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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS


FACULDADE DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL
MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO

JOÃO MARCOS SATURNINO PEREIRA

O NOVO ENSINO MÉDIO E A ÁREA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:


IMPLICAÇÕES NA (DE) FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ


2023
JOÃO MARCOS SATURNINO PEREIRA

O NOVO ENSINO MÉDIO E A ÁREA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:


IMPLICAÇÕES NA (DE) FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos da Universidade Estadual do Ceará,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação e Ensino. Área
de concentração: Educação, Escola e
Movimentos Sociais.

Orientadora: Prof.ª Dra. Antonia Solange


Pinheiro Xerez.

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ


2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
Gerada automaticamente pelo SidUECE, mediante os dados fornecidos pelo(a)

Pereira, Joao Marcos Saturnino.


O novo ensino médio e a área de Educação Física escolar:
implicações na (de) formação da classe trabalhadora [recurso
eletrônico] / Joao Marcos Saturnino Pereira. - 2023.
193 f. : il.

Dissertação (mestrado acadêmico) - Universidade Estadual do


Ceará, Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, Curso de
Mestrado Acadêmico Em Educação E Ensino - Acadêmico, Fortaleza,
2023.
Orientação: Prof.ª Pós-Dra. Antonia Solange Pinheiro Xerez.
1. Novo Ensino Médio. 2. Crise Estrutural do Capital. 3.
Área de Educação Física. I. Título.
JOÃO MARCOS SATURNINO PEREIRA

O NOVO ENSINO MÉDIO E A ÁREA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR:


IMPLICAÇÕES NA (DE) FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano
Matos da Universidade Estadual do Ceará,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Educação e Ensino. Área
de concentração: Educação, Escola e
Movimentos Sociais.

Aprovado em: 20 de setembro de 2023.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________
Prof.ª Dra. Antonia Solange Pinheiro Xerez (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE

______________________________________________________
Prof. Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos
Universidade Estadual do Ceará – UECE

______________________________________________________
Prof.ª Dra. Josefa Jackline Rabelo
Universidade Federal do Ceará – UFC

______________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria das Dores Mendes Segundo
Universidade Estadual do Ceará – UECE
A minha mãe, Edimaura Saturnino, que,
apesar de não ter tido acesso à educação
escolar, sempre me motivou nos estudos.

As minhas duas filhas, Anna Júlia Saturnino


(Juju) e a Isabelly Saturnino (Bel), pelo
exemplo a ser seguido.

A Carla Bandeira, minha companheira, pela


compreensão, carinho, estímulo e ajuda.
AGRADECIMENTOS

A minha mãe, Edimaura Saturnino, por todo amor, dedicação e incentivo aos estudos. Talvez
não saiba o que esse momento pode significar para mim, mas mesmo assim se alegra ao saber
que consegui concluir mais um ciclo de estudos.
A minha companheira, Carla Bandeira, pela amizade, amor e cumplicidade.
As minhas duas filhas, Anna Júlia e Isabelly, que nos momentos de angústia e de tristeza têm
alegrado os meus dias. Com elas venho aprendendo um novo paradigma de amar, cheio de
sorrisos, descobertas, felicidades e muito amor.
A minha orientadora, pelo acolhimento, confiança e as orientações esclarecedoras, e aos
professores da banca, que dispuseram tempo e dedicação para qualificar o estudo.
Aos amigos e professores do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino, pelos
ensinamentos e os ricos momentos compartilhados, que agregaram na minha formação
humana, política, científica e profissional.
Aos amigos e professores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará,
campus Limoeiro do Norte, pelos momentos vividos que contribuíram com a minha chegada
ao Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pelo financiamento da
bolsa de estudo no âmbito do Mestrado Acadêmico em Educação e Ensino.
“Só há liberdade a sério quando houver
A paz, o pão,
habitação,
saúde, educação.
Só há liberdade a sério quando houver
liberdade de mudar e decidir,
quando pertencer ao povo o que o povo
produzir,
quando pertencer ao povo o que o povo
produzir”.
(Sérgio Godinho)
RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar as possíveis implicações do novo Ensino Médio,
instituído por meio da Lei n. 13.415/2017, da BNCC do Ensino Médio e da Resolução n.
3/2018, na área de Educação Física escolar para a formação da classe trabalhadora, no
contexto da crise estrutural do capital. Para isso, realizamos uma pesquisa bibliográfica e
documental, ancorada nos pressupostos onto-metodológicos instaurados por Karl Marx e
recuperados pelo filósofo húngaro György Lukács. Constatamos, com o referido estudo, que a
partir dos anos 1970, com a eclosão da crise estrutural do capital, os organismos
internacionais passaram a exercer forte influência no desenvolvimento de novas políticas
educacionais, defendendo uma educação escolar pautada em competências e habilidades, que
demandam as novas relações de produção engendradas pelo Toyotismo. Para tal pleito, exige-
se um trabalhador polivalente, flexível, multifuncional, ou seja, capaz de se adaptar, às
constantes mudanças do mundo do trabalho e da sociedade capitalista. Neste contexto,
identificamos que a educação escolar tem sido fortemente subordinada aos interesses do
capital, sendo gerada no seu interior uma nova dinâmica de organização e de condução do
processo educativo, resultando no esvaziamento dos conteúdos científicos, artistas, filosóficos
e da cultura corporal ao longo da formação escolar dos alunos, conforme constatamos nas
análises das novas determinações do Ensino Médio para a formação da juventude brasileira.
Paralelo a isso, identificamos que a Educação Física perdeu a sua obrigatoriedade no currículo
escolar, sendo os seus conteúdos ministrados, agora, no Ensino Médio, apenas como estudos e
práticas, assim como os conteúdos de Arte, Sociologia e Filosofia. Como resultado,
percebemos, a partir dessa política educacional, a oferta de uma educação escolar centrada nas
novas necessidades do mercado de trabalho no contexto da crise estrutural do capital,
ofertando-se para os filhos da classe trabalhadora uma formação escolar flexível, aligeirada,
fragmentada, vinculada aos valores que alinham-se à emancipação política. Desse modo,
contrapondo-se à sociedade e à educação burguesa, defendemos a necessidade de resistência
ativa no interior da educação de forma geral e no interior da Educação Física, sendo
necessária uma práxis pedagógica revolucionária, isto é, atividades educativas com um caráter
emancipador, articuladas, de modo direto ou indireto, com a luta histórica pela superação do
capitalismo e a construção de uma sociedade comunista.

Palavras-Chave: Novo Ensino Médio; Crise Estrutural do Capital; Área de Educação Física.
ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the potential implications of the new High School
Education, established through Law No. 13,415/2017, the National Curricular Common Base
(BNCC) for High School, and Resolution No. 3/2018, on the field of school Physical
Education, for the formation of the working class, within the context of the structural crisis of
capital. To accomplish this, we conducted a bibliographic and documentary research,
anchored in the onto-methodological assumptions established by Karl Marx and further
developed by the Hungarian philosopher György Lukács. Through the aforementioned study,
we observed that starting from the 1970s, with the onset of the structural crisis of capital,
international organizations began to exert a significant influence on the development of new
educational policies. These policies advocated for a school education based on competencies
and skills, which align with the new production relations engendered by Toyotism. For such a
demand, a versatile, flexible, and multifunctional worker is required – someone capable of
adapting to the constant changes in the world of labor and capitalist society. In this context,
we have identified that school education has been strongly subordinated to the interests of
capital. Within this framework, a new dynamic of organization and direction of the
educational process has emerged, leading to the depletion of scientific, artistic, philosophical,
and bodily cultural contents throughout students' schooling. This observation is evident
through the analysis of the new directives for High School education and their implications
for the formation of Brazilian youth. In parallel to this, we identified that Physical Education
has lost its compulsory status in the school curriculum. Its contents are now taught in High
School solely as studies and practices, similarly to the contents of Art, Sociology, and
Philosophy. As a result, we discern from this educational policy the provision of a school
education centered around the new demands of the labor market within the context of the
structural crisis of capital. This education is offered to the children of the working class as a
flexible, streamlined, and fragmented schooling, closely tied to values that align with political
emancipation. Thus, countering bourgeois society and education, we advocate for the
necessity of active resistance within education as a whole and within Physical Education in
particular. A revolutionary pedagogical praxis is essential – educational activities
characterized by their emancipatory nature, intricately linked, either directly or indirectly, to
the historical struggle for the transcendence of capitalism and the construction of a communist
society.
Keywords: New High School Education; Structural Crisis of Capital; Physical Education
Field.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BNCC Base Nacional Comum Curricular

CONFEF Conselho Federal de Educação Física

DCNEB Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica

DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio

DCR Documento Curricular Referencial

EC Emenda Constitucional

EJA Educação de Jovens e Adultos

EEEP Escolas Estaduais de Educação Profissional

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

FIES Fundo de Financiamento Estudantil

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MAIE Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino

MDB Movimento Democrático Brasileiro

MEC Ministério da Educação

MNDEM Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio

MP Medida Provisória

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OMC Organização Mundial do Comércio

OSM Organização Mundial da Saúde

OPAS Organização Pan-Americana da Saúde


PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais

PISA Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

PL Projeto de Lei

PNE Plano Nacional da Educação

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

PROUNI Programa Universidade para Todos

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica

SISU Sistema de Seleção Unificada

UECE Universidade Estadual do Ceará

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: DESENVOLVIMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO


E CATEGORIAL DA PESQUISA ...................................................................... 15

2 A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA


CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL: UM RESGATE HISTÓRICO À
LUZ DA ONTOLOGIA CRISE MARXIANA-LUKCASIANA......................... 25

2.1 O trabalho como complexo fundante do ser social .............................................. 25

2.2 A gênese ontológica do complexo da educação e a sua natureza essencial ......... 31

2.3 A relação entre trabalho e educação nas sociedades primitivas e de classes ...... 41

2.4 A relação entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do


capital.................................................................................................................... 50

3 O NOVO ENSINO MÉDIO E A LEGITIMAÇÃO DA DICOTOMIA


EDUCACIONAL NO BRASIL: UMA REORGANIZAÇÃO ESCOLAR
NECESSÁRIA PARA ATENDER ÀS NOVAS NECESSIDADES DO
CAPITAL ............................................................................................................. 66

3.1 O Ensino Médio brasileiro e a sua integração com a Educação Profissional a


partir da década de 1990: a ascensão das políticas públicas neoliberais no
país ........................................................................................................................ 66

3.2 A nova reforma do Ensino Médio: apontamentos sobre a conjuntura


política que resultou no golpe contra a democracia e a educação brasileira ..... 77

3.3 Do velho ao novo Ensino Médio: como resultado velhas implicações na


formação da classe trabalhadora e uma reorganização escolar para o
mercado de trabalho............................................................................................. 89

3.3.1 A organização do velho Ensino Médio regular diurno ............................................. 90

3.3.2 A organização do novo Ensino Médio regular diurno............................................ 102

4 UMA ANÁLISE SOBRE AS IMPLICAÇÕES DO NOVO ENSINO MÉDIO


NA ÁREA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A NECESSIDADE
ONTOLÓGICA DESSE COMPLEXO SOCIAL NA FORMAÇÃO
HUMANA ........................................................................................................... 123
4.1 A gênese ontológica da Educação Física enquanto um complexo social: uma
discussão a partir do trabalho e do desenvolvimento da cultura corporal....... 123

4.2 Apontamentos sobre o percurso histórico da Educação Física escolar no


Brasil e a necessidade ontológica desse complexo social na formação
humana ............................................................................................................... 136

4.3 O novo Ensino Médio e as suas implicações na área de Educação Física


escolar: formar para o mercado de trabalho ou para a emancipação
humana? ............................................................................................................. 149

4.3.1 Atividades educativas emancipadoras e a Educação Física escolar ........................ 168

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 178

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 183


15

1 INTRODUÇÃO: DESENVOLVIMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO E


CATEGORIAL DA PESQUISA

Esta dissertação tem como objeto de estudo O novo Ensino Médio e as suas
implicações na área de Educação Física escolar para a formação da classe
trabalhadora1. A pesquisa se insere, dentro de uma dimensão geral, no debate que trata sobre
a relação entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital, com um recorte
específico para a última etapa da Educação Básica2, no Brasil, o Ensino Médio, ofertado,
especialmente, para a juventude de 15 a 17 anos de idade. O estudo vinculou-se à Linha:
Trabalho, Educação e Movimentos Sociais e ao núcleo: Trabalho, Educação, Ontologia,
Estética e Formação Humana, do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
(MAIE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Desse modo, visamos, a partir desse estudo, dar continuidade aos resultados
iniciais que foram obtidos em torno desse tema com a realização de um artigo científico 3,
apresentado pelo autor desta pesquisa no I Congresso Internacional Virtual de Pesquisa, Pós-
graduação e Inovação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará,
ocorrido de 17 a 20 de novembro de 2020. Com base nisso, buscamos ampliar a discussão
crítica envolvendo os aspectos políticos, pedagógicos e ideológicos que estão relacionados
com o novo Ensino Médio, instituído durante o Governo de Michel Temer (2016-2019), do
partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB), por meio da Lei n. 13.415/2017, da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio e da Resolução n. 3/2018.
Para isso, apoiamo-nos em uma concepção de educação comprometida com os
interesses da classe trabalhadora, sendo esta crítica e revolucionária, diferenciando-se,
portanto, do modelo de educação conservadora e reacionária, defendida, amplamente, pela

1
O Guia de Normalização de Trabalhos Acadêmicos da UECE (FORTALEZA, 2022) estabelece três formas de
empregar ênfase ou destaque ao longo do texto, podendo ser por meio do uso de grifos, negrito ou itálico.
Optamos por usar o negrito tanto nas citações como nas palavras estrangeiras, assim como nos títulos das obras
anunciadas e nas outras partes textuais que consideramos importante deixar em destaque para o leitor.
2
A LDBEN n. 9.394/96 define que a educação escolar no Brasil é constituída em dois níveis: a Educação Básica
e a Educação Superior. No que concerne à Educação Básica podemos afirmar que esta é formada por três
etapas de ensino, sendo eles, respectivamente, a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio.
Nesse sentido, “A Educação Básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos
posteriores” (BRASIL, 2013).
3
Uma análise sobre as possíveis implicações da reforma do Ensino Médio na Educação Física Escolar. O
artigo foi apresentado no eixo temático Multidisciplinar, ficando em primeiro lugar entre os dez melhores
trabalhos apresentados neste eixo, o que garantiu a sua publicação como capítulo de livro (PEREIRA; VIDAL;
SANTOS, 2022). O trabalho foi orientado por duas professoras do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará (IFCE), campus Limoeiro do Norte, sendo elas a M.ª Maria Ozirene Maia Vidal e a M.ª
Luciana de Sousa Santos.
16

classe dominante como uma forma de assegurar a manutenção e a reprodução do sistema


capitalista e das relações do capital. Logo, tendo como base a ontologia marxiana-lukacsiana,
bem como os escritos de alguns dos seus intérpretes, tratamos sobre a educação e a Educação
Física escolar dentro de uma perspectiva emancipadora, sem cair no idealismo educacional ou
na argumentação reformista, que na luta pela superação do capitalismo substituiu a
centralidade do trabalho pela centralidade da política.
Posto isso, a discussão da problemática desta pesquisa inicia-se com a
apresentação do conteúdo encontrado nos termos do Art. 205 da Constituição Federal e do
Art. 2 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9.394/1996, cuja
legislação reconhece a educação escolar como um direito social, devendo ser ofertada visando
o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua
qualificação para o trabalho. Se afirmarmos que esses três objetivos são, realmente, atendidos
em nossa sociedade estaríamos cometendo um equívoco, considerando que a educação
escolar, nas condições históricas atuais, reduz-se ao preparo para o exercício da cidadania e a
qualificação dos estudantes, ainda que de forma precária, para o mercado de trabalho.
E o pleno desenvolvimento da pessoa? Esse é, certamente, um objetivo que a
educação escolar não pode alcançar no interior do capitalismo. E pelo fato de a sociedade
burguesa ser regida pela lógica do capital existe nela algumas barreiras que dificultam a
realização de uma educação que esteja, verdadeiramente, comprometida com o pleno
desenvolvimento das pessoas, isto é, com uma formação integral do ser humano, na qual ela
possa unir, ao decorrer do processo educativo, cabeça, corpo e fantasia (SANTOS, 2019).
Nessa perspectiva, Tonet (2016, p. 128) deixa claro que “[...] onde há divisão social do
trabalho, onde há desigualdade social, exploração e dominação do homem pelo homem, é
impossível uma educação voltada para a formação integral do ser humano”.

Disso emerge uma séria contradição entre o discurso vigente e a realidade, entre
igualdade material e igualdade formal. A sociedade burguesa reforça a ideia do
direito universal à educação e a necessidade de formação integral do ser
humano, porém, por ser regida pela lógica do capital, impõe obstáculos à
efetivação desse direito e impossibilita uma educação efetiva para a classe
trabalhadora [...] Uma vez que a educação está subordinada às leis do capital, que
este por sua vez se apresenta como a origem das desigualdades sociais, não seria
prudente esperar que o próprio sistema garanta a todos a igualdade no acesso e na
qualidade da educação [...] (SANTOS; SANTOS, 2021, p. 25, grifos nossos).

Esse é o discurso que está mascarado no interior das políticas educacionais,


principalmente, as que foram implementadas a partir dos anos 1970, período em que foi
instaurada a crise estrutural do capital, uma crise em que a “sua severidade pode ser medida
17

pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa,
como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio sistema do
capital” (MÉSZÁROS, 2000). O que há de novo nessa crise é que ela possui um caráter
universal e um alcance global, atingindo todos os complexos sociais e países. Além disso, a
sua escala de tempo é extensa e o seu modo de operar é rastejante, sendo uma crise de
natureza permanente, que tende a se agravar com o passar dos anos.
Como consequências, passamos a presenciar o aumento:

[...] do desemprego, porém agora de uma forma avassaladora e irreversível; a


precarização do trabalho; a corrosão dos direitos trabalhistas e sociais; a ampliação
do trabalho informal; o processo de mercantilização das empresas e serviços
públicos; uma produção cada vez mais destrutiva, ou seja, obrigada a tornar os bens
cada vez mais rapidamente obsoletos; uma competição cada vez mais violenta entre
as empresas e entre os Estados nacionais; a submissão mais direta dos Estados aos
interesses do capital e inúmeros outros fenômenos. Tudo isto, juntamente com o
enorme agravamento dos problemas sociais de toda ordem: miséria, pobreza,
fome, violências, degradação dos serviços de saúde, habitação, saneamento,
educação, etc. (TONET, 2016, p. 35, grifos nossos).

Nesse contexto, a crise estrutural do capital tem afetado a organização do processo


escolar, em especial no que diz respeito aos “[...] aspectos relativos às condições estruturais
das escolas e aos salários dos trabalhadores da educação, como também em relação aos
valores e às concepções que norteiam as práticas pedagógicas” (BERTOLDO; RABELO,
2021, p. 27). Diante disso, as políticas educacionais têm sido arquitetadas a partir das
orientações dos organismos internacionais, entre eles o Banco Mundial (BM), o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que
correlacionam às novas reformas educacionais com as ações de controle que são necessárias
para garantir as exigências mercadológicas da sociedade capitalista (XEREZ, 2013).
Desse modo, não é difícil perceber o alinhamento existente:

[...] entre as reformas nas áreas sociais, operadas pelo Estado brasileiro, e os
interesses do capital nacional e internacional. No campo educacional, esse
alinhamento pode ser constatado na relação existente entre a Lei nº
13.415/2017, o documento denominado Base Nacional Curricular Comum para
o Ensino Médio, e a Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016 [...] (SANTOS;
AMORIM, 2021, p. 27, grifos nossos).

Constata-se que as novas reformas educacionais, dentre elas a que constitui o


nosso objeto de estudo, surgem para que o Estado possa responder adequadamente às
necessidades formativas que são precisas para atender os interesses do capital. Como
consequência, a educação passou a ser percebida como um complexo social responsável por
18

reparar as mazelas sociais, em especial, as que são postas pela contradição fundamental entre
capital e trabalho. Isso nos leva a afirmar que o formato antigo do Ensino Médio brasileiro
não vinha atendendo, de forma precisa, às exigências do capital, precisando, portanto, ser
reorganizado para que pudesse ofertar para os alunos uma educação escolar voltada para
atender às novas necessidades do mercado de trabalho no contexto da crise atual.
Com base em Amorim (2018), Santos (2020) e Sobral (2021), reafirmamos, nesta
pesquisa, que a educação, enquanto uma dimensão da vida humana, deve estar voltada para a
formação humana, em outras palavras, conforme aponta Mészáros (2008), para a qualificação
dos indivíduos, para a vida e não apenas para o mercado de trabalho. Isso não implica, de
forma alguma, a negação da qualificação profissional, no entanto, o centro dessa perspectiva é
o desenvolvimento pleno dos seres humanos. A defesa desse ponto de vista vai de encontro
aos pressupostos encontrados no novo Ensino Médio, tendo em vista que esta política
educacional legitima o esvaziamento dos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da
cultura corporal4 na formação dos alunos nessa etapa de ensino.
Nesse viés, o discurso encontrado no interior do novo Ensino Médio, de estar
ofertando uma educação integral para os alunos, pode ser compreendido como uma falácia,
tendo em vista que alguns conhecimentos que são considerados até mesmo como clássicos 5, a
exemplo, da Filosofia, da Sociologia, da Arte e da Educação Física, passaram a ter a sua
oferta reduzida no currículo escolar. Desse modo, os estudantes terão acesso, no decorrer dos
três anos do Ensino Médio, a uma formação escolar flexível, com a valorização do
desenvolvimento de competências e habilidades, principalmente daquelas que são necessárias
para o ajustamento da juventude às novas relações de produção que o mercado de trabalho
brasileiro precisa no contexto da crise estrutural do capital.
Perante o exposto, parece-nos que o ponto central do novo Ensino Médio é, então,
a flexibilização dos conhecimentos no currículo escolar, que passa a afetar, principalmente, a
formação da classe trabalhadora, uma vez que o público-alvo dessa política educacional são

4
O termo cultura corporal refere-se à área de conhecimento que trata, pedagogicamente, a Educação Física no
espaço escolar, possibilitando para os alunos a vivência e a compreensão crítica das práticas corporais como os
jogos, os esportes, as danças, as lutas e as ginásticas. A perspectiva da cultura corporal é assumida pela
Pedagogia Crítico-Superadora, elaborada por um Coletivo de Autores (Carmen Lúcia Soares; Celi Nelza Zulke
Taffarel; Elizabeth Varjal; Lino Castellani Filho; Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht), responsáveis pelo
Livro Metodologia do Ensino de Educação Física (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Essa teoria pedagógica
pauta-se no Materialismo Histórico Dialético e situa-se no campo das teorias críticas da educação, tendo como
referência as concepções filosóficas desenvolvidas por Dermeval Saviani (CASTELLANI FILHO, 1999).
5
A respeito disso, Saviani (2013, p. 13, grifos nossos) afirma que “O clássico não se confunde com o tradicional
e também não se opõe, necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é aquilo que se firmou
como fundamental, como essencial. Pode, pois, constituir-se num critério útil para a seleção dos conteúdos do
trabalho pedagógico”.
19

as escolas públicas e não as particulares. Estas últimas, certamente, sofrerão algumas


alterações, que não afetará o direcionamento do seu ensino, pois o foco permanecerá na oferta
de uma educação propedêutica, com a valorização dos conhecimentos clássicos que são
necessários para que os seus alunos cheguem ao Ensino Superior. Por outro lado, a escola
pública organizará o seu currículo sem perder de vista a oferta da educação profissionalizante,
formação que tem sido historicamente destinada para a classe trabalhadora.
Apresentados esses elementos em torno da problemática da pesquisa, buscaremos
com essa investigação compreender, de forma mais detalhada, quais são as reverberações do
novo Ensino Médio na área de Educação Física escolar para a formação da classe
trabalhadora. Cabe deixar claro que não pretendemos, com a realização desse estudo,
contribuir com os argumentos que buscam reforçar a legitimação da Educação Física no
interior da escola capitalista, pois apenas o capital pode fazer isso. Dessa forma, quando a
Educação Física mostrou ser necessária para consolidação e para o desenvolvimento da
sociedade capitalista, ela teve a sua legitimidade garantida no espaço escolar, isso aconteceu
na Europa, onde ela foi sistematizada como área de conhecimento, e, também, no Brasil.
Nesse sentido, Mello (2014, p. 13-14, grifos nossos) ressalta que:

Uma perspectiva de pesquisa crítica e revolucionária não deve perguntar pela


legitimidade da Educação Física, mas por sua necessidade histórica,
compreendendo que em uma sociedade de classes as necessidades são, em
regra, antagônicas. Logo, é necessário se perguntar qual é o projeto histórico
que objetivamos. Nos termos do materialismo histórico fundado por Marx e Engels,
essa objetivação não pode ser posta como posição de um desejo arbitrário, mas sim
no âmbito das possibilidades históricas contidas no socialmente existente e nos
desdobramentos que nelas estão inscritas. Daí a importância de termos clareza
sobre as posições fins que almejamos nas nossas práticas sociais, ainda que
estas não se apresentem como de um devir imediato.

A autora segue afirmando, ainda, que é:

[...] fundamental ter a compreensão de que a escola é apenas um complexo


parcial da totalidade social e que a sua “legitimidade” e a “legitimidade” de
suas disciplinas são mediadas por essa totalidade. Ao deslocar a questão da
legitimidade para a necessidade histórica, a discussão ganha um novo patamar:
em vez de buscar compreender a legitimidade da Educação Física por ela
mesma (autonomia), é preciso compreender que essa legitimidade é dada pela
dinâmica da totalidade social capitalista, de acordo com os interesses de seus
agentes. Esses interesses se modificam buscando o que é ou não necessário para a
produção e realização da mais-valia, ou seja, para o incessante processo de
valorização do valor (MELLO, 2014, p. 188, grifos nossos).
20

A partir da problemática exposta acima, anunciamos a questão central que nos


motivou a desenvolver essa pesquisa, a saber: Quais são as possíveis implicações do novo
Ensino Médio, instituído por meio da Lei n. 13.415/2017, da BNCC do Ensino Médio e da
Resolução n. 3/2018, na área de Educação Física escolar para a formação da classe
trabalhadora no contexto da crise estrutural do capital? A partir dessa pergunta, buscamos
responder às seguintes questões norteadoras: Qual é a relação estabelecida entre a crise
estrutural do capital e as novas mudanças no mundo do trabalho e no complexo da educação?
Qual é o espaço que o complexo da Educação Física ocupa ontologicamente na formação
humana na sua relação com o complexo do trabalho?
Assim sendo, propomos como objetivo geral: Analisar as possíveis implicações
do novo Ensino Médio, instituído por meio da Lei n. 13.415/2017, da BNCC do Ensino
Médio e da Resolução n. 3/2018, na área de Educação Física escolar para a formação da
classe trabalhadora no contexto da crise estrutural do capital.
Os objetivos específicos delineiam-se da forma como se segue:
1) Examinar a relação que é estabelecida entre a crise estrutural do capital e as
novas mudanças no mundo do trabalho e no complexo da educação;
2) Levantar as possíveis implicações do novo Ensino Médio na disciplina de
Educação Física para a formação da classe trabalhadora;
3) Discutir a necessidade ontológica do complexo da Educação Física na
formação humana na relação com o complexo do trabalho.
Para o desenvolvimento do estudo, tomamos como base os fundamentos onto-
metodológicos instaurados por Karl Marx, bem como a recuperação ontológica desenvolvida
pelo filósofo húngaro György Lukács na sua obra Para uma Ontologia do Ser Social. Nesse
sentido, a nossa discussão parte da reafirmação do trabalho como complexo fundante do ser
social e de qualquer forma de sociabilidade que possa existir. Para isso, recorremos à
ontologia marxiana-lukacsiana por reconhecermos que há nessa teoria um novo padrão
científico e filosófico de produção de conhecimento, cujo eixo central da investigação é o
próprio objeto investigado, condição necessária para que o pesquisador possa compreender o
objeto em estudo como ele é na sua essência real.
Temos ciência de que existem outras teorias que buscam compreender e explicar a
realidade social, porém, entendemos que a teoria marxiana-lukacsiana é a que melhor cumpre
essa função, por desvendar o seu objeto de estudo de forma rigorosa e por pensar, dentro de
uma perspectiva crítica e revolucionária, o futuro da humanidade. Dessa forma, podemos
afirmar que o padrão de produção de conhecimento que nos apoiamos se insere no contexto
21

da luta de classes, atendendo os anseios da classe trabalhadora, diferenciando-se, portanto,


dos padrões e das teorias que são defendidas pela classe dominante, os quais não possibilitam
a compreensão do objeto investigado como ele é, verdadeiramente, visto que a problemática
do conhecimento é abordada apenas do ponto de vista gnosiológico e não ontológico.
A respeito disso, Tonet (2016, p. 15-16, grifos nossos) nos esclarece que:

A problemática do conhecimento se resume, em seus termos mais essenciais, à


relação entre sujeito e um objeto. Simplificando, ainda, podemos dizer que, nessa
relação, o peso maior (prioridade) pode estar do lado do sujeito ou do objeto. Trata-
se, portanto, aqui da resposta à pergunta: quem é o polo regente do processo de
conhecimento? No primeiro caso teremos um ponto de vista gnosiológico. No
segundo caso, um ponto de vista ontológico [...] Ponto de vista gnosiológico é,
pois, a abordagem de qualquer objeto a ser conhecido que tem como eixo o
sujeito [...] Enfatiza-se, neste caso, não só o caráter ativo do sujeito no processo de
conhecimento, mas especialmente o fato de que é ele que constrói (teoricamente) o
objeto. O sujeito é o polo regente do processo de conhecimento. É ele que colhe
os dados, classifica, ordena, organiza, estabelece as relações entre eles e, desse
modo, diz o que o objeto é [...] Ponto de vista ontológico é, por sua vez, a
abordagem de qualquer objeto tendo como eixo o próprio objeto [...] o ponto de
vista ontológico implica a subordinação do sujeito ao objeto, vale dizer que, no
processo de conhecimento, o elemento central é o objeto. Nesse sentido, não cabe
ao sujeito criar – teoricamente – o objeto, mas traduzir, sob a forma de
conceitos, a realidade do próprio objeto.

Com base nisso, utilizamos para o desenvolvimento dessa pesquisa uma


abordagem de caráter ontológico, no qual consideramos ao decorrer das análises realizadas os
aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais, bem como os dados quanti-qualitativos
que permeiam o objeto de estudo, aqui, investigado, condição necessária para que pudéssemos
realizar uma crítica radical à sociedade e à educação burguesa. A partir disso, podemos
afirmar que a realização de um estudo baseado nos fundamentos onto-metodológicos é o que
melhor consegue compreender a realidade social e o complexo da educação e da Educação
Física na sua essência, no seu movimento histórico, permitindo, nesse caso, que o pesquisador
conheça as articulações desses dois complexos com a totalidade social.
Feito esses esclarecimentos a respeito da concepção teórica e metodológica que
nos apoiamos, cabe, neste momento, descrevermos os procedimentos utilizados para coletar
os dados necessários para a compreensão do nosso objeto de estudo. A priori, realizamos uma
pesquisa bibliográfica, na qual selecionamos um conjunto de trabalhos científicos já
publicados, de forma impressa e eletrônica, como livros, artigos, teses e dissertações. Essas
produções serviram de subsídios para que pudéssemos fundamentar de forma consistente a
discussão que girou em torno de três categorias de análises: 1) a relação entre trabalho e
22

educação no contexto da crise estrutural do capital, 2) a Educação Física na educação


brasileira e 3) a formação humana à luz da ontologia marxiana-lukacsiana.
Para tratarmos sobre a relação entre trabalho e educação, no contexto da crise
estrutural do capital, utilizamos os escritos de Antunes (2009), Maia Filho, Mendes Segundo e
Rabelo (2016), Netto e Braz (2006), Rafael, Ribeiro e Mendes Segundo (2017), Lessa e Tonet
(2012) e Tonet (2016). A discussão acerca da Educação Física na educação brasileira teve
como base os trabalhos de Castellani Filho (1999, 2013), Coletivo de Autores (1992),
Ghiraldelli Junior (1991), Mello (2014), Soares (2012) e a obra organizada por Maia e
Menezes (2021). A formação humana à luz da ontologia marxiana-lukacsiana foi discutida a
partir dos estudos realizados por Bertoldo (2015), Lima e Jimenez (2011), Rossi (2018), Rossi
e Filho (2019), Lukács (2013), Tonet (2005, 2016) e Santos (2017, 2019, 2020).
A posteriori, realizamos uma pesquisa documental, a qual permitiu que
compreendêssemos com riqueza de detalhes as determinações que os documentos formais,
responsáveis por instituírem o novo Ensino Médio, expressam no seu interior. Dessa forma,
analisamos a Lei n. 13.415/2017, a BNCC do Ensino Médio e a Resolução n. 3/2018 que
atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). Ao estudarmos
esses documentos, buscamos empregar uma postura crítica, uma vez que eles são “[...]
mediações e, como tais, manifestações parciais de uma totalidade complexa, firmada na base
produtiva da sociedade numa certa época e que se desdobram em diferentes aspectos,
econômicos, políticos e sociais” (FARIAS; BEZERRA, 2011, p. 45).
No que concerne à sua justificativa, o trabalho possui relevância acadêmica por
tratar sobre um tema atual no interior das políticas educacionais, tendo em vista que o novo
Ensino Médio foi aprovado em 2017, passando a ser implementado a partir de 2022,
constituindo-se, dessa forma, como um assunto a ser explorado pelas novas pesquisas
educacionais. Com base nisso, elencamos os propósitos da investigação visando trazer à tona
resultados que possam contribuir para uma melhor compreensão dos aspectos políticos,
pedagógicos e ideológicos vinculados ao novo Ensino Médio e que reverberam, em especial,
na área de Educação Física escolar e na formação que é ofertada para os filhos da classe
trabalhadora no atual contexto da crise estrutural do capital.
Outrossim, no âmbito social, o estudo ganha importância por defender uma
educação escolar que se contraponha às relações capitalistas e à lógica do capital, e que se
coloque à frente, mesmo ciente dos obstáculos postos pelo Estado, em defesa da formação e
23

da emancipação humana6. Logo, acreditamos que apenas com a instauração de uma nova
forma de sociabilidade, para além e superior ao capitalismo, é que os homens poderão receber
uma educação voltada para o desenvolvimento das inúmeras potencialidades do ser social,
tendo acesso, a partir da educação, em especial a de sentido estrito, aos conhecimentos
científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal, necessários para a formação plena do
indivíduo e para a sua constituição como membro partícipe do gênero humano.
No que concerne a sua organização, o trabalho é composto por cinco capítulos,
sendo o primeiro a Introdução, no qual apresentamos o nosso objeto de estudo, o
envolvimento do autor com o tema e a concepção de educação que defendemos. Em seguida
discutimos a problemática da investigação, expondo a questão central e as questões
norteadoras, bem como os objetivos elencados para a realização do estudo. Após isso,
expomos a concepção teórica e metodológica que nos amparamos e os procedimentos
realizados para coletar os dados sobre a realidade investigada, sendo eles a pesquisa
bibliográfica e a documental. Assim, encerramos a introdução apresentando as justificativas e
a forma como os capítulos do estudo estão estruturados.
O segundo capítulo, A relação entre trabalho e educação no contexto da crise
estrutural do capital: um resgate histórico à luz da ontologia marxiana-lukacsiana,
encontra-se dividido em quatro seções. Na primeira, discorremos sobre o trabalho enquanto
complexo fundante do ser social; na segunda, discutimos sobre a gênese ontológica do
complexo da educação e a sua natureza essencial no processo de reprodução social.
Avançando com a discussão, na terceira seção, abordamos sobre a relação entre trabalho e
educação nas sociedades primitivas e de classes. Por fim, na última seção, tratamos sobre a
relação entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital, destacando as suas
implicações no mundo do trabalho e na organização da educação escolar no Brasil.
O terceiro capítulo, O novo Ensino Médio e a legitimação da dicotomia
educacional no Brasil: uma reorganização escolar necessária para atender às novas
necessidades do capital, encontra-se organizado em três seções. Na primeira seção,
abordamos sobre a articulação do Ensino Médio com a Educação Profissional a partir dos
anos 1990. Em seguida, na segunda seção, discorremos sobre a conjuntura política que deu

6
É preciso que fique claro que a emancipação humana é, para Marx (2010), o mesmo que comunismo, ou seja,
uma nova forma de sociabilidade em que a produção material da existência humana passa a ser organizada a
partir do trabalho associado, superando, assim, as relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem. Com isso, as forças produtivas e as relações de produção passam a estar voltadas para satisfazerem as
necessidades humanas e não as que são necessárias para a reprodução do capital. Neste contexto, podemos
afirmar, com base em Marx (1985), que o trabalho abstrato, produtor de valores de troca, passa a desaparecer,
cedendo espaço para o trabalho concreto, produtor de valores de uso.
24

origem à reforma do governo de Michel Temer responsável por instituir o novo Ensino
Médio. Na última seção, realizamos um apanhado geral sobre as implicações dessa política
educacional na formação da classe trabalhadora, no qual discutimos a relação do novo Ensino
Médio com as divisões sociais realizadas no interior do complexo da educação.
O quarto capítulo, Uma análise sobre as implicações do novo Ensino Médio na
área de Educação Física escolar e a necessidade ontológica desse complexo social na
formação humana, é composto, também, por três seções. Na primeira, abordamos sobre a
gênese ontológica da Educação Física enquanto um complexo social; na segunda, tratamos
sobre o percurso histórico da Educação Física na educação brasileira e a sua necessidade
ontológica na formação humana. Em seguida, na terceira seção, discorremos sobre as
implicações do novo Ensino Médio na área de Educação Física escolar. Finalizamos a
discussão, defendendo uma práxis docente que tenha como fim maior da educação e da
Educação Física a emancipação humana e não apenas o mercado de trabalho.
O último capítulo, Considerações Finais, é iniciado com o resgate do nosso
objeto de estudo e dos pressupostos teóricos e metodológicos, que nos ancoramos para a
realização dessa dissertação, desenvolvida no MAIE da UECE. Apontamos, também, os
principais resultados alcançados com a pesquisa, tendo como ponto de referência as questões
e os objetivos que foram apresentados neste capítulo. Por fim, destacamos as contribuições do
estudo para o avanço do conhecimento científico na área da educação e, principalmente, na
área da Educação Física escolar. Concluímos o último capítulo, expondo as fragilidades da
pesquisa e algumas recomendações para os pesquisadores que pretendem contribuir com a
construção do conhecimento científico envolvendo essa temática.
25

2 A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO E EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA CRISE


ESTRUTURAL DO CAPITAL: UM RESGATE HISTÓRICO À LUZ DA
ONTOLOGIA MARXIANA-LUKCASIANA

Este capítulo encontra-se organizado em quatro seções, na 2.1 discorremos sobre


o trabalho enquanto complexo fundante do ser social; na 2.2 discutimos sobre a gênese
ontológica do complexo da educação e a sua natureza essencial no processo de reprodução
social; na 2.3 abordamos sobre a relação entre trabalho e educação nas sociedades primitivas e
de classes; na 2.4 tratamos sobre a relação entre trabalho e educação no contexto da crise
estrutural do capital, deixando claro as suas implicações no mundo do trabalho e na
organização da educação escolar no Brasil a partir dos anos 1970.

2.1 O trabalho como complexo fundante do ser social

O presente capítulo tem início com a discussão do trabalho como complexo


fundante do ser social. Para o seu desenvolvimento nos ancoramos, em especial, nos
fundamentos formulados por Marx (1985) no volume um do livro O capital, e nos
pressupostos ontológicos recuperados por Lukács (2013) no volume dois da obra Para uma
ontologia do ser social. A escolha por esse caminho se justifica pelo fato de o trabalho ser o
centro da humanização do homem, sendo este o complexo social que permitiu a transição do
ser natural ao ser social. Com base nisso, “[...] parece, pois, metodologicamente vantajoso
iniciar pela análise do trabalho, uma vez que o esclarecimento de suas determinações resultará
num quadro bem claro dos traços essenciais do ser social” (LUKÁCS, 2013, p. 44).
Dessa forma, é abordado, nesta seção, o trabalho na sua forma originária,
compreendido à luz da ontologia marxiana-lukacsiana como o intercâmbio material do
homem com a natureza para garantir a satisfação das suas necessidades e, consequentemente,
a reprodução do ser social e a sua elevação a patamares superiores. Sobre esse aspecto,
referimo-nos, por ora, ao trabalho como produtor de valor de uso e não de troca como
passamos a encontrar nas formas mais desenvolvidas e complexas de organização social.
Posto isso, podemos afirmar, indubitavelmente, que o trabalho se constitui como algo
ineliminável da vida do ser social, o qual o acompanhará até o fim da existência humana.
Nesse viés, Marx (1985, p. 149, grifos nossos) compreende o trabalho como sendo:
26

[...] um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem,


por sua própria ação, media, regula e controla o seu metabolismo com a
Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural.
Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços e
pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para
sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa
a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza.

O filósofo alemão segue acrescenta, para mais, que:

O processo de trabalho [...] é atividade orientada a um fim para produzir valores de


uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição
universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural eterna da
vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes
igualmente comum a todas as suas formas sociais (MARX, 1985, p. 153).

O trabalho, sobre esta lógica, se diferencia das formas instintivas de trabalho que
são realizadas por algumas espécies de animais, como a casa construída pelo pássaro João-de-
barro, as colmeias realizadas pelas abelhas e uma teia edificada por uma aranha. Essas formas
de trabalho são apenas atividades naturais, instintivas, tendo em vista que esses animais já
nascem com uma herança genética determinada que os levam a realizar essas atividades para
que as suas necessidades sejam atendidas na natureza. Assim, “[...] numa relação imediata
entre o animal e o seu meio ambiente (os animais atuam diretamente sobre a matéria natural)
e satisfazem, sob formas em geral fixas, necessidades biologicamente estabelecidas [...]”
(NETTO; BRAZ, 2006, p. 30, grifos dos autores).

Resumindo: só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo


mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário, modifica a natureza e a
obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferença essencial
entre o homem e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do
trabalho (ENGELS, 1876, p. 7, grifos nossos).

Portanto, o trabalho caracteriza-se como uma atividade exercida unicamente pelos


homens, diferenciando-se de qualquer outro ato natural, pois o trabalho realizado pelo homem
é orientado a um fim específico, constituindo-se, então, como um processo teleológico, que
surge na consciência do indivíduo a partir das necessidades cotidianas, permitindo que ele
possa projetar de forma ideal e prévia a finalidade de uma ação. Essa ação, ao ser executada,
tem como produto uma objetivação, isto é, a transformação da natureza e do próprio
indivíduo, tendo em vista que o homem passa a adquirir novos conhecimentos, novas
habilidades e novos valores. Assim sendo, ao considerar o trabalho como uma atividade
exclusivamente humana, Marx (1985, p. 149, grifos nossos) ressalta que:
27

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha


mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o
que o distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o
favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho
obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do
trabalhador, e portanto, idealmente.

Essa citação deixa claro que o homem é um ser que possui consciência, um
atributo que lhe possibilita realizar diferentes mediações com a natureza, permitindo que ele
possa responder de maneira sempre nova às situações que são postas pela vida. A partir do
trabalho ele busca atender às suas necessidades, transformando a natureza de forma
consciente a seu favor e não apenas se adaptando a ela como ocorre com os animais. Diferente
dos homens, os animais, para que possam realizar novas formas de interação com o ambiente,
precisam que as suas determinações genéticas sofram alterações, de tal forma que seja
possível realizar novos comportamentos naturais, que possam, consequentemente, assegurar a
sua sobrevivência e a reprodução da sua espécie, que é meramente biológica.
Diante do que já expomos, podemos afirmar, com base em Marx (1985) e em
Lukács (2013), que o trabalho é o complexo responsável por fazer com que a espécie humana
se transformasse em um novo tipo de ser, diferente do natural, sendo este o ser social,
possuidor de uma consciência que o leva a se relacionar com a natureza de forma diferente
dos demais animais, uma vez que a sua ação é orientada teleologicamente, ou seja, projetada
no pensamento do indivíduo para que ele possa alcançar os fins estabelecidos. Logo, “Só
podemos falar racionalmente do ser social quando concebemos que a sua gênese, o seu
distinguir-se da sua própria base, seu tornar-se ser autônomo baseiam-se no trabalho, isto é, na
contínua realização de pores teleológicos” (LUKÁCS, 2013, p. 52).
Nessa perspectiva, Marx e Engels (2007, p. 87, grifos nossos) ressaltam que:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo
que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo
começam a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua
organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem,
indiretamente, sua própria vida material. O modo pelo qual os homens produzem
seus meios de vida depende, antes de tudo, da própria constituição dos meios de
vida já encontrados e que eles têm de reproduzir. Esse modo de produção não
deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da
existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua
atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo
de vida desses indivíduos. Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são
eles. O que eles são coincide, pois, com sua produção, tanto com o que
produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são,
portanto, depende das condições materiais de sua produção.
28

Dessa maneira, temos, então, com o trabalho a transformação do ser orgânico em


um ser social, realizado a partir de um salto ontológico, do qual, como afirma Lukács (2013),
não podemos obter um conhecimento exato dessa transformação. “É preciso, pois, ter sempre
presente que se trata de uma transição à maneira de um salto – ontologicamente necessário –
de um nível de ser a outro, qualitativamente diferente” (LUKÁCS, 2013, p. 43). Ao tratar
sobre a transição e a sua relação com as três esferas ontológicas (a inorgânica, a orgânica e a
social), Lukács (2013, p. 62) nos esclarece que “[...] a atividade do ente natural homem sobre
a base do ser inorgânico e o orgânico dele originado faz surgir um estágio específico do ser,
mais complicado e mais complexo, precisamente o ser social”.
Paralelo a isso, Netto e Braz (2006, p, 37-38, grifos nossos) afirmam que:

O surgimento do ser social foi o resultado de um processo mensurável numa


escala de milhares de anos. Através dele, uma espécie natural, sem deixar de
participar da natureza, transformou-se, através do trabalho, em algo diverso da
natureza – mas essa transformação deveu-se à sua própria atividade, o trabalho: foi
mediante o trabalho que os membros dessa espécie se tornaram seres que, a
partir de uma base natural (seu corpo, suas pulsões, seu metabolismo etc),
desenvolveram características e traços que os distinguem da natureza. Trata-se
do processo no qual, mediante o trabalho, os homens produziram-se a si
mesmos (isto é, se autoproduziram como resultado de sua própria atividade),
tornando-se – para além de seres naturais – seres sociais. Numa palavra, este é o
processo da história: o processo pelo qual, sem perder sua base orgânico-natural,
uma espécie da natureza constituiu-se como espécie humana – assim, a história
aparece como a história do desenvolvimento do ser social, como processo de
humanização, como processo de produção da humanidade através da sua auto-
atividade; o desenvolvimento histórico é o desenvolvimento do ser social.

Diante disso, fica claro que o trabalho foi a categoria decisiva para a humanização
do homem, sendo a base que fez com que os grupos de primatas se transformassem em
humanos, com condições para construir as suas próprias ferramentas e os meios necessários
para garantir a existência e a reprodução do ser social, o que passou a ser possível a partir das
novas formas de interação do homem com a natureza e com os próprios homens, sendo o
trabalho considerado, conforme aqui estamos discutindo, um veículo que está voltado para a
autoconstrução plena do ser social. Cabe, nesse momento, uma pergunta: por que o trabalho
ocupa um lugar privilegiado na formação do ser social e não outras categorias como a
linguagem, a cooperação ou a própria divisão social do trabalho?

A resposta, em termos ontológicos, é mais simples do que possa parecer à primeira


vista: todas as outras categorias dessa forma de ser têm já, em essência, um
caráter puramente social; suas propriedades e seus modos de operar somente se
desdobram no ser social já constituído; quaisquer manifestações delas, ainda
que sejam muito primitivas, pressupõem o salto como já acontecido. Somente o
trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter de transição: ele é,
29

essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto


inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto do trabalho etc.) como orgânica, inter-
relação que pode figurar em pontos determinados da cadeia a que nos referimos, mas
antes de tudo assinala a transição, no homem que trabalha, do ser meramente
biológico ao ser social (LUKÁCS, 2013, p. 44, grifo nosso).

A partir de Netto e Braz (2006), afirmamos que o homem passou a se diferenciar


dos outros tipos de ser por conseguir realizar: 1) atividades teleologicamente orientadas a um
fim específico, 2) objetivar-se material e imaterial, 3) comunicar-se e expressar-se pela
linguagem articulada, 4) tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo, consciente e
autoconsciente, 5) escolher entre alternativas concretas 6) universalizar-se e 7) socializar-se.
Seguindo essa lógica, Lukács (2013) reconhece o trabalho como o modelo de toda práxis
social, uma vez que ao fundar o ser social o trabalho não esgotou as potencialidades desse
novo ser, gerando, com isso, novas necessidades e possibilidades que não podem ser
atendidas no âmbito do trabalho na sua forma originária.
Desse modo, Netto e Braz (2006, p. 45, grifos nossos) ressaltam que:

O desenvolvimento do ser social implica o surgimento de uma racionalidade, de


uma sensibilidade e de uma atividade que, sobre a base necessária do trabalho,
criam objetivações próprias. No ser social desenvolvido, o trabalho é uma das suas
objetivações – e [...] quanto mais rico o ser social, tanto mais diversificadas e
complexas são as suas objetivações. O trabalho, porém, não só permanece como
objetivação fundante e necessária do ser social – permanece, ainda, como o que
se poderia chamar de modelo das objetivações do ser social, uma vez que todas
elas supõem as características constitutivas do trabalho (a atividade teleologicamente
orientada, a tendência à universalização e a linguagem orientada).

Sobre esta perspectiva, os autores acrescentam, que:

Para denotar que o ser social é mais que trabalho, para assinalar que ele cria
objetivações que transcendem o universo do trabalho, existe uma categoria teórica
mais abrangente: a categoria de práxis. A práxis envolve o trabalho, que, na
verdade, é o seu modelo – mas inclui muito mais que eles: inclui todas as
objetivações humanas (NETTO; BRAZ, 2006, p. 45, grifos nossos).

Com o desenvolvimento do ser social e o avanço das forças produtivas, novas


formas e espaços foram criados para que a práxis pudesse ser realizada pelos homens,
transcendendo, então, o trabalho na sua forma originária, compreendido como a
transformação da natureza para produção dos bens necessários à existência humana. Como
resultado, novos complexos sociais foram criados para integrar a totalidade social, dentre eles
a educação, a Educação Física, a arte, a religião, a política, o direito e o Estado. Essas novas
dimensões da vida humana possibilitaram a realização de outras formas de objetivações,
30

necessárias para satisfazer as necessidades e as possibilidades originadas a partir do trabalho,


mas que não podem ser atendidas no seu interior.

É, portanto, a partir do trabalho que surgem todos esses outros momentos da


realidade social. Cada um com uma natureza e uma função próprias na
reprodução do ser social. Desse modo, podemos dizer que entre o trabalho e as
outras atividades existe uma relação de dependência ontológica, de autonomia
relativa e de determinação recíproca. Dependência ontológica de todas elas em
relação ao trabalho, pois este constitui o seu fundamento. Autonomia relativa,
pois cada uma delas cumpre uma função que não resulta mecanicamente de sua
relação com o trabalho. Determinação recíproca, pois todas elas, inclusive o
trabalho, se relacionam entre si e se constituem mutuamente nesse processo
(TONET, 2016, p. 120, grifos nossos).

Nesse sentido, ao considerar o trabalho como modelo de toda práxis social,


Lukács (2013) afirma existir dois tipos de posições teleológicas: a primária e a secundária. É
preciso compreender bem essas duas formas do agir humano para evitarmos a reprodução de
um equívoco encontrado no interior do marxismo, que é o reconhecimento de alguns
complexos sociais como trabalho, a exemplo, a educação 7. Pois bem, voltando para a
distinção das posições teleológicas, Lukács (2013, p. 83) reconhece à primeira “[...] como um
processo entre atividade humana e natureza: seus atos estão orientados para a transformação
da natureza em valores de uso”. Consequentemente, apenas as objetivações humanas que se
enquadram nesse tipo de posição teleológica é que são, realmente, consideradas trabalho.
Por outro lado, as posições teleológicas secundárias:

[...] destaca-se em primeiro plano a ação sobre outros homens, cujo objetivo é,
em última instância – mas somente em última instância –, uma mediação para a
produção de valores de uso. Também nesse caso o fundamento ontológico-
estrutural é constituído pelos pores teleológicos e pelas cadeias causais que eles
põem em movimento. No entanto, o conteúdo essencial do pôr teleológico nesse
momento – falando em termos inteiramente gerais e abstratos – é a tentativa de
induzir outra pessoa (ou grupo de pessoas) a realizar, por sua parte, pores
teleológicos concretos [...] Os pores teleológicos que aqui se verificam realmente
têm um caráter secundário do ponto de vista do trabalho imediato; devem ter sido
precedidos por um pôr teleológico que determinou o caráter, o papel, a função etc.
dos pores singulares, agora concretos e reais, orientados para um objeto natural.
Desse modo, o objeto desse pôr secundário do fim já não é mais algo puramente
natural, mas a consciência de um grupo humano; o pôr do fim já não visa a
transformar diretamente um objeto natural, mas, em vez disso, a fazer surgir
um pôr teleológico que já está, porém, orientado a objetos naturais; da mesma
maneira, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos naturais,
mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outros homens
(LUKÁCS, 2013, p. 83-84, grifos nossos).

7
Na próxima seção esclarecemos melhor essa questão.
31

Em caráter de síntese, a posição teleológica primária diz respeito ao intercâmbio


material do homem com a natureza para extrair dessa atividade os elementos necessários para
a satisfação das necessidades humanas, transformando, dessa forma, objetos naturais em
valores de uso. Por outro lado, a posição teleológica secundária é aquela que visa desenvolver
novas formas de comportamento humano, influenciando os homens a realizarem determinadas
posições, nas quais, nesse grupo de atividades, encontramos a educação e a Educação Física,
assim como o direito, a religião, a arte, a ciência e a política. Logo, no primeiro tipo de
posição teleológica, o sujeito da ação é o homem e a natureza é o objeto; no segundo tipo de
posição teleológica o homem é o sujeito da ação e ao mesmo tempo o objeto.
Embora tenhamos, neste momento, correlacionando as posições teleológicas
secundárias como sendo exercidas no interior dos novos complexos sociais, temos ciência de
que elas já eram realizadas nos estágios iniciais8 de desenvolvimento do ser social. No
entanto, o próprio Lukács (2013, p. 84) deixa claro que “[...] os pores teleológicos secundários
estão muito mais próximos da práxis social dos estágios mais evoluídos do que o próprio
trabalho no sentido que aqui o entendemos”. Posto isso, esperamos ter elucidado o que é o ser
social e quais são as determinações mais gerais dessa nova forma de ser fundada a partir do
trabalho. Por conseguinte, abordaremos, na próxima seção, sobre a gênese ontológica do
complexo da educação e sua natureza essencial no processo de reprodução social.

2.2 A gênese ontológica do complexo da educação e a sua natureza essencial

Analisamos, nesta seção, o complexo da educação em Lukács (2013), tendo como


base as reformulações apresentadas por este autor no volume dois do livro Para uma
ontologia do ser social. Cabe destacar, inicialmente, que Lukács9 não escreveu nenhum texto
específico tratando sobre o complexo da educação, porém, encontramos na obra mencionada

8
Nesse sentido, Lukács (2013, p. 83-83, grifos nossos) menciona, como exemplo, a caça realizada no período
paleolítico, no qual as “[...] dimensões, a força e a periculosidade dos animais a serem caçados tornam necessária
à cooperação de um grupo de homens. Ora, para essa cooperação funcionar, eficazmente, é preciso distribuir os
participantes de acordo com funções (batedores e caçadores). Os pores teleológicos que aqui se verificam
realmente têm um caráter secundário do ponto de vista do trabalho imediato; devem ter sido precedidos
por um pôr teleológico que determinou o caráter, o papel, a função etc. dos pores singulares, agora
concretos e reais, orientados para um objeto natural. Desse modo, o objeto desse pôr secundário do fim já
não é mais algo puramente natural, mas a consciência de um grupo humano; o pôr do fim já não visa a
transformar diretamente um objeto natural, mas, em vez disso, a fazer surgir um pôr teleológico que já está,
porém, orientado a objetos naturais; da mesma maneira, os meios já não são intervenções imediatas sobre objetos
naturais, mas pretendem provocar essas intervenções por parte de outros homens”.
9
“Lukács, apesar de não ter se dedicado exclusivamente à reflexão educacional, apresenta elementos
fundamentais para a compreensão desta temática ao ter se dedicado febrilmente e mobilizado todas as suas
energias na explicitação do caráter ontológico do pensamento de Marx e as bases fundantes e fundadas da
sociedade, entendida enquanto complexo de complexos” (ROSSI; FILHO, 2019, p. 4-5).
32

algumas passagens que deixam claro para este autor qual é o papel assumido pelo complexo
da educação no processo de reprodução social. Com base nisso, para fundamentarmos melhor
esta discussão, apoiamo-nos em alguns intérpretes que discutem o complexo da educação à
luz da ontologia marxiana-lukacsiana, como Bertoldo (2015), Lima e Jimenez (2011), Rossi
(2018), Rossi e Filho (2019) e Tonet (2005, 2016).
Passamos a compreender, a partir da seção anterior, que o trabalho é o complexo
responsável por fundar o ser social, no entanto, vimos que esse novo ser não é redutível ao
trabalho. É preciso que fique claro que foi a partir do trabalho que os homens passaram a
produzir mais do que é necessário para a sua reprodução, inaugurando, assim, um processo de
complexificação que ampliou o horizonte de reprodução do ser social 10. “Como consequência
dessa complexificação, chama à vida novos e diferenciados complexos sociais, com os quais
estabelece relações e forma uma totalidade social, um complexo de complexos, em cujo cerne
pode se efetivar” (LIMA; JIMENEZ, 2011, p. 74). Entre esses complexos sociais podemos
mencionar o da educação, objeto de estudo dessa seção.
Diante disso, podemos afirmar, com base em Lukács (2013), que a educação é um
complexo social fundado a partir do trabalho, uma vez que os novos conhecimentos e valores
e as novas habilidades, que são originados ao decorrer da produção material da existência
humana, isto é, por meio dos atos do trabalho, precisam ser transmitidos para as novas
gerações. Isso fez surgir à necessidade do processo educativo entre os homens, sendo,
portanto, a educação um dos complexos sociais potencializadores do desenvolvimento
humano. Nesse viés, Tonet (2005, p. 212-213, grifos nossos) destaca que:

[...] sendo o trabalho, por sua própria natureza, uma atividade social, ainda que em
determinados momentos possa ser realizado isoladamente, sua efetivação implica,
por parte do indivíduo, na apropriação dos conhecimentos, habilidades,
valores, comportamentos, objetivos, etc., comuns ao grupo. Somente assim o ato
do trabalho poderá se realizar.

