Você está na página 1de 28

Capítulo 1

Da Domesticação ao Melhoramento
de Plantas

1
Charles R. Clement
2
Aluízio Borém
3
Maria Teresa G. Lopes

Introdução
A espécie Homo sapiens sapiens é dominante no planeta porque
aprendeu a domesticar fogo, paisagens, plantas, animais e microrganismos –
tudo mais é consequência da disponibilidade de recursos de subsistência que
permitiu o crescimento populacional e a divisão de tarefas característica de
sociedades complexas. Os termos “dominante” e “domesticar” são similares;
ambos possuem o mesmo sufixo latino: domo-, dom-, domato-, domat-. Dominar
é “ter controle ou autoridade sobre algo”, enquanto domesticar é “acostumar à
vida de casa” ou “trazer para dentro de domus” (casa). A casa é o local onde uma
família tem controle do que se passa.
O conceito de domesticação é familiar a todos, embora raramente tenha
uma definição clara e objetiva. Uma busca no site <www.amazon.com> resulta
em dezenas de livros sobre a domesticação do homem pela mulher (e em alguns
títulos vice-versa), a domesticação do cachorro e do gato (e a domesticação dos
humanos pelos gatos) e até as domesticações que nos interessam aqui. O
conceito é tão familiar, que Darwin (1859) começou o livro “A origem das espécies”
tratando de domesticação como exemplo prático de evolução – foi Darwin que

1
Engenheiro Agrônomo, M.S., Ph.D. e Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia. E-mail: charlesr.clement@yahoo.com.br
2
Engenheiro Agrônomo, M.S., Ph.D. e Professor da Universidade Federal de Viçosa. E-mail:
borem@ufv.br
3
Engenheira Agrônoma, M.S., D.S. e Professora da Universidade Federal do Amazonas. E-
mail: mtglopes@ufam.edu.br
12 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

apresentou uma fundamentação claramente evolutiva deste conceito. Observa-


se que a maioria das citações sobre domesticações encontradas no site
www.amazon.com não tratam de evolução claramente, mas de amansar ou de
treinar, o que são tipos de controle, mas sem conotação evolutiva.
Este capítulo visa definir e examinar as domesticações e o melhoramento
de espécies vegetais, bem como mostrar que são processos de aprendizagem
e mudança no comportamento humano que têm consequências para as plantas
e os animais. Será que o melhoramento genético é apenas a fase atual do
processo que começou milhares de anos no passado? Se pudermos tomar
emprestada a terminologia de Dawkins (1999), teremos: domesticação e
melhoramento são formas de estender nosso fenótipo, pois estamos em
controle – pelo menos teoricamente. Essa qualificação é importante porque a
evolução de seres vivos conta com a casualidade continuamente: mutações
são eventos casuais; recombinação meiótica gera combinações parcialmente
casuais; mudanças de frequências alélicas em populações pequenas – chamadas
de deriva genética – são também casuais; mudanças no ambiente são casuais,
pelo menos em termos dos genomas que aí vivem, gerando novas pressões de
seleção natural. Em termos de domesticação de plantas e animais, encontrar
um indivíduo apropriado para se iniciar o processo de domesticação também é
parcialmente casual.
O melhoramento genético está em rápida mudança, estimulada pelo
avanço do conhecimento genético, especialmente ao longo do século XX.
Podemos especular sobre as direções futuras à luz das novas pesquisas
genômicas, transcriptômicas e proteômicas, bem como da engenharia genética,
especialmente agora que foi demonstrado que o dogma central da biologia
molecular é muito simplista e não explica os fenômenos genéticos. As pesquisas
“-ômicas” podem ajudar a tornar a engenharia genética menos casual, pois
atualmente a inserção de genes, via transformação genética, é muito mais aleatória
que desejável. Esse é um dos grandes desafios para o século XXI.
Este livro aborda um grupo de espécies nativas das terras baixas da
América do Sul, notadamente da Amazônia. Algumas das espécies foram
domesticadas pelos povos indígenas ao longo de milhares de anos antes da
colonização europeia, enquanto outras estão começando a ser domesticadas
com as técnicas usadas no melhoramento genético, e algumas já são objetos
de pesquisas “-ômicas” e de engenharia genética. Reuniu-se este grupo de
espécies para exemplificar como a ciência moderna vem construindo os avanços
científicos.
Clement, Borém e Lopes 13

Da Domesticação do Fogo à Domesticação da


Paisagem
“Quase todos os mitos da origem do fogo consideram a obtenção de fogo
como o meio de passagem de uma vida entre os animais para o status
especial de ser humano.” (Pyne, 1998: 70; tradução de Clement).

O Homo erectus aprendeu a dominar o fogo há pelo menos 800.000 anos


antes do presente (AP) (Goren-Inbar et al., 2004). O H. erectus domesticou o
fogo ao aprender a acendê-lo quando desejado. O fogo foi usado para ajudar na
caça, manejar ecossistemas, processar alimentos, iluminar e ajudar na fabricação
de ferramentas (Pyne, 1998; Goren-Inbar et al., 2004).
O Homo sapiens herdou o fogo já dominado e adicionou ferramentas
mais sofisticadas ao seu repertório tecnológico no período de 400.000 e 130.000
anos AP (Pyne, 1998). Aparentemente, o fogo foi usado da mesma forma como
no tempo de H. erectus (Pyne, 1998), pois não há indicações de mudanças no
escasso registro arqueológico.
O Homo sapiens sapiens também herdou o fogo a partir de 130.000 anos
AP e continuou a adicionar novas ferramentas a seu pacote tecnológico (Pyne,
1998). A ocupação da Austrália (40.000 anos AP) mostra uma expansão dramática
da presença de fogo nos ecossistemas (10 a 100 vezes mais partículas de carvão
nos sedimentos; Clark, 1981, citado por Pyne, 1998), sugerindo que os humanos
haviam chegado ao domínio completo do fogo. Curiosamente, a Austrália é o
único continente com paisagens domesticadas sem plantas e animais
domesticados (Chase, 1989), de forma que o fogo continuou a ser a ferramenta
domesticatória principal até a colonização europeia. Na África, Ásia e Europa, é
impossível detectar a expansão de fogo antropogênico, porque a expansão da
população humana foi gradual, partindo de um nível natural de fogo nos
ecossistemas.
A data da ocupação das Américas continua sendo assunto de especulação,
com restos humanos típicos da fisionomia generalizada muito mais velhos
(Pleistoceno Superior), conforme relata Neves (2006), que as evidências genéticas
de humanos mongoloides que se tornaram os Ameríndios (Pleistoceno Terminal),
conforme Goebel et al. (2008). Embora não existam estudos sobre os americanos
como o de Clark (1981), sabe-se que os povos indígenas da América do Norte
usaram fogo para manter savanas abertas e florestas como parques (Mann, 2005).
Os primeiros fogos usados para manejar ecossistemas nos Neotrópicos foram
identificados no Panamá, há 11.000 anos AP (Piperno e Pearsall, 1998). O sítio
arqueológico mais velho da Amazônia possui restos datados a 11.200 anos AP,
14 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

inclusive com carvão (Roosevelt et al., 1996), mas não há informação sobre seu
uso para manejar ecossistemas locais, embora isso seja provável. O manejo de
ecossistemas com fogo é o início da domesticação da paisagem.
A domesticação da paisagem é um processo, em parte inconsciente e em
parte consciente, em que a intervenção humana na paisagem tem como
consequência mudanças ecológicas na paisagem e na demografia de suas
populações de plantas e animais, resultando numa paisagem mais produtiva e
segura para humanos (Clement, 1999a). Por ser um processo, existe um contínuo
de classes de domesticação da paisagem que dependem do grau de esforço
usado e de outras técnicas, além do fogo, em combinações variadas:
Promovida: uma paisagem em que plantas individuais e, ou, populações
de plantas úteis são favorecidas por meio de eliminação ou poda de algumas
plantas competidoras ou a expansão da transição florestal, especialmente com o
uso de fogo.
Manejada: uma paisagem na qual a abundância e diversidade de
populações de plantas úteis são favorecidas por meio de eliminação de plantas
competidoras, expansão da transição florestal (fogo), transplante de mudas ou
sementes individuais, uso de adubos e outras formas de reduzir competição com
indivíduos não desejados ou melhorar o ambiente para maior crescimento e
reprodução das plantas desejadas.
Cultivada: uma paisagem totalmente transformada pela eliminação do
ecossistema original por meio da derrubada e queima do ecossistema original,
aração localizada ou extensiva, eliminação de plantas daninhas, poda, adubação
e uso de coberturas mortas ou vivas, irrigação e outras técnicas em qualquer
combinação para favorecer o crescimento e a reprodução das plantas semeadas
e das voluntárias toleradas.
Das definições apresentadas, é evidente que as atividades humanas criam
espaços antropogênicos importantes em paisagens domesticadas. Alguns desses
espaços têm relações importantes com a domesticação de populações de plantas.
O espaço mais comum em qualquer ambiente é o depósito de resíduos ou
lixo – todo acampamento humano, por mais simples e menos durável, possui um
lixão (Anderson, 1952). Antes da domesticação de populações de plantas, os
lixões foram ambientes de acúmulo de resíduos orgânicos de todos os tipos,
criando novos nichos na paisagem, onde determinadas espécies se adaptem
melhor. A maioria dessas espécies hoje é chamada de plantas daninhas pelos
agrônomos e pioneiras pelos ecólogos, e algumas deram origem a cultivos
importantes (Anderson, 1952; Hawkes, 1983; Harlan, 1992). É possível que os
lixões também tenham dado origem aos jardins e pomares domésticos (Lathrap,
1977), pois também acumulam plantas úteis.
Clement, Borém e Lopes 15

