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D. S. Halacy Jr.

A REVOLUÇÃO GEruÉflCA
modelando a vida de amanhã
)
'Vatson e um punbado de oatros irustaram T
ADN do gene. a Í
go{erno d ifiterditar a sabstância da aida aos atanancailores ge-
ú
néticos, Mas é sulicientemente realista para admitir qae firesn o j
ilI
tais sanções que prooaaelmente não setão postas em prâtica
-
não consegairão a m,áquina genética. Legalmente ot t
-não, alguns cientistaslrear
perseguirão o lascinante objetiao de mani-
O indiuídao hamano passa a existir pri-
neiro corno diruinuta parücul,a inlornacional
palar os rnecanisrnos da aida. É possíoel que só os próprios resubante da corubinação lortaita de alguruas
genes possom traç6r os lirnites de ação de seas administradores.
partículas inlormacionais ainda rndis diminutas
deriaadas do cabedal genético que seas pais lhe
transruitirarn no instante da fecundaçã.o. Seu
desenaolainento sabseqüente, pré e p6s-natal,
pode ser d.eliniilo cor?ro o processo de tornar-se
aquilo que ele iá era desde o ruorue?rto em qae
loi concebidu
Paul Rarnsey, O Homem Fabricado.

PERSEGUINDO O GENE

Cientistas que estudam os fenômenos da memória andam


do "engtama", tfâço con-
pesquisando diligenterye_nte à procura
creto que nos possibilite compreender o funcionamento da
mente. Embora o termo teúa sido cuúado pelo cientista caÍra'
dense D. O. Hebb há dezenas de anos, os pesquisadores ainda
não isolaram o engrâmâ: eles se sentem tolhidos porquanto- não
sabem realmente ó que é que estão ptocutando. Na verdade,
segundo Roger Sperry, do Caltech, eles nem reconheceriam um
engrama se cruzâssem com"üm. Em grande parte, foi e§te- o
prõblema dos cientistas gue há tempos se dispuseram a- isolat
ê identificat as "sementes da humanidade", as entidades heredi-
tárias que nos conferem a imortalidade reprodutiva,- as siEilari-
dades àe nossa espécie e nossas diferenças individuais. Loca-
lizar uma agulha num palheiro é tarcÍa que pode ser complicada
ainda mais pela ignorância do tipo de agulha de que se trate
ou, ainda, pot não se saber sequer se alguma existe'