Tais informações nos permitem compreender que o complexo da educação é,


desde o primeiro momento, inseparável do trabalho. Esse complexo, bem como os demais que
foram fundados a partir do trabalho, tais como a religião, a Educação Física, a ciência, a arte,
o Estado, o direito, a política, a economia, etc., estabelece com o trabalho uma relação de
dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca. A relação de
dependência ontológica se justifica pelo fato de o trabalho ser:

10
O trabalho, no seu sentido originário, é responsável pela criação do novo, passando, nesse caso, a impulsionar
o desenvolvimento cada vez maior da realidade social e das relações entre os homens.
33

[...] antes de mais nada, em termos genéticos, o ponto de partida da humanização do


homem, do refinamento das suas faculdades, processo do qual não se deve esquecer
o domínio sobre si mesmo. Além do mais, o trabalho se apresenta, por um longo
tempo, como o único âmbito desse desenvolvimento; todas as demais formas de
atividade do homem, ligadas aos diversos valores, só se podem apresentar como
autônomas depois que o trabalho atinge um nível relativamente elevado
(LUKÁCS, 1979, p. 87 apud LIMA; JIMENEZ, 2011, p. 78-79, grifo nosso).

No que concerne à relação de autonomia relativa é preciso que fique claro que:

Os complexos sociais só alcançam autonomia num contexto já crescentemente


sociabilizado pelo desenvolvimento do trabalho. Mas tal autonomia não pode se
configurar de forma absoluta. Ela é sempre relativa, justamente por conta da
dependência ontológica que está na base da sua relação com o trabalho. A
autonomia estabelecida nesses complexos deriva do fato de que eles, para
realizar funções específicas, essencialmente distintas do intercâmbio entre
homem e natureza, assumem características particulares que os diferem do
trabalho (LIMA; JIMENEZ, 2011, p. 79, grifos nossos).

Em outras palavras, podemos afirmar que o desenvolvimento do ser social e,


consequentemente, das forças produtivas e da organização dos homens em sociedade fez com
que os demais complexos sociais passassem a cumprir uma função específica, que não resulta
mecanicamente de sua relação com o trabalho. Dessa forma, foi atribuída para a educação
uma especificidade que a diferencia do trabalho na sua forma originária, compreendido, aqui,
como um pôr teleológico primário, que está voltado para a transformação da natureza para
construção de bens necessários à existência humana. Por outro lado, a educação caracteriza-se
como um pôr teleológico secundário, no qual ela age sobre a consciência dos indivíduos,
influenciando nas formas de comportamento humano.
Nesse sentido, para a ontologia marxiana-lukacsiana a educação não é trabalho,
mas sim uma práxis, na qual as funções por ela assumidas a vinculam à reprodução social. O
fato de a educação não ser considerada trabalho é polêmico. Não entraremos nessa discussão
porque consideramos que esse equívoco já foi esclarecido por Bertoldo (2015), Lazarini
(2015), Mello (2014), Rossi (2018) e Tonet (2005), assim como por outros autores que
discutem a educação e a Educação Física, tomando como base os pressupostos onto-
metodológicos instaurados por Marx e recuperados por Lukács. Portanto, embora seja
encontrada uma relação entre teleologia e causalidade no interior da educação, esse complexo
não pode ser confundido com o do trabalho, uma vez que a educação:

[...] está no processo de relação entre os homens. E a educação, como todos os


outros complexos, pressupõe o salto ontológico e a existência do ser social. Insisto
em que todos os elementos que compõem a práxis social surgem do trabalho,
mas não podem ser confundidos com este. O que possuem em comum, exatamente
34

por ser o trabalho a categoria fundante, protoforma de todas as outras, é que todas as
atividades humanas têm um caráter teleológico que pode resultar em uma
causalidade posta. Todos possuem como base a relação ontológica entre
subjetividade e objetividade, o distanciamento entre sujeito e objeto [...] Enfim, esse
processo, ou essa relação entre teleologia e causalidade, faz parte de toda a
práxis social, porque toda a práxis tem como modelo o trabalho. Por isso, tanto
no processo de trabalho como na educação existem teleologia e causalidade,
mas isto de forma alguma as identifica (MELLO, 2014, p. 97-98, grifos nossos).

De forma semelhante, Tonet (2005, p. 217-218, grifos nossos) ressalta que:

Embora a categoria da educação integre a categoria do trabalho, as duas não se


confundem. Para nós [...] o trabalho é um ato de transformação da natureza.
Nesse caso, portanto, a ação do sujeito se exerce sobre uma ‘matéria prima’
cuja natureza é completamente diferente da “matéria prima” do ato educativo.
A primeira é desprovida de subjetividade, enquanto a segunda tem na subjetividade
um dos seus momentos fundamentais. A ação educativa se exerce sobre
indivíduos conscientes e livres (quer dizer, portadores de consciência e
liberdade) e não sobre uma “matéria-prima” inerte e passiva, regida pela lei da
causalidade. O ato educativo, ao contrário do trabalho, supõe uma relação não
entre um sujeito e um objeto, mas entre um sujeito e um objeto que é ao mesmo
tempo também sujeito. Trata-se, aqui, de uma ação sobre uma consciência visando
induzi-la a agir de determinada forma. No trabalho, se dispusermos dos
conhecimentos e das habilidades necessárias e realizamos as ações adequadas, é
certo que, salvo intervenção do acaso, atingiremos o objetivo desejado. No caso do
ato educativo, o mesmo conjunto de elementos está longe de garantir a consecução
do objetivo, pois não podemos prever como agirá o educando. Em resumo, o
trabalho é uma mediação entre o homem e a natureza, ao passo que a educação
é uma mediação entre o indivíduo e a sociedade.

Realizado esse esclarecimento, cabe, descrever a terceira relação do trabalho com


a educação que é a de determinação recíproca. Podemos compreendê-la como uma relação
que é estabelecida entre o trabalho, a educação e os demais complexos que compõem a
totalidade social, sendo essa totalidade formada, de acordo com Lukács (2013), por um
complexo de complexos, quer dizer, diferentes dimensões da vida humana que interagem
entre si e com o trabalho, formando, dessa forma, a realidade humana, complexa e
contraditória, construída pelos próprios homens de “carne e osso”. Diante do exposto,
abordaremos, nos próximos parágrafos, o que é o complexo da educação para Lukács e qual é
a sua natureza11 essencial no processo de reprodução social.
Lukács (2013) parte da declaração de que o desenvolvimento do ser social é
determinado por um processo histórico e social, ou seja, que o desenvolvimento do gênero
humano não resulta unicamente da sua peculiaridade biológica. Nesse contexto, ganha
importância, dentre outros complexos sociais, a educação, que é compreendida como um

11
O sentido de natureza empregado, aqui, significa a função social que a atividade humana ou fenômeno
investigado exerce no processo de reprodução do ser social.
35

complexo de atividades que favorece a passagem do indivíduo de membro da espécie a


membro partícipe do gênero humano. Com base nisso, podemos afirmar que o ser humano se
diferencia dos demais animais pelo fato destes possuírem na sua base genética os elementos
necessários para garantir a sua adaptação na natureza, condição precisa para que eles possam
assegurar a sua sobrevivência e a sua reprodução que é, unicamente, biológica.
Isso não significa, de forma alguma, que estamos afirmando que não existe um
processo educativo entre os animais. A respeito disso, o próprio Lukács (2013) reconhece que
tanto no mundo dos homens como no dos animais encontramos atividades educativas que
estão voltadas para o pertencimento ao gênero humano e animal, contendo, em cada tipo de
ser, certas particularidades. Nos animais, o fator determinante para a sua reprodução é,
certamente, as suas determinações genéticas, mas isso não quer dizer que o processo
educativo não seja importante entre eles, pelo contrário, por meio dele os animais adultos
prestam auxílio aos animais mais novos, permitindo, com isso, que eles se apropriem dos
comportamentos que são indispensáveis por toda a sua vida (LUKÁCS, 2013).
Sendo assim, o pertencimento ao gênero animal é:

[...] comandado pelo código genético, ainda que não esteja totalmente ausente
entre eles o que poderíamos chamar de “processo educativo”. Este “processo
educativo”, contudo, reduz-se, entre eles, a fazer emergir nos “indivíduos”
determinados comportamentos e habilidades, cuja base está no código genético e
que continuarão praticamente inalterado durante a vida inteira (TONET, 2005,
p. 213, grifo nosso).

Em outras palavras, o processo educativo entre os animais:

Trata-se, neste caso, de um processo de aprendizagem em que o animal já traz,


como herança da constituição genética, as condições físicas antecipadamente
preparadas para aprender a enfrentar os desafios que o mundo lhe impõe [...] a
educação no mundo dos animais, não é um processo demorado e lento, como é o
caso dos homens. Mas, além disso, trata-se de um tipo de aprendizagem que vai
sendo acumulado pela espécie, de forma biologicamente herdada (BERTOLDO,
2015, p. 151, grifos nossos).

Por outro lado, a educação dos homens é radicalmente diferente da dos animais,
tendo em vista que “[...] o essencial da educação dos homens, pelo contrário, consiste em
capacitá-los a reagir adequadamente aos acontecimentos e às situações novas e imprevisíveis
que vierem a ocorrer depois em sua vida” (LUKÁCS, 2013, p. 176). O processo educativo é
determinado socialmente e não biologicamente como é o caso dos animais. Embora ocorra
esse movimento contrário na educação dos homens, precisamos compreender que os aspectos
36

biológicos também exercem influência, pois apenas em um corpo que esteja em


homeostasia12, ou seja, funcionando de forma equilibrada, encontramos condições necessárias
para a assimilação de novos conhecimentos e aprendizagens.
Logo, entre os homens, o processo educativo:

[...] é dirigido, e em grau cada vez maior, pela consciência. O homem, ao contrário
dos animais, não nasce “sabendo” o que deve fazer para dar continuidade à sua
existência e à da espécie. Deve receber este cabedal de instrumentos de outros
indivíduos que já estão de posse deles (TONET, 2005, 213, grifos nossos).

Com isso, passamos a identificar que o complexo da educação exerce uma grande
importância na constituição do ser social, uma vez que as atividades desenvolvidas no seu
interior possibilitam a passagem do indivíduo de integrante da espécie a membro partícipe do
gênero humano. É preciso afirmar que todos os indivíduos possuem características comuns
que são transmitidas por meio da nossa herança genética, porém, essas características não são
suficientes para elevação dos indivíduos da espécie a membro partícipe do gênero humano,
pois o pertencimento a esse novo tipo de ser “[...] não lhes é dado por herança genética, mas
por um processo histórico-social, ou seja, pela incorporação das objetivações que constituem
o patrimônio deste gênero” (TONET, 2005, p. 213).
Nesse viés, para a ontologia marxiana-lukacsiana:

[...] o homem não nasce dotado de saber, de conhecimento, pois a aprendizagem não
resulta de sua constituição genética. Somente no decurso de sua vida, ao produzir
com outros homens, é que ele vai adquirindo habilidades e conhecimentos,
criando instrumentos de trabalho e aperfeiçoando as técnicas de trabalho etc.
Isto se dá mediante um longo processo de apropriação, sem o qual seria
impossível a aprendizagem. Neste sentido, trata-se de um processo histórico-social
em que os homens aprendem fazendo com outros homens, a partir da incorporação
dos conhecimentos elaborados pelas gerações anteriores. E o que é isso senão um
ato educativo que já se encontra presente na mais singular forma de trabalho?
(BERTOLDO, 2015, p. 157-158, grifo nosso).

Percebe-se, com isso, que a espécie humana tem uma necessidade ontológica de
ser educada para que – por meio dessa mediação, que consiste em um pôr teleológico
secundário, o qual supõe uma relação entre sujeito e um objeto que é ao mesmo tempo
também sujeito – os indivíduos possam se desenvolver como ser social, elevando, assim, o

12
“O termo homeostasia é usado, pelos fisiologistas, para definir a manutenção de condições quase
constantes no meio interno. Todos os órgãos e tecidos do corpo humano executam funções que contribuem
para manter essas condições relativamente constantes. Por exemplo, os pulmões proveem oxigênio ao líquido
extracelular para repor o oxigênio utilizado pelas células, os rins mantêm constantes as concentrações de íons e o
sistema gastrointestinal fornece os nutrientes” (GUYTON; HALL, 2011, p. 4, grifos dos autores).
37

horizonte de reprodução da espécie humana a patamares superiores. Com base nisso, qual é a
natureza essencial do complexo da educação no processo de reprodução social? Ancoradas
nos pressupostos levantados por Lukács na sua ontologia, Lima e Jimenez (2011, p. 84, grifos
nossos) deixam claro que a educação é um complexo social imprescindível em todos os
modos de organização social e que a sua natureza essencial:

[...] consiste em articular o singular ao genérico, reproduzindo no indivíduo as


objetivações produzidas ao longo do desenvolvimento do gênero humano e, com
isso, possibilitando a continuidade do ser social [...] A educação surge para
desempenhar essa função imprescindível: através dela, cada indivíduo singular se
apropria das objetivações que constituem os traços da sociabilidade, as
características humano-genéricas produzidas pelos próprios homens.

O professor Saviani (2013), criador e o principal representante da Pedagogia


Histórico-Crítica no Brasil, também reconhece a importância que a educação tem na
constituição do indivíduo como membro do gênero humano. Para ele, assim como para os
demais autores que já mencionamos, a natureza humana não é dada ao indivíduo com o seu
nascimento, em outras palavras, a nossa herança genética não garante a passagem do
indivíduo de membro da espécie à partícipe do gênero humano, sendo essa constituição fruto
de um conjunto de ações que são desenvolvidas entre os próprios homens. Nesse contexto, a
educação ganha importância justamente por permitir que os indivíduos possam se apropriar
dos elementos culturais que são essenciais para a humanização do homem.
Então, a educação é compreendida por este autor como:

[...] o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a


humanização que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de cada lado, à identificação
dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da
espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e
concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo (SAVIANI, 2013, p. 13, grifo nosso).

Embora Tonet (2005, p. 215) não concorde integralmente com as ideias


educacionais defendidas e apresentadas por Saviani, ele reconhece, no entanto, que a
definição apresentada pelo defensor da Pedagogia Histórico-Crítica tem “[...] o mérito de fixar
com precisão a mediação que a educação representa na construção do indivíduo como ser
social”. Avançando sobre esta discussão, Tonet (2005) afirma, ainda, que o ser social é uma
unidade integrada por dois momentos, o da individualidade e o da genericidade, sendo a
constituição do indivíduo como membro do gênero humano indissociável da reprodução deste
38

último, isto é, da genericidade, uma vez que a reprodução do gênero é sempre o momento
predominante no processo de reprodução do ser social.
No caso da educação, é possível afirmar que a passagem do indivíduo de membro
da espécie a membro partícipe do gênero humano é influenciada pelo processo de reprodução
mais ampla da totalidade social. Isso leva Lukács (2013, p. 178) a reconhecer que a
problemática “[...] da educação remete ao problema sobre o qual está fundada: sua essência
consiste em influenciar os homens no sentido de reagirem a novas alternativas de vida do
modo socialmente intencionado”. Nesse caso, a educação, compreendida, aqui, como um
complexo de atividades que atua nas relações entre os homens e a sociedade, deve preparar o
ser social para reagir adequadamente aos novos desafios que se apresentam na sociedade, de
tal forma que seja assegurado o processo de reprodução do ser social.
Paralelo a isso, Tonet (2005, p. 216, grifos nossos) afirma que:

Novos problemas, novos acontecimentos, novas e imprevisíveis situações se


apresentam continuamente. Diante delas o indivíduo deve estar preparado para
reagir, encontrando soluções novas, sob pena de não poder dar continuidade à sua
existência. Esta reação, porém, não poderá ser de qualquer modo nem
puramente individual, mas de maneira que permita a continuidade da
existência daquela forma de sociedade.

Posto isso, podemos afirmar, com base em Lukács (2013), que a educação é em
sua essência conservadora, porém, esse caráter conservador não pode ser entendido no sentido
político-ideológico13, mas sim no sentido ontológico, sendo este um atributo da educação
necessário para garantir o processo de reprodução do ser social que se estenderá pelas
diferentes formas de sociedades. Com base nisso, podemos afirmar, ainda, que no interior de
uma sociedade, verdadeiramente, emancipada, isto é, comunista, a educação ainda terá esse
caráter conservador, mas com algumas diferenças que não podemos descrevê-las aqui pelo
fato da história ainda estar em processo de construção e por se tratar de uma nova realidade
objetiva que os homens ainda não conseguiram alcançar historicamente.
Nesse sentido, Tonet (2005, p. 217, grifos nossos) ressalta que a educação deve:

Conservar, transmitindo às novas gerações aquilo que foi decantado e se


transformou em patrimônio do gênero humano é absolutamente fundamental
para a continuidade desse mesmo gênero. Isso independe, em princípio, da
existência ou não de classes sociais. O que significa dizer que também acontecerá

13
Para Tonet (2005, p. 217), “O importante é que fique claro [...] que o caráter conservador da educação não
deriva de questões político-ideológicas, mas da sua função na reprodução do ser social. Aquelas poderão influir
nele, impulsionando-o no sentido reacionário ou revolucionário, mas não estão na sua origem”.
39

em uma sociedade plenamente emancipada, embora, é claro, com profundas


diferenças em relação a uma sociedade de classes.

Diante disso, qual seria o papel do complexo da educação no processo de


transformação da sociedade? É nessa pergunta que encontramos a importância de
compreendermos que a educação não é trabalho, embora seja, assim como o trabalho, uma
atividade humana orientada a um fim específico. É preciso que fique claro que pertence ao
trabalho e não à educação a centralidade ontológica da formação do ser social e de qualquer
forma de sociabilidade que os homens possam fundar. Fica evidente que a educação, por mais
que integre a totalidade social, não possui, na sua essência, o papel de transformar a
sociedade, ou seja, de superar o modo de produção capitalista e instaurar no seu interior uma
sociedade comunista: livre, igualitária e humana.

O esclarecimento desta questão é fundamental para evitar posições extremas como


aquela defendida pelo otimismo pedagógico, que atribui à educação o papel de
alavanca da transformação social, ou aquela postulada pelo pessimismo
pedagógico, que não vislumbra perspectivas a partir da educação. Para evitar tais
extremos, é necessário apreender a categoria da educação nos seus limites e
possibilidades. Para tanto, é necessário situá-la no processo reprodutivo do ser
social (BERTOLDO, 2015, p. 162, grifos nossos).

Conforme já vimos, a educação se insere no interior das posições teleológicas


secundárias, atuando nas relações entre os homens, sendo uma mediação entre os indivíduos e
a sociedade e não entre os indivíduos e a natureza, portanto, a essência da educação, conforme
aponta Lukács (2013), consiste em fazer com que os homens possam reagir de acordo com as
alternativas de vida do modo socialmente intencionado, isto é, adequado para garantir o
processo de reprodução do ser social. Isso não significa que estamos afirmando, de modo
algum, que a educação não possui nenhuma importância no processo de transformação da
sociedade, mas sim que ela possui, enquanto um complexo social, isto é, uma dimensão da
vida humana, um papel que é fundamental na reprodução do ser social.
À vista disso, Tonet (2005, p. 219, grifo nosso) esclarece que:

Não podemos nunca perder de vista que todo ato humano é sempre um compósito de
subjetividade e objetividade, e que o fato de a objetividade ser o momento
determinante não diminui, em nada, a natureza ontológica do momento subjetivo. O
que significa dizer que a educação, como integrante do momento da
subjetividade é, do ponto de vista ontológico, tão importante quanto à ação
concreta e direta sobre a realidade a ser transformada. Quando se trata, então,
da atual transformação revolucionária da sociedade, a ação sobre a consciência é de
capital importância para a formação de uma consciência revolucionária.
40

Nesse sentido, Rossi (2017, p. 6-7, grifos do autor) contribui afirmando que:

A educação pode contribuir com atividades que apontem para a necessidade de


superação do capital, por exemplo. Todavia o que decide a questão é a mudança na
organização do trabalho: superando o trabalho abstrato, trabalho assalariado,
trabalho alienado; rumo ao trabalho associado. Estas pistas são fundamentais para
não sobrecarregar a educação com uma tarefa ou responsabilidade que não lhe é
possível e, também, para não cairmos em jargões exagerados que exigem algo que
não é possível concretizar no interior do sistema de sociorreprodução do capital,
como por exemplo, querer uma “educação emancipadora” em seu conjunto.

Temos ciência de que a formação de uma consciência revolucionária não pode se


voltar apenas para as atividades que são desenvolvidas no interior da educação escolar 14, pois
a educação, conforme é organizada no interior da sociedade capitalista, sobre o controle do
Estado, apresenta-se mais como conservadora15 do que como revolucionária. Conservadora
tanto no seu sentido ontológico como também no seu sentido político-ideológico. Nesse viés,
espaços como os sindicatos e os movimentos sociais são de grande importância para o
desenvolvimento de atividades educativas que possam contribuir com a formação de sujeitos
com uma consciência revolucionária, em outras palavras, conforme aponta Mészáros (2008),
a formação de sujeitos que pensem para além do capital.
Diante do exposto, esperamos ter esclarecido sobre o surgimento do complexo da
educação e a sua relação ontológica com o trabalho, assim como esse complexo se manifesta
na realidade humana e qual é a sua natureza essencial no processo de reprodução social.
Nessa perspectiva, avançaremos, na próxima seção, com a discussão em torno do
desenvolvimento do complexo da educação nas sociedades primitivas e de classes, tendo
como ponto de partida a relação entre trabalho e educação. Consideramos necessária esta
abordagem para que o leitor possa compreender melhor as funções que foram atribuídas ao

14
É apresentada, na próxima seção, com base em Lukács (2013) e em alguns de seus intérpretes, a diferença
entre a educação em sentido lato e a educação em sentido estrito. Cabe adiantar, nesta nota de rodapé, que a
educação escolar é apenas uma das formas de como a educação em sentido estrito se manifesta no interior da
sociedade de classes.
15
Diante disso, Maceno (2017, p. 97, grifos nossos) ressalta que “[...] não se deve confundir educação em
sentido estrito com a configuração majoritária que ela assume na sociedade de classes, ou seja, com a escola ou
com a educação formal. Majoritária porque a escola não é a única forma pela qual a educação em sentido estrito
é transmitida na sociedade de classes [...] A educação em sentido estrito, todavia, é uma determinação
ontológica que se origina da necessidade que todas as sociedades possuem de assegurar, para a sua
reprodução social, a apreensão de um conjunto de conhecimentos por parte de seus membros. Que na
sociedade de classes a função social de apreensão desse conjunto de conhecimentos reclamados pela reprodução
social esteja majoritariamente a cargo da educação escolar, somente ilustra o fato de que a educação em sentido
estrito encontra-se em perfeita sintonia com a função social da educação para a qual ela se origina, a saber, a
reprodução da sociedade. Se esta sociabilidade é uma sociedade de classe, a educação em sentido estrito
exercerá a função social de assegurar uma apreensão de conteúdos por parte de seus membros que se
direcione para a reprodução das condições de desigualdade necessárias”.
41

complexo da educação ao decorrer do processo histórico e, em especial, no contexto da crise


estrutural do capital, sendo este ponto abordado na última seção deste capítulo.

2.3 A relação entre trabalho e educação nas sociedades primitivas e de classes

Seguindo os fundamentos apresentados por Lukács (2013), no volume dois da


obra Para uma ontologia do ser social, bem como os escritos de alguns dos seus intérpretes
que discutem o complexo da educação com base nos pressupostos encontrados na ontologia
marxiana-lukacsiana, buscamos, nessa seção, apresentar alguns apontamentos necessários
para que possamos compreender o desenvolvimento do complexo da educação nas sociedades
primitivas e nas sociedades de classes. Desse modo, tomamos como ponto de partida a relação
entre trabalho e educação para tratarmos sobre as divisões sociais realizadas no interior do
complexo da educação, deixando claro que o resultado dessas divisões não é uma dualidade
educacional16, mas sim uma dicotomia educacional.
Iniciamos ressaltando que, para Lukács (2013), a educação se manifesta na
realidade do ser social em duas formas diferentes, mas não excludentes, sendo elas a educação
em sentido lato e estrito. A educação em sentido lato, isto é, que ocorre de forma espontânea,
pode ser entendido como aquela atividade que se volta para o processo de apropriação das
objetivações que constituem o gênero humano, sendo esta uma forma de educação que se
efetiva em todos os espaços da vida social e que nunca estará totalmente concluída na vida
dos homens. Para Lima e Jimenez (2011), essa forma de educação deve ser entendida como
um complexo universal, assim como a linguagem, por estar presente em todas as formas de
sociedade constituídas pelo homem.
Diferente disso, a educação em sentido estrito:

[...] a exemplo da educação escolar (formal) e de outras formas de educação que se


dão em espaços informais (igreja, sindicatos etc.), é aquela criada a partir do
desenvolvimento social, para responder a determinadas necessidades
demandadas pelos homens, dentro de um contexto particular da história
humana. A forma como esta se apresenta vai depender do momento histórico
específico de produção humana (BERTOLDO, 2015, p. 130, grifo nosso).

16
Encontramos esses apontamentos nos estudos realizados por Amâncio (2022), Beltrão (2019), Beltrão,
Taffarel e Teixeira (2020), Ciavatta e Ramos (2011), Frigotto (2007), Frigotto (2010), Frigotto, Ciavatta e
Ramos (2012), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), Frigotto e Ramos (2016), Mota e Frigotto (2017), Nozaki
(2004), Oliveira (2019), Krawczyk (2011), Kuenzer (2017).
42

Com base nisso, podemos afirmar que a educação, em sentido estrito, é uma
forma específica de educar os homens, originada no interior das sociedades de classes 17,
sendo as suas alterações influenciadas pelo desenvolvimento do ser social, das forças
produtivas e pela forma como os homens se organizam em sociedade. À vista disso, essa
educação possui características particulares em cada período histórico, o que nos leva a
afirmar, com base nos escritos de Bertoldo (2015, p. 130), que “[...] a educação na
Antiguidade se apresenta diferente da Idade Média, da mesma forma que se apresenta na
Modernidade e assim sucessivamente”, ou seja, que as mudanças ocorridas no seio social
passam a afetar a forma como a educação em sentido estrito é organiza e ofertada para os
homens. Nesse sentido, Lukács (2013, p. 177, grifos nossos) afirma que:

Toda sociedade reivindica certa quantidade de conhecimentos, habilidades,


comportamentos etc. de seus membros; o conteúdo, o método, a duração etc. da
educação no sentido mais estrito são as consequências das carências sociais daí
surgidas. Naturalmente, se essas circunstâncias assim modificadas durarem o tempo
suficiente, elas terão certos efeitos sobre a constituição física e psíquica dos homens
[...] a educação no sentido mais amplo [lato] – de muitos modos, espontânea –
obviamente desempenha um papel no mínimo equivalente ao da educação no
sentido mais estrito.

Embora essas duas formas de educação sejam diferentes, Lukács (2013, p. 177)
ressalta que não pode existir entre a educação de sentido lato e a de sentido estrito uma
fronteira “[...] que possa ser claramente traçada em termos ideias [...], entretanto, em termos
imediatamente práticos, ela está traçada, ainda que de maneira extremamente diferente,
dependendo das sociedades e classes”. À face do exposto, Lima e Jimenez (2011, p. 83, grifos
nossos) contribui com afirmação do filósofo húngaro confirmando que “Embora não exista
um limite metafísico entre essas duas formas de educação e sim uma mútua influência, é
preciso conhecer suas especificidades para compreender devidamente a dinâmica da relação
entre elas e delas com a totalidade social e com a formação do homem”.
Portanto, em caráter de síntese:

A educação em sentido lato é mais geral e sua forma, em relação à educação em


sentido restrito [estrito], é mais relaxada, o que possibilita que ela ocorra

17
Isso não significa que no interior de uma sociedade plenamente emancipada, isto é, comunista, não existirá a
educação em sentido estrito. Dessa forma, no interior de outra forma de sociabilidade, para além e superior a
capitalista, sem a presença das classes sociais e das relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem, a educação em sentido estrito ganhará outra forma de organização, da qual, certamente, ela não estará
voltada para satisfazer os interesses de apenas uma classe social, mas sim de toda a humanidade. Nesse sentido,
Maceno (2017, p. 98) destaca que “Uma sociedade emancipada exigirá para a sua reprodução social outra forma
de educação em sentido estrito, uma forma que não impõe barreiras socialmente construídas ao acesso do saber
historicamente produzido pela humanidade, como faz a escola”.
43

corriqueiramente no cotidiano e, inclusive, em espaços com maior nível de


exigências sistemáticas como indústrias, laboratórios, centros de pesquisa,
sindicatos, igrejas, entre outros locais. Sua marca principal, por possuir natureza
abrangente, é a espontaneidade. Já a educação em sentido restrito [estrito],
desenvolve-se de modo a atender à sistematização do ato educativo. A marca
principal desta especificidade educacional é institucionalizar conhecimentos
sistematicamente (SANTOS, 2020, p. 53, grifos nossos).

Dessarte, discutiremos, nos próximos parágrafos, algumas passagens históricas


que fazem referência à relação entre trabalho e educação no interior das sociedades primitivas
e das sociedades de classes. Já ficou evidente, diante do que discorremos até o momento, que
o trabalho é o complexo fundante do ser social e de qualquer forma de sociabilidade que os
homens possam construir historicamente. Isso nos leva a afirmar que cada modo de produção
possui uma forma específica de trabalho 18, em outras palavras, da forma como os homens se
relacionam com a natureza para extrair dela os bens necessários para garantir a existência
humana e o processo de reprodução do ser social, sendo, portanto, o trabalho, conforme
aponta Lessa (2016), ancorado em Marx, a base 19 material de qualquer sociedade.
Logo, o trabalho realizado no modo de produção primitivo foi o de coleta de
alimentos, tais como vegetais e pequenos animais encontrados pelos homens que viviam em
pequenos grupos pelas florestas e campos. Essa foi à primeira forma de organização social e
apresentava no seu interior uma baixa produtividade, tendo em vista que a coleta dependia da
disponibilidade dos alimentos encontrados na natureza. Assim, para ter o seu sustento
garantido, os grupos viviam migrando de uma região para a outra em busca de comida. A
terra, principal meio de subsistência dessa época, era um bem em comum entre os homens,

18
Nessa perspectiva, Lessa e Tonet (2012, p. 10) afirmam que “O trabalho de coleta fundou o modo de produção
primitivo; o trabalho escravo fundou o escravismo, o trabalho do servo fundou o modo de produção feudal e o
trabalho proletário é fundante do modo de produção capitalista”. Assim sendo, podemos afirmar que o modo de
produção comunista terá como base de produção material da existência humana o trabalho associado, no qual
significa “[...] que as necessidades humanas – e não mais a riqueza da classe dominante – irão dirigir a produção
do ‘conteúdo material da riqueza social’ pela transformação da natureza nos meios de produção ou de
subsistência. O imprescindível, para tanto, é o controle livre, consciente, coletivo e universal dos produtores
sobre o processo de produção e distribuição da riqueza” (LESSA; TONET, 2012, p. 58, grifo dos autores).
19
Marx (2008), na obra Contribuição à crítica da economia política, explica que a totalidade social tem como
base as relações de produção, em outras palavras, a estrutura econômica da sociedade. Sobre essa base se
desenvolve formas de consciência que constituem o que o autor denomina de superestrutura. Para o filósofo
alemão “Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, independentes
de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas
forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência” (MARX, 2008, p. 47). Podemos afirmar, com base nisso, que os demais
complexos sociais, fundados a partir do trabalho, dentre ele a educação, a Educação Física, a religião, o direito, a
política, a economia, etc., pertencem à superestrutura, desempenhando funções específicas ao decorrer do
processo de reprodução do ser social.
44

inexistindo, então, a presença das classes sociais, da propriedade privada e de qualquer forma
de dominação e de exploração do homem pelo homem.

Contudo, o trabalho e seus efeitos já se faziam presentes mesmo nesse ambiente


primitivo. Ao coletarem os alimentos, os homens iam conhecendo a realidade, e
esse conhecimento era generalizado por todos os membros do grupo. Com o
tempo, esses bandos foram capazes de produzir ferramentas cada vez mais
desenvolvidas e foram conhecendo cada vez melhor o ambiente em que viviam.
Com o desenvolvimento das forças produtivas, os bandos puderam aumentar de
tamanho e se complexificaram. Indivíduos e sociedade já naquele momento estavam
em permanente evolução. É importante destacar: o que caracterizava o trabalho
(tomado socialmente) nessa comunidade primitiva era o fato de que todos
trabalhavam e também usufruíam do produto do trabalho (LESSA; TONET,
2008, p. 54-55, grifos nossos).

Nesse contexto, o que prevalecia entre os indivíduos do grupo era apenas uma
educação em sentido lato. Desse modo, o processo educativo ocorria a partir das relações que
os homens estabeleciam com a natureza, no qual, por meio da produção material da existência
humana, isto é, por meio do trabalho, os mais jovens aprendiam com os mais velhos os
conhecimentos necessários para a sua formação. A educação estava diretamente ligada ao
cotidiano dos homens, acontecendo de forma espontânea, ou seja, sem uma dada
sistematização e sem um lugar específico para os processos educativos ocorrerem, sendo que
“Os homens apropriavam-se coletivamente dos meios de produção da existência e nesse
processo educavam-se e educavam as novas gerações” (SAVIANI, 2007, p. 154).
Ponce (2015, p. 24, grifos do autor) ressalta que:

[...] numa sociedade sem classes como a comunidade primitiva, os fins da


educação derivam da estrutura homogênea do ambiente social, identificam-se com
os interesses comuns do grupo e se realizam igualitariamente em todos os
membros, de modo espontâneo e integral: espontâneo na medida em que não
existia nenhuma instituição destinada a inculcá-los, integral no sentido em que
cada membro da tribo incorporava mais ou menos bem tudo o que na referida
comunidade era possível receber e elaborar.

O autor argentino segue afirmando que a educação das crianças:

[...] não estava confiada a ninguém em especial, e sim à vigilância difusa do


ambiente. Mercê de uma insensível e espontânea assimilação do seu meio
ambiente, a criança ia pouco a pouco se amoldando aos padrões reverenciados pelo
grupo [...] Usando uma terminologia a gosto dos educadores atuais, diríamos que,
nas comunidades primitivas, o ensino era para a vida e por meio da vida; para
aprender a manejar o arco a criança caçava, para aprender a guiar um barco,
navegava (PONCE, 2015, p. 20-21, grifos do autor).
45

O aumento dos grupos e a complexificação das relações estabelecidas entre os


homens e a natureza trouxe à vida a descoberta da semente e da criação de animais,
permitindo, com isso, que os homens passassem a produzir mais do que precisavam para
sobreviver, resultando, pela primeira vez na história, na produção de excedentes e, conforme
afirmam Lessa e Tonet (2008), na primeira grande revolução humana na capacidade de
transformar a natureza. Desse modo, com o domínio da agricultura e da pecuária, isto é, da
plantação de algumas sementes e da domesticação de alguns animais, os homens passaram a
largar o estilo de vida nômade para se fixar na terra, no qual, esta, antes um bem comum entre
os homens, passou a ser posta socialmente como uma propriedade privada.

Essa conjunção de fatores, entre muitos outros, associada ao aparecimento de


incipiente excedente de produção faz surgir na história humana o ócio. Com
isso, uma classe se autoproclama proprietária da terra, assumindo para si as benesses
da descoberta do tempo livre, e obriga a outra classe a trabalhar para sustentar as
duas classes. Os proprietários privados da terra ficam com o ócio enquanto os
trabalhadores assumem a produção (SANTOS, 2019, p. 29-30, grifos nossos).

Nesse sentido, Tonet (2016, p. 125) acrescenta que:

A sociedade deixou de ser uma comunidade, no sentido forte do termo, para


converter-se em uma realidade social cindida, no seu interior, em grupos sociais
antagônicos. A divisão social do trabalho separou os homens entre aqueles que
produzem a riqueza e aqueles que dela se apropriam privadamente. Daí, também, a
separação entre trabalho manual e trabalho intelectual e o privilegiamento do
segundo em relação ao primeiro.

O modo de produção primitivo foi, aos poucos, substituído pelo modo de


produção escravista, sendo o trabalho escravo a base estrutural das primeiras sociedades
divididas em duas classes sociais distintas e antagônicas. Com as mudanças postas nas novas
relações de produção, o trabalho deixou de ser uma atividade dividida de forma consciente
entre os membros de um grupo para ser uma atividade imposta como um processo social, que
não pertencia mais aos trabalhadores o controle sobre os bens produzidos. Isso gerou um
poder estranho e hostil entre os homens que Marx denominou de alienação, então, o trabalho
que deveria ser uma expressão positiva para a formação do homem passou a ser uma barreira
na autoconstrução dos homens como seres plenamente humanos.

Como consequência dessa profunda transformação no processo de trabalho,


todos os aspectos da vida social sofrerão enormes mudanças. As atividades
humanas já existentes serão modificadas e outras surgirão para fazer frente a novas
exigências. No caso da educação, ela será “privatizada”, vale dizer, organizada
para atender a reprodução da sociedade de modo a privilegiar os interesses das
46

classes dominantes. Uma forma de educação para aqueles que realizam o trabalho
manual e que são as classes exploradas e dominadas [...] Outra forma para aqueles
que realizam o trabalho intelectual e que fazem parte das classes exploradoras e
dominantes [...] (TONET, 2016, p. 125-126, grifos nossos).

Portanto, com a consolidação do modo de produção escravista, a classe dominante


criou para si a educação em sentido estrito, uma educação pensada e organizada para atender
os seus interesses e as necessidades da sociedade de classes que vinha se desenvolvendo.
Logo, na educação em sentido estrito, diferente da educação em sentido lato, as ações
formativas não ocorrem mais no cotidiano dos homens, ou seja, de forma espontânea, mas,
sim, em um lugar específico, que mais tarde, conforme aponta Saviani (2007), passou a se
chamar de escola, sendo, portanto, uma forma de educação sistematiza. Com esse feito, a
classe dominante instaurou uma dualidade educacional, a qual permaneceu nesse formato,
sem grandes alterações, até o fim do modo de produção feudal20.
Em consideração a isso, Santos (2019, p. 31-32, grifos nossos) destaca que:

[...] a educação, que antes era somente cotidiana, ganha uma dualidade, passa
a ser dividida em lato e stricto [estrito]. A primeira, de caráter amplo,
continuava destinada aos trabalhadores e seus filhos e realizava-se no próprio
convívio cotidiano, no processo diário de produção da existência e de forma
assistemática. A segunda, por sua vez, destinada aos detentores da terra e do ócio,
realizava-se em local específico para esta finalidade, sistematizava conhecimentos,
orientava-se a resolver problemas de interesse de uma determinada classe. Esta
forma sistematizada de educação propiciou aos filhos dos proprietários dos
meios de produção (da terra) um modelo educacional afastado do cotidiano.
Agora esses estudantes tinham à sua disponibilidade um local exclusivo,
apropriado e especialmente preparado para o aprendizado.

Avançando na discussão, podemos afirmar que o processo educativo escolar foi


negado para os filhos da classe trabalhadora durante a sociedade escravista e feudal, uma vez
que a formação para o trabalho manual ocorria por meio do trabalho, quer dizer, de forma
espontânea, ligada ao cotidiano dos homens e às relações de produção. Por outro lado, a

20
No que concerne à relação entre trabalho e educação no interior do modo de produção escravista e feudal,
Santos (2019, p. 32-33, grifos nossos) nos esclarece que: “Mesmo com a dissolução do modo de produção
escravo e o surgimento, por sobre este, do modo de produção feudal, e apesar das inúmeras mudanças que
ocorreram na estrutura da sociedade por milhares de anos, o processo educativo mantém a sua base fincada no
ócio. É certo que muitas diferenças existem entre o escravismo e o feudalismo. Não pretendemos negar esse
fato básico da história humana. Não obstante, inegável também é que durante esses dois modos de produção
a sociedade não precisou resolver a problemática do trabalho em relação à instrução. Em outras palavras,
tanto no modo de produção escravista como no seu sucessor, o feudalismo, a relação entre as forças produtivas e
a educação não necessitava de um sistema educativo que se integrasse imediatamente à produção material da
vida. Decorre assim que durante todo esse tempo a sociedade se resolveu com a sua histórica dualidade: a
educação que atendia ao modo de produção funcionava grudada ao próprio cotidiano, onde atuavam os
não proprietários de terras; esta educação era carente de sistematização. Do outro lado, mas integrado à
dialética da totalidade social, estava o processo educativo escolarizado, sistemático e extracotidiano,
desfrutado pelos donos dos meios de produção (a terra) e seus eleitos”.
47

classe dominante ofereceu para os seus filhos uma educação para o exercício do trabalho
intelectual, vinculada, então, com o gerenciamento dos seus interesses e da manutenção da
sociedade de classes. Dessa maneira, a educação da classe dominante estava centrada na
apropriação dos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal,
estando este último conhecimento ligado aos exercícios físicos21.
A relação entre trabalho e educação não foi um problema que a classe dominante
precisou resolver no interior da sociedade escravista e da sociedade feudal, já que foi apenas
com a entrada em cena do modo de produção capitalista que a educação em sentido estrito
passou a sofrer novas determinações, articulando-se com as relações de produção, isto é, com
o trabalho produtor de bens materiais. O capitalismo, que tem como base o trabalho
proletário, gerou uma dinâmica social e produtiva mais complexa, necessitando, com isso, que
os trabalhadores recebessem uma nova forma de educação, uma educação sistematizada,
responsável por repassar para eles os conhecimentos necessários para garantir o
desenvolvimento e a expansão do capitalismo e das relações do capital.
Nesse contexto, Santos (2019, p. 44, grifos nossos) desataca que:

O complexo da educação passa a ser usado de duas formas distintas pela classe que
detém o poder político da sociedade. De um lado, essa classe passa a ver a escola
como o ambiente propício para formar seus líderes e com isso preservar e
perpetuar o status quo, oferecendo uma educação de cunho propedêutico. Do
outro lado, mas em articulação dialética com a primeira opção, a burguesia
encontra no processo escolar o lócus ideal para pôr em prática seu projeto de
adestramento do trabalhador aos particularismos burgueses, destinando-lhe
uma educação de caráter eminentemente profissionalizante. Dessa forma, estaria
fechada idealmente a equação cujo comando ficaria a cargo da burguesia, cabendo
aos trabalhadores retirar da escola os ensinamentos necessários para fazer girar essa
engenhosa descoberta moderna capaz de retroalimentar com mãos, estômagos,
espíritos e mentes o mercado reprodutor do capital.

O autor segue afirmando, além disso, que:

Mesmo que essa classe tivesse o bom discernimento de oferecer educação bancada
pelo Estado burguês, laica, gratuita e de qualidade para todos os trabalhadores, a
natureza ontológica do capitalismo impediria que o suposto bom-senso da burguesia
assim agisse. A opção, portanto, da classe detentora dos meios de produção para
atender às necessidades do capitalismo é conceder aos trabalhadores apenas a
instrução minimamente necessária, mas que seja carregada com a
exclusividade dos imperativos imediatos da produção capitalista [...] Ao
necessitar do processo educativo como elemento de realimentação para a estrutura
econômica capitalista que se monta após a Revolução Francesa, o que faz a
burguesia? Universaliza o que lhe é particular. Ao tempo que guarda para si o
padrão educativo propedêutico, reserva para a classe trabalhadora o assim
chamado ensino profissionalizante.

21
Conforme aponta Saviani (2007), os exercícios físicos eram de caráter lúdico ou militar.
48

Dessa forma, a classe dominante realizou uma divisão da educação fundada por
ela mesma, a educação de sentido estrito. Consequentemente, de forma inteligente, para ter os
seus interesses atendidos, a burguesia passou a defender a “universalização” da escola,
ofertando, dentro da educação em sentido estrito, dois ramos diferentes de educação: para os
filhos da classe trabalhadora uma educação profissionalizante, e para os seus filhos uma
educação propedêutica. A partir disso, podemos afirmar que a classe dominante efetuou uma
dicotomia22 educacional, sendo este o resultado das divisões sociais ocorridas no interior do
complexo da educação e não uma dualidade educacional. Nessa linha de raciocínio, Lima
(2022, p. 29) corrobora afirmando que:

Com o advento da luta de classes, que se pauta na substituição da propriedade


comum pela propriedade privada, a educação em formato lato dá espaço ao molde
stricto. Além da dualidade entre a educação lato e a educação stricto, separação
apoiada no afastamento entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, ainda há a
subdivisão desta última, que forma a dicotomia posta entre ensino propedêutico e
ensino profissionalizante, fortemente apoiada na agudização da luta de classes.

O caminho traçado, até aqui, em torno das divisões sociais realizadas no interior
do complexo da educação se justifica pelo fato desse debate se relacionar com a temática do
nosso estudo. Desse modo, retomaremos essa discussão no próximo capítulo quando
estivermos discorrendo sobre o novo Ensino Médio e as suas implicações na formação da
classe trabalhadora. Posto isso, buscamos com a Figura 1sintetizar o que discorremos nesta
seção, destacando as divisões sociais realizadas no interior do complexo da educação nas
sociedades primitivas, no modo de produção escravista, feudal e capitalista. Para isso,
tomamos como base os apontamentos formulados por Santos (2017, 2019), e defendidos por
Lima (2022) e Sobral (2021).

22
Para Cunha (2007), dicotomia significa uma divisão de algo em dois, quer dizer, a realização de uma
bifurcação, conforme encontra-se na figura 1, no qual a educação em sentido estrito passou a sofrer uma
bifurcação, dando origem a dois ramos de educação sistematizada: o profissionalizante e o propedêutico. Por
outro lado, Abbagano (2007, p. 294, grifos nossos) destaca que o termo dualidade não possui um significado tão
preciso na filosofia, indicando “[...] em geral um par de termos entre os quais haja uma relação essencial: p.
ex., matéria e forma, etc.”.
49

Figura 1 – As divisões sociais ocorridas no interior do complexo da educação

Fonte: Elaborado pelo autor.

Como é possível perceber, nas sociedades primitivas tínhamos apenas a


educação em sentido lato, espontânea, ligada ao cotidiano dos homens. Com a divisão das
classes sociais, ocorrido a partir da sociedade escravista, foi inaugurada uma dualidade
educacional, sendo fundada pela classe dominante a educação em sentido estrito, uma
educação sistematizada, para atender os seus interesses e os da sociedade de classes. Essa
dualidade perdurou sem sofrer grandes alterações até o declínio da sociedade feudal. Dessa
forma, com a consolidação da sociedade capitalista a educação em sentido estrito passou a ser
dividida pela classe dominante em dois ramos: o ensino profissionalizante e o ensino
propedêutico, originando-se, a partir daí, uma dicotomia educacional.
Diante do exposto, julgamos necessário, na próxima seção, discutirmos a relação
entre trabalho e educação no interior da sociedade capitalista, analisando as determinações
atribuídas à educação em sentido estrito, em especial, a escolar no contexto da crise estrutural
do capital. Essa abordagem faz-se necessária para que possamos compreender como a crise
instaurada no início dos anos 1970 tem afetado as relações no mundo do trabalho e a
organização da educação escolar no Brasil. Com essa abordagem, adentramos na discussão
que envolve o nosso objeto de estudo, contextualizando a influência das novas políticas
educacionais na formação escolar que tem sido ofertada para os filhos da classe trabalhadora
no final do século XX e início do século XXI.
50

2.4 A relação entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital

Discutimos, nessa seção, a tese formulada pelo filósofo húngaro István Mészáros
sobre a crise estrutural do capital, apresentando o que é a crise estrutural do capital e quais são
as suas reverberações no mundo do trabalho e na organização da educação escolar no Brasil,
assim como ela tem afetado a inserção da Educação Física enquanto área de conhecimento na
Educação Básica. Para isso, tomamos como base a obra de maturidade de Mészáros (2011)
Para além do capital e outras produções realizadas por este autor. Além disso, recorremos,
ainda, aos estudos realizados por alguns intérpretes brasileiros, como Antunes (2009), Maia
Filho, Ribeiro e Mendes Segundo (2017), Netto e Braz (2006), Rafael, Ribeiro e Mendes
Segundo (2016), Lessa e Tonet (2012) e Tonet (2016).
Inicialmente, distinguimos o que é capital e o que é capitalismo para Mészáros
(2009). Segundo esse autor, capital não pode ser entendido como sinônimo 23 de capitalismo e
a origem do capital não está atrelada ao capitalismo, uma vez que o capital antecede o
capitalismo e pode, também, se constituir como um elemento a ele posterior. Assim sendo,
não podemos tratar ou compreender o “[...] capital como uma entidade material – o
depositário neutro da ‘acumulação socialista’ – ou como ‘mercado social’, mecanismo
igualmente neutro: ignorando que o capital, na verdade, é sempre uma relação social”
(MÉSZÁROS, 2011, p. 837, grifos do autor). Nesse sentido, na esteira de Mészáros, Paniago
(2012, p. 23) afirma que o capital é:

Uma relação social fundada no trabalho social, no trabalho assalariado, cujo


requisito histórico foi a completa separação − a quebra da unidade − do trabalho
vivo e as condições objetivas de sua atividade produtiva. O capital encontra sua base
de existência sobre a sujeição do trabalho vivo, ao mesmo tempo em que só pode
apresentar-se como a contrapartida – como trabalho acumulado, objetivado e
alienado –, do sujeito que trabalha.

Portanto, no interior do modo de produção capitalista, passamos a compreender


que o capital, que é uma relação social, tem a sua origem na compra e venda da força de
trabalho que é vendida pelo trabalhador e comprada pelo capitalista, no qual esta compra e
venda pode assumir as mais variadas formas:

23
A respeito dessa questão, Santos (2017, p. 18-19) destaca que a identificação de capital e capitalismo como
sinônimos “[...] levou ao equívoco todas as experiências revolucionárias do século passado, por mostrarem-se
incapazes de romper com o sistema sociometabólico do capital. Portanto, para evitar esse erro, é necessário
esclarecer que capitalismo é apenas uma das formas pelo qual o capital se realiza [...] o capitalismo se constitui
como a variante histórica melhor acabada do capital. Em outras palavras, esse modo produtivo foi o que melhor
elaborou, em última instância, a ganância, por excelência, dos lucros do capital”.
51

[...] implicando sempre a dominação do capital sobre o trabalho e a apropriação


privada (ainda que de forma indireta) da maior parte da riqueza produzida.
Nesta relação, o capitalista paga ao trabalhador um salário, que representa o custo –
socialmente estabelecido – da reprodução da força de trabalho. Como o custo dessa
reprodução é menor do que aquilo que o trabalhador produz durante o tempo de
trabalho contratado, a parte que sobra – em geral a parte maior – vai para as
mãos do capitalista, transformando-se nas várias formas da propriedade
privada. É por si evidente que esta relação implica, necessariamente, uma relação de
exploração e de dominação do capitalista sobre o trabalhador. O que significa que a
produção da desigualdade social não é um defeito, mas algo que faz parte da
natureza mais essencial desta matriz geradora do capitalismo. O que, por sua vez,
significa que é impossível construir, a partir dela, uma autêntica comunidade humana,
vale dizer, humanizar o capital (TONET, 2016, p. 33, grifos nossos).

O capitalismo, por outro lado, pode ser compreendido como um modo de


produção fundado a partir do trabalho proletário 24, sendo este uma forma de organização
social que se mantém a partir das relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem em prol da expansão do capital e da acumulação dos lucros. Neste contexto, a classe
dominante, detentora dos meios de produção, passa a comprar a força de trabalho dos
trabalhadores. Isto ocorre porque nesta forma de sociedade tudo é transformado em uma
mercadoria, inclusive o trabalho 25, o que faz com que os trabalhadores, que se vendem em
parcelas, sejam vistos como uma mercadoria, estando expostos, conforme aponta Marx e
Engels (2016), a todas as vicissitudes da concorrência e a todas as flutuações do mercado.
Nesse viés, Lessa e Tonet (2008, p. 65-66, grifos nossos) destacam que:

O modo de produção capitalista tem em sua essência uma nova forma de


exploração do homem pelo homem: do trabalhador, a burguesia compra
apenas a sua força de trabalho. Como a utilidade desta é apenas uma, produzir, e
como ela possui uma propriedade única entre as mercadorias, que é a de, empregada
adequadamente, produzir um valor maior do que ela própria vale, o burguês que
comprou a força de trabalho tem, ao final do mês, um valor maior do que aquele
que paga ao trabalhador sob a forma de salário. Esse valor maior é a mais-valia.
Contudo, para que a força de trabalho possa ser convertida em mercadoria, ou seja,
possa ser comprada e vendida no mercado, é necessário que o trabalhador seja
separado dos meios de produção e do produto produzido. Esse é um longo processo
histórico que teve início mesmo nos modos de produções anteriores ao capitalismo,
mas que se intensificou e recebeu a sua forma final entre os séculos 15 e 18.

24
Reconhecemos, nesse texto, o trabalho proletário e o trabalho assalariado como sinônimos, tendo em vista que
não há uniformidade nos textos que recorremos para subsidiar a escrita da nossa pesquisa, o que nos leva a
afirmar que são expressões sinônimas.
25
Com base nisso, Mészáros (2000, p. 2, grifos do autor) aponta que o capital como “[...] um sistema orgânico
global, garante sua dominação, nos últimos três séculos, como produção generalizada de mercadorias.
Através da redução e degradação dos seres humanos ao status de meros ‘custos de produção’ como ‘força de
trabalho necessária’, o capital pode tratar o trabalho vivo homogêneo como nada mais do que uma ‘mercadoria
comercializável’, da mesma forma que qualquer outra, sujeitando-a às determinações desumanizadoras da
compulsão econômica”.
52

Desse modo, percebe-se que a sociedade capitalista apresenta uma lógica de


dominação e de exploração dos trabalhadores extremamente perversa, voltada apenas para a
reprodução do capital e ampliação dos lucros dos capitalistas e não para a satisfação das
necessidades da humanidade, embora, nos dias atuais, as forças produtivas sejam capazes de
suprir as carências materiais e espirituais de toda a população do planeta. Não obstante, isso é
impossível porque forje a lógica de reprodução do capital, que no interior do capitalismo
conseguiu garantir a sua hegemonia como um sistema social global, se tornando uma potência
incontrolável, de tal forma que tudo o que não consegue se adaptar a ele é por ele destruído,
tendo em vista que a lógica do capital não pode ser controlada.
Com base nisso, Mészáros (2000, p. 5, grifos do autor) aponta que:

Esse sistema, em todas as suas formas capitalistas ou pós-capitalistas tem (e deve


ter) sua expansão orientada e dirigida pela acumulação. Naturalmente, o que está
em questão a este respeito não é um processo delineado pela crescente satisfação das
necessidades humanas. Mais exatamente, é a expansão do capital como um fim em
si, servindo à preservação de um sistema que não poderia sobreviver sem
constantemente afirmar seu poder como um modo de reprodução ampliado. O
sistema do capital é essencialmente antagônico devido à estrutura hierárquica de
subordinação do trabalho ao capital, o qual usurpa totalmente – e deve sempre
usurpar – o poder de tomar decisões. Este antagonismo estrutural prevalece em todo
lugar, do menor “microcosmo” constitutivo ao “macrocosmo” abarcando as relações
e estruturas reprodutivas mais abrangentes. E, precisamente porque o antagonismo é
estrutural, o sistema do capital é – e sempre deverá permanecer assim –
irreformável e incontrolável.

É justamente esse caráter irreformável e incontrolável do capital que faz com que
o capitalismo passe a se reproduzir enquanto um modo de produção mergulhado em diferentes
crises econômicas ao longo do seu desenvolvimento histórico, o que levou Marx (1989) a
considerar as crises como soluções momentâneas e violentas das contradições existentes no
interior do capitalismo, sendo as crises, portanto, irrupções violentas que restabelecem,
provisoriamente, o equilíbrio perturbado no processo de acumulação do capital.
Nesse sentido, Netto e Braz (2006, p. 157, grifos nossos) afirmam que:

A análise teórica e histórica do MPC [Modo de Produção Capitalista] comprova


que a crise não é um acidente de percurso, não é aleatória, não é algo independente
do movimento do capital. Nem é uma enfermidade, uma anomalia ou uma
excepcionalidade que pode ser suprimida no capitalismo. Expressão concentrada das
contradições inerentes ao MPC, a crise é constitutiva do capitalismo: não existiu,
não existe e nem existirá capitalismo sem crise.

Perante o exposto, não propusemos, neste trabalho, fazer um apanhado geral das
principais crises enfrentadas pelo modo de produção capitalista, porém, antes de adentramos,
53

mais precisamente na discussão que envolve a crise estrutural do capital, julgamos necessário
apresentarmos a diferença entre uma crise cíclica, isto é, temporária, para uma crise
estrutural, em outras palavras, uma crise geral. Nesse sentido, as crises cíclicas são aquelas
que estão associadas “[...] aos ciclos econômicos e elas são as faces mais visíveis do sistema
capitalista de produção: elas envolvem surtos de crescimento e prosperidade aparentemente
ilimitados acompanhados de declínio da atividade econômica e de ‘queima’ de capital”
(MAIA FILHO; MENDES SEGUNDO; RABELO, 2016, p. 30).
Dessa forma, entre uma crise e outra decorre o ciclo econômico e nele podemos
encontrar quatro fases que se diferenciam entre si, sendo elas, conforme apontam Netto e Braz
(2006), a primeira fase a crise, a segunda fase a depressão, a terceira fase retomada e a
quarta e última fase o auge. Com certas particularidades, considerando que as crises são o
resultado da dinâmica contraditória do modo de produção capitalista e das relações do capital,
podemos afirmar que as crises enfrentadas pelo sistema capitalista até o final dos anos 1960
seguiram uma dinâmica de abertura, desenvolvimento e superação dos limites apresentados
para a expansão do capital, sendo essas crises de natureza cíclica, ou melhor, temporária, no
qual o capital conseguiu se restabelecer e pôr em prática novamente a sua lógica de extensão e
de acumulação dos lucros por meio da subordinação do trabalho ao capital.
As quatro fases, postas logo acima, estão sintetizadas da seguinte forma:

A crise pode ser detonada por incidente econômico ou político qualquer (a falência
de uma grande empresa, um escândalo financeiro, a falta repentina de uma matéria
prima essencial, a queda de um governo). Bruscamente, as operações comerciais se
reduzem de forma dramática, as mercadorias não se vendem, a produção é
enormemente diminuída ou até paralisada, os preços e salários caem, empresas
entram em quebra, o desemprego se generaliza e as camadas trabalhadoras
padecem a pauperização absoluta.

À crise, segue-se a depressão: o desemprego e os salários mantêm-se no nível da


fase anterior, a produção permanece estagnada, as mercadorias estocadas ou são
destruídas ou parcialmente vendidas a baixo preço. As empresas que sobrevivem
procuram soluções tecnológicas para continuar com alguma escala de produção,
mesmo com preços baixos para as suas mercadorias; buscam, sobretudo, apoderar-
se de mercados e fontes de matérias-primas – quando esse movimento, mais a
concorrência entre elas, sinaliza a possibilidade de recuperação, criam-se estímulos
para fomentar a produção.

Este é o quadro da retomada (ou reanimação): as empresas que sobrevivem


absorvem algumas das que quebraram, incorporam seus equipamentos e
instalações, renovam seus próprios equipamentos e começam a produzir mais. O
comércio se reanima, as mercadorias escoam, os preços se elevam e pouco a pouco
diminui o desemprego. A produção se restaura nos níveis anteriores à crise e se
transita para a fase seguinte, e última, do ciclo.

Trata-se da fase do auge (boom): a concorrência leva os capitalistas a investir nas


suas empresas, a abrir novas linhas e frentes de produção e esta é largamente
54

ampliada, lançando no mercado quantidades cada vez maiores de mercadorias. O


crescimento da produção é impetuoso e a euforia toma conta da vida econômica: a
prosperidade está ao alcance da mão. Até que um detonador qualquer evidência de
repente que o mercado está abarrotado de mercadorias que não se vendem, os
preços caem e sobrevém nova crise - e todo o ciclo recomeça (NETTO; BRAZ,
2006, p. 159-160, grifos dos autores).

Avançando na discussão, podemos afirmar que após ter passado pelas crises de
natureza cíclica, o capitalismo chegou ao início dos anos 1970 e começou a sentir uma crise
histórica sem precedentes, no qual a severidade dessa nova crise “[...] pode ser medida pelo
fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou menos extensa,
como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, do próprio sistema do capital”
(MÉSZÁROS, 2000, p. 1, grifos do autor). Esta crise, portanto, pode ser definida, em linhas
gerais, como uma fratura que atinge os princípios e fundamentos que marcam o modo de
funcionamento do modo de produção capitalista, ameaçando, com isso, a dominação do
capital como um sistema de controle do metabolismo social.
Isso ocorre porque a crise atual resulta naquilo que Mészáros denominou de:

[...] “ativação dos limites absolutos do capital”, em que os limiares intrínsecos


ou absolutos do sistema foram atingidos e não podem ser transcendidos sem a
transformação de seus pressupostos básicos, ou seja, sem que seu modo de
funcionamento e controle seja qualitativamente alterado [...] portanto, a crise
estrutural do capital representa a séria manifestação do encontro do sistema com
seus limites, inerentes ao seu funcionamento. Ele explica que a ativação dos
limites absolutos do capital não está separada, mas, ao contrário, tende desde o
início a ser inerente à lei do valor, correspondendo à plena maturidade dessa
lei, no contexto do encerramento da fase de ascendência histórica do capital.
Por outro lado, é possível afirmar, segundo ele, que essa fase de ascendência teve o
seu fim decretado porque o sistema do capital atingiu os seus limites absolutos no
que se refere à acomodação da lei do valor a seus limites sistêmicos. Nesta
perspectiva, o germe dessa crise estaria contido em suas contradições,
agravadas pelo atual estágio capitalista. Essas contradições exigem o uso mais
intensivo de estratégias de produção destrutiva, que são deslocadas
temporariamente e que, até o presente momento, operam com significativo
sucesso, antes de ocorrer o esgotamento da sua efetividade. Assim sendo, o
capital se apoia em uma “rede articulada de contradições” que consegue
administrar de forma parcial por um período de tempo determinado, mas que
não pode superar definitivamente (MAIA FILHO; MENDES SEGUNDO;
RABELO, 2016, p. 30-31, grifos nossos).

Destarte, com a ativação dos limites absolutos do capital, passamos a vivenciar


uma crise crônica, permanente e profunda do próprio sistema do capital, de natureza
estrutural, que tende a se agravar26 com o passar do tempo, colocando em risco o futuro e a

26
A respeito disso, Mészáros (2000, p. 9, grifos do autor) afirma que: “Em nosso futuro, a crise estrutural do
capital – afirmando-se a si própria como a insuficiência crônica de ‘ajuda externa’ no presente estágio de
desenvolvimento – deverá tornar-se mais profunda. E, também, deverá reverberar através do planeta, até mesmo
55

existência da existência da humanidade, haja vista que não sabemos onde o capital pode
chegar com as tentativas que utilizará para se reerguer, pois o capital, como já abordamos,
enquanto um sistema social global, adquiriu ao longo dos anos uma lógica perversa,
incorrigível e incontrolável, o que faz com que ele não venha a ter “[...] outro objetivo que
não sua própria autorreprodução, à qual tudo, da natureza a todas as necessidades e aspirações
humanas, deve se subordinar absolutamente” (MÉSZÁROS, 2011, p. 800).
Cabe destacar que a novidade da crise estrutural do capital não reside apenas no
fato do sistema do capital ter se chocado com os seus limites absolutos. Isso é apenas um dos
aspectos que faz com que a crise estrutural se diferencie das crises cíclicas, desencadeadas a
partir dos limites relativos, o que fez com que o capital encontrasse soluções temporárias
para as crises anteriores, passando elas a serem consideradas como uma anormalidade do
sistema. Por outro lado, a crise estrutural do capital é irreversível, ou seja, sem perspectiva de
superação, o que faz com que “[...] a antiga ‘anormalidade’ das crises – que antes se
alternavam com períodos muito mais longos de crescimento ininterrupto e desenvolvimento
produtivo – sob as condições atuais pode, em doses diárias menores, se tornar a normalidade
do ‘capitalismo organizado"' (MÉSZÁROS, 2011, p. 697, grifos do autor).
Então, além do aspecto mencionado acima em torno das crises de natureza cíclica
e estrutural e o encontro do sistema do capital com os seus limites 27, respectivamente,
relativos e absolutos, Mészáros aponta uma outra novidade histórica da crise estrutural do
capital, que é o fato dessa crise se manifestar em quatro aspectos principais, tendo em vista
que ela possui um (1) caráter universal, um (2) alcance global, uma (3) escala de tempo
permanente e o seu (4) modo de se desdobrar é rastejante.

(1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular (por
exemplo, financeira ou comercial, ou afetando este ou aquele ramo particular de
produção, aplicando-se a este e não àquele tipo de trabalho, com sua gama específica
de habilidades e graus de produtividade etc.);

nos mais remotos cantos do mundo, afetando cada aspecto da vida, desde as dimensões reprodutivas diretamente
materiais às mais mediadas dimensões intelectuais e culturais”.
27
Nesse sentido, Mészáros (2011, p. 175, grifos nossos) afirma que “Os limites relativos do sistema são os que
podem ser superados quando se expande progressivamente a margem e a eficiência produtiva – dentro da
estrutura viável e do tipo buscado – da ação socioeconômica, minimizando por algum tempo os efeitos
danosos que surgem e podem ser contidos pela estrutura causal fundamental do capital. Em contraste, a
abordagem dos limites absolutos do capital inevitavelmente coloca em ação a própria estrutura causal.
Consequentemente, ultrapassá-los exigiria a adoção de estratégias reprodutivas que, mais cedo ou mais
tarde, enfraqueceriam inteiramente a viabilidade do sistema do capital em si. Portanto, não é surpresa que
este sistema de reprodução social tenha de confinar a qualquer custo seus esforços remediadores à modificação
parcial estruturalmente compatível dos efeitos e consequências de seu modo de funcionamento, aceitando sem
qualquer questionamento sua base causal – até mesmo nas crises mais sérias”.
56

(2) seu alcance é verdadeiramente global (no sentido mais literal e ameaçador do
termo), em lugar de limitado a um conjunto particular de países (como foram todas
as principais crises no passado);

(3) sua escala de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de


limitada e cíclica, como foram todas as crises anteriores do capital;

(4) em contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do


passado, seu modo de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, desde que
acrescentemos a ressalva de que nem sequer as convulsões mais veementes ou
violentas poderiam ser excluídas no que se refere ao futuro: a saber, quando a
complexa maquinaria agora ativamente empenhada na “administração da crise” e no
“deslocamento” mais ou menos temporário das crescentes contradições perder sua
energia (MÉSZÁROS, 2011, p. 796, grifos do autor).

Posto isso, centraremos, de agora em diante, a nossa discussão no primeiro


aspecto apresentado por Mészáros. Com isso, queremos deixar claro que a crise estrutural do
capital afeta os diferentes complexos sociais, isto é, o trabalho, ato fundante do ser social, e
todos os outros complexos advindos dele como a arte, a ciência, a política, a econômica, o
direito, à educação, a Educação Física e outras dimensões da vida humana. Consideramos que
não é difícil desse fato ser constatado, pois se observarmos, atentamente, para a nossa
realidade social identificaremos que todas as instâncias do ser social estão sofrendo
interferência da crise estrutural do capital, o que tem afetado no funcionamento dos diferentes
complexos sociais que estabelecem e formam a totalidade social.
Isso ocorre, justamente, porque:

[...] uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em todas as


relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros
complexos aos quais é articulada. Diferentemente, uma crise não estrutural afeta
apenas algumas partes do complexo em questão, e assim, não importa o grau de
severidade em relação às partes afetadas, não pode pôr em risco a sobrevivência
contínua da estrutura global (MÉSZÁROS, 2011, p. 797, grifos do autor).

Perante o exposto, esperamos ter esclarecido o que é a crise estrutural do capital, o


que nos leva, a partir de agora, a fazer alguns apontamentos sobre as reverberações dessa crise
no mundo do trabalho e na organização da educação escolar no Brasil, assim como ela tem
afetado a inserção da Educação Física enquanto área de conhecimento na Educação Básica.
Desse modo, cabe destacar, que a crise em destaque tem promovido um conjunto de
mudanças no mundo do trabalho, aumentando, dessa forma, a produção destrutiva e os meios
que são necessários para ampliar a precarização do trabalho e os mecanismos de dominação e
de exploração do homem pelo homem, o que tem possibilitado uma reconfiguração nos
diferentes complexos sociais.
57

Assim, podemos afirmar que, após um longo período de acúmulo de capital,


ocorrido durante o desenvolvimento e a expansão do padrão de acumulação fordista e
taylorista28 e de sua base estatal keynesiana, o capitalismo começou a demonstrar sinais de
uma nova crise, tendo as suas taxas de lucros29 reduzidas. Essa situação passou a ser agravada
no início dos anos 1970, período marcado por novas transformações sociais, políticas,
econômicas e culturais, ocorridas nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, sendo o
resultado das lutas sociais e políticas realizadas pela classe trabalhadora em busca de
melhores condições de vida e dos seus direitos sociais e trabalhistas. Essa nova conjuntura
resultou no surgimento da crise estrutural do capital, no qual os seus traços mais evidentes,
conforme aponta Antunes (2009, p. 31-32, grifos do autor), foram os seguintes:

1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento do
preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela
intensificação das lutas sociais dos anos 60, que objetivavam o controle social da
produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos níveis de
produtividade do capital, acentuando a tendência decrescente da taxa de lucro;

2) o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em


verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela
incapacidade de responder à retração do consumo que se acentuava. Na verdade,
tratava-se de uma retração em resposta ao desemprego estrutural que então se
iniciava;

3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos


capitais produtivos, o que também já era expressão da própria crise estrutural do
capital e seu sistema de produção, colocando-se o capital financeiro como um campo
prioritário para a especulação, na nova fase do processo de internacionalização;

4) a maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas


e oligopolistas;

5) a crise do Welfare State ou do ‘Estado do bem-estar social’ e dos seus


mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a
necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital
privado;
6) incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às
desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da
força de trabalho, entre tantos outros elementos contingentes que exprimiam esse
novo quadro crítico.

28
“De maneira sintética, podemos indicar que o binômio taylorismo/fordismo, expressão dominante do sistema
produtivo e de seu respectivo processo de trabalho, que vigorou na grande indústria, ao longo praticamente de
todo século XX, sobretudo a partir da segunda década, baseava-se na produção em massa de mercadorias, que
se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada” (ANTUNES, 2009,
p. 38, grifos do autor). Logo abaixo, quando estivermos tratando sobre o processo de reestruturação produtiva,
apresentaremos, ainda que de forma breve, algumas características desses dois modelos de produção.
29
“A tendência à queda da taxa de lucro é, portanto, um reflexo das próprias leis contraditórias do capital que,
com o crescimento da produtividade, promove a saturação de produção no mercado, tornando-se uma barreira
intransponível para o próprio capital, que passa a destruir as forças produtivas para que o lucro volte a crescer”
(MAIA FILHO; MENDES SEGUNDO; RABELO, 2016, p. 29).
58

Essas mudanças afetaram e ainda estão afetando a vida dos trabalhadores,


reverberando principalmente na sua inserção no mercado de trabalho, que tem ocorrido de
forma mais precária e sem o devido reconhecimento dos seus direitos trabalhistas. Isso, claro,
quando o trabalhador encontra trabalho, pois como sabemos o número de pessoas
desempregadas tem crescido de forma significativa 30. No Brasil, por exemplo, a taxa de
desemprego foi de 8,1% de acordo com os dados levantados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)31 no trimestre móvel de setembro a novembro de 2022. Essa
porcentagem equivale a dizer que 8,7 milhões de brasileiros estão desempregados, em outras
palavras, pessoas com idade para trabalhar que não estão trabalhando, mas que estão
disponíveis e procurando por um emprego no mercado de trabalho.
Os dados coletados pelo IBGE, no mesmo trimestre móvel de setembro a
novembro de 2022, revelam, além disso, que o número de pessoas trabalhando foi de 99,7
milhões, o número de empregados com carteira assinada foi de 36,8 milhões, o número de
empregados sem carteira assinada no setor privado foi de 13,3 milhões e o número de
pessoas trabalhando na informalidade foi de 38,8 milhões. Tais dados mostram como tem
sido a introdução dos trabalhadores brasileiros no mercado de trabalho, deixando claro que a
maioria trabalha em condições precárias, sem vínculos empregatícios, na informalidade,
precisando se submeter às novas condições de trabalho que são ofertadas pelo capitalismo no
contexto da crise estrutural do capital.
Assim, a crise em destaque trouxe como consequências para o trabalhador:

[...] o aumento do desemprego, porém agora de uma forma avassaladora e


irreversível; a precarização do trabalho; a corrosão dos direitos trabalhistas e sociais;
a ampliação do trabalho informal; o processo de mercantilização das empresas e
serviços públicos; uma produção cada vez mais destrutiva, ou seja, obrigada a tornar
os bens cada vez mais rapidamente obsoletos; uma competição cada vez mais
violenta entre as empresas e entre os Estados nacionais; a submissão mais direta dos
Estados aos interesses do capital e inúmeros outros fenômenos. Tudo isto,
juntamente com o enorme agravamento dos problemas sociais de toda ordem:

30
É preciso compreender que a base causal do desemprego está na necessidade de realização e acumulação
expandida do capital. Assim, no contexto da crise estrutural do capital o desemprego tem se tornado algo
crônico, portanto, eficiente a nova conjuntura e fase que passa o modo de produção capitalista e as relações do
capital nos dias atuais. Nesse sentido, Paniago (2012, p. 66) afirma que “Uma característica particular do
desemprego crônico é que ele não está limitado a jovens e mulheres, a trabalhadores manuais, a setores
econômicos específicos ou às regiões mais pobres do mundo; ele ocorre em todas as categorias de trabalho
qualificado e não qualificado - inclusive na classe média -, generalizando-se por toda economia mundial, sem
fazer exceção mesmo aos países capitalistas mais avançados”.
31
Dados coletados da Agência de Noticias do IBGE. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/36113-pnad-
continua-taxa-de-desocupacao-e-de-8-1-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-18-9-no-trimestre-encerrado-em-novembro
Acesso em: 26 fevereiro 2023.
59

miséria, pobreza, fome, violências, degradação dos serviços de saúde, habitação,


saneamento, educação, etc. (TONET, 2016, p. 35).

Tonet (2016, p. 35-36, grifos nossos) segue ressaltando, ainda, que:

[...] tudo isto acontece em um momento da história da humanidade em que


existiriam condições tecnológicas para produzir bens suficientes de modo a
satisfazer as necessidades básicas (materiais e espirituais) de toda a humanidade. De
modo que não é pela falta de desenvolvimento das forças produtivas, mas pela
forma que este desenvolvimento assume como resultado de determinadas
relações sociais assentadas na apropriação privada da riqueza socialmente
produzida que se dá o agravamento dos problemas. Esta forma, que é a
manifestação da lógica férrea do capital, tende a caminhar no sentido de um
agravamento cada vez maior dos problemas da humanidade e não, como pensam
muitos autores, no sentido da sua solução.

Fica claro que a diminuição do valor da mão de obra, a precarização das


condições de trabalho, o aumento do desemprego, o avanço da produção destrutiva e das
políticas neoliberais e das ações de privatizações, assim como a flexibilização do trabalho e a
retirada dos direitos sociais e trabalhistas são algumas das medidas adotadas pelo capital no
contexto da crise estrutural para que ele possa se restabelecer e elevar as suas taxas de lucros,
deixando, com isso, em último plano a satisfação das necessidades humanas, uma vez que
“Dentro da lógica do capital, as necessidades de existência da humanidade são postas em
último e inatingível plano. O que interessa são as necessidades de reprodução e acumulação
do capital” (RABELO; MENDES SEGUNDO, 2004, p. 3).
Nesse sentido, Paniago (2012, p. 51) confirma que:

A necessidade de melhorar as perspectivas de acumulação do capital, num contexto


de crise, fez com que o capital utilizasse novos ajustes estratégicos, em que a
retomada de muitos dos ganhos do trabalho no passado e o crescimento inexorável
do desemprego tornaram-se não só inevitáveis, como fundamentais.

Diante desse cenário, o trabalhador brasileiro passou a ser reduzido a um simples


objeto, com o seu valor definido, tão somente, pela mão de obra que ele vende no interior da
nossa sociedade para tirar dessa relação alienada, o dinheiro necessário para garantir,
minimamente, a sua subsistência para se manter vivo na condição de sujeito explorado,
contribuindo, quer queira ou não, com a expansão do capital.

E o mais importante de tudo é que quem sofre todas as consequências dessa situação
não é mais a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das pessoas
“desprivilegiada”, mas todas as categorias de trabalhadores qualificados e não
60

qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade da força de trabalho da sociedade.


(MÉSZÁROS, 2011, p. 69, grifos do autor).

Mediante o aprofundamento da crise em destaque, o Estado tem reformulado e


colocado em prática um conjunto de medidas, pretendendo com elas fazer com que o capital
possa garantir a sua dominação enquanto um sistema de controle do metabolismo social no
interior da sociedade capitalista. Para isso, a ação política tem sido cada vez mais solicitada
com o objetivo de contornar as contradições acumuladas ao longo das últimas décadas,
passando a se manifestar através da intervenção legislativa e por meio das reformas que têm
sido realizadas nos diferentes setores sociais. Assim, o Estado busca por mudanças que
possam favorecer a expansão do capital e elevar, de forma satisfatória, as suas taxas de lucros,
sendo a reestruturação produtiva um exemplo das ações realizadas.
Nesse sentido, a reestruturação produtiva passou a ser realizada mediante a
implantação do toyotismo como novo modelo de organização e gerenciamento da produção,
tendo em vista que os dois modelos antigos, o taylorismo e o fordismo 32, passaram a não
atender mais às necessidades de acumulação do capital após os anos 1970. Ou seja, o
taylorismo e o fordismo passaram a apresentar na sua forma de funcionamento sinais de
esgotamento, o que levou a sua substituição pelo toyotismo que passou a ganhar espaço nos
chãos das fábricas, se estendendo para os diferentes processos industriais, porém, com uma
nova forma de organização e de gerenciamento do trabalho, no qual fez com que ele ficasse
conhecido como o padrão de acumulação flexível ou modelo japonês.
O toyotismo surgiu como um padrão de produção inspirado na experiência
japonesa no período pós-guerra, estando associado ao avanço tecnológico 33 e informacional, o

32
Em caráter de síntese, podemos afirmar que do binômio taylorismo-fordismo foi originado um padrão
produtivo que se estruturou com base “[...] no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas,
que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo
produtor dos veículos. Paralelamente à perda de destreza do labor operário anterior, esse processo de
desantropomorfização do trabalho e sua conversão em apêndice da máquina-ferramenta dotavam o capital de
maior intensidade na extração do sobretrabalho. À mais-valia extraída extensivamente, pelo prolongamento da
jornada de trabalho e do acréscimo da sua dimensão absoluta, intensificava-se de modo prevalecente a sua
extração intensiva, dada pela dimensão relativa da mais-valia. A subsunção real do trabalho ao capital, própria
da fase da maquinaria, estava consolidada. Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos,
tecendo vínculos entre as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o tempo
necessários para a realização das tarefas. Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da
produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre
elaboração e execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho, ‘suprimindo’ a
dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica. A
atividade de trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva” (ANTUNES, 2009, p. 39, grifos do autor).
33
A respeito disso, Both (2011, p. 49-50) destaca que “Essa incorporação das tecnologias microeletrônicas no
processo produtivo permite o crescimento da produtividade ao mesmo tempo em que diminui os postos de
trabalho, ocasionando aumento de desempregados e subempregados, o que significa aumento da miséria, da
fome e da barbárie social”.
61

que resultou na introdução ampliada do uso dos computadores no processo de produção e de


serviços. Como resultado, passamos a ter uma estrutura produtiva mais flexível, com uma
desconcentração produtiva das empresas terceirizadas, assim como “[...] do trabalho em
equipe, do salário flexível, das ‘células de produção’, dos ‘times de trabalho’, dos grupos
‘semiautônomos’, além de exercitar, ao menos no plano discursivo, o ‘envolvimento
participativo’ dos trabalhadores” (ANTUNES, DRUCK, 2015, p. 22). Em síntese, o
toyotismo se diferencia do taylorismo e do fordismo nos seguintes traços:

1) é uma produção diretamente vinculada à demanda, diferenciando-se da produção


em série e de massa do taylorismo/fordismo;

2) depende do trabalho em equipe, com multivariedade de funções, rompendo com o


caráter parcelar típico do fordismo;
3) ela se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário
operar simultaneamente várias máquinas, diferentemente da relação
homem/máquina na qual se baseava o taylorismo/fordismo;

4) tem como princípio o just in time, isto é, a produção deve ser efetivada no menor
tempo possível; 5) desenvolve-se o sistema de kanban, senhas de comando para
reposição de peças e de estoque, uma vez que no toyotismo os estoques são os
menores possíveis, em comparação com o fordismo;

6) as empresas do complexo produtivo toyotista têm uma estrutura horizontalizada,


ao contrário da verticalidade fordista. Enquanto na fábrica fordista aproximadamente
75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por
somente 25% e a terceirização/subcontratação passa a ser central na estratégia
patronal. Essa ‘horizontalização’ estende-se às subcontratadas, às firmas
‘terceirizadas’, acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a
rede de subcontratação. E essa tendência vem se intensificando ainda mais e nos dias
atuais, onde a empresa flexível defende e implementa a terceirização não só das
atividades-meio, mas também das atividades-fim;

7) desenvolve a criação de círculos de controle de qualidade (CCQs), visando a


melhoraria da produtividade das empresas e permitindo às empresas apropriar-se do
savoir faire intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava
(ANTUNES; DRUCK, 2015, p. 22-23, grifos dos autores).

Essas mudanças trouxeram à tona a desregulamentação e a precarização do


trabalho, no qual passou a se manifestar de diferentes formas como a ampliação das
terceirizações e dos trabalhos temporários, a perda da força dos sindicatos e a retiradas dos
direitos trabalhistas, assim como a flexibilização dos salários e o aumento do desemprego, no
qual este último, agora, cresce de forma crônica. Eis, portanto, uma nova forma de ser do
trabalho, que, para atender de forma precisa as necessidades do capital no contexto de crise
estrutural, exigindo do trabalhador brasileiro um novo perfil profissional. Com isso, o
mercado de trabalho passou a admitir o trabalhador que seja polivalente, multifuncional,
62

qualificado, em outras palavras, o trabalhador que é capaz de se adaptar, sem muitas


dificuldades, às atuais condições de trabalho engendradas pelo toyotismo.
Com base nisso:

Uma característica presente na educação profissional nos dias atuais é a


polivalência, termo empregado para qualificar o trabalhador como aquele que está
apto a desempenhar várias funções em nome de um aumento na produção e,
consequentemente o consumo, continuando assim o ciclo do capital. Algumas vezes,
o termo polivalência é utilizado como sinônimo de politecnia, como se esta palavra
tivesse o mesmo significado de polivalência, em favor do capitalismo. Uma
formação que faz do estudante um ser capaz de desempenhar várias funções em um
ambiente em prol do desenvolvimento econômico e não em prol do desenvolvimento
humano como é o sentido originário do termo politecnia, o contrário disso só é
possível em uma sociedade adversa a nossa, ou seja, no socialismo (RAFAEL;
RIBEIRO; MENDES SEGUNDO, 2016, p. 381-382).

Diante desse contexto, a educação escolar passou a ser utilizada como uma
mediação responsável por formar o trabalhador com as qualidades profissionais que a
sociedade atual precisa. Isso não é algo contraditório, mas sim a educação realizando a sua
função conservadora, que é a de influenciar os homens a reagirem às novas alternativas de
vida do modo socialmente intencionado. Assim, a educação escolar busca se organizar, em
suas formas e em seus conteúdos, de forma que possa garantir a continuidade da existência da
sociedade capitalista e das relações do capital, pois como tem destacado Lukács (2013, p.
177) “Toda sociedade reivindica certa quantidade de conhecimentos, habilidades,
comportamentos etc. de seus membros; o conteúdo, o método, a duração etc. da educação no
sentido mais estrito são as consequências das carências sociais daí surgidas”. E o novo perfil
de trabalhador é uma carência social surgida no contexto da crise estrutural do capital.
Nesse sentido, Santos (2017, p. 15-16,) afirma que:

O atual estágio do capitalismo contemporâneo, que se encontra em crise profunda,


demanda, por intermédio da administração do Estado, uma escola que forme o
trabalhador para um mundo em “câmbio constante”. Esse “novo” modelo escolar
apresenta algumas especificidades: planejamento, currículo, metodologia, conteúdo,
didática, avaliação, entre outros elementos do processo de aprendizagem-ensino que
possam ofertar garantias ao próprio Estado, aos empresários e às agências
internacionais de orientação e monitoramento, que essa educação terá a eficiência
almejada pelo mercado de trabalho capitalista.

Desse modo, percebe-se, então, que há uma subordinação da educação escolar aos
interesses da sociedade capitalista e das relações do capital, sendo esta expressa na atual
relação que é assumida entre trabalho e educação na sociedade brasileira, no qual a escola
busca preparar os indivíduos, ainda que de forma precária, apenas para o mercado de trabalho
63

e o exercício da cidadania, ficando em último e inatingível plano o desenvolvimento pleno


dos indivíduos, isto é, a formação integral dos estudantes. Nesse contexto, a centralidade do
trabalho tem ganhado destaque nas determinações dos organismos internacionais 34 e nas
novas políticas educacionais35 que têm sido implementadas nos países desenvolvidos e
subdesenvolvidos nas últimas quatro décadas, isto é, a partir dos anos 1970.
No Brasil, por exemplo, encontramos o trabalho até mesmo como princípio
educativo, no qual as escolas estão formando os alunos para o trabalho alienado, ou melhor, a
sua submissão às relações de dominação e de exploração do homem pelo homem em prol da
acumulação dos lucros para o capital, pois essa é a base sobre a qual o trabalho encontra-se
estruturado na sociedade capitalista. Dessa forma, é preciso que fique claro que a educação
tem sido utilizada como uma das principais estratégias para manter a lógica de reprodução da
sociedade capitalista e das relações do capital. E no contexto de reestruturação produtiva e das
novas mudanças que a sociedade tem enfrentado a Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) (2008, p. 11, grifos nossos) tem sugerido e
defendido um modelo de educação que possa:

[...] conferir aos jovens a capacidade de desenvolver personalidades produtivas,


responsáveis, bem equipadas para a vida e para o trabalho na atual sociedade do
conhecimento baseada na tecnologia. É claro que, para que os indivíduos logrem
ajustar-se e competir no ambiente em rápida evolução que caracteriza o mundo
contemporâneo, necessitam de um repertório de habilidades para a vida que inclui,
entre outras, habilidades analíticas e de resolução de problemas, criatividade,
flexibilidade, mobilidade e empreendedorismo.

Para isso:

Os conteúdos curriculares ou de aprendizagem abarcarão competências essenciais e


outras, opcionais, em função de necessidades específicas da coletividade.
Competências essenciais tais como o letramento e a numerização serão
reforçadas, desenvolvidas e complementadas com a responsabilidade cívica e a
cidadania. Entre as competências transversais, estariam incluídas áreas como a
comunicação, o espírito de equipe, o empreendedorismo e as habilidades em
informática (UNESCO, 2008, p. 16, grifos nossos).

34
O termo organismo internacional “[...] refere-se tradicionalmente ao sistema das Nações Unidas, sendo a
Unesco e a Unicef as agências especializadas em educação. Entretanto, existem outros tipos de organizações
internacionais que têm influência significativa no setor educacional, tais como o Banco Mundial, a Organização
Mundial do Comércio (OMC) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Ocde). Cada
uma dessas organizações apresenta sua própria história e sua própria visão de Educação” (AKKARI, 2011, p. 27-
28). Além dos organismos mencionados por Akkari (2011) outros também existem e discutem sobre a educação,
como é o caso do Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI).
35
O Decreto n. 5.154 de 2004 é um exemplo claro disso. No Art. 2, inciso III, encontramos a centralidade do
trabalho como princípio educativo como uma das premissas da educação nacional.
64

Esse discurso é unânime entre os organismos internacionais e tem afetado nas


reformulações das novas políticas educacionais no Brasil, entre elas a que constitui o nosso
objeto de estudo: o novo Ensino Médio e os documentos, que são responsáveis por
regulamentar as novas mudanças no currículo escolar e a forma como o processo educativo
deve ser realizado no Ensino Médio, como a BNCC e a Resolução n. 3/2018. A partir disso, é
possível identificar que só permanecem no currículo escolar as disciplinas que contribuem de
forma precisa para o novo perfil do trabalhador que a sociedade atual necessita no contexto da
crise contemporânea do capital. Como resultado disciplinas como Artes, Filosofia, Sociologia
e Educação Física, entre outras, passaram a perder a sua centralidade no currículo escolar e na
formação dos alunos, com as suas ofertas ameaçadas, principalmente, na última etapa da
Educação Básica no Brasil, ou seja, durante o Ensino Médio.
Isso ocorre porque o capital só legitima no interior da escola o que serve para
elevar as suas taxas de lucros e que pode contribuir com a garantia da sua hegemonia
enquanto um sistema social global (MELLO, 2014). E como a crise em curso atinge todos os
complexos sociais algumas áreas de conhecimento são drasticamente afetadas como é caso,
por exemplo, da Educação Física. Dessa forma, só permanecem no currículo escolar os
conhecimentos que vão ao encontro dos interesses do capital, ficando, na maioria das vezes, a
formação plena, quer dizer, a formação integral dos estudantes, apenas no papel, esbarrando,
assim, na realidade concreta. Nesse contexto, passamos a presenciar o esvaziamento dos
conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal do currículo escolar,
sendo este último conhecimento o objeto de estudo da Educação Física escolar.
A compressão dessa questão está intimamente relacionada com o processo de
reestruturação produtiva que tratamos logo acima, bem como as recomendações realizadas
pelos organismos internacionais, pois basta analisarmos o que a UNESCO tem privilegiado
no currículo escolar, defendendo uma formação pautada no desenvolvimento de habilidades e
competências que giram em torno da leitura, da escrita e da numerização, retirando ou
diminuindo a importância de área como a de Educação Física no percurso formativo dos
alunos para ministrar aulas sobre o exercício da cidadania, o espírito de equipe, o
empreendedorismo, as competências socioemocionais e outros conteúdos que passaram a ser
importantes não para a formação humana, mas, sim, para a manutenção da sociedade vigente
e a expansão do capital em tempos de crise. No que concerne ao processo de restruturação e a
mudanças na área de Educação Física, Nozaki (2004, p. 7, grifos nossos) destaca que:
65

Ao mesmo tempo em que o campo educacional se reconfigura atualmente para


formar um trabalhador polivalente, com capacidade de abstração, raciocínio lógico,
crítica, interatividade e decisão, por outro lado, a educação física gestada pelos
modelos hegemônicos foi sempre vista como uma disciplina reprodutora de
movimentos. Para esta nova perspectiva, ela acabou perdendo, sob um ponto de
vista imediato, sua centralidade na composição do projeto dominante, como
historicamente costumou ter. Levando-se em conta o novo modelo de formação
humana para o mundo do trabalho imposto pela globalização, percebemos a clara
importância de algumas disciplinas escolares estratégicas para a formação das
competências necessárias para o enquadramento do trabalhador. Seriam elas
disciplinas que interagiriam na capacidade de raciocínio abstrato, que apostariam na
formação para a interação em grupo e que tentariam dar o aporte funcional dos
conhecimentos mais recentemente desenvolvidos no campo tecnológico. Para tal
investida, algumas outras disciplinas, tais como educação física e educação
artística, parecem ser descartáveis [...].

A citação acima e os acontecimentos históricos reais da educação brasileira


deixam claro que nem sempre a Educação Física foi posta de lado no currículo escolar. Por
um longo período de tempo, ela conseguiu se legitimar no interior da escola como uma área
de conhecimento importante para a formação dos alunos sobre o olhar do projeto pedagógico
dominante. Isso perdurou de 1851 até o início dos anos 1980, com momentos ela sendo mais
conservadora e em outros momentos ela sendo mais progressista, ou seja, preocupada com a
formação integral dos alunos e em alguns casos com as lutas sociais postas em curso pela
classe trabalhadora, se diferenciando, portanto, de acordo com a tendência pedagógica da área
que se manifestava de forma hegemônica na sociedade.
Portanto, podemos afirmar que a Educação Física serviu, fortemente, aos
interesses do capital e da sociedade capitalista, contribuindo, assim, com a formação de
sujeitos obedientes, fortes, saudáveis e patriotas, em outras palavras, possuidores dos valores
e das condutas que a classe dominante precisava para manter o status quo e fazer as suas
atividades comerciais e industriais funcionarem de forma que pudessem ampliar as taxas de
lucros para acumulação do capital. Neste contexto, a Educação Física foi utilizada como um
instrumento político e ideológico para contribuir com a consolidação e a expansão da
sociedade capitalista e das relações do capital no Brasil. Isso foi possível por meio da
implementação de diferentes tendências pedagógicas da área, no qual merece destaque quatro
por serem conservadoras, sendo elas, respectivamente, a Higienista, a Militarista, a
Pedagogicista e a Competitivista.
66

3 O NOVO ENSINO MÉDIO E A LEGITIMAÇÃO DA DICOTOMIA


EDUCACIONAL NO BRASIL: UMA REORGANIZAÇÃO ESCOLAR NECESSÁRIA
PARA ATENDER ÀS NOVAS NECESSIDADES DO CAPITAL

Este capítulo encontra-se organizado em três seções, na 3.1 tratamos sobre o


Ensino Médio no Brasil e a sua integração com a Educação Profissional a partir da década de
1990; na 3.2 discorremos sobre a conjuntura política, que deu origem a reforma e a instituição
do novo Ensino Médio no país; na 3.3 abordamos a forma de organização do Ensino Médio
regular antigo e do novo Ensino Médio, apontando as principais implicações dessa política
educacional na formação da classe trabalhadora e a relação do novo Ensino Médio com as
divisões sociais realizadas no interior do complexo da educação.

3.1 O Ensino Médio brasileiro e a sua integração com a Educação Profissional a partir
da década de 1990: a ascensão das políticas públicas neoliberais no país

Tratamos, nesta seção, sobre as mudanças ocorridas em torno da integração do


Ensino Médio com a Educação Profissional no Brasil, a partir da década de 1990. Para isso,
tomamos como ponto de partida a política educacional realizada por Fernando Henrique
Cardoso (1995-2003) e Lula da Silva (2003-2011), responsáveis por aprovar algumas Leis e
Decretos que alteraram a organização do Ensino Médio e da Educação Profissional.
Consideramos necessário fazer esse recorte histórico, porque foi a partir desse período que
passamos a presenciar uma maior influência dos organismos internacionais sobre a
organização da educação escolar no Brasil, no qual as reformas educacionais implementadas
foram frutos do desenvolvimento de políticas públicas neoliberais 36 no país.
Diante disso, Nascimento e Bezerra (2022, p. 322-323) confirmam que:

“[...] a década de 1990 foi marcada, principalmente, pelo advento da globalização


acompanhada da ideologia neoliberal, que disseminou políticas que passaram a
influenciar toda organização mundial, que interferem, diretamente, no papel do

36
Para Gentili (2007, p. 230), “o neoliberalismo expressa uma saída política, econômica, jurídica e cultural
específica para a crise hegemônica que começa atravessar a economia do mundo capitalista como produto do
esgotamento do regime de acumulação fordista”. Nesse sentido, Gomes e Souza (2020, p. 391, grifos nossos)
acrescentam que “[...] é a partir dos anos 80 que o projeto neoliberal começa a ser aplicado na prática em países
desenvolvidos (Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra) e, posteriormente, esse ‘receituário’ se alastra para os
demais países do globo. No Brasil, esse processo inicia no final dos anos 80, período concomitante com o
processo de redemocratização civil. A política adotada no período obedeceu aos padrões internacionais,
concretizando, assim, a redução do aparato estatal (através das privatizações) e oferecendo maior liberdade
de mercado através das desregulamentações na área econômica”.
67

Estado, exigindo a criação e a manutenção de uma estrutura institucional apropriada


para as práticas de livre mercado, com diminuta regulação. Dessa maneira, as
políticas neoliberais foram disseminadas por meio da interferência dos organismos
internacionais como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, a Unesco,
entre outros, atingindo todos os setores - desde a economia, mundo do trabalho,
áreas sociais, inclusive as políticas educacionais brasileiras.

Nesse contexto, destaca-se, no Brasil, o Presidente da República Fernando


Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), por ser ele o
responsável por fortalecer e valorizar a lógica neoliberal e as recomendações dos organismos
internacionais durante os dois mandatos do seu governo (OLIVEIRA, 2020). Ele pretendia
modernizar a forma de funcionamento do Estado brasileiro, o que fez com que as ações do seu
governo passassem a implicar no processo de privatizações de algumas empresas públicas,
assim como no ataque aos direitos trabalhistas e sociais assegurados pelo texto da
Constituição Federal de 1988. Como consequência, as reformas realizadas afetaram, também,
o setor educacional, que sofreu novas alterações na sua organização e no financiamento.
A respeito disso, Amâncio (2022, p. 66-67, grifos nossos) afirma que:

O conjunto das contrarreformas ocorridas na gestão FHC foi na contramão dos


direitos e garantias conquistados na Constituição Federal de 1988. Como
exemplo, a priorização do ensino fundamental na política de financiamento, por
meio da instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), criado em 1996 e com
vigência obrigatória a partir de 1998. Era um fundo de natureza contábil que visava
a universalizar o ensino fundamental e remunerar condignamente o magistério,
instituído no âmbito de cada estado e do Distrito Federal pela Emenda
Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei nº 9.424,
de 24 de dezembro 1996 e pelo Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997, com
vigência obrigatória a partir de 1º de janeiro de 1998, e duração de 10 anos. Dentre
as críticas ao Fundo, destaca-se que este, ao contemplar somente o ensino
fundamental, enfraquecia as demais etapas e níveis de ensino (educação infantil,
ensino médio e ensino superior) [...] Além disso, a contrapartida de recursos federais
foi reduzida drasticamente, mantendo somente uma contribuição ínfima para
complementar os valores repassados aos estados e municípios, quando estes não
alcançavam o total da arrecadação prevista [...] Tais contrarreformas resultaram
na reestruturação do ensino no Brasil nos seus aspectos relativos à organização
escolar, à redefinição dos currículos, à avaliação, à gestão e ao seu
financiamento. Especialmente, na educação básica, as mudanças realizadas
redefiniram sua estrutura.

Nesse sentido, Oliveira (2020, p. 72, grifos nossos) acrescenta, ainda, que:

Dentre as mudanças no campo das políticas educacionais do governo FHC é


importante ressaltar o surgimento do sistema nacional de avaliações, tanto no âmbito
da educação básica quanto no ensino superior, como o Sistema de Avaliação da
Educação Básica (SAEB), Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o
PROVÃO, atual Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(SINAES). Tais avaliações tinham como finalidade avaliar a qualidade da
68

educação a partir de indicadores pré-estabelecidos. Alguns deles atendendo aos


acordos de âmbito internacional, como a Conferência Mundial de Educação
para Todos. É importante ressaltar que tais modificações no campo das políticas
tinham como finalidade modernizar a educação brasileira atendendo aos anseios da
economia nacional [...].

Passamos, neste momento, a tratar sobre a política educacional de Fernando


Henrique Cardoso para o Ensino Médio e como ela se relacionou com a Educação
Profissional. O primeiro ponto a ressaltar é que foi durante o seu governo que tivemos a
promulgação da terceira LDBEN n. 9.394/96, aprovada no dia 20 de dezembro de 1996, no
qual o Art. 2 passou a considerar a educação escolar como um “[...] dever da família e do
Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, p. 1, grifos nossos).
Com base nisso, constata-se que o texto presente na Lei n. 9.394/96 passou a
colocar a família como a primeira responsável pela oferta da educação escolar. Logo, percebe-
se que o Estado buscou, de certa forma, se distanciar de sua responsabilidade com a oferta da
educação escolar, uma vez que há uma mudança de ordem no texto do Art. 205 da
Constituição Federal de 1988, em que considera a educação como um “[...] direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p. 127, grifos nossos).
O segundo ponto a ressaltar é que o Art. 35 da Lei n. 9.394/96 passou a
reconhecer o Ensino Médio como a etapa final da Educação Básica, o que conferiu a este
nível de ensino, conforme aponta os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL,
2000), uma nova identidade. Sendo assim, o Ensino Médio, enquanto última etapa da
educação básica, com duração mínima de três anos, passou a ter quatro finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino


fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para


continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação


ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos


produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina
(BRASIL, 1996, p. 8-9, grifos nossos).
69

Em consideração a isso, constata-se que o Ensino Médio buscou desenvolver


habilidades e competências necessárias para a preparação dos alunos para o exercício da
cidadania e para o trabalho, porém, sem ser profissionalizante, ofertando uma formação para a
vida, uma vez que a Educação Profissional assumiu um caráter complementar. Diante
disso, Santos (2017) esclarece que o Art. 36a da Lei n. 9.394/96 deixou o Estado desobrigado
de ofertar durante o Ensino Médio o ensino profissionalizante. Isso leva-nos a afirmar que a
referida lei não permitiu a integração do Ensino Médio com a Educação Profissional, uma vez
que esta modalidade de educação ficou destinada para os alunos e egressos do Ensino
Fundamental, Médio e Superior, assim como para o trabalhador em geral.

Com tal desobrigação do Estado em oferecer a educação profissionalizante de modo


regular e na esfera pública, a profissionalização passaria a ser oferecida, por
exemplo, em espaços não-formais de qualificação e aperfeiçoamento de mão de
obra, a exemplo de empresas, Organizações Não-Governamentais (ONGs), bem
como nas indefinidas instituições da chamada sociedade civil. No Art. 36 do
quarto parágrafo, lê-se o seguinte: “a preparação geral para o trabalho e,
facultativamente, a habilitação profissional poderão ser desenvolvidas nos
próprios estabelecimentos de ensino médio ou em cooperação com instituições
especializadas em educação profissional”. Esse quadro leva-nos a indicar que tal
lei acentua a dualidade [dicotomia] entre ensino médio considerado regular e a
formação específica para um ofício destinado ao mercado de trabalho capitalista,
visto que deixa em aberto a possibilidade para que a iniciativa privada possa aqui se
expandir (SANTOS, 2017, p. 189, grifos nossos).

A despeito de tais questões, ainda faltava um elemento para que a iniciativa


privada pudesse ter o seu sucesso garantido com a oferta do ensino profissionalizante como
uma mercadoria a ser vendida no Brasil. Faltava a “cereja do bolo” e ela veio quatro meses
depois de ser aprovada a Lei n. 9.394/96, por meio do Decreto n. 2.208/9737, aprovado em 17
de abril de 1997, que atendia, de forma precisa, os interesses dos empresários que pretendiam
lucrar com a venda da educação no país. Logo, seguindo os preceitos da lógica neoliberal,
Fernando Henrique Cardoso promulgou dois dispositivos, respectivamente, a Lei n. 9.394/96
e o Decreto n. 2.208/97, que fez com que o Estado brasileiro abrisse mão da responsabilidade
de ofertar a educação profissionalizante de forma integrada com o Ensino Médio.
Sobre esta questão, Santos (2017, p. 191, grifos do autor) afirma que:

[...] o governo, ao abrir à iniciativa privada esse nicho de mercado, atende a dois
objetivos de orientação neoliberal que se complementam em suas finalidades. Se,
por um lado, o governo se isenta de custear uma formação técnico-científica

37
Responsável por regulamentar o § 2 º do art. 36 e os Arts. 39 a 42 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
70

articulada ao ensino médio, pois este tipo de educação acaba onerando mais do que
uma formação propedêutica nos moldes das que se ofertam no ensino médio
público, sobretudo o noturno, por outro, abre ao empresariado a possibilidade de
lucrar com a educação do trabalhador. Em resumo, cortar gastos diretos com a
educação pública ou mesmo eliminá-los e ainda ceder espaço para a venda da
educação faz parte da lógica política do que se chama de Estado mínimo.

Dessa forma, se a Lei 9.394/96 passou a acentuar a dicotomia educacional em


nossa sociedade, podemos afirmar que o Decreto n. 2.208/97 a reforçou no final dos anos
1990, com a regulamentação do §2º do art. 36 e os Arts. 39 a 42, da Lei n. 9.394/96, que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. De acordo com o Art. 1 do Decreto n.
2.208/97, a Educação Profissional passou a ter quatro objetivos:

I - promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, capacitando jovens e


adultos com conhecimentos e habilidades gerais e específicas para o exercício de
atividades produtivas;

Il - proporcionar a formação de profissionais, aptos a exercerem atividades


específicas no trabalho, com escolaridade correspondente aos níveis médio, superior
e de pós-graduação;

III - especializar, aperfeiçoar e atualizar o trabalhador em seus conhecimento


tecnológicos;

IV - qualificar, reprofissionalizar e atualizar jovens e adultos trabalhadores, com


qualquer nível de escolaridade, visando a sua inserção e melhor desempenho no
exercício do trabalho (BRASIL, 1997, p. 1).

Por outro lado, o Art. 3 passou a reconhecer três níveis de Educação Profissional:

I - básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de


trabalhadores, independente de escolaridade prévia;

II - técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados


ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este
Decreto;

III - tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica,


destinados a egressos do ensino médio e técnico (BRASIL, 1997, p. 1, grifos nosso).

O nível básico destinava-se à maioria dos trabalhadores, independentemente da


sua escolaridade; o nível técnico destinava-se aos matriculados ou egressos do Ensino Médio
e o nível tecnológico correspondia aos cursos de nível superior na área tecnológica e estavam
destinados para os alunos egressos do Ensino Médio e dos cursos técnicos (MANFREDI,
2022). Dessa forma, constata-se que o Decreto se contrapõe à proposta de educação
encontrada na Lei n. 9.394/96, no qual tinha como objetivo proporcionar, inicialmente, uma
71

formação geral para os alunos ao decorrer da Educação Básica e em seguida a Educação


Profissional. Isso ocorreu, conforme aponta Xerez (2013), porque a Lei n. 9.394/96 tratou
separadamente Educação Básica e Educação Profissional.
Diante do exposto, cabe, neste momento, uma pergunta: Como ficou a integração
do Ensino Médio com a Educação Profissional a partir do Decreto n. 2.208/97? A resposta a
essa pergunta encontra-se no Art. 5 do referido Decreto, no qual passou a reconhecer duas
formas possíveis de acesso ao aluno e egresso do Ensino Médio a Educação Profissional, uma
vez que a Educação Profissional de nível técnico passou a ter uma organização curricular
própria e independente do Ensino Médio, podendo ser oferecida de duas formas: a primeira
concomitante e a segunda sequencial. Ou seja, o Decreto em questão não permitiu a
integração do Ensino Médio com a Educação Profissional, ficando o acesso dos alunos ao
curso de nível técnico de acordo com essas duas formas.
Sendo assim, podemos afirmar que na forma concomitante o aluno poderia cursar
o ensino técnico ao mesmo tempo em que cursava o Ensino Médio. Isso acontecia com
matrículas distintas, ou seja, o aluno poderia ter a sua matrícula em uma instituição de Ensino
Médio e outra matrícula em uma instituição que ofertasse o ensino técnico, que poderia ser
privada ou pública, porém, como já mencionamos, o Estado buscou se distanciar dessa
responsabilidade, abrindo as portas para a iniciativa privada lucrar com a venda da educação.
Diferente da forma concomitante, na forma sequencial o aluno podia se matricular em um
curso de ensino técnico após a conclusão do Ensino Médio, dando início, assim, a sua
formação profissional após ter concluído a Educação Básica.
Em suma, Vidal (2015, p. 84-85, grifos nossos) aponta que:

Com efeito, as medidas do decreto nº 2.208/97 trouxe como consequência o


drástico empobrecimento científico-filosófico da educação, representado pela
separação entre a formação geral e profissional, a oferta de formação
profissional por instituições pouco especializadas e o desmonte dos centros de
ensino tecnológico (Cefets), decreto que foi incansavelmente combatido pelo
Movimento Docente. Para concluir, o texto do Decreto trata de uma “normatização
retrógrada” e a reforma instituída pelo Decreto nº 2.208/97 configura mais um
movimento do tipo zig-zag, característico da política educacional no Brasil, cujo
resultado tem sido a desorganização do ensino, a queda da qualidade e a
desmotivação dos professores. Um componente essencial na política educacional
é a formação do docente da educação profissional. O decreto nº 2.208/97
representa um retrocesso em relação à formação docente para a educação
profissional. No nono artigo, chega a afirmar que as disciplinas do currículo do
ensino técnico serão ministradas por professores, instrutores e monitores
selecionados, principalmente, em função de sua experiência profissional. Assim,
a política educacional, em especial no decreto nº 2.208/97, teve como consequência
a fragmentação do sistema nacional de educação, o apoio às instituições
privadas e a submissão da educação à lógica dos “homens de negócios”.
72

Desse modo, fica claro que as mudanças realizadas pelo governo de Fernando
Henrique Cardoso na educação vão ao encontro da reestruturação produtiva iniciada nos
países desenvolvidos e subdesenvolvidos a partir dos anos 1970, período em que foi
instaurada a crise estrutural do capital. Isso leva-nos a afirmar que o Brasil chegou aos anos
1990 não respondendo adequadamente aos interesses do capital, assim como não ofertando
uma educação escolar capaz de formar força de trabalho mais qualificada e adequada às novas
relações sociais e de produção exigido pelo padrão de produção toyotista, que necessita de um
trabalhador polivalente, flexível, multifuncional. Em outras palavras, capaz de se adaptar às
constantes mudanças do mundo do trabalho e da sociedade capitalista.
Nesse sentido, Manfredi (2002, p. 128) confirma que:

A reforma dos ensinos médio e profissional do governo de Fernando Henrique


Cardoso, tal como inúmeras outras reformas que têm conformado as políticas
educacionais, anuncia como seu objetivo prioritário a melhoria da oferta educacional
e sua adequação às novas demandas econômicas e sociais da sociedade globalizada,
portadora de novos padrões de produtividade e competitividade. Assim é que se
propõe modernizar o ensino médio e o ensino profissional no País, de maneira que
acompanhem o avanço tecnológico e atendam às demandas do mercado de trabalho,
que exige flexibilidade, qualidade e produtividade.

Posto isso, passaremos, a partir desse momento, tratar sobre a relação do Ensino
Médio com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio nos governos que sucederam
Fernando Henrique Cardoso, respectivamente, o de Lula da Silva e o de Dilma Rousseff,
ambos pertencentes ao Partido dos Trabalhadores (PT). No que concerne ao governo de Lula
da Silva, trataremos sobre o Decreto de n. 5.154/04, aprovado no dia 23 de julho de 2004,
responsável por regulamentar o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei n. 9.394/96, que
estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e trouxe outras providências para
organização da Educação Profissional no país. Além disso, no art. 9, o Decreto n. 5.154/04
encaminhou a revogação do Decreto n. 2.208/97.
O art. 1 do Decreto de n. 5.154/04 trouxe no seu texto que a Educação
Profissional será desenvolvida no Brasil por meio de cursos e programas, sendo estes: I
formação inicial e continuada de trabalhadores; II Educação Profissional Técnica de Nível
Médio e III educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação. Até aqui não
encontramos grandes mudanças quando comparado com o Decreto n. 2.208/97. No entanto, já
no Art. 2 do Decreto aprovado por Lula encontramos algumas alterações e conquistas que
caminham na direção apontada e defendida por alguns educadores pertencentes à esquerda
73

progressista do país, onde merece destaque o reconhecimento do trabalho como principio


educativo38 com uma das premissas da Educação Profissional do país.
No que concerne à formação profissional técnica de nível médio, o Decreto
5.154/04 trouxe a tão esperada possibilidade de integração da Educação Profissional com o
Ensino Médio, algo negado no texto inicial da Lei n. 9.394/96 e no texto do Decreto 2.208/97,
aprovados no governo de Fernando Henrique Cardoso. Com base nisso, o Art. 4 do Decreto
5.154/04, especificamente no § 1º, passou a reconhecer três formas possíveis dessa articulação
ser realizada. As mudanças estabelecidas resgatam a oportunidade do estudante brasileiro sair
do Ensino Médio já com uma habilitação profissional para disputar uma oportunidade de
emprego no tão concorrido mercado de trabalho, uma vez que a articulação entre Educação
Profissional e o Ensino Médio se deu de três formas:

I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental,


sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional
técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula
única para cada aluno;

II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino


fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade
entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a
existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer: a) na mesma
instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis;
b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades
educacionais disponíveis; ou c) em instituições de ensino distintas, mediante
convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o
desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados;

III - subsequente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio


(BRASIL, 2004, p. 2, grifos nossos).

Posto isso, fica claro que o Decreto 5.154/04 ampliou a oferta de educação
voltada especificamente para a profissionalização no Brasil. Com a aprovação desse
dispositivo os filhos da classe trabalhadora passaram a encontrar três formas diferentes de ter
acesso à Educação Profissional Técnica de Nível Médio, conforme expomos logo acima. Isso

38
Essa tese é defendida pelo filósofo italiano marxista Antonio Gramsci. No Brasil, essa concepção pedagógica
tem sido defendida pelo professor Dermeval Saviani e alguns dos seus seguidores, como Gaudêncio Frigotto,
Maria Ciavatta, Marise Ramos, Paolo Nosella, dentre outros educadores alinhados ao chamado campo da
esquerda progressista. Nesse sentido, Ciavatta e Ramos (2011, p. 31-32) destaca, em linhas gerais, que o trabalho
como princípio educativo tem como objetivo “[...] proporcionar aos sujeitos a compreensão do processo histórico
de produção científica, tecnológica e cultural dos grupos sociais considerada como conhecimentos desenvolvidos
e apropriados socialmente, para a transformação das condições naturais da vida e para a ampliação das
capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos. Ao mesmo tempo, é pela apreensão dos conteúdos
históricos do trabalho, determinados pelo modo de produção no qual este se realiza, que se pode compreender as
relações sociais e, no interior dessas, as condições de exploração do trabalho humano, assim como de sua relação
com o modo de ser da educação”.
74

leva-nos a destacar que o Decreto em questão não resolveu o problema da dicotomia


educacional presentes na sociedade brasileira e que foi, por assim dizer, oficializado por meio
do Decreto 2.208/97. Desse modo, não superamos a oferta de uma educação propedêutica,
destinada para os filhos da classe dominante, e a oferta de uma educação profissionalizante,
voltada para os filhos da classe trabalhadora.
Nesse sentido, Santos (2017, p. 198-199, grifos nossos) argumenta que:

Embora tenha criticado severamente a dualidade oficializada pelo dispositivo


anterior, a normatividade sucessora mantém a possibilidade de separação entre os
dois níveis de ensino, ou seja, permanece a opção de oferta dos cursos
desintegrados, como visto acima por meio da terceira possibilidade de escolha. A
questão da fragmentação e aligeiramento também não é solucionada pelo
Decreto Nº 5.154/04. Mesmo com as severas críticas de seus criadores aos cursos
modulados e aligeirados, oficializados pelo documento anterior, continua possível a
oferta de cursos de curta duração, isto é, o aligeiramento proporcionado pela
fragmentação modular continua intocado na norma sucessora. Não é oneroso
destacar que o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB) nº 39/04
reconheceu na modalidade de educação profissional a forma integrada com
curso, matrícula e conclusão únicos. Porém, estabeleceu que os conteúdos do
ensino médio e da educação profissional são de naturezas distintas. Disso
decorre que o chamado currículo integrado torna-se dicotômico ao ser
organizado com base em concepções educacionais distintas, sejam elas de
formação para a chamada cidadania, para o dito mundo do trabalho, para o exercício
intelectual ou para a prática profissional de chão de fábrica, não resolvendo,
portanto, a separação entre a formação geral e a almejada formação técnica,
propalada por meio do Decreto nº 5.154/04.

O autor segue afirmando que na prática não percebe uma real revogação do
Decreto n. 2.208/97 pelo n. Decreto 5.154/05, embora o art. 9 traga isso no seu texto. Defendo
o seu ponto de vista, Santos (2017, p. 204-205, grifos do autor) esclarece que:

O fato concreto de que os cursos modulados, aligeirados, fragmentados,


segmentados, concomitantes e sequenciais são mais baratos para a iniciativa privada,
assegura para os empresários [...] esse nicho de mercado, que se tornou a
profissionalização dos trabalhadores. Esse sim é o verdadeiro motivo pelo qual não
houve revogação, embora seja dito no texto oficial e repetido pelos intelectuais
alinhados ao MEC. Em síntese. Após o Decreto N° 5.145/04 ser promulgado, fica
aberta, decerto, a possibilidade do retorno da integração entre o nível médio e a
modalidade profissionalizante. Entretanto, o aligeiramento e a fragmentação, entre
outras questões severamente criticadas no texto do Decreto N° 2.208/97,
permanecem no dispositivo que o sucede, ademais, a nova legislação não impediu a
desintegração. O que se efetivou na prática foi uma espécie de “pode tudo”:
integração que pode se dar em uma mesma instituição e desintegração em dois
momentos distintos. No primeiro tipo dessa desintegração, o jovem precisa terminar
o ensino médio em uma escola e, depois de concluí-lo, cursar o profissionalizante na
mesma instituição ou em outra – também chamado de pós-médio. Já no segundo
tipo, o jovem-trabalhador estudante precisa fazer o ensino médio em uma escola e ao
mesmo tempo – de modo concomitante – cursar o profissionalizante em outra, ou na
mesma instituição, como é o caso dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFs). Para que esse paralelismo seja possível, o estudante terá que
utilizar dois expedientes do seu dia, o que se torna inviável para os frequentadores
75

que precisam estudar e trabalhar ao mesmo tempo, como é o caso da maior parcela
da clientela que busca a profissionalização precoce.

Diante do exposto, constata-se que Lula da Silva, assim como Fernando Henrique
Cardoso, organizou a oferta da educação profissionalizante alinhada às orientações
neoliberais, visando garantir a formação de mão de obra de nível médio adequada para
atender as necessidades do setor produtivo, reforçando, com isso, a subordinação da educação
aos interesses do mercado de trabalho. Outro ponto a destacar é que as parcerias público-
privadas não foram superadas, o que leva-nos a considerar que o que tivemos no governo de
Lula da Silva foi à expansão da oferta da formação profissional técnica de nível pelo Brasil de
forma flexível, aligeirada e fragmentada, centrada na aprendizagem de habilidades e
competências necessárias para a garantia dos interesses do capital.
Lula da Silva concluiu o segundo mandato de presidente no dia primeiro de
janeiro de 2011, sendo a faixa passada para sua companheira de partido Dilma Rousseff, que
inaugurou um marco na história da política brasileira por ser a primeira mulher a ocupar o
cargo de Presidente da República no país. No seu governo, não tivemos mudanças
significativas em relação à forma como o Ensino Médio se articulou com a Educação
Profissional. Com base nas ações realizadas, é possível constatar que Dilma Rousseff deu
continuidade ao que Lula da Silva deixou estruturado por meio do Decreto n. 5.154/04,
chegando a aprovar alguns dispositivos que favoreceram a ampliação do acesso dos
estudantes aos cursos de formação técnica de nível médio.
Nesse sentido, destaca-se a Lei n. 12.513/11, aprovada no dia 26 de outubro de
2011, sendo a responsável por instituir o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego (PRONATEC), no qual o seu público alvo era prioritariamente os estudantes que
cursaram o Ensino Médio na rede pública de ensino e os trabalhadores que já estavam
inseridos no mercado de trabalho e que queriam aperfeiçoar os conhecimentos profissionais
por meio de um curso técnico. Dessa forma, o programa foi criado com a finalidade de
ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica por meio de ações de
assistência técnica e financeira. O parágrafo único do Art. 1 da referida Lei trouxe os
objetivos específicos do programa, sendo eles:

I - expandir, interiorizar e democratizar a oferta de cursos de educação profissional


técnica de nível médio presencial e a distância e de cursos e programas de formação
inicial e continuada ou qualificação profissional;

II - fomentar e apoiar a expansão da rede física de atendimento da educação


profissional e tecnológica;
76

III - contribuir para a melhoria da qualidade do ensino médio público, por meio
da articulação com a educação profissional;

IV - ampliar as oportunidades educacionais dos trabalhadores, por meio do


incremento da formação e qualificação profissional;

V - estimular a difusão de recursos pedagógicos para apoiar a oferta de cursos de


educação profissional e tecnológica.

VI - estimular a articulação entre a política de educação profissional e


tecnológica e as políticas de geração de trabalho, emprego e renda (BRASIL,
2011, p. 1, grifos nossos).

Para isso, foi preciso estabelecer parcerias com as instituições da rede federal de
Educação Profissional; as instituições de educação profissional e tecnológica das redes
estaduais, distrital e municipais; as instituições dos serviços nacionais de aprendizagem e as
instituições privadas de Ensino Superior e de Educação Profissional e tecnológica habilitadas
para a oferta de cursos técnicos de nível médio. As relações realizadas reforçaram, assim
como o Decreto de n. 2.208/97, uma articulação do Ensino Médio com a Educação
Profissional de forma precária, o que leva-nos a concordar com Lima (2012a, 2012b) quando
afirma que o estado brasileiro buscou, no contexto da crise do capital, resolver a problemática
da formação profissional para o mercado via criação do mercado da formação.
Diante do exposto, constata-se que nem Fernando de Henrique Cardoso, nem Lula
da Silva e nem Dilma Rousseff conseguiram superar a dicotomia educacional que predomina
no interior da sociedade brasileira. Embora o Ensino Médio tenha conquistado a tão esperada
possibilidade de ser integrado com a Educação Profissional, no governo de Lula da Silva e no
de Dilma Rousseff, não foi possível na prática encontrarmos a oferta de uma proposta
educativa capaz de unir ao decorrer da formação dos estudantes a educação propedêutica com
a educação profissionalizante. Logo, fica claro que esses dois ramos de educação
permanecem, ainda, separados pelos muros das escolas públicas e privados, que atendem,
respectivamente, os filhos da classe trabalhadora e os filhos da classe dominante.
Em síntese, realizamos, nessa seção, uma abordagem em torno da integração do
Ensino Médio com a Educação Profissional no Brasil a partir da década de 1990. Nesse
sentido, discutimos algumas Leis e Decretos que foram aprovados, respectivamente, por
Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff, como a Lei n. 9.394/96, o
Decreto de n. 2.208/97 e o de n. 5.154/04, assim como a Lei n. 12.513/11. Assim, nessa
seção, não discutimos sobre a nova reforma do Ensino Médio brasileiro. Esta discussão foi
resguardada para a seção seguinte, no qual discorremos sobre o processo de impeachment
77

sofrido por Dilma Rousseff e as novas reformas aprovadas após o seu afastamento da
Presidência da República, com destaque para a que instituiu o novo Ensino Médio.

3.2 A nova reforma do Ensino Médio: apontamentos sobre a conjuntura política que
resultou no golpe contra a democracia e a educação brasileira

No dia 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi deposta do cargo de Presidente


da República por meio de um Golpe de Estado, mascarado por um processo de impeachment,
organizado pelas forças conservadoras do Congresso Nacional39, com apoio da mídia e do
judiciário para retirar do poder o PT, que há 13 anos vinha governando o Brasil. Com a farsa
do impeachment a direita chegou ao poder, algo que não conseguiu com as eleições
presidenciais de 2014, no qual o seu candidato, Aécio Neves, do (PSDB), saiu derrotado no
segundo turno pela candidata Dilma Rousseff. Como resultado do impeachment, Michel
Temer, vice de Dilma Rousseff desde as eleições de 2010, assumiu a Presidência da
República, colocando em prática uma agenda de cunho neoliberal.
A respeito disso, Oliveira (2020, p. 86, grifos nossos) reitera que:

O golpe sofrido por Dilma Vana Rousseff teve como objetivo a imposição de uma
agenda de governo neoliberal, representada pelos partidos de Direita, tendo à frente
desses Aécio Neves, o qual não foi bem aceito pela maioria da população brasileira,
portanto, não conseguindo vencer as eleições presidenciais do ano de 2014. Dessa
forma, o único caminho encontrado por esse grupo foi tomar de assalto o
comando do país e, para isso, aliaram-se ao grande capital financeiro, à elite
conservadora do país, ao parlamento, ao poder judiciário e às mídias
conservadoras, cujos donos são a elite do país.

Dessa forma, com a realização de um impeachment fraudulento, isto é, sem


apresentação de prova que demonstrasse realmente que Dilma Rousseff havia cometido um
crime de responsabilidade pela prática de pedaladas fiscais, tivemos o afastamento da
primeira mulher eleita, legitimamente, pelo povo brasileiro para ocupar o cargo de presidente
do Brasil. A chegada de Dilma Rousseff à Presidência da República gerou muita desconfiança
nos seus opositores, que não se cansaram de atacar e de tentar barrar as ações do seu governo
no Congresso Nacional, principalmente, a partir do seu segundo mandato, iniciado no dia 1 de
janeiro de 2015 e cumprido apenas até o dia 31 de agosto de 2016, data da última sessão do
Senado Federal para o julgamento do impeachment em destaque.

39
O Congresso Nacional é a sede do poder legislativo no Brasil, sendo composto pela Câmara dos Deputados e o
Senado Federal, no qual são conhecidos, respectivamente, como a Câmara Baixa e a Câmara Alta.
78

Poderíamos, aqui, trazer à tona o conjunto de elementos que propiciaram a


realização do Golpe de Estado, proferido contra Dilma e a toda a nação brasileira, porém,
acreditamos não ser necessário, uma vez que o que pretendemos, com esta seção, é deixar
claro que o que aconteceu em 2016 foi um Golpe de Estado40, realizado para que a burguesia
brasileira obtivesse mais uma vez o controle das atividades políticas desenvolvidas no país,
condição necessária para que a classe dominante pudesse colocar em prática um conjunto de
políticas públicas neoliberais, objetivando a privatização dos bens e dos serviços públicos, a
retirada de direitos sociais e trabalhistas, assim como a redução dos investimentos
direcionados para a área da saúde, da educação e para os programas sociais.
Nesse sentido, ao assumir a Presidência da República:

[...] Temer acelerou e aprofundou o processo de ajuste fiscal requerido pelo capital
no País naquele momento, pondo em marcha uma série de ataques aos direitos
trabalhistas. A materialização desses ataques se expressa em leis e outras medidas
austeras, tais como: Lei da Terceirização nº 13.429/17, de 31 de março de 2017,
que altera o regime de trabalho temporário e dispõe sobre as relações de trabalho na
empresa de prestação de serviços a terceiros, liberada para atividades-fim; Lei nº
13.467/17, de 13 de julho de 2017, que institui a Reforma Trabalhista, formula
novas regras que alteram a CLT, flexibiliza as relações de trabalho, cria o trabalho
intermitente, fragiliza os direitos trabalhistas e reverbera de forma devastadora sobre
a juventude mais vulnerável e sobre o mundo do trabalho; a EC nº 95/16, de 15 de
dezembro de 2016, que impôs limites e congelou por vinte anos os investimentos
primários com educação e saúde, comprometendo todo e qualquer meio de
valorização da educação; Lei nº 13.415/17, de 16 de fevereiro de 2017, que alterou a
LDB atual e estabeleceu mudança na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo
mínimo do estudante na escola de 800 para 1.000 horas anuais (até 2022) e definiu
uma nova organização curricular, mais flexível, a qual contempla uma Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e a oferta de possibilidades de escolhas aos
estudantes, os itinerários formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na
formação técnica e profissional (AMÂNCIO, 2022, p. 101, grifos nossos).

Michel Temer buscou, com a aprovação desses dispositivos, modernizar a forma


de funcionamento da sociedade brasileira, entretanto, o que evidenciamos foi à retomada mais
acentuada das políticas neoliberais no Brasil, cujas ações apontavam para o desmonte dos
serviços públicos, a precarização do trabalho e a retirada de direitos sociais e trabalhistas.
Nesse contexto, com a direita no poder, o foco passou a ser atender os interesses da burguesia
empresarial, sendo suprimida a conciliação de classes adotada pelo PT ao longo dos três
mandatos concluídos, no qual, inegavelmente, trouxe avanços para a classe trabalhadora, mas
enriqueceu e fortaleceu ainda mais a classe dominante e o capital.

40
Vários autores reconhecem em suas produções que o que aconteceu no âmbito da política brasileira em 2016
foi, de fato, um Golpe de Estado, entre eles podemos mencionar Basto, Junior e Ferreira (2017), Beltrão (2019),
Beltrão, Taffarel e Teixeira (2020), Oliveira (2016), Oliveira (2020), Frigotto e Ramos (2016), Motta e Frigotto
(2017), Neira (2018), Santos (2019), Souza (2016, 2019) e Taffarel e Beltrão (2019).
79

As ações realizadas durante o governo de Michel Temer, com destaque para as


que foram mencionadas por Amâncio (2022), reverberaram principalmente na organização do
trabalho, da política, da economia e da educação do Brasil. Com base nisso, interessa-nos, a
partir desse momento, discorrer acerca da educação, em especial, sobre a nova reforma do
Ensino Médio, pois acreditamos que para o êxito do projeto societário ali defendido a
educação não teria como ficar imune, visto que as reformas postas em curso geraria uma nova
dinâmica de organização e de funcionamento da sociedade brasileira, passando a afetar o
conjunto das relações sociais e de produção do país, trazendo à tona um novo perfil de
cidadão e de trabalhador que a educação deveria formar.
Ante o exposto, cabe, agora, uma pergunta: Quando as discussões sobre uma nova
reforma do Ensino Médio tiveram início no Brasil? É comum as pessoas pensarem que se a
reforma do Ensino Médio foi aprovada no governo de Michel Temer, então, foi durante o seu
mandato que as discussões tiveram início. Esse entendimento leva as pessoas a pensarem,
também, que o ponto inicial da realização de uma nova reforma do Ensino Médio foi a MP n.
746/2016. Com base no pensamento lógico dedutivo é possível chegarmos a estas conclusões,
não obstante, elas só levam em consideração os eventos que aconteceram após a posse de
Michel Temer, desconsiderando, portanto, os acontecimentos históricos reais que ocorreram
antes da sua chegada ao cargo de Presidente da República.
Diferente disso, podemos afirmar que a gênese da reforma do Ensino Médio não
coincide com o governo de Michel Temer, mas sim com as discussões iniciadas no governo
de Dilma Rousseff41, com o Projeto de Lei (PL) n. 6.840/2013 apresentado à Câmara dos
Deputados, no qual tratava de uma Comissão Especial destinada a promover Estudos e
Proposições para a Reformulação do Ensino Médio (CEENSI) e tinha como presidente da
comissão o deputado Reginaldo Lopes, do PT de Minas Gerais, e como relator o deputado
Wilson Filho, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) da Paraíba. Em linhas gerais, o projeto
defendia uma nova reestruturação do Ensino Médio brasileiro ao instituir uma jornada de
tempo integral e uma nova organização curricular por área de conhecimentos.
Como justificativa para a aprovação do projeto, a CEENSI alegou que o Ensino
Médio se encontrava desgastado, com alto índice de evasão e distorção idade e série, e que,
apesar do aumento de investimentos e do número de matrículas nesse nível de ensino, não foi
possível avançar com um ensino de qualidade nos últimos anos. Além disso, a comissão
destacou, ainda, existir falta de interesse dos jovens pelo que seria o “velho” Ensino Médio. A

41
Embora a discussão em torno desse assunto tenha tido início durante o governo de Dilma Rousseff, isso não
significa que a discussão tenha sido instigada por ela.
80

partir desse cenário, a comissão foi formada para discutir um novo modelo de organização
que estivesse ligado às diferentes possibilidades formativas e as múltiplas necessidades
socioculturais e econômicas dos alunos, perspectivando, com isso, a universalização de um
ensino de qualidade no Ensino Médio brasileiro.
Nesse sentido, a CEENSI defendia a necessidade de promover uma:

[...] readequação curricular no ensino médio, de forma a torná-lo atraente para os


jovens e possibilitar sua inserção no mercado de trabalho, sem que isso signifique
o abandono da escola [...] O consenso foi de que o atual currículo do ensino médio
é ultrapassado, extremamente carregado, com excesso de conteúdos, formal,
padronizado, com muitas disciplinas obrigatórias numa dinâmica que não
reconhece as diferenças individuais e geográficas dos alunos. Há que se ampliar as
possibilidades formativas do ensino médio, de modo a torná-lo adequado às
necessidades do jovem de hoje, atraindo-o para a escola (BRASIL, 2013, p. 7-8).

Isso levou a comissão a apresentar, na Câmara dos Deputados, o projeto em pauta,


cujos principais pontos defendidos eram:

Universalização, em 20 anos, do ensino médio em tempo integral; proibição do


ensino médio noturno para jovens menores de 18 anos; ampliação da carga horária
do ensino médio noturno para 4.200 horas; organização do currículo em quatro
áreas de conhecimento (linguagens, matemática, ciências humanas, ciências
naturais); adoção de opções formativas no último ano do ensino médio, a
critérios dos alunos (I-ênfase em linguagens, II-ênfase em matemática; III-ênfase
em ciências da natureza; IV – ênfase em ciências humanas e V – formação
profissional); implantação da base nacional comum para o ensino médio, que
compreende, entre componentes e conteúdos, o estudo da Língua Portuguesa, da
Matemática, do conhecimento do mundo físico e natural, da Filosofia e da
Sociologia, da realidade social e política, especialmente do Brasil, e uma
língua estrangeira moderna; obrigatoriedade da realização do Exame Nacional
do Ensino Médio [...] (CORTI, 2019, p. 4-5, grifos nossos).

Para os membros da CEENSI, os problemas encontrados na última etapa da nossa


Educação Básica seriam resolvidos com a aprovação do PL n. 6.840/2013. Isso porque ele
visava uma nova organização do Ensino Médio de forma a torná-lo mais atrativo para os
estudantes, o que resultaria em uma redução no número de alunos evadidos e reprovados.
Além disso, existia, também, a defesa que a reforma elevaria a qualidade do Ensino Médio,
assim como os resultados alcançados pelo país nas avaliações externas, o que colocaria o
Brasil em pé de igualdade com os países que vinham se destacando com as avaliações
externas nessa etapa de ensino, sendo, portanto, essa mais uma justificativa utilizada pela
comissão para reforçar a aprovação do projeto como uma lei federal ordinária.
No entanto, o PL n. 6.840/2013 apresentava algumas controvérsias o que gerou
várias preocupações, passando a ser alvo de discussões, também, por membros da
81

comunidade escolar e por algumas entidades estudantis, sindicais, profissionais e científicas,


no qual se posicionaram de forma contrária aquela reforma. A educação, conforme aponta
Arroyo (2012), é um território em disputa, o que nos leva a afirmar que a realização de uma
reforma na educação será sempre marcada por conflitos de interesses, isso por não atender de
forma precisa o que defendem as diferentes classes sociais, visto que os interesses são
diferentes e antagônicos, o que leva, na maioria das vezes, a necessidade de uma conciliação
entre os interesses envolvidos para a sua aprovação, porém, isso não é uma tarefa fácil.
Cabe destacar que, embora o presidente da CEENSI fosse do PT, não existia entre
os membros do partido e do Ministério da Educação (MEC) um consenso em relação à
reforma sugerida no texto do PL n. 6.840/2013. A própria Dilma Rousseff era contra aquela
proposta de reestruturação do Ensino Médio por reconhecer que a divisão do currículo em
itinerários formativos rebaixaria a formação geral dos alunos, passando, inclusive, a defender
a expansão do PRONATEC como uma alternativa à formação profissional. As discordâncias
geradas reforçaram ainda mais as posições contrárias ao que o projeto defendia, surgindo no
país o que ficou conhecido como o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio
(MNDEM), no qual os principais pontos combatidos eram em relação:

[...] ao caráter compulsório do ensino médio em tempo integral, num país em que a
concomitância entre escola e trabalho é uma realidade entre os jovens; a proibição
do ensino noturno aos menores de 18 anos e sua desvalorização no PL, embora sua
oferta seja de enorme importância na garantia do direito ao ensino médio para jovens
trabalhadores; a escolha de áreas de ênfase na formação do aluno, retrocedendo a
uma formação fragmentada que compromete a formação geral para todos; a
transformação da formação profissional numa área de ênfase, minimizando sua
importância e desconsiderando o modelo de ensino médio integrado já praticado na
rede federal e em algumas redes estaduais (CORTI, 2019, p. 5-6).

Por outro lado, o MNDEM (2016, p. 2, grifos nossos) defende:

[...] uma concepção de Ensino Médio como educação básica, como educação “de
base”, e que, portanto, deve ser comum e de direito a todos e todas. Coloca-se,
portanto, contrário às proposições que caracterizam um Ensino Médio em
migalhas e configuram uma ameaça à educação básica pública e de qualidade
para os filhos e filhas das classes trabalhadoras. O Movimento defende,
amparado nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio que,
sendo a última etapa da educação básica, se assegure a todos e todas, cidadãos e
cidadãs brasileiras, o acesso a uma formação humana integral, entendida como
aquela que busca garantir o pleno desenvolvimento intelectual, afetivo, físico,
moral e social, com base em princípios ético-políticos que sustentem a
autonomia intelectual e moral e que oportunizem a capacidade de análise e de
crítica, tendo, enfim, a emancipação humana como princípio e finalidade. O
Movimento Nacional pelo Ensino Médio propõe a organização de um currículo que
integre de forma orgânica e consistente as dimensões da ciência, da tecnologia, da
cultura e do trabalho, como formas de atribuir significado ao conhecimento escolar
82

e, em uma abordagem integrada, produzir maior diálogo entre os componentes


curriculares, estejam eles organizados na forma de disciplinas, áreas do
conhecimento ou ainda outras formas previstas nas DCNEM.

Posto isso, cabe destacar que o PL n. 6.840/2013 seguiu na Câmara dos


Deputados, tendo a sua última movimentação legislativa em dezembro de 2014, sem que a
comissão conseguisse aprovar uma nova reforma do Ensino Médio. Este feito só foi
conseguido com a chegada de Michel Temer, em 2016, à Presidência da República, sendo
realizada por meio de uma decisão verticalizada, isto é, sem a realização de um debate amplo
e aberto sobre o assunto, assim como sem levar em consideração as controvérsias presentes no
PL mencionado logo acima. Nessa circunstância, o governo de Michel Temer elaborou a MP
n. 746/2016 e a submeteu ao Congresso Nacional, no qual após quatro meses, sem grandes
modificações, a MP foi convertida na Lei n. 13.415/2017.
Nesse contexto, não apenas a democracia brasileira sofreu um Golpe com a posse
de Michel Temer, mas também a nossa educação, que foi mais uma vez na história do país
duramente atacada. Consideramos que no interior de uma sociedade “democrática” como é o
caso do Brasil, a decisão de reestruturar o Ensino Médio não pode ser tomada apenas pelo
governo, sem a realização de uma discussão ampla e aberta sobre este assunto,
desconsiderando o posicionamento dos profissionais da educação que atuam, sobretudo, nessa
etapa de ensino, assim como o que pensam os alunos e os seus responsáveis sobre a realização
de uma reforma que põe em risco o futuro de milhões de estudantes, principalmente, dos
filhos da classe trabalhadora.
Deixamos em destaque os filhos da classe trabalhadora por reconhecermos que a
escola é a única oportunidade para que essas pessoas possam se apropriar dos conhecimentos
científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal, isto é, dos saberes sistematizados
historicamente pelo conjunto da humanidade, necessários para a formação dos indivíduos
como membro partícipe do gênero humano. Dessa forma, desconsiderando esse fato, Michel
Temer e o seu Ministro da Educação, Mendonça Filho, realizaram uma reforma do Ensino
Médio tendo como ponto de partida uma MP. O uso de uma MP encontra-se previsto no Art.
62 da Constituição Federal de 1988, podendo ser utilizada pelo Presidente da República em
casos excepcionais que envolvam relevância e urgência para o país.
A discussão em torno da realização de uma nova reforma do Ensino Médio é,
incontestavelmente, um assunto de relevância para o Brasil, porém, o caráter de urgência
empregado pelo governo de Michel Temer para aprovar a reforma é algo contestável. Nesse
sentido, reconhecemos que há uma necessidade do Ensino Médio brasileiro passar por uma
83

nova reforma, mas não como a que foi realizada às pressas, em outras palavras, de forma
urgente, pulando as etapas que são necessárias para a elaboração de um texto normativo que
pudesse instaurar no país uma reforma do Ensino Médio com qualidade, capaz de ampliar as
experiências formativas dos alunos e não apenas promover uma reorganização curricular
voltada para atender às novas exigências do mercado de trabalho.
Diferente disso, o que tivemos foi à aprovação de uma reforma do Ensino Médio
sem a realização de uma discussão que respeitasse o pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas ao longo da sua elaboração, sobressaindo como resultado os interesses de
fundações, institutos e movimentos ligados ao empresariado brasileiro. Diante desse cenário,
destacam-se o instituto Ayrton Senna, Natura, Unibanco e a fundação Lemann, Cesgranrio,
Roberto Marinho e Itaú, assim como o movimento Todos pela Educação e o movimento pela
BNCC, no qual o que esses institutos, fundações e movimentos possuem em comum,
conforme apontam Santos e Amorim (2021), é a busca para impor uma reformulação
curricular no país e a adesão de uma lógica empresarial na educação brasileira.
Com base nisso, Nascimento e Bezerra (2022, p. 324) afirmam que:

[...] a interferência de organismos e instituições privadas vem ocorrendo com a


proposta de implantação da Base Nacional Comum Curricular e da Reforma do
Ensino Médio e parece evidente que as constantes mudanças na educação no cenário
brasileiro são reflexos de interesses neoliberais em benefício do capital, de
demandas de trabalho e de perspectivas de organização social e de classes.

Como resultado disso, a reforma do Ensino Médio foi aprovada sem levar em
consideração o posicionamento da comunidade escolar e das entidades estudantis, sindicais,
profissionais e científicas, entidades que poderiam ter contribuído com a elaboração de uma
reforma que pudesse, de fato, atender as necessidades formativas dos estudantes brasileiro e
não apenas os interesses do capital. Essa decisão verticalizada gerou revolta na população e
nos estudantes de todo o país, que passaram a ocupar algumas escolas de Ensino Médio como
forma de protesto contra a MP n. 746/2016, a Emenda Constitucional (EC) n. 95/2016 e a
Escola Sem Partido, sendo este último um movimento político de caráter conservado liderado
pela extrema-direita brasileira (LESSA, 2019).
Paralelo a isso, Amâncio (2022, p. 112-113, grifos do autor) destaca que:

Se, por um lado, a contrarreforma do ensino médio contou com a adesão massiva do
empresariado, por outro, encontrou rapidamente um leque muito grande de
reprovação e contestação. Inspiradas na versão original do PL nº 6.840-A/2013, às
inúmeras alterações na LDB atual, impostas de forma autoritária pela MP nº
746/2016, aliadas às medidas antipopulares de Temer, desagradaram aos alunos,
84

pais, professores e especialistas na área. Tal insatisfação com o “novo” ensino médio
culminou no surgimento do Movimento ocupar e resistir, também chamado
Primavera Secundarista, considerado uma das maiores mobilizações e protestos
já realizados na história do movimento estudantil brasileiro, que levaram à
ocupação de mais de mil escolas públicas. As ações do Movimento ocupar e
resistir serviram de exemplo aos universitários, que passaram a se inspirar e, pouco
depois, adotaram a mesma prática. Protagonizado pela juventude, denuncia o ataque
à democracia e o sucateamento da educação pública, com duração de cerca de dois
meses na maioria dos 21 estados com ocupação, tendo conquistado repercussão
nacional, numa demonstração de força, resistência e recusa à contrarreforma do
ensino médio, à Escola sem partido e à EC nº 95/2016, que congela investimentos
públicos com saúde e educação por 20 anos.

Por conseguinte, para avançarmos com a discussão, buscamos responder o


seguinte questionamento: A reforma do Ensino Médio aprovada pelo governo de Michel
Temer caracteriza-se como uma nova proposta de reestruturação do Ensino Médio brasileiro
ou apenas uma retomada ao que já era defendido pelo PL n. 6.840/2013? O Quadro 1,
localizado abaixo, serviu de base para respondermos esta pergunta. Nele mencionamos e
deixamos em destaque os pontos que fazem referência: 1) a carga horária e o tempo integral,
2) a BNCC, 3) as áreas de conhecimentos, 4) as opções e os itinerários formativos, 5) o
Ensino Médio noturno, 6) as novas deliberações sobre o currículo, 7) às avaliações e o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) e 8) a formação docente.

Quadro 1 – Quadro comparativo entre o PL n. 6.840/2016 e a Lei n. 13.415/2017

PL n. 6.840/2016 Lei n. 13.415/2017

Carga horária e o tempo integral

Art. 24 I - a carga horária mínima anual será de Art. 24. I - a carga horária mínima anual será de
oitocentas horas, no ensino fundamental, e de mil e oitocentas horas para o ensino fundamental e para o
quatrocentas horas, no ensino médio, distribuídas por ensino médio, distribuídas por um mínimo de
um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o
escolar, excluído o tempo reservado aos exames tempo reservado aos exames finais, quando houver;
finais, quando houver;
Art. 24. § 1º A carga horária mínima anual de que
Art. 35-A. A jornada escolar no ensino médio trata o inciso I do caput deverá ser ampliada de
incluirá pelo menos sete horas de trabalho efetivo em forma progressiva, no ensino médio, para mil e
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o quatrocentas horas, devendo os sistemas de ensino
período de permanência na escola, a critério dos oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo
sistemas de ensino. menos mil horas anuais de carga horária, a partir de
2 de março de 2017.

Art. 35-A. § 5º A carga horária destinada ao


cumprimento da Base Nacional Comum Curricular
não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do
total da carga horária do ensino médio, de acordo
com a definição dos sistemas de ensino.
85

BNCC

Art. 36. § 1º A base nacional comum dos currículos Art.35-A. § 2º A Base Nacional Comum Curricular
do ensino médio compreenderá, entre seus referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente
componentes e conteúdos obrigatórios, o estudo da estudos e práticas de educação física, arte,
língua portuguesa; da matemática; do conhecimento sociologia e filosofia.
do mundo físico e natural; da Filosofia e da
Sociologia; da realidade social e política, Art.35-A. § 3º O ensino da língua portuguesa e da
especialmente do Brasil; e uma língua estrangeira matemática será obrigatório nos três anos do ensino
moderna, além daquela adotada na parte médio, assegurada às comunidades indígenas,
diversificada, conforme dispõe o art. 26, § 5º. também, a utilização das respectivas línguas
maternas.
Art. 36. § 6º A ênfase na formação por áreas do
conhecimento ou profissional não exclui Art.35-A. § 4º Os currículos do ensino médio
componentes e conteúdos curriculares com incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua
especificidades e saberes próprios, construídos e inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras,
sistematizados, implicando o fortalecimento das em caráter optativo, preferencialmente o espanhol,
relações entre eles e a sua contextualização para de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e
apreensão e intervenção na realidade, requerendo horários definidos pelos sistemas de ensino.
planejamento e execução conjugados e cooperativos
dos seus professores.

Áreas de conhecimentos

Art. 36. Os currículos do ensino médio, observado o Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular
disposto na Seção I deste Capítulo, serão definirá direitos e objetivos de aprendizagem do
organizados a partir das seguintes áreas do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho
conhecimento: Nacional de Educação, nas seguintes áreas do
conhecimento:
I – linguagens;
II – matemática; I - linguagens e suas tecnologias;
III – ciências da natureza; II - matemática e suas tecnologias;
IV – ciências humanas. III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.

As opções e os Itinerários Formativos

Art. 36. § 5º A última série ou equivalente do ensino Art. 36. O currículo do ensino médio será composto
médio será organizada a partir das seguintes opções pela Base Nacional Comum Curricular e por
formativas, a critério dos alunos: itinerários formativos, que deverão ser organizados
por meio da oferta de diferentes arranjos
I – ênfase em linguagens; curriculares, conforme a relevância para o contexto
II – ênfase em matemática; local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a
III – ênfase em ciências da natureza; saber:
IV – ênfase em ciências humanas;
V – formação profissional. I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
Art. 36. § 7º É permitido ao aluno concluinte do III - ciências da natureza e suas tecnologias;
ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao IV - ciências humanas e sociais aplicadas;
da conclusão, outra opção formativa. V - formação técnica e profissional.

Art. 36. § 5º Os sistemas de ensino, mediante


disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao
aluno concluinte do ensino médio cursar mais um
itinerário formativo de que trata o caput.

Deliberações sobre o currículo

Art. 36. § 4º A inclusão de novos conteúdos e Art. 26. § 10. A inclusão de novos componentes
componentes curriculares no ensino médio ficará curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional
86

submetida à deliberação do Ministério da Educação, Comum Curricular dependerá de aprovação do


ouvido o Conselho Nacional de Educação. Conselho Nacional de Educação e de homologação
pelo Ministro de Estado da Educação. (NR)

Ensino Médio noturno

Art. 35-B. O ensino médio noturno, respeitadas as Art. 24. § 2 º Os sistemas de ensino disporão sobre a
formas de organização previstas nesta Lei, observará oferta de educação de jovens e adultos e de ensino
a carga horária total mínima de 4.200 (quatro mil e noturno regular, adequado às condições do
duzentas) horas, sendo 3.200 (três mil e duzentas) educando, conforme o inciso VI do art. 4 º. (NR)
horas desenvolvidas ao longo de quatro anos,
mediante jornada escolar de pelo menos quatro
horas de trabalho efetivo em sala de aula, e 1.000
(mil) horas a serem complementadas a critério dos
sistemas de ensino.

Art. 35-B. § 1º Observadas suas especificidades, o


ensino médio noturno deverá observar o mesmo
currículo e conteúdos desenvolvidos no ensino
médio regular.
Art. 35-B. § 2º Somente serão admitidos no ensino
médio noturno os alunos maiores de dezoito anos.
(NR)

Avaliações e o ENEM

Art. 36. § 11. As avaliações e processos seletivos Art. 35-A. § 6º A União estabelecerá os padrões de
que dão acesso à educação superior serão feitos com desempenho esperados para o ensino médio, que
base na opção formativa do aluno, conforme serão referência nos processos nacionais de
disposto no § 5º e respeitada a base nacional comum avaliação, a partir da Base Nacional Comum
dos currículos do ensino médio. Curricular.

Art. 36. § 12. O Exame Nacional do Ensino Médio –


ENEM é componente curricular obrigatório dos
cursos de ensino médio, sendo registrada no
histórico escolar do aluno somente a sua situação
regular com relação a essa obrigação, atestada pela
sua efetiva participação ou, quando for o caso,
dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na
forma do regulamento.

Art. 36. § 13. O ENEM contemplará, em suas


avaliações, as quatro áreas do conhecimento.

Formação docente

Art. 62. § 8º Os currículos dos cursos de formação Art. 62. § 8º Os currículos dos cursos de formação
de docentes para o ensino médio serão organizados a de docentes terão por referência a Base Nacional
partir das áreas do conhecimento, conforme disposto Comum Curricular. (NR)
no art. 36. (NR)

Fonte: Elaborado pelo autor.

O Quadro 1 reúne os pontos que consideramos necessários para que pudéssemos


comparar as duas propostas e respondermos o questionamento. A partir do Quadro 1,
podemos afirmar que a reforma aprovada pelo governo de Michel Temer dialoga em vários
87

aspectos com o PL n. 6.840/2013, caracterizando-se, portanto, como uma retomada ao PL n.


6.840/2013 e não como uma nova proposta de reforma do Ensino Médio brasileiro, tendo em
vista que constatamos uma concordando no que diz respeito a carga horária e a instituição de
uma jornada de tempo integral, a organização do currículo por área de conhecimentos a partir
de uma BNCC, a introdução de itinerários formativos no currículo, assim como similaridade
sobre as novas deliberações sobre o currículo e sobre a formação docente.
A conversão da MP n. 746/2016 na Lei n. 13.415/2017 foi uma etapa crucial para
a realização de uma nova reforma do Ensino Médio no país, no entanto, faltava a aprovação
de dois documentos fundamentais para a conclusão da reforma, sendo eles a BNCC do Ensino
Médio e a Resolução n. 3/2018. O primeiro documento trouxe a organização do currículo já
com base nas quatro áreas de conhecimentos e os cinco itinerários formativos, contendo as
aprendizagens essenciais acompanhadas pelo conjunto de habilidades e competências que
devem ser desenvolvidas nessa etapa de ensino. Por outro lado, o segundo documento
atualizou as DCNEM, trazendo informações importantes para que os sistemas de ensino
pudessem colocar em prática o novo Ensino Médio.
Apoiado nisso, é possível afirmar que a Lei n. 13.415/2017, a BNCC do Ensino
Médio e a Resolução n. 3/2018 promoveram, do ponto de vista legal normativo, a reforma que
deu origem ao novo Ensino Médio. Com esta realização os sistemas de ensino deveriam
ampliar, progressivamente, a carga horária do Ensino Médio diurno de 2.400 para 3.000 horas
até o início do ano letivo de 2022, aumentando a oferta anual de 800 para 1.000 horas. A
partir de 2022, a carga horária anual do Ensino Médio deveria ser de 1.400 horas, total de
horas necessárias para o funcionamento das escolas de tempo integral, necessitando de um
maior investimento na educação, algo que não foi realizado durante o governo de Michel
Temer e nem no de seu sucessor, Jair Bolsonaro, do Partido Liberal.
Jair Bolsonaro disputou as eleições presidenciais de 2017, saindo vitorioso no
segundo turno contra o candidato do PT Fernando Haddad, conseguindo 55,13% dos votos do
país, o que significa dizer que 57.797.847 milhões de pessoas lhe apoiaram, sendo a maioria
da Região Sudeste, Sul, Centro-Oeste e do Norte do país. Desse modo, com apoio da mídia,
do empresariado e dos conservadores e dos reacionários, Bolsonaro pôde impor a sua agenda
de governo, reforçando os ataques iniciados por Michel Temer contra a classe trabalhadora.
Diante dessa nova conjuntura, a Educação Básica e Superior, a saúde e os outros serviços
públicos tiveram o seu funcionamento drasticamente afetado com os cortes de verbas
realizados por Bolsonaro e o seu Ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em linhas gerais, o governo de Jair Bolsonaro pode ser entendido como:
88

[...] um governo que fomenta, deliberadamente, a instabilidade política e mostra sua


incompetência para estar à frente do cargo mais alto do País, o qual é indiferente a
qualquer pretensão de apresentar um plano de desenvolvimento visando a reduzir o
desemprego, para ampliar os postos de trabalho com salários dignos, para tirar o
povo da miséria e da fome que se alastra no País, para combater os problemas
ambientais, como o desmatamento, as queimadas, os incêndios florestais e a seca,
para promover a demarcação de terras e garantir os meios de subsistência
sustentável para os povos indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, para
elaborar políticas que atendam às demandas de grupos minoritários como os idosos,
juventude, LGBTQIA+ etc. Não bastasse tudo isso, Bolsonaro aprovou a redução
drástica de recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS), para as escolas
públicas e universidades, tratando a ciência e os cientistas, as artes e os artistas,
os professores e jornalistas como inimigos da nação. Em contrapartida, não mede
esforços para agradar o agronegócio, os grandes empresários, banqueiros, o
comércio de armas e munições, as elites nacionais, e anda de mãos dadas com
milicianos e forças militares, ameaçando a todos que o criticam e se opõem aos seus
desmantelos e à sua postura negacionista (AMÂNCIO, 2022, p. 109, grifos nossos).

O primeiro e o segundo ano do mandato de Jair Bolsonaro, respectivamente, 2018


e 2019, foi marcado por inúmeros ataques à classe trabalhadora. No entanto, o pior ainda
estava por vir, e veio em 2020 com a chegada da COVID-1942 no Brasil, onde passamos a
presenciar a inadvertência do governo de forma desumanizadora. Isso porque ele reconheceu
a doença como uma simples “gripezinha”, negando a possibilidade dela se expandir pelo país
e trazer como resultado um grande número de pessoas contaminadas e mortas. Dessa forma,
se manteve firme em defesa da continuação das atividades comerciais pelo país, se
posicionado de forma contrária às medidas científicas divulgadas pela Organização Mundial
da Saúde (OMS) para combater a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2.
Desse modo, contradizendo a OMS e o seu Ministro da Saúde, Luiz Henrique
Mandetta, Jair Bolsonaro seguiu em defesa da abertura do comércio no país e da negação da
realização do lockdown, em outros termos, do confinamento das pessoas em suas casas para
atividades não consideradas como essenciais. A justificativa era que a economia do país não
podia parar. Como consequência disso, presenciamos a proliferação da doença pelo Brasil,
com altas taxas de contaminação e de pessoas chegando a óbito, somando 43 37.601.257
milhões de casos confirmados e 702.907 mil pessoas mortas, sendo que esses dois dados

42
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) (s.d) “A COVID-19 é uma doença infecciosa
causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e tem como principais sintomas febre, cansaço e tosse seca. Outros
sintomas menos comuns e que podem afetar alguns pacientes são: perda de paladar ou olfato, congestão nasal,
conjuntivite, dor de garganta, dor de cabeça, dores nos músculos ou juntas, diferentes tipos de erupção cutânea,
náusea ou vômito, diarreia, calafrios ou tonturas”. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19 Acesso em:
15 maio 2023.
43
Dados acessados do portal Coronavírus Brasil. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em: 6 de
junho de 2023.
89

poderiam ser menores se Jair Bolsonaro tivesse agido de forma responsável no combate à
pandemia, respeitando os protocolos e as recomendações científicas divulgadas.
Este foi o governo que ficou responsável por implementar o novo Ensino Médio
no país. Um trabalho difícil, visto que isso demanda um alto investimento na educação
brasileira, ampliação da política de valorização dos professores, mudanças na formação
docente, realização de concursos públicos para a admissão de professores efetivos, compra de
materiais didáticos e de equipamentos para as salas de aula, bibliotecas, ginásios, laboratórios,
banheiros e refeitórios, assim como a construção de novas escolas e uma readequação das
instituições de ensino, que não possuem ainda condições objetivas necessárias para atender as
necessidades dos alunos em uma escola de tempo integral. Portanto, uma tarefa árdua que
coube a Jair Bolsonaro e ao Ministro da Educação Milton Ribeiro.
Diante do que discorremos, finalizamos esta seção destacando, mais uma vez, que
o que aconteceu, em 2016, contra a presidente Dilma Rousseff foi um Golpe de Estado,
mascarado de impeachment para que a direita pudesse chegar mais uma vez ao poder, pondo
em prática um conjunto de reformas de cunho neoliberal no Brasil. Nesse contexto, destaca-se
a reforma que instituiu o novo Ensino Médio, caracterizando-se como uma retomada a
reforma defendida pelo PL de n. 6.840/2013, apresentado na Câmara dos Deputados durante o
governo de Dilma Rousseff. Na próxima seção, trataremos sobre as implicações do novo
Ensino Médio na formação da classe trabalhadora, apontando as suas principais mudanças em
relação ao que seria o Ensino Médio antigo.

3.3 Do velho ao novo Ensino Médio: como resultado velhas implicações na formação da
classe trabalhadora e uma reorganização escolar para o mercado de trabalho

Discutimos, nessa seção, a organização do Ensino Médio a partir da Resolução n.


2/2012, que definiu as DCNEM, e da Resolução n. 3/2018, responsável por atualizar às
DCNEM aprovada em 2012. Com essa abordagem, buscamos expor a forma de organização
do Ensino Médio brasileiro antigo e as mudanças realizadas, com a reforma educacional
aprovada pelo governo de Michel Temer e de Mendonça Filho, no novo Ensino Médio.
Consideramos que esse percurso possibilita-nos identificar melhor as implicações geradas
pelo novo Ensino Médio na formação escolar ofertada para os filhos da trabalhadora, se essa
política educacional não for revogada. Dessa forma, organizamos a discussão em duas
subseções, no qual tratamos na primeira sobre a organização do Ensino Médio antigo e na
segunda sobre a organização do novo Ensino Médio brasileiro.
90

3.3.1 A organização do velho Ensino Médio regular diurno

O censo escolar44, de 2022, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e


Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), registrou 7.866.695 milhões de matrículas no
Ensino Médio, sendo que 81,9% desses alunos estudavam no turno diurno, e 18,1% no
período noturno. Desse total de alunos, 6.895.219 milhões frequentavam as escolas públicas,
e 971.476 mil as escolas privadas. Ao todo foram computadas 29.413 mil escolas ofertando
essa etapa de ensino no país, sendo 20.769 mil escolas públicas e 8.644 mil escolas privadas.
Diante disso, é possível afirmar que 87,6% dos jovens matriculados frequentavam o Ensino
Médio público, e 12,3% apenas o Ensino Médio privado. Esses dados revelam que qualquer
mudança nessa etapa de ensino afetará mais os alunos da rede pública de ensino.
Com base nisso, a nossa análise esteve mais voltada para as mudanças geradas no
Ensino Médio regular diurno. Isso não significa, de forma alguma, que estamos considerando
que os alunos que frequentam o Ensino Médio regular noturno ou na modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (EJA) não serão afetados, pois reconhecemos que as alterações
promovidas com o novo Ensino Médio reverberarão, também, na formação escolar e,
consequentemente, na inserção desses alunos no mercado de trabalho. No entanto, os dados
apresentados acima revelam que os mais afetados com o novo Ensino Médio serão os alunos
matriculados no Ensino Médio regular diurno, visto que juntos somam mais de três quartos
dos alunos que são atendidos por essa etapa de ensino no Brasil.
Dessa forma, discorremos sobre o Ensino Médio regular diurno levando em
consideração quatro pontos: 1) a forma de oferta, 2) a organização curricular, 3) a articulação
com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e 4) a relação estabelecida entre a
organização do currículo com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Antes de
adentramos na discussão envolvendo os pontos destacados, cabe reafirmarmos que o Ensino
Médio constitui-se como a etapa final da Educação Básica, sendo considerado como um
direito social de cada pessoa, e um dever do Estado na sua oferta pública e gratuita a todos,
tendo como finalidade “[...] o desenvolvimento do indivíduo, assegurando-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania, fornecendo-lhes os meios para progredir
no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 2012, p. 169).

44
Dados coletados do site do INEP. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt br/assuntos/noticias/censo-
escolar/mec-e-inep-divulgam-resultados-da-1a-etapa-do-censo-escolar-2022 Acesso em: 15 junho 2023.
91

No que concerne ao primeiro ponto, 1) a forma de oferta do Ensino Médio regular


diurno, podemos afirmar que o Ensino Médio antigo poderia ser organizado em tempos
escolares organizado no formato de séries anuais, períodos semestrais, módulos, ciclos, com
base na idade e nas competências dos alunos, dentre outras formas, prevalecendo como a mais
utilizada no país o formato de séries anuais. Desse modo, a sua oferta deveria ter duração
mínima de 3 anos, obedecendo uma carga horária mínima de 2.400 horas, tendo como
referência uma carga horária anual de 800 horas, distribuídos por um mínimo de 200 dias de
efetivo trabalho escolar. Essa era a forma de oferta do Ensino Médio regular diurno, no qual
os alunos possuíam duas opções de acesso: o turno da manhã ou o turno da tarde.
Em relação a isso, temos duas observações. A primeira é que a oferta do Ensino
Médio com essa carga horária era capaz de possibilitar para a juventude brasileira uma
formação geral com mais tempo para os alunos se apropriarem dos conhecimentos
considerados relevantes para a sua formação escolar. Isso não significa que estamos
reconhecendo 2.400 horas como a carga horária suficiente para que os alunos pudessem sair
do Ensino Médio com uma formação escolar sólida. No entanto, consideramos que os alunos
tinham mais oportunidades para se apropriar, ainda que de forma precária, dos conhecimentos
científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal, isto é, dos saberes necessários para o
enriquecimento da formação humana e uma melhor compreensão das relações sociais,
políticas e de produções da sociedade brasileira e do mundo globalizado.
A segunda observação diz respeito ao fato de o Ensino Médio regular diurno ser
mais acessível aos jovens com idade entre 15 e 17 anos que logo cedo precisavam trabalhar
para ajudar com a renda familiar, trabalhando, por exemplo, no turno da manhã como um
jovem aprendiz, conforme determina a Lei n. 8.069/199045, e estudando no período da tarde,
de tal forma que pudesse obter uma formação capaz de lhe direcionar melhor para o mercado
de trabalho ou para os estudos posteriores se assim os quisessem. Os jovens trabalhadores
encontravam na oferta do Ensino Médio regular diurno a oportunidade de conciliar desde
cedo a relação entre trabalho e estudo. Logo, a negação dessa forma de acesso ao Ensino
Médio pode resultar em um aumento no número de evasão escolar, e, consequentemente, em
uma inserção precária da juventude brasileira no mercado de trabalho.
É válido destacar que o Ensino Médio regular diurno, quando adequado aos
alunos, podia ser ofertado em regime de tempo integral, com uma carga horária mínima de 7
horas diárias. Isso abria espaço para os alunos que possuíam condições para se dedicar mais

45
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
92

aos estudos obterem, a partir dos limites postos pelo capital, uma formação escolar, conforme
veremos mais abaixo, articulada com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio ou
apenas uma educação centrada na ampliação de atividades capazes de reforçar a sua formação
geral ao mesmo tempo em que eram inculcados os valores necessários para a reprodução da
sociedade de classes e do sistema do capital, por meio da oferta de uma educação estruturada
a partir de uma lógica neoliberal, com uma rasa discussão sobre o mundo do trabalho e uma
valorização de uma educação cidadã, financeira e empreendedora.
No que diz respeito ao segundo ponto, a organização curricular do Ensino Médio
regular diurno, cabe destacar que a sua estruturação deveria seguir uma base nacional comum
e uma parte diversificada46, sendo entendida como um todo integrado e não como blocos
distintos, de modo que pudesse garantir para os estudantes dessa etapa de ensino o acesso aos
saberes comuns, necessários para a sua formação escolar, por meio da oferta de uma educação
que considerasse a diversidade e as características locais, assim como as especificidades
regionais. Essa determinação vai ao encontro do que encontramos fixado no Art. 210 do texto
da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e no Art. 26 da LBDEN n. 9.394/96 (BRASIL,
1996), sendo, portanto, uma determinação antiga.
Embora a menção a uma base nacional comum tenha sido mencionado já em
1988, no Art. 210 da Constituição Federal, apenas em 201847, após quase 30 anos, tivemos a
aprovação de um documento no Brasil com essa natureza: a BNCC. Então, como era
organizado o currículo do Ensino Médio antes da elaboração da BNCC? Podemos afirmar que
o fato de não termos uma base nacional comum aprovada, até o ano de 2018, não dava o

46
“Os conteúdos curriculares que compõem a parte diversificada são definidos pelos sistemas de ensino e pelas
escolas, de modo a contemplar e enriquecer o currículo, assegurando a contextualização dos conhecimentos
escolares diante das diferentes realidades” (BRASIL, 2013, p. 185).
47
A BNCC teve a sua construção fomentada logo após a aprovação do Plano Nacional da Educação (PNE),
instituído pela Lei n. 13.005/2014, no qual a meta 7, que se refere ao fomento da qualidade da educação básica
em todas as etapas e modalidades, indicou na estratégia 7.1 a necessidade de: “Estabelecer e implantar [...]
diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as) alunos (as) para cada ano do ensino fundamental e médio
[...]” (BRASIL, 2014, p. 2, grifos nossos). No que concerne ao processo de produção da BNCC, Cássio e Catelli
Júnior (2019, p. 5-6, grifos dos autores) afirmam que em 2014 foi iniciada a elaboração da “[...] primeira versão
da BNCC, quando José Henrique Paim era ministro da Educação, no final do primeiro governo de Dilma
Rousseff. A primeira versão foi apresentada em setembro de 2015, quando Renato Janine Ribeiro era ministro da
educação e o país já estava mergulhado na crise econômica e política que culminaria com o impeachment de
Dilma Rousseff, aprovado pelo Senado Federal em agosto de 2016. Antes disso, em maio, foi lançada a segunda
versão da BNCC, quando a Aloizio Mercadante era ministro da educação, nos últimos dias do governo Dilma
Rousseff. Neste mesmo mês de maio, Mendonça Filho assumiu o Ministério da Educação (MEC) sob o governo
de Michel Temer, vice-presidente de Dilma Rousseff, que participou da articulação junto ao Congresso Nacional
para derrubada da presidente. Uma terceira versão da BNCC, somente para a Educação Infantil e para o Ensino
Fundamental, foi lançada em abril de 2017 e homologada em dezembro do mesmo ano. Em abril de 2018 foi
lançada a terceira versão da BNCC do Ensino Médio, já considerando a reforma proposta para esta etapa de
ensino em fevereiro de 2017 e transformada em Lei n. 13.415/2017. Por fim, como o Ministério da Educação sob
o comando de Rossieli Soares da Silva, em dezembro de 2018 foi homologada a BNCC para o Ensino Médio”.
93

direito de cada sistema de ensino estruturar o seu currículo de forma totalmente autônoma, ou
seja, sem seguir as recomendações de alguns dispositivos normativos aprovados, como, por
exemplo, a LDBEN n. 9.394/96 e as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
(DCNEM) e outros documentos de caráter auxiliar, entre eles os PCNs.
Sendo assim, considerando uma base nacional comum e uma parte diversificada,
o currículo do Ensino Médio regular diurno era organizado em 4 áreas do conhecimento,
nomeadamente: I - Linguagens, II- Matemática, III - Ciências da Natureza e IV Ciências
Humanas. Em consideração a isso, era defendido um tratamento metodológico capaz de
promover diferentes formas de interação e articulação entre os campos dos saberes, sem
perder de vista a contextualização e a interdisciplinaridade entre as disciplinas. A organização
do currículo por áreas de conhecimentos, segundo a Resolução n. 2/2012 (BRASIL, 2012),
não deveria diluir e nem excluir componentes curriculares com especificidade e saberes
próprios, mas sim promover o fortalecimento entre eles e a sua contextualização para uma
melhor compreensão e intervenção dos alunos na realidade social.
A respeito disso, não podemos afirmar e nem negar se existia ou não uma diluição
ou uma exclusão de alguns componentes curriculares obrigatórios na formação dos alunos ao
longo do Ensino Médio antigo. Entretanto, podemos pontuar que existiam alguns
componentes curriculares que eram postos no currículo escolar como uma carga horária
reduzida quando comparadas com a de Língua Portuguesa, Matemática, Química, Biologia e
Física. Entre os componentes curriculares “reconhecidos” como de menor importância para a
formação dos alunos e com uma carga horária menor no currículo escolar destacam-se Arte,
Educação Física, Filosofia e Sociologia, ministradas, majoritariamente, através de uma aula
semanal de 50 a 60 minutos apenas, variando de acordo com o sistema de ensino.
Esse tratamento curricular desigual corrobora, certamente, para a oferta de uma
formação unilateral e não para a oferta de uma formação que possa contribuir com o
desenvolvimento pleno dos estudantes, uma vez que para isso os conhecimentos que integram
o currículo escolar precisam ser acessados dentro de uma perspectiva democrática, de forma
que possa ampliar o horizonte da formação humana e não apenas promover a oferta de uma
educação escolar voltada para o mercado de trabalho, tendo em vistas as novas exigências
do modo de produção capitalista e do capital no contexto de crise estrutural, assim como a
oferta de uma educação direcionada para a realização das avaliações internacionais48 como
as do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) (FERRETTI, 2018).

48
Esses dois pontos destacados têm sido uns dos principais motivos pelo qual as escolas vêm sofrendo novas
mudanças na sua organização curricular e na condução do processo de ensino e aprendizagem nos últimos anos
94

No que diz respeito aos conhecimentos que integravam o currículo, eles eram:

a) o estudo da Língua Portuguesa e da Matemática, o conhecimento do mundo


físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil;

a) o ensino da Arte, especialmente em suas expressões regionais, de forma a


promover o desenvolvimento cultural dos estudantes, com a Música como seu
conteúdo obrigatório, mas não exclusivo;

b) a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da instituição de ensino,


sendo sua prática facultativa ao estudante nos casos previstos em Lei;

c) o ensino da História do Brasil, que leva em conta as contribuições das diferentes


culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena, africana e europeia;

d) o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, no âmbito de todo o


currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e
História brasileiras;

e) a Filosofia e a Sociologia em todos os anos do curso;

f) uma língua estrangeira moderna na parte diversificada, escolhida pela


comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das
disponibilidades da instituição (BRASIL, 2012, p. 3, grifos nossos).

Dessa forma, os componentes curriculares obrigatórios que integravam as áreas de


conhecimentos eram os seguintes: Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Materna para as
populações indígenas, Língua Estrangeira Moderna, Arte e Educação Física; Matemática:
constituída apenas pelo componente curricular de Matemática; Ciências da Natureza:
Biologia, Física e Química; Ciências Humanas: História, Geografia, Filosofia e Sociologia.
Assim, o currículo do Ensino Médio regular diurno era constituído por 13 componentes
curriculares, sendo eles de acordo com as áreas de conhecimentos:
Linguagens:
1) Língua Portuguesa49;
2) Língua Inglesa;
3) Língua Espanhola;
4) Arte;
5) Educação Física.
Matemática:

(LIBÂNEO, 2016), sendo influenciadas, conforme aponta Akkari (2009) e Xerez (2013), pelo discurso
educacional e empresarial defendidos pelos organismos internacionais como o BM, o BID, o FMI e a UNESCO.
49
O Ensino Médio ofertado para as populações indígenas contava com mais um componente curricular na área
de Linguagens, o de Língua Materna, sendo, então, o currículo escolar desta modalidade de educação composto
por 14 componentes curriculares.
95

1) Matemática.
Ciências da Natureza:
1) Biologia;
2) Física;
3) Química.
Ciências Humanas:
1) Filosofia;
2) Geografia;
3) História;
4) Sociologia.
Um ponto que merece ser destacado, frente ao exposto, é que a Língua Espanhola
era um componente curricular com oferta obrigatória pelas unidades escolares, porém, a sua
matrícula era facultativa, conforme o texto da Lei n. 11.161/2005. Além disso, o currículo
deveria tratar de forma transversal sobre: a) Educação alimentar e nutricional, b) Processo de
envelhecimento, respeito e valorização do idoso, c) Educação Ambiental, d) Educação para o
Trânsito e e) Educação em Direitos Humanos. Respeitando o que era posto como obrigatório,
a critério dos sistemas de ensino e das unidades escolares, outros componentes curriculares
poderiam ser incluídos no currículo da escola como disciplinas ou outro formato,
preferencialmente, de forma transversal e integradora.
No que se refere ao terceiro ponto, a articulação do Ensino Médio regular diurno
com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Etapa de ensino incorpora a concepção
do trabalho como princípio educativo como base para a organização do projeto de formação
humana. A concepção de trabalho como princípio educativo tem as suas bases nas reflexões
desenvolvidas pelo filósofo italiano Antonio Gramsci ao tratar sobre a escola unitária como
uma contraposição ao modelo de educação ofertada no seu país pelas classes dominantes.
Gramsci reconhecia que a educação da Itália estava em crise, sendo ofertada para o
proletariado uma educação especializada, em outros termos, incapaz de reconhecer as
inúmeras potencialidades de cada indivíduo. Como resultado, era presenciado o
distanciamento do proletariado do processo educacional médio e superior.
Nesse sentido, Gramsci (2016, p. 131-132, grifos nossos) argumentava que:

A escola italiana continua a ser um organismo claramente burguês, no pior


sentido da palavra [...] a cultura é um privilégio. E não queremos que seja
assim. Todos os jovens deveriam ser iguais perante a cultura [...] Ao
proletariado interessa uma escola imparcial. Uma escola onde seja dada ao jovem
a possibilidade de formar-se, de se tornar homem, de adquirir os critérios gerais
96

indispensáveis à formação do caráter. Uma escola humanista, em suma, como a


entendiam os antigos e os homens mais próximos do Renascimento. Uma escola
que não hipoteque a vida do jovem e dirija a sua vontade, a sua inteligência e a sua
consciência em formação para um carril que leve a uma estação determinada. Uma
escola de liberdade e de livre iniciativa e não uma escola de escravidão e de
mecanicidade. Também os filhos dos proletários devem ter acesso a todas as
possibilidades, a todos os campos livres para poderem realizar a própria
individualidade na melhor maneira possível e por isso na maneira mais
produtiva para eles e a coletividade.

O autor segue afirmando que:

Para ultrapassar a crise do ensino, será preciso seguir esta directiva: deve-se criar
uma escola única inicial de cultura geral, humanística e formativa, que consiga
equilibrar o desenvolvimento das capacidades manuais (tecnicamente,
industrialmente) e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das capacidades
intelectuais. Depois da frequência deste modelo de escola única e através de
repetidas experiências de orientação profissional, o aluno poderá optar por
uma das escolas especializadas ou entrar para o campo do trabalho produtivo
[...] Um ponto importante no estudo da organização prática da escola unitária é o que
diz respeito à programação escolar nos seus vários graus e segundo a idade, o
desenvolvimento intelectual dos alunos e os objetivos determinados pela própria
escola. A escola unitária ou de formação humanística [...] ou de cultura geral deveria
propor-se de fazer entrar os jovens para a vida social, mas só quando já atingiram
um certo grau de maturidade, capacidades criativas intelectuais e práticas e
igualmente autonomia na orientação e nas iniciativas [...] A escola unitária
pretende que seja o Estado a assumir as despesas escolares que agora estão a
cargo das famílias, fato que faz sofrer uma alteração profunda ao ministério da
educação nacional, ampliando a sua ação e tornando-a mais complexa. Toda a
função educativa e formativa das novas gerações passa, assim, de privada para
pública e só desta forma consegue abranger todas as gerações, sem divisões
entre grupos e castas (GRAMSCI, 2017, p. 151, grifos nossos).

A escola unitária corresponde, segundo Saviani (2007), à educação escolar


ofertada no Brasil durante a segunda e a terceira etapa da Educação Básica, ou seja, o Ensino
Fundamental e o Ensino Médio. Merece destaque, neste momento, a figura do professor
Saviani por ser ele o principal defensor dessa perspectiva no Brasil, e por ter incorporado
algumas ideias de Gramsci no interior da Pedagogia Histórico-Crítica, bem como por ter
escrito um esboço sobre a organização do sistema de ensino no Brasil a partir do trabalho
como princípio educativo da escola unitária. Nesse sentido, o autor apresenta algumas
considerações apontando como a relação entre trabalho e educação passa a ser estabelecido no
Ensino Fundamental e no Ensino Médio a partir dessa concepção pedagógica.
Desse modo, Saviani (2007, p. 160, grifos nossos) afirma, inicialmente, que:

O modo como está organizada a sociedade atual é a referência para a


organização do ensino fundamental. O nível de desenvolvimento atingido pela
sociedade contemporânea coloca a exigência de um acervo mínimo de
conhecimentos sistemáticos, sem o que não se pode ser cidadão, isto é, não se pode
97

participar ativamente da vida da sociedade. O acervo em referência inclui a


linguagem escrita e a matemática, já incorporadas na vida da sociedade atual; as
ciências naturais, cujos elementos básicos relativos ao conhecimento das leis que
regem a natureza são necessários para compreender as transformações operadas pela
ação do homem sobre o meio ambiente; e as ciências sociais, pelas quais se pode
compreender as relações entre os homens, as formas como eles se organizam, as
instituições que criam e as regras de convivência que estabelecem, com a
consequente definição de direitos e deveres. O último componente (ciências sociais)
corresponde, na atual estrutura, aos conteúdos de história e geografia. Eis aí como se
configura o currículo da escola elementar. A base em que se assenta a estrutura
do ensino fundamental é o princípio educativo do trabalho [...] Uma vez que o
princípio do trabalho é imanente à escola elementar, isso significa que no
ensino fundamental a relação entre trabalho e educação é implícita e indireta.
Ou seja, o trabalho orienta e determina o caráter do currículo escolar em função da
incorporação dessas exigências na vida da sociedade. A escola elementar não
precisa, então, fazer referência direta ao processo de trabalho, porque ela se
constitui basicamente como um mecanismo, um instrumento, por meio do qual
os integrantes da sociedade se apropriam daqueles elementos, também
instrumentais, para a sua inserção efetiva na própria sociedade. Aprender a ler,
escrever e contar, e dominar os rudimentos das ciências naturais e das ciências
sociais constituem pré-requisitos para compreender o mundo em que se vive,
inclusive para entender a própria incorporação pelo trabalho dos conhecimentos
científicos no âmbito da vida e da sociedade.

Essa citação nos leva, neste momento, a fazer uma observação em relação ao
espaço que a Educação Física ocupa no currículo escolar a partir da compreensão de educação
de Saviani (2007). Percebe-se que a Educação Física não é mencionada pelo autor como parte
dos conhecimentos sistematizados que deve compor o acervo mínimo necessário para a
formação dos alunos com vista às novas necessidades da sociedade. Em outros termos,
podemos afirmar que Saviani não considera a Educação Física como uma disciplina que deve
compor o currículo escolar. Posto isso, voltamos para a discussão em torno do trabalho como
princípio educativo. Desse modo, constata-se que, no Ensino Fundamental, a relação entre
trabalho e educação é implícita e indireta. Por outro lado, no Ensino Médio:

[...] a relação entre educação e trabalho, entre o conhecimento e a atividade


prática deverá ser tratada de maneira explícita e direta. O saber tem uma
autonomia relativa em relação ao processo de trabalho do qual se origina. O papel
fundamental da escola de nível médio será, então, o de recuperar essa relação entre o
conhecimento e a prática do trabalho. Assim, no ensino médio já não basta dominar
os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo
contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar
como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a
ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de
produção. Tal explicitação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas
também prático sobre o modo como o saber se articula com o processo produtivo
[...] O ensino médio envolverá, pois, o recurso às oficinas nas quais os alunos
manipulam os processos práticos básicos da produção; mas não se trata de
reproduzir na escola a especialização que ocorre no processo produtivo. O
horizonte que deve nortear a organização do ensino médio é o de propiciar aos
alunos o domínio dos fundamentos das técnicas diversificadas utilizadas na
produção, e não o mero adestramento em técnicas produtivas. Não a formação de
98

técnicos especializados, mas de politécnicos. Essa é uma concepção radicalmente


diferente da que propõe um ensino médio profissionalizante, caso em que a
profissionalização é entendida como um adestramento em uma determinada
habilidade sem o conhecimento dos fundamentos dessa habilidade e, menos
ainda, da articulação dessa habilidade com o conjunto do processo produtivo. A
concepção anteriormente formulada implica a progressiva generalização do ensino
médio como formação necessária para todos, independentemente do tipo de
ocupação que cada um venha a exercer na sociedade. Sobre a base da relação
explícita entre trabalho e educação desenvolve-se, portanto, uma escola média de
formação geral. Nesse sentido, trata-se de uma escola de tipo “desinteressado”
como propugnava Gramsci [...] (SAVIANI, 2007, p. 160-161, grifos nossos).

Esperamos, com esta contextualização, ter esclarecido a origem da concepção do


trabalho como princípio educativo da escola unitária, tendo em vista que esta concepção tem
influenciado a discussão e a forma de organização da Educação Profissional no Brasil nas
últimas décadas, principalmente, a formação profissional Técnica de Nível Médio. Nesse
contexto, constata-se que os documentos governamentais 50 tem conceituado o trabalho na
perspectiva ontológica de transformação da natureza, reconhecendo essa atividade como algo
inerente ao homem e como uma mediação necessária para garantir a manutenção da existência
humana e o processo de reprodução do ser social. Dessa forma, o trabalho como princípio
educativo, ou seja, como base para a estruturação de uma proposta de formação humana, tem
sido compreendida no seu duplo sentindo: o ontológico e o histórico.

Pelo primeiro sentido, o trabalho é princípio educativo à medida que proporciona a


compreensão do processo histórico de produção científica e tecnológica, como
conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente para a transformação das
condições naturais da vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos
sentidos humanos. O trabalho, no sentido ontológico, é princípio e organiza a base
unitária do Ensino Médio.

Pelo segundo sentido, o trabalho é princípio educativo na medida em que coloca


exigências específicas para o processo educacional, visando à participação direta dos
membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. Com este sentido,
conquanto também organize a base unitária, fundamenta e justifica a formação
específica para o exercício de profissões, estas entendidas como forma contratual
socialmente reconhecida, do processo de compra e venda da força de trabalho.
Como razão da formação específica, o trabalho aqui se configura também como
contexto (BRASIL, 2013, p. 163, grifos nossos).

Realizado estes esclarecimentos, passamos, agora, a discutir a forma de


articulação do Ensino Médio com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio,

50
Isso não significa, de forma alguma, que estamos reconhecendo que as políticas educacionais recém-
implementadas têm apontando para uma formação humana capaz de unir de forma satisfatória os saberes da
ciência, da tecnologia e da compreensão dos processos de produções da sociedade brasileira e do mundo,
alcançando, com isso, a tão almejada formação omnilateral (MARX, 2010). Assim, a compreensão do trabalho a
partir da perspectiva ontológica tem sido apropriada de forma genérica, reproduzindo nos documentos um
discurso que esbarra na realidade concreta, ficando as determinações apenas no papel.
99

articulação possível, conforme o texto da LDBEN n. 9.394/96, modificado pela Lei n.


11.741/2008, de duas formas: a articulada e a subsequente. Na primeira forma, articulada,
a via de acesso dos alunos aos cursos de Educação Profissional podia ocorrer de duas formas:
1) integrada, oferecida para os alunos que ingressavam no Ensino Médio em regime de
tempo integral, com habilitação Profissional Técnica de Nível Médio na mesma instituição de
ensino com matrícula única; 2) concomitante, oferecida para os alunos que ingressavam no
Ensino Médio regular ou que já estavam cursando essa etapa de ensino, sendo realizadas,
neste caso, matrículas distintas para cada curso, no qual poderia ocorrer na mesma instituição
de ensino ou em instituições diferentes; Na segunda forma, subsequente, era destinada para
os alunos egressos do Ensino Médio que almejavam a Educação Profissional Técnica de Nível
Médio. Posto isso, no Quadro 2, situado logo abaixo, apresentamos a expansão da Educação
Profissional Técnica de Nível Médio no Brasil nos últimos 8 anos.

Quadro 2 – Número de matrículas na Educação Profissional Técnica de Nível Médio

Ano Total de Matrículas Integrada Concomitante Subsequente


2015 1.787.229 485.685 278.212 1.023.332
2016 1.742.614 531.843 329.033 881.738
2017 1.756.763 554.319 328.073 874.371
2018 1.833.772 584.564 354.346 894.862
2019 1.838.224 623.178 252.221 962.825
2020 1.861.556 688.689 236.320 936.547
2021 1.811.097 726.991 248.066 836.040
2022 2.030.180 794.955 287.320 947.905
Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados do Censo Escolar de 2019 e de 2022.

Constata-se, a partir do Quadro 2, que o número total de matrículas na Educação


Profissional Técnica de Nível Médio cresceu 13,5% de 2015 a 2022, o que corresponde a um
aumento de 242.951 mil matrículas. Ainda com base nos dados, podemos declarar que
ocorreu uma pequena redução no número de alunos matriculados na forma subsequente. Na
forma concomitante presenciamos uma expansão entre o ano de 2015 a 2018, acompanhado
de uma queda entre o ano de 2019 a 2021 e uma retomada já em 2022. Em conclusão,
verifica-se que o aumento mais significativo no número de matrículas ocorreu na forma
integrada, no qual presenciamos uma expansão de 63,9% entre o ano de 2015 a 2022, o que
significa dizer que tivemos um aumento de 309.270 mil no número de matrículas.
Essas formas de articulação da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
com o Ensino Médio se adequavam as diferentes realidades dos alunos, tanto para os que
tinham condições para ingressar no Ensino Médio ofertado em regime de tempo integral
100

como, também, para os alunos matriculados no Ensino Médio regular diurno, que podiam
frequentar os cursos de formação profissional de forma concomitante ou, então, subsequente
após a conclusão dessa etapa de ensino. Um ponto a destacar é que a articulação de forma
integrada é quase que exclusivamente ofertada pelas escolas da rede pública de ensino, uma
vez que a formação profissional não é o foco das escolas privadas, mas sim a oferta de um
ensino propedêutico que direcione os alunos para os estudos posteriores.
Isso não significa, de modo algum, que a iniciativa privada não possui interesse
em lucrar com a venda da Educação Profissional Técnica de Nível no Brasil. O que acontece é
que as escolas ligadas a este setor veem a oferta dos cursos técnicos na forma concomitante e
sequencial como uma oportunidade para lucrar com a educação que tem sido historicamente
ofertada para a classe trabalhadora, visto que os alunos que cursam o Ensino Médio nas
escolas privadas não buscam por uma formação geral que esteja articulada de forma direta
com a Educação Profissional. Nesse sentido, as escolas privadas se organizam de tal forma
que possam ofertar uma educação desinteressada, ou seja, centrada na transmissão dos
conhecimentos que possam garantir para os seus alunos bons resultados nos exames que são
exigidos para o seu ingresso no Ensino Superior, entre eles o ENEM.
Com base nisso, trataremos, agora, sobre o quarto ponto, a relação estabelecida
entre a organização do currículo com o ENEM. De início, é válido pontuar que o ENEM foi
criado, em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e do Ministro da
Educação Paulo Renato de Souza. O objetivo inicial do ENEM era avaliar o desempenho
escolar dos alunos ao término do Ensino Médio, constituindo-se como uma avaliação usada
para subsidiar a elaboração de políticas públicas para a Educação Básica, o que fez com que o
exame passasse a fazer parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Desse
modo, fica entendido que o ENEM não tinha como objetivo, inicialmente, ser uma avaliação
classificatória que possibilitasse o acesso dos alunos à Educação Superior.
A Resolução n. 2/2012 aponta três funções avaliativas do ENEM, sendo elas:

I - avaliação sistêmica, que tem como objetivo subsidiar as políticas públicas para a
Educação Básica;

II - avaliação certificadora, que proporciona àqueles que estão fora da escola aferir
seus conhecimentos construídos em processo de escolarização, assim como os
conhecimentos tácitos adquiridos ao longo da vida;

III - avaliação classificatória, que contribui para o acesso democrático à Educação


Superior (BRASIL, 2012, p. 9, grifos nossos).
101

Destarte, o ENEM passou a ser usado como um meio de acesso à Educação


Superior a partir de 2009, atendendo a função avaliativa posta no inciso III do Art. 21 da
Resolução n. 2/2012, podendo a sua nota ser utilizada, também, para o ingresso aos cursos
superiores oferecidos pelas instituições públicas e privadas do Brasil e, também, do exterior,
como é o caso, por exemplo, de Portugal, onde mais de 50 instituições de educação superior
desse país aceitam a nota do ENEM como forma de admissão. Dentre os programas do
governo que os alunos podem concorrer a uma vaga para o acesso ao Ensino Superior no
Brasil destacam-se três: 1) o Sistema de Seleção Unificada (SISU), 2), o Programa
Universidade para Todos (PROUNI) e 3) o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).
O PROUNI e o FIES, cada um com as suas particularidades, possibilitam o acesso
dos alunos ao Ensino Superior ofertado por instituições privadas 51. Por outro lado, com o
SISU os estudantes podem concorrer por uma vaga nos cursos superiores oferecidos por
instituições públicas: Federais, Estaduais, Distrital52 e Municipais53. No que diz respeito à
relação estabelecida entre a organização do currículo escolar com o ENEM, cabe destacar que
o exame era organizado com base nas quatro áreas de conhecimentos: Linguagens,
Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas, sendo ao todo 180 questões de
múltipla escolha e uma prova de redação. A sua realização ocorria uma vez por ano, com a
prova sendo aplicada em dois domingos seguidos, geralmente, no mês de novembro.
Sendo assim, no primeiro domingo era aplicada uma prova com 90 questões: 45
de Linguagens54 e 45 de Ciência Humanas e mais a avaliação de redação, no qual os alunos
deveriam escrever um texto dissertativo-argumentativo de até 30 linhas sobre um tema
envolvendo uma questão social da sociedade brasileira, devendo apresentar, ao final do texto,
uma proposta de intervenção para o problema discutido. No segundo domingo, os alunos
tinham mais 90 questões: 45 de Matemática e 45 de Ciências da Natureza. Ao todo são
disponibilizadas dez horas e meia para a realização do ENEM, sendo cinco horas e meia para

51
Existe uma parceria entre essas instituições privadas com o governo que resulta no direcionamento do dinheiro
público para o setor privado, tendo como intuito ampliar as possibilidades de acesso da população brasileira ao
Ensino Superior. Parcerias como estas têm se tornado cada vez mais frequentes no contexto da crise estrutural do
capital. O Estado se ausenta em investir e ampliar os números de instituições e de vagas dos cursos superiores
nas instituições públicas do país e passa a atribuir essa responsabilidade para as instituições privadas, que lucram
com a venda da Educação Superior no nosso país.
52
Temos como exemplo a Universidade do Distrito Federal Professor Jorge Amaury Maia Nunes.
53
Temos como exemplo a Universidade Municipal de São Caetano do Sul.
54
É Válido destacar que as áreas de conhecimentos do ENEM estão denominadas de forma diferente do que
encontramos na Resolução n. 2/2012, embora remetam aos mesmos conteúdos de ensino, sendo elas: Linguagens
e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas.
102

o primeiro domingo, para resolver o caderno de questões e fazer a redação, e cinco horas para
o segundo domingo para a resolução das 90 questões que faltavam.
O que diferenciava na aplicação do exame de um aluno para o outro era apenas a
Língua Estrangeira escolhida, no qual ele poderia optar pelo inglês ou espanhol. Fora isso,
todos os candidatos eram submetidos a uma avaliação geral que envolvia as quatro áreas de
conhecimentos e uma redação. Assim, os conteúdos escolares eram diluídos dentro das quatro
áreas de modo que todos os componentes curriculares fossem cobrados, embora alguns
ficassem mais evidente a sua cobrança do que outros componentes curriculares como é o caso,
por exemplo, de Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química, Biologia, História,
Geografia, Filosofia e Sociologia. Em contrapartida, questões ligadas aos componentes
curriculares de Arte e Educação Física, ainda que em menor número, podiam ser encontradas
em todas as áreas de conhecimentos, tendo em vista o diálogo interdisciplinar do ENEM.
Dessa forma, a prova era organizada levando em consideração o princípio da
isonomia, ou seja, uma igualdade legal para todos. Entretanto, essa igualdade era apenas
formal, pois a prova em si era igual, contudo, o percurso preparatório para a realização do
exame era desigual, visto que a educação escolar ofertada para os filhos da classe trabalhadora
não se vincula de forma direta com a preparação dos alunos para o ENEM, mas sim com a
preparação para atender às novas exigências do mercado de trabalho. Apesar de depararmo-
nos com essa situação desigual, o formato de organização da prova abria algumas
oportunidades para que os candidatos que cursaram o Ensino Médio público pudessem
chegar, também, ao Ensino Superior, tendo em vista que a sua formação geral básica abria
pequenas oportunidades para se apropriar, embora não de forma satisfatória, dos
conhecimentos cobrados no ENEM e nos vestibulares tradicionais.

3.3.2 A organização do novo Ensino Médio regular diurno

Retomamos, nesta subseção, os pontos que nortearam a discussão em torno da


organização do Ensino Médio antigo. Sendo assim, abordamos, nos próximos parágrafos,
sobre a organização do novo Ensino Médio regular diurno, buscando deixar claro para o leitor
a sua: 1) forma de oferta, 2) a organização curricular, 3) a articulação com a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio e 4) a relação estabelecida entre a organização do
currículo com a prova do ENEM. Com a retomada desse percurso, pretendemos deixar em
evidência as principais mudanças realizadas nessa etapa de ensino, bem como as implicações
desencadeadas na formação da classe trabalhadora caso essa política educacional não seja
103

revogada e aprovada no seu lugar outra proposta formativa que possa atender,
verdadeiramente, os interesses formativos da juventude brasileira.
Desse modo, passamos, a partir de agora, a discorrer sobre o primeiro ponto
elencado para orientar a nossa discussão: 1) a forma de oferta do Ensino Médio regular
diurno. É válido destacar, nesse primeiro momento, que permanece aberta a possibilidade de
os sistemas de ensino organizarem o Ensino Médio em tempos escolares no formato de séries
anuais, sistema de créditos, ciclos, módulos, períodos, com base na idade, em grupos seriados,
na competência, entre outros formatos variados. Acreditamos que a oferta, no formato em
séries anuais, permanecerá como sendo a mais adotada. Isso posto, qual seria, então, a
primeira mudança que podemos apontar nesse primeiro ponto? É o fato de o novo Ensino
Médio regular diurno não ter a sua oferta no turno da manhã ou no turno da tarde, sendo
oferecido somente em regime de tempo integral, isto é, durante os dois turnos.
O acesso ao Ensino Médio regular diurno por meio de uma oferta única não
dialoga com as diferentes realidades dos jovens brasileiros, visto que os alunos que precisam
trabalhar logo cedo para ajudar com a renda familiar não encontram mais a possibilidade de
exercer uma atividade remunerada, conforme determina a Lei n. 8.069/1990, no turno da
manhã e se matricular, por exemplo, no Ensino Médio no período da tarde ou vice-versa. Isso
ocorre porque essas duas formas de acesso não existem mais, restando para os jovens, com
idade entre 15 a 17 anos, apenas a oferta dessa etapa de ensino em regime de tempo integral.
Com isso, o saldo obtido é negativo, pois com o Ensino Médio antigo os alunos tinham três
opções para frequentar o Ensino Médio regular diurno, podendo ocorrer no turno da manhã ou
no da tarde ou então em regime de tempo integral.
Como resultado, Kuenzer (2017, p. 336) reitera que a forma de oferta atual:

[...] inviabiliza o acesso ao ensino médio aos jovens que trabalham; por um lado,
permanecer na escola por sete horas, com qualidade, é seu direito. Contudo,
considerável parcela da população jovem trabalha, contribuindo de forma
indispensável para a sobrevivência familiar, o que não é compatível com a
permanência na escola por tempo integral.

Sobre esta nova configuração, o Ensino Médio regular diurno passou a ter a partir
de 2022 uma duração mínima de 3 anos, com uma carga horária mínima total de 4.200 horas,
tendo como referência uma carga horária anual de 1.400 horas, distribuídas em pelo menos
200 dias de efetivo trabalho escolar (BRASIL, 2018). Constata-se, baseado nisso, que os
alunos passaram a ter um acréscimo de 1.800 horas ao decorrer da sua formação, pois o
Ensino Médio regular diurno antigo tinha como carga horária mínima total 2.400 horas,
104

porém, isso não significa que os alunos terão uma formação geral básica com 4.200 horas.
Embora a carga horária total destinada para essa etapa de ensino tenha sido ampliada, a
destinada para a formação geral básica foi reduzida, não podendo ultrapassar 1.800 horas.
Logo, o que tivemos foi à subtração de 600 horas do tempo destinado para a formação geral
básica quando comparamos com a carga horária do Ensino Médio antigo.
Desse modo, o § 5º do Art. 35-A da LDBEN n. 9.394/1996 define que: “A carga
horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser
superior a mil e oitocentas horas do total da carga horária do ensino médio, de acordo com a
definição dos sistemas de ensino” (BRASIL, 2022, p. 15, grifos nossos). A situação que já
não parece boa pode ainda se agravar, tendo em vista que não é fixada no texto da Lei
9.394/1996, adicionado pela Lei n. 13.415/2017, a carga horária mínima da formação geral
básica, apenas a carga horária máxima. Com isso, a definição da carga horária destinada para
esta etapa da formação pode variar de um sistema de ensino para o outro, em razão deles
terem, conforme o que foi destacado na citação acima, autonomia para propor, se for do seu
interesse, uma carga horária menor que a de 1.800 horas.
Nesse sentido, ao discutir as imposições do capital nas atuais reformas
educacionais recém-aprovadas no Brasil, correlacionado a discussão com o alinhamento
existente entre a EC n. 95/2016, a reforma do Ensino Médio e os interesses econômico do
capital, Santos e Amorim (2021, p.42) ressaltam que as determinações têm apontado para a
redução da possibilidade de acesso dos alunos ao conjunto de conhecimentos científicos que
geralmente formam o currículo escolar quando estabelece, a título de exemplo, que o tempo
curricular destinado para o estudo dos componentes curriculares da formação geral básica dos
alunos deve passar de, no mínimo, 2.400 horas em três anos de escolaridade para, no máximo,
1.800 horas. Desse modo, com essa redução alguns componentes curriculares vão,
certamente, ficar de fora, conforme veremos nos próximos parágrafos.
Isto posto, trataremos, doravante, sobre o segundo ponto: organização curricular
do Ensino Médio regular diurno. Diferente do currículo estruturado com a Resolução n.
2/2012, que estabelecia um percurso único para a formação geral básica dos alunos, o
currículo do novo Ensino Médio encontra-se dividido em dois percursos, sendo o primeiro o
responsável pela formação geral básica e o segundo pela parte diversificada, tendo como
referência os itinerários formativos. De acordo com a Resolução n. 3/2018, essas duas
etapas se complementam, formando o currículo do Ensino Médio, que deve ser entendido
como duas partes indissociáveis. Embora a resolução aponte esse caráter indissociável,
105

concordamos com Ferretti (2018) quando destaca que esta organização tende a reforçar o
acesso ao saber escolar dentro de uma perspectiva fragmentada.
Os dois percursos podem ser compreendidos da seguinte forma:

Formação geral básica: conjunto de competências e habilidades das áreas de


conhecimento previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que
aprofundam e consolidam as aprendizagens essenciais do ensino fundamental, a
compreensão de problemas complexos e a reflexão sobre soluções para eles;

Itinerários formativos: cada conjunto de unidades curriculares ofertadas pelas


instituições e redes de ensino que possibilitam ao estudante aprofundar seus
conhecimentos e se preparar para o prosseguimento de estudos ou para o mundo do
trabalho de forma a contribuir para a construção de soluções de problemas
específicos da sociedade (BRASIL, 2018, p. 2, grifos nossos).

Observa-se que, ao conceituar a formação geral básica e os itinerários formativos,


a Resolução n. 3/2018 não esconde a sua aproximação com a Pedagogia das Competências 55,
concepção pedagógica que orientou a construção da BNCC e que reconheceu no interior do
espaço escolar apenas os conteúdos de ensino, as competências e as habilidades que podem
contribuir com o processo de expansão do capital. Nesse contexto, a educação escolar visa
formar indivíduos que possam se adequar, sem a capacidade de questionar ou perceber a sua
condição de sujeito explorado, aos novos padrões de relações sociais e de produções que
demandam a sociedade capitalista. Desse modo, o Estado assume, como uma de suas
responsabilidades, elaborar as diretrizes da educação escolar de tal forma que o processo
educativo passe a atender os interesses do capital no seu contexto de crise estrutural que vem
se expandindo desde o início dos anos 1970.
Em relação a essa discussão, Santos (2017, p. 211, grifos nossos) esclarece que:

Em articulação com um modelo de gerenciamento afinado com os padrões da


racionalidade produtivista que, por sua vez, aponta para a concepção administrativa
chamada de qualidade total, a escola passou a absorver a defesa da construção de
um currículo baseado na pedagogia das competências. Tal proposta educativa,
como entendem seus defensores, teria “competência” para desenvolver, no
trabalhador-estudante, valores “inovadores” voltados para uma suposta

55
A noção de competências no currículo escolar assume uma forte relação entre trabalho e educação, assim
como da transmissão do saber técnico. Sendo assim, o desenvolvimento dessa proposta educativa organiza o
processo educativo visando alcançar três propósitos, a saber: “[...] a) reordenar conceitualmente a compreensão
da relação trabalho-educação, desviando o foco dos empregos e das tarefas para o trabalhador em suas
implicações subjetivas com o trabalho; b) institucionalizar novas formas de educar/formar os trabalhadores e de
gerir o trabalho internamente às organizações e no mercado de trabalho em geral, sob novos códigos
profissionais em que figuram as relações contratuais, de carreira e de salário; c) formular padrões de
identificação da capacidade real do trabalhador para determinada ocupação, de tal modo que possa haver
mobilidade entre as diversas estruturas de emprego em nível nacional e, também, em nível regional (como entre
os países da União Europeia e do Mercosul) (RAMOS, 2022, p. 39”.
106

qualificação profissional, reordenada a gosto dos imperativos da chamada “era


tecnológica”. A principal justificativa para a implantação dessa “nova” concepção
escolar – proclamada por alguns documentos oficiais, empresários, jornalistas e
parte da intelectualidade – seria o ajuizamento de que o complexo educativo
precisa se adaptar para atender às necessidades capitalistas dos
contemporâneos problemas no dito mundo produtivo.

Realizado este esclarecimento, discutiremos os aspectos ligados à organização da


formação geral básica e dos itinerários formativos. No que diz respeito à formação geral
básica, podemos afirmar que ela é composta por competências e habilidades previstas na
BNCC, no qual as competências e as habilidades podem ser entendidas, por essa ordem, como
os direitos e os objetivos de aprendizagem. Desse modo, a formação geral básica deve ser
organizada a partir de quatro áreas de conhecimento, a saber: I – Linguagens e suas
Tecnologias, II – Matemática e suas Tecnologias, III – Ciências da Natureza e suas
Tecnologias, IV – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. O currículo deve ser estruturado e
planejado dentro das quatro áreas de forma interdisciplinar e transdisciplinar, não podendo
ultrapassar esta formação, conforme já vimos, 1.800 horas.
Com base nisso, podemos afirmar que apenas 42,8% da carga horária total do
novo Ensino Médio estão voltadas para a formação geral básica. Os outros 58,2%,
equivalentes a 2.400 horas, encontram-se destinados para as atividades dos itinerários
formativos. A Resolução n. 3/2018 destaca que a formação geral básica pode ser contemplada
em todo o Ensino Médio ou apenas em partes do curso, ficando essa decisão a critério dos
sistemas de ensino que têm autonomia para organizar da forma como julgar mais adequada.
Diferente da Resolução n. 2/2012, que versava sobre o Ensino Médio antigo, a Resolução n.
3/2018 não aponta quais são os componentes curriculares que devem compor o currículo do
novo Ensino Médio como obrigatórios, mas sim os que devem ser ministrados, sem prejuízo
da integração e articulação das diferentes áreas de conhecimento, como estudos e práticas:

I - língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização


das respectivas línguas maternas;

II - matemática;

III - conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política,


especialmente do Brasil;

IV - arte, especialmente em suas expressões regionais, desenvolvendo as linguagens


das artes visuais, da dança, da música e do teatro;

V - educação física, com prática facultativa ao estudante nos casos previstos em Lei;
107

VI - história do Brasil e do mundo, levando em conta as contribuições das diferentes


culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena, africana e europeia;

VII - história e cultura afro-brasileira e indígena, em especial nos estudos de arte e


de literatura e história brasileiras;

VIII - sociologia e filosofia;

IX - língua inglesa, podendo ser oferecidas outras línguas estrangeiras, em caráter


optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade da
instituição ou rede de ensino (BRASIL, 2018, p. 6).

Língua Portuguesa e Matemática são os únicos componentes curriculares


obrigatórios ao longo dos três anos do novo Ensino Médio, sendo os conteúdos de ensino
pertencentes às outras áreas de conhecimento consideradas, tão somente, como estudos e
práticas, podendo ser desenvolvidos por meio de projetos, laboratórios, oficinas, dentre outras
formas de ensino e de aprendizagem capazes de romper com o trabalho isolado em
disciplinas. Uma questão curiosa é que os conteúdos de ensino que pertencem às áreas de
Língua Inglesa, Língua Espanhola, Biologia, Química, Física, História e Geografia também
passam a ser considerados pelo texto da Resolução n. 3/2018 como estudos e práticas, sendo
que a Lei n. 13.415/2017, que acrescentou o Art. 35-A na LDBEN n. 9.394/1996, trouxe
como estudos e práticas apenas Arte, Educação Física, Sociologia e a Filosofia.
O texto da Resolução n. 3/2018 aponta para uma flexibilização do currículo maior
do que a que já era esperada, tendo em vista que há o esvaziamento ao todo de onze
disciplinas, que integravam o currículo do Ensino Médio antigo como componentes
curriculares obrigatórios ao longo dos três anos, e não apenas de Arte, Educação Física,
Sociologia e Filosofia como muitos acreditavam. Isso significa o esvaziamento dos
conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal ao longo da formação
geral básica dos alunos, visto que os conhecimentos dessas disciplinas serão possivelmente
diluídos dentro das quatro áreas de conhecimento, ocorrendo com isso à supressão delas como
componentes curriculares no currículo do novo Ensino Médio. Como resultado, presenciamos
com a implantação dessa política educacional o rebaixamento da formação escolar ofertada,
principalmente para os filhos da classe trabalhadora (BELTRÃO, 2019).
Conforme apontamos, os filhos da classe trabalho têm o espaço escolar como a
única oportunidade para se apropriarem de forma organizada do conjunto de conhecimentos
sistematizados historicamente, entre eles os que estão ligados as quatro áreas de
conhecimento, sendo a sua assimilação necessária para que os indivíduos da espécie humana
se tornem membros partícipes do gênero humano, assim como para alcançar patamares
108

superiores de desenvolvimento. Com o esvaziamento dos conhecimentos científicos do


currículo escolar, conforme podemos constatar com a forma de organização do currículo do
novo Ensino Médio regular diurno, a escola passa a perder a sua atividade nuclear, que, para
Saviani (2013), consiste na socialização do saber elaborado.

Portanto, a escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento


espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e
não à cultura popular [...] A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos
instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como
o próprio acesso aos rudimentos dessa questão. As atividades da escola básica
devem organizar-se a partir dessa questão (SAVIANI, 2013, p. 14, grifos nossos).

Esclarecidas tais questões, voltamos à discussão sobre a organização da formação


geral básica, visto que temos mais duas observações. A primeira diz respeito ao fato de que a
Língua Espanhola perde, também, a sua obrigatoriedade, visto que o currículo do novo Ensino
Médio regular diurno tem como Língua Estrangeira unicamente o Inglês com oferta
obrigatória, podendo a Língua Espanhola ser ofertada em caráter optativo de acordo com a
disponibilidade de oferta, locais e horários dos diferentes sistemas de ensino. Nesse sentido, a
Lei n. 13.415/2017 revogou o texto da Lei n. 11.161/2015, que assegurava no Art. 1 a oferta
da Língua Espanhola como um componente curricular obrigatório no Ensino Médio,
entretanto, com a sua matrícula facultativa para os alunos. Esta é, certamente, mais uma
mudança que afeta negativamente a formação da juventude brasileira.
O Brasil encontra-se localizado na América do Sul, formado por treze países,
sendo que nove deles possuem o espanhol como idioma oficial. Isso deixa clara a importância
do estudo da Língua Espanhola ao decorrer do Ensino Médio, visto que por meio do seu
ensino é possível compreender os elementos básicos de comunicação desse idioma, assim
como à história e a cultura dos países que têm o Espanhol como o primeiro idioma, entre eles
os da América do Sul: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai
e Venezuela, explorando, no decorrer do processo de ensino e de aprendizagem, os
conhecimentos que envolvem o cinema, a literatura, o esporte, o turismo, a culinária, as
danças, etc., enriquecendo, com isso, o acervo cultural dos estudantes.
A segunda e última observação em relação à formação geral básica refere-se ao
fato de que a organização do currículo do Ensino Médio regular diurno antigo não permitia a
exclusão e nem a diluição dos componentes curriculares dentro da organização do currículo
escolar por áreas de conhecimento, o que não acontece com o novo Ensino Médio, que tem
como componentes curriculares obrigatórios apenas Língua Portuguesa e Matemática.
109

Diante disso, os sistemas de ensino encontram espaços para organizar as suas propostas
formativas com o restante dos conhecimentos das outras disciplinas, que integravam o
currículo do Ensino Médio antigo como obrigatórias, sendo ministrados no novo Ensino
Médio regular diurno de forma breve como estudos e práticas, com os seus conteúdos diluídos
no interior das quatro áreas de conhecimento que já mencionamos 56.
É inegável que há, por trás dessa drástica mudança no currículo, uma profunda
preocupação por parte do Estado em formar indivíduos que sejam obedientes, sem a
capacidade para analisar a realidade social dentro de uma perspectiva crítica que os levem a
identificar os danos gerados em suas vidas pelo avanço das relações destrutivas do capital,
que tem resultado na ampliação das relações de dominação e de exploração do homem pelo
homem em prol da acumulação dos lucros. Logo, os conhecimentos que podem contribuir
para uma formação crítica dos alunos foram afetados, como é o caso da Filosofia, Sociologia,
Arte, e, também, da Educação Física, etc., no qual por meio de suas aulas é possível trabalhar
os aspectos políticos, econômicos, sociais, assim como as relações de poder usadas pelas
classes dominantes para a manutenção e a reprodução do status quo.
Diante disso, Amorim e Santos (2021, p. 46) afirmam que:

Embora por si só não seja suficiente, o desenvolvimento do pensamento crítico


fundamentado numa teoria sólida é uma das condições necessárias para a
organização das lutas sociais. Sem o conhecimento do real e o desenvolvimento do
pensamento crítico, a juventude pobre pode ficar mais suscetível aos ditames do
Estado e à subsunção à lógica do capital. Sem organização social torna-se mais
viável o ataque aos direitos do trabalhador, necessário para garantir a manutenção
dos privilégios de classe, sem reações e revoltas. A partir dessa compreensão ficam
mais evidentes os motivos em que se sustentam os ataques à educação pública.

Frente a isso, passamos a constatar que o novo Ensino Médio apresenta um caráter
de classe, pois as suas mudanças afetarão mais o funcionamento das escolas públicas, que
atendem, majoritariamente, os filhos da classe trabalhadora. Por outro lado, os filhos da classe
dominante cursam essa etapa de ensino nas escolas privadas, que encontram com as novas
DCNEM os fundamentos legais para organizar os seus currículos de forma que possam
continuar oferecendo uma formação geral básica centrada na transmissão e na assimilação dos
conhecimentos científicos, assegurando, assim, as condições necessárias para que os seus
alunos possam progredir nos estudos posteriores com o acesso aos cursos da Educação

56
Dentre os conhecimentos previstos para serem trabalhos dentro de uma perspectiva transversal e integradora
encontram-se “[...] o processo de envelhecimento e o respeito e valorização do idoso; os direitos das crianças e
adolescentes; a educação para o trânsito; a educação ambiental; a educação alimentar e nutricional; a educação
em direitos humanos; e a educação digital” (BRASIL, 2018, p. 6).
110

Profissional ofertada no Ensino Superior, optando, preferencialmente, pela realização dos


estudos, neste momento de sua formação, agora, em instituições públicas.
Desse modo, com o novo Ensino Médio regular diurno:

O projeto de educação pobre para pobres se autodenúncia, seja pela proposta de


redução do tempo curricular destinado à formação geral, que passa de, no mínimo,
2.400 horas para, no máximo, 1.800 horas em três anos letivos; seja pela
invisibilidade de componentes curriculares e pela centralidade do ensino nas
disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática [...] em detrimento de uma base
sólida do conhecimento específico dos componentes curriculares de cada área
(SANTOS; AMORIM, 2021, p. 27, grifos nossos).

Ainda de acordo com o segundo ponto, trataremos sobre a organização dos


itinerários formativos, algo que não encontrávamos no interior do Ensino Médio antigo, tendo
em vista que o percurso formativo era único, atendendo uma estrutura organizacional do
processo educativo mais rígido (KUENZER, 2017), no qual possibilitava o acesso a uma base
geral de conhecimentos por meio dos treze componentes curriculares que encontravam-se
distribuídos de forma obrigatória dentro das quatro áreas de conhecimento. Os itinerários
formativos têm sido apresentados e defendidos pelos entusiastas do novo Ensino Médio, tais
como institutos e fundações ligadas ao empresariado brasileiro, como uma segunda opção
formativa dentro do currículo dessa etapa de ensino, pensado para deixar o currículo mais
atrativo para os alunos, que podem, dado a flexibilidade do novo currículo, escolher, de
acordo com os seus interesses, o que pretende aprofundar com os estudos dentro das 2.400
horas destinadas para cursar os itinerários formativos.
Com base nisso, os itinerários podem ser compreendidos como:

[...] cada conjunto de unidades curriculares ofertadas pelas instituições e redes de


ensino que possibilitam ao estudante aprofundar seus conhecimentos e se preparar
para o prosseguimento de estudos ou para o mundo do trabalho de forma a
contribuir para a construção de soluções de problemas específicos da sociedade
(BRASIL, 2018, p. 2, grifos nossos).

Por outro lado, as unidades currículos correspondem aos:

[...] elementos com carga horária pré-definida, formadas pelo conjunto de


estratégias, cujo objetivo é desenvolver competências específicas, podendo ser
organizadas em áreas de conhecimento, disciplinas, módulos, projetos, entre outras
formas de oferta (BRASIL, 2018, p. 2, grifos nossos).

Mais uma vez, encontramos claramente expressões ligadas à Pedagogia das


Competências e às determinações dos organismos internacionais para a organização do
111

processo educativo e a reestruturação do currículo escolar, o que tem levado o novo Ensino
Médio a incorporar a concepção de trabalho e de cidadania como base para a formação dos
alunos, buscando desenvolver competências e habilidades que possam auxiliar a resolver
questões complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho. Isto posto, cabe destacar que existem cinco opções de itinerários formativos que
poderão ser ofertados nessa parte do currículo: I – Linguagens e suas Tecnologias, II –
Matemática e suas Tecnologias, III – Ciências da Natureza e suas Tecnologias, IV – Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas, V – Formação Técnica e Profissional.
Desse modo, a oferta dos itinerários deve “[...] considerar as demandas e
necessidades do mundo contemporâneo, estar sintonizados com os diferentes interesses dos
estudantes e sua inserção na sociedade, o contexto local e as possibilidades de oferta dos
sistemas e instituições de ensino” (BRASIL, 2018, p. 7). O fato de os alunos terem interesse
em um determinado itinerário formativo não lhes garante o acesso a ele, visto que três
questões impactam diretamente na sua oferta: 1) a sua relevância para o contexto local, 2) a
possibilidade de oferta pelo sistema de ensino, 3) as possibilidades estruturais e de recursos
das instituições ou redes de ensino. Isso deixa claro que o poder de escolha dos alunos é uma
farsa, pois de nada adianta ele ter, por exemplo, interesse em cursar o itinerário de Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas se o sistema de ensino não o ofertar.
Assim, as instituições ou rede de ensino ao orientar os alunos sobre a escolha dos
itinerários formativos farão com base somente no que o sistema de ensino pode oferecer como
opção para ser cursadas, visto que não está previsto no texto da Resolução n. 3/2018 a oferta
dos cinco itinerários formativos, mas sim de mais de um por município em áreas distintas, o
que significa que assim como alguns componentes curriculares ficarão de fora da formação
geral básica dos alunos o mesmo acontecerá com alguns itinerários formativos.
A partir disso, Ferretti (2018, p. 29, grifos nossos) contribui afirmando que:

Os alunos farão, no máximo, escolhas entre os itinerários formativos estipulados


pelo sistema público de ensino do referido ente federativo. Não deve ser
descartada a possibilidade, em face do atual contexto econômico e político do país,
de que seja limitada a referida flexibilização dos itinerários formativos pelos
estados, na medida em que, de acordo com o espírito da Lei, os Conselhos Estaduais
de Educação de cada ente possam ser, de certa forma, pressionados para oferecer
prioritariamente, ou em maior número, itinerários formativos mais afinados
com a perspectiva dos interesses econômicos, quais sejam, os referentes às áreas
das Ciências Naturais, Matemática e Linguagens e Educação Profissional,
alinhando-se com a expectativa de melhoria dos índices obtidos pelos jovens
brasileiros nas avaliações de caráter internacional como o Pisa.
112

Sendo assim:

Criados com o objetivo de dar aos jovens a opção de escolher uma área para
aprofundar os estudos, os itinerários do novo ensino médio estão, na prática, sendo
impostos e até mesmo sorteados entre os estudantes nas escolas estaduais do país.
Por falta de professores, espaço físico, laboratórios e turmas lotadas, as escolas
não conseguem atender a opção feita por todos os alunos e acabam por colocá-
los para cursar os itinerários disponíveis. Sem ter a escolha respeita, os estudantes
têm 40% das aulas do ensino médio em áreas que não são as de seu interesse.
Especialistas alertam que o modelo acaba por promover o efeito contrário do que
buscava: distancia o ensino do que interessa aos jovens e, consequentemente, reforça
os baixos níveis de aprendizagem e o risco de abandono escolar (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2023, grifos do autor).

Portanto, constata-se que as primeiras experiências em torno da implantação do


novo Ensino Médio regular diurno, mais especificamente sobre a oferta dos itinerários
formativos organizados por meio dos diferentes arranjos curriculares, não se encontra em
concordância com o discurso inicialmente defendido pelos entusiastas do novo Ensino Médio
sobre os benefícios apontados em relação a nova estruturação curricular que encontramos
nessa etapa de ensino, visto que ela não tem se mostrado mais atrativa para os jovens, não
atendendo, assim, as expectativas formativas dos alunos.
Neste contexto, têm surgido vários questionamentos apontando a fragilidade da
proposta formativa direcionada para os alunos com o novo Ensino Médio regular diurno,
constatando-se, a partir das diferentes formas de flexibilização do currículo, a retidas de
conhecimentos necessários para a sua formação escolar, e colocados no seu lugar itinerários
formativo organizados por meio de matérias ou disciplinas com os nomes nada explicativo
como é caso, por exemplo, de aulas ministradas que tratam sobre “O que rola por aí”, “RPG”,
“Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA” , “Arte de morar”. “Se liga na Mídia”, entre outras
opções de itinerários formativos ofertados para os alunos.
Embora a oferta desses itinerários tenha se tornado em uma questão de piada pelo
Brasil a fora, não podemos deixar de destacar que por trás disso há implicações
desencadeadas na formação dos jovens, que estão deixando de cursar conteúdos de ensino
reconhecidos historicamente como essenciais para a sua formação escolar para se apropriarem
de conhecimentos que, muitas vezes, conforme os itinerários apontados acima, nem se
constituem como um saber elaborado. Em outros termos, conhecimentos científicos que as
escolas devem realmente incluir no currículo para que a formação escolar ofertada para os
alunos seja, de fato, enriquecida e não precarizada como encontramos na conjuntura atual, no
113

qual o processo educacional tem sido organizado por meio de um currículo flexível, voltado
para atender as demandas de uma sociedade cada vez mais exigente e competitiva.
Certamente, as reverberações encontradas não são apenas na formação escolar
ofertado para os alunos, mas também no trabalho dos professores, que diante do novo cenário
vêm reinventando a sua prática profissional para poder ensinar sobre conteúdos de ensino que
na maioria das vezes não carregam nenhuma ligação com a sua área de formação inicial ou
continuada. Entre esses professores destacam-se, de forma mais precisa, os que possuem
formação na área de Arte, Educação Física, Sociologia, Filosofia, História e Geografia. Isso
não significa, de maneira alguma, que apenas os educadores dessas áreas tenham sido
prejudicados com a implantação do novo Ensino Médio. Diante disso, os resultados esperados
são, infelizmente, a queda na qualidade da educação oferecida nessa etapa de ensino, com
baixo índice de aprendizagem e de evasão escolar.
Temos, ainda, algumas questões para tratar que envolvem a oferta dos itinerários
formativos, porém, traremos dentro do terceiro ponto, a articulação com a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio, por correlacionar mais precisamente com esse ponto.
Como vimos, existem ao todo cinco itinerários formativos, sendo que quatro deles fazem
referência direta as quatro áreas de conhecimentos da formação geral básica dos alunos e que
podem ser aprofundadas como itinerários formativos, embora a dinâmica de organização do
currículo não garanta efetivamente isso, mas sim uma apropriação fragmentada dos conteúdos
ao longo dos três anos do Ensino Médio. Assim, discorremos, nos parágrafos abaixo, sobre a
oferta da Formação Técnica e Profissional como itinerário formativo.
Este itinerário visa à qualificação profissional do estudante “[...] para adaptar-se
às novas condições ocupacionais e às exigências do mundo do trabalho contemporâneo e suas
contínuas transformações, em condições de competitividade, produtividade e inovação [...]”
(BRASIL, 2018, p. 7). Em outras palavras, isso significa, em conjunto com a educação
democrática e cidadã, a preparação dos indivíduos para se conformar com as relações de
dominação e de exploração da sociedade capitalista, expressa pela fundamental contradição
entre capital e trabalho, haja vista que a sociedade atual tem como ato ontológico-primário a
compra e venda da força de trabalho. Dessa forma, esses apontamentos vão ao encontro de
uma proposta de formação que visa à emancipação política, compatível apenas com a
manutenção do capitalismo e das relações do capital enquanto um sistema social global.
É, então, no interior desse itinerário que ocorre uma das formas de articulação do
Ensino Médio regular diurno com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, por meio
da oferta da habilitação profissional, que pode ocorrer em mais de um curso desde que
114

estejam articulados entre si. Disso fica entendido que existe, pelo menos no plano formal e
normativo, uma espécie de integração do Ensino Médio com a Educação Profissional.
Entretanto, cabe destacar que a formação profissional se encontra de acordo com a nova
organização curricular separada da formação básica geral dos alunos, o que significa, de certa
forma, a negação de uma proposta educativa integrada, capaz de unir ao decorrer do processo
educacional o ensino profissionalizante com o ensino propedêutico como uma base unitária,
verdadeiramente, indissociável ao longo dos três dessa etapa de ensino.
Apontamos, no parágrafo acima, que o itinerário de Formação Técnica e
profissional se constitui como uma das formas de articulação do Ensino Médio regular diurno
com a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, pois para estes alunos ainda ficam
aberto as outras duas possibilidades de ingresso destacados na subseção anterior, sendo elas a
forma sequencial e a forma concomitante. Neste caso, encontra-se aberto a possibilidade do
aluno cursar a formação básica geral na escola e de forma concomitante a Educação Técnico
Profissionalizante de Nível Médio em uma outra instituição, uma vez que para cumprimento
de exigências curriculares as atividades realizadas em outras instituições de ensino podem,
conforme o § 12 do Art. 17 da Resolução n. 3/2018, ser reconhecidas como parte da carga
horária do Ensino Médio, tanto da formação geral básica como dos cinco itinerários
formativos, entre eles o de Formação Técnica e Profissional. Se isso é algo que vai acontecer
na prática não sabemos, no entanto, é uma possibilidade encontrada que dialoga, de forma
precisa, com a flexibilização do novo currículo do Ensino Médio regular diurno.
O itinerário de Formação Técnica e Profissional será, certamente, um dos que
mais será ofertado nas escolas públicas, visto que a Educação Profissional tem sido
historicamente oferecida para a classe trabalhadora, sendo reproduzido, com isso, a divisão
social do trabalho em nossa sociedade, no qual às classes trabalhadoras têm sido ofertadas
uma educação profissionalizante, de cunho manual, e para a classe dominante uma educação
propedêutica, de cunho intelectual, voltado para a administração do setor produtivo. No que
concerne ao trabalho docente, é permitido no interior desse itinerário formativo que as aulas
sejam ministradas por profissionais com notório saber, ou seja, sem formação docente, apenas
com os seus saberes reconhecidos pelos sistemas de ensino, embora não se saiba ainda como,
para ministrar conteúdos afins à sua formação ou experiência profissional.

A possibilidade de se contratar professores com “notório saber” [...] constitui-se em


um dos mais graves retrocessos [...]. Mesmo que essa forma de contratação, nesse
momento, se dê unicamente para admitir professores para a área V - formação
técnica profissional, resultará na desestruturação da já frágil carreira docente [...]
Por trás da defesa do professor com do notório saber está a concepção que para ser
115

professor basta ser um bom prático, alinhando-se com as críticas que afirmam que os
currículos de formação de professores são demasiadamente teóricos e pouco práticos
(BELTRÃO, 2019, p. 174-175, grifos nossos).

Em relação a isso, Ferretti (2018, p. 37) acrescenta que:

Embora essa forma de contratação se refira especificamente ao itinerário acima


indicado, reiterando uma prática já antiga nas escolas técnicas, é necessário atentar
para as possibilidades de sua ampliação pelos governos para disciplinas dos
demais itinerários devido à dificuldade de encontrar professores titulados e
licenciados interessados em lecioná-las, problema atualmente enfrentado, pelo
menos em São Paulo, com a oferta de tais disciplinas por professores sem formação
específica para tal. Isso significa um problema para a valorização da carreira
profissional, redundando possivelmente em perdas salariais, além das que
decorrerão das restrições financeiras já estabelecidas.

Além disso, fica aberta a possibilidade da realização de parcerias entre as


instituições da rede pública de ensino com instituições privadas, de tal forma que seja
garantida a oferta de outros itinerários formativos e o de Formação Técnica e Profissional,
tendo como requisito básico para isso apenas o fato dessas instituições serem previamente
credenciadas pelos sistemas de ensino, ou seja, tão somente reconhecidas. Sendo assim, as
parcerias podem ser estabelecidas para a realização de atividades formativas desenvolvidas de
forma presencial e, também, à distância, no qual a carga horária destinada para essa segunda
pode, a critério dos diferentes sistemas de ensino, contemplar no máximo 30% da carga
horária total do Ensino Médio regular diurno, que é 4.200 horas, o que corresponde os 30% a
1.260 horas de atividades desenvolvidas por meio do ensino a distância.
Diante de tantas mudanças previstas para serem efetuadas no interior do Ensino
Médio com essa política educacional, questionamo-nos: Será que o Brasil possui, realmente,
condições necessárias para universalizar o Ensino Médio regular diurno em regime de tempo
integral por todo o país? Cabe destacar que a implementação de escolas em regime de tempo
integral não se define só pela expansão da carga horária, mas, também, pela criação de
condições objetivas para que a universalização possa, de fato, acontecer e ter como resultado
uma melhora na educação. É válido relembrar que tivemos, em 2016, a aprovação da EC n.
95/2016, responsável por congelar por vinte anos os investimentos direcionados para os
programas sociais, a saúde e a educação, o que pode comprometer o desenvolvimento de
atividades que possam contribuir com a expansão e a valorização da educação brasileira.
A partir disso, Ferro et al. (2023, p. 208-209, grifos nossos) ressaltam que:
116

Vivemos um momento de crescentes e sucessivos cortes de investimentos na


educação. A escola pública atravessa, talvez mais que em outros momentos, uma
situação de precarização. Certamente não conseguirão dar conta de uma grande
gama de itinerários formativos para os seus alunos num cenário de menos recursos
disponíveis. Os itinerários formativos de ensino técnico profissional demandariam
investimento massivo por parte do Estado, com concursos para contratação de
profissionais docentes, construção de laboratórios, compra de insumos, maquinários
para equipá-los etc. O que não parece estar nos planos dos últimos governos
brasileiros, os quais têm seguido a agenda neoliberal do Estado Mínimo,
especialmente no tocante à educação. Em contraponto, as escolas privadas têm
condições de oferecer uma gama de itinerários formativos para seus alunos/clientes,
e os empresários do ramo oportunizarão a geração de mais lucros com isso.

Isso posto, abordaremos, agora, sobre o quarto ponto: a relação estabelecida entre
a organização do currículo com a prova do ENEM. Cabe ao INEP realizar a elaboração e
publicação das matrizes de avaliação do ENEM, assim como organizar a logística de
aplicação do ENEM, que deve, a partir de 2024, conforme a Portaria n. 521/2021, que
instituiu o cronograma nacional de implementação do novo Ensino Médio, ser estruturado
levando em consideração as quatro áreas de conhecimento presentes para a formação geral
básica dos alunos e os itinerários formativos. O exame, de acordo com o § 1 do Art. 32 da
Resolução n. 3/2018, “[...] será realizado em duas etapas, onde a primeira terá como
referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a segunda, o disposto nos
Referenciais para a Elaboração dos Itinerários Formativos” (BRASIL, 2018, p. 15).
Frente às novas mudanças do novo Ensino Médio, o ENEM passou a ter como
objetivo, conforme aponta o texto do Art. 18 da Portaria 458/2020 (BRASIL, 2020, p. 4),
“[...] aferir o domínio das competências e das habilidades esperadas ao final da educação
básica, de acordo com a BNCC e as correspondentes diretrizes curriculares nacionais”. O
resultado da avaliação pode ser usado, entre outras coisas, para o acesso dos alunos a
Educação Superior, no qual poderão se inscrever nos programas como o SISU, o PROUNI e o
FIES, estando o primeiro voltado para o ingresso dos alunos no Ensino Superior em
instituições públicas e o segundo e o terceiro em instituições privadas, com parceria
estabelecida com o governo federal, no qual o PROUNI oferta bolsa de estudos parciais ou
integrais, e com o FIES o estudante pode conseguir o financiamento do curso.
No que concerne a aplicação do novo ENEM, podemos afirmar que o exame
continuará sendo aplicado em dois dias, possivelmente, em dois domingos seguidos do mês
de novembro, conforme ocorria anteriormente. As provas serão divididas em duas etapas. Na
primeira etapa, que corresponde ao primeiro dia de aplicação, teremos uma prova de caráter
interdisciplinar, com conteúdos cobrados obrigatórios e comuns para todos os participantes
inscritos, com questões estruturadas a partir das competências gerais da BNCC trabalhadas
117

pelas quatro áreas de conhecimentos que compõem a formação geral básica dos alunos,
porém, com maior ênfase em Língua Português e Matemática, sendo neste mesmo dia
realizado, ainda, a avaliação de produção textual por meio da redação.
A segunda etapa do ENEM, que corresponde ao segundo dia de prova, será
organizada com base na formação específica do estudante, considerando os itinerários
formativos e as competências gerais da BNCC. Serão disponibilizados como oferta quatro
blocos, onde cada participante deverá escolher, no ato da inscrição, apenas um bloco para
responder, formado pela combinação de duas áreas de conhecimento: 1) bloco I - Linguagens
e suas Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, 2) bloco II - Matemática e suas
Tecnologias + Ciências da Natureza e suas Tecnologias, 3) bloco III - Matemática e suas
Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, 4) IV bloco - Ciências da Natureza e
suas Tecnologias + Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (BRASIL, 2022).
Constata-se que o novo formato do ENEM possibilita o distanciamento da
chegada dos filhos da classe trabalhadora à Educação Superior, haja vista que a formação
geral básica recebida por meio do Ensino Médio público regular já não será das melhores o
que já deixam eles em desvantagens para concorrer com os estudantes que cursaram o Ensino
Médio em escolas privadas. Ademais, conforme já temos alertado, o Itinerário de Formação
Técnica e Profissional será o mais ofertado para os alunos das escolas públicas que chegarão
no exame do ENEM com uma formação geral básica precária, e sem ter aprofundados os
conhecimentos em nenhum bloco do que a prova passará a cobrar na segunda etapa de
aplicação, o que reforçar o caráter de classe do novo Ensino Médio, conforme já apontamos
acima e tem sido denunciado, também, por Santos (2021).
Assim, o grande destaque do novo Ensino Médio é:

[...] o discurso de preparar o jovem, desde cedo, para o mercado de trabalho,


tornando-o apto a superar os percalços do instável mercado de trabalho, as
disciplinas, então, foram agrupadas por áreas do conhecimento e foram
acrescidos os itinerários formativos que, em tese, possibilitariam ao aluno um
aprofundamento em determinada área. A escolha por um dos itinerários
formativos significa que o aluno não estudará outras disciplinas que não
aquelas que compõem o itinerário escolhido. Dessa forma, uma educação que já
é empobrecida e superficial fica ainda mais precária. Consequentemente, as
chances desse jovem chegar ao nível superior ficam reduzidas, uma vez que,
para a classe explorada, uma formação mínima é o suficiente para ser
explorada. Assim, sendo mínima essa formação, o tipo de trabalho é precário em
todos os sentidos (FERRO et al,. 2-23, p. 2010, grifos nossos).

Nesse viés, Pereira, Vidal e Santos (2022, p. 15, grifos nossos), corroboram
afirmando que o novo Ensino Médio apresenta:
118

[...] uma falsa educação integral, caracterizando-se como uma política pública
neoliberal que expressa no seu interior funções políticas que a escola deve
desempenhar para reproduzir as condições materiais da nossa existência, trazendo a
curto e a longo prazo privilégios para quem já vem sendo historicamente
privilegiado em nossa sociedade, as classes dominantes. Em contrapartida, as
camadas populares são submetidas ao processo de exploração humana em prol da
acumulação do capital, assim como o de marginalização social, recebendo por
parte do Estado uma formação escolar sem a devida apropriação dos
conhecimentos científicos, com um ensino despolitizado, favorecendo, assim, a
hegemonia da classe dominante no país, algo típico da escola nova.

As primeiras experiências em torno da implementação do novo Ensino Médio têm


deixado em evidências os prejuízos acarretados na formação da juventude brasileira, gerando
descontentamento na população, o que resultou na organização de algumas mobilizações nas
principais cidade do país exigindo a revogação dessa política educacional e a aprovação de
uma outra proposta formativa. Nesse contexto, destacam-se a figura de quatro Deputados
Federais: Glauber Braga, Chico Alencar, Tarcísio Motta e Teresa Leitão, os três primeiros
Deputados filiados ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro, e a última
Deputada ao PT de Pernambuco, todos estão em luta, em conjunto com algumas entidades
profissionais, estudantis, sindicais e científicas da educação, mobilizando ações que apontem
para a revogação e a substituição do novo Ensino Médio.
Como resultado dessa luta, o Ministro da Educação, Camilo Santa, e o Presidente
da República, Lula da Silva, têm sido pressionados, o que resultou na suspensão do
cronograma de implementação do novo Ensino Médio no início de abril de 2023 por 60 dias,
principalmente, no diz respeito às mudanças previstas para o ENEM em 2024. Além disso, foi
apresentado na Câmara dos Deputados o PL n. 2.601/2023, de autoria dos Deputados Federais
Tarcísio Motta e Chico Alencar, buscando alterar a LDBEN n. 9.394/1996 para que seja
instituída uma organização do Ensino Médio parecida com a que tínhamos com a Resolução
n. 2/2012, com uma carga horária mínima de 2.400 horas para a formação geral básica sem a
devida exclusão dos componentes curriculares tidos como obrigatórios, tendo uma parte do
currículo diversificada definida por cada sistema de ensino, que poderá ser organizada “[...]
por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares voltados ao aprofundamento da ciência,
da tecnologia, da cultura e do mundo do trabalho, conforme a relevância para o contexto
local, histórico, econômico, social, ambiental e cultural” (BRASIL, 2023, p. 3).
Cabe destacar que a escrita dessa dissertação não deixou de considerar a relação
intrínseca existente entre Estado, capital e trabalho, pois “compreender essa relação implica
conhecer a inerente natureza do Estado e o caráter mutante da função que exerce –
119

determinado pelo capital, para a sua própria reprodução” (SANTOS; AMORIM, 2021, p. 28).
Com base nisso, consideramos que o novo Ensino Médio reforça a dicotomia educativa no
Brasil, legitimando a criação de uma educação para a classe trabalhadora, com a oferta de
uma educação profissionalizante para que ocupem os cargos mais baixos dentro do setor
produtivo, por meio da realização de um trabalho manual. Por outro lado, é reproduzido, sem
sofrer modificações, a educação da classe dominante, no qual ela garante para os seus filhos a
oferta de um ensino propedêutico, que os direcionarão para a continuação dos estudos no
Ensino Superior em cursos de engenharia, direito, medicina, odontologia, etc., para que
depois de formados possam ocupar os cargos mais alto do setor produtivo, atividades de
gerenciamento, por meio da realização de um trabalho intelectual.
Paralelo a isso, Xerez (2013, p. 35, grifos nossos) corrobora afirmando que:

O modelo de Educação Profissional no Brasil tem refletido, ao longo da história,


uma estrutura inflexível, que registra o aprofundamento das desigualdades sociais,
à medida que aflora uma dicotomia com traços delineados entre Educação Geral
e Educação Profissional, sendo a primeira destinada às elites e à classe média, que
busca uma formação generalista acadêmica e propedêutica que dá acesso ao ensino
superior, enquanto aos trabalhadores se destina a Educação Profissional.

Portanto, a severa dicotomia entre educação profissional e propedêutica, gerada de


uma dualidade educacional, em vez de ser superada, é fortemente reproduzida com o novo
Ensino Médio. Cabe, agora, lançarmos a seguinte questão: É possível a superação da
dicotomia educativa no interior da sociedade brasileira? Com base no desenvolvimento
histórico da educação acreditamos que não, pois a sociedade brasileira é regida pela lógica
capitalista e do capital, sendo, portanto, da sua natureza a propagação da desigualdade
material e espiritual, não podendo ofertar uma educação universal para todos os indivíduos,
uma vez que o discurso burguês de igualdade é apenas formal, fundado por uma desigualdade
real com conforme é possível ser constatado à luz dos pressupostos onto-metodológicos,
instaurados por Karl Marx e recuperados por György Lukács.
Logo, o que podemos obter são pequenos avanços que abrem espaço para uma
formação que possibilite algumas oportunidades de mais tempo para o acesso aos
conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal como tínhamos como as
DCNEM aprovado pela Resolução n. 2/2012 e como defende o PL n. 2.601/2023. No entanto,
qualquer que seja a proposta de formação para juventude aprovada no interior da nossa
sociedade ela estará sempre subordinada aos interesses do capital e das novas exigências
necessárias para a reprodução da sociedade de classes, assim como das relações de dominação
120

e de exploração do homem pelo homem em prol da acumulação dos lucros. Para isso, a
educação ofertada se vinculará com os princípios e valores que dizem respeito à emancipação
política, sendo estes conservadores e reacionários como, por exemplo, o da cidadania 57.
Como podemos identificar, essa desigualdade presente no interior da nossa
sociedade é inserida também no interior da educação, subordinando este complexo à lógica
capitalista, e com isso ao invés de promover uma formação humana que favoreça o
desenvolvimento dos indivíduos a patamares mais elevados de pertencimento ao gênero
humano são criadas barreiras que rebaixam a nossa condição de sujeitos criativos, críticos e
revolucionários. Isso ocorre porque recebemos uma formação de cunho unilateral, centrada
apenas nos conhecimentos que são necessários para a reprodução e o desenvolvimento do
capital e não humano. Nesse contexto, a classe trabalhadora recebe por parte do Estado uma
educação mínima, de baixo custo, condizente apenas para a sua adaptação ao conjunto de
relações desumanas e alienadas da sociedade capitalista em tempos de crise.
Diante disso, Tonet (2016, p. 99, grifos nossos) afirma que:

[...] a educação é um poderoso instrumento para a formação dos indivíduos. Mas,


como já vimos, nas sociedades de classes ela é organizada de modo a servir à
reprodução dos interesses das classes dominantes. Na sociedade capitalista isto é
ainda mais forte e insidioso porque as aparências indicam que uma formação de boa
qualidade é acessível a todos, enquanto a essência evidencia que tanto o acesso
universal quanto a qualidade não passam de uma falácia.

Portanto, a dicotomia educativa que foi gerada tende a ser reproduzida, haja vista
que ela atende de forma satisfatória às necessidades educativas da estrutura econômica do
modo de produção capitalista, bem como da sociedade brasileira que tem o trabalho e o
mercado organizado de acordo com a lógica desse sistema. É por isso que não podemos
encontrar no interior do capitalismo uma educação que possibilite ao trabalhador uma
formação integral, voltada para atender as necessidades humanas. Nesse sentido, o que
encontramos é uma formação unilateral, que rebaixa a nossa condição humana.
Diante disso, Santos (2019, p. 54) destaca que:

57
Com base nisso, Tonet (2016, p. 39-40, grifos nossos) ressalta que “Nenhum aperfeiçoamento, melhoria,
ampliação, correção ou conquista de direitos que compõem a cidadania poderá eliminar a raiz que produz
a desigualdade social. Pelo contrário, o exercício daqueles direitos permite, ao aparar as arestas e ao tornar
menos brutal a escravidão assalariada, que este sistema social, fundado na desigualdade, funcione melhor, pois
conta com o beneplácito dos próprios explorados e dominados. Reconhecer as limitações intrínsecas da
cidadania não significa, de modo nenhum, menosprezar a importância que ela teve e tem no processo de
autoconstrução do ser social. Significa apenas reconhecer que ela integra necessariamente– ainda que de modo
contraditório e tensionado – a sociabilidade regida pelo capital. De modo que cidadania, por mais plena que seja,
jamais será sinônimo de liberdade plena”.
121

O que se registra ao longo da história da educação no capitalismo é a negação da


formação integral, aquela que une cabeça (intelecto), corpo (mãos) e fantasia
(espírito). Não há como a burguesia eliminar a dicotomia educacional presente no
processo educativo, dado que, como o capitalismo só se sustenta sobre a exploração,
o complexo educacional capitalista é montado de modo que sua dicotomia possa
garantir [...] tal exploração.

Dessa forma, fica claro que a dicotomia educativa que aqui tratamos só pode ser
superada com o fim da sociedade capitalista e a instauração de uma nova forma de
sociabilidade que seja justa, humana e igualitária, voltada para o atendimento das
necessidades humanas e não do capital. E para isso acontecer é preciso que a classe
trabalhadora possa compreender as contradições presentes no interior do modo de produção
capitalista para que possam se organizar enquanto classe social para avançar com o seu
projeto histórico de superação dessa forma de sociabilidade, fundada a partir do trabalho
alienado e das relações de exploração e de dominação do homem pelo homem.
Paralelo a isso, entendemos que a educação não pode ser vista como um complexo
social capaz de assumir a centralidade nesse processo de transição de uma forma de
sociabilidade para outra, uma vez que não queremos aqui assumir uma perspectiva idealista,
mas sim realista, considerando, de fato, o que pode ser realizado no interior da educação em
sentido estrito, ofertada pelo Estado, que exerce um controle político, administrativo e
ideológico das ações que são desenvolvidas no interior do complexo educativo, dificultando,
assim, o desenvolvimento de uma educação que esteja voltada para atender as necessidades
humanas e a superação do capitalismo e do capital enquanto sistema social global.
Não queremos dizer com isso que o complexo educativo não possa contribuir com
o processo de superação do modelo atual de sociedade que vivemos, pois enquanto uma
posição teleológica secundária ela pode auxiliar na formação de uma consciência socialista
nos educandos ao desvendar as atrocidades que o capitalismo produz e reproduz socialmente
enquanto um modo de produção, deixando clara a necessidade de superação desse sistema,
assim como a centralidade que a classe trabalhadora deve ocupar enquanto sujeitos
revolucionários comprometidos com a construção de uma nova forma de sociabilidade,
radicalmente diferente e superior à sociedade capitalista.
Dessa forma, cabe destacar que os educadores comprometidos com esta causa
podem desenvolver, dentro das possibilidades que o Estado abre para a nossa atuação crítica e
revolucionária, um conjunto de atividades educativas emancipadoras, conforme defendido por
Tonet (2005, 2014, 2016). Os desenvolvimentos dessas atividades devem apontar para a
122

formação de alunos que possam compreender, por meio das práticas de ensino, que a
realidade social é construída historicamente, e que, portanto, ela pode ser transformada pelos
homens de carne e osso, no qual podemos por meio da institucionalização de uma nova práxis
social superar o capitalismo e as relações do capital. Retomaremos essa discussão na última
seção do próximo capítulo, correlacionando-a com a práxis docente desenvolvida pelos
professores de Educação Física no atual contexto da crise estrutural do capital.
123

4 UMA ANÁLISE SOBRE AS IMPLICAÇÕES DO NOVO ENSINO MÉDIO NA


ÁREA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A NECESSIDADE ONTOLÓGICA
DESSE COMPLEXO SOCIAL NA FORMAÇÃO HUMANA

Este capítulo se encontra organizado em três seções, na 4.1 tratamos sobre a


gênese ontológica da Educação Física enquanto um complexo social; na 4.2 realizamos alguns
apontamentos sobre o percurso histórico da Educação Física na educação brasileira, assim
como a necessidade desse complexo social na formação humana; na 4.3 discorremos sobre as
implicações do novo Ensino Médio na área de Educação Física escolar, e os requisitos
necessários para uma práxis docente que tenha como horizonte a emancipação humana e não
apenas a formação para o mercado de trabalho.

4.1 A gênese ontológica da Educação Física enquanto um complexo social: uma


discussão a partir do trabalho e do desenvolvimento da cultura corporal

Discutimos, nesta seção, a gênese ontológica da Educação Física, considerando-a


como um complexo social surgido no interior da sociedade capitalista a partir da Revolução
Industrial ocorrida na Inglaterra no século XVIII, responsável por grandes transformações no
conjunto das relações sociais e de produção, que levou a humanidade a conhecer o
capitalismo desenvolvido, no qual no seu interior, conforme aponta Lessa e Tonet (2012), o
capital pode exibir todas as suas características desumanizadoras. Consideramos necessário antes
disso tratarmos, ainda que de forma breve, sobre a relação existente entre o complexo
fundante do ser social, o trabalho, e a sua relação com o complexo da cultura corporal, que se
manifesta na realidade do ser social, em sentido lato e em sentido estrito, como um complexo
social universal e permanente ao longo de todo o desenvolvimento do ser social.
Cabe ressaltar que encontramos alguns estudos que tratam sobre este assunto à luz
da ontologia marxiana-lukacsiana, entre eles o de Maia (2023), o de Mello (2014), os de
Oliveira (2018, 2020, 2022), o de Ortigara (2011) e o de Sobrinho et al. (2009). Tomamos
como base os escritos desses autores para discorrermos sobre o que propomos no parágrafo
acima, buscando ampliar a discussão e trazer para a área novos entendimentos no que diz
respeito à relação estabelecida entre o trabalho, a cultura corporal e a Educação Física. Isso
não significa, de forma alguma, que a nossa discussão venha somente concordar com os
apontamentos desses autores, tendo em vista que alguns momentos apresentamos novas
124

considerações que julgamos importantes para uma compreensão histórico-ontológica da


Educação Física e do seu objeto de estudo que é a cultura corporal em sentido estrito.
Conforme já discutimos na seção 1.1, o trabalho constitui-se como o complexo
fundante do ser social, uma atividade ineliminável da vista dos homens, no qual por meio da
sua execução, previamente idealizada 58, que surge de uma necessidade concreta, como a
fome, por exemplo, o homem se relaciona com a natureza transformando-a para extrair dessa
relação produtos com valores de uso que possam garantir a satisfação das suas necessidades e
processo de reprodução do ser social. Existe, nesse contexto, uma relação entre o homem e a
natureza que caracteriza-se, no primeiro momento, como uma causalidade dada, no qual por
meio do trabalho realizado para suprir a sua fome, seja ele a simples coleta de uma fruta em
uma árvore ou a construção de uma lança para abater um animal na caça, resulta na
transformação da natureza e na conversão da causalidade dada em uma causalidade posta.
Sendo assim:

O homem, mediante atividade vital do trabalho, entra em metabolismo com a


natureza, agindo sobre ela, transformando-a, ao passo que também se transforma
nessa relação. Ao final do processo, nem a natureza e nem o homem são os
mesmos do início da relação (OLIVEIRA, 2022, p. 96, grifos nossos).

Nesse sentido, a coleta de uma fruta, assim como a construção de uma lança para
a caça, só é possível porque o homem é um ser dotado de consciência, onde a necessidade de
se alimentar fez com que essa consciência agisse sobre a única matéria que ela pode controlar
que o seu corpo (OLIVEIRA, 2018, 2020, 2022; MELLO, 2014). Como resultado, o homem
passou a realizar uma atividade com um fim previamente estabelecido para produzir bens com
valor de uso para atender às suas necessidades, colocando “[...] em movimento as forças
naturais pertencentes à sua corporeidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se
da matéria natural numa forma útil para sua própria vida” (MARX, 1985, p. 149). Então por
meio do trabalho os homens produzem a si mesmos e, no interior desse processo, produzem e
reproduzem sua corporeidade e o seu movimento (ORTIGARA, 2011).

Dessa forma, o primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a


existência de indivíduos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização
corporal desses indivíduos e, por meio dela, sua relação dada com o restante da
natureza (MARX; ENGELS, 2007, p. 87, grifos nossos).

58
“Trata-se aqui do próprio ato de trabalho em si, antecedido pelo processo teleológico de prévia-ideação no
qual o homem, no campo ideal, analisa antecipadamente todo o processo de trabalho que está por vir”
(SOBRINHO et al., 2009, p. 5, grifos nossos).
125

Os pensadores alemães seguem afirmando que:

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo que
se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam
a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização
corporal (MARX; ENGELS, 2007, p. 87, grifos nossos).

Ante o exposto, entendemos que temos por meio do trabalho a produção e a


reprodução da corporeidade e do movimento humano, existindo, portanto, uma necessidade
corpórea no ato do trabalho, isto é, na contínua realização de posições teleológicas pelo ser
social. Com base nisso, Oliveira (2018, p. 135, grifos nossos) afirma que “A produção da vida
humana somente é possível com uma ação ativa da força de trabalho em um eterno processo
de mediação com a natureza”. Mas o que seria, então, a força de trabalho? A força de trabalho
pode ser entendida, neste contexto, como o controle consciente sobre os músculos dos braços,
das pernas, da cabeça e das mãos, ou seja, do corpo empregado no ato do trabalho, portanto, a
capacidade corpórea do sujeito que o realiza, que ao objetivar a sua prévia ideação transforma
não só a natureza externa, mas também a sua natureza interna.
É obtido como resultado desse processo a aquisição de novos conhecimentos,
valores e habilidades corporais, que, para garantir a existência e o processo de reprodução do
ser social, devem ser transmitidas para as novas gerações, o que significa dizer que no
trabalho e pelo trabalho foi fundado o ser social e de forma concomitante uma cultura
corporal, compreendida, nesta dissertação, como um complexo social universal e permanente
ao longo de todo o desenvolvimento do ser social. É universal porque a cultura corporal,
assim como o trabalho, a educação e a linguagem, encontra-se presente em todas as formas de
sociedade constituídas pelo homem; é permanente por existir uma necessidade ontológica do
movimento consciente no ato do trabalho, o que leva-nos a compreender a cultura corporal
como um elemento fundamental para o processo de constituição e de reprodução do ser social.

Em razão disso, a cultura corporal se qualifica como uma condição não eliminável
da formação e da reprodução do ser social. É a partir desse seu caráter
ineliminável na esfera humana, que temos a interdependência entre corpo-mente,
subjetividade-objetividade, etc. e, consequentemente, da construção histórica
de uma cultura em torno do corpo [...] Essa indissociabilidade nos permite
conceber a cultura corporal enquanto elemento necessário para a produção e para a
reprodução do ser social, ou seja, para a formação humano-genérica dos indivíduos
ao longo da história. Nesse sentido, todas as transformações biológicas,
anatômicas ou cinesiológicas do corpo humano e das relações sociais
estabelecidas entre os humanos, incidiram sobre a cultura corporal (por se
colocarem como elementos indissociáveis) (MAIA, 2013, p. 50, grifos nossos).
126

Desse modo:

A espécie humana não tinha, na época do homem primitivo, a postura corporal do


homem contemporâneo. Aquele era quadrúpede e este é bípede. A transformação
ocorreu ao longo da história da humanidade, como resultado da relação do
homem com a natureza e com os outros homens. O erguer-se, lenta e
gradualmente, até a posição ereta corresponde a uma resposta do homem aos
desafios da natureza. Talvez necessitou retirar os frutos da árvore para se
alimentar, construindo uma atividade corporal nova: "ficar de pé". Essa
conquista ou produção humana transformou-se num patrimônio cultural da
humanidade. Todos os homens apropriaram-se dela incorporando-a ao
comportamento. A postura quadrúpede foi superada através das relações dos
homens entre si. Uns aprendendo com os outros e aperfeiçoando as atividades
corporais construídas a cada desafio da natureza ou necessidade humana imposta:
fome, sede, frio, medo etc. Por isso se afirma que a materialidade corpórea foi
historicamente construída e, portanto, existe uma cultura corporal, resultado
de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados pela
humanidade que necessitam ser retraçados e transmitidos [...] (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 38-39, grifos nossos).

Trata-se, nesse momento da história, de uma cultura corporal em sentido lato,


caracterizando-se como uma relação corporal entre o homem e a natureza na busca pela
satisfação das necessidades básicas como a de beber, a de comer, a de dormir e a de se
proteger das situações climáticas que ameaçavam a sua existência. Nesse sentido, a
construção da cultura corporal pode ser compreendida como um processo histórico evolutivo
que acompanhou o salto ontológico que resultou na passagem do ser natural ao ser social, e,
consequentemente, a mudança da postura quadrúpede para a bípede e o aprimoramento do
caminhar, do correr, do saltar, do trepar, do agarrar e do movimento de pinça que levou os
homens mais tarde a construir instrumentos como o machado, a lança, o arco-flecha usados
para caçar, pescar ou nos embates corporais com outros indivíduos.
Com base nisso, Teixeira (2009, p. 65-66, grifos nossos) ressalta que:

Na sua constituição como ser humano, os primatas tiveram que recorrer à sua
corporalidade para garantir a sua existência, seja na sua defesa, na arte da
caça, na construção dos abrigos, nos deslocamentos para fugir das intempéries
da natureza. Nesse período a exigência de uma estrutura corporal forte e resistente
era condição essencial, com o decorrer do seu desenvolvimento, com o processo de
construção de ferramentas, armas mais sofisticadas, com o abandono gradativo do
nomadismo, e com o início da domesticação dos animais, se diminui a centralidade
da exigência física (força e resistência). Nesta fase as atividades corporais
atendiam prioritariamente a necessidade imediata da subsistência, era comum
que os que apresentavam deficiência física fossem sacrificados, ou mesmo
servissem de alimento para seu grupo em tempos de grande fome.

Consideramos a cultura corporal em sentido lato a que é aprendida e incorporada


por meio do trabalho de forma espontânea, estando às suas práticas corporais vinculadas, no
127

primeiro momento, ao processo de transformação da natureza, sendo ela fundada no trabalho


e pelo trabalho e a sua incorporação um elemento necessário para o ato fundante 59. Nesse
sentido, a cultura corporal em sentido lato está presente no ser humano juntamente com as
capacidades teleológicas do trabalho, mas não pode ser confundida com ele, pois no trabalho
encontramos in nuce todas as determinações dos demais complexos sociais, por exemplo, as
práticas corporais. Todas as categorias presentes no ser social, entre elas a cultura corporal, já
possui a característica de serem em sua essência sociais. Assim, qualquer que seja a sua forma
de manifestação pressupõe o salto ontológico já como acontecido.
A respeito disso, Sobrinho et al. (2009, p. 6, grifos nossos) acentua que:

A capacidade de reflexão – surgida do ato de trabalho – distingue o homem dos


animais, permite-lhe apreender um processo ou técnica de trabalho, assim
como reinventá-la, ou repassá-la, de geração em geração. O próprio movimento
humano, quando superado a sua natureza simplesmente espontânea, torna-se
elaborado, planejado concomitante ao ato de trabalho. Portanto, um conjunto de
movimentos e práticas corporais são acumulados e repassados de geração a
geração como movimentos necessários ao ato de trabalho. Este é o processo de
constituição da cultura corporal humana. Esta surge associada ao trabalho, é o
leque de habilidades e vivências motoras elaboradas e acumuladas pelo ser
social e passa a compor parte da cultura humana, enquanto cultura corporal -
assim como a linguagem e os demais complexos têm no trabalho a sua gênese.

É preciso que fique claro que o trabalho é complexo fundante do ser social,
porém, ao fundar o ser social ele não esgota todas as necessidades e potencialidades humanas,
abrindo espaço para a construção de novos complexos sociais e atividades que vão para além
da relação estabelecida entre os homens e a natureza para o estabelecimento de relações entre
os próprios homens. Encontramos nessas novas práxis humanas, a exemplo das práticas
corporais que passam a integrar o complexo da cultura corporal, uma relação de dependência
ontológica, de autonomia relativa e de determinação recíproca. Dependência ontológica

59
Isso não significa que não reconhecemos a existência de outras manifestações da cultura corporal que não
fossem ligadas ao trabalho na pré-história, porém, a maioria das manifestações corporais estavam ligadas a luta
pela garantia da existência e a reprodução do ser social, sendo, portanto, práticas utilitárias como “[...] atacar e
defender-se; busca de alimentos [...] andavam e caminhavam longas distâncias; fuga de animais; caça; pesca;
nado; lutas corporais; arco e flecha; construção de armas” [...] (ANTUNES, 2012, p. 4) e de outros instrumentos.
No entanto, é válido destacar que existia, nesse período, a existência de ritos e cultos a favor dos deuses, dança
mística e lúdica, culto aos mortos, cerimônias fúnebres, etc. Porém as aprendizagens em torno dessas
manifestações simbólicas e das práticas corporais que os acompanhavam estavam ligadas ao cotidiano do
ser social, sendo a sua aprendizagem incorporada de forma espontânea pelo conjunto dos homens, assim
como as habilidades e conhecimentos necessários para o ato do trabalho. A luta, dança e o nado realizada na
pré-história, por exemplo, se diferenciam dessas mesmas práticas corporais executadas na sociedade escravista,
pois as lutas passaram a ganhar uma forma sistematizada de preparação dos indivíduos para a guerra, a dança e o
nado se constituem como práticas corporais que passam a compor a formação do ser social, claro, tendo como
base a divisão social do trabalho e a reprodução das desigualdades materiais e espirituais, estando, portanto, a
sua aprendizagem restrita aos indivíduos pertencentes a classe dominante, que dispõem de tempo livre para
aprender essas práticas corporais fora do intercambio material do homem com a natureza.
128

porque são fundadas a partir do trabalho; autonomia relativa porque cada uma delas cumpre
uma função que não resulta mecanicamente de sua relação com o trabalho; determinação
recíproca porque todas elas, não excluindo o trabalho, se relacionam entre si e se constituem
mutuamente nesse processo formando, dessa forma, a totalidade social.
Nesse sentido, Oliveira (2022, p. 96-97, grifos nossos) afirma que:

Assim, somente com uma produção que excedeu os limites diários abriu-se a
possibilidade, existente em potencial, para o desenvolvimento de práticas
corporais, baseadas no processo de trabalho. Isso implica dizer que o ser social
não é produto de um simples ato aleatório, mas uma produção social e histórica [...]
o processo de trabalho enquanto protoforma, orienta e cria as possibilidades para o
desenvolvimento de práxis humanas cada vez mais autônomas à produção
material da existência e, portanto, afastadas das barreiras naturais do intercâmbio
material entre homem versus natureza, sendo uma prática social e direcionada
pelo intercâmbio da relação homem versus homem. O homem começa a
desenvolver-se cada vez mais em escala ampliada, tão logo consegue saciar suas
necessidades imediatas. Comer e beber, vestir e morar são necessidades que
precisam ser saciadas para deixar o homem em condições de desenvolver outras
atividades que, mesmo dependendo dessa primeira, estão relativamente autônomas
e conseguem desenvolver-se como complexos puramente sociais.

O autor segue afirmando que:

Necessitou-se de um longo período de produção de práticas corporais diárias ligadas


à pesca, caça e à luta pela sobrevivência para o homem conseguir utilizar essas
práticas fora da relação imediata de intercâmbio com a natureza. Desenvolveu-se
essas práticas com sentidos e significados antes não existentes, e que passam cada
vez mais a serem determinadas pela forma de organização social [...] Fora do
trabalho, o ser social já era possível desenvolver jogos, competitivos ou não, que
possuíam como referência o trabalho, mas não era mais trabalho. Correr, saltar,
arremessar, lançar, elementos corporais que de forma direta ou indireta estavam
contidos no processo de produção da existência, puderam ser alçadas ao patamar de
práxis corporal, social e histórica que, em última instância, o conjunto de produção
humana, como é o caso dos elementos corporais, interagem em si e com a práxis
fundante. O movimento de lançar é o movimento de lançar, mas o homem que
lança para acertar uma fera e poder se alimentar é diferente do homem que
lança para alcançar um recorde (OLIVEIRA, 2022, p. 96-100, grifos nossos).

Esse contexto marca a passagem da sociedade primitiva para a sociedade


escravista, primeira forma de organização social dividida em classes sociais diferentes e
antagônicas, de um lado os escravos e do outro os senhores, na devida ordem, os que
trabalhavam e os que viviam do fruto do trabalho alheio. Consequentemente é instaurado, na
história da humanidade, a luta de classes e o processo de reprodução das desigualdades
materiais e espirituais, assim como a criação de novos complexos sociais para manter a ordem
e prevalecer os interesses da classe dominante, entre eles o Estado, a política, o exército, o
direito, à educação e a cultura corporal em sentido estrito, trazendo novas normas de
129

convivência, que passam a compor a superestrutura jurídica e política da sociedade, que não é
trabalho, mas que possui o seu modelo nas diferentes práxis sociais.

E nessa relação de identidade e não identidade, os demais complexos se distanciam


do complexo do trabalho e constituem o conjunto da práxis humana. A educação da
cultura corporal segue este caminho, mantém sua relação ontológica com o ato de
trabalho e passa a distinguir-se do ato de trabalho e a ocupar o espaço de não-
trabalho. O processo de desenvolvimento produtivo, no qual a divisão do
trabalho exerce um papel preponderante ao permitir a ampliação do tempo de
não-trabalho autoriza a redução do tempo de labor com a elevação das
capacidades produtivas (SOBRINHO et al., 2009, p. 10, grifos nossos).

Desse modo, no tempo de não-trabalho que se ampliar:

[...] o ser social passa a constituir e reproduzir novos valores, normas de


convivência, cultura e cultura corporal, atividades de lazer e transmiti-las em
rituais e no processo educativo em si, seja em seu sentido lato ou estrito. Nesse
processo, a cultura corporal se desenvolve independente do ato de trabalho em si, e o
homem constitui novas culturas corporais como os jogos, danças,
contorcionismo, mímica, lutas, ginásticas, etc., enfim, novas culturas constituídas
historicamente em diversos momentos da existência humana, que passam a compor
a própria existência do ser social (SOBRINHO et al., 2009, p. 10, grifos nossos).

Isso não diz respeito à cultura corporal vinculada ao pôr teleológico primário, a de
sentido lato, vinculada com o processo de transformação da natureza, mas sim a uma cultura
corporal que se ampliou e ganhou novas formas e sentidos com o movimento corporal, se
constituindo como um pôr teleológico secundário, visto que a nova mediação estabelecida
com a cultura corporal caracteriza-se como uma relação entre os próprios homens, voltados a
desenvolver novas formas de comportamento no ser social. Trata-se, portanto, de uma cultura
corporal que não tem como resultado do pôr teleológico executado à produção ou obtenção de
um produto material como, por exemplo, a captura de um animal obtido por meio de uma
corrida realizada em uma caça, a construção de um instrumento como uma lança para fisgar
um peixe ou abater um animal na caça por meio do seu lançamento.
Desse modo, percebe-se que esse pôr teleológico se difere da corrida realizada
para alcançar uma maior distância entre duas pessoas que estão brincando ao terem as suas
necessidades básicas já garantidas por meio do ato do trabalho. Nesse sentido, as práticas
corporais que integram a cultura corporal em sentido estrito são atividades expressivas
comunicativas que possuem sentidos e significados que as vinculam a uma dimensão do fazer
lúdico, artístico, estético, agonístico e místico. Elas são aprendidas fora do intercâmbio
material do homem com a natureza, e se relacionam com os interesses das diferentes classes
130

sociais, mas que se desenvolvem de forma mais elaborada no seio da classe dominante, tendo
em vista que esta classe social dispõe de tempo livre para desenvolver e realizar atividades
fora do trabalho, voltadas para o enriquecimento da sua formação enquanto ser social e para a
garantia da reprodução dos seus interesses e das sociedades de classes.
Com base nisso, Teixeira (2009, p. 66-67, grifos nossos) ressalta que:

Quanto mais elaboradas as criações humanas, expressão do desenvolvimento


das forças produtivas, mais os homens atribuíam novos objetivos às práticas
corporais, principalmente pela instituição de relações assimétricas de poder entre as
camadas da sociedade, onde a produção dos meios de subsistência ficou
destinada a uma parcela da população, alguns trabalhadores e escravos. A
forma de organização social onde os homens exploram os próprios homens criou
uma classe abastada que usufrui da riqueza produzida sem trabalhar - riqueza criada
pelo trabalho alheio -, ficando livre para destinar seu tempo para as atividades que
não requerem grande desgaste físico. Diante dessa nova circunstância, a classe
dominante cria atividades corporais que tem por objetivo atender ao belo, a
estética e a guerra, não mais a subsistência imediata, sendo essas atividades
cultuadas e repassadas sistematicamente às suas gerações com o objetivo do
enobrecimento. Com o “ócio digno” dessa classe, cria-se uma nova necessidade, a
da nobreza através da beleza corporal atlética, e do prazer, que em conjunto com as
atividades espirituais (a política, as artes, a filosofia) irá constituir o verdadeiro
cidadão, o modelo perfeito de homem. Enquanto isso, a classe dos trabalhadores
e escravos continuava a depender predominantemente do seu esforço físico,
para garantir a sua existência e a dos cidadãos (não-trabalhadores). Nesse
período, surgem as atividades atléticas responsáveis pela preparação militar, as
corridas, os lançamentos de pesos, as primeiras lutas, assim como as competições
que até nossos dias são apresentadas pelo lema Citius, Altius, Fortius (mais rápido,
mais alto, mais forte) (TEIXEIRA, 2009, p. 66-67, grifos nossos).

Do modo de produção escravista chegamos feudalismo:

[...] onde o poder se concentrava nas mãos dos possuidores de terras (a Igreja, a
Monarquia e a Aristocracia), que submetiam os trabalhadores à servidão para a
produção de riqueza. Nesse período, por forte influência da igreja, as práticas
corporais ganharam uma conotação depreciativa, principalmente as oriundas
dos servos. Os festejos populares, principalmente relacionados com a colheita
agrícola, eram marcados pelos jogos e danças comemorando os resultados da
produção, ainda que a maior parte fosse destinada aos senhores. A presença dos
circos nas feiras também era característica desta época, homens e mulheres que
realizavam peripécias com seus corpos e acrobacias eram destaque entre as
atividades apresentadas. Observamos aqui as práticas corporais atendendo novas
necessidades humanas, o divertimento e o entretenimento, não dos que
praticavam, mas sim dos que assistiam entre eles os reis, os senhores e os
servos. Essas atividades, ensinadas de geração em geração, ocasionam a
formação de companhias e grupos mambembes. Esses trabalhadores circenses,
mesmo sendo artistas, ainda assim se encontram entre aqueles que dependem
prioritariamente do seu esforço físico para garantir a sua existência. Agora não
mais produzindo diretamente os seus meios de subsistência, mas sim o produto
diversão (TEIXEIRA, 2009, p. 67, grifos nossos).
131

Com a sociedade escravista, embora as relações de trabalho fossem mais


desenvolvidas do que a da sociedade primitiva, não foi alcançada no seu interior um alto
desenvolvimento da técnica e dos métodos de organização da produção. Como o produto do
trabalho era todo concentrado nas mãos dos senhores, os escravos não possuíam interesse em
aumentar a produtividade. Já no interior do modo de produção feudal a organização da
produção era essencialmente agrária, sendo o trabalho realizado pelos servos, que, diferente
dos escravos, possuíam as suas ferramentas e ficavam com uma pequena parte dos bens que
eram produzidos nos feudos, sendo a parte maior direcionada para os donos das terras, os
senhores feudais. Essa relação entre os senhores feudais e os servos, no qual o segundo ficava
com uma parte da produção, resultou em um maior desenvolvimento das forças produtivas, ou
seja, na capacidade humana para transformar a natureza (LESSA; TONET, 2008, 2012).
Havia, portanto, interesses por parte dos servos em aumentar a produção:

Como resultado desse interesse, começaram a desenvolver novas ferramentas,


novas técnicas produtivas, novas formas de organização do trabalho coletivo,
aprimoraram as sementes, melhoraram as técnicas de preservação do solo. Em
poucos séculos a produção voltou a crescer e, graças a melhor alimentação, a
população aumentou. Logo em seguida, o aumento da produção e da população
provocou uma crise no sistema feudal: o feudo possuía mais servos do que
necessitava e produzia mais do que conseguia consumir. Frente à crise, os senhores
feudais romperam o acordo que tinham com os servos e expulsaram do feudo
os que estavam sobrando. Estes, sem terem do que viver, começaram a roubar e
a trocar o produto do roubo com outros servos. Como todo estava produzindo
mais do que necessitava, todos tinham o que trocar e voltou a florescer o
comércio. Em pouco mais de dois séculos as rotas comerciais e as cidades
renasceram e se desenvolveram em quase toda Europa. Com o comércio e as
cidades, surgiram duas novas classes sociais: os artesões e os comerciantes, também
chamados de burgueses [...] Entre os séculos 11 e 18, a burguesia não parou de se
expandir. Do comercio local passou o comercio por toda a Europa. Em seguida,
descobriu a África, o caminho marítimo para as índias, as Américas e articulou
um mercado mundial (LESSA; TONET, 2008, p. 64-64, grifos nossos).

Constata-se, diante disso, que da sociedade escravista até o início da sociedade


burguesa, a cultura corporal em sentido estrito, tais como os jogos, as brincadeiras, as danças,
as lutas, as ginásticas e outras atividades corporais de caráter competitivo ou não, com
sentidos e significados que as vinculam a uma dimensão do fazer lúdico, artístico, estético,
agonístico e místico, não tinham sido, ainda, associadas com a capacidade de ampliação das
forças produtivas e dos níveis de produção das mercadorias. Os equipamentos, as ferramentas
e as técnicas desenvolvidas com os avanços obtidos nos últimos séculos davam conta de
produzir os bens necessários para a movimentação do mercado nas diferentes cidades. No
entanto, ocorreu um aumento nas relações comerciais que resultou na Revolução Industrial,
132

que possibilitou o avanço das forças produtivas e das relações de produção e,


consequentemente, o amadurecimento do modo de produção capitalista.
Então o capitalismo, fundado a partir do trabalho proletário, tem em sua essência
uma nova forma de exploração do homem pelo homem que é o fato da classe dominante, a
burguesia industrial, comprar apenas a força de trabalho do trabalhador. A força do trabalho
passa a se constituir como a mercadoria mais importante dessa sociedade, tendo em vista que
é por meio dela que temos a produção de outras mercadorias para circular no mercado. Nesse
contexto, há uma valorização do trabalhador e da sua força de trabalho dentro de uma
perspectiva desumanizadora, visto que ele é reconhecido apenas como uma mercadoria
capaz de produzir outras mercadorias e não como um ser humano, no qual constata-se a
submissão do trabalhador e da sua força de trabalho aos interesses do capital, que precisa de
um trabalhador que tenha resistência física, bom tônus muscular, força, flexibilidade, e saiba
cuidar da sua saúde e da higiene do seu corpo e da sua família.
Enquanto uma mercadoria, o trabalhador deve produzir mais do que o valor que
lhe é pago pelas horas de trabalho, gerando por meio dessa relação alienada mais-valia para o
burguês e o aumento das taxas de lucros do capital. Portanto, a preocupação com o corpo do
trabalhador e as suas capacidades físicas estão relacionadas com as novas demandas do setor
produtivo, que surge com o advento do modo de produção capitalista, sendo fruto das
transformações sociais e de produção ocorridas a partir da Revolução Industrial que aconteceu
na Inglaterra no século XVIII e que se expandiu pelos demais países da Europa e do mundo.
Com esse fato todas as dimensões da vida humana foram atingidas ao ponto de ficarem
subordinados aos interesses da sociedade capitalista e das relações do capital em processo de
expansão, entre eles a cultura corporal em sentido estrito, que passou a ser ampliada e os
conhecimentos em torno dela cada vez mais sistematizado:

[...] com o intuito de contribuir com o processo produtivo, no sentido de


potencializá-lo, evitando esforços desnecessários e desenvolvendo métodos
científicos de execução, no intuito de garantir a integridade física e a saúde
para a produção. Há aqui um esforço para que todas as esferas da vida atendam
exclusivamente à explosão produtiva desta época. Ainda que com o incremento das
máquinas a vapor, a utilização do esforço físico humano continuava mais do que
necessária, considerando as longas jornadas de trabalho dos operários, classe essa
agora responsável pela produção da riqueza da sociedade, sob o controle da
burguesia. Neste período surgem os métodos ginásticos, as primeiras
modalidades esportivas, as danças sistematizadas, essas restritas à classe
dominante, a qual ainda possuía tempo e condições físicas para a sua realização. Aos
produtores de riqueza, os trabalhadores, explorados ao máximo desde crianças,
restam poucas possibilidades de prática corporal, inclusive com uma forte
repressão às atividades que ofereciam risco à produção, por exemplo, as atividades
133

circenses e acrobáticas, ou seja, continuam sem poder suprir as necessidades


humanas até então já constituídas (TEIXEIRA, 2009, p. 67-68, grifos nossos).

Desse modo, após a Revolução Industrial, já no século XIX, o corpo passa a ser
objeto de estudo, em especial, pelas ciências biológicas, o que resulta na elaboração de novos
conceitos sobre o uso do corpo como força de trabalho (BRATH, 1999, 2007). Com a
sociedade capitalista já consolidada, as contradições existentes entre a burguesia e os
trabalhadores são acentuadas, haja vista que a classe dominante busca se manter no poder de
tal forma que as suas regalias e privilégios de classes sejam reproduzidas e não combatidas.
Para isso, a burguesia, classe detentora dos meios de produção, identifica a necessidade de
formar um novo homem “[...] um homem que possa suportar uma nova ordem política,
econômica e social [...] a construção desse homem novo, portanto, será integral, ela ‘cuidará’
igualmente dos aspectos mentais, intelectuais, culturais e físicos” (SOARES, 2012, p. 3).
Com base nisso, os sistemas de ensino dos diferentes países estavam em processo
de organização (MELLO, 2014), buscando por meio da educação a formação de sujeitos
adaptados à nova dinâmica de funcionamento do modo de produção capitalista. Isso deu
origem a vários complexos sociais, entre eles o da Educação Física, que surge como
produto das relações capitalistas, tendo como objeto de estudo as práticas corporais
institucionalizadas ou não que integram a cultura corporal em sentido estrito, tendo
como referência, nesse primeiro momento, as ciências biológicas e positivistas. Portanto,
não reconhecemos, neste estudo, a existência de uma Educação Física antes do capitalismo,
mas sim de manifestações da cultura corporal em sentido lato e em sentido estrito, no qual
esta última se consolidou no interior da sociedade burguesa como objeto de estudo que trata,
pedagogicamente, a Educação Física nos espaços formais e nos espaços informais 60.
Com a organização dos sistemas de ensino 61, tendo como ponto de partida a
formação de um novo homem e a preparação da força de trabalho, assim como a adaptação
dos indivíduos às novas relações sociais, a Educação Física foi posta na escola como uma
disciplina no final do século XIX (BRACHT, 2007). Desse modo, “[...] a Educação Física
Escolar surge junto com os Sistemas Nacionais de Ensino, quando, ao se organizar a escola, a

60
Por espaços formais entendemos o ambiente escolar e as instituições de Ensino Superior, e por espaços
informais os clubes, as academias, os ginásios, os centros de treinamentos, etc. Desse modo, independe do
espaço ser formal ou informal a cultura corporal em sentido estrito se constitui como o objeto de estudo da
Educação Física, o que caracteriza a Educação Física em sua essência como uma práxis pedagógica, que tem
como objeto de estudo os jogos, as danças, as lutas, as ginásticas, os esportes e outras práticas corporais com
caráter competitivo ou não, com sentidos e significados que as vinculam a uma dimensão do fazer lúdico,
artístico, estético, agonístico e místico.
61
Em relação a isso, Mello (2014, p. 113) destaca que “A organização dos Sistemas Nacionais de Ensino tem
início em meados do século XVIII e se consolida, em muitos países, no final do século XIX”.
134

educação do corpo aparece como um quesito importante no contexto dos objetivos definidos
para essa instituição” (MELLO, 2014, p. 113). Nesse sentido, a Educação Física, enquanto um
complexo social, passa a integrar, de modo orgânico, “[...] o nascimento e a construção da
nova sociedade, na qual os privilégios conquistados e a ordem estabelecida com a Revolução
burguesa não deveriam mais ser questionados” (SOARES, 2012, p. 4).
Diante deste cenário, a Educação Física passou, então, a ser entendida:

[...] como a disciplina necessária a ser viabilizada em todas as instâncias, de todas as


formas, em todos os espaços onde poderia ser efetivada a construção desse novo
homem: no campo, na fábrica, na família, na escola. A Educação Física será a
própria expressão física da sociedade do capital. Ela encarna e expressa os
gestos automatizados, disciplinados, e se faz protagonista de um corpo
“saudável”; torna-se receita e remédio para curar os homens de sua letargia,
indolência, preguiça, imoralidade, e, desse modo, passa a integrar o discurso
médico, pedagógico... familiar (SOARES, 2012, p. 3, grifos nossos).

Em outras palavras, a Educação Física se voltou, em conjunto com a educação em


sentido estrito de forma geral e as outras áreas de conhecimento, para a formação do homem
necessário ao capital, tendo em vista que a sua inserção na escola foi mais um instrumento da
burguesia (COLETIVO DE AUTORES, 1992), que, amparado no referencial teórico das
ciências biológicas e positivistas, atribuiu ao corpo humano uma visão mecanicista, por meio
de uma prática pedagógica neutra e a-histórica, tendo como função fortalecer o corpo
humano, deixando-o mais forte, mais resistente, mais ágil e disciplinado. Ou seja, possuidor
das características e dos valores condizentes para produzir e reproduzir a sociedade vigente,
por meio das novas relações de dominação e de exploração do homem pelo homem em prol
da acumulação dos lucros para a ampliação das taxas do capital.
Desse modo, a Educação Física:

[...] seja aquela que se estrutura no interior da educação escolar, seja aquela que se
estrutura fora dela, será a expressão de uma visão biológica e naturalizada da
sociedade e dos indivíduos. Ela incorporará e veiculará a ideia da hierarquia, da
ordem, da disciplina, da fixidez, do esforço individual, da saúde como
responsabilidade individual. Na sociedade do capital, constituir-se-á em valioso
objeto de disciplinarização da vontade, de adequação e reorganização de gestos e
atitudes necessárias à manutenção da ordem (SOARES, 2012, p. 10, grifos nossos).

Diferente do modo de produção escravista e feudal, no capitalismo os elementos


da cultura corporal em sentido estrito foram usados para disciplinar a força de trabalho,
restringindo a capacidade de desenvolvimento do ser social e convertendo-o em um produto
de mais-valia. Portanto, há, entre o final do século XVIII e início do século XIX, uma nova
135

relação entre o capital, trabalho e a cultura corporal. O esporte moderno 62, por possuir uma
enorme semelhança do trabalho produtivo desenvolvido na indústria e nas fábricas, passa a se
constituir como o elemento da cultura corporal em sentido estrito mais usado como conteúdo
da Educação Física, seja ele praticado dentro do espaço formal, nas escolas, ou informal, nos
clubes e demais espaços voltados para o lazer. Assim, o esporte moderno adotou alguns
princípios que passaram a reger as sociedades capitalistas, a exemplo, o rendimento e a
produtividade dos trabalhadores (BRACHT, 2011).

O esporte moderno se desenvolve em meados do século XVIII e se intensifica no


final do século XIX e início do XX, na Europa, principalmente na Inglaterra,
apresentando sete características básicas: secularização; igualdade de chances;
especialização precoce; racionalização; burocratização; quantificação; busca de
record [...] Aparecem já as primeiras semelhanças do esporte com o trabalho
industrial, e não foi por acaso que se desenvolveu na Inglaterra, seio da
industrialização mundial [...] Aprofundando as semelhanças do esporte com a
organização do trabalho, principalmente a partir do séc. XX, Rigauer apresentou a
tese das semelhanças do trabalho industrial e o esporte de rendimento, ambos tendo
características básicas: disciplina, autoridade, concorrência, rendimento,
racionalidade técnica, organização e burocratização [...] O autor demonstra
ainda a afinidade do esporte e do trabalho industrial a partir dos seguintes
aspectos: paralelismo entre as medidas de racionalização nos sistemas de ação
do esporte de rendimento e trabalho; métodos complexos de trabalho e
treinamento esportivo; a cientifização do trabalho e do treinamento esportivo; o
refinado taylorismo do mundo do trabalho encontra um correspondente no
treinamento do esporte de alto rendimento; execução repetitiva e sobrecarga são
características tanto do trabalho como do moderno treinamento; caráter de
mercadoria de ambos; e métodos analíticos de aprendizagem dos movimentos
[...] (TEIXEIRA, 2009, p. 80-81, grifos nossos).

Nesta seção, discutimos a relação existente entre o trabalho, a cultura corporal e a


Educação Física. Ficou claro diante do que abordamos que no trabalho e pelo trabalho foi
fundado o ser social e de forma concomitante a cultura corporal em sentido lato. Com o
desenvolvimento das forças produtivas e a transição da sociedade primitiva para a sociedade
escravista a cultura corporal desenvolve um grau de autonomia que deu origem a uma cultura
corporal em sentido estrito63, ou seja, atividades corporais expressivas comunicativas que
possuem sentidos e significados que as vinculam a uma dimensão do fazer lúdico, artístico,
estético, agonístico e místico, que perdurou da sociedade escravista a feudal sem se

62
Para Bracht (2011, p. 13), “o esporte moderno refere-se a uma atividade corporal de movimento com caráter
competitivo surgido no âmbito da cultura europeia por volta do século XVIII [...]”.
63
Cabe destacar que não pode haver uma fronteira entre essas duas formas de cultura corporal, mas sim uma
mútua influência entre elas na vida do ser social. O que nos interessa, neste momento, é compreender a relação
entre elas e delas com a totalidade social e com a formação do homem. Nesse sentido, é preciso que fique claro
que o objeto de estudo da Educação Física é a cultura corporal em sentido estrito, no qual por meio dela é
tratado, pedagogicamente, os jogos, os esportes, as danças, as lutas, as ginásticas e outras praticas corporais
institucionalizadas ou não, que integram as atividades de ocupação do tempo livre ou formativa do ser social.
136

relacionar com as relações de produção64. Dessa forma, foi apenas no interior da sociedade
capitalista que a cultura corporal em sentido estrito passou a relacionar-se com as forças
produtivas e as relações de produção, surgindo com isso a Educação Física enquanto um
complexo social e uma disciplina escolar, que tem como objeto de estudo e de ensino a
cultura corporal em sentido estrito. Avançando com a discussão, discutiremos, na próxima
seção, sobre a inserção da Educação Física como disciplina na escola brasileira.

4.2 Apontamentos sobre o percurso histórico da Educação Física escolar no Brasil e a


necessidade ontológica desse complexo social na formação humana

Realizamos, nesta seção, alguns apontamentos sobre como a Educação Física vem
sendo, historicamente, tratada como uma disciplina escolar no Brasil. Para isso, recorremos à
obra de Ghiraldelli Júnior (1991) Educação Física Progressista: a Pedagogia Crítico-Social
dos Conteúdos e a Educação Física Brasileira, no qual o autor apresenta um mapeamento
das tendências pedagógicas65 da área, e o livro organizado por Maia e Menezes (2021)
Tendências da Educação Física: novas aproximações. Pretendemos, com a escolha deste
percurso, possibilitar para o leitor um entendimento de como a Educação Física vem sendo
usada como um instrumento político-ideológico a favor das classes dominantes para a
consolidação e a reprodução do modo de produção capitalista e das relações do capital no
nosso país. Além dessas duas obras, recorremos, ainda, aos escritos de outros autores da área.
Conforme destacamos, na seção anterior, a Educação Física surge como um
complexo social a partir das transformações geradas no interior da sociedade burguesa após a
Revolução Industrial, estando estritamente ligada ao pensamento médico higienista, liberal e
positivista, com uma prática pedagógica que tinha como base de organização do trabalho
docente os métodos europeus que se firmavam em princípios biológicos e “Faziam parte de
um movimento mais amplo, de natureza cultural, política e científica, conhecido como
Movimento Ginástico Europeu66, e foi à primeira sistematização científica da Educação

64
No interior da sociedade capitalista, os sentidos e os significados em torno da cultura corporal em sentido
estrito se ampliaram ainda mais, ganhando novos sentidos e significados com a sua tematização no interior da
Educação Física, que vão além dos já mencionados, assumindo, também, como finalidade a promoção, a
recuperação e manutenção da saúde dos indivíduos.
65
Para Maia e Menezes (2021, p. 15), as tendências pedagógicas da Educação Física podem ser compreendidas
“[...] como práticas e teorias pedagógicas que se tornaram senso comum na prática educacional em um
determinado período histórico por atender, de forma explícita ou implícita, o perfil de formação humana
demandada pela classe trabalhadora ou pela classe burguesa, a partir de um contexto social, político ou
econômico específico”.
66
“A partir do ano de 1800 vão surgindo na Europa, em diferentes regiões, formas distintas de encarar os
exercícios físicos. Essas ‘formas’ receberão o nome de ‘métodos ginásticos’ (ou escolas) e correspondem aos
137

Física” (BRASIL, 2000, p. 21-21). No Brasil, a Educação Física se vinculou, no primeiro


momento, à classe médica e, posteriormente, às instituições militares, no qual essas duas áreas
influenciam até os dias atuais a práxis docente dos professores da área.
Diante disso, os PCNs da Educação Física (BRASIL, 2000, p. 19) afirmam que
“Esses vínculos foram determinantes, tanto no que diz respeito à concepção da disciplina e
suas finalidades quanto ao seu campo de atuação e à forma de ser ensinada”. Nesse contexto,
a Educação Física foi introduzida na escola brasileira 67 por volta do século XIX, precisamente
no ano de 1851 (BRASIL, 2000; DARIDO, 2003; LIMA, 2012), logo após a reforma de
Couto Ferraz, que a instituiu como disciplina obrigatória nas escolas do município da Corte.
Isso posto, discutiremos, ainda que de forma breve, a trajetória da Educação Física escolar no
Brasil, tendo como base as tendências pedagógicas classificadas por Ghiraldelli Júnior (1991):
a Tendência da Educação Física Higienista (até 1930), Militarista (1930-1945), Pedagogicista
(1945-1964), Competitivista (1964-1985) e a Popular 68.

É preciso ter claro que essas classificações não são arbitrárias; elas procuram
revelar o que há de essencial em cada uma dessas tendências. Também é
necessário ressaltar que a periodicidade exposta deve ser entendida com cautela.
Isso porque, de fato, tendências que se explicitam numa época estão latentes em
épocas anteriores e, também, tendências que aparentemente desaparecem foram, em
verdade, incorporadas por outras [...] Todas essas tendências são mais ou menos
incorporadas, e estão vivas nas cabeças dos professores atuais (GRIRALDELLI
JÚNIOR, 1991, p. 16, grifos nossos).

Desse modo, a primeira tendência que trataremos é da Educação Física Higienista,


que surgiu nos anos finais do Império, em 1889, e se estendeu até o fim da Primeira
República, em 1930. Essa tendência surgiu como resultado do movimento higienista que
defendia a saúde individual e o ensino de hábitos higiênicos na educação escolar,
perspectivando promover um ensino capaz de contribuir com a formação de cidadãos fortes e
saudáveis, sendo a Educação Física reconhecida como uma disciplina de grande importância

quatro países que deram origem às primeiras sistematizações sobre a ginástica nas sociedades burguesa: a
Alemanha, a Suécia, a França e a Inglaterra [...] Essas mesmas sistematizações serão transplantadas para
outros países fora do continente europeu” (SOARES, 2012, p. 42, grifos nossos).
67
Os PCNs de Educação Física (BRASIL, 2000, p. 19) ressaltam que “De modo geral houve grande
contrariedade por parte dos pais em ver seus filhos envolvidos em atividades que não tinham caráter intelectual.
Em relação aos meninos, a tolerância era um pouco maior, já que a ideia de ginástica associava-se às instituições
militares; mas, em relação às meninas, houve pais que proibiram a participação de suas filhas”.
68
A tendência da Educação Física Popular transita pelo chão da escola como uma tendência contra-hegemônica
logo após as primeiras décadas da inserção da Educação Física como disciplina escolar.
138

para alcançar esse objetivo. Diante disso, mais precisamente durante a década de 192069,
diferentes Estados brasileiros realizaram reformas educacionais, passando a incluí-la no
currículo escolar 70, entre esses estados podemos destacar, com base nos PCNs da Educação
Física (BRASIL, 2000), Bahia, Ceará, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo.
Em relação a essa tendência, Ghiraldelli Júnior (1991, p. 17) afirma que:

[...] a ênfase em relação à questão da saúde está em primeiro plano. Para tal
concepção, cabe à Educação Física um papel fundamental na formação de
homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação. Mais do que isso, a Educação
Física Higienista não se responsabiliza somente pela saúde individual das pessoas.
Em verdade, ela age como protagonista num projeto de “assepsia social”. Desta
forma, para tal concepção a ginástica, o desporto, os jogos recreativos etc.
devem, antes de qualquer coisa, disciplinar os hábitos das pessoas no sentido de
levá-las a se afastarem de práticas capazes de provocar a deterioração da saúde
e da moral, o que “comprometeria a vida coletiva”.

O autor segue afirmando, além disso, que:

[...] a perspectiva da Educação Física Higienista vislumbra a possibilidade e a


necessidade de resolver o problema da saúde pública pela educação. A ideia central
é a disseminação de padrões de conduta, forjados pelas elites dirigentes, entre todas
as outras classes sociais. A robustez corporal de certa parcela da juventude, robustez
advinda de uma vida de poucas privações, é colocada como paradigma para toda a
juventude. E os meios para alcançar tal padrão são encontrados na adoção de
um correto programa de Educação Física. Tal concepção entende que
independentemente das determinações impostas pelas condições de existência
material, o indivíduo pode e deve “adquirir saúde”. A Educação Física Higienista é
uma concepção que se preocupa em erigir a Educação Física como agente de
saneamento público, na busca de uma “sociedade livre das doenças infecciosas e
dos vícios deteriorados da saúde e do caráter do homem do povo”
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 17, grifos nossos).

Esta tendência tem como bases filosóficas o pensamento liberal e positivista,


sendo difundida de tal forma que pudesse atender os interesses da elite burguesa em relação à
sujeição e domesticação dos corpos dos indivíduos em prol da produtividade econômica e da
expansão do capital no Brasil (SOARES, 2012). Sendo assim, a classe médica e os
representantes do positivismo e do pensamento liberal buscaram assegurar condições
necessárias para intervir nos corpos dos trabalhadores por meio da Educação Física. Logo, a
ausência de um referencial teórico e metodológico, próprio da Educação Física, assim como
um número reduzido de professores com formação específica na área, abriu espaço para que a

69
Essas reformas educacionais influenciaram anos mais tarde no movimento escolanovista da década de 1930,
que reconhecia, entre outras coisas, a Educação Física como disciplina importante para o desenvolvimento
integral do ser humano (BETTI, 1991; BRASIL, 2000).
70
A sua inserção ocorreu nos currículos das escolas ainda sob o nome de ginástica.
139

Educação Física passasse a ser sistematizada enquanto uma disciplina escolar por médicos
higienistas, positivistas e representes do pensamento liberal.
Diante desse cenário:

[...] pensadores liberais brasileiros como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo,


defenderam enfaticamente a inserção da Educação Física nos currículos
escolares, por compreendê-la como essencial para a efetivação dos interesses da
classe burguesa [...] Nas produções de Rui Barbosa é possível identificar diferentes
passagens em que é discutida a importância da Educação Física, sobretudo, dos
métodos ginásticos no âmbito escolar, para a formação de cidadãos e/ou
trabalhadores fortes e saudáveis [...] É importante enfatizar que os esforços
empreendidos pela classe burguesa [...] para a promoção da saúde dos
trabalhadores urbanos, expressavam tão somente suas preocupações com as
taxas de lucro, uma vez que trabalhadores fracos e doentes representavam
menos desempenho nas indústrias (SANTOS et al,. 2021, p. 27, grifos nossos).

A próxima tendência que será discutida é a da Educação Física Militarista, que


passou a ser difundida após a chegada de Getúlio Vargas ao poder, em 3 de novembro de
1930, por meio de um Golpe de Estado, que marcou o fim da Primeira República e a
instituição do Estado Novo (1937-1945), no qual tivemos significativas mudanças na
sociedade brasileira, entre elas na educação do país com a reorganização do sistema de ensino
brasileiro, conforme assinala Betti (1991). No que diz respeito à Educação Física, constata-se,
nessa nova conjuntura, que ela se distancia das orientações proferidas pelos médicos
higienistas e se aproxima mais das instituições militares, dando origem, com isso, a tendência
da Educação Física Militarista. Embora essa tendência se distancie do discurso da classe
médica isso não significa que ela não passasse a se preocupar, também, com a saúde
individual e com a saúde pública do país71 (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991).

Todavia, o objetivo fundamental da Educação Física Militarista é a obtenção de


uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra. Para tal
concepção, a Educação Física deve ser suficientemente rígida para “elevar a Nação”
à condição de “servidora e defensora da Pátria” [...] O papel da Educação Física é
de “colaboração no processo de seleção natural”, eliminando os fracos e
premiando os fortes, no sentido da “depuração da raça”. Na Educação Física
Militarista a ginástica, o desporto, os jogos recreativos etc. só têm utilidade se visam
à eliminação dos “incapacitados físicos”, contribuindo para uma “maximização da
força e poderio da população”. A coragem, a vitalidade, o heroísmo, a disciplina
exacerbada compõem a plataforma básica da Educação Física Militarista
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 18, grifos nossos).

Buscava-se, então, por meio dessa tendência formar o cidadão-soldado, o jovem


guerrilheiro, com bravura e coragem para defender a pátria no contexto de uma guerra, com
71
Nesse sentido, Pinto (2015) aponta que houve a absorção da tendência da Educação Física Higienista pela
Educação Física Militarista.
140

uma postura nacionalista. Desse modo, a Educação Física Militarista “[...] se compõe como
uma concepção de Educação Física inspirada no fascismo” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991,
p. 25), pretendendo-se, por meio das aulas, o fortalecimento dos corpos, o desenvolvimento
do nacionalismo e a criação de uma sensação de heroísmo e de defensores da pátria. Essa
tendência perdurou até meados de 1945, “[...] período marcado pelo fim do Estado Novo e
pelo término da segunda guerra mundial. Esses fatores demandaram a reformulação das
práticas pedagógicas da Educação Física, assim como o abandona das ideias nazifascistas e
autoritárias” (SANTOS et al., 2021, p. 42).
Com a perda de hegemonia da Educação Física Militarista surgem novas
discussões em torno da área enquanto uma disciplina escolar, visto que tanto a tendência
higienista quanto a militarista “[...] não colocaram, de forma sistemática e contundente, a
problemática da Educação Física como uma disciplina prioritariamente educativa, ou seja,
como disciplina comum aos currículos escolares” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 19,
grifos do autor). Nesse contexto, temos no Brasil o fim da ditadura varguista e a chegada de
Gaspar Dutra a Presidência da República, demarcando o fim do Estado Novo e a instituição
do que ficou conhecido na história do país de Quarta República ou República Populista, sendo
caracterizado, conforme destaca Silva, Oliveira e Fraga (2021), pela retomada da participação
popular nas decisões política. Este período se estendeu de 1946 a 196472.
As mudanças no setor político, como de costume, passam a afetar, também, a
organização e a condução do processo educativo. Isso trouxe reverberações para a Educação
Física escolar, que passou a perder espaço no currículo das escolas. Embora a Educação
Física fosse conhecida como disciplina obrigatória ela estava como inexistente nos anos
iniciais do Ensino Primário, uma vez que não existia mais a necessidade de formar jovens
soldados, o que levou muitas escolas a deixarem de ofertar essa disciplina. Além disso,
existiam, por parte dos outros professores, críticas em relação aos métodos adotados nas aulas
de Educação Física, o que reforçou a perda de espaço no currículo escolar ou em alguns casos
a redução no número de aulas ministradas por semana. Nesse contexto, a Educação Física
passou a ser vista como uma disciplina sem importância na formação dos alunos.

Considerando que a pedagogia hegemônica desse período era a da Escola Nova,


entendemos que essa redução do número e tempo de hora-aulas semanais da
Educação Física foi resultado do distanciamento desta disciplina com os ideais

72
“Uma outra característica deste período, que se manifestou sobretudo durante o governo Dutra, foram as
tentativas de aproximação do Brasil com os Estados Unidos, durante a guerra fria. Essa aproximação possibilitou
que as ideias da Escola Nova, que tinham como base, sobretudo, os estudos do estadunidense Dewey, se
tornassem hegemônicas no Brasil” (SILVA; OLIVEIRA; FRAGRA, 2021, p. 45).
141

do escolanovismo. Percebendo isso, a comunidade científica da Educação Física se


mobilizou para criar um método que alinhasse a Educação Física à Escola Nova.
Assim, foi desenvolvido o “Concurso de contribuições para o método nacional de
Educação Física”, no qual a obra premiada foi de autoria da Sociedade de estudos
dos problemas da Educação Física. Nessa obra foram feitas críticas ao conceito
anatômico-fisiológico de Educação Física e a defesa do modelo bio-socio-
filosófico, que tinha como base diferentes autores da Escola Nova, como
Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e John Dewey (SILVA; OLIVEIRA;
FRAGA, 2021, p. 49, grifos nossos).

Frente a esse novo cenário é que surge a tendência da Educação Física


Pedagogicista, amparado na doutrina liberal73 e na pedagogia da Escola Nova, visando à
legitimação da Educação Física enquanto uma disciplina no espaço escolar, assim como a
valorização do professor dessa área, visto que a Educação Física, assim com as outras áreas de
conhecimento, possui importância para a formação dos alunos. Dessa forma, no interior da
Educação Física escolar a relação passou a ser entre professor e aluno e não mais entre recruta
e sargento como era na tendência Militarista. A Educação Física Pedagogicista passa, então, a
inaugurar novas formas de pensamento, que resultam na alteração da prática docente dos
professores da área, sendo as aulas inclusivas e que passam a tematizar, também, por meio do
ensino da ginástica, do esporte, da dança, os jogos e as brincadeiras 74, as relações sociais, do
convívio com os alunos e do bem-estar social, perspectivando, com isso, atender o objetivo de
uma educação liberal, que é o de formar o cidadão.
Assim, a Educação Física Pedagogicista pode ser compreendida como:

[...] a concepção que vai reclamar da sociedade a necessidade de encarar a Educação


Física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a
juventude, mas de encarar a Educação Física como uma prática eminentemente
educativa. E, mais que isto, ela vai advogar a “educação do movimento” como a
única forma capaz de promover a chama “educação integral”. Nesse sentido é
ela que colabora decisivamente, ou “pelo menos deveria colaborar se os órgãos
públicos assim o desejassem”, para que a juventude venha a “melhorar sua saúde,
adquirir hábitos fundamentais, preparo vocacional e racionalização do uso das horas
de lazer” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 19, grifos nossos).

Em continuação, o autor destaca, ainda, que:

A Educação Física Pedagogicista está preocupada com a juventude que frequenta as


escolas. A ginástica, a dança, o desporto etc., são meios de educação do alunado.

73
A respeito disso, Ghiraldelli Júnior (1991, p. 27) esclarece que “Todavia, é preciso entender aí que não se trata
de liberalismo do início do século, que sonhava com uma ‘desodorização e higienização’ da sociedade, mas sim
de uma concepção que busca integrar a Educação Física como ‘disciplina educativa por excelência’ no âmbito da
rede pública de ensino”.
74
Com base nisso podemos afirmar que a Educação Física Pedagogicista foi à primeira concepção pedagógica
que buscou diversificar os elementos da cultura corporal em sentido estrito dentro da escola brasileira, indo,
assim, para além da prática de ginástica e do esporte.
142

São instrumentos capazes de levar a juventude a aceitar as regras de convívio


democrático e de preparar as novas gerações para o altruísmo, o culto a
riquezas nacionais etc. O sentimento corporativista de “valorização do profissional
de Educação Física” permeia a concepção pedagogicista. A Educação Física é
encarada como algo “útil e bom socialmente” e deve ser respeitada acima das
lutas políticas dos interesses diversos de grupos ou de classes (GHIRALDELLI
JÚNIOR, 1991, p. 19, grifos nossos).

O fim da Quarta República tem como marco a Ditadura Militar instaurada no


Brasil no dia 31 de março de 1964, caracterizada como um Golpe de Estado que depôs o
Presidente da República Joao Goulart, mais conhecido como Jango, acusado pela burguesia
nacional de querer implantar no Brasil um regime comunista 75. Essa acusação se deve pelo
fato do governo de Jango “[...] não atender os interesses dos militares e de setores importantes
do empresariado brasileiro, tendo em vista que as suas ações de gestão tinham como objetivo
promover o desenvolvimento do país e o bem estar social da população” (PEREIRA et al,.
2021, p. 57). Destarte, com a concretização do Golpe de Estado, os militares passaram a
governar o Brasil pelos próximos 21 anos, de forma autoritária e repressiva, o que resultou em
um alto número de pessoas mortas, exiladas, desaparecidas e perseguidas politicamente.
Com base em Saviani (2012), podemos afirmar que a teoria educacional assumida
neste período foi a não crítica, sendo implementada no interior da escola a Pedagogia
Tecnicista76, no qual “[...] o ensino ofertado para a população era pautado na racionalidade
técnica, na eficiência e na produtividade, perspectivando tornar o processo de ensino mais
objetivo e operacional” (PEREIRA et al,. 2021, p. 61). No que concerne à Educação Física,
tivemos o surgimento de uma nova tendência, a da Educação Física Competitivista, que se
consolidou na sociedade brasileira em 1964 e se estendeu de forma hegemônica até 1985,
atendendo de forma precisa os interesses dos limitares e da classe dominante, os quais fizeram
uso do esporte de alto nível para difundir os ideais necessários para manutenção e a
reprodução do status quo da sociedade brasileira durante a Ditadura Militar.

75
Nesse sentido, Habert (1992, p. 8) esclarece que “O golpe de 64 ocorreu num momento de crise da economia
brasileira e de grandes mobilizações operárias, estudantis e camponesas em torno de reformas políticas e
institucionais de cunho nacionalista defendidas pelo governo Jango, chamadas ‘reformas de base’. Os militares,
associados aos interesses da grande burguesia nacional e internacional, incentivados e respaldados pelo governo
norte-americano, justificaram o golpe como ‘defesa da ordem e das instituições contra o perigo comunista’”.
76
Em linhas gerais, Ghiraldelli Júnior (2008, p. 112) afirma que: “O período ditatorial, ao longo de duas décadas
que serviram de palco para o revezamento de cinco generais na Presidência da República, foi pautado em termos
educacionais pela repressão, privatização do ensino, exclusão de boa parcela dos setores mais pobres do ensino
elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante na rede pública regular sem
qualquer arranjo prévio para tal, divulgação de uma pedagogia calcada mais em técnicas do que em propósitos
com fins abertos e discutíveis, tentativas variadas de desmobilização do magistério através de abundante e
confusa legislação educacional”.
143

Essa tendência buscou, assim como a Militarista, uma hierarquização e elitização


social, o seu objetivo era, portanto, a caracterização da competição e da superação individual,
difundindo por meio das aulas da Educação Física, que tinha como conteúdo hegemônico os
esportes, valores condizentes e desejados para a sociedade moderna. Nesse sentido, a
Educação Física foi reduzida ao esporte de alto rendimento, perspectivando por meio das suas
aulas formar e identificar jovens com habilidades esportivas que pudessem representar e
trazer para o Brasil medalhas nas competições internacionais como as olimpíadas e a copa do
mundo de futebol. Sendo assim, a Educação Física Competitivista “[...] volta-se, então, para o
culto do atleta-herói; aquele que a despeito de todas as dificuldades chegou ao podium”
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 20, grifos do autor).

Dentro desses ideais funciona a ideia central de “unidade nacional em torno do


Brasil-Potência”. Segundo o governo ditatorial, fazia-se necessário eliminar as
críticas internas e deixar transparecer um clima de prosperidade, desenvolvimento e
calmaria (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 30).

A relação estabelecida nas aulas de Educação Física ultrapassa a relação entre


professor e aluno para se constituir, então, como uma relação entre treinador e atleta, com
uma valorização dos aspectos ligados a aptidão física, sendo os esportes, conforme já
apontamos, o conteúdo preponderante nas aulas dessa disciplina, trabalhados dentro de uma
perspectiva seletiva, classificatória e excludente, valorizando o rendimento técnico dos
alunos. Desse modo, passamos a presenciar no Brasil o desenvolvimento do “[...] treinamento
Desportivo baseado nos avançados estudos da Fisiologia do Esforço e da Biomecânica,
capazes de melhorar a técnica desportiva. A Educação Física é sinônimo de desporto, e este,
sinônimo de verificação de performance” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 20).
Cabe destacar, ainda, com base no autor principal desta discussão, que:

Como a Educação Física Pedagogicista, também a Educação Física


Competitivista advoga uma neutralidade em relação aos conflitos político-
sociais. O desporto é um bem em si, deve ser protegido por “qualquer tipo de
governo”. Daí adquirir a literatura em Educação Física um caráter tecnicista,
sobrecarregada de temas ligados ao Treinamento e as diversas variantes de
questões relacionadas à Medicina Desportiva. Apesar de negar, a Educação Física
Competitivista é um aríete das classes dirigentes na tarefa de desmobilização da
organização popular. Tanto o “desporto de alto nível”, que é “desporto
espetáculo”, é oferecido em doses exageradas pelos meios de comunicação à
população, como, explicitamente, é introduzido no meio popular através de ação
governamental. O objeto de “dirigir e canalizar energias” nem sempre é dissimulado.
A Educação Física Competitivista faz parte, como as outras concepções que
precederam esta exposição, daquilo que podemos chamar de arcabouço da
ideologia dominante (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 20, grifos nossos).
144

Com o fim da Ditadura Militar, no dia 15 de janeiro de 1985, passamos a


presenciar um novo processo de redemocratização do Brasil e, consequentemente, novas
discussões no campo da educação de forma geral e, também, da Educação Física. Essa nova
conjuntura favoreceu não o surgimento de uma nova tendência da área77, mas sim a
manifestação mais clara de uma concepção de Educação Física contra-hegemônica, que
transita pelo chão da escola brasileira e dos diferentes espaços de lazer, desde a
Proclamação da República, em 1889. Trata-se, portanto, da tendência da Educação Física
Popular, “[...] uma concepção que emerge da prática social dos trabalhadores, e, em especial,
das iniciativas ligadas aos grupos de vanguarda do Movimento Operário e Popular”
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 33, grifos nossos).
Sendo assim:

No interior desses movimentos, forjou-se a concepção de Educação Física Popular,


privilegiando a ludicidade, a solidariedade e a organização e mobilização dos
trabalhadores na tarefa de construção de uma sociedade efetivamente democrática
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 1991, p. 34).

Dessa forma, cabe destacar que a tendência da Educação Física Popular, busca
combate às ideologias difundidas pelas classes dominantes, sendo, assim, uma concepção que
se volta em defesa dos interesses da classe trabalhadora. Até o ano de 1985 não existia uma
produção teórica acerca dessa concepção encontrada em livros, artigos, dissertações e teses.
Em consideração a isso, Ghiraldelli Júnior (1991, p. 21) destaca que a Educação Física
Popular se sustentava “[...] quase que exclusivamente numa ‘teorização’ transmitida
oralmente entre as gerações de trabalhadores deste país”. Em outras palavras, o discurso
defendido pela concepção da Educação Física Popular vinha sendo transmitido desde os
primeiros anos da Proclamação da República até 1985 informalmente entre os professores da
área, por meio do diálogo realizado nas escolas ou nos movimentos sociais.
No que concerne a esta tendência, é preciso ficar claro, ainda, que ela:

[...] não está preocupada com a saúde pública, pois entende que tal questão não pode
ser discutida independentemente do levantamento da problemática, forjada pela
atual organização econômica-social e política do país. A Educação Física Popular
também não se pretende disciplinadora de homens e muito menos está voltada
para o incentivo da busca de medalhas. Ela é, antes de tudo, ludicidade e
cooperação e aí o desporto, a dança, a ginástica, etc. assumem um papel de
promotores da organização e mobilização dos trabalhadores. E, mais que isso, a

77
Portanto, é um equívoco, datar o surgimento da tendência da Educação Física Popular como sendo de 1985.
Esta informação não é encontrada na obra de Ghiraldelli Júnior (1991).
145

Educação Física serve então aos interesses daquilo que os trabalhadores


historicamente vêm chamando de “solidariedade operária” (GHIRALDELLI
JÚNIOR, 1991, p. 21, grifos nossos).

Ghiraldelli Júnior (1991, p. 21, grifos nossos) conclui afirmando que:

A Educação Física Popular não se pretende “educativa”, no sentido em que tal


palavra é usada pelas demais concepções. Ela entende que a educação dos
trabalhadores está intimamente ligada ao movimento de organização das
classes populares para o embate da prática social, ou seja, para o confronto
cotidiano imposto pela luta de classes.

Ante o exposto, constata-se, que desde a sua inserção na escola até o fim da
Ditadura Militar, instaurada em 1964, a Educação Física esteve ligada aos interesses da classe
dominante, sendo usada como instrumento político e ideológico necessários para a
implementação e o desenvolvimento do capitalismo e das relações do capital no Brasil,
contribuindo com a formação de sujeitos, fortes, sadios e possuidores dos valores e das
condutas necessárias para a manutenção do status quo. Entre as tendências mapeadas por
Ghiraldelli Júnior (1991), podemos afirmar que quatro delas possuem um caráter conservador
e reacionário, sendo elas a Educação Física Higienista, Militarista, Pedagogicista e a
Competitivista, visto que a tendência Popular se vinculou com os interesses e as lutas da
classe trabalhadora, caracterizando-se, portanto, com uma tendência contra-hegemômica, que
surgiu após a Proclamação da República e transita pelo chão da escola ao longo de todos esses
anos, se manifestando de forma mais clara a partir de 1985.
Essas foram as cinco tendências identificadas por Ghiraldelli Júnior (1991). Maia
e Carmo (2021), dando continuidade a esta discussão, apontam, no último capítulo do livro
organizado por Maia e Menezes (2021), a existência de mais duas tendências da Educação
Física que surgiram a partir de 1985, sendo elas, respectivamente, a Educação Física por
Competências e a Educação Física Remota Emergencial. Desconsideramos que esta segunda
seja uma nova tendência da área, tendo em vista que ela se caracteriza como uma dinâmica de
organização do trabalho docente estabelecida pela pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-
2, no qual o ensino remoto emergencial, conforme aponta Maia e Carmo (2021), se constituiu
apenas como uma alternativa emergencial, “[...] que, perante a pandemia da Covid-19, buscou
oferecer os conteúdos curriculares que seriam ministrados presencialmente” 78.

78
Ademais, consideramos que a Educação Física Remota Emergencial forje do entendimento dos próprios
autores do que eles compreendem por tendências da área, visto que para eles as tendências da Educação Física
são compreendidas “[...] como práticas e teorias pedagógicas que se tornaram senso comum na prática
educacional em um determinado período histórico por atender, de forma explícita ou implícita, o perfil de
146

Por outro lado, reconhecemos a manifestação da tendência da Educação Física por


Competências, embora, as características dessa tendência não sejam presenciadas apenas na
disciplina de Educação Física, mas sim em todas as áreas de conhecimento que integram o
currículo escolar, ou seja, as diferentes disciplinas. Com base nisso, Maia e Carmo (2021)
consideram que a BNCC propõe para a Educação Física uma proposta pedagógica
fundamentada no desenvolvimento de diferentes competências, dando origem a uma nova
tendência na área, denominada pelos dois autores de Educação Física por Competências. O
ensino pautado no desenvolvimento de competências já vem sendo difundido no interior da
escola brasileira desde o final do século XX, sendo encontrado, então, neste período o germe
da tendência da Educação Física por Competências.
Nesse sentido, Maia e Carmo (2021) esclarecem que o documento da BNCC
apenas normativou o desenvolvimento dessa nova tendência no espaço escolar, no entanto,
ela já vinha se estruturando desde os anos 1990, estando em expressa as suas determinações
na LDBEN, nos PCNs, nas DCNEB e em outros dispositivos. Assim, constata-se que o
surgimento dessa tendência está estritamente ligado à nova relação estabelecida entre o
trabalho e a educação no contexto da crise estrutural do capital. Na seção 2.4, ao tratarmos
sobre o processo de reestruturação produtiva, identificamos que os dois modelos antigos de
organização e de gerenciamento da produção, o taylorismo e o fordismo, que perdurou de
forma hegemônica quase todo século XX, entraram em crises, tendo em vista que passaram a
não atender mais as necessidades de acumulação do capital a partir dos anos 1970.
Diante disso, foi implantando no seu lugar um outro modelo de organização e de
gerenciamento da produção, o toyotismo, também chamado de acumulação flexível ou
modelo japonês, no qual passou a exigir das escolas um novo perfil do trabalhador,
polivalente, multifuncional, flexível e qualificado. Este modelo de formação passou a ser
difundido, com mais veemência, a partir dos anos 1990, sob as orientações dos organismos
internacionais, que passaram a orientar as novas reformas educacionais, reconhecendo a
Pedagogia das Competências como a mais adequada para atender o novo perfil de formação
do trabalhador que requer o capital no atual contexto da crise estrutural, sendo difundida nas

formação humana demandado pela classe trabalhadora ou pela classe burguesa, a partir de um contexto social,
político ou econômico específico” (MAIA; CARMO, 2021, p. 15). Na parte grifada há uma conjunção
coordenativa aditiva, o e, no entanto, não reconhecemos que exista em torno dessa tendência uma teoria
pedagógica como a que é encontrada na tendência da Educação Física por Competências, que é, neste caso, a da
Pedagogia das Competências de Philippe Perrenoud (1996). Outro ponto a destacar e que não está claro o perfil
de formação humana almejado por essa tendência como encontramos na tendência da Educação Física por
Competências, que é a formação de sujeitos que possam se adequar as novas relações de produção da sociedade
capitalista com base no modelo toyotista, capaz de solucionar demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho.
147

escolas, no interior das diferentes disciplinas, entre elas a Educação Física, um conjunto de
habilidades e competências para atingir esse objetivo.
Dessa forma, a tendência da Educação Física por Competência:

[...] se apresenta como uma das ramificações da Pedagogia das competências [...]
pedagogia que se tornou hegemônica nos currículos escolares brasileiros nas últimas
três décadas. Essa tendência atribui uma centralização da noção de competência
no currículo da Educação Física, o que sugere a redução das práticas
pedagógicas a um modelo de ensino criativo, utilitário e pragmático [...] Além
disso, compreendemos que apesar de existir nessa tendência o reconhecimento das
dimensões históricas, culturais e científicas dos conhecimentos da Educação Física,
estas são secundarizadas. Por essa razão, essa tendência se caracteriza por
estabelecer uma formação precarizada, unilateral e instrumental, que pouco
contribui para a emancipação da classe trabalhadora, assim como para a
transformação da sociedade (MAIA; CARMO, 2021, p. 77-78, grifos nossos).

Constata-se, diante do que já discorremos até o momento, que dentro do espaço


escolar só encontra legitimidade as áreas de conhecimentos que vão ao encontro dos
interesses do capital. Desse modo, algumas áreas de conhecimentos passaram a perder
centralidade na formação dos alunos, dentre elas a de Educação Física, que no contexto de
desenvolvimento de competências, em especial, as que estão articuladas com o processo de
reprodução do capitalismo e das relações do capital, passou a ser desvalorizada dentro do
currículo escolar, tendo em vista que ela não contribui tanto com o novo padrão de formação
engendrado pelo toyotismo, que valoriza, ao longo da formação do trabalho, as disciplinas e
áreas de conhecimentos ligadas ao raciocínio abstrato, na formação para interação em grupos
e os conhecimentos tecnológicos (NOZAKI, 2004). Frente a isso, presenciamos a redução da
carga horária da disciplina de Educação Física do currículo escolar, o que resulta na sua
desvalorização enquanto área de conhecimento no interior das escolas.
Neste contexto, marcado pelo esvaziamento dos conteúdos tidos como clássicos
da formação dos alunos, entre eles o da Educação Física, tendo como ponto de referência a
Pedagogia das Competências e as novas demandas do mercado de trabalho, é que a tendência
da Educação Física por Competências passa a ser originada e implementada na escola, no
primeiro momento de forma mais implícita, entre a última década do século XX e a primeira
década do século XXI, e agora de forma mais explicita com a BNCC, contribuindo com a
desvalorização da Educação Física no currículo escolar, tendo em vista que foi com a
consolidação da Pedagogia das Competências no currículo escolar brasileiro que
presenciamos a grave tentativa de retirar a obrigatoriedade dessa área de conhecimento no
Ensino Médio, por meio da MP n. 746/2016, convertida na Lei n. 13.415/2017.
Com base nisso, Maia e Carmo (2021, p. 78-79, grifos nossos) afirmam que:
148

Atualmente, apesar de mantido o status de disciplina obrigatória, a natureza e os


objetivos implícitos da BNCC têm contribuído para a manutenção de pressões que
anseiam pela redução da carga horária da Educação Física. Como forma de
resistência, professores de todo o Brasil tem se mobilizado para se oporem a essas
pressões [...] Posto isso, certamente pelo menos dois fenômenos demarcam a
situação da Educação Física nas primeiras décadas do século XXI, a
consolidação da tendência pedagógica da Educação Física por Competências e,
consequentemente, a sua perda de espaço no currículo escolar, especialmente
no currículo do ensino médio.

Como resultado desses acontecimentos, presenciamos a precarização da formação


da classe trabalhadora, assim como o distanciamento do acesso desses indivíduos aos
conhecimentos sistematizados produzidos historicamente pela humanidade, entre eles o da
cultura corporal em sentido estrito, objeto de estudo que trata, pedagogicamente, a Educação
Física nos diferentes espaços de atuação do professor formado nesta área. Assim,
reconhecemos a incorporação dos saberes da cultura corporal em sentido estrito como sendo
necessários, assim como conhecimentos das outras áreas de ensino presentes na escola, para a
passagem do indivíduo de membro da espécie a membro partícipe do gênero humano, sendo
esta uma condição necessária para que os indivíduos possam alcançar patamares superiores de
desenvolvimento do ser social e de pertencimento ao gênero humano.
Nesse sentido, Oliveira (2022, p. 215, grifos nossos) ressalta que:

O complexo social da educação física, não é só produto das relações humanas, ela
participa na produção e reprodução social e, portanto, é parte integrante da
formação humana. Ou seja, a defesa da educação física, aqui, não é uma defesa
corporativista, mais sim uma necessidade, visto que, ao participar da formação
do ser social, a educação física constitui um dos momentos necessários para a
formação humana.

Portanto, há uma necessidade ontológica da Educação Física na formação


humana, tendo em vista que este complexo social é o responsável por transmitir, dentro de
uma perspectiva sistematizada, o acesso ao ser social as diferentes manifestações da cultura
corporal em sentido estrito produzidas historicamente pelo conjunto dos homens, tais como
os jogos, os esportes, as ginásticas, as danças, as lutas e outras práticas corporais,
institucionalizadas ou não, que merecem ser tematizadas, transmitidas e reinventadas pelas
novas gerações ao longo do processo de reprodução do ser social. No entanto, entendemos
que apenas no interior de uma outra forma de sociabilidade, para além e superior a capitalista,
é que os indivíduos poderão ter acesso de forma plena aos conhecimentos científicos,
artísticos, filosóficos e da cultura corporal, visto que o acesso a esses conhecimentos se volta
para o desenvolvimento do ser social e não das relações do capital.
149

Até aqui discutimos, ainda que de forma breve, a forma como a Educação Física
vem sendo historicamente tradada no interior da escola brasileira, tendo como ponto de
partida as tendências da Educação Física apontadas por Ghiraldelli Júnior (1991), e por Maia
e Carmo (2021). Identificamos, ainda, que a partir de 1985 a Educação Física assumiu uma
perspectiva contra hegemônica, embora, tenhamos ciência que isso não refletiu na prática
docente de todos os professores da área. Como consequência do processo de reestruturação
produtiva, uma nova tendência surgiu na área, a da Educação Física por Competência (MAIA;
CARMO, 2021), alinhando mais uma vez a Educação Física escolar aos interesses do capital,
mas que diferente dos outros momentos históricos ela vem, enquanto área de conhecimento,
perdendo espaço no currículo escolar, em especial, no Ensino Médio.
Isso posto, na seção abaixo, discutiremos as implicações do novo Ensino Médio
na área da Educação Física escolar, bem como as possibilidades de resistência encontradas,
nas condições históricas atuais, para o desenvolvimento de uma práxis docente comprometida,
verdadeiramente, com a emancipação humana e não apenas com o mercado de trabalho como
têm reforçado as novas políticas educacionais recém-implementadas no Brasil.

4.3 O novo Ensino Médio e as suas implicações na área de Educação Física escolar:
formar para o mercado de trabalho ou para a emancipação humana?

Trataremos, nesta última seção, sobre as implicações do novo Ensino Médio na


área da Educação Física escolar, retomando alguns aspectos que já discorremos no capítulo
anterior, especialmente na subseção 3.3.2. Para isso, recorremos aos estudos de Beltrão
(2019), Beltrão, Taffarel e Teixeira (2020), Gomes e Souza (2020), Neira (2019) e o texto da
BNCC do Ensino Médio (BRASIL, 2018). Desse modo, a nossa análise incidiu, mais
precisamente, sobre a forma como a área da Educação Física foi tratada no PL n. 6.840/2013,
na MP n. 746/2016, na Lei n. 13.415/2017 e na BNCC do Ensino Médio, deixando claro os
elementos que corroboram com o processo de desvalorização da Educação Física enquanto
área de conhecimento no espaço escolar. Por fim, na subseção 4.3.1, apontamos a necessidade
de resistência ativa no interior da Educação Física escolar, tomando como base as atividades
educativas emancipadoras formuladas pelo professor Ivo Tonet (2005, 2016).
Para iniciarmos a discussão destacamos que:

[...] durante muito tempo, a educação física ocupou espaço estratégico nos
projetos pedagógicos hegemônicos na sociedade brasileira. Sua presença era mais
que justificável, exercia função imprescindível no currículo, seja para formar o
150

corpo forte, saudável e adestrado a repetições de exercícios, ou o sujeito disciplinado


e ordeiro, atendendo às demandas do fordismo e integrada às políticas de governos
da maior parte do século XX no país (BELTRÃO, 2019, p. 213, grifos nossos).

Essa citação vai ao encontro do que já destacamos na seção 2.4, do capítulo 2, e


na seção 4.2, do capítulo 4. Assim, com o processo de reestruturação produtiva, caracterizado
pelo declínio do modelo taylorismo e do fordismo, o projeto pedagógico dominante se alinhou
ao modelo de acumulação flexível. Nesse contexto, a Pedagogia das Competências vem
sendo, veementemente, defendida pelos organismos internacionais e pelos grandes
empresários, que demanda no interior da sociedade capitalista uma nova formação para o
trabalhador contemporâneo, centrada no desenvolvimento de competências e habilidades para
o novo modelo de produção, o toyotismo. Com base nisso, as diferentes áreas de
conhecimentos passaram a assumir outras tarefas no currículo escolar, o que tem gerado uma
hierarquização das áreas de conhecimentos no interior da escola.
Ou seja, algumas áreas de conhecimentos passaram a ter mais importância no
currículo escolar, resultando, por outro lado, na marginalização de outras áreas, entre elas a de
Educação Física, que desde 1990 vem perdendo o seu espaço e o status como disciplina
escolar obrigatória no interior do projeto pedagógico dominante. Como fato que consagra essa
desvalorização da Educação Física como área de conhecimento no currículo escolar podemos
apontar a aprovação da terceira LDBEN n. 9.394/1996, que reconheceu a Educação Física
apenas como um componente curricular da Educação Básica, deixando aberto a
possibilidade dos sistemas de ensino não ofertar essa disciplina ao longo da formação dos
alunos, em especial, no Ensino Médio, tendo em vista que a lei, em destaque , não trouxe no
seu texto a oferta da Educação Física como componente curricular obrigatório ao longo de
toda a Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
O status como área de conhecimento obrigatório ao longo da Educação Básica só
foi obtido em 2001, por meio da aprovação da Lei n. 10.328/2001, que mudou o texto do § 3º
do Art. 26 da LDBEN n. 9.394/1996 e passou a reconhecer a Educação Física como um
componente curricular obrigatório da Educação Básica. No entanto, isso não garantiu de
forma plena o reconhecimento da Educação Física no currículo das escolas, visto que ela
permanece sendo ministrada, na maioria das escolas do país, com duas aulas semanais ao
decorrer do Ensino Fundamental e apenas uma aula semanal no Ensino Médio (MAIA, et al,.
2019; MAIA, 2023). Esse fato é reflexo das mudanças sofridas no interior do espaço escolar,
influenciadas pelas modificações do mundo do trabalho, que resultaram no reconhecimento da
151

Pedagogia das Competências como a concepção pedagógica mais adequada para formar o
trabalhador no atual contexto da crise estrutural do capital.
Diante das mudanças sofridas no setor produtivo com a implantação do toyotismo
como modelo de organização e de gerenciamento da produção, constata-se que os novos
atributos esperados pelo trabalhador já não são mais a força e nem a disciplina, mas sim,
conforme destaca Nozaki (2004), a capacidade de abstração, o raciocínio lógico, a crítica, a
interatividade, a tomada de decisão, o trabalho em equipe, a comunicabilidade e a
criatividade, ou seja, os conteúdos ligados ao desenvolvimento cognitivo e interacional.
Portanto, do ponto de vista do capital e das novas relações de produção, alguns conteúdos se
tornaram no interior da escola empobrecidos e desnecessários (MELLO, 2014), entre elas os
que tratam, pedagogicamente, a Educação Física, que é, conforme temos aqui defendido, a
cultura corporal em sentido estrito, por não ter uma participação decisiva no desenvolvimento
de competências e habilidades esperadas para o novo perfil do trabalhador79.
Se considerarmos que a Educação Física escolar esteve, historicamente, ligada:

[...] sob o ponto de vista dominante, a uma formação de um corpo disciplinado para
obedecer subordinadamente, adestrado a repetições de exercícios e visando à aptidão
física, funcional ao fordismo, percebemos que esta caracterização não é mais central
para a demanda de formação do trabalhador de novo tipo para o capital, já que este
precisa de um conteúdo no campo cognitivo e interacional, a fim de trabalhar com a
capacidade de abstração, raciocínio lógico, crítica, interatividade, decisão, trabalho
em equipe, competitividade, comunicabilidade, criatividade, entre outros. Na
proporção em que a educação física parece não atuar para a formação de
competências, não se torna imediatamente central na escola, como
historicamente se colocou. Não estamos, com isso, afirmando que a educação física
não seria capaz de atuar na formação dessas competências. Estamos simplesmente
alertando que, sob o ponto de vista dominante – no qual se insere a pedagogia
das competências – a educação física foi sempre tratada como uma disciplina
reprodutora de movimentos, no contexto da antiga formação do trabalhador. E,
assim, tem sido descartada, mas apenas sob o ponto de vista imediato, do projeto
pedagógico dominante, que, por sua vez, tem privilegiado outras disciplinas de
conteúdo cognitivo e interacional (NOZAKI, 2004, p. 143-144, grifos nossos).

Com isso, passamos a compreender o porquê da desvalorização da área da


Educação Física no currículo escolar, que desde o final dos 1990 vem sofrendo tentativas de
ser retiradas do currículo, no qual as políticas educacionais recém-implementadas no Brasil
têm apontando para o seu esvaziamento ao longo da formação dos alunos, como é caso, por
exemplo, do novo Ensino Médio, que teve as suas discussões iniciadas por meio do PL n.

79
Isso não significa, de forma alguma, que a Educação Física não atue no desenvolvimento de competências,
mas sim que ela não ocupa um lugar decisivo nesse processo. Não obstante, Souza e Ramos (2012, p. 82)
reconhecem que “A Educação Física, inserida no processo de ensino das competências, tem em seu currículo
aspectos que contribuem para moldar a personalidade dos trabalhadores para que eles demonstrem
responsabilidade, iniciativa, comunicação [...]”.
152

6.840/2013, no qual já previa a retirada da Educação Física enquanto um componente


curricular obrigatório do Ensino Médio. Com o PL n. 6.840/2013 arquivado, sem a sua devida
aprovação, a discussão sobre a reforma do Ensino Médio brasileiro passou a ser retomada no
governo de Michel Temer por meio da MP n. 746/2016, que incorporou as determinações do
PL n. 6.840/2013, resultando na perda da Educação Física do seu status de componente
curricular obrigatório na última etapa da Educação Básica, o Ensino Médio.
Dessa forma, diante do texto da MP n. 746/2016, a Educação Física foi posta no
interior da escola como um componente curricular obrigatório apenas no Ensino Infantil e no
Ensino Fundamental, o que gerou várias contestações por parte de entidades estudantis,
sindicais, profissionais e científicas, sendo, neste contexto, apresentado inúmeros argumentos
defendendo a importância da Educação Física nessa etapa de ensino. A defesa dessa área na
formação dos alunos esteve vinculada ao velho discurso que por muitos anos garantiu a sua
legitimação como uma disciplina no espaço escolar, ou seja, associando a prática pedagógica
da Educação Física à promoção da saúde, combate ao sedentarismo e a prática esportiva 80.
Isso não significa que esse discurso usado para justificar a Educação Física no espaço escolar
seja hegemônico, porém, é o que mais se manifesta na realidade brasileira e que tem sido
divulgado, principalmente pelo Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), conforme é
possível constatar isso na nota de repúdio contra a MP n. 746/2016.

O Conselho Federal de Educação Física se posiciona radicalmente contra a Medida


Provisória de Reforma do Ensino Médio, publicada em 23/09, pelo Governo
Federal. A MP altera, entre outros, o Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) e a disciplina de Educação Física, que antes era prevista
em todas as etapas da educação básica (infantil, fundamental e médio), passa a ser
obrigatória apenas no ensino infantil e fundamental.

Embora a MP indique que o ensino de Educação Física, Artes, Filosofia e


Sociologia deverá continuar em vigor até o segundo ano letivo posterior à aprovação
da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o Ministério da Educação
manteve o trecho que retira da LDB a garantia explicita de que essas disciplinas já
consolidadas deveriam ser aplicadas no ensino médio.

Sabendo-se que fatores como sedentarismo e analfabetismo corporal têm sido


marcantes na vida de crianças e jovens pela falta de oportunidades e condições que
favoreçam a intervenção adequada neste processo, e que em grande parte do país a
escola ainda é o único lugar onde seus integrantes, efetivamente, têm a oportunidade
de vivenciar um aprendizado qualificado das práticas corporais ou das atividades
físicas e esportivas, bem como desenvolver-se culturalmente nesse segmento, é um
contrassenso que o Governo Federal proponha a retirada da Educação Física do
ensino médio.

80
A legitimação da Educação Física sob este discurso tem levado o reconhecimento da Educação Física como
sinônimo de saúde ou de esporte no espaço escolar, impossibilitando, por parte dos alunos e de alguns
professores, a compreensão do verdadeiro objeto de estudo e de ensino que trata, pedagogicamente, a Educação
Física no espaço escolar, nos clubes, nas academias, nos ginásios, etc.
153

A idade escolar representa um período crítico para as crianças e jovens no que se


refere à adoção de comportamento de saúde, sendo que um estilo de vida saudável é,
em grande parte, o produto de sua promoção e desenvolvimento durante a
adolescência. Por este motivo, consensos internacionais recomendam 300 minutos
semanais de atividade física moderada a vigorosa, e consideram que os jovens
devem constituir um grupo alvo prioritário das políticas públicas, em programas de
educação e promoção da saúde. Promover saúde em escolares significa capacitá-los
para a tomada de decisão, garantindo que os jovens possam acreditar que as
atividades físicas tratadas nas aulas de Educação Física, podem influenciar suas
vidas para que façam opções saudáveis.

Sendo assim, o Conselho Nacional de Educação Física se mobiliza junto ao


Congresso Nacional a fim de rejeitar a medida. Continuamos contando com o apoio
dos Profissionais de Educação Física e da sociedade em geral para trabalhar junto
aos Deputados e Senadores dos seus respectivos estados a reprovação da MP
(CONFEF, 2016, p. 1).

A rejeição ao texto da MP n. 746/2016 e os diferentes posicionamentos contra a


retirada da Educação Física como componente curricular obrigatório do Ensino Médio
resultaram na aprovação da Lei n. 13.415/2017 com o reconhecimento dessa área de
conhecimento como componente curricular obrigatório da Educação Básica, porém, sendo
ofertado no Ensino Médio como estudos e práticas, juntamente com Artes, Filosofia e
Sociologia. Entendemos que a luta pelo reconhecimento da Educação Física enquanto área de
conhecimento que se faz necessária para a formação humana não pode se distanciar da luta
histórica pela superação da sociedade capitalista e das relações do capital, pois apenas em
uma sociedade, verdadeiramente, emancipada é que os indivíduos poderão ter acesso aos
diferentes conhecimentos produzidos e acumulados historicamente pela humanidade, entre
eles os conhecimentos científicos, artísticos filosóficos e da cultura corporal81.
Neste contexto, o que temos presenciado é a centralidade da política ao invés do
trabalho nas lutas em prol da superação da sociedade capitalista, o que tem levado a garantir
pequenos avanços, mas que não resultam e nem contribuem, efetivamente, com o processo de
transformação estrutural da sociedade vigente, sendo, portanto, estas ações de cunho
reformistas, que se associam às necessidades de reprodução da sociedade capitalista e das
relações do capital. Dessa forma, a luta pela obrigatoriedade da Educação Física no espaço

81
Seguindo essa lógica, Netto e Braz (2006, 46, grifos dos autores) apontam que: “[...] o desenvolvimento
histórico se efetivou até hoje especialmente em sociedades marcadas pela alienação (isto é, em sociedades
fundadas na divisão social do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção fundamentais, com a
exploração do homem pelo homem), a possibilidade de incorporar as objetivações do ser social sempre foi posta
desigualmente para os homens singulares. Ou seja: até hoje, o desenvolvimento da humanização de todos os
homens; ao contrário: até nossos dias, o preço do desenvolvimento do ser social tem sido uma humanização
extremamente desigual – ou, dito de outra maneira: até hoje, o processo de humanização tem custado o
sacrifício da maioria dos homens. Somente numa sociedade que supere a divisão social do trabalho e a
propriedade privada dos meios de produção fundamentais pode-se pensar que todas as possibilidades do
desenvolvimento do ser social se tornem acessíveis a todos os homens”.
154

escolar, por força de Lei, caracteriza-se como uma medida paliativa e reformista, pois “[...]
esta luta não assegura as condições concretas e necessárias para uma formação comprometida
pela emancipação humana, tampouco com um modelo formal de Educação Física (em sentido
estrito) a favor da classe trabalhadora” (MAIA, 2023, p. 56).
Constata-se, então, que a Educação Física perdeu o status de componente
curricular obrigatório no Ensino Médio, sendo posta no currículo como estudos e práticas,
podendo os seus conteúdos de ensino ser trabalhados ao longo da formação geral básica dos
alunos ou dentro dos itinerários formativos por meio de projetos, oficinas, laboratórios ou
outras atividades, conforme determina o texto da Resolução n 3/2018. A nova forma de
organização curricular do Ensino Médio, organizado por dois percursos formativos, o
primeiro por áreas de conhecimentos e o segundo pelos itinerários formativos, pode
resultar na diluição dos conteúdos de Ensino da Educação Física na área de conhecimento ou
no itinerário formativo de Linguagens e suas Tecnologias, com uma carga horária bem
reduzida no currículo escolar e, consequentemente, na formação dos alunos.

Portanto, mesmo que a educação física seja incluída como componente curricular
nas propostas das redes, provavelmente a sua carga horária será menor. A nova
matriz curricular do ensino médio da rede estadual de educação da Bahia, por
exemplo82, retirou o componente curricular da educação física do 3º ano, e manteve
apenas 1 hora semanal nos dois primeiros anos [...] Em consequência, os jovens
terão o direito negado a diversas significações sociais produzidas pela
humanidade no âmbito das atividades da cultura corporal (BELTRÃO;
TAFFAREL; TEIXEIRA, 2020, p. 661, grifos nossos).

Ora, percebe-se, diante disso, que se o componente curricular da Educação Física


não é mais obrigatório no Ensino Médio, isso abre espaço para a não contratação do professor
dessa área, tendo em vista que a Educação Física não se encontra mais como um componente
curricular obrigatório nessa etapa de ensino. Isso pode resultar na não contratação do
professor com formação específica em Educação Física para ministrar os conteúdos da área,
tendo em vista que por ser posta no currículo como estudos e práticas os seus conteúdos
poderão ser ofertados dentro da área de Linguagens e suas Tecnologias ou até mesmo dentro
de outro componente curricular, como de Língua Portuguesa, visto que este é o único
componente curricular da área de Linguagens e suas Tecnologias reconhecido no currículo
escolar como obrigatório ao longo dos três anos do Ensino Médio.

82
No interior das Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEP) do Ceará a Educação Física encontra-se
apenas com uma aula semanal de 50min ao longo dos três anos do Ensino Médio.
155

Isso significa que a Educação Física, assim como Arte, poderá ter os seus
conteúdos de ensino ministrados pelo professor de Língua Portuguesa, da mesma forma que o
professor com formação em Química poderá ensinar os conteúdos de Física e de Biologia,
assim como o professor de História poderá lecionar os conteúdos de Geografia, de Sociologia
e de Filosofia. Com isso, o ensino das diferentes áreas de conhecimentos, entre eles o da
Educação Física, poderá ficar sob a responsabilidade de um único professor, que terá uma
atuação profissional generalista, isto é, sem uma formação específica para ministrar os
conteúdos de algumas áreas. “Esses são alguns exemplos possíveis dentro dos diversos
arranjos curriculares de que o ensino médio poderá ser organizado” (BELTRÃO;
TAFFAREL; TEIXEIRA, 2020, p. 663) a partir das mudanças estabelecidas.
Dessa forma, a proposta de Educação Física do novo Ensino Médio:

[...] é inconsistente, alimenta confusões e não favorece o ensino das significações


centrais, contudo, esses problemas podem se potencializar nos casos em que se
extingue os componentes curriculares e o ensino fique a cargo de um professor
generalista da área, que não sendo formado em educação física, em tese, enfrentará
ainda mais dificuldades. Ou ainda quando os estudos e práticas da educação
física, a partir de determinada organização curricular, ficarem a cargo de
outro componente curricular, nesse caso, os prejuízos serão parecidos. Em face
do considerando que neste nível de ensino esperava-se o aprofundamento dos
estudos realizados durante o ensino fundamental, a possível supressão dos
componentes curriculares praticamente inviabiliza essa finalidade. No caso do
professor do ensino médio, até então, exigia-se em seu trabalho um nível mais
elevado e avançado de conhecimento da área, em função da
especificidade/finalidade desta etapa da formação. Pela proposta da BNCC do
ensino médio, podemos dizer que essa exigência é parcialmente eliminada, ao
admitir a docência de professor não especialista. Contraditoriamente, no nível de
ensino anterior, onde o grau de complexidade do conhecimento é menor, o requisito
do professor especialista se mantém. Portanto, como já alertado, a nova
organização do ensino médio concorre para uma descontinuidade da formação
dos jovens e prejudica a integração entre os níveis de ensino fundamental e
médio (BELTRÃO, 2019, p. 208-209, grifos nossos).

Destarte, constata-se, então, que no interior do novo Ensino Médio a Educação


Física perdeu o seu status de componente curricular obrigatório, permanecendo nessa etapa de
ensino como estudos e prática, podendo o seu conteúdo de ensino ser diluído dentro da área e
do itinerário formativo de Linguagens e suas Tecnologias. Nesse sentido, presenciamos o
esvaziamento da Educação Física enquanto área de conhecimento no currículo escolar, tendo
em vista que a sua prática pedagógica não contribui tanto, sob a lógica do capital, para a
formação do novo trabalhador que o mundo do trabalho passou a exigir a partir da eclosão da
crise estrutural do capital, que resultou no processo de reestruturação produtiva, tendo o
156

toyotismo como modelo de formação do novo trabalhador que o mercado de trabalho almeja
para potencializar as relações do capital e favorecer a expansão de suas taxas de lucros.
Dando continuidade na discussão, visando demonstrar o esvaziamento da
Educação Física no currículo escolar do novo Ensino Médio, passamos a destacar o que o
texto da BNCC reservou para esta área de conhecimento nessa etapa de ensino, tendo em vista
que esta é a principal referência para os sistemas de ensino elaborarem o Documento
Curricular Referencial (DCR) para subsidiar a elaboração da proposta curricular das escolas83.
Em torno disso, o primeiro ponto a destacar é que a Educação Física é alocada no interior da
área de Linguagem e suas Tecnologias, juntamente com Arte, Língua Portuguesa e Inglesa,
devendo o trabalho pedagógico realizado no interior dessa área consolidar e ampliar as
aprendizagens previstas na BNCC do Ensino Fundamental. A inserção da Educação Física na
área de Linguagens não se caracteriza como algo novo na educação brasileira, mas sim uma
continuidade do que já foi reconhecido no texto dos PCNs+ (BRASIL, 2002).
Nesse sentido, os DCNEM, atualizado por meio da Resolução n. 3/2018,
determina que a organização do currículo e o planejamento do Ensino Médio deve ocorrer
dentro da área de forma interdisciplinar e transdisciplinar (BRASIL, 2018). Com base nisso,
Gomes e Souza (2020, p. 394) aponta que ao adotar esse modelo de organização “[...] as
generalizações nas áreas de conhecimentos ocorrem inevitavelmente, visto que seus objetos
de estudos não atendem as especificidades de cada componente curricular, resultando em
objetivos gerais superficiais do conhecimento historicamente construído”, principalmente no
interior da área de Educação Física, de Arte e de Língua Inglesa, tendo em vista que Língua
Portuguesa ocupa um lugar privilegiado no currículo escolar, assim como Matemática,
empreendedorismo, competências socioemocionais, etc.. Desse modo, no novo Ensino Médio,
a área de Linguagens e suas Tecnologias tem a responsabilidade de:

[...] de propiciar oportunidades para a consolidação e a ampliação das habilidades


de uso e de reflexão sobre as linguagens – artísticas, corporais e verbais (oral ou
visual-motora, como Libras, e escrita) –, que são objeto de seus diferentes
componentes (Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa)
(BRASIL, 2018, p. 482, grifos nossos).

Frente a isso, a linguagem corporal passa a ser reconhecida como o objeto de


estudo e de ensino da Educação Física escolar, sendo, com isso, reproduzido um equívoco já

83
A respeito disso, Neira (2019, p. 163) corrobora afirmando que “A BNCC institui-se como referências
nacionais para a elaboração de currículos dos sistemas de ensino e das propostas pedagógicas das escolas,
alinhando políticas e ações em torno da formação de professores, avaliações e critérios de infraestrutura para o
desenvolvimento da educação”.
157

presente no modelo de organização do Ensino Médio anterior, que com a BNCC, segundo
Beltrão (2019), tem as suas contradições aprofundadas, visto que é observado um uso
indiscriminado do conceito de corporeidade e cultura corporal. Dessa forma, tendo a
linguagem como categoria central para a área de Linguagem e suas Tecnologias, a BNCC
reconhece no interior da Educação Física que:

Cada conjunto de práticas corporais (jogos e brincadeiras, danças, lutas, ginásticas,


esportes e atividades corporais de aventura) apresenta especificidades de
produção da linguagem corporal e de valores e sentidos atribuídos às suas
práticas. Essa diversidade de modos de vivenciar e significar as práticas corporais é
objeto de aprendizagem da área (BRASIL, 2018, p. 495, grifos nossos).

Ou seja, o objeto de ensino da Educação Física na BNCC, que é a linguagem


corporal, deve ser trabalhado perspectivando que os alunos compreendam a expressão
corporal como uma linguagem, assim como tem determinado o Coletivo de Autores (1992) ao
fundamentar a Pedagogia Crítico-Superadora. No entanto, esse equívoco já foi esclarecido por
Escobar (2012), no qual reconheceu que o objeto de estudo e de ensino da Educação Física
não é a expressão corporal como linguagem, mas sim a cultura corporal. Em relação a esse
equívoco, encontrado no interior do livro Metodologia do Ensino de Educação Física
(COLETIVO DE AUTORES, 1992), Escobar, enquanto uma das integrantes responsável pela
escrita da obra mencionada, nos esclarece que:

O estudo da Educação Física visa apreender a expressão corporal como


linguagem. Não!!! Isso é um erro. Porque nós estávamos ainda um pouco
impregnados da visão vinda do idealismo de Kant e do pensamento alemão sobre as
atividades corporais. Também nessa época, década de 1990, no movimento
mundial que hoje se faz sentir com toda força, havia um incentivo tremendo
para que os intelectuais se ligassem à ótica fenomenológica dos fenômenos
pedagógicos, especialmente na educação e na Educação Física [...] As teorias
fenomenológicas tiveram o auge com a chamada Nova História, a qual se prende ao
cotidiano e explica a prática do homem a partir do seu microuniverso. É uma
concepção que se fundamenta, principalmente, na capacidade de interpretação do
próprio pesquisador. Quer dizer, é o pesquisador que termina decidindo o que é isso,
o que é aquilo (ESCOBAR, 2009, 129-130, grifos nossos).

A autora conclui afirmando que:

Creio que de certa forma fomos impregnados dessas ideias e caímos na cilada
das “linguagens” achando que as atividades corporais – jogos e outras –
efetivamente seriam uma linguagem corporal. Foi depois que nos demos conta de
que não havia nada de expressão corporal nas atividades dessa área de cultura,
porque se você olha para o jogo, quem joga, o jogador, não está expressando
nada, ele não está transmitindo nada para fora, porque está construindo algo
que está simultaneamente consumindo. O jogo está envolvendo, preocupando-o
158

pela própria subjetividade da atividade e de seu objetivo implícito (ESCOBAR,


2009, p. 130, grifos nossos).

Desse modo, constata-se que a BNCC, assim como os PCNs+, colocou como
categoria central para a área de Linguagens e suas Tecnologias a linguagem, passando esta a
se constituir como objeto de estudo da Educação Física, Artes, Língua Portuguesa e Inglesa.
A BNCC, ao reconhecer a linguagem corporal como objeto de estudo e de ensino da
Educação Física, definiu como objetivo para esta área possibilitar aos estudantes “[...]
explorar o movimento e a gestualidade em práticas corporais de diferentes grupos culturais e
analisar os discursos e os valores associados a elas, bem como os processos de negociação de
sentidos que estão em jogo na sua apreciação e produção” (BRASIL, 2018, p. 483). Diferente
desse entendimento, reconhecemos que a categoria central para compreender o verdadeiro
objeto de estudo e de ensino da Educação Física não é a linguagem, mas sim o trabalho.
Isso se justifica pelo fato de o trabalho ser o complexo fundante do ser social, e,
portanto, o modelo de toda práxis social, tendo em vista que as demais atividades humanas
têm suas gêneses ligadas ao trabalho, entre elas as atividades que integram a cultura corporal
em sentido estrito. Dessa forma, podemos afirmar que a partir da categoria trabalho, tomando
como base os fundamentos onto-metodológicos, instaurados por Karl Marx e recuperados por
György Lukács na sua obra Para uma Ontologia do Ser Social, podemos analisar o
desenvolvimento sócio-histórico das práticas corporais, identificando que do trabalho e pelo
trabalho foi fundado, no primeiro momento, uma cultura corporal em sentido lato e, em
seguida, como resultados do desenvolvimento das forças produtivas e das novas formas de
organização dos homens em sociedade, uma cultura corporal em sentido estrito, que no
interior da sociedade capitalista se constituiu como objeto de estudo da Educação Física,
complexo social fundado como produto das relações capitalistas (MELLO, 2014).

Portanto, as atividades da cultura corporal, expressas nos fenômenos dança,


ginástica, esporte, luta, jogo, etc., são formas particulares da prática social e
produtos das relações de produção, produzidas e reproduzidas para atender
necessidades de uma coletividade, que [...] uma vez instituídas assumem
importância no processo de interiorizar no ser social o que é próprio dos
humanos [...] Disto reside a importância da sua apropriação para a reprodução
e desenvolvimento do gênero humano em suas múltiplas dimensões e
possibilidades. Deste modo, ao tratar o objeto da educação física como
linguagem/linguagem corporal, e não como trabalho/cultura corporal [...] oferece-se
uma abordagem distorcida dos fenômenos da cultura (corporal), que por sua vez
dificulta a apropriação das diversas e diferentes determinações que constituem e
explicam esses fenômenos. Além disso, a compreensão da estrutura e dinâmica do
objeto de ensino, ou com outras palavras, a identificação dos traços essenciais deste
objeto, a sua constituição conteúdo-forma histórica, bem como os nexos e relações
estabelecidos na totalidade em que integra, é condição para um ensino que supere o
159

imediatamente sensível, o senso comum, e possibilite a apreensão do real concreto


no pensamento (BELTRÃO, 2019, p. 207, grifos nossos).

A respeito disso, o autor segue afirmando, para mais, que:

A definição do objeto de ensino é uma questão importante também do ponto de


vista da organização do trabalho pedagógico, já que uma das dimensões do
trabalho pedagógico diz respeito à identificação dos elementos culturais a
serem assimilados pelo aluno, distinguindo o essencial do acidental, o principal
do secundário [...], quer dizer, a partir de determinada referência, visando
determinado objetivo, o professor irá selecionar os conteúdos fundamentais a serem
ensinados-aprendidos, desta forma, dependendo do ponto de partida, que nesse caso
é o objeto de ensino, o secundário poderá ocupar o lugar do principal no ato
educativo. Observa-se, então, que a forma como a BNCC do ensino médio
aborda o objeto da educação física não oferece a fundamentação que favoreça o
trato pedagógico do problema central das atividades desse componente
curricular, elemento fundamental para se apropriar a essência da atividade em
questão, e do qual decorrem outros conteúdos e significações, que constituem e
caracterizam determinada atividade. Além do mais, a compreensão correta do
objeto de ensino da educação física é fundamental pois [...] está ligada e tem
implicações diretas no “como se ensina” e na finalidade pedagógica
(BELTRÃO, 2019, p. 208, grifos nossos).

Por conseguinte, é válido destacar que não cabe, aqui, fazer uma análise exaustiva
do que a BNCC reservou para a Educação Física, tendo em vista que isso foge das finalidades
estabelecidas para a realização do estudo. No entanto, é válido destacar que o documento da
BNCC do Ensino Fundamental apresenta: as competências por área e as competências por
componente curriculares, que devem se articular ao decorrer do processo educativo com as
competências gerais da Educação Básica. Desse modo, foi destinado na parte que trata do
Ensino Fundamental espaço para detalhar as unidades temáticas específicas de cada
componente curricular, os objetos de conhecimento que estão inseridos no interior de cada
unidade temática, bem como as habilidades a serem exploradas por cada área de
conhecimento. Diferente disso, no Ensino Médio encontramos apenas as competências por
áreas e as habilidades, que, assim como no Ensino Fundamental, devem se articular com as
competências gerais da Educação Básica. Feito esse esclarecimento, expomos as
competências específicas para a área de Linguagens para o Ensino Médio.

1. Compreender o funcionamento das diferentes linguagens e práticas culturais


(artísticas, corporais e verbais) e mobilizar esses conhecimentos na recepção e
produção de discursos nos diferentes campos de atuação social e nas diversas
mídias, para ampliar as formas de participação social, o entendimento e as
possibilidades de explicação e interpretação crítica da realidade e para continuar
aprendendo.
160

2. Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que


permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitando as diversidades e a
pluralidade de ideias e posições, e atuar socialmente com base em princípios e
valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos,
exercitando o autoconhecimento, a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a
cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza.

3. Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com


autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, de
forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que respeitem o
outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo
responsável, em âmbito local, regional e global.

4. Compreender as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, cultural, social,


variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo suas variedades
e vivenciando-as como formas de expressões identitárias, pessoais e coletivas, bem
como agindo no enfrentamento de preconceitos de qualquer natureza.

5. Compreender os processos de produção e negociação de sentidos nas práticas


corporais, reconhecendo-as e vivenciando-as como formas de expressão de
valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de respeito à
diversidade.

6. Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais,


considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus
conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir
produções autorais individuais e coletivas, exercendo protagonismo de maneira
crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas.

7. Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões


técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir
sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a aprender nos
campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e coletiva (BRASIL,
2018, p. 490, grifos nossos.

Com base nessa citação, constata-se que, das sete competências fixadas para a
área de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio, apenas três competências se
relacionam com o objeto de ensino da Educação Física, sendo as competências de número 1,
3, e 5, no qual a 1 e a 3 faz menção ao objeto de ensino da Educação Física de forma genérica,
diferente da competência de número 5 que cita de forma direta. Dessa forma, a competência
de número 5 fixa como direito de aprendizagem dos alunos “Compreender os processos de
produção e negociação de sentidos nas práticas corporais, reconhecendo-as e vivenciando-as
como formas de expressão de valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de
respeito à diversidade” (BRASIL, 2018, p. 490). As sete competências devem ser
desenvolvidas tendo como base as 28 habilidades, no qual três delas se relacionam de forma
direta com o objeto de ensino da Educação, sendo elas:

(EM13LGG501) Selecionar e utilizar movimentos corporais de forma consciente e


intencional para interagir socialmente em práticas corporais, de modo a estabelecer
relações construtivas, empáticas, éticas e de respeito às diferenças.
161

(EM13LGG502) Analisar criticamente preconceitos, estereótipos e relações de


poder presentes nas práticas corporais, adotando posicionamento contrário a
qualquer manifestação de injustiça e desrespeito a direitos humanos e valores
democráticos.

(EM13LGG503) Vivenciar práticas corporais e significá-las em seu projeto de vida,


como forma de autoconhecimento, autocuidado com o corpo e com a saúde,
socialização e entretenimento (BRASIL, 2018, p. 495).

Ao analisar essas habilidades, Beltrão (2019, p. 211, grifos nossos) ressalta que:

[...] tais habilidades podem ser desenvolvidas sem, necessariamente, a apropriação


de conhecimentos científicos ou formas mais elaboradas das atividades da cultura
corporal, visto que conhecimentos populares, presentes no cotidiano dos jovens, são
suficientes para tais finalidades [...] Sendo assim, o conhecimento científico e as
formas mais desenvolvidas das atividades da cultura corporal podem ser
secundarizados, prescindidos.

Isso implica, necessariamente, na desvalorização do conhecimento elaborado no


espaço escolar, resultando na oferta de uma formação escolar que não favorece a elevação do
ser social a um patamar superior de desenvolvimento, tendo em vista que para isso é
necessário o acesso ao que há de mais elevado no âmbito do saber científico, filosófico,
artístico e da cultura corporal, no entanto, isso não é possível no interior da sociedade
capitalista, pois como tem defendido Tonet (2016, p. 66-67, grifos do autor) “[...] o pleno
acesso de todos a uma educação da mais alta qualidade possível hoje tem como conditio sine
qua non a superação do capitalismo, logo, a revolução”. Com isso não encontramos a
possibilidade do trabalho realizado no interior da Educação Física no Ensino Médio
consolidar e ampliar as aprendizagens previstas na BNCC do Ensino Fundamental e nem de
contribuir com a luta histórica pela superação dessa forma de sociabilidade.
Dessa forma:

[...] a linguagem corporal, objeto de ensino da educação física adotado nessa


proposta, recebe pouca atenção na BNCC, as habilidades almejadas preterem ou não
exigem os conhecimentos científicos, além de perspectivar para os jovens um
limitado desenvolvimento. Ademais, a destituição dos conteúdos próprios dos
componentes curriculares em função da subordinação ao desenvolvimento de
competências e habilidades, em uma perspectiva que sobrevaloriza o praticismo, o
tácito e o utilitário, como é o caso da BNCC do ensino médio, constitui-se em
barreira para uma formação integral. Ao mesmo tempo, concorre com o
rebaixamento teórico em todas as áreas, inclusive na educação física,
reforçando nesse caso abordagens que secundarizam ou negligenciam a
reflexão sobre a cultura corporal (BELTRÃO, 2019, p. 212-213, grifos nossos).
162

Nesse sentido, Neira (2019, p. 177-178, grifos nossos) contribui afirmando que:

Se o intento da Educação Física na área de Linguagens é tematizar as práticas


corporais, espera-se que o cidadão projetado seja capaz de ler e analisar a ocorrência
social das brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas, reconhecer suas
múltiplas significações e reconstruí-las criticamente. Tanto a BNCC do Ensino
Fundamental quanto a proposta para o Ensino Médio passam ao largo dessas
questões [...] Por tudo isso a BNCC sugere ao professor a direção oposta
daquela que vem tomando a Educação Física contemporânea. A ausência de
criticidade é alarmante. O currículo apresentado volta-se para a conformação e
aceitação de um desenho social injusto [...] Sabe-se que no âmbito das políticas
educacionais a feitura acelerada por um pequeno grupo e sem qualquer debate e
discussão costuma gerar maus frutos. Se por um lado é possível responsabilizar a
pressa, por outro o fortalecimento da dimensão técnica somada à ausência da crítica
leva à conclusão que se trata de mais uma investida dos setores conservadores.

Diante do exposto, fica claro que o novo Ensino Médio visa formar o trabalhador
para se adequar às novas condições de trabalho que demanda a sociedade brasileira no atual
contexto da crise estrutural do capital. Dessa forma, ancorado no discurso dos organismos
internacionais e na teoria da Pedagogia das Competências, o novo Ensino Médio acentua a
hierarquização curricular no interior das escolas, deixando como obrigatório nessa etapa de
ensino apenas Língua Portuguesa e Matemática. Diante desse cenário, a Educação Física,
assim como outras áreas de conhecimento, passou a ocupar um lugar marginal no interior do
currículo escolar, sendo compreendida como uma área de conhecimento de pouca importância
na formação do trabalhador contemporâneo, por contribuir pouco para o desenvolvimento de
competências e habilidades, tendo em vista que a educação do século XXI já não demanda
tanto a força física e a disciplina como a do século XIX, mas sim a capacidade de abstração, o
raciocínio lógico, a crítica, a interatividade, a tomada de decisão, o trabalho em equipe, a
comunicabilidade, a competitividade e a criatividade, conforme tem declarado Nozaki (2004),
conteúdos ligados ao desenvolvimento cognitivo e interacional.

Portanto [...] é possível inferir que a lei n. 13.415/2017, as novas DCNEM e a


BNCC do ensino médio reforçam essas tendências, na medida em que promovem
um estreitamento curricular, o esvaziamento de conteúdos e induzem o ensino
voltado para o desenvolvimento de competências e habilidades. Com efeito,
conhecimentos passam a ser desnecessários e alguns componentes curriculares
dispensáveis para a consecução deste projeto pedagógico. Ao secundarizar, por
exemplo, o acesso ao conhecimento científico, o conteúdo da cultura corporal e
privilegiar o desenvolvimento de competências, de habilidades e de
comportamentos, demonstra-se que o ensino sistematizado nessa proposta não é
considerado imprescindível, quer dizer, o ensino gradativo dos elementos
culturais, socialmente produzidos, em suas formas mais desenvolvidas, são
meios para uma finalidade e, por isso, passíveis de serem substituídos,
dispensados ou excluídos. Somado ao fato da reconhecível inconsistência das áreas
de conhecimento e da fundamentação idealista do objeto de ensino deste
componente curricular, temos como resultado uma proposta curricular que
163

favorece uma formação cada vez mais unilateral. Deste modo, constata-se que a
solução apresentada pela classe dominante em resposta à crise em curso do
capitalismo e, particularmente, aos problemas da educação escolar de nível médio,
consiste em impor barreiras que impedem o desenvolvimento pleno da maioria da
população e, consequentemente, do próprio gênero humano, ao não aproveitar e
potencializar as possibilidades existentes; consiste em implementar uma educação
que tendencialmente aliena os sujeitos das objetivações humanas mais elaboradas.

Desse modo, contata-se que o novo Ensino Médio busca ofertar uma educação
centrada nas novas necessidades do mercado de trabalho, estando alinhado aos valores que
são necessários para a manutenção e a reprodução da sociedade capitalista e das relações do
capital, com a oferta de uma educação cidadã, tendo como horizonte a emancipação política,
compatível com a manutenção do status quo. No entanto, cabe esclarecer que a emancipação
política não representa o patamar mais elevado possível da liberdade humana e nem pode
favorecer a construção de uma realidade objetiva capaz de possibilitar para os indivíduos o
acesso aos bens, materiais e espirituais, necessários para o pleno desenvolvimento do ser
social. Por conseguinte, reconhecemos, a partir dos escritos de Tonet (2005, 1016), que uma
atividade formativa que pretenda contribuir para o pleno desenvolvimento dos indivíduos e a
construção de uma sociedade plenamente livre deve estar articulada com a emancipação
humana e não com a emancipação política como é o caso do novo Ensino Médio.
Diante desse cenário, julgamos necessário construir ações contra hegemônicas no
âmbito da educação de forma geral e, também, no interior da Educação Física escolar,
fundamentada na necessidade histórica da cultura corporal na formação humana, conforme
tem defendido (MELLO, 2014). Para isso, não podemos perder de vista a necessidade
histórica de superação da sociedade capitalista e chegada dos homens à emancipação humana,
isto é, a uma sociedade comunista, tendo como base de organização dessa nova forma de
sociabilidade o trabalho associado, com a produção voltada para atender as necessidades
humanas e não as necessidades de reprodução do capital. Nesse sentido, apresentamos alguns
apontamentos que dizem respeito à práxis docente desenvolvida pelo professor de Educação
Física no atual contexto da crise estrutural do capital. Antes disso, concluímos essa seção
fazendo alguns esclarecimentos necessários para que o leitor possa compreender o porquê de
nos ancoramos nas atividades educativas emancipadoras para fundamentar uma proposta de
resistência ativa contra a educação e a sociedade burguesa nas condições históricas atuais.
Dessa forma, cabe relembrarmos que no interior das sociedades de classes, como
é o caso do Brasil, encontramos duas classes diferentes e antagônicas, que buscam no
contexto da luta de classes afirmarem o seu projeto histórico de sociedade. De um lado, temos
a classe dominante que defende a manutenção da sociedade vigente e as relações de
164

dominação e de exploração do homem pelo homem, condição necessária para que ela possa se
manter no poder e reproduzir os seus privilégios de classe. Por outro lado, nos deparamos
com a classe trabalhadora, que está submetida às relações de dominação e de exploração,
sendo esta a classe responsável por produzir toda a riqueza social, sem que ela possa se
apropriar, de forma plena, dos bens por ela produzidos por meio do seu trabalho realizado.
Nesse contexto, o projeto de sociedade que orienta a luta da classe trabalhadora não
dialoga com a organização social defendida pela classe dominante, uma vez que apenas a
superação da ordem capitalista por outra forma de sociabilidade superior a esta é que pode
garantir condições dignas de existência para toda a humanidade (TONET, 2016). Diante
disso, percebe-se que o antagonismo existente entre essas duas classes se manifesta no interior
dos diferentes complexos sociais, o que é visto como uma vantagem para a classe dominante,
tendo em vista que o Estado, o direito, à educação, à Educação Física, a política e outras
dimensões da vida humana são geridos por esta classe social.
Desse modo, estes complexos sociais são organizados de tal forma que os interesses
da classe dominante sejam atendidos, possibilitando que os seus ideais sejam afirmados
socialmente. Como isso é possível? Certamente, por meio da reprodução do seu discurso
ideológico, que tem como função social inculcar na classe trabalhadora uma representação
ilusória das condições sociais concretas, sendo, assim, ocultada a realidade social e os
embates em torno da luta de classes. Nesse sentido, podemos afirmar que a classe dominante
propaga socialmente um conteúdo falso da realidade, que leva até mesmo a classe
trabalhadora, em alguns casos, a defender os interesses da classe que, historicamente, lhe
explora. Nesse sentido, Marx e Engels (2007, p. 47, grifos dos autores) ressaltam que:

As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a


classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força
espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção
material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão
submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais
faltam os meios da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada mais do
que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais
dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que
fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação.

Esse é um cenário permanente no capitalismo? Consideramos que sim, pois é da


natureza desse sistema garantir a hegemonia da classe dominante. E quando essa hegemonia é
posta em ameaça, como encontramos no atual contexto da crise estrutural do capital, novas
formas são organizadas para favorecer os interesses da classe dominante e a manutenção
165

dessa forma de sociabilidade. Como resultado, as relações de exploração do homem pelo


homem são ampliadas, assim como a precarização do trabalho, o desemprego, a violência, a
defesa da propriedade privada, a miséria e a devastação do meio ambiente, atingindo, dessa
forma, o conjunto da humanidade e os diferentes complexos sociais.
Diante disso, vale, agora, um questionamento: É possível ser implementado no
interior do capitalismo, isto é, da sociedade brasileira, uma pedagogia socialista, voltada para
a orientação das práticas educativas concretas em direção à emancipação humana?
Consideramos que essa é uma questão cara para os professores que se ancoram na teoria
marxiana e lutam pela superação dessa forma de sociabilidade. Entendemos, também, que a
resposta para essa pergunta carece de uma análise concreta do complexo da educação, sendo
os pressupostos que aqui nos ancoramos os mais indicados para que o objeto investigado seja
traduzido como ele é na sua essência real e não dentro de uma perspectiva idealista.
Consideramos, neste texto, pedagogia como uma teoria da educação, capaz de
orientar a prática educativa com vistas a alcançar os fins propostos por determinada classe
social, contendo no seu interior uma concepção de homem, de sociedade e de educação,
podendo ser conservadora ou revolucionária. Conforme já relatamos, a disputa pela
hegemonia de uma classe sobre a outra também se manifesta no interior do complexo da
educação. Ciente disso, alguns autores buscaram elaborar uma teoria da educação, tendo
como base os escritos de Marx e Engels, perspectivando, como isso, criar uma pedagogia
socialista, capaz de atender os interesses da classe trabalhadora. Aqui no Brasil, autores como
Paulo Freire, Libâneo, Saviani e o Coletivo de Autores elaboraram, cada um de seu modo,
uma pedagogia socialista, dando origem, respectivamente, à Pedagogia Libertadora, a
Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, à Pedagogia Histórico-Crítica e, no âmbito da
Educação Física, à Pedagogia Crítico-Superadora. Isso leva-nos a responder a pergunta
realizada logo acima: Com base na realidade concreta, consideramos que não é possível ser
implementado no interior do capitalismo uma pedagogia socialista, voltada para a orientação
das práticas educativas em direção à emancipação humana, pois para isso é preciso uma outra
realidade objetiva, em outras palavras, a superação da sociedade capitalista.
Essa afirmação pode ser recebida com muita estranheza por alguns professores, mas
preferimos isso a escrever um texto que não dialogue com a realidade concreta do complexo
da educação e da Educação Física no atual contexto da crise estrutural do capital. Dito isso, é
preciso que fique claro para o leitor que essa discussão assume o ponto de vista ontológico e
não gnosiológico, e que os pressupostos aqui defendidos não vão ao encontro de uma
perspectiva crítico-reprodutivista da educação e da Educação Física, a qual considera que a
166

função social da educação escolar é apenas reproduzir as relações e as ideologias capitalistas.


Posto isso, buscaremos fundamentar, nos parágrafos abaixo, o nosso ponto de vista.
Para iniciar, é preciso destacar que o que esses autores que elaboraram uma
pedagogia socialista têm em comum, além de se referenciarem no marxismo, é que para eles
os países chamados de socialistas eram realmente socialistas, embora com muitas
deficiências, limitações e deformações (TONET, 2016). No entanto, partindo da análise do
trabalho como categoria fundante do ser social e de qualquer outra forma de sociabilidade que
possa existir, é possível afirmar que não tivemos ainda uma sociedade socialista, uma vez que
o trabalho assalariado, isto é, abstrato, presente no capitalismo, não foi substituído por uma
outra forma de trabalho, responsável por fundar um novo modo de produção.
Em torno dessa discussão, Tonet (2016, p. 38) reitera que:

Esse é o pano de fundo para a elaboração teórica que, partindo dos textos de Marx e
assumindo aquele pressuposto de que o socialismo estava efetivamente sendo
construído, buscava traduzir praticamente aquelas orientações em um conjunto de
diretivas para uma educação de caráter socialista. Uma das peças-chave desse
pressuposto era a questão da relação entre trabalho e educação. A superação da cisão
– típica da sociedade burguesa – entre trabalho manual e trabalho intelectual seria de
absoluta importância, dada a relevância do trabalho. Ora, a superação dessa cisão
parecia estar sendo possibilitada exatamente pelo que se considerava ser a nova
forma do trabalho em andamento nesses “países socialistas”.

Com base em Tonet (2016), percebe-se, então, que há uma interpretação equivocada
por parte desses autores em torno do que realmente tenha acontecido nos países chamados
socialistas. Apesar disso, temos ciência de que não é justo condenarmos em sua totalidade as
produções desses autores, pois elas trouxeram contribuições importantes para a discussão em
torno das teorias da educação e da Educação Física no Brasil. Foi por intermédio delas que
muitos professores passaram a compreender melhor a organização da sociedade atual.
Todavia, embora as suas contribuições sejam relevantes, é preciso que fique claro que essas
pedagogias não encontram condições objetivas para serem desenvolvidas no interior de uma
sociedade capitalista como é o caso da sociedade brasileira.
A respeito disso, Tonet (2016, p. 41-42, grifos nossos) aponta três razões:

Primeira: se tomarmos o conceito de socialismo como sinônimo de comunismo,


então uma pedagogia socialista (comunista) só poderá existir em uma sociedade
comunista. Acerca desta, podemos, neste momento, traçar os parâmetros essenciais,
pois estes têm a sua base nas categorias do trabalho, em sentido ontológico, e do
trabalho associado, cujos elementos nucleares podem ser abstraídos desde hoje do
processo real. Não podemos, todavia, e nem faria sentido, pretender explicitar como
ela seria em sua concretude. Só com a vigência efetiva do trabalho associado se
poderá concretizar uma pedagogia socialista. A meu ver, isso é comprovado até
167

por todos aqueles teóricos da educação que tomaram como pressuposto o


trabalho nos países ditos socialistas. Foi exatamente por pressuporem que
aquela forma de trabalho era, ainda que incipientemente e com muitas
limitações, o embrião do trabalho associado que eles desenvolveram uma
pedagogia que pretendiam que fosse socialista.

Segunda: se tomarmos o conceito de socialismo como expressando o momento de


transição entre capitalismo e comunismo, após da quebra do poder político da
burguesia, então estaremos um pouco mais próximos do processo concreto visto que
há elementos que podem ser abstraídos das tentativas revolucionárias socialistas e
auxiliar na elaboração pedagógica. Vai, aqui, no entanto, uma observação
importantíssima: todas essas tentativas revolucionárias realizaram, quando
muito, apenas o primeiro momento da revolução, ou seja, a quebra do poder
político (Estado) da burguesia, mas, por circunstâncias que, por brevidade, não
posso mencionar aqui, se viram impedidas de prosseguir em direção ao
segundo. Como sabemos, desde Marx, o segundo e essencial momento da revolução
é exatamente a entrada em cena do trabalho associado, ou seja, uma transformação
no processo de trabalho que faça avançar a produção no sentido do valor de uso e
retroceder o valor de troca. Por isso mesmo, essas tentativas revolucionárias não
foram, a meu juízo, revoluções efetivamente socialistas. Vale lembrar: supressão
político-jurídica da propriedade privada, planejamento centralizado da economia,
autogestão das fábricas e outros locais de produção, trabalho cooperativo, nada disto
configura trabalho associado. Por isso mesmo, qualquer elaboração teórica que
pretenda levar em consideração essas experiências para construir uma
pedagogia socialista (transição) deve ser extremamente cuidadosa. Como
aquelas sociedades não eram de fato socialistas e nem sequer em transição para
o comunismo, no que toca ao essencial (o trabalho associado), é impossível
extrair delas mais do que elementos tópicos para essa elaboração.

Terceira: se levarmos em conta o momento atual, ou seja, um momento em que


ainda não se efetivou nem sequer o primeiro passo da revolução socialista, então, a
meu ver, é preciso considerar com seriedade essa situação concreta. Ora, o que ela
nos diz? Em primeiro lugar, que a educação é organizada, em sua forma e em
seus conteúdos, para atender, prioritária e majoritariamente, os interesses do
capital. O papel principal nessa organização cabe ao Estado. Este, por sua vez,
não importa quantas e quais formas assuma é, em sua essência, um instrumento
a serviço do capital. O Estado tem uma dependência ontológica em relação ao
capital como já asseverava Marx, com toda clareza, nas Glosas críticas. Leis,
normas, organização, conteúdos gerais, currículos, procedimentos pedagógicos tudo
isso está sob a égide, direta ou indireta, do Estado, mesmo quando, de alguma
forma, como na chamada “Pedagogia da Terra” e outras propostas progressistas, se
pretende fugir a esse controle.

Logo, constata-se que as pedagogias socialistas não dialogam com as condições


objetivas encontradas no interior do sistema capitalista. Isso nos remete a analisar o ponto de
vista que foi assumido por esses autores ao elaborarem essas teorias, que nos parece ter sido o
gnosiológico e não o ontológico, tendo em vista que a voz dos sujeitos se sobrepõe a realidade
do complexo da educação e da Educação Física na sociedade atual. Portanto, corroboramos
com Tonet (2016, p. 39) quando afirma que as propostas elaboradas por estes autores “[...]
esbarram na realidade objetiva. Ora, de algum modo, isto é exatamente o que define o
idealismo: a regência da subjetividade sobre a realidade objetiva”.
168

Devemos, de agora em diante, acreditar que não é possível a educação e a Educação


Física escolar contribuir para a superação do capitalismo? Esta dissertação não busca
fomentar o imobilismo e nem um pensamento derrotista. Ao contrário disso, defendemos a
análise da realidade objetiva como ela é. Com isso, passamos a compreender que não é
possível no interior do atual sistema ser implementada uma pedagogia emancipadora,
libertadora, crítica e revolucionária, que possa contribuir com o processo de superação dessa
forma de sociabilidade. Sendo assim, acreditamos que qualquer proposta – sistematizada –
que se proponha a isso, no atual contexto da crise estrutural do capital, estará fadada ao
fracasso.
Isso se justifica pelo fato de as pedagogias socialistas terem no seu interior uma
metodologia própria de ensino, uma concepção de currículo, de homem, de sociedade, de
trabalho, de avaliação e de organização do fazer docente que não dialoga com os interesses do
Estado e com a formação escolar que é necessária para a reprodução do sistema capitalista e
das relações do capital. Diante disso, abordaremos, na subseção posta logo abaixo, as
possibilidades reais que encontramos no interior da escola brasileira para a realização de uma
práxis educativa que esteja direcionada para a superação dessa forma de sociabilidade, tendo
em vista que o contexto atual reforça a necessidade de um trabalho docente que conjecture a
transformação estrutural da sociedade capitalista e a construção de uma nova forma de
sociabilidade: justa, humana e igualitária. Para isso, tomamos como base as atividades
educativas emancipadoras formuladas por Ivo Tonet (2005, 1016) para discutirmos como a
Educação Física escolar pode contribuir com a luta histórica pela superação da sociedade
capitalista e a construção de uma sociedade, verdadeiramente, emancipada.

4.3.1 Atividades educativas emancipadoras e a Educação Física escolar

As atividades educativas emancipadoras que abordaremos nesta subseção não


carregam no seu interior uma ligação com a Pedagogia Crítico-Emancipatória defendida, no
âmbito da Educação Física, por Kunz (2014). Embora não se constitua como uma pedagogia,
as atividades educativas emancipadoras se relacionam com os interesses da classe
trabalhadora e com a luta histórica pela superação da sociedade capitalista. Diferente disso, o
próprio Kunz (2014) confirma que a sua teoria busca contribuir com as reflexões e as
produções didático-pedagógicas da Educação Física, sem grandes pretensões em relação à
resolução dos problemas da área, muito menos com os problemas da sociedade e do mundo.
Nesse sentido, na obra de Kunz, a emancipação é compreendida apenas como:
169

[...] o processo que media o uso da razão crítica e todo o seu agir social, cultural e
esportivo, desenvolvidos pela educação. Ao induzir à autorreflexão, esta deverá
possibilitar aos alunos um estado de maior liberdade e conhecimento de seus
verdadeiros interesses, ou esclarecimento e emancipação, entendida como o
processo de libertar o jovem das condições que limitam o uso da razão crítica e
todo o seu agir social, cultural e esportivo que se desenvolve pela educação. A
emancipação só é possível quando os agentes sociais, pelo esclarecimento,
reconhecerem a origem e os determinantes da dominação e da alienação
(TAFFAREL; MORSCHBACHER, 2013, p. 49-50, grifos nossos).

Dessa maneira, constata-se que a concepção de emancipação presente na teoria de


Kunz (2014) tem como base teórica os escritos de Habermas. Assim, não encontramos no
interior da Pedagogia Crítico-Emancipatória um projeto de Educação Física que vislumbre a
transformação estrutural da sociedade capitalista, apenas a emancipação do sujeito a partir do
processo de libertação das condições que limitam o uso da razão crítica. Por outro lado, as
atividades educativas emancipadoras se ancoram na teoria marxiana e defendem a
emancipação humana, se contrapondo, portanto, à emancipação política que é conservadora e
reacionária, sendo esta amplamente defendida pela classe dominante.
É preciso que fique claro que a emancipação humana é, para Marx (2010), o mesmo
que comunismo, ou seja, uma nova forma de sociabilidade em que a produção material da
existência humana passa a ser organizada a partir do trabalho associado, superando, assim, as
relações postas pelo trabalho alienado. Com isso, as forças produtivas e as relações de
produção passam a estar voltadas para satisfazerem as necessidades humanas e não as que são
necessárias para a reprodução do capital. Nesse contexto, podemos afirmar, com base em
Marx (1985), que o trabalho abstrato, produtor de valores de troca, passa a desaparecer,
cedendo espaço para o trabalho concreto, produtor de valores de uso.
Em caráter de síntese, a emancipação humana pode ser entendida como:

Uma forma de sociabilidade que, por estar baseada no trabalho associado, portanto
livre de toda exploração e dominação do homem sobre o homem, produtor de
riqueza abundante, em quantidade e qualidade, permitirá a todos os indivíduos
desenvolverem, da melhor maneira possível, suas mais variadas potencialidades.
Essa seria a forma mais elevada possível da sociabilidade e da liberdade humana.
Como ainda diz Marx, seria a articulação entre o “reino da necessidade” (que, para
ele, ainda é o trabalho associado) e o “reino da liberdade” (o tempo livre). Essa
forma de sociabilidade implica, necessariamente, a superação radical de todas
as categorias (econômicas, políticas, ideológicas e sociais) que perfazem o modo
de produção capitalista (TONET, 2016, p. 170, grifos nossos).

A respeito disso, cabe esclarecer uma questão: A superação do capitalismo por uma
sociedade comunista é uma possibilidade real ou idealista? A partir dos acontecimentos
históricos reais, que levaram a passagem do feudalismo para o capitalismo, podemos afirmar
170

que é uma possibilidade real e não apenas idealista como defende a classe dominante. Esse
fato comprova que a realidade é construída histórica e socialmente pelas ações humanas.
Logo, como foi possível a transição do feudalismo para o capitalismo, também, é possível a
transição dessa sociedade para uma forma de sociabilidade na qual os homens e as mulheres
poderão ser realmente livres e iguais, isto é, uma sociedade comunista.

A construção desta forma de sociedade implicará um duro e complexo processo de


lutas do proletariado e seus aliados (outras classes ou segmentos de classe que
possam ser atraídos) contra a burguesia e também seus aliados; lutas essas que se
darão nos mais variados campos – econômico, político, social e ideológico
(TONET, 2016, p. 172, grifos nossos).

É nesse contexto que as atividades educativas emancipadoras são vistas como um


instrumento de grande importância para a classe trabalhadora, uma vez que elas se relacionam
com os seus interesses sociais. Mas o que é, realmente, uma atividade educativa
emancipadora? Podemos afirmar, com base em Tonet (2005, 2016), que é uma atividade que
está articulada, de modo direto ou indireto, com a superação do capitalismo e a construção de
uma sociedade comunista. Essas atividades, embora de forma limitadas no interior da
sociedade capitalista, podem ser desenvolvidas em vários espaços, sendo o foco dessa
discussão a práxis educativa desenvolvida pelo professor de Educação Física na escola.
Nesse sentido, uma práxis educativa que esteja ancorada nessa concepção é
radicalmente crítica e revolucionária, diferenciando-se, portanto, de qualquer perspectiva
reformista que, de forma consciente ou inconsciente, passa a defender uma educação cidadã,
compatível apenas com a manutenção do capitalismo e a reprodução da emancipação política.
Sendo assim, a partir dos espaços encontrados na Educação Física escolar, o professor deve
buscar possibilitar aos alunos o acesso a um conhecimento de caráter revolucionário,
trabalhando os conteúdos da área por meio de uma abordagem histórico-ontológica da
cultura corporal, buscando desvendar as contradições da sociedade capitalista.
Somente o acesso aos conhecimentos científicos, artísticos, filosóficos e da cultura
corporal em sentido estrito dentro de uma perspectiva revolucionária é que pode possibilitar a
compreensão da realidade social como ela é verdadeiramente, além de contribuir para a
formação de sujeitos que pensem para além do capital, como tem defendido Mészáros (2008).
Nesse viés, cabe destacar que apenas a classe trabalhadora se interessa pela verdade. Ao
contrário disso, a classe dominante se interessa em ocultar a verdade presente na realidade
social, pois isso é uma condição necessária para que ela possa se manter no poder, garantindo,
assim, a manutenção do capitalismo e a reprodução dos seus privilégios de classe.
171

Nessa perspectiva, Tonet (2014, p. 177, grifos nossos) acrescenta que:

A classe trabalhadora tem necessidade de um conhecimento de caráter


revolucionário, isto é, de um conhecimento que lhe permita compreender o
conjunto do processo histórico de tal modo que ela se veja como sujeito capaz
de transformar radicalmente o mundo. Portanto, de um conhecimento que esteja,
por sua própria configuração, intimamente articulado com a transformação radical
do mundo. Esta compreensão não lhe é, de modo algum, fornecida pelo simples
acesso ao conhecimento sistematizado. Este simples acesso contribuirá, no
máximo, para uma formação de alto nível, mas conservadora.

Não se trata aqui de politizar todos os conteúdos da área, possibilitando a perda da


especificidade da Educação Física no espaço escolar que, para esta concepção, é introduzir os
alunos no universo da cultura corporal em sentido estrito, tendo como objetivo final a
emancipação humana. Logo, defendemos que as diferentes práticas corporais, elaboradas
historicamente pela humanidade, sejam trabalhadas dentro de uma perspectiva teórica e
prática. Temos ciência que isso sempre se dará de forma precária no interior do capitalismo.
Isso porque a Educação Física, enquanto uma dimensão da vida humana, necessária para a
formação do ser social, é inferiorizada no currículo escolar e na formação humana, conforme
podemos constatar ao longo da discussão levantada neste capítulo.
É preciso que fique claro que as possibilidades encontradas no atual contexto da crise
estrutural do capital para o desenvolvimento das atividades educativas emancipadoras são
reduzidas. Todavia, no momento hodierno, qualquer atividade revolucionária encontra
barreiras no seu desenvolvimento, seja dentro ou fora do espaço escolar. Isso ocorre porque
todas as dimensões da vida humana estão organizadas de tal forma que os interesses do capital
sejam defendidos e não combatidos. No entanto, não podemos cair no imobilismo e pensar
que nada pode ser realizado, tendo em vista que o capitalismo, dado as suas contradições,
acaba abrindo alguns espaços para uma práxis educativa revolucionária.
São nesses momentos que as atividades educativas emancipadoras encontram
pequenas oportunidades para serem trabalhadas no interior da escola capitalista. É preciso
enfatizar que se procurarmos uma didática das atividades educativas emancipadoras propostas
por Tonet (2005, 2006) não encontraremos. Elas carregam, no seu interior, uma abordagem –
filosófica – e não metodológica como as pedagogias socialistas. Isso não significa que
estamos afirmando que as teorias socialistas não possuem uma base de sustentação filosófica,
pois já discutimos esse aspecto e ficou evidente onde elas se ancoram. Nesse sentido, Rossi
(2018, p. 52, grifo do autor) contribui afirmando que:
172

[...] se buscarmos bases, programas, conteúdos, currículos e “uma didática” das


atividades de cunho emancipador como debatido por Tonet, a investigação já está
‒ desde o início – fadada ao fracasso. Não há uma “receita de bolo”; “palavra
mágica” ou “didática” presente na obra deste autor no que concerne ao debate sobre
o complexo da educação. Há, todavia, uma análise crítica e revolucionária de cunho
histórico-ontológico (claramente a partir da ontologia marxiana), isto é, uma
análise da educação em meio a um “complexo de complexos” no ser social que se
articula a esta totalidade, tendo no trabalho sua categoria fundante.

Mas, então, o que propõe Ivo Tonet? De forma honesta e cautelosa e tomando como
ponto de partida as atuais condições históricas, Tonet propõe cinco requisitos para uma
atividade educativa que pretenda contribuir para a emancipação humana. Dessa forma, não
encontramos na obra desse autor uma proposta didática, uma concepção de currículo e nem de
avaliação da aprendizagem sistematizada, mas sim uma concepção de sociedade e de
desenvolvimento social que orientam a práxis educativa dos professores no sentido
revolucionário. Posto isso, abordaremos os cinco requisitos que são necessários para a
realização de uma atividade educativa emancipadora na Educação Física escolar.
O primeiro requisito é o professor ter como fim maior da educação e da Educação
Física a emancipação humana, isto é, a superação do capitalismo e a construção de uma
sociedade comunista. Temos ciência de que considerar apenas isso como suficiente para a
obtenção de êxito com o que se pretende com a ação educativa é um equívoco, porém, não
podemos negar que a falta de clareza nesse objetivo, certamente, levará ao fracasso da
atividade. “Nesse caso, o domínio amplo e aprofundado a respeito do fim que se quer atingir é
apenas um dos momentos – da mais alta importância, sem dúvida – de que é preciso
apropriar-se para conferir a ação educativa um caráter emancipador” (TONET, 2005, p.231).
Para definir isso com clareza, o professor de Educação Física precisa conhecer o
processo histórico desde as suas origens até os dias atuais, tomando como ponto de partida o
trabalho enquanto a categoria fundante do ser social e de qualquer forma de sociabilidade que
possa existir. Nesse sentido, apenas os fundamentos ontológicos elaborados por Marx e
Engels podem possibilitar uma compreensão sólida da histórica da humanidade, uma vez que
os seus fundamentos embasam uma concepção materialista da história, possibilitando que os
professores compreendam que a realidade é construída histórica e socialmente pelos homens e
não por forças divinas. Portanto, a construção de uma sociedade comunista é uma
possibilidade real e não idealista como defendem a burguesia.
Desse modo, cabe aos professores de Educação Física:
173

A correta compreensão, pelo menos em seus elementos fundamentais, do que


será, se vier a existir, uma sociedade comunista, é de fundamental importância
para evitar as idealizações e as imprecisões. Infelizmente, por uma série de
circunstâncias históricas, o ideário comunista foi profundamente deformado e
deturpado, tanto teórica como praticamente. Desse modo, o resgate de sua
integridade é necessário para que possa ser assumido como um objetivo digno de ser
perseguido. Assim como o capitalismo exige a internalização de ideias, valores e
comportamentos adequados à sua reprodução, também a construção de uma
sociedade comunista demanda que as pessoas se convençam da superioridade dessa
forma de sociabilidade sobre a atual sociedade. Uma fundamentação sólida dessas
convicções tem que tomar como ponto de partida a categoria do trabalho e
compreender como, a partir dela, originam-se todas as outras dimensões da
vida social. O exame do processo histórico, a começar por essa categoria,
mostraria que toda forma de sociabilidade teve, como seu fundamento, uma
determinada forma de trabalho. O trabalho de coleta fundou a sociedade em sua
forma primitiva, o trabalho escravo fundou a sociedade escravista, o trabalho servil
fundou a sociedade feudal e o trabalho assalariado fundou e continua a fundar a
sociedade capitalista. Desse modo, a sociedade comunista também deverá ter
uma determinada forma de trabalho como o seu fundamento. Este é o trabalho
associado, uma forma de trabalho em que os produtores controlam de forma, livre,
consciente, coletiva e universal o processo de produção da riqueza material e, a
partir daí, o conjunto do processo social (TONET, 2016, p. 182-183, grifos nossos).

Uma vez incorporada essa concepção de mundo histórico-materialista, o educador


estará livre das falsas ontologias e das explicações ideológicas que buscam explicar a origem
e o desenvolvimento da humanidade partindo do universo. Isso porque a análise marxiana faz
um movimento inverso, ela parte da terra, deixando claro que a realidade é fruto de um
processo histórico e social, portanto, produzida pelos homens de “carne e osso”. Diante disso,
é preciso recorrer aos escritos de Marx e Engels sem preconceitos, pois não é possível
alcançar a emancipação humana se ancorado em pressupostos burgueses; estes, como já
mencionado, são apenas conservadores e reacionários, compatíveis apenas com a
emancipação política.
O segundo requisito dialoga com o primeiro, pois ele faz referência ao fato de o
professor de Educação Física precisar conhecer a origem e a natureza da sociedade capitalista,
isto é, compreender o processo histórico real. Ora, o objetivo maior da Educação Física, a
emancipação humana, passa a ter mais sentido quando o professor compreende de forma clara
as mazelas que são geradas pelo conjunto das relações capitalistas. Nesse contexto, o
entendimento das relações de dominação, de exploração e dos danos do trabalho alienado para
a autoconstrução do homem é de suma importância. Isso leva o educador a identificar a real
necessidade do capitalismo ser superado enquanto um modo de produção.
Nessa perspectiva, Ivo Tonet (2005, p. 232) destaca que:

Uma ação educativa eficaz – em direção ao fim proposto – tem que nutrir-se de um
conhecimento efetivo do processo real. É necessária uma compreensão, o mais
174

ampla e profunda possível, da situação do mundo atual; da lógica que preside


fundamentalmente a sociabilidade regida pelo capital; das características essenciais
da crise por que passa esta forma de sociabilidade; das consequências que daí advêm
para o processo de autoconstrução humana; da maneira como esta crise se manifesta
nos diversos campos da atividade humana: na economia, na política, na ideologia, na
cultura, na educação; e também da forma como esta crise se apresenta na realidade
nacional e local. Isto supõe, por parte de quem faz a educação, uma frequência
constante e intensa ao saber produzido pelas ciências sociais.

O terceiro requisito diz respeito ao professor de Educação Física ter conhecimento


da natureza essencial da educação e da Educação Física, bem como a função que esses dois
complexos sociais podem exercer na construção de uma nova sociedade. Como já afirmamos,
essas duas dimensões da vida humana não ocupam a centralidade ontológica no processo de
transformação estrutural da sociedade, essa centralidade pertence ao complexo fundante do
ser social que é o trabalho. Isso nos leva a afirmar, com base em Lukács (2013), que o
trabalho é o modelo de toda práxis social, de todo o comportamento humano, e que este
apresenta no seu interior dois tipos de posições teleológicas: a primária e a secundária.
A posição teleológica primária diz respeito ao intercâmbio material do homem
com a natureza para extrair dessa atividade os elementos necessários para a satisfação das
necessidades humanas, transformando objetos naturais em valores de uso. Por outro lado, a
posição teleológica secundária é aquela que visa desenvolver novas formas de comportamento
humano, influenciando os homens a realizarem determinadas posições. A partir da educação e
da Educação Física é possível realizar um pôr teleológico secundário, que não está ligado à
transformação da natureza, mas sim em uma intervenção sobre a consciência de outros
homens, buscando interferir no seu comportamento e na forma de pensar.
Dito isso, passaremos, agora, a esclarecer qual é a natureza da educação e da
Educação Física, tomando como ponto de partida os pressupostos de natureza ontológica e
não as determinações da sociedade capitalista, tendo em vista que para a classe dominante a
educação e a Educação Física não podem se constituir como uma mediação para a
emancipação humana, uma vez que estes complexos estão subordinados aos interesses do
capital, portanto, voltados para a reprodução dessa forma de sociedade. Assim, buscaremos
esclarecer a natureza da educação e da Educação Física, mesmo que de forma breve, partindo
do entendimento do trabalho enquanto complexo fundante do ser social. Diante disso, o que
nos interessa acentuar, aqui, é que sendo o trabalho:

[...] por sua própria natureza, uma atividade social, ainda que em determinados
momentos possa ser realizado isoladamente, sua efetivação implica, por parte do
indivíduo, a apropriação dos conhecimentos, habilidades, valores, comportamentos,
objetivos, etc., comuns ao grupo. Somente assim o ato do trabalho poderá realizar-
175

se. Esta apropriação tem dois aspectos fundamentais: um, voltado para o indivíduo;
outro, voltado para a comunidade. No que toca ao indivíduo, ela é uma necessidade
imprescindível para sua configuração como membro do gênero humano e não
apenas como integrante da espécie (TONET, 2012, p. 212-213).

A partir dessa citação, é preciso esclarecer que os seres humanos não nascem com
uma carga genética responsável por garantir de forma plena e acabada todos os
conhecimentos e as habilidades necessárias a sua existência, da concepção à morte, como
ocorre com os demais animais. Isso significa que precisamos incorporar, a partir das
interações estabelecidas com a natureza e com os outros seres humanos, um conjunto de
conhecimentos que são responsáveis por orientar o ato do trabalho para a garantia da
existência humana, bem como por tornar o indivíduo como membro partícipe do gênero
humano. Por isso, podemos afirmar que o ser humano tem uma necessidade ontológica de ser
educado, para que por meio dessa mediação ele possa se desenvolver como ser social. Nesse
sentido, a natureza da educação é possibilitar que os sujeitos possam “Apropriar-se do
patrimônio genérico – conhecimentos, habilidades, valores – é condição imprescindível para
que o indivíduo singular possa se transformar em membro efetivo do gênero humano”
(TONET, 2016, p. 63).
Posto isso, resta-nos, agora, esclarecer a natureza da Educação Física. Inicialmente é
preciso que os professores entendam que ela é uma prática educativa, sendo, portanto, um
complexo social e um momento necessário na formação do ser social (MELLO, 2014;
OLIVEIRA, 2022). Já está claro que os indivíduos precisam incorporar os saberes culturais
que são essenciais à humanização do homem, porém, é preciso destacar que isso não exclui as
práticas corporais que integram a cultura corporal em sentido estrito, pois a sua incorporação
também é necessária para a formação do indivíduo como membro pertencente ao gênero
humano, pois do trabalho e pelo trabalho foi originado a cultura corporal em sentido lato e em
sentido estrito que precisa ser ensinada para o conjunto da humanidade.
Podemos afirmar que a natureza da Educação Física é similar a da educação, uma
vez que ela se constitui como uma prática educativa, na qual tematiza de forma específica a
cultura corporal em sentido estrito, sendo, assim, uma das mediações necessárias para a
formação do ser social. Essa formação, no momento atual, é sempre precária e a natureza
empregada a esses dois complexos sociais se articula com a reprodução da sociedade
capitalista. Desse modo, apenas uma compreensão da natureza da educação e da Educação
Física que leve em consideração os fundamentos ontológicos é que pode orientar uma práxis
educativa revolucionária, voltada para a emancipação humana.
176

O quarto requisito diz respeito ao professor de Educação Física ter domínio dos
conteúdos específicos da cultura corporal em sentido estrito. Com isso não queremos afirmar,
de modo algum, que o professor tenha que ser um atleta, um ginasta, um lutador ou um
dançarino, mas sim que domine os conhecimentos da área que são necessários para a
formação dos alunos. É válido destacar que essa concepção não tem como objetivo final o
rendimento técnico-esportivo84, mas sim a emancipação humana. Destarte, os jogos, as
danças, as lutas, as ginásticas, os esportes e outras práticas corporais são trabalhados
buscando alcançar esse fim, desenvolvendo novos valores que contribuam para a formação de
uma nova sociedade. Ao tratar sobre esse requisito, Tonet (2005, p. 234) ressalta que:

[...] de nada adianta, para as classes populares, que o educador tenha uma posição
política favorável a eles se tiver um saber medíocre, posto que a emancipação da
humanidade implica na apropriação do que há de mais avançado em termos de saber
e de técnica produzida até hoje.

O domínio dos conteúdos específicos da Educação Física é de suma importância,


mas para o desenvolvimento de uma práxis educativa emancipadora o ensino dos elementos
da cultura corporal tem que estar articulado com a prática social dos alunos, sendo os
conteúdos de ensino uma mediação para o movimentar-se consciente e a compreensão crítica
das contradições do capitalismo e da sua ameaça para a existência da humanidade. À vista
disso, a partir de Tonet (2005) podemos afirmar que o momento predominante, mas não
único, que faz de um professor de Educação Física um educador emancipador “[...] não está
no seu compromisso político, mas no seu domínio do saber e da difusão do conteúdo
específico e de um modo que sempre estejam articulados com a prática social”.
O quinto e último princípio de uma atividade educativa emancipadora na Educação
Física escolar consiste na articulação da práxis educativa com as lutas da classe trabalhadora.
Isso porque essa classe ocupa uma posição decisiva na estrutura produtiva, porque é ela que
produz todos os bens materiais no interior da sociedade capitalista, no qual esses bens estão
voltados para a satisfação das necessidades do capital e não para as necessidades humanas
como será em uma sociedade comunista. Essa articulação é necessária, visto que apenas o
projeto histórico de sociedade defendida pela classe trabalhadora é que pode garantir
condições dignas de existência para toda a humanidade.

84
Isso não significa, de forma alguma, que questões técnicas e táticas serão elementos negados nas aulas de
Educação Física, mas sim que serão trabalhadas e contextualizadas a partir dos diferentes espaços de atuação do
ser social como o trabalho, o lazer e a prática esportiva. Entendemos que o gestor motor, a técnica, é uma
construção cultural, sendo, ontologicamente, o elemento essencial da cultura corporal, estando presente desde o
ato fundante do ser social, que é o trabalho, até as outras práticas corporais fundadas para além dele.
177

Diante disso, é preciso que classe trabalhadora entenda que o fim do capitalismo
só é possível com a superação do trabalho assalariado e a entrada em cena do trabalho
associado, sendo este último o responsável por fundar uma sociedade comunista, onde os
indivíduos poderão satisfazer todas as suas necessidades humanas, visto que “[...] teremos
uma sociedade na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o
desenvolvimento de todos” (MARX; ENGELS, 2016, p. 115). A construção dessa sociedade
está nas mãos da classe trabalhadora, sendo esta uma possibilidade real, restando apenas a
formação de uma consciência coletiva, revolucionária, que pense para além do capital.
Por último, cabe destacar que os apontamentos levantados nesta dissertação fazem
referência a uma concepção Histórico-Ontológica da Educação Física, ainda em
construção, sendo, portanto, a nossa segunda aproximação, tendo em vista que a primeira
ocorreu por meio da escrita do artigo intitulado Atividades Educativas Emancipadoras e a
Educação Física Escolar: uma possibilidade real ou ainda idealista? 85 Consideramos
como uma concepção porque passamos a conceber uma outra configuração para a Educação
Física escolar, estabelecendo alguns requisitos que são necessários para uma nova práxis
educativa, porém, sem apresentar no seu interior uma sistematização metodológica.
Dessa forma, levando em consideração a classificação em torno das teorias da
Educação Física, realizada por Castellani Filho (1999), podemos afirmar que esta é uma
concepção propositiva não sistematizada, estando no mesmo grupo de outras concepções
pedagógicas da área, como a Desenvolvimentista, a Construtivista e a Crítico-Emancipatória,
mas que se fundamenta em um novo referencial teórico e metodológico (na ontologia
marxiana-lukacsiana) no qual defendemos o desenvolvimento de uma práxis educativa,
verdadeiramente, revolucionária, tendo como fim maior da educação e da Educação Física a
emancipação humana, que representa o patamar mais elevado possível da liberdade humana.

85
Este tema de pesquisa emergiu após as reflexões que foram levantadas no interior das disciplinas Trabalho,
práxis e educação e Estado, sociedade e educação do MAIE da UECE a partir das leituras e dos estudos que
foram realizados em torno da função social do Estado no interior da sociedade capitalista e a forma como ele tem
organizado a educação escolar.
178

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação teve como objeto de estudo: O novo Ensino Médio e as suas
implicações na área de Educação Física escolar para a formação da classe trabalhadora.
A pesquisa se inseriu, dentro de uma dimensão mais geral, no debate que trata sobre a relação
entre trabalho e educação no contexto da crise estrutural do capital, com um recorte específico
para a última etapa da Educação Básica no Brasil. Diante disso, buscamos ampliar a discussão
crítica envolvendo os aspectos políticos, pedagógicos e ideológicos que estão relacionados
com o novo Ensino Médio, aprovado durante o governo de Michel Temer, em 2017, logo
após o impeachment sofrido por Dilma Rousseff.
Para a realização do estudo, tivemos como suporte os pressupostos onto-
metodológicos instaurados por Karl Marx e resgatados pelo filósofo húngaro György Lukács.
Dessa forma, partimos da reafirmação do trabalho como complexo fundante do ser social e de
qualquer forma de sociabilidade que os homens possam instituir socialmente. Nesse sentido, a
pesquisa teve como objetivo geral: Analisar as possíveis implicações do novo Ensino Médio,
instituído por meio da Lei n. 13.415/2017, da BNCC do Ensino Médio e da Resolução n.
3/2018, na área de Educação Física escolar para a formação da classe trabalhadora no
contexto da crise estrutural do capital.
Para alcançar esta finalidade, realizamos uma pesquisa bibliográfica e uma
pesquisa documental, tendo como ponto de partida o texto da BNCC, a Resolução n. 3/2016 e
a Lei n. 13.415/2017, assim como alguns trabalhos científicos já publicados, na forma
impressa e eletrônica, como livros, artigos, teses e dissertações que abordam sobre as
categorias de análises elencadas para o estudo, no qual possibilitaram compreender melhor a
relação existente entre trabalho, Estado e capital, sendo elas: 1) a relação entre trabalho e
educação no contexto da crise estrutural do capital, 2) a Educação Física na educação
brasileira e 3) a formação humana à luz da ontologia marxiana-lukacsiana.
Desse modo, pudemos constatar, a partir do objetivo geral, que a área de
Educação Física perdeu o seu status de componente curricular obrigatório ao longo do Ensino
Médio, sendo inserida no currículo escolar como estudos e prática, juntamente com Arte,
Filosofia e Sociologia. Nesse contexto, será ofertada para os filhos da classe trabalhadora uma
educação escolar flexível, com o rebaixamento dos conhecimentos científicos, artísticos,
filosóficos e da cultura corporal ao longo da formação dos alunos, com a valorização ao
decorrer do processo educativo do desenvolvimento de competências e de habilidades que
passaram a ser exigidas pelo mercado de trabalho a partir da crise estrutural do capital.
179

Por meio do primeiro objetivo específico do estudo, buscamos: Examinar a


relação que é estabelecida entre a crise estrutural do capital e as novas mudanças no mundo
do trabalho e no complexo da educação. A partir desse propósito, passamos a compreender
que as novas mudanças geradas no mundo do trabalho, com o advento da crise estrutural do
capital, resultaram no processo de reestruturação produtiva, caracterizando a substituição do
taylorismo e do fordismo como modelo de organização e gerenciamento da produção pelo
toyotismo, visto que os dois modelos antigos passaram a não atender mais de forma precisa as
necessidade de acumulação e de expansão do capital a partir dos anos 1970.
Como resultado, identificamos que a educação escolar passou a receber novas
determinações, sendo a sua organização influenciada pelo discurso dos organismos
internacionais e da Pedagogia das Competências, que dialogam, precisamente, com os
interesses do capital. Diante das novas mudanças nas relações de produção, constatamos que
as políticas educacionais, recém-implementadas no Brasil, têm sido arquitetadas objetivando
formar um novo tipo de trabalhador: polivalente, multifuncional, qualificado, em outras
palavras, capaz de se adaptar, sem muitas dificuldades, às atuais condições de trabalho
engendradas pelo toyotismo, também conhecido como o modelo de acumulação flexível.
Por meio do segundo objetivo específico do estudo, pretendemos: Levantar as
possíveis implicações do novo Ensino Médio na disciplina de Educação Física para a
formação da classe trabalhadora. A partir desse propósito, identificamos que a Educação
Física perdeu o seu status de componente curricular obrigatório no Ensino Médio, sendo os
seus conteúdos de ensino ministrado ao decorrer da formação geral básica dos alunos ou dos
itinerários formativos como estudos e práticas por meio de projeto, oficinas, laboratórios ou
outras atividades. Nesse contexto, os seus conteúdos podem ser diluídos dentro da área de
Linguagens e suas Tecnologias ou até mesmo dentro da disciplina de Língua Portuguesa.
Diante disso, o ensino da cultura corporal poderá ficar a cargo de um professor
sem formação específica para trabalhar esses conteúdos ao decorrer da formação dos alunos,
tendo em vista que a contratação de um professor de Educação Física passa a não ser mais
obrigatória para essa etapa de ensino, visto que ela perdeu a sua obrigatoriedade. Como
resultado, a reflexão sobre a cultura corporal é secundarizada no currículo escolar,
contribuindo para uma formação da juventude precarizada, unilateral, tendo em vista o
rebaixamento teórico do currículo possibilitado pelo esvaziamento dos conhecimentos
científicos, artísticos, filosóficos e da cultura corporal promovido pela BNCC.
Em relação ao segundo objetivo específico, cabe destacar que constatamos que a
BNCC reproduz um equívoco histórico ao alocar a Educação Física na área de Linguagens e
180

suas Tecnologias, reforçando, com isso, uma compreensão equivocada do seu objeto de
estudo e de ensino que é a cultura corporal. Desse modo, ao considerar a linguagem como
categoria central para a área de Linguagens e suas Tecnologias, a linguagem corporal passou a
ser considerado o objeto de estudo e de ensino da Educação Física. Diferente disso,
defendemos que a categoria central para compreender o verdadeiro objeto de estudo da
Educação Física, a cultura corporal, não é a linguagem, mas sim o trabalho.
Por meio do terceiro objetivo específico do estudo visamos: Discutir a
necessidade ontológica do complexo da Educação Física na formação humana na relação com
o complexo do trabalho. Desse modo, constatamos que no trabalho e pelo trabalho foi
fundado o ser social e de forma concomitante uma cultura corporal, no qual no primeiro
momento estava vinculada com a produção material da existência humana, sendo, portanto,
uma cultura corporal em sentido lato, aprendida e incorporada por meio do trabalho de forma
espontânea, estando às suas práticas corporais vinculadas ao processo de transformação da
natureza, sendo, desse modo, a sua incorporação um elemento necessário para o trabalho.
Nesse sentido, averiguamos que com o desenvolvimento das forças produtivas e a
organização dos homens no interior da sociedade de classes a cultura corporal passou a
adquirir um grau de autonomia, se distancia do intercâmbio material do homem com a
natureza, sendo originada uma cultura corporal em sentido estrito, caracterizada como
atividades expressivas comunicativas que possuem sentidos e significados que as vinculam a
uma dimensão do fazer lúdico, artístico, estético, agonístico e místico, realizada fora do
trabalho. Desse modo, passamos a reconhecer a cultura corporal como um elemento
fundamental para o processo de constituição e de reprodução do ser social.
Com base nisso, identificamos que a Educação Física surgiu enquanto um
complexo social no interior da sociedade burguesa como produtos das relações capitalistas
logo após a Revolução Industrial que aconteceu na Inglaterra no século XVIII e que se
expandiu pelos demais países da Europa e do mundo. Dessa forma, com a organização dos
sistemas de ensino, ocorrido no século XVIII e de XIX, a Educação Física foi posta no
interior da escola, tendo como objeto de estudo as práticas corporais institucionalizadas ou
não que integram a cultura corporal em sentido estrito, tendo como referência, nesse primeiro
momento, as ciências biológicas e positivistas, a serviço dos interesses do capital.
Evidenciamos que, a partir desse momento, a cultura corporal passou, pela
primeira vez na história da humanidade, a se relacionar com o aumento da produtividade,
contribuindo, enquanto uma prática pedagógica mecanicista e a-histórica, com a formação do
trabalhador, deixando-o mais forte, resistente, ágil e disciplinado, ou seja, possuidor dos
181

atributos e dos valores necessários para a expansão da sociedade capitalista. Desse modo,
após ser sistematizada enquanto área de conhecimento, a Educação Física foi introduzida no
interior da escola brasileira, em 1951, logo após a reforma Couto Ferraz, que a instituiu, ainda
com o nome de ginástica, como disciplina obrigatória nas escolas do município da Corte.
Paralelo a isso, constatamos que a Educação Física no Brasil teve a sua prática
pedagógica influenciada por algumas tendências pedagógicas da área, tais como a Higienista,
Militarista, Pedagogicista, Competitivista e a Popular, conforme tem defendido Ghiraldelli
Júnior (1991). Dessa forma, identificamos que desde a sua inserção enquanto área de
conhecimento no espaço escolar a Educação Física vem contribuindo com a formação de
sujeitos necessários para garantir a consolidação e o desenvolvimento da sociedade capitalista
e das relações do capital no país, sendo usada, no interior das tendências, exceto da Popular,
como um instrumento político-ideológico a favor dos interesses da classe dominante.
Nesse sentido, identificamos nos escritos de Maia e Carmo (2021) que a partir dos
anos 1990 tem se manifestado no interior da Educação Física uma nova tendência,
denominada pelos autores supracitados de Educação Física por Competências, no qual tem
atrelado a prática pedagógica da área ao desenvolvimento de competências e de habilidades
que demanda o capital a partir do processo de reestruturação produtiva. Destarte, como
resultado das novas transformações do mundo do trabalho, a Educação Física vem sofrendo
algumas tentativas de ser retirada do currículo escolar, em especial, do Ensino Médio, no qual
após a Lei n. 13.415/2017 encontra-se no currículo apenas como estudos e práticas.
Reconhecemos a necessidade de uma resistência ativa no interior da educação de
forma geral e, também, da Educação Física, por meio do desenvolvimento de uma práxis
docente contra hegemônica, que vislumbre a transformação estrutural da sociedade capitalista
e a construção de uma sociedade comunista, visto que o novo Ensino Médio busca ofertar
uma educação escolar centrada nas novas necessidades do mercado de trabalho, estando
alinhado aos valores que são necessários para a manutenção e a reprodução da sociedade
capitalista e das relações do capital, com a oferta de uma educação cidadã, tendo como
horizonte a emancipação política e não a emancipação humana.
Diante disso, esclarecemos que apesar do controle político, ideológico e
administrativo posto pelo Estado no interior da escola capitalista, ainda encontramos
pequenos espaços onde pode ser desenvolvida uma práxis educativa revolucionária na
educação e no interior da Educação Física escolar. Não se trata de uma pedagogia
sistematizada, mas de atividades educativas com um caráter emancipador, isto é, articuladas,
de modo direto ou indireto, com a luta histórica pela superação do capitalismo. Nesse
182

contexto, o fim maior da educação e da Educação Física passa a ser a emancipação humana,
alcançada apenas por meio de uma revolução social realizada pela classe trabalhadora.
Resumidamente, essas atividades são orientadas a partir de cinco requisitos: 1) o
conhecimento acerca do fim a ser atingido com a educação e a Educação Física; 2)
apropriação do conhecimento acerca do processo histórico e, especificamente, da sociedade
capitalista, tendo como base de estudo a teoria marxiana; 3) conhecimento da natureza
específica da educação e da Educação Física; 4) domínio dos conteúdos da cultura corporal e
uma práxis educativa ligada com a prática social dos alunos; 5) articulação das atividades
educativas com as lutas sociais da classe trabalhadora, deixando clara a necessidade histórica
de superação do capitalismo para a construção de uma sociedade comunista.
Perante o exposto, constata-se que esta dissertação obteve resultados
significativos para a compreensão do objeto de estudo aqui apresentado, contribuindo, assim,
com o avanço do conhecimento científico no âmbito da educação e, especificamente, no
campo da Educação Física, deixando claro as implicações dessa nova política educacional
para área e para a formação escolar ofertada para os filhos da classe trabalhadora. No entanto,
reconhecemos a necessidade de que novos trabalhos sejam realizados em torno desse tema,
trazendo à tona as implicações dessa política educacional, também, na formação dos alunos
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