práticas
corporais que integram a cultura corporal em sentido estrito são atividades expressivas
comunicativas que possuem sentidos e significados que as vinculam a uma dimensão do fazer
lúdico, artístico, estético, agonístico e místico. Elas são aprendidas fora do intercâmbio
material do homem com a natureza, e se relacionam com os interesses das diferentes classes
130
sociais, mas que se desenvolvem de forma mais elaborada no seio da classe dominante, tendo
em vista que esta classe social dispõe de tempo livre para desenvolver e realizar atividades
fora do trabalho, voltadas para o enriquecimento da sua formação enquanto ser social e para a
garantia da reprodução dos seus interesses e das sociedades de classes.
Com base nisso, Teixeira (2009, p. 66-67, grifos nossos) ressalta que:
[...] onde o poder se concentrava nas mãos dos possuidores de terras (a Igreja, a
Monarquia e a Aristocracia), que submetiam os trabalhadores à servidão para a
produção de riqueza. Nesse período, por forte influência da igreja, as práticas
corporais ganharam uma conotação depreciativa, principalmente as oriundas
dos servos. Os festejos populares, principalmente relacionados com a colheita
agrícola, eram marcados pelos jogos e danças comemorando os resultados da
produção, ainda que a maior parte fosse destinada aos senhores. A presença dos
circos nas feiras também era característica desta época, homens e mulheres que
realizavam peripécias com seus corpos e acrobacias eram destaque entre as
atividades apresentadas. Observamos aqui as práticas corporais atendendo novas
necessidades humanas, o divertimento e o entretenimento, não dos que
praticavam, mas sim dos que assistiam entre eles os reis, os senhores e os
servos. Essas atividades, ensinadas de geração em geração, ocasionam a
formação de companhias e grupos mambembes. Esses trabalhadores circenses,
mesmo sendo artistas, ainda assim se encontram entre aqueles que dependem
prioritariamente do seu esforço físico para garantir a sua existência. Agora não
mais produzindo diretamente os seus meios de subsistência, mas sim o produto
diversão (TEIXEIRA, 2009, p. 67, grifos nossos).
131
Desse modo, após a Revolução Industrial, já no século XIX, o corpo passa a ser
objeto de estudo, em especial, pelas ciências biológicas, o que resulta na elaboração de novos
conceitos sobre o uso do corpo como força de trabalho (BRATH, 1999, 2007). Com a
sociedade capitalista já consolidada, as contradições existentes entre a burguesia e os
trabalhadores são acentuadas, haja vista que a classe dominante busca se manter no poder de
tal forma que as suas regalias e privilégios de classes sejam reproduzidas e não combatidas.
Para isso, a burguesia, classe detentora dos meios de produção, identifica a necessidade de
formar um novo homem “[...] um homem que possa suportar uma nova ordem política,
econômica e social [...] a construção desse homem novo, portanto, será integral, ela ‘cuidará’
igualmente dos aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos” (SOARES, 2012, p. 3).
Com base nisso, os sistemas de ensino dos diferentes países estavam em processo
de organização (MELLO, 2014), buscando por meio da educação a formação de sujeitos
adaptados à nova dinâmica de funcionamento do modo de produção capitalista. Isso deu
origem a vários complexos sociais, entre eles o da Educação Física, que surge como
produto das relações capitalistas, tendo como objeto de estudo as práticas corporais
institucionalizadas ou não que integram a cultura corporal em sentido estrito, tendo
como referência, nesse primeiro momento, as ciências biológicas e positivistas. Portanto,
não reconhecemos, neste estudo, a existência de uma Educação Física antes do capitalismo,
mas sim de manifestações da cultura corporal em sentido lato e em sentido estrito, no qual
esta última se consolidou no interior da sociedade burguesa como objeto de estudo que trata,
pedagogicamente, a Educação Física nos espaços formais e nos espaços informais 60.
Com a organização dos sistemas de ensino 61, tendo como ponto de partida a
formação de um novo homem e a preparação da força de trabalho, assim como a adaptação
dos indivíduos às novas relações sociais, a Educação Física foi posta na escola como uma
disciplina no final do século XIX (BRACHT, 2007). Desse modo, “[...] a Educação Física
Escolar surge junto com os Sistemas Nacionais de Ensino, quando, ao se organizar a escola, a
60
Por espaços formais entendemos o ambiente escolar e as instituições de Ensino Superior, e por espaços
informais os clubes, as academias, os ginásios, os centros de treinamentos, etc. Desse modo, independe do
espaço ser formal ou informal a cultura corporal em sentido estrito se constitui como o objeto de estudo da
Educação Física, o que caracteriza a Educação Física em sua essência como uma práxis pedagógica, que tem
como objeto de estudo os jogos, as danças, as lutas, as ginásticas, os esportes e outras práticas corporais com
caráter competitivo ou não, com sentidos e significados que as vinculam a uma dimensão do fazer lúdico,
artístico, estético, agonístico e místico.
61
Em relação a isso, Mello (2014, p. 113) destaca que “A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino tem
início em meados do século XVIII e se consolida, em muitos países, no final do século XIX”.
134
educação do corpo aparece como um quesito importante no contexto dos objetivos definidos
para essa instituição” (MELLO, 2014, p. 113). Nesse sentido, a Educação Física, enquanto um
complexo social, passa a integrar, de modo orgânico, “[...] o nascimento e a construção da
nova sociedade, na qual os privilégios conquistados e a ordem estabelecida com a Revolução
burguesa não deveriam mais ser questionados” (SOARES, 2012, p. 4).
Diante deste cenário, a Educação Física passou, então, a ser entendida:
[...] seja aquela que se estrutura no interior da educação escolar, seja aquela que se
estrutura fora dela, será a expressão de uma visão biológica e naturalizada da
sociedade e dos indivíduos. Ela incorporará e veiculará a ideia da hierarquia, da
ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como
responsabilidade individual. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso
objeto de disciplinarização da vontade, de adequação e reorganização de gestos e
atitudes necessárias à manutenção da ordem (SOARES, 2012, p. 10, grifos nossos).
relação entre o capital, trabalho e a cultura corporal. O esporte moderno 62, por possuir uma
enorme semelhança do trabalho produtivo desenvolvido na indústria e nas fábricas, passa a se
constituir como o elemento da cultura corporal em sentido estrito mais usado como conteúdo
da Educação Física, seja ele praticado dentro do espaço formal, nas escolas, ou informal, nos
clubes e demais espaços voltados para o lazer. Assim, o esporte moderno adotou alguns
princípios que passaram a reger as sociedades capitalistas, a exemplo, o rendimento e a
produtividade dos trabalhadores (BRACHT, 2011).
62
Para Bracht (2011, p. 13), “o esporte moderno refere-se a uma atividade corporal de movimento com caráter
competitivo surgido no âmbito da cultura europeia por volta do século XVIII [...]”.
63
Cabe destacar que não pode haver uma fronteira entre essas duas formas de cultura corporal, mas sim uma
mútua influência entre elas na vida do ser social. O que nos interessa, neste momento, é compreender a relação
entre elas e delas com a totalidade social e com a formação do homem. Nesse sentido, é preciso que fique claro
que o objeto de estudo da Educação Física é a cultura corporal em sentido estrito, no qual por meio dela é
tratado, pedagogicamente, os jogos, os esportes, as danças, as lutas, as ginásticas e outras praticas corporais
institucionalizadas ou não, que integram as atividades de ocupação do tempo livre ou formativa do ser social.
136
relacionar com as relações de produção64. Dessa forma, foi apenas no interior da sociedade
capitalista que a cultura corporal em sentido estrito passou a relacionar-se com as forças
produtivas e as relações de produção, surgindo com isso a Educação Física enquanto um
complexo social e uma disciplina escolar, que tem como objeto de estudo e de ensino a
cultura corporal em sentido estrito. Avançando com a discussão, discutiremos, na próxima
seção, sobre a inserção da Educação Física como disciplina na escola brasileira.
Realizamos, nesta seção, alguns apontamentos sobre como a Educação Física vem
sendo, historicamente, tratada como uma disciplina escolar no Brasil. Para isso, recorremos à
obra de Ghiraldelli Júnior (1991) Educação Física Progressista: a Pedagogia Crítico-Social
dos Conteúdos e a Educação Física Brasileira, no qual o autor apresenta um mapeamento
das tendências pedagógicas65 da área, e o livro organizado por Maia e Menezes (2021)
Tendências da Educação Física: novas aproximações. Pretendemos, com a escolha deste
percurso, possibilitar para o leitor um entendimento de como a Educação Física vem sendo
usada como um instrumento político-ideológico a favor das classes dominantes para a
consolidação e a reprodução do modo de produção capitalista e das relações do capital no
nosso país. Além dessas duas obras, recorremos, ainda, aos escritos de outros autores da área.