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Há um século, a revista Scientitic Arnerican descrevia me-
I bert", em que a sociedade cultiuaua seres humanos em vâsos eom
lancolicamente o problema: etiquetas que os descrevíam como "cientistâs", "artistas", etc.
I Isto foi 150 anos antes de Aldous Huxley surpreender seus lei-
"Crêem os propugnadores da escola física que muito Í
i tores com o Ad.nziráoel Mundo Noao *, em que falava de Alfas e
embora a natuteza se possa "construir" graças à ação das Betas decantados, de seres humanos produzidos em massa, à dis-
Íorças químicas ordinárias, em algum tempo no futuro, posição do fteguês, numâ "incubadora", independentemente de
quando tivermos aptendido muito mais sobre a física mole- romantismo, amor ou mesmo relações sexuais. E o próprio Di-
cular, poderemos esperâr esclarecer o modo como isto se derot foi antecedido de 2000 anos por um grego que especulou
Íaz. É esta a esperança que os modelnos evolucionistas e sobre a origem do homem.
os propugnadores da teoria física da vida acalentam. Desde
a planta ou animal mais gigantescos de todo o globo até a É óbvio que não necessitamos conhecer as últimas desco-
menor partícula orgânica visível ao microscópio, tudo foi bertas dos geneticistas para cismarmos nas nossas origens, na
construído, molécula por molécula, consistindo o problema razão pot que seres humanos geram sefes humanos, ratos pfo-
em explicar este processo molecular. Nesta átea, a dou- duzem ratos e um casal de preto e branco não produz em cada
ttina da seleção natural e da luta pela existência não pro- getação um composto de suas cores, mas dão à luz Íilhos às vezes
porciona mais luz sobre o assunto do que o concurso for- negros ou btancos ou mulatos na mesma fatrnília. Aristóteles
tuito de átomos e a filosofia atômica dos antigos." compôs sua ciência vários séculos antes do nascimento de Cristo,
e entre as coisas que estudou estava a origem e a hereditariedade
A pesquisa em busca da centelha da vida é tão velha quânto humana. Mútas teorias que aventou erraram o alvo por muito;
a filosofia atomista de Demócrito e o mito prometéico. Com- ele não sabia, por exemplo, que há plantas masculinas e Íemi-
preensivelmente, tem sido este o mais ilusório ftoféu jamais ninas. Mas, apesar de tudo, fez algumas conjecturas bastante
sagazes acerca da evolução.
buscado, e até tecentemente o homem nem mesmo o avistou.
Agora, de repente, acha-se ele com as mãos sobre o mecanismo Costumamos lembrar Aristóteles principalment€ por causa
da própria vida. Â descobetta da entidade responsável, a molé- de sua filosofia e de seu sistema de raciocínio lógico, mas ele
cula de ADN, que compõe o gene, constitui uma históda inte- também Íoi um notável biologista, e o melhor de seus 150 vo-
ressante que abrange mais de dois mil anos e necessitou o esforço lumes tata desta ciência. Ele classificou 520 espécies de ani-
de muitos homens, alguns deles talentosos investigadores, outros mais e efetivamente dissecou perto de 50 denme eles para
nem tanto. Como em tqda a ciência, cada pesquisador se apóia aumentaf seus conhecimentos acerca das criaturas vivas. Foi
em outros qGõ-ãEceãeram. pioneiro do sistema de organização de espécies por hierarquias.
Como é fácil adivinhar, ele também perperou erros grosseiros.
Opôs-se à teoria de Demócrito segundo a qual toda matéria se
compuúa de partículas minúsculas e indivisíveis chamadas áto-
Os Antigos
mos, ponto de vista que constituía passo grande demais ou
pequeno demais - Ele
paru a visão objetiva de Âristóteles.
O estudante de genética em geral é inÍormado de que essa não podia enxergar- átomos, logo não podia cret neles. (No que
ciência começou precipitadamente por volta de 1900, com a foi imitado pelo brilhante físico Ernst Mach, mais de 2000 anos
"redescoberta" dos achados de Gregor Mendel acerca da here- depois.) Demócrito, diga-se de passagem, ptopôs uma teoria
ditariedade das plantas. Isto dá a impressão de que a genética, "mistâ" sobre a hereditariedade, segundo a qual uma criança
a saber, o estudo daquilo que nos Íaz e que nos ftansforma, áata podia ser masculina e, não obstante, herdar algumas caracte-
de pouco mais de setenta anos. Mas Mendel rcalizoa sua obra
monumental com ervilhas-de-cheiro e outrâs plantas há mais de
um século. Um século antes disso, o enciclopedista Írancês Denis * Á-ldous Huxley, Admiráoel lv{undo Notto. Ttad. de Felisberto Álbu'
Diderot publicava um conro intitulado "O Soúo de D'Alem- querque. S. Paulo, Abtl.l.,1974.