Outro espaço comum é o adensamento de espécies úteis – todo


assentamento humano também o possui (Anderson, 1952; Mora, 2006). O
adensamento geralmente se estende além dos jardins domésticos. Esse
adensamento de espécies úteis é que transforma um assentamento temporário
num lugar atrativo para se tornar assentamento permanente, pois oferece
recursos de subsistência em maior abundância que a paisagem não-domesticada
(Mora, 2006).
Com a expansão dos adensamentos, surgiram as primeiras florestas
antropogênicas – a Amazônia possuía pelo menos 12% de sua extensão em
florestas deste tipo na época da conquista (Balée, 1989). Florestas antropogênicas
são comuns em todos os continentes com vegetação arbórea, inclusive nas
zonas temperadas (Mann, 2005). Na Amazônia moderna, os castanhais são o
exemplo mais conhecido dessas florestas e ainda hoje fornecem castanha para
subsistência e comercialização (Wadt, 2008). No sul do Brasil, as florestas de
pinhão (Araucaria angustifolia) parecem ter o mesmo tipo de origem (Bitencourt
e Krauspenhar, 2006).
A roça é um espaço que apareceu durante a coalescência de sistemas de
produção de alimentos e se tornou espaço característico de comunidades
sedentárias (Piperno e Pearsall, 1998; Mora, 2006). No entanto, antes da conquista
europeia, as roças certamente foram muito diferentes dos exemplos modernos,
pois, na ausência de ferramentas de metal, seu manejo foi intensivo, sendo o
fogo a ferramenta mais importante (Denevan, 2001). É possível que as florestas
antropogênicas tenham sido criadas nessas roças pré-conquista, cuja fisionomia
seria muito irregular, com um mosaico de adensamentos de árvores, áreas
semiabertas com arbustos e árvores jovens, e áreas abertas para a produção de
plantas anuais. As roças modernas que integram o sistema de roça-pousio típico
da Amazônia e outras regiões são adaptações modernas ocasionadas pela
disponibilidade de ferramentas de aço (Denevan, 2001).
Existem dois tipos de solos antropogênicos na Amazônia: a terra preta de
índio e a terra mulata. A primeira originou-se nos lixões e a segunda, com o uso
de fogo brando, nas roças (Denevan, 2001; Erickson, 2003). Esses solos são
objetos de considerável esforço de pesquisa no Brasil e no mundo (Lehmann et
al., 2003), porque certamente foram importantes nos sistemas de produção dos
alimentos que sustentaram as grandes populações observadas na Amazônia
durante a colonização (Erickson, 2003). Hoje, são espaços antropogênicos
procurados por agricultores tradicionais e modernos para plantar tanto espécies
nativas quanto exóticas (Clement et al., 2003).
A domesticação da paisagem é atualmente objeto de estudo dos ecólogos
históricos, antropólogos e arqueólogos, e sua manifestação moderna é assunto
de agrônomos, engenheiros florestais e outros, sempre com o intuito de entender
16 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

processos e avançar o conhecimento para ampliar a produtividade e a


sustentabilidade da produção de alimentos, fibras, combustíveis, flores, animais
e outros produtos dos quais a sociedade moderna depende. Observa-se que as
paisagens domesticadas são os palcos da domesticação e produção de plantas,
tanto no passado quanto no presente.

Da Domesticação da Paisagem à
Domesticação das Plantas
A maioria absoluta das paisagens domesticadas foi desenvolvida para
favorecer ou controlar as populações de plantas e animais presentes nelas. As
mudanças no ambiente natural resultantes da intervenção humana criam novas
pressões seletivas sobre as populações de plantas. Se o homem também seleciona
algumas características nessas populações ou traz novas populações de plantas
para as paisagens domesticadas, o processo de domesticação de plantas se
inicia.
A domesticação de populações de plantas é um processo coevolucionário,
em que a seleção realizada por humanos em populações de plantas promovidas,
manejadas ou cultivadas resulta em mudanças de frequências alélicas das
populações, tornando-as mais úteis ao homem e mais bem adaptadas às
intervenções humanas no ambiente (Clement, 1999a). Essa definição levanta a
seguinte questão: por que a domesticação seria um processo coevolucionário e
não simplesmente um processo de evolução direcionada das espécies? A razão
é simples: ambos os participantes do processo são beneficiados – as populações
de plantas crescem em número e as populações humanas também. Note-se que
sucesso reprodutivo é sucesso evolutivo. A sociedade humana é tão dependente
de suas espécies vegetais e animais coevoluídos, que a eliminação dessas
espécies causaria a morte da maioria da população humana atual, restando apenas
aqueles grupos étnicos que não tenham desenvolvido essa dependência na
produção de alimentos.
Como no caso da domesticação de paisagens, a domesticação de
populações de plantas é um processo em que existe um contínuo de classes de
domesticação. Neste caso, o contínuo é definido pelo grau de modificação dos
fenótipos e o grau de mudança nas frequências alélicas dos genes que expressam
os caracteres fenotípicos modificados:
Incidentalmente coevoluída – uma população voluntária que se adapta
a ambientes perturbados pelo homem, possivelmente sofrendo mudanças
genéticas, mas sem seleção ou outra intervenção humana. Estas populações
Clement, Borém e Lopes 17

também são chamadas de espécies daninhas por agrônomos e de pioneiras por


ecólogos.
Incipientemente domesticada – uma população modificada por
intervenção humana (no mínimo ocorrendo numa paisagem promovida) e por
seleção, cujo fenótipo médio ainda está dentro da variação encontrada na
população silvestre para os caracteres sujeitos à seleção. A variação fenotípica
do indivíduo médio poderá ser menor que o da população silvestre, mas a seleção
tem reduzido a variação genética devido ao efeito fundador.
Semidomesticada – uma população modificada de forma significante
pela seleção e intervenção humana (no mínimo ocorrendo numa paisagem
manejada), cujo fenótipo médio provavelmente extrapola a variação encontrada
na população silvestre para os caracteres sujeitos à seleção. A variação fenotípica
pode ser maior que a da população silvestre porque a variação inclui tipos
comuns e tipos novos. A variação genética é reduzida ainda mais pela seleção
(gargalos seletivos sequenciais), no entanto as plantas mantêm suficiente
adaptação ecológica para sobreviver no ambiente se a intervenção humana
cessa.
Domesticada – uma população similar à anterior, mas cuja adaptação
ecológica foi reduzida a tal ponto que somente pode sobreviver em paisagens
criadas por humanos, especificamente em paisagens cultivadas. A variação
genética tem sido reduzida ainda mais pela seleção, especialmente a variação
genética responsável pela adaptação ecológica. O exemplo clássico de uma
espécie com muitas populações domesticadas é o milho (Zea mays). Nas suas
populações domesticadas, uma adaptação ecológica crítica impossibilita a
reprodução sem intervenção humana: as palhas que envolvem a espiga não se
soltam naturalmente, impossibilitando a dispersão natural das sementes (Harlan,
1992).
As interações entre a domesticação da paisagem e a das populações de
plantas são evidentes pelas definições das classes de domesticação que
mostram claramente a importância da domesticação da paisagem para a
domesticação de populações. Devido a esta interação, Wiersum (1997) sugeriu
o uso do conceito de codomesticação, que acentua a importância dessas
interações. Embora o conceito de codomesticação seja válido, a discriminação
das domesticações é útil para discriminar entre o trabalho do melhorista e o do
agrônomo – sempre lembrando a importância da interação entre esses
profissionais.
Os sistemas de produção de alimentos são exemplos da interação das
domesticações. É relevante observar que houve diversos tipos de sistemas de
produção de alimentos na era pré-Colombiana e é importante não fundi-los em
18 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

uma terminologia comum (Leach, 1997). Os tipos mais claros são a horticultura
[hortus (planta de jardim), a cultura (arte de cultivar)] e a arboricultura [arbor
(árvore) e cultura], mas combinações desses tipos certamente foram mais comuns
do que exemplos puros de um ou outro. Observe que não houve agricultura
[agri (campo) e cultura] nas Américas até a chegada dos europeus com seu
sistema de produção, que se originou nos campos do Oriente Médio. O fator
que mais diferencia esses sistemas de produção é o manejo de plantas individuais,
na horticultura e na arboricultura, e o manejo de populações de plantas, na
agricultura.