Conforme destacamos, na seção anterior, a Educação Física surge como um
complexo social a partir das transformações geradas no interior da sociedade burguesa após a
Revolução Industrial, estando estritamente ligada ao pensamento médico higienista, liberal e
positivista, com uma prática pedagógica que tinha como base de organização do trabalho
docente os métodos europeus que se firmavam em princípios biológicos e “Faziam parte de
um movimento mais amplo, de natureza cultural, política e científica, conhecido como
Movimento Ginástico Europeu66, e foi à primeira sistematização científica da Educação
64
No interior da sociedade capitalista, os sentidos e os significados em torno da cultura corporal em sentido
estrito se ampliaram ainda mais, ganhando novos sentidos e significados com a sua tematização no interior da
Educação Física, que vão além dos já mencionados, assumindo, também, como finalidade a promoção, a
recuperação e manutenção da saúde dos indivíduos.
65
Para Maia e Menezes (2021, p. 15), as tendências pedagógicas da Educação Física podem ser compreendidas
“[...] como práticas e teorias pedagógicas que se tornaram senso comum na prática educacional em um
determinado período histórico por atender, de forma explícita ou implícita, o perfil de formação humana
demandada pela classe trabalhadora ou pela classe burguesa, a partir de um contexto social, político ou
econômico específico”.
66
“A partir do ano de 1800 vão surgindo na Europa, em diferentes regiões, formas distintas de encarar os
exercícios físicos. Essas ‘formas’ receberão o nome de ‘métodos ginásticos’ (ou escolas) e correspondem aos
137
É preciso ter claro que essas classificações não são arbitrárias; elas procuram
revelar o que há de essencial em cada uma dessas tendências. Também é
necessário ressaltar que a periodicidade exposta deve ser entendida com cautela.
Isso porque, de fato, tendências que se explicitam numa época estão latentes em
épocas anteriores e, também, tendências que aparentemente desaparecem foram, em
verdade, incorporadas por outras [...] Todas essas tendências são mais ou menos
incorporadas, e estão vivas nas cabeças dos professores atuais (GRIRALDELLI
JÚNIOR, 1991, p. 16, grifos nossos).
quatro países que deram origem às primeiras sistematizações sobre a ginástica nas sociedades burguesa: a
Alemanha, a Suécia, a França e a Inglaterra [...] Essas mesmas sistematizações serão transplantadas para
outros países fora do continente europeu” (SOARES, 2012, p. 42, grifos nossos).
67
Os PCNs de Educação Física (BRASIL, 2000, p. 19) ressaltam que “De modo geral houve grande
contrariedade por parte dos pais em ver seus filhos envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual.
Em relação aos meninos, a tolerância era um pouco maior, já que a ideia de ginástica associava-se às instituições
militares; mas, em relação às meninas, houve pais que proibiram a participação de suas filhas”.
68
A tendência da Educação Física Popular transita pelo chão da escola como uma tendência contra-hegemônica
logo após as primeiras décadas da inserção da Educação Física como disciplina escolar.
138
para alcançar esse objetivo. Diante disso, mais precisamente durante a década de 192069,
diferentes Estados brasileiros realizaram reformas educacionais, passando a incluí-la no
currículo escolar 70, entre esses estados podemos destacar, com base nos PCNs da Educação
Física (BRASIL, 2000), Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo.
Em relação a essa tendência, Ghiraldelli Júnior (1991, p. 17) afirma que:
[...] a ênfase em relação à questão da saúde está em primeiro plano. Para tal
concepção, cabe à Educação Física um papel fundamental na formação de
homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação. Mais do que isso, a Educação
Física Higienista não se responsabiliza somente pela saúde individual das pessoas.
Em verdade, ela age como protagonista num projeto de “assepsia social”. Desta
forma, para tal concepção a ginástica, o desporto, os jogos recreativos etc.
devem, antes de qualquer coisa, disciplinar os hábitos das pessoas no sentido de
levá-las a se afastarem de práticas capazes de provocar a deterioração da saúde
e da moral, o que “comprometeria a vida coletiva”.
69
Essas reformas educacionais influenciaram anos mais tarde no movimento escolanovista da década de 1930,
que reconhecia, entre outras coisas, a Educação Física como disciplina importante para o desenvolvimento
integral do ser humano (BETTI, 1991; BRASIL, 2000).
70
A sua inserção ocorreu nos currículos das escolas ainda sob o nome de ginástica.
139
Educação Física passasse a ser sistematizada enquanto uma disciplina escolar por médicos
higienistas, positivistas e representes do pensamento liberal.
Diante desse cenário:
uma postura nacionalista. Desse modo, a Educação Física Militarista “[...] se compõe como
uma concepção de Educação Física inspirada no fascismo” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991,
p. 25), pretendendo-se, por meio das aulas, o fortalecimento dos corpos, o desenvolvimento
do nacionalismo e a criação de uma sensação de heroísmo e de defensores da pátria. Essa
tendência perdurou até meados de 1945, “[...] período marcado pelo fim do Estado Novo e
pelo término da segunda guerra mundial. Esses fatores demandaram a reformulação das
práticas pedagógicas da Educação Física, assim como o abandona das ideias nazifascistas e
autoritárias” (SANTOS et al., 2021, p. 42).
Com a perda de hegemonia da Educação Física Militarista surgem novas
discussões em torno da área enquanto uma disciplina escolar, visto que tanto a tendência
higienista quanto a militarista “[...] não colocaram, de forma sistemática e contundente, a
problemática da Educação Física como uma disciplina prioritariamente educativa, ou seja,
como disciplina comum aos currículos escolares” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 19,
grifos do autor). Nesse contexto, temos no Brasil o fim da ditadura varguista e a chegada de
Gaspar Dutra a Presidência da República, demarcando o fim do Estado Novo e a instituição
do que ficou conhecido na história do país de Quarta República ou República Populista, sendo
caracterizado, conforme destaca Silva, Oliveira e Fraga (2021), pela retomada da participação
popular nas decisões política. Este período se estendeu de 1946 a 196472.
As mudanças no setor político, como de costume, passam a afetar, também, a
organização e a condução do processo educativo. Isso trouxe reverberações para a Educação
Física escolar, que passou a perder espaço no currículo das escolas. Embora a Educação
Física fosse conhecida como disciplina obrigatória ela estava como inexistente nos anos
iniciais do Ensino Primário, uma vez que não existia mais a necessidade de formar jovens
soldados, o que levou muitas escolas a deixarem de ofertar essa disciplina. Além disso,
existiam, por parte dos outros professores, críticas em relação aos métodos adotados nas aulas
de Educação Física, o que reforçou a perda de espaço no currículo escolar ou em alguns casos
a redução no número de aulas ministradas por semana. Nesse contexto, a Educação Física
passou a ser vista como uma disciplina sem importância na formação dos alunos.
72
“Uma outra característica deste período, que se manifestou sobretudo durante o governo Dutra, foram as
tentativas de aproximação do Brasil com os Estados Unidos, durante a guerra fria. Essa aproximação possibilitou
que as ideias da Escola Nova, que tinham como base, sobretudo, os estudos do estadunidense Dewey, se
tornassem hegemônicas no Brasil” (SILVA; OLIVEIRA; FRAGRA, 2021, p. 45).
141
73
A respeito disso, Ghiraldelli Júnior (1991, p. 27) esclarece que “Todavia, é preciso entender aí que não se trata
de liberalismo do início do século, que sonhava com uma ‘desodorização e higienização’ da sociedade, mas sim
de uma concepção que busca integrar a Educação Física como ‘disciplina educativa por excelência’ no âmbito da
rede pública de ensino”.
74
Com base nisso podemos afirmar que a Educação Física Pedagogicista foi à primeira concepção pedagógica
que buscou diversificar os elementos da cultura corporal em sentido estrito dentro da escola brasileira, indo,
assim, para além da prática de ginástica e do esporte.