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I

rísticao da mãe. Eis aí um prenúncio, ainda que rude, da mo- A Reprodução da Vida
derna teotia genética.
A ignorânc.ia e ingenuidade dos antigos nos parecem incríveis
Mais estraúa que tudo foi a declaração de Aristóteles de
hoje em dia, tanto quânto as nossas hão de par€cer às gerações
que o cérebro seria apenas "um órgão para esfriat o sangue"!
futuras. Não há muitos séculos, por exemplo, o "ciêntiita"
Entretanto, ele acreditava que o mundo fosse tedondo (quando Paracelso chegou a ponto de compor uma receita para criar vida
se dirigia paru o Norte, novas estrelas €ntravam no seu campo humana em laboratório: deixe-se apodrecer um pouco de sêmen,
de visão), e classificou o golfinho como mamífero, porque dava nutra-se com sangue humano à temperatura apropriada e, em
à luz rebentos presos a uma placenta. Nenhum outro cientista se pouco, ter-se-á um hornenzinho. "Emprenhe uma raiz de man-
uniu a ele nessa heresia biológica até mais de 2000 anos depois, dtágota", escreveu John Donne. Embora Donne equiparasse o
quando o biologista alemão Johannes Muller se pôs de acordo
ato de emprenhar-se alguém à difícil proeza de apanhar uma
com a classificação aristotélica.
estrela cadente, muitos em seu tempo ainda acreditãvam que a
Aristóteles achava que houvesse uma cadeia de mudanças mandrágora fosse mesmo uma criatura viva em miniatura. Tam-
progressivas nos seres vivos (embota incometamente acreditasse bém se supuúa que os cordeiros brotassem da própria terra e
que algumas nascessem espontaneamente), e foi, pot isso, um que certa áruore da Escócia, às margens de um rio, produzisse
dos primeiros a entÍeter a idéia de evolução a patir de origens folhas que, uma vez caídas nas águas, se transformavam em
comuns. Vislumbrou uma "escada natutal" ligando a m téria peixes, enquanto que as que caíssem no seco se tomavam pás-
inanimada, das plantas, da vida animal inferior, de oví- saros. E costume sugerir humoristicamente que os pais de fámí-
^ffavés ao homem. Toda a vida, acreditava ele, era
pâros e mamíferos, lias muito numerosas não saibam o que de fato ocasiona as
guiada pela inteligência divina. crianças. Flouve tempo em que, de modo geral, isto era mesmo
Se bem Aristóteles estudasse o embrião e soubesse ser este veqdade, e até agoru existem pessoas âtrasadas que atribuem a gra-
a cnatuÍa em desenvolvimento, não visualizou o óvulo que a videz aos espíritos, à natureza, a acidentes ou a qualquer oúra
produz, nem a minúscula célula espermática a desencadear, im- coisa que não a Í.ertilização de um óvulo por um espermatozóide.
p€tuosa, o processo vital. Capaz de ver as coisas no seu todo Uma controvérsia básica logo se apresentou enffe "pré-for-
sabia que a Terra era r,edonda! ele não podia imaginar os mação" e "epigênese". Os partidários da prirneira acreditavam
-pequeníssimos tijolos -
que a constituíam. Alguém incapaz de que a semente do macho fosse mesmo a reprodução fiel do pai e
conceber átomos de pedra ou de metal dificilmente concebetia, tão minúscula que seria invisível a olho nu, mas que logo se
e menos ainda itia descobrir, entidades tais como células repro- desenvolvia a ponto de se parecer com aquele e, claro, con-
dutoras humanas. - ad infinituxt.
tendo em si ouffas sementes paÍâ repetir o processo
Cabeças mais sábias criaram uma idéia oposta, a saber, a da
Hipócrates, que morreu antes do nascimento de Aristóteles,
epigênese, ou seja, a idéia da oiação de um embdão a partir de
arriscou uma teoria da reprodução, baseada em "duas semefltes":
matétias-primas do óvulo. A batalha enffe uma e outra cor-
sêmen misturado com secreção vaginal, a coagular-se gradualmente
rente conheceu períodos de calor e de arrefecimento através dos
durante a gtavidez, Íormando, desse modo, a criança. Essa teo-
séculos. A doutrina da pré-formação, expandindo-se, transformou-
ria tinha por si certo atrativo lógico, mas Aristóteles rejeitou-a -se na da "encapsulaçáo", a teoria da caixa chinesa, segundo a
em favor de um mecanismo de reprodução "monocelular". Acre-
qual o primeiro óvulo conteria em miniatura todos quantos
ditava ele que o sêmen paterno só fazia "organizat" o sangue
subseqüentemente houvessem de nascer, aninhados um denffo do
no interior do útero materno, sângue esse que se transfonmaüa
outro e cada qual proporcionalmente menor.
nurna criança. Embora houvesse um grão de verdade nessa con-
cepção, Atistóteles ainda estava longe de atinar com o verda- Leonardo da Vinci fez desenhos perfeitos do ato sexual,
deiro mecanismo da reprodução. O mesmo se diga de Ésquilo, embora seu misticismo produzisse alguns erros estrambóticos,
cuja teoria sustentava ser o pai o verdadeiro procriador, não como seja o de incluir uma ureÚa exffa para bombear ííalmâ"
pasrando a máe de mera "guardiá da vida nela semeada"' s partir da espinha paterna. Da Vinci e alguns outros coúeciam,