A Origem de Populações Domesticadas


Um evento de domesticação ocorre quando uma planta ou plantas
especialmente interessantes são selecionadas, coletadas e propagadas. Como
na evolução, tanto a seleção como a reprodução são essenciais para haver
mudança de adaptação. Um evento de domesticação tem consequências quando
os indivíduos envolvidos selecionam e propagam a próxima geração com base
na geração anterior. Quanto mais atrativas forem as progênies, maior a
probabilidade de que o evento tenha consequências e contribua para a criação
de uma nova população domesticada.
Na evolução de uma espécie, deve ocorrer um único evento de origem;
esta monofilia é um dos pressupostos da análise filogenética (Futuyma, 2005). A
domesticação, no entanto, é um processo populacional, ou seja, atua nas
populações dentro de espécies. Devido a esta distinção, uma pergunta comum
em domesticação é: eventos de domesticação são únicos ou múltiplos? Diamond
(1997) sugere que múltiplos eventos são comuns nas Américas, enquanto eventos
únicos são mais frequentes no Velho Mundo. Análises genéticas recentes
mostraram que a realidade é mais complexa. Análises de coalescência permitem
determinar o número de eventos que deu origem às populações modernas (Figura
1.1), e elas sugerem que poderiam ocorrer muito mais eventos do que a
coalescência detecta, porque muitos eventos não geram consequências.
Pickersgill (2007) apresenta uma revisão dos estudos recentes nas Américas.
A seleção realizada por humanos atua sobre um ou poucos caracteres de
interesse. Dessa forma, essa seleção afeta primariamente os genes que controlam
essas características, bem como os genes ligados a eles. Quanto mais intensa a
seleção, mais é reduzida a variabilidade dos genes-alvo e daqueles que são
ligados a eles. Esse fenômeno é chamado de varredura seletiva (selective sweep)
e é responsável por parte da redução na variabilidade genética nas populações
domesticadas. A redução remanescente é devida ao efeito fundador, que atua
Clement, Borém e Lopes 19

como um tipo especial de deriva genética. Todas as espécies com populações


domesticadas apresentam esta redução em variabilidade genética (Doebley, 1989;
Pickersgill, 2007), mesmo que também se observem nelas aumento na variabilidade
fenotípica.
É evidente que um evento de domesticação vai “amostrar” apenas parte
da variabilidade de uma população, pois poucos indivíduos são afetados no
processo. Isso é o princípio da deriva genética (Futuyma, 2005). Dependendo
do marcador usado, a perda geral de variabilidade é de 20 a 40% (Emshwiller,
2006). No entanto, a seleção é feita com base em poucas características, algumas
vezes de herança mendeliana e outras vezes de herança quantitativa. Esses
locos apresentam perdas muito mais dramáticas devido à varredura seletiva,
chegando a 97%, a exemplo do que ocorre na região de regulação do loco tb1,
em milho (Wang et al., 1999).
Uma das características mais observadas em plantas e animais domésticos
é sua grande variabilidade fenotípica, e estudos moleculares mostram também
grande variabilidade genética. Se a seleção humana diminui a variabilidade de
uma população, como discutido anteriormente, de onde viria a variabilidade
observada? A dispersão após o evento de domesticação é o início do acúmulo
de variabilidade, mesmo que, durante a dispersão, cada ato de dispersão seja um
novo efeito fundador. Se a dispersão é rápida, ampla e para regiões sem parentes
silvestres, a variabilidade fora da região de origem pode ser muito pequena. A
castanha-do-brasil é um exemplo (Maristerra Lemes e Rogério Gribel, INPA,
comunicação pessoal). Se a dispersão é ampla e há presença de parentes
silvestres, estes contribuem para a variabilidade via introgressão. Parte da
dispersão de pupunha é um exemplo deste aumento de variabilidade via
introgressão (Couvreur et al., 2006; Pintaud et al., 2008). Ainda, se a dispersão é
ampla e ocorreu há muito tempo, um complexo de metapopulações se desenvolve
e acumula variabilidade pelo intercâmbio de amostras de populações por parte
de seus donos. Um exemplo muito claro em milho foi apresentado por Louette
(2000). É evidente que combinações de dispersão ampla, com e sem parentes
silvestres presentes, oferecem muitas oportunidades para seleção e acumulação
de nova variabilidade, especialmente fenotípica.
20 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

Figura 1.1. Análise de coalescência permite determinar o número de eventos que


deu origem às populações modernas. Na espécie A, indivíduos de
duas populações foram selecionados e propagados, e posteriormente
cruzaram; do cruzamento saíram as linhagens presentes hoje. Na
espécie B, apenas um evento de domesticação é responsável pelas
linhagens atuais. Observe que grande número de eventos não tem
consequência e não é possível contá-los hoje.
Fonte: Adaptado de Futuyma (2005).

A Questão de Intencionalidade
Darwin (1859) foi o primeiro a levantar a questão de intencionalidade nas
discussões sobre a origem e a domesticação de plantas cultivadas. Ele usou a
terminologia seleção inconsciente e seleção metódica e, como bom eurocentrista,
afirmou que povos primitivos praticavam seleção inconsciente e povos civilizados
(como os ingleses, é claro!) praticavam seleção metódica. Ao longo do século
passado, a seleção inconsciente foi defendida por muitos cientistas naturais e a
seleção metódica ou consciente, por muitos cientistas sociais, embora sempre
com um pouco de apoio para a outra escola.
Rindos (1984) apresentou uma visão neodarwinista, argumentando que
a origem da agricultura é um exemplo da evolução de um mutualismo típico de
Clement, Borém e Lopes 21

muitas interações entre plantas e animais [as ideias de Rindos inspiraram as


definições de Clement (1999a), anteriormente apresentadas]. Rindos sugeriu
que a simples presença de humanos na paisagem é suficiente para modificar os
ecossistemas, especialmente porque humanos são quase sempre acompanhados
pelo fogo. Alguns indivíduos de algumas espécies vegetais se adaptariam bem
às intervenções dos homens, tornando-se mais produtivos e, portanto, mais
visíveis a eles; se esses indivíduos apresentassem produtos úteis aos humanos,
eles seriam tolerados ou preservados. Embora Rindos não tenha discutido esse
assunto especificamente, os indivíduos que se tornam mais produtivos nos
novos ambientes tendem a ser os que apresentam alta plasticidade, ou seja, uma
interação genótipo x ambiente importante (Pigliucci, 2001).
Os atos de tolerar ou preservar plantas úteis são intencionais, mas são
atos relacionados com a domesticação da paisagem, não com a domesticação
das populações, porque não incluem a propagação intencional das progênies.
Muitos caçadores-coletores modernos praticam esse tipo de domesticação da
paisagem, como o exemplo clássico na Austrália (Chase, 1989), embora exemplos
americanos também existam (Mora, 2006). Tanto Rindos como Tudge (1999)
observaram que esta domesticação da paisagem é suficiente para garantir o
sucesso evolutivo dos grupos humanos que a praticam e preparar a paisagem
para o próximo passo: a domesticação das populações.
Zeder (2006) apresenta uma revisão de intencionalidade e chega a uma
conclusão lógica: os primeiros atos de domesticação da paisagem e das
populações de plantas (e animais) poderiam ser inconscientes, mas logo que
produzissem um efeito positivo, passariam a ser repetidos de forma consciente,
justamente porque geraram benefícios. Todos os especialistas em domesticação
concordam que os indivíduos responsáveis por esse fenômeno foram e são
humanos modernos, com capacidade mental indistinguível de nós, de forma que
aprendizagem rápida é esperada. Mas isso não quer dizer que houve
planejamento, especialmente de longo prazo (que é parte da definição de seleção
metódica de Darwin, 1859), pois nem os humanos de hoje são bons nisso!
Além disso, algumas características das plantas podem responder de
forma automática à seleção, enquanto que outras somente respondem à seleção
consciente e direcional. Esse conjunto de respostas à seleção inconsciente e
consciente é chamada de Síndrome de Domesticação, e é amplamente discutido
por Hawkes (1983), Harlan (1992), Pickersgill (2007) e outros especialistas em
domesticação.
Então, pode-se concluir que intencionalidade é parte dos processos de
domesticação, mas não é imprescindível para iniciá-los. Planejamento de longo
prazo é um tipo de intencionalidade diferente e é parte do melhoramento de
plantas e animais que estava sendo praticado na época de Darwin. Pode-se até
22 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

considerar que seleção metódica com planejamento de longo prazo é que


diferencia domesticação de melhoramento, embora os melhoristas modernos
possuam outros conhecimentos e técnicas também.