142
75
Nesse sentido, Habert (1992, p. 8) esclarece que “O golpe de 64 ocorreu num momento de crise da economia
brasileira e de grandes mobilizações operárias, estudantis e camponesas em torno de reformas políticas e
institucionais de cunho nacionalista defendidas pelo governo Jango, chamadas ‘reformas de base’. Os militares,
associados aos interesses da grande burguesia nacional e internacional, incentivados e respaldados pelo governo
norte-americano, justificaram o golpe como ‘defesa da ordem e das instituições contra o perigo comunista’”.
76
Em linhas gerais, Ghiraldelli Júnior (2008, p. 112) afirma que: “O período ditatorial, ao longo de duas décadas
que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na Presidência da República, foi pautado em termos
educacionais pela repressão, privatização do ensino, exclusão de boa parcela dos setores mais pobres do ensino
elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante na rede pública regular sem
qualquer arranjo prévio para tal, divulgação de uma pedagogia calcada mais em técnicas do que em propósitos
com fins abertos e discutíveis, tentativas variadas de desmobilização do magistério através de abundante e
confusa legislação educacional”.
143
Dessa forma, cabe destacar que a tendência da Educação Física Popular, busca
combate às ideologias difundidas pelas classes dominantes, sendo, assim, uma concepção que
se volta em defesa dos interesses da classe trabalhadora. Até o ano de 1985 não existia uma
produção teórica acerca dessa concepção encontrada em livros, artigos, dissertações e teses.
Em consideração a isso, Ghiraldelli Júnior (1991, p. 21) destaca que a Educação Física
Popular se sustentava “[...] quase que exclusivamente numa ‘teorização’ transmitida
oralmente entre as gerações de trabalhadores deste país”. Em outras palavras, o discurso
defendido pela concepção da Educação Física Popular vinha sendo transmitido desde os
primeiros anos da Proclamação da República até 1985 informalmente entre os professores da
área, por meio do diálogo realizado nas escolas ou nos movimentos sociais.
No que concerne a esta tendência, é preciso ficar claro, ainda, que ela:
[...] não está preocupada com a saúde pública, pois entende que tal questão não pode
ser discutida independentemente do levantamento da problemática, forjada pela
atual organização econômica-social e política do país. A Educação Física Popular
também não se pretende disciplinadora de homens e muito menos está voltada
para o incentivo da busca de medalhas. Ela é, antes de tudo, ludicidade e
cooperação e aí o desporto, a dança, a ginástica, etc. assumem um papel de
promotores da organização e mobilização dos trabalhadores. E, mais que isso, a
77
Portanto, é um equívoco, datar o surgimento da tendência da Educação Física Popular como sendo de 1985.
Esta informação não é encontrada na obra de Ghiraldelli Júnior (1991).
145
Ante o exposto, constata-se, que desde a sua inserção na escola até o fim da
Ditadura Militar, instaurada em 1964, a Educação Física esteve ligada aos interesses da classe
dominante, sendo usada como instrumento político e ideológico necessários para a
implementação e o desenvolvimento do capitalismo e das relações do capital no Brasil,
contribuindo com a formação de sujeitos, fortes, sadios e possuidores dos valores e das
condutas necessárias para a manutenção do status quo. Entre as tendências mapeadas por
Ghiraldelli Júnior (1991), podemos afirmar que quatro delas possuem um caráter conservador
e reacionário, sendo elas a Educação Física Higienista, Militarista, Pedagogicista e a
Competitivista, visto que a tendência Popular se vinculou com os interesses e as lutas da
classe trabalhadora, caracterizando-se, portanto, com uma tendência contra-hegemômica, que
surgiu após a Proclamação da República e transita pelo chão da escola ao longo de todos esses
anos, se manifestando de forma mais clara a partir de 1985.
Essas foram as cinco tendências identificadas por Ghiraldelli Júnior (1991). Maia
e Carmo (2021), dando continuidade a esta discussão, apontam, no último capítulo do livro
organizado por Maia e Menezes (2021), a existência de mais duas tendências da Educação
Física que surgiram a partir de 1985, sendo elas, respectivamente, a Educação Física por
Competências e a Educação Física Remota Emergencial. Desconsideramos que esta segunda
seja uma nova tendência da área, tendo em vista que ela se caracteriza como uma dinâmica de
organização do trabalho docente estabelecida pela pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-
2, no qual o ensino remoto emergencial, conforme aponta Maia e Carmo (2021), se constituiu
apenas como uma alternativa emergencial, “[...] que, perante a pandemia da Covid-19, buscou
oferecer os conteúdos curriculares que seriam ministrados presencialmente” 78.
78
Ademais, consideramos que a Educação Física Remota Emergencial forje do entendimento dos próprios
autores do que eles compreendem por tendências da área, visto que para eles as tendências da Educação Física
são compreendidas “[...] como práticas e teorias pedagógicas que se tornaram senso comum na prática
educacional em um determinado período histórico por atender, de forma explícita ou implícita, o perfil de
146
formação humana demandado pela classe trabalhadora ou pela classe burguesa, a partir de um contexto social,
político ou econômico específico” (MAIA; CARMO, 2021, p. 15). Na parte grifada há uma conjunção
coordenativa aditiva, o e, no entanto, não reconhecemos que exista em torno dessa tendência uma teoria
pedagógica como a que é encontrada na tendência da Educação Física por Competências, que é, neste caso, a da
Pedagogia das Competências de Philippe Perrenoud (1996). Outro ponto a destacar e que não está claro o perfil
de formação humana almejado por essa tendência como encontramos na tendência da Educação Física por
Competências, que é a formação de sujeitos que possam se adequar as novas relações de produção da sociedade
capitalista com base no modelo toyotista, capaz de solucionar demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho.
147
escolas, no interior das diferentes disciplinas, entre elas a Educação Física, um conjunto de
habilidades e competências para atingir esse objetivo.
Dessa forma, a tendência da Educação Física por Competência:
[...] se apresenta como uma das ramificações da Pedagogia das competências [...]
pedagogia que se tornou hegemônica nos currículos escolares brasileiros nas últimas
três décadas. Essa tendência atribui uma centralização da noção de competência
no currículo da Educação Física, o que sugere a redução das práticas
pedagógicas a um modelo de ensino criativo, utilitário e pragmático [...] Além
disso, compreendemos que apesar de existir nessa tendência o reconhecimento das
dimensões históricas, culturais e científicas dos conhecimentos da Educação Física,
estas são secundarizadas. Por essa razão, essa tendência se caracteriza por
estabelecer uma formação precarizada, unilateral e instrumental, que pouco
contribui para a emancipação da classe trabalhadora, assim como para a
transformação da sociedade (MAIA; CARMO, 2021, p. 77-78, grifos nossos).
O complexo social da educação física, não é só produto das relações humanas, ela
participa na produção e reprodução social e, portanto, é parte integrante da
formação humana. Ou seja, a defesa da educação física, aqui, não é uma defesa
corporativista, mais sim uma necessidade, visto que, ao participar da formação
do ser social, a educação física constitui um dos momentos necessários para a
formação humana.
Até aqui discutimos, ainda que de forma breve, a forma como a Educação Física
vem sendo historicamente tradada no interior da escola brasileira, tendo como ponto de
partida as tendências da Educação Física apontadas por Ghiraldelli Júnior (1991), e por Maia
e Carmo (2021). Identificamos, ainda, que a partir de 1985 a Educação Física assumiu uma
perspectiva contra hegemônica, embora, tenhamos ciência que isso não refletiu na prática
docente de todos os professores da área. Como consequência do processo de reestruturação
produtiva, uma nova tendência surgiu na área, a da Educação Física por Competência (MAIA;
CARMO, 2021), alinhando mais uma vez a Educação Física escolar aos interesses do capital,
mas que diferente dos outros momentos históricos ela vem, enquanto área de conhecimento,
perdendo espaço no currículo escolar, em especial, no Ensino Médio.
Isso posto, na seção abaixo, discutiremos as implicações do novo Ensino Médio
na área da Educação Física escolar, bem como as possibilidades de resistência encontradas,
nas condições históricas atuais, para o desenvolvimento de uma práxis docente comprometida,
verdadeiramente, com a emancipação humana e não apenas com o mercado de trabalho como
têm reforçado as novas políticas educacionais recém-implementadas no Brasil.
4.3 O novo Ensino Médio e as suas implicações na área de Educação Física escolar:
formar para o mercado de trabalho ou para a emancipação humana?
[...] durante muito tempo, a educação física ocupou espaço estratégico nos
projetos pedagógicos hegemônicos na sociedade brasileira. Sua presença era mais
que justificável, exercia função imprescindível no currículo, seja para formar o
150
Pedagogia das Competências como a concepção pedagógica mais adequada para formar o
trabalhador no atual contexto da crise estrutural do capital.