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ú clalo, o mecanismo da concepção. Mas disseccionistas familia- Um óvulo humano é quase invisível. Quem haveria de crer que
rizaclos com a maioria das partes do corpo se deixaram atrapalhar uma tal partícula contivesse em si o futuro da humanidade? O
por suas próprias concepções falsas tanto quanto pela ignorância, progresso veio lento com a dissecção de animais, como os utili-
preconceitos e dogmas dos seus tempos. Da Vinci prudentemente zados por Harvey e por ouros investigadores. Até já se disse à
ocultou muitos de seus desenhos e muitas de suas especulações, boca pequena que Cleópatra ordenou que se tealizassem expe-
que só recentemente vieram a público. riências semelhantes com escravas prenhes.
Andreas Vesalius foi o "mestre de anatomia", e suas dis- O grande cientista francês Georges Buffon turvou as águas
secç6es revelam quase todos os pormenores do corpo: ossos, com um engano colossal cometido em análise de laboratório.
músculos, vasos sanguíneos e nervos. Deixou grâvurâs que até Afirmou ele que, dissecando uma fêmea de animal não acasalada,
hoje são maravilhas de precisão e pormenorizaçáo. Ai havia mi- verificou que continha partículas idênticas àquelas encontradas
lagres do corpo humano em profusão, mas os maiotes segredos no sêmen de um cachorro, e, por conseguinte, a fêmea sozinha
permaneceram invisíveis a olho nu e resistiram a todas as coniec- era responsável pela reprodução. A explicação de Buffon vinha
turas científicas. Mesmo a circulação do sangue ainda constituía a propósito de uma teoria medieval que referia os germes da
um mistério âté o tempo de §üilliam Harvey, e os cientistas vida "caindo das estrelas". Segundo ele, o ar em torno de nós
estavam quase tão longe de entender a reprodução como antes. estaria cheio de diminutos esporos vivos, os quais, sendo tra-
O problema de achar o segredo da vida não era constituído gados pelos animais, produziriam o esperma. Anos depois, o
apenas pela ignorância dos pesquisadores. Uma barreira real cientista sueco Svante Anhenius iria lançar, com toda a serie-
e poderosa era representada pela oposição do mundo em geral dade, a idéia da "panspermia", segundo a qual os esporos da
a toda tentativa de investigar esses segredos vitais. A ciência vida trafegavam pela amplidão vazia do espâço movidos à pressão
ortodoxa, algreja e cidadãos supersticiosos, todos eram inimigos da luz oriunda das estrelas.
potenciais de qualquer nova descoberta que desafiasse velhos Apesar de muito da moderna teoria genética já então estar
credos. Harvey ocultou sua teoria da circulação do sangue du- ao menos sugerido, a maioria das pessoas no século XVIII ainda
rante üeze anos, receando represálias por parte da comunidade acreditava na "getação espontânea" segundo a qual as cria-
científica, da lgreja e de seus próprios pâcientes. turas vivas meramente se desenvolviam - a partir de estrume,
Enffetanto, foi Harvey quem publicou um trabalho pro- farirrha, grãos de cereais e até de trapos velhos. Em 1668, Fran-
pofldo a teoria ex ouo ontnia, "tudo a partir do ovo". Hoje em cesco Redi realizou experimentos que o levaram a crer que todos
dia, a maior parte das pessoas está inteirada de que os mamí- os seres vivos deviam provir de sementes ou de plantas ou de
feros, à semelhança dos pássaros, se desenvolvem a partir de animais, em vez de suscitar-se espontaneamente a partir do ar
óvulos fertilizados poÍ espermatozóides. Harvey provou, dis- ou da matéúa. Mas pouca gente lhe deu our.idos. Lazzato
secando fêmeas de animais prenhes, que a teoria de Hipócrates Spallanzani teve de repetir essas experiências para attait a atenção
acetca da coagulação era falsa, mas para ele a questão da fenili- dos cientistas. (A propósito, as experiências feitas por Spallan-
zaçáo petmaneceu um mistério. Embora o óvulo hrrmano não zani no sentido de fetver os alimentos para destruir bactérias
tivesse sido descoberto, Harvey estava seguro de que devia levou um cozinheiro francês, chamado François Appert, a inventar
cxistir. Mas que erâ que efetivamente determinava a Íertilizaçáo, o processo de enlatamento de conservas, pouco depois de 1800.)
se o sêmen não era o responsável? O próprio esperma ainda Outro francês, o grande Louis Pasteur, posteriormente associou
não fora descoberto nem imaginado, e Hatvey morreu ainda seu prestígio a experimentos que provaram não existir o fenô-
"perplexo" acerca do processo real da reprodução. meno da geração espontânea em parte alguma da Tema ou,
Em parte, o problema era o próprio óvulo. Mesmo Hipó-
-
pelo menos, nos lugares em que ele tinha preparado seus frascos.
cratcs tinha investigado a evolução de um embrião num ovo de Parecia estar provado que a vida tinha que procecler da vida e
galinl-ra, e esse procedimento foi repetido por outros experimen- não da matéria inerte.
tadores através dos séculos até §7illiam Harvey e depois. Um Subsiste ainda um grande enigma acerca cla prioridade de
ovo de galinha é coisa tangível e, por isso mesmo, compreensível. origem entre a galinha e o ovo. O romancista inglês Samuel