Da Domesticação de Plantas à Seleção Pré-


Darwiniana
A era moderna começou no século XVII, com o início do desenvolvimento
do capitalismo e do método científico (Wallerstein, 1999). No século XVIII, os
naturalistas europeus começaram a expandir suas pesquisas para outras partes
do mundo, acompanhando a expansão do comércio europeu. No início do século
XIX, Darwin fez sua viagem ao redor do mundo e Alfred Wallace viajou pela
Amazônia; em meados daquele século, eles apresentaram sua teoria da evolução.
O melhoramento de plantas e animais foi parte fundamental do
desenvolvimento científico europeu, porque ofereceu a oportunidade de aplicar
o método científico e porque a expansão urbano/industrial exigia maior
produtividade agrícola. Também foi fundamental para a apresentação da teoria
da evolução, tanto que Darwin usou o assunto como o primeiro capítulo de seu
livro “A origem das espécies”.
A seleção metódica era a peça fundamental do melhoramento do século
XIX. Sabia-se que quanto maior a variabilidade, maior a probabilidade de se
obter o produto desejado (Darwin, 1859). Esse tipo desejado ou ideal tinha
todas as características do conceito de ideótipo, conceito moderno usado por
melhoristas para orientar suas seleções (Simmonds e Smartt, 1999), embora este
termo só tenha sido cunhado após os trabalhos de Donald (1968).
Parte da seleção metódica era o uso de listas de descritores para permitir
a análise de fenótipos e comparar estes com o ideótipo, bem como determinar se
as progênies estavam mais próximas ao ideótipo do que dos pais. Sabia-se que
algumas características tinham bom valor (que hoje chamamos de herança). Os
melhoristas entenderam que o melhoramento era mais rápido para características
com bom valor. A existência de interações entre o genótipo e o ambiente era
reconhecida, e os melhoristas recomendavam práticas agrícolas aos produtores.
O que estava faltando para que a seleção metódica se transformasse no
melhoramento genético moderno? Uma teoria que integrasse todos os conceitos
fornecida por Darwin (1859); uma ciência para fazer a teoria claramente
experimental, cujas bases foram fornecidas por Gregor Mendel, em 1866, e
integradas com a evolução na primeira década do século XX, criando a ciência
da genética; e métodos de análise estatística baseados na nova ciência e desenhos
Clement, Borém e Lopes 23

experimentais que usavam os novos métodos, estes desenvolvidos por


melhoristas e agrônomos no início do século XX. A fusão de todas essas
inovações ocorreu no início do século XX e abriu o caminho para o melhoramento
genético moderno.

“A Origem das Espécies” e as Contribuições


de Mendel
“A origem das espécies” descreve as teses de Darwin. Segundo ele,
todos os organismos descendem, com modificação, a partir de ancestrais comuns
e o principal agente de evolução é a seleção natural (Darwin, 1859). A primeira
parte da afirmação argumenta que todos os seres vivos estão relacionados e
descendem de um único ancestral comum. Para explicar a evolução por seleção
natural, Darwin observou que a capacidade de sobrevivência dos indivíduos de
uma espécie é dependente de sua adaptação ao ambiente. Indivíduos mais
adaptados provavelmente deixarão maior número de descendentes do que os
menos competitivos. A capacidade diferenciada dos indivíduos em sobreviver e
se reproduzir resulta em mudanças graduais na população, e as características
que ajudam o indivíduo a sobreviver e reproduzir se acumulam ao longo de
gerações, enquanto as que não favorecem sua sobrevivência e reprodução
tendem a desaparecer.
A teoria da seleção natural de Darwin foi a fundação da teoria evolutiva.
No entanto, faltava uma explicação adequada para a fonte de variação nas
populações. Como muitos dos seus antecessores, Darwin deduziu
incorretamente que as características hereditárias eram produto do ambiente,
assumindo que as características adquiridas durante a vida de um indivíduo
poderiam ser repassadas aos seus descendentes. Esse conceito errôneo, de que
os caracteres adquiridos são transmitidos para a descendência, ficou conhecido
como lamarckismo, por ter sido proposto inicialmente por Lamarck (Futuyma,
1992).
A informação necessária para explicar o surgimento de novas
características em descendentes foi fornecida pelo trabalho pioneiro de Mendel,
em 1866. A partir de cruzamentos simples realizados entre plantas contrastantes
de ervilhas-de-cheiro (Pisum sativum), Mendel tomou notas de todos os
resultados e realizou análise matemática para provar suas hipóteses. Formulou
três teorias básicas, as quais são hoje conhecidas como as Leis de Mendel. A
primeira Lei de Mendel é também conhecida por princípio da segregação dos
caracteres, em que as células sexuais, masculinas ou femininas, devem conter
24 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

apenas um fator para cada característica a ser transmitida. A segunda lei trata do
princípio da segregação independente dos caracteres, ou seja, cada característica
hereditária é transmitida independentemente das demais. Na terceira lei, Mendel
formulou o conceito da dominância, em que os seres híbridos apresentam um
caráter dominante que encobre o chamado caráter recessivo, segundo
determinadas proporções. O sucesso de suas experiências deve-se principalmente
à escolha da espécie que ele usou nos cruzamentos e ao fato de as características
estudadas apresentarem controle genético sem grande complexidade.
O trabalho de Mendel só foi reconhecido no meio científico a partir do
início do século XX, tendo sido precursor dos posteriores estudos dos cientistas
Hugo de Vries, Karl Correns e Erich von Tschermak. Esses três pesquisadores
realizaram, independentemente, muitas experiências baseadas na obra de Mendel,
tendo então chamado a atenção do mundo científico para as descobertas de
Mendel, atribuindo a ele a descoberta das Leis da Hereditariedade (Keller, 2002).
A fusão da teoria de Darwin com o entendimento da hereditariedade
levou a uma compreensão clara dos mecanismos evolutivos e permitiu a
unificação da biologia. Muitos estudos posteriores mostraram que os mecanismos
de herança podem variar de acordo com a espécie e a população utilizadas e que
as teorias de Mendel não são válidas para todas as situações. Posteriormente,
foi demonstrado que a dominância não é o único tipo de relação gênica existente.
Um único gene pode ser responsável pela transmissão de mais de um caráter
(Griffiths et al., 1996). No entanto, será sempre atribuído a Mendel o primeiro
grande salto na história da ciência quanto à formulação das teorias sobre os
mecanismos da transmissão de caracteres hereditários.
A teoria da evolução de Darwin sofreu um forte impacto das novas
descobertas científicas, que passaram a ser chamadas de genética, iniciadas
com a divulgação do trabalho de Mendel. Tornou-se claro que a matéria-prima
da evolução é a variação entre alelos dos genes e as suas leis de transmissão de
uma geração a outra, em nível populacional. A união das ideias de Darwin com as
noções da mecânica da transmissão do material hereditário originou a teoria
moderna da evolução, também conhecida pelo nome de neodarwinismo (Futuyma,
1992).

Da Análise de Indivíduos à Análise


de Populações
A ausência de um bom conhecimento da genética no tempo de Darwin
deixou questionamentos que foram esclarecidos nas três primeiras décadas do
Clement, Borém e Lopes 25

século XX, com os conhecimentos que constituíram a ciência chamada de Genética


de Populações. Essa ciência usa, em geral, modelos matemáticos e estatísticos
para gerar informações de dados biológicos obtidos por meio de observação em
populações. Os modelos permitem tratar quantitativamente os fenômenos e assim
estabelecer previsões e testar hipóteses.
A análise de indivíduos realizada por Mendel despertou a curiosidade
para estudo em populações naturais. Foi demonstrado, independentemente, por
Godfrey Harold Hardy, na Inglaterra, e por Wilhelm Weinberg, na Alemanha, em
1908, o equilíbrio de Hardy-Weinberg, que constitui a base da Genética de
Populações. De acordo com esse conceito, em uma população infinitamente
grande, dentro de determinadas condições que se presume que existam, as
frequências alélicas e genotípicas permanecerão constantes com o passar das
gerações (Falconer, 1987). O equilíbrio H-W é teórico e a maioria absoluta de
populações não atende aos pressupostos necessários à sua confirmação,
especialmente em populações usadas no melhoramento, mas a comparação de
parâmetros genéticos reais com o equilíbrio teórico oferece informação valiosa
para o geneticista de populações e para o melhorista.
Os primeiros geneticistas de populações estudaram os sistemas de
cruzamento, especialmente o endocruzamento, para entender melhor a
transmissão de informação genética em situações naturais e controladas. O
estudo clássico intitulado Systems of mating (Wright, 1921) e posteriormente o
artigo Evolution in Mendelian populations (Wright, 1931) são usados por
melhoristas hoje, embora raramente Wright seja citado diretamente. Sewall Wright
é o autor dos coeficientes de consanguinidade, que ajudam os melhoristas
acompanhar os resultados de seleção e recombinação em populações controladas.
Fisher (1930) publicou o livro The Genetical Theory of Natural Selection
e, além de ter sido um importante geneticista de populações, também fez
numerosas contribuições de relevância à estatística, especialmente sobre a
análise de variância, de uso comum entre a maioria dos pesquisadores. Ronald
Fisher e Wright se tornaram grandes nomes por terem estendido seus trabalhos
para Genética de Populações, calculando a consanguinidade entre membros de
populações como resultado de deriva genética, e foram pioneiros em métodos
para calcular a distribuição de frequências gênicas entre populações como
resultado da seleção natural, mutação, migração e deriva genética. Os estudos
em genética avançaram dramaticamente com os trabalhos de Fisher e Wright em
populações naturais, fornecendo a base para os estudos biométricos realizados
por melhoristas em populações de cruzamentos controlados.
26 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

Da Análise de Características Simples à


Análise de Características Complexas
Mendel formulou suas teorias por meio do estudo de características que
dividiam as ervilhas em classes distintas. Tinha sempre sucesso ao classificar as
ervilhas em verdes e amarelas ou em lisas e rugosas, pois as classes não se
sobrepunham. No entanto, a maioria das características das espécies não é
facilmente dividida em categorias claramente distintas. Um exemplo clássico é a
altura em plantas, que apresenta variação contínua dos indivíduos de uma
população e que pode ser mensurável por uma unidade de medida. Esse tipo de
caráter é chamado de métrico e sua variação é contínua, por isso requer análises
estatísticas diferentes daquelas usadas para características que apresentam
classes distintas. Fisher (1918) mostrou o caminho para a análise de caracteres
quantitativos com o emprego da análise de variância e forneceu a base para o
que se conhece hoje por Genética Biométrica.
Ao contrário das características simples, como as estudadas por Mendel,
as características quantitativas sofrem alta interferência do ambiente, e a Genética
Biométrica dá especial atenção aos efeitos ambientais e sua interação com os
efeitos genéticos. A partir de 1940, ocorreram os grandes avanços na genética
biométrica, contribuições consideradas fundamentais para a consolidação do
melhoramento de plantas, tanto no que se refere às metodologias estatísticas e
genéticas como às destinadas à obtenção dos componentes da variação genética
(Hallauer e Miranda Filho, 1982; Mather e Jinks, 1982, 1984; Falconer, 1987;
Vencovsky, 1987). As estimativas de componentes de variância têm larga aplicação
no melhoramento de plantas por fornecer subsídios na tomada de decisão durante
o planejamento e a execução de um programa de melhoramento.

A Evolução das Metodologias de


Melhoramento de Plantas
Os fundamentos da Genética Biométrica permitiram também refinar o uso
dos métodos de melhoramento. A Seleção Massal, considerada o mais antigo
método de melhoramento de plantas, é de pouca eficiência para caracteres de
baixa herdabilidade, enquanto o método de Seleção de Linhas Puras ou Seleção
Genealógica, surgido a partir da teoria de linhas puras de Johannsen (1903), é
considerado de boa eficiência tanto para caracteres de alta como de baixa
herdabilidade. O uso desses métodos está condicionado à existência de
variabilidade genética na população original para a característica a ser
Clement, Borém e Lopes 27

selecionada. Estes são os primeiros métodos de melhoramento usados para


espécies com programas de melhoramento incipientes, com frequência para as
espécies mais recentemente domesticadas.
O esquema básico para a produção de sementes de milho híbrido,
delineado por Shull (1909), é utilizado até hoje pelas empresas de melhoramento
que trabalham com essa espécie. A metodologia é conhecida hoje como
Endogamia-Hibridação, em que são obtidas linhagens endogâmicas puras, as
quais são posteriormente cruzadas em combinações que apresentam elevada
capacidade de combinação. Os efeitos da heterose são em geral capitalizados
por essa metodologia em espécies alógamas, principalmente quando as
características que são alvo de seleção apresentam dominância e
sobredominância.
No século XX, foram desenvolvidos vários métodos de melhoramento
para o desenvolvimento de linhas puras, como: Método da População ou Método
Bulk, proposto por Nilsson-Ehle, em 1908; Método Descendente de uma Única
Semente ou Single Seed Descent (SSD), por Goulden, em 1939; e Método
Genealógico ou Método Pedigree, proposto por Vilmorin, em 1943.
Posteriormente, surgiram várias modificações de cada uma dessas metodologias
originais (Borém e Miranda, 2009). Esses métodos foram idealizados para
situações em que se fazia necessário gerar variabilidade genética utilizando
hibridações controladas e consequentemente populações segregantes. O
Método Genealógico, por exemplo, permite a estimativa de parâmetros genéticos
ao longo de sua execução. A diferença entre esses métodos está principalmente
na forma de condução da população segregante, mas todos visam à obtenção
de linhas puras, que, ao final do processo, necessitam passar por avaliação
antes de serem recomendadas para o plantio.
O potencial de uso do Método dos Retrocruzamentos para modificação
de variedades foi descrito pela primeira vez em plantas por Harlan e Pope (1922).
A Genética Biométrica mostrou que esse método é mais facilmente conduzido
para características de alta herdabilidade, controladas por um ou poucos genes.
Ricley, em 1927, foi o primeiro a descrever o conceito de Seleção
Recorrente, mas Hull (1945) foi o primeiro a usar a terminologia de Seleção
Recorrente. Para uso adequado da metodologia, é imprescindível obter
estimativas de parâmetros genéticos, em especial para calcular o ganho genético
a cada ciclo de seleção.
A escolha do método de melhoramento a ser utilizado depende
principalmente do sistema reprodutivo da espécie e dos objetivos do
melhoramento. No final de qualquer programa de melhoramento para espécies
alógamas, busca-se restaurar a heterozigose; e para autógamas, a homozigose,
28 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

pois estas são as representações de equilíbrio para as respectivas espécies na


natureza. As situações descritas anteriormente mostram alguns dos exemplos
em que a evolução das metodologias em genética e estatística fundamentou os
métodos de melhoramento e facilitou a reprodução dos processos que acontecem
na natureza. Nos capítulos sobre o melhoramento das espécies nativas, exemplos
do uso destes métodos ajudarão a entender seu funcionamento.

Melhoramento Genômico
A genética ainda é uma ciência relativamente nova, pois só recentemente
completou seu primeiro século, desde a redescoberta das suas “leis”, propostas
por Gregor Mendel. Neste curto período de existência, esta ciência avançou
muito, desde os conceitos de segregação alélica até o sequenciamento do genoma
das espécies. Essa fase mais recente inaugura a era da genômica.
A pesquisa genômica é baseada em tecnologias modernas e eficientes
que permitem obter, analisar e interpretar grandes quantidades de dados de
sequências de DNA. As estratégias de análise genômica permitem localizar genes
de interesse em qualquer parte do genoma, identificar aqueles que controlam as
características estudadas ou, ainda, analisar a expressão de milhares de genes
simultaneamente. Essa integração de conceitos, de métodos e de tecnologias
domina as discussões sobre o desenvolvimento de estratégias mais eficientes
na geração de novas variedades.
Não há dúvidas de que o chamado melhoramento genético clássico tem
sido o responsável direto pelo desenvolvimento de cultivares mais produtivos
ou com maior qualidade no último século. Em torno desses avanços,
desenvolveu-se, por exemplo, o importante setor do agronegócio de sementes e
produtos vegetais. O exemplo mais clássico é o do milho híbrido. Em regiões
tradicionalmente produtoras de grãos, estima-se que o incremento de
produtividade devido a alterações genéticas realizadas pelos programas de
melhoramento genético de milho tenha sido da ordem de 74 kg por hectare/ano,
no período de 1934 a 1991 (Duvick, 1997). Nesse estudo, evidenciou-se que o
incremento de produtividade esteja relacionado ao melhoramento para resistência
a estresses bióticos e abióticos das variedades, ao mesmo tempo em que foi
mantida a capacidade de produção em condições de baixo estresse. Todavia, a
inserção de um único gene, via introgressão de alelo, de interesse econômico de
uma espécie silvestre para um cultivar-elite, ou de um conjunto de genes, tem
sido responsável pela movimentação e pelo crescimento de setores inteiros do
agronegócio. Um exemplo conhecido é o do impacto de genes associados ao
controle do teor de sólidos solúveis em tomate (Solanum lycopersicum),
Clement, Borém e Lopes 29

introgredidos na variedade cultivada a partir de parentes silvestres. O resultado


foi o desenvolvimento de variedades de tomate mais ricas em sólidos solúveis,
as quais possibilitaram o florescimento da indústria de catchup.
Os dados recentes da produção agrícola indicam, no entanto, que a taxa
de aumento da produtividade de várias espécies cultivadas vem decrescendo
desde a década de 70. Isso é observado, particularmente, em espécies que
representam grande parte da produção mundial de alimentos, como o milho, o
trigo e o arroz (Tanksley e McCouch, 1997). Recompor os índices anteriores de
incremento de produtividade e, mais ainda, mantê-los ou mesmo ultrapassá-los
são alguns dos grandes desafios dos programas de melhoramento no século
XXI.
É importante, pois, que haja integração da eficiência meticulosa do
melhoramento convencional, baseados na análise fenotípica de milhares de
plantas anualmente, com o melhoramento genômico. A integração de métodos
clássicos de melhoramento genético com as estratégias e tecnologias da genômica
possibilita o estabelecimento de novos paradigmas para o desenvolvimento de
cultivares melhorados. Essa é a base conceitual do chamado Melhoramento
Genômico (genomic breeding), que utiliza informações de mapas genéticos
saturados com marcadores moleculares e análise genético-quantitativa dos
indivíduos fenotipados no campo, para identificar as regiões do genoma que
contêm genes de interesse agronômico. Os benefícios que o melhoramento
genômico podem trazer para a agricultura definirão a competitividade do
agronegócio neste século.
A clonagem de genes por meio de estratégias de avaliação destes é, por
exemplo, uma consequência da integração dos conceitos de mapeamento
genético com tecnologia genômica, conhecida como clonagem posicional. Essa
estratégia abre a perspectiva de um aprofundamento no conhecimento biológico
dos efeitos da expressão de um gene, bem como do seu impacto como valor
agregado no desenvolvimento de linhagens superiores. Da mesma forma, a
integração de tecnologias genômicas com os métodos de melhoramento genético
estabeleceu o uso de seleção assistida por marcadores moleculares em programas
de melhoramento para o desenvolvimento acelerado de novos cultivares.

Avanços da Genômica
Evidências experimentais têm sugerido que os incrementos de ganho em
produtividade vão depender cada vez mais de modificações genéticas das plantas
do que de mudanças no sistema de produção (práticas agronômicas) ou no meio
ambiente. Aliás, a importância do melhoramento de plantas, comparado a outras
30 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

variáveis, tem sido notável, como demonstrado em estudos que analisam o impacto
do melhoramento genético em relação a outros fatores associados a modificações
dos meios de produção (Fehr, 1984; Smith e Smith, 1992). Isso, em parte, é devido
a uma preocupação cada vez maior com a utilização sustentável dos recursos
naturais. As pressões advindas do uso racional de energia, água, defensivos
agrícolas e fertilizantes, por exemplo, requerem o desenvolvimento de novos
cultivares adaptados a essas restrições, sem comprometer a produtividade da
espécie. O entendimento do desenvolvimento varietal por meio das tecnologias
genômicas é um dos desafios que provavelmente alçará a produtividade agrícola
a novos patamares. É nesse aspecto que uma série de avanços recentes da análise
genômica terá impacto determinante, como a seguir exemplificado.

O Melhoramento Assistido por Marcadores


Moleculares
O emprego de seleção assistida por marcadores nos programas de
melhoramento, especialmente para características quantitativas, ainda é
incipiente. Entretanto, não há dúvida de que, recentemente, houve grande
desenvolvimento da teoria da seleção assistida, por meio da análise de diferentes
variáveis em simulações estatísticas (Knapp, 1998; Frisch et al., 1999; Koudane
et al., 2000). Mas a utilização direta de informações moleculares para seleção de
indivíduos superiores quanto a características complexas carece ainda de
informação empírica, pois os experimentos limitam-se a alguns poucos exemplos.
Dados relevantes em estratégias de seleção assistida para características
complexas foram obtidos em alguns estudos utilizando-se o método de
retrocruzamento avançado (Tanksley e Nelson, 1996; Tanksley e McCouch, 1997;
Brondani et al., 2002), embora limitados a poucas espécies, notadamente o tomate
e o arroz.

Conversão de linhagens assistida por marcadores


moleculares
Os programas de conversão de linhagens por marcadores moleculares
procuram adicionar alguma característica de interesse econômico em uma
linhagem promissora por meio da inserção de alelo superior em seu genoma. As
conversões em geral focalizam características de controle genético simples.
A disponibilidade de informação de mapa para os marcadores utilizados
em conversão de linhagens facilita grandemente o trabalho e o torna mais acurado.
Clement, Borém e Lopes 31

Em primeiro lugar, essa informação possibilita que marcadores uniformemente


espaçados e cobrindo todo o genoma sejam utilizados no experimento. Além
disso, a informação de mapa permite que sejam criados genótipos gráficos
(graphical genotypes) dos indivíduos genotipados em cada geração de
retrocruzamento, o que possibilita a “visualização” de sua constituição genômica
e a estimativa do percentual de background genético do genitor recorrente nos
indivíduos analisados (Young e Tanksley, 1989). O resultado é uma redução no
número de retrocruzamentos necessários para obter a nova versão do genitor
recorrente, bem como reduzir o percentual de “arraste por ligação” de regiões
deletérias do genoma do genitor doador.

Seleção assistida para características quantitativas


As características de interesse agronômico são, na grande maioria,
quantitativas, isto é, são controladas por um grande número de genes, cada qual
com uma contribuição específica na expressão, e têm significativa interação com
o ambiente. Um loco de característica quantitativa (QTL) segue os mesmos
princípios da genética mendeliana. Um QTL pode ser individualizado em um
único gene ou representar um conjunto de genes fortemente ligados, os quais
podem ser diferenciados por recombinação (Yamamoto et al., 1998).
A utilização de marcadores em seleção indireta para uma característica
quantitativa há muito é discutida no âmbito da genética e do melhoramento de
plantas (Sax, 1923; Thoday, 1961; Tanksley et al., 1989). Somente com o advento
de marcadores de DNA é que um esforço contundente nesse tipo de
experimentação abriu possibilidades reais de se utilizar a análise de genótipos
em locos de marcadores moleculares espalhados por todo o genoma para prever
ganhos genéticos e selecionar efetivamente a característica de interesse. Os
exemplos existentes ainda são limitados, mas o potencial é grande. Para isso, é
necessário que o genoma da espécie estudada esteja uniformemente saturado
com marcadores de DNA e em desequilíbrio de ligação.

A Engenharia Genética e o Dogma Central


Engenharia genética é a manipulação da estrutura gênica por meio da
inserção ou deleção de fragmentos específicos de DNA no genoma dos seres
vivos. A engenharia genética envolve frequentemente o isolamento, a
manipulação e a introdução do DNA em hospedeiros, geralmente para expressão
do gene introduzido. O objetivo é introduzir novas características num ser vivo
para aumentar a sua utilidade para nossa espécie, tal como aumentando sua
32 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

adaptação à nova fronteira agrícola, resistência a uma praga ou patógeno ou


produção de uma nova proteína ou enzima. Sua aplicação pode ser, portanto,
para produção de variedades melhoradas, vacinas, proteínas, dentre outros.
O Dogma Central da Genética, descrito em 1958 por Francis Crick,
estabelece que a informação genética flui numa só direção — do gene para a
proteína. O conhecimento científico estabelece que um gene deveria ser uma
extensão finita de DNA que, quando lido pelo processo de tradução, produz o
mRNA (o RNA mensageiro), responsável por recrutar os tRNAs (o RNA de
transferência) para a aglutinação de aminoácidos, formando uma proteína. Essa
é outra maneira de dizer que os organismos são ligados à sua formação genética,
negligenciando que o meio ambiente tenha influência na estrutura e na função
dos genes.
Desde meados da década de 1970, os primeiros geneticistas moleculares
que pesquisam o material genético vêm levantando evidências que contradizem
o Dogma Central da Genética. Há uma quantidade imensa de influências cruzadas
entre os genes, o organismo e o ambiente na vida de um ser vivo, influências que
não apenas alteram as funções dos genes como também estruturam os genes e
o genoma (Lewontin, 2000).
A pesquisa genômica levou à conclusão de que os genes ocupam somente
cerca de 1,5% do genoma e que os outros 98,5%, originalmente denominados
“DNA lixo”, por ainda não terem função conhecida, também podem ter importante
papel na hereditariedade. O avanço das pesquisas genômicas está mostrando
que muito das sequências que não codificam proteínas diretamente codificam
reguladores que modificam a proteína resultante, ou seja, um gene pode produzir
duas ou mais proteínas, dependendo das sequências reguladoras adjacentes ou
que têm influência na regulação da produção de proteínas.
Algumas das evidências contrárias ao Dogma postulado de Francis
Crick são:
- o RNA pode sofrer replicação em alguns vírus e plantas;
- o RNA viral, por meio de uma enzima denominada transcriptase reversa,
pode ser transcrito em DNA; e
- o DNA pode diretamente traduzir proteínas específicas sem passar pelo
processo de transcrição, porém o processo ainda não está bem claro.
A descoberta da grande complexidade da interação entre genes, seus
reguladores, seu ambiente celular e seu ambiente externo revelada pelas
pesquisas genômicas mostra que a ciência genética continua a crescer,
questionando suas próprias bases, para permitir a expansão do conhecimento.
Essa expansão terá cada vez mais importância para o melhoramento genético de
Clement, Borém e Lopes 33

nossos principais cultivos, bem como para os que estão começando a ser
melhorados agora.

Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas


Nativas do Brasil
Este volume é desenhado para apresentar o estado-da-arte sobre um
conjunto de tópicos relevantes ao melhoramento genético, desde seus primórdios
na domesticação pré-colombiana até as novas ferramentas genômicas, bem como
sobre um conjunto de espécies que está atualmente sendo melhorado. A primeira
parte do livro apresenta onze tópicos específicos, começando com uma análise
da diversidade vegetal da Amazônia e seu lugar no mundo (Capítulo 2), pois
ainda existem muitas espécies que contribuirão com a sociedade brasileira e
mundial. Em seguida, a bioprospecção é abordada (Capítulo 3), pois a procura
por alternativas de uso agora exige uma abordagem conceitual mais eficiente
para não encher as coleções de germoplasma com acessos que não serão usados.
A bioprospecção tem uma relação importante com a etnobiologia (Capítulo 4),
que estuda a relação entre grupos humanos e seus recursos genéticos, dando
ênfase especial aos grupos indígenas e caboclos, que ainda mantêm parte do
patrimônio intelectual criado ao longo dos milênios antes da conquista.
Uma vez criada uma coleção de recursos genéticos, é essencial
caracterizar, avaliar e catalogar esses recursos (Capítulo 5), pois o uso desses
recursos depende da informação que se tem sobre eles. A conservação de recursos
genéticos, tanto in situ como ex situ, é cada vez mais difícil e exige estudos
genéticos para maximizar a eficiência no planejamento da conservação,
especialmente quando se trata de espécies arbóreas. Além da conservação
tradicional, a cultura de tecidos oferece novas oportunidades para a conservação
in vitro (Capítulo 9), que, por sua vez, oferece vantagens de propagação comercial.
Quando se trata de espécies nativas, muitas das quais nunca
domesticadas, muito menos melhoradas, uma estratégia importante para viabilizar
avanços rápidos é o pré-melhoramento (Capítulo 6). O aumento de eficiência no
uso de recursos genéticos também requer uso do novo arsenal de ferramentas
biotecnológicas (Capítulo 7), pois, quanto mais se sabe sobre os recursos quando
começamos, maior a probabilidade de alcançar êxito no desenvolvimento de
novos cultivares. Além das pesquisas genômicas, as novas pesquisas
proteômicas oferecem informações importantes para se entender os genes de
interesse, bem como para identificar novos produtos para as indústrias químicas
e biotecnológicas (Capítulo 8).
34 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

Nenhuma discussão sobre melhoramento moderno seria completa sem


incluir o melhoramento in situ ou participativo (Capítulo 10), pois a consciência
sócio-ambiental que tem se expandido desde a Convenção da Diversidade
Biológica, assinada durante a conferência das Nações Unidas sobre
desenvolvimento e ambiente no Rio de Janeiro, em 1992, reconhece que os
primeiros melhoristas – os povos indígenas e as comunidades tradicionais –
ainda estão ativos e têm direitos sobre seu patrimônio cultural, que inclui seus
recursos genéticos. A multiplicação de projetos de melhoramento participativo
no Brasil segue uma tendência internacional e exige estratégias locais de
desenvolvimento sustentável também (Clement et al., 2007).
Esta obra apresenta ainda o estado-da-arte sobre 11 espécies nativas e
dois grupos de cultivos, as plantas medicinais e as hortaliças. Algumas dessas
espécies são domesticadas, no sentido explicado anteriormente, incluindo guaraná
(Capítulo 17), pupunha (Capítulo 18), amendoim (Capítulo 12), as pimentas picantes
e o cubiu (Capítulo 22). Outras espécies são semidomesticadas, como cacau
(Capítulo 13) e algumas plantas medicinais (Capítulo 21), e outras ainda são de
domesticação incipiente, quando muito, como caiaué (Capítulo 14), cupuaçu
(Capítulo 16), seringueira (Capítulo 19), açaí-do-pará (Capítulo 11), tucumã-do-
amazonas (Capítulo 20), castanha (Capítulo 15) e algumas plantas medicinais
(Capítulo 21). Os autores dão diferentes ênfases à domesticação e ao melhoramento,
dependendo tanto do grau de domesticação antes de o melhoramento se iniciar
como do detalhe no estudo feito sobre a domesticação pelo grupo responsável
pelo melhoramento, pois nem todos os melhoristas têm tempo e recursos para
estudar o passado ao mesmo tempo em que se preparam para o futuro.
Os editores esperam que a combinação da informação sobre o passado
com a informação atual e as perspectivas para o futuro ajudem aos leitores a
entender este processo tão importante para o empreendimento humano: o
melhoramento de plantas. Quanto mais entendemos do passado e do presente,
melhores nossas chances de êxito no futuro, especialmente o futuro conturbado
que nos espera ao longo deste século.

Referências Bibliográficas
Anderson, E. 2005. Plants, man and life. Mineola, New York: Dover Publ. 245p.
[Re-publicação de 1952/1967, de Little, Brown & Cia., Boston].
Balée, W. 1989. The culture of Amazonian forests. In: Posey, D.A.; Balée, W.
(Eds.). Resource management in Amazonia: Indigenous and folk strategies,
Advances in Economic Botany, 7. Bronx, NY: New York Botanical Garden.
p.1-21.
Clement, Borém e Lopes 35

Bernatzky, R.; Tanksley, S.D. 1986. Toward a saturated linkage map in tomato
based on isozymes and random cDNA sequences. Genetics 112: 887-898.
Bitencourt, A.L.V.; Krauspenhar, P.M. 2006. Possible prehistoric anthropogenic
effect on Araucaria angustifolia (Bert.) O. Kuntze expansion during the late
Holocene. Revista Brasileira de Paleontologia 9(1):109-116.
Brondani, C.; Rangel, P.H.N.; Ferreira, M.E. 2002. QTL mapping and introgression
of yield related traits from Oryza glumaepatula to O. sativa using
microsatellite markers. Theoretical and Applied Genetics 104: 1192-1203.
Borém, A.; Miranda, G.V. 2009. Melhoramento de plantas. 5a. edição. Viçosa,
Editora UFV. 529p.
Chase, A.K. 1989. Domestication and domiculture in northern Australia: a social
perspective. In: Harris, D.R.; Hillman, G.C. (Eds.). Foraging and farming: The
evolution of plant exploitation. London: Unwin Hyman. p.42-54.
Clark, R.L. 1981. Bushfires and vegetation before European settlement. In:
Stansbury, P. (Ed.) Bushfires: Their effect on Australian life and landscape.
Sidney: University of Sidney. p.61-74.
Clement, C.R. 1999a. 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources. I.
The relation between domestication and human population decline. Economic
Botany 53(2):188-202.
Clement, C.R. 1999b. 1492 and the loss of Amazonian crop genetic resources. II.
Crop biogeography at contact. Economic Botany 53(2): 203-216.
Clement, C.R.; McCann, J.M.; Smith, N.J.H. 2003. Agrobiodiversity in Amazonia
and its relationships with dark earths. In: Lehmann, J.; Kern, D.; Glaser, B.;
Woods, W. (Eds.). Amazonian Dark Earths: Origin, properties, and
management. Dordrecht: Kluwer Academic Publ. p.159-178.
Clement, C.R.; Rocha, S.F.R.; Cole, D.M.; Vivan, J.L. 2007. Conservação on farm.
In: Nass, L.L. (Ed.). Recursos genéticos vegetais. Embrapa Recursos
Genéticos e Biotecnologia, Brasília. p. 511-544.
Couvreur, T.L.P. et al. 2006. Close genetic proximity between cultivated and wild
Bactris gasipaes Kunth revealed by microsatellite markers in Western Ecuador.
Genetic Resources and Crop Evolution 53: 1361-1373.
Darwin, C. 1958. The origin of species. New York: Mentor. [1ª ed. 1859] 479p.
Darwin, C. 2004. The variation of animals and plants under domestication, 2 vol.
Whitefish, Montana: Kessinger Publ. [1ª ed. 1885] 488p. e 508p.
Dawkins, R. 1999. The extended phenotype: The long reach of the gene. Oxford:
Oxford University Press. [1ª ed. 1982]. 340p.
Denevan, W.M. 2001. Cultivated landscapes of native Amazonia and the Andes.
Oxford: Oxford University Press. 396p.
Diamond, J. 1997. Guns, germs and steel: The fates of human societies. New
York: W.W. Norton. 480p.
36 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

Doebley, J. 1989. Isozymic evidence and the evolution of crop plants. In: Soltis,
D.E.; Soltis, P.S. (Eds.). Isozymes in plant biology. Portland, OR: Dioscorides
Press. p.165-191.
Donald, C.M. The breeding of crop ideotypes. Euphytica, v. 17: 385-403. 1968.
Duvick, D.N. 1997. What is yield? In: Edmeades, G.O. et al. (Eds.). Proc. of
Symposium on Developing Drought- and Low N-Tolerant Maize. CIMMYT,
El Batan, México. p. 332-335.
Emshwiller, E. 2006. Genetic data and plant domestication. In: Zeder, M.A.;
Bradley, D.G.; Emschwiller, E.; Smith, B.D. (Eds.). Documenting domestication.
New genetic and archaeological paradigms. Berkeley, CA: University of
California Press. p.99-122.
Erickson, C. 2003. Historical ecology and future exploration. In: Lehmann, J.;
Kern, D.; Glaser, B.; Woods, W. (Eds.). Amazonian Dark Earths: Origin,
properties, and management. Dordrecht: Kluwer Academic Publ. p.455-500.
Falconer, D. D. 1987. Introdução a genética quantitativa. Viçosa: UFV. 279 p.
Fehr, W. 1984 Genetic contributions to yield gains of five major crop plants.
Spec. Publ. # 7. Madison, WI; Crop Sci Soc América.
Fisher, R.A. 1918. The correlation between relatives on the supposition of
Medelian inheritance. Transactions of the Royal Society of Edinburgh 52:
399-433.
Fisher, R. A. 1930. The genetical theory of natural selection. Oxford: Clarendon
Press, 230 p.
Frisch, M.; Bohn, M.; Melchinger, A.E. 1999. Comparison of selection strategies
for marker-assisted backcrossing of a gene. Crop. Sci. 39:1295-1301.
Futuyma, D.J. 1992. Biologia Evolutiva. 2. ed. Sociedade Brasileira de Genética-
CNPq. Ribeirão Preto. 631p.
Futuyma, D.J. 2005. Evolution. Sunderland, MA: Sinauer Associates. 603p.
Goebel, T.; Waters, M.R.; O’rourke, D.H. 2008. The late Pleistocene dispersal of
modern humans in the Americas. Science 319: 1497-1502.
Goren-Inbar, N.; Alperson, N.; Kislev, M.E.; Simchoni, O.; Melamed, Y.; Ben-
Nun, A.; Werker, E. 2004. Evidence of hominin control of fire at Gesher Benot
Ya‘aqov, Israel. Science 304(5671):725-727.
Grattapaglia, D.; Ferreira, M.E. 1996. Proteção de cultivares por análise de DNA.
Artigos Técnicos. Anuário da Associação Brasileira de Produtores de
Sementes. ABRASEM, 96: 44-50.
Griffiths, A.J.; Miller, J.H.; Suzuki, D.T.; Lewontin, R.C.; Gelbart. W.M. 1996.
Introdução à Genética. 6.ed. Edit. Guanabara Koogan.
Hallauer, A.R.; Miranda Filho, J.B. 1982. Quantitative genetics in maize breeding.
Ames: Iowa State Univ. Press. 486p.
Harlan, J.R. 1992. Crops and man, 2nd ed. Madison, Wisconsin: American Society
of Agronomy/ Crop Science Society of America. 284p.
Clement, Borém e Lopes 37

Harlan, H.V; Pope, M.N. 1922. The use and value of backcross in small grain
breeding. Journal Hered. 13:319-322.
Hawkes, J.G. 1983. The diversity of crop plants. Cambridge, Massachusets:
Harvard University Press. 184p.
Hull, F.H. 1945. Recurrent selection and specific combining ability in corn. Journal
American Society of Agronomy 37: 137-145.
Keller, E.F.K. 2002. O século do gene. Belo horizonte: Crisálida.
Knapp, S.J. 1998. Marker-assisted selection as a strategy for increasing the
probability of selecting superior genotypes. Crop. Sci. 38:1164-1174.
Lande, R.; Thompson, R. 1990. Efficiency of marker-assisted selection in the
improvement of quantitative traits. Genetics 124: 743-756.
Lathrap, D. 1977. Our father the cayman, our mother the gourd: Spinden revisited,
or a unitary model for the emergence of agriculture in the New World. In:
Reed, C.A. (Ed.). Origins of agriculture. The Hague: Mouton. p.713-751.
Leach, H.M. 1997. The terminology of agricultural origins and food production
systems - a horticultural perspective. Antiquity 71(271):135-148.
Lehmann, J.; Kern, D.; Glaser, B.; Woods, W. (Eds.). 2003. Amazonian Dark
Earths: Origin, properties, and management. Dordrecht: Kluwer Academic
Publ. 505p.
Lewontin, R. 2000. The triple helix: gene, organism and environment. Cambridge,
MA: Harvard University Press. 136p.
Louette, D. 2000. Traditional management of seed and genetic diversity: what is
a landrace? In: Brush, S.B. (Ed.). Genes in the field: on-farm conservation of
crop diversity. Boca Raton, FL: Lewis, International Development Research
Centre, International Plant Genetic Resources Institute. p. 109-142.
Mann, C.C. 2005. 1491: New revelations of the Americas before Columbus. New
York: Alfred A. Knopf. 465p.
Mather, K.; Jinks, J.L. 1982. Biometrical genetics: the study of continuous
variation. 3.ed. London: Chapman and Hall. 396p.
Mather, K.; Jinks, J.L. 1984. Introdução à genética biométrica. Ribeirão Preto:
Sociedade Brasileira de Genética. 242p.
Mora, S. 2006. Amazonía: Pasado y presente de un territorio remoto. Bogotá:
Universidad de los Andes. 268p.
Neves, W.A. 2006. Origens do homem nas Américas: fósseis versus moléculas. In:
Silva, H.P.; Rodrigues-Carvalho, C. (Org.). Nossa origem: O povoamento das
Américas – visões multidisciplinares. Rio de Janeiro: Vieira & Lent. p. 45-76.
Pickersgill, B. 2007. Domestication of plants in the Americas: Insights from
mendelian and molecular genetics. Annals of Botany 100: 925-940.
Pigliucci, M. 2001. Phenotypic plasticity: Beyond nature and nurture. Baltimore:
The John Hopkins University Press. 328p.
Pintaud, J.-C. et al. 2008. Reciprocal introgression between wild and cultivated peach
38 Da Domesticação ao Melhoramento de Plantas

palm (Bactris gasipaes Kunth, Arecaceae) in Western Ecuador. In: Maxted, M.;
Ford-Lloyd, B.V.; Kell, S.P.; Iriondo, J.M.; Dulloo, M.E.; Turok, J. (Eds.). Crop
wild relative conservation and use. Wallingford, UK: CABI. p.296-308.
Piperno, D.R.; Pearsall, D.M. 1998. The origins of agriculture in the lowland
Neotropics. San Diego: Academic Press. 400p.
Pyne, S.J. 1998. Forged in fire: History, land, and anthropogenic fire. In: Balée,
W. (Ed.) Advances in historical ecology. New York: Columbia University
Press. p.64-103.
Rindos, D. 1984. The origins of agriculture: An evolutionary perspective. San
Diego: Academic Press. 325p.
Roosevelt, A.C. et al. 1996. Paleoindian cave dwellers in the Amazon: The peopling
of the Americas. Science 272(5260):373-384.
Sax, K. 1923. The association of size differences with seed-coat pattern and
pigmentation in Phaseolus vulgaris. Genetics 8: 552-560.
Shull, G.H. 1909. A pure line method of corn breeding. American Breeders
Association Report. 5: 51-59.
Simmonds, N.W.; Smartt. 1999. J. Principles of crop improvement. 2. ed. Oxford:
Blackwell Science. 422p.
Smith, J.S.C.; Smith, O.S. 1992. Fingerprinting crop varieties. Adv. Agron. 47:85-
140.
Tanksley, S.D.; Mccouch, S.R. 1997. Seed banks and molecular maps: unlocking
genetic potential from the wild. Science 277:1063-1066.
Tanksley, S.D.; Nelson, J.C. 1996. Advanced backcross QTL analysis: a method
for the simultaneous discovery and transfer of valuable QTLs from unadapted
germplasm into elite breeding lines. Theor. Appl. Genet. 92:191-203.
Tanksley, S.D.; Young, N.D.; Paterson, A.H.; Bonierbale, M.W. 1989. RFLP
mapping in plant breeding: New tools for an old science. Bio/technology 7:
257-264.
Tudge, C. 1999. Neanderthals, bandits and farmers: How agriculture really began.
New Haven: Yale University Press. 51p.
Wallerstein, I. 1999. The end of the world as we know it: Social science for the
twenty-first century. Minneapolis, MI: Univ. Minnesota Press. 292p.
Wang, R.L.; Stec, A.; Hey, J.; Lukens, L.; Doebley, J. 1999. The limits of selection
during maize domestication. Nature 398: 236-239.
Wiersum, K.F. 1997. From natural forest to tree crops, co-domestication of forests
and tree species, an overview. Netherlands J. Agricultural Science 15: 425-438.
Wright, S. 1921. Systems of mating. Genetics 6: 111-178.
Wright, S. 1931. Evolution in Mendelian populations. Genetics 16:97-159.
Yamamoto, T.; Kuboki, Y.; Lin, S.Y.; Sasaki, T.; Yano, M. 1998. Fine mapping of
quantitative trait loci Hd-1, Hd-2 and Hd-3, controlling heading date of rice,
as single Mendelian factors. Theor. Appl. Genet. 97: 37-44.

Você também pode gostar