Diante das mudanças sofridas no setor produtivo com a implantação do toyotismo
como modelo de organização e de gerenciamento da produção, constata-se que os novos
atributos esperados pelo trabalhador já não são mais a força e nem a disciplina, mas sim,
conforme destaca Nozaki (2004), a capacidade de abstração, o raciocínio lógico, a crítica, a
interatividade, a tomada de decisão, o trabalho em equipe, a comunicabilidade e a
criatividade, ou seja, os conteúdos ligados ao desenvolvimento cognitivo e interacional.
Portanto, do ponto de vista do capital e das novas relações de produção, alguns conteúdos se
tornaram no interior da escola empobrecidos e desnecessários (MELLO, 2014), entre elas os
que tratam, pedagogicamente, a Educação Física, que é, conforme temos aqui defendido, a
cultura corporal em sentido estrito, por não ter uma participação decisiva no desenvolvimento
de competências e habilidades esperadas para o novo perfil do trabalhador79.
Se considerarmos que a Educação Física escolar esteve, historicamente, ligada:
[...] sob o ponto de vista dominante, a uma formação de um corpo disciplinado para
obedecer subordinadamente, adestrado a repetições de exercícios e visando à aptidão
física, funcional ao fordismo, percebemos que esta caracterização não é mais central
para a demanda de formação do trabalhador de novo tipo para o capital, já que este
precisa de um conteúdo no campo cognitivo e interacional, a fim de trabalhar com a
capacidade de abstração, raciocínio lógico, crítica, interatividade, decisão, trabalho
em equipe, competitividade, comunicabilidade, criatividade, entre outros. Na
proporção em que a educação física parece não atuar para a formação de
competências, não se torna imediatamente central na escola, como
historicamente se colocou. Não estamos, com isso, afirmando que a educação física
não seria capaz de atuar na formação dessas competências. Estamos simplesmente
alertando que, sob o ponto de vista dominante – no qual se insere a pedagogia
das competências – a educação física foi sempre tratada como uma disciplina
reprodutora de movimentos, no contexto da antiga formação do trabalhador. E,
assim, tem sido descartada, mas apenas sob o ponto de vista imediato, do projeto
pedagógico dominante, que, por sua vez, tem privilegiado outras disciplinas de
conteúdo cognitivo e interacional (NOZAKI, 2004, p. 143-144, grifos nossos).
79
Isso não significa, de forma alguma, que a Educação Física não atue no desenvolvimento de competências,
mas sim que ela não ocupa um lugar decisivo nesse processo. Não obstante, Souza e Ramos (2012, p. 82)
reconhecem que “A Educação Física, inserida no processo de ensino das competências, tem em seu currículo
aspectos que contribuem para moldar a personalidade dos trabalhadores para que eles demonstrem
responsabilidade, iniciativa, comunicação [...]”.
152
80
A legitimação da Educação Física sob este discurso tem levado o reconhecimento da Educação Física como
sinônimo de saúde ou de esporte no espaço escolar, impossibilitando, por parte dos alunos e de alguns
professores, a compreensão do verdadeiro objeto de estudo e de ensino que trata, pedagogicamente, a Educação
Física no espaço escolar, nos clubes, nas academias, nos ginásios, etc.
153
81
Seguindo essa lógica, Netto e Braz (2006, 46, grifos dos autores) apontam que: “[...] o desenvolvimento
histórico se efetivou até hoje especialmente em sociedades marcadas pela alienação (isto é, em sociedades
fundadas na divisão social do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção fundamentais, com a
exploração do homem pelo homem), a possibilidade de incorporar as objetivações do ser social sempre foi posta
desigualmente para os homens singulares. Ou seja: até hoje, o desenvolvimento da humanização de todos os
homens; ao contrário: até nossos dias, o preço do desenvolvimento do ser social tem sido uma humanização
extremamente desigual – ou, dito de outra maneira: até hoje, o processo de humanização tem custado o
sacrifício da maioria dos homens. Somente numa sociedade que supere a divisão social do trabalho e a
propriedade privada dos meios de produção fundamentais pode-se pensar que todas as possibilidades do
desenvolvimento do ser social se tornem acessíveis a todos os homens”.
154
escolar, por força de Lei, caracteriza-se como uma medida paliativa e reformista, pois “[...]
esta luta não assegura as condições concretas e necessárias para uma formação comprometida
pela emancipação humana, tampouco com um modelo formal de Educação Física (em sentido
estrito) a favor da classe trabalhadora” (MAIA, 2023, p. 56).
Constata-se, então, que a Educação Física perdeu o status de componente
curricular obrigatório no Ensino Médio, sendo posta no currículo como estudos e práticas,
podendo os seus conteúdos de ensino ser trabalhados ao longo da formação geral básica dos
alunos ou dentro dos itinerários formativos por meio de projetos, oficinas, laboratórios ou
outras atividades, conforme determina o texto da Resolução n 3/2018. A nova forma de
organização curricular do Ensino Médio, organizado por dois percursos formativos, o
primeiro por áreas de conhecimentos e o segundo pelos itinerários formativos, pode
resultar na diluição dos conteúdos de Ensino da Educação Física na área de conhecimento ou
no itinerário formativo de Linguagens e suas Tecnologias, com uma carga horária bem
reduzida no currículo escolar e, consequentemente, na formação dos alunos.
Portanto, mesmo que a educação física seja incluída como componente curricular
nas propostas das redes, provavelmente a sua carga horária será menor. A nova
matriz curricular do ensino médio da rede estadual de educação da Bahia, por
exemplo82, retirou o componente curricular da educação física do 3º ano, e manteve
apenas 1 hora semanal nos dois primeiros anos [...] Em consequência, os jovens
terão o direito negado a diversas significações sociais produzidas pela
humanidade no âmbito das atividades da cultura corporal (BELTRÃO;
TAFFAREL; TEIXEIRA, 2020, p. 661, grifos nossos).
82
No interior das Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP) do Ceará a Educação Física encontra-se
apenas com uma aula semanal de 50min ao longo dos três anos do Ensino Médio.
155
Isso significa que a Educação Física, assim como Arte, poderá ter os seus
conteúdos de ensino ministrados pelo professor de Língua Portuguesa, da mesma forma que o
professor com formação em Química poderá ensinar os conteúdos de Física e de Biologia,
assim como o professor de História poderá lecionar os conteúdos de Geografia, de Sociologia
e de Filosofia. Com isso, o ensino das diferentes áreas de conhecimentos, entre eles o da
Educação Física, poderá ficar sob a responsabilidade de um único professor, que terá uma
atuação profissional generalista, isto é, sem uma formação específica para ministrar os
conteúdos de algumas áreas. “Esses são alguns exemplos possíveis dentro dos diversos
arranjos curriculares de que o ensino médio poderá ser organizado” (BELTRÃO;
TAFFAREL; TEIXEIRA, 2020, p. 663) a partir das mudanças estabelecidas.
Dessa forma, a proposta de Educação Física do novo Ensino Médio:
toyotismo como modelo de formação do novo trabalhador que o mercado de trabalho almeja
para potencializar as relações do capital e favorecer a expansão de suas taxas de lucros.
Dando continuidade na discussão, visando demonstrar o esvaziamento da
Educação Física no currículo escolar do novo Ensino Médio, passamos a destacar o que o
texto da BNCC reservou para esta área de conhecimento nessa etapa de ensino, tendo em vista
que esta é a principal referência para os sistemas de ensino elaborarem o Documento
Curricular Referencial (DCR) para subsidiar a elaboração da proposta curricular das escolas83.
Em torno disso, o primeiro ponto a destacar é que a Educação Física é alocada no interior da
área de Linguagem e suas Tecnologias, juntamente com Arte, Língua Portuguesa e Inglesa,
devendo o trabalho pedagógico realizado no interior dessa área consolidar e ampliar as
aprendizagens previstas na BNCC do Ensino Fundamental. A inserção da Educação Física na
área de Linguagens não se caracteriza como algo novo na educação brasileira, mas sim uma
continuidade do que já foi reconhecido no texto dos PCNs+ (BRASIL, 2002).
Nesse sentido, os DCNEM, atualizado por meio da Resolução n. 3/2018,
determina que a organização do currículo e o planejamento do Ensino Médio deve ocorrer
dentro da área de forma interdisciplinar e transdisciplinar (BRASIL, 2018). Com base nisso,
Gomes e Souza (2020, p. 394) aponta que ao adotar esse modelo de organização “[...] as
generalizações nas áreas de conhecimentos ocorrem inevitavelmente, visto que seus objetos
de estudos não atendem as especificidades de cada componente curricular, resultando em
objetivos gerais superficiais do conhecimento historicamente construído”, principalmente no
interior da área de Educação Física, de Arte e de Língua Inglesa, tendo em vista que Língua
Portuguesa ocupa um lugar privilegiado no currículo escolar, assim como Matemática,
empreendedorismo, competências socioemocionais, etc.. Desse modo, no novo Ensino Médio,
a área de Linguagens e suas Tecnologias tem a responsabilidade de:
83
A respeito disso, Neira (2019, p. 163) corrobora afirmando que “A BNCC institui-se como referências
nacionais para a elaboração de currículos dos sistemas de ensino e das propostas pedagógicas das escolas,
alinhando políticas e ações em torno da formação de professores, avaliações e critérios de infraestrutura para o
desenvolvimento da educação”.
157
presente no modelo de organização do Ensino Médio anterior, que com a BNCC, segundo
Beltrão (2019), tem as suas contradições aprofundadas, visto que é observado um uso
indiscriminado do conceito de corporeidade e cultura corporal. Dessa forma, tendo a
linguagem como categoria central para a área de Linguagem e suas Tecnologias, a BNCC
reconhece no interior da Educação Física que:
Creio que de certa forma fomos impregnados dessas ideias e caímos na cilada
das “linguagens” achando que as atividades corporais – jogos e outras –
efetivamente seriam uma linguagem corporal. Foi depois que nos demos conta de
que não havia nada de expressão corporal nas atividades dessa área de cultura,
porque se você olha para o jogo, quem joga, o jogador, não está expressando
nada, ele não está transmitindo nada para fora, porque está construindo algo
que está simultaneamente consumindo. O jogo está envolvendo, preocupando-o
158
Desse modo, constata-se que a BNCC, assim como os PCNs+, colocou como
categoria central para a área de Linguagens e suas Tecnologias a linguagem, passando esta a
se constituir como objeto de estudo da Educação Física, Artes, Língua Portuguesa e Inglesa.
A BNCC, ao reconhecer a linguagem corporal como objeto de estudo e de ensino da
Educação Física, definiu como objetivo para esta área possibilitar aos estudantes “[...]
explorar o movimento e a gestualidade em práticas corporais de diferentes grupos culturais e
analisar os discursos e os valores associados a elas, bem como os processos de negociação de
sentidos que estão em jogo na sua apreciação e produção” (BRASIL, 2018, p. 483). Diferente
desse entendimento, reconhecemos que a categoria central para compreender o verdadeiro
objeto de estudo e de ensino da Educação Física não é a linguagem, mas sim o trabalho.
Isso se justifica pelo fato de o trabalho ser o complexo fundante do ser social, e,
portanto, o modelo de toda práxis social, tendo em vista que as demais atividades humanas
têm suas gêneses ligadas ao trabalho, entre elas as atividades que integram a cultura corporal
em sentido estrito. Dessa forma, podemos afirmar que a partir da categoria trabalho, tomando
como base os fundamentos onto-metodológicos, instaurados por Karl Marx e recuperados por
György Lukács na sua obra Para uma Ontologia do Ser Social, podemos analisar o
desenvolvimento sócio-histórico das práticas corporais, identificando que do trabalho e pelo
trabalho foi fundado, no primeiro momento, uma cultura corporal em sentido lato e, em
seguida, como resultados do desenvolvimento das forças produtivas e das novas formas de
organização dos homens em sociedade, uma cultura corporal em sentido estrito, que no
interior da sociedade capitalista se constituiu como objeto de estudo da Educação Física,
complexo social fundado como produto das relações capitalistas (MELLO, 2014).
Por conseguinte, é válido destacar que não cabe, aqui, fazer uma análise exaustiva
do que a BNCC reservou para a Educação Física, tendo em vista que isso foge das finalidades
estabelecidas para a realização do estudo. No entanto, é válido destacar que o documento da
BNCC do Ensino Fundamental apresenta: as competências por área e as competências por
componente curriculares, que devem se articular ao decorrer do processo educativo com as
competências gerais da Educação Básica. Desse modo, foi destinado na parte que trata do
Ensino Fundamental espaço para detalhar as unidades temáticas específicas de cada
componente curricular, os objetos de conhecimento que estão inseridos no interior de cada
unidade temática, bem como as habilidades a serem exploradas por cada área de
conhecimento. Diferente disso, no Ensino Médio encontramos apenas as competências por
áreas e as habilidades, que, assim como no Ensino Fundamental, devem se articular com as
competências gerais da Educação Básica. Feito esse esclarecimento, expomos as
competências específicas para a área de Linguagens para o Ensino Médio.
Com base nessa citação, constata-se que, das sete competências fixadas para a
área de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio, apenas três competências se
relacionam com o objeto de ensino da Educação Física, sendo as competências de número 1,
3, e 5, no qual a 1 e a 3 faz menção ao objeto de ensino da Educação Física de forma genérica,
diferente da competência de número 5 que cita de forma direta. Dessa forma, a competência
de número 5 fixa como direito de aprendizagem dos alunos “Compreender os processos de
produção e negociação de sentidos nas práticas corporais, reconhecendo-as e vivenciando-as
como formas de expressão de valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de
respeito à diversidade” (BRASIL, 2018, p. 490). As sete competências devem ser
desenvolvidas tendo como base as 28 habilidades, no qual três delas se relacionam de forma
direta com o objeto de ensino da Educação, sendo elas:
Ao analisar essas habilidades, Beltrão (2019, p. 211, grifos nossos) ressalta que:
Nesse sentido, Neira (2019, p. 177-178, grifos nossos) contribui afirmando que:
Diante do exposto, fica claro que o novo Ensino Médio visa formar o trabalhador
para se adequar às novas condições de trabalho que demanda a sociedade brasileira no atual
contexto da crise estrutural do capital. Dessa forma, ancorado no discurso dos organismos
internacionais e na teoria da Pedagogia das Competências, o novo Ensino Médio acentua a
hierarquização curricular no interior das escolas, deixando como obrigatório nessa etapa de
ensino apenas Língua Portuguesa e Matemática. Diante desse cenário, a Educação Física,
assim como outras áreas de conhecimento, passou a ocupar um lugar marginal no interior do
currículo escolar, sendo compreendida como uma área de conhecimento de pouca importância
na formação do trabalhador contemporâneo, por contribuir pouco para o desenvolvimento de
competências e habilidades, tendo em vista que a educação do século XXI já não demanda
tanto a força física e a disciplina como a do século XIX, mas sim a capacidade de abstração, o
raciocínio lógico, a crítica, a interatividade, a tomada de decisão, o trabalho em equipe, a
comunicabilidade, a competitividade e a criatividade, conforme tem declarado Nozaki (2004),
conteúdos ligados ao desenvolvimento cognitivo e interacional.
favorece uma formação cada vez mais unilateral. Deste modo, constata-se que a
solução apresentada pela classe dominante em resposta à crise em curso do
capitalismo e, particularmente, aos problemas da educação escolar de nível médio,
consiste em impor barreiras que impedem o desenvolvimento pleno da maioria da
população e, consequentemente, do próprio gênero humano, ao não aproveitar e
potencializar as possibilidades existentes; consiste em implementar uma educação
que tendencialmente aliena os sujeitos das objetivações humanas mais elaboradas.
Desse modo, contata-se que o novo Ensino Médio busca ofertar uma educação
centrada nas novas necessidades do mercado de trabalho, estando alinhado aos valores que
são necessários para a manutenção e a reprodução da sociedade capitalista e das relações do
capital, com a oferta de uma educação cidadã, tendo como horizonte a emancipação política,
compatível com a manutenção do status quo. No entanto, cabe esclarecer que a emancipação
política não representa o patamar mais elevado possível da liberdade humana e nem pode
favorecer a construção de uma realidade objetiva capaz de possibilitar para os indivíduos o
acesso aos bens, materiais e espirituais, necessários para o pleno desenvolvimento do ser
social. Por conseguinte, reconhecemos, a partir dos escritos de Tonet (2005, 1016), que uma
atividade formativa que pretenda contribuir para o pleno desenvolvimento dos indivíduos e a
construção de uma sociedade plenamente livre deve estar articulada com a emancipação
humana e não com a emancipação política como é o caso do novo Ensino Médio.
Diante desse cenário, julgamos necessário construir ações contra hegemônicas no
âmbito da educação de forma geral e, também, no interior da Educação Física escolar,
fundamentada na necessidade histórica da cultura corporal na formação humana, conforme
tem defendido (MELLO, 2014). Para isso, não podemos perder de vista a necessidade
histórica de superação da sociedade capitalista e chegada dos homens à emancipação humana,
isto é, a uma sociedade comunista, tendo como base de organização dessa nova forma de
sociabilidade o trabalho associado, com a produção voltada para atender as necessidades
humanas e não as necessidades de reprodução do capital. Nesse sentido, apresentamos alguns
apontamentos que dizem respeito à práxis docente desenvolvida pelo professor de Educação
Física no atual contexto da crise estrutural do capital. Antes disso, concluímos essa seção
fazendo alguns esclarecimentos necessários para que o leitor possa compreender o porquê de
nos ancoramos nas atividades educativas emancipadoras para fundamentar uma proposta de
resistência ativa contra a educação e a sociedade burguesa nas condições históricas atuais.
Dessa forma, cabe relembrarmos que no interior das sociedades de classes, como
é o caso do Brasil, encontramos duas classes diferentes e antagônicas, que buscam no
contexto da luta de classes afirmarem o seu projeto histórico de sociedade. De um lado, temos
a classe dominante que defende a manutenção da sociedade vigente e as relações de
164
dominação e de exploração do homem pelo homem, condição necessária para que ela possa se
manter no poder e reproduzir os seus privilégios de classe. Por outro lado, nos deparamos
com a classe trabalhadora, que está submetida às relações de dominação e de exploração,
sendo esta a classe responsável por produzir toda a riqueza social, sem que ela possa se
apropriar, de forma plena, dos bens por ela produzidos por meio do seu trabalho realizado.
Nesse contexto, o projeto de sociedade que orienta a luta da classe trabalhadora não
dialoga com a organização social defendida pela classe dominante, uma vez que apenas a
superação da ordem capitalista por outra forma de sociabilidade superior a esta é que pode
garantir condições dignas de existência para toda a humanidade (TONET, 2016). Diante
disso, percebe-se que o antagonismo existente entre essas duas classes se manifesta no interior
dos diferentes complexos sociais, o que é visto como uma vantagem para a classe dominante,
tendo em vista que o Estado, o direito, à educação, à Educação Física, a política e outras
dimensões da vida humana são geridos por esta classe social.
Desse modo, estes complexos sociais são organizados de tal forma que os interesses
da classe dominante sejam atendidos, possibilitando que os seus ideais sejam afirmados
socialmente. Como isso é possível? Certamente, por meio da reprodução do seu discurso
ideológico, que tem como função social inculcar na classe trabalhadora uma representação
ilusória das condições sociais concretas, sendo, assim, ocultada a realidade social e os
embates em torno da luta de classes. Nesse sentido, podemos afirmar que a classe dominante
propaga socialmente um conteúdo falso da realidade, que leva até mesmo a classe
trabalhadora, em alguns casos, a defender os interesses da classe que, historicamente, lhe
explora. Nesse sentido, Marx e Engels (2007, p. 47, grifos dos autores) ressaltam que:
Esse é o pano de fundo para a elaboração teórica que, partindo dos textos de Marx e
assumindo aquele pressuposto de que o socialismo estava efetivamente sendo
construído, buscava traduzir praticamente aquelas orientações em um conjunto de
diretivas para uma educação de caráter socialista. Uma das peças-chave desse
pressuposto era a questão da relação entre trabalho e educação. A superação da cisão
– típica da sociedade burguesa – entre trabalho manual e trabalho intelectual seria de
absoluta importância, dada a relevância do trabalho. Ora, a superação dessa cisão
parecia estar sendo possibilitada exatamente pelo que se considerava ser a nova
forma do trabalho em andamento nesses “países socialistas”.
Com base em Tonet (2016), percebe-se, então, que há uma interpretação equivocada
por parte desses autores em torno do que realmente tenha acontecido nos países chamados
socialistas. Apesar disso, temos ciência de que não é justo condenarmos em sua totalidade as
produções desses autores, pois elas trouxeram contribuições importantes para a discussão em
torno das teorias da educação e da Educação Física no Brasil. Foi por intermédio delas que
muitos professores passaram a compreender melhor a organização da sociedade atual.
Todavia, embora as suas contribuições sejam relevantes, é preciso que fique claro que essas
pedagogias não encontram condições objetivas para serem desenvolvidas no interior de uma
sociedade capitalista como é o caso da sociedade brasileira.
A respeito disso, Tonet (2016, p. 41-42, grifos nossos) aponta três razões:
[...] o processo que media o uso da razão crítica e todo o seu agir social, cultural e
esportivo, desenvolvidos pela educação. Ao induzir à autorreflexão, esta deverá
possibilitar aos alunos um estado de maior liberdade e conhecimento de seus
verdadeiros interesses, ou esclarecimento e emancipação, entendida como o
processo de libertar o jovem das condições que limitam o uso da razão crítica e
todo o seu agir social, cultural e esportivo que se desenvolve pela educação. A
emancipação só é possível quando os agentes sociais, pelo esclarecimento,
reconhecerem a origem e os determinantes da dominação e da alienação
(TAFFAREL; MORSCHBACHER, 2013, p. 49-50, grifos nossos).
Uma forma de sociabilidade que, por estar baseada no trabalho associado, portanto
livre de toda exploração e dominação do homem sobre o homem, produtor de
riqueza abundante, em quantidade e qualidade, permitirá a todos os indivíduos
desenvolverem, da melhor maneira possível, suas mais variadas potencialidades.
Essa seria a forma mais elevada possível da sociabilidade e da liberdade humana.
Como ainda diz Marx, seria a articulação entre o “reino da necessidade” (que, para
ele, ainda é o trabalho associado) e o “reino da liberdade” (o tempo livre). Essa
forma de sociabilidade implica, necessariamente, a superação radical de todas
as categorias (econômicas, políticas, ideológicas e sociais) que perfazem o modo
de produção capitalista (TONET, 2016, p. 170, grifos nossos).
A respeito disso, cabe esclarecer uma questão: A superação do capitalismo por uma
sociedade comunista é uma possibilidade real ou idealista? A partir dos acontecimentos
históricos reais, que levaram a passagem do feudalismo para o capitalismo, podemos afirmar
170
que é uma possibilidade real e não apenas idealista como defende a classe dominante. Esse
fato comprova que a realidade é construída histórica e socialmente pelas ações humanas.
Logo, como foi possível a transição do feudalismo para o capitalismo, também, é possível a
transição dessa sociedade para uma forma de sociabilidade na qual os homens e as mulheres
poderão ser realmente livres e iguais, isto é, uma sociedade comunista.
Mas, então, o que propõe Ivo Tonet? De forma honesta e cautelosa e tomando como
ponto de partida as atuais condições históricas, Tonet propõe cinco requisitos para uma
atividade educativa que pretenda contribuir para a emancipação humana. Dessa forma, não
encontramos na obra desse autor uma proposta didática, uma concepção de currículo e nem de
avaliação da aprendizagem sistematizada, mas sim uma concepção de sociedade e de
desenvolvimento social que orientam a práxis educativa dos professores no sentido
revolucionário. Posto isso, abordaremos os cinco requisitos que são necessários para a
realização de uma atividade educativa emancipadora na Educação Física escolar.
O primeiro requisito é o professor ter como fim maior da educação e da Educação
Física a emancipação humana, isto é, a superação do capitalismo e a construção de uma
sociedade comunista. Temos ciência de que considerar apenas isso como suficiente para a
obtenção de êxito com o que se pretende com a ação educativa é um equívoco, porém, não
podemos negar que a falta de clareza nesse objetivo, certamente, levará ao fracasso da
atividade. “Nesse caso, o domínio amplo e aprofundado a respeito do fim que se quer atingir é
apenas um dos momentos – da mais alta importância, sem dúvida – de que é preciso
apropriar-se para conferir a ação educativa um caráter emancipador” (TONET, 2005, p.231).
Para definir isso com clareza, o professor de Educação Física precisa conhecer o
processo histórico desde as suas origens até os dias atuais, tomando como ponto de partida o
trabalho enquanto a categoria fundante do ser social e de qualquer forma de sociabilidade que
possa existir. Nesse sentido, apenas os fundamentos ontológicos elaborados por Marx e
Engels podem possibilitar uma compreensão sólida da histórica da humanidade, uma vez que
os seus fundamentos embasam uma concepção materialista da história, possibilitando que os
professores compreendam que a realidade é construída histórica e socialmente pelos homens e
não por forças divinas. Portanto, a construção de uma sociedade comunista é uma
possibilidade real e não idealista como defendem a burguesia.
Desse modo, cabe aos professores de Educação Física:
173
Uma ação educativa eficaz – em direção ao fim proposto – tem que nutrir-se de um
conhecimento efetivo do processo real. É necessária uma compreensão, o mais
174
[...] por sua própria natureza, uma atividade social, ainda que em determinados
momentos possa ser realizado isoladamente, sua efetivação implica, por parte do
indivíduo, a apropriação dos conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos,
objetivos, etc., comuns ao grupo. Somente assim o ato do trabalho poderá realizar-
175
se. Esta apropriação tem dois aspectos fundamentais: um, voltado para o indivíduo;
outro, voltado para a comunidade. No que toca ao indivíduo, ela é uma necessidade
imprescindível para sua configuração como membro do gênero humano e não
apenas como integrante da espécie (TONET, 2012, p. 212-213).
A partir dessa citação, é preciso esclarecer que os seres humanos não nascem com
uma carga genética responsável por garantir de forma plena e acabada todos os
conhecimentos e as habilidades necessárias a sua existência, da concepção à morte, como
ocorre com os demais animais. Isso significa que precisamos incorporar, a partir das
interações estabelecidas com a natureza e com os outros seres humanos, um conjunto de
conhecimentos que são responsáveis por orientar o ato do trabalho para a garantia da
existência humana, bem como por tornar o indivíduo como membro partícipe do gênero
humano. Por isso, podemos afirmar que o ser humano tem uma necessidade ontológica de ser
educado, para que por meio dessa mediação ele possa se desenvolver como ser social. Nesse
sentido, a natureza da educação é possibilitar que os sujeitos possam “Apropriar-se do
patrimônio genérico – conhecimentos, habilidades, valores – é condição imprescindível para
que o indivíduo singular possa se transformar em membro efetivo do gênero humano”
(TONET, 2016, p. 63).
Posto isso, resta-nos, agora, esclarecer a natureza da Educação Física. Inicialmente é
preciso que os professores entendam que ela é uma prática educativa, sendo, portanto, um
complexo social e um momento necessário na formação do ser social (MELLO, 2014;
OLIVEIRA, 2022). Já está claro que os indivíduos precisam incorporar os saberes culturais
que são essenciais à humanização do homem, porém, é preciso destacar que isso não exclui as
práticas corporais que integram a cultura corporal em sentido estrito, pois a sua incorporação
também é necessária para a formação do indivíduo como membro pertencente ao gênero
humano, pois do trabalho e pelo trabalho foi originado a cultura corporal em sentido lato e em
sentido estrito que precisa ser ensinada para o conjunto da humanidade.
Podemos afirmar que a natureza da Educação Física é similar a da educação, uma
vez que ela se constitui como uma prática educativa, na qual tematiza de forma específica a
cultura corporal em sentido estrito, sendo, assim, uma das mediações necessárias para a
formação do ser social. Essa formação, no momento atual, é sempre precária e a natureza
empregada a esses dois complexos sociais se articula com a reprodução da sociedade
capitalista. Desse modo, apenas uma compreensão da natureza da educação e da Educação
Física que leve em consideração os fundamentos ontológicos é que pode orientar uma práxis
educativa revolucionária, voltada para a emancipação humana.
176
O quarto requisito diz respeito ao professor de Educação Física ter domínio dos
conteúdos específicos da cultura corporal em sentido estrito. Com isso não queremos afirmar,
de modo algum, que o professor tenha que ser um atleta, um ginasta, um lutador ou um
dançarino, mas sim que domine os conhecimentos da área que são necessários para a
formação dos alunos. É válido destacar que essa concepção não tem como objetivo final o
rendimento técnico-esportivo84, mas sim a emancipação humana. Destarte, os jogos, as
danças, as lutas, as ginásticas, os esportes e outras práticas corporais são trabalhados
buscando alcançar esse fim, desenvolvendo novos valores que contribuam para a formação de
uma nova sociedade. Ao tratar sobre esse requisito, Tonet (2005, p. 234) ressalta que:
[...] de nada adianta, para as classes populares, que o educador tenha uma posição
política favorável a eles se tiver um saber medíocre, posto que a emancipação da
humanidade implica na apropriação do que há de mais avançado em termos de saber
e de técnica produzida até hoje.
84
Isso não significa, de forma alguma, que questões técnicas e táticas serão elementos negados nas aulas de
Educação Física, mas sim que serão trabalhadas e contextualizadas a partir dos diferentes espaços de atuação do
ser social como o trabalho, o lazer e a prática esportiva. Entendemos que o gestor motor, a técnica, é uma
construção cultural, sendo, ontologicamente, o elemento essencial da cultura corporal, estando presente desde o
ato fundante do ser social, que é o trabalho, até as outras práticas corporais fundadas para além dele.
177
Diante disso, é preciso que classe trabalhadora entenda que o fim do capitalismo
só é possível com a superação do trabalho assalariado e a entrada em cena do trabalho
associado, sendo este último o responsável por fundar uma sociedade comunista, onde os
indivíduos poderão satisfazer todas as suas necessidades humanas, visto que “[...] teremos
uma sociedade na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o
desenvolvimento de todos” (MARX; ENGELS, 2016, p. 115). A construção dessa sociedade
está nas mãos da classe trabalhadora, sendo esta uma possibilidade real, restando apenas a
formação de uma consciência coletiva, revolucionária, que pense para além do capital.
Por último, cabe destacar que os apontamentos levantados nesta dissertação fazem
referência a uma concepção Histórico-Ontológica da Educação Física, ainda em
construção, sendo, portanto, a nossa segunda aproximação, tendo em vista que a primeira
ocorreu por meio da escrita do artigo intitulado Atividades Educativas Emancipadoras e a
Educação Física Escolar: uma possibilidade real ou ainda idealista? 85 Consideramos
como uma concepção porque passamos a conceber uma outra configuração para a Educação
Física escolar, estabelecendo alguns requisitos que são necessários para uma nova práxis
educativa, porém, sem apresentar no seu interior uma sistematização metodológica.
Dessa forma, levando em consideração a classificação em torno das teorias da
Educação Física, realizada por Castellani Filho (1999), podemos afirmar que esta é uma
concepção propositiva não sistematizada, estando no mesmo grupo de outras concepções
pedagógicas da área, como a Desenvolvimentista, a Construtivista e a Crítico-Emancipatória,
mas que se fundamenta em um novo referencial teórico e metodológico (na ontologia
marxiana-lukacsiana) no qual defendemos o desenvolvimento de uma práxis educativa,
verdadeiramente, revolucionária, tendo como fim maior da educação e da Educação Física a
emancipação humana, que representa o patamar mais elevado possível da liberdade humana.
85
Este tema de pesquisa emergiu após as reflexões que foram levantadas no interior das disciplinas Trabalho,
práxis e educação e Estado, sociedade e educação do MAIE da UECE a partir das leituras e dos estudos que
foram realizados em torno da função social do Estado no interior da sociedade capitalista e a forma como ele tem
organizado a educação escolar.
178
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação teve como objeto de estudo: O novo Ensino Médio e as suas
implicações na área de Educação Física escolar para a formação da classe trabalhadora.
A pesquisa se inseriu, dentro de uma dimensão mais geral, no debate que trata sobre a relação
entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital, com um recorte específico
para a última etapa da Educação Básica no Brasil. Diante disso, buscamos ampliar a discussão
crítica envolvendo os aspectos políticos, pedagógicos e ideológicos que estão relacionados
com o novo Ensino Médio, aprovado durante o governo de Michel Temer, em 2017, logo
após o impeachment sofrido por Dilma Rousseff.
Para a realização do estudo, tivemos como suporte os pressupostos onto-
metodológicos instaurados por Karl Marx e resgatados pelo filósofo húngaro György Lukács.
Dessa forma, partimos da reafirmação do trabalho como complexo fundante do ser social e de
qualquer forma de sociabilidade que os homens possam instituir socialmente. Nesse sentido, a
pesquisa teve como objetivo geral: Analisar as possíveis implicações do novo Ensino Médio,
instituído por meio da Lei n. 13.415/2017, da BNCC do Ensino Médio e da Resolução n.
3/2018, na área de Educação Física escolar para a formação da classe trabalhadora no
contexto da crise estrutural do capital.
Para alcançar esta finalidade, realizamos uma pesquisa bibliográfica e uma
pesquisa documental, tendo como ponto de partida o texto da BNCC, a Resolução n. 3/2016 e
a Lei n. 13.415/2017, assim como alguns trabalhos científicos já publicados, na forma
impressa e eletrônica, como livros, artigos, teses e dissertações que abordam sobre as
categorias de análises elencadas para o estudo, no qual possibilitaram compreender melhor a
relação existente entre trabalho, Estado e capital, sendo elas: 1) a relação entre trabalho e
educação no contexto da crise estrutural do capital, 2) a Educação Física na educação
brasileira e 3) a formação humana à luz da ontologia marxiana-lukacsiana.
Desse modo, pudemos constatar, a partir do objetivo geral, que a área de
Educação Física perdeu o seu status de componente curricular obrigatório ao longo do Ensino
Médio, sendo inserida no currículo escolar como estudos e prática, juntamente com Arte,
Filosofia e Sociologia. Nesse contexto, será ofertada para os filhos da classe trabalhadora uma
educação escolar flexível, com o rebaixamento dos conhecimentos científicos, artísticos,
filosóficos e da cultura corporal ao longo da formação dos alunos, com a valorização ao
decorrer do processo educativo do desenvolvimento de competências e de habilidades que
passaram a ser exigidas pelo mercado de trabalho a partir da crise estrutural do capital.
179
suas Tecnologias, reforçando, com isso, uma compreensão equivocada do seu objeto de
estudo e de ensino que é a cultura corporal. Desse modo, ao considerar a linguagem como
categoria central para a área de Linguagens e suas Tecnologias, a linguagem corporal passou a
ser considerado o objeto de estudo e de ensino da Educação Física. Diferente disso,
defendemos que a categoria central para compreender o verdadeiro objeto de estudo da
Educação Física, a cultura corporal, não é a linguagem, mas sim o trabalho.
Por meio do terceiro objetivo específico do estudo visamos: Discutir a
necessidade ontológica do complexo da Educação Física na formação humana na relação com
o complexo do trabalho. Desse modo, constatamos que no trabalho e pelo trabalho foi
fundado o ser social e de forma concomitante uma cultura corporal, no qual no primeiro
momento estava vinculada com a produção material da existência humana, sendo, portanto,
uma cultura corporal em sentido lato, aprendida e incorporada por meio do trabalho de forma
espontânea, estando às suas práticas corporais vinculadas ao processo de transformação da
natureza, sendo, desse modo, a sua incorporação um elemento necessário para o trabalho.
Nesse sentido, averiguamos que com o desenvolvimento das forças produtivas e a
organização dos homens no interior da sociedade de classes a cultura corporal passou a
adquirir um grau de autonomia, se distancia do intercâmbio material do homem com a
natureza, sendo originada uma cultura corporal em sentido estrito, caracterizada como
atividades expressivas comunicativas que possuem sentidos e significados que as vinculam a
uma dimensão do fazer lúdico, artístico, estético, agonístico e místico, realizada fora do
trabalho. Desse modo, passamos a reconhecer a cultura corporal como um elemento
fundamental para o processo de constituição e de reprodução do ser social.
Com base nisso, identificamos que a Educação Física surgiu enquanto um
complexo social no interior da sociedade burguesa como produtos das relações capitalistas
logo após a Revolução Industrial que aconteceu na Inglaterra no século XVIII e que se
expandiu pelos demais países da Europa e do mundo. Dessa forma, com a organização dos
sistemas de ensino, ocorrido no século XVIII e de XIX, a Educação Física foi posta no
interior da escola, tendo como objeto de estudo as práticas corporais institucionalizadas ou
não que integram a cultura corporal em sentido estrito, tendo como referência, nesse primeiro
momento, as ciências biológicas e positivistas, a serviço dos interesses do capital.
Evidenciamos que, a partir desse momento, a cultura corporal passou, pela
primeira vez na história da humanidade, a se relacionar com o aumento da produtividade,
contribuindo, enquanto uma prática pedagógica mecanicista e a-histórica, com a formação do
trabalhador, deixando-o mais forte, resistente, ágil e disciplinado, ou seja, possuidor dos
181
atributos e dos valores necessários para a expansão da sociedade capitalista. Desse modo,
após ser sistematizada enquanto área de conhecimento, a Educação Física foi introduzida no
interior da escola brasileira, em 1951, logo após a reforma Couto Ferraz, que a instituiu, ainda
com o nome de ginástica, como disciplina obrigatória nas escolas do município da Corte.
Paralelo a isso, constatamos que a Educação Física no Brasil teve a sua prática
pedagógica influenciada por algumas tendências pedagógicas da área, tais como a Higienista,
Militarista, Pedagogicista, Competitivista e a Popular, conforme tem defendido Ghiraldelli
Júnior (1991). Dessa forma, identificamos que desde a sua inserção enquanto área de
conhecimento no espaço escolar a Educação Física vem contribuindo com a formação de
sujeitos necessários para garantir a consolidação e o desenvolvimento da sociedade capitalista
e das relações do capital no país, sendo usada, no interior das tendências, exceto da Popular,
como um instrumento político-ideológico a favor dos interesses da classe dominante.
Nesse sentido, identificamos nos escritos de Maia e Carmo (2021) que a partir dos
anos 1990 tem se manifestado no interior da Educação Física uma nova tendência,
denominada pelos autores supracitados de Educação Física por Competências, no qual tem
atrelado a prática pedagógica da área ao desenvolvimento de competências e de habilidades
que demanda o capital a partir do processo de reestruturação produtiva. Destarte, como
resultado das novas transformações do mundo do trabalho, a Educação Física vem sofrendo
algumas tentativas de ser retirada do currículo escolar, em especial, do Ensino Médio, no qual
após a Lei n. 13.415/2017 encontra-se no currículo apenas como estudos e práticas.
Reconhecemos a necessidade de uma resistência ativa no interior da educação de
forma geral e, também, da Educação Física, por meio do desenvolvimento de uma práxis
docente contra hegemônica, que vislumbre a transformação estrutural da sociedade capitalista
e a construção de uma sociedade comunista, visto que o novo Ensino Médio busca ofertar
uma educação escolar centrada nas novas necessidades do mercado de trabalho, estando
alinhado aos valores que são necessários para a manutenção e a reprodução da sociedade
capitalista e das relações do capital, com a oferta de uma educação cidadã, tendo como
horizonte a emancipação política e não a emancipação humana.
Diante disso, esclarecemos que apesar do controle político, ideológico e
administrativo posto pelo Estado no interior da escola capitalista, ainda encontramos
pequenos espaços onde pode ser desenvolvida uma práxis educativa revolucionária na
educação e no interior da Educação Física escolar. Não se trata de uma pedagogia
sistematizada, mas de atividades educativas com um caráter emancipador, isto é, articuladas,
de modo direto ou indireto, com a luta histórica pela superação do capitalismo. Nesse
182
contexto, o fim maior da educação e da Educação Física passa a ser a emancipação humana,
alcançada apenas por meio de uma revolução social realizada pela classe trabalhadora.
Resumidamente, essas atividades são orientadas a partir de cinco requisitos: 1) o
conhecimento acerca do fim a ser atingido com a educação e a Educação Física; 2)
apropriação do conhecimento acerca do processo histórico e, especificamente, da sociedade
capitalista, tendo como base de estudo a teoria marxiana; 3) conhecimento da natureza
específica da educação e da Educação Física; 4) domínio dos conteúdos da cultura corporal e
uma práxis educativa ligada com a prática social dos alunos; 5) articulação das atividades
educativas com as lutas sociais da classe trabalhadora, deixando clara a necessidade histórica
de superação do capitalismo para a construção de uma sociedade comunista.
Perante o exposto, constata-se que esta dissertação obteve resultados
significativos para a compreensão do objeto de estudo aqui apresentado, contribuindo, assim,
com o avanço do conhecimento científico no âmbito da educação e, especificamente, no
campo da Educação Física, deixando claro as implicações dessa nova política educacional
para área e para a formação escolar ofertada para os filhos da classe trabalhadora. No entanto,
reconhecemos a necessidade de que novos trabalhos sejam realizados em torno desse tema,
trazendo à tona as implicações dessa política educacional, também, na formação dos alunos
que cursam o Ensino Médio noturno e na modalidade de Educação de Jovens e Adultos.
183
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