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lltlcr, c;uc taprbém tir-rha suas próprias teorias místicas, afirmou lentes focalizando com elas o mundo microscópico, e depois de
(ple a questão não vinha âo caso mas que a galinha eÍa apenas 1600 o microscópio passou â ser instrumento bastante conhe-
o rneio'cle que ovo se valia paru criar mais ovos' Em outras
'qr"o.ont, cido. Mas um fanqueiro holandês chamado Anton vân Leeu§/e-
palavras, o na n^tuiez^ são as células sexuais' Não nhoek iria consffuir melhores microscópios e com eles ver coisâs
árrriurri., méàicos cLrriosos achavarn o ovo-, geralmente o da nunca antes vistas ou qire não se tornaram a ver depois por
salinha, uma boa base para estudos do desenvolvimento do mais de um século. -
EÀU.iao. Ovos incubados poderiam ser pârtidos a intervalos_ regu- Em 1665, Robert Hooke, na fnglaterra, publicava um
lares para se acompanhar^o desenvolvimento cronológico da.ave Iivro maravilhoso chamado Micrografia, abartotado com sessenta
; rJ" interiot. Em tgle, um embriologista publicava um livro gravuras das observações que fez ao microscópio de gotículas de
;; q"; descrevia as tentativas que Íez para "criaf' uma galinha
vidro derretido. Foi Hooke quem cunhou o termo "célula" para
,rrtrndo ovos com vários fluidoi, inclusive vinagre e óleo, mis- designar os pequenos compartimentos que observou na cortiça.
turando também coalho com a clara. contudo, essas tentativas
Eles lembravam direitinho cubículos de monastérios, e eram
àããf"t"u. aÍetilizaçãoem tubos de ensaio não lograram produzir realmente as paredes de células antes vivas. Leeuwenhoek tam-
senão omeletes.
que toda.a bém observou células com o auxílio de lentes de vidro polido,
Já observamos que se bem Harvey acreditasse mas enxergou mais que paredes vazias. O holandês identificou
vida se originasse do-ovo, morreu sem saber ao cer-to qu§ T3§
os glóbulos vermelhos do sangue, e foi o primeiro a pôr os olhos
estava envo"lvido no processo' E ninguém mais o soube até 1875,
em cima do protozoário unicelular, a ameba comum às classes
quando o cientista alimão Oskar Hertwig, observando ao micros-
de ciências de hoje. Em seus escritos, falou ele de haver extraído
.ópio, vi, o esperma de ouriço-do-mar migrar para um ovo da
uma "partícula de matéria branca" dos dentes e ter observado
."r*â espécie à fertilizá-lo. Agora estavâ claro que havia duas nela "animaizinhos minúsculos movendo-se graciosamente". O
r.rn"",.t envolvidas na produção dos mamíferos: um ovo femi- curioso é que alguns desses animálculos deviam ser bactérias,
nino e o esperma -rr.rlito. Mas, como as "partículas funda-
entidades com que até então a humanidade nem sequer sonhava,
mentais" dJ Demócrito representavam apenas o limiar de um
e vistas agora, pela primeira vez, por um comerciante que nem
Á""do incrivelmente minúiculo, o mesmo se pode dizer dessas de longe era cientista no sentido formal.
células microscópicas vivas que produziam animais e homens'
Ápresentava-r. .gotu um enigma muito maior, e pata deslindáJo Leeuwenhoek também identificou corretamente o esperma-
reiiam necessárias novas ferramentas. tozóide humano. Um estr-r<lante de medicina que o viu pela pri-
meita vez no sêmen de um paciente portador de doença venérea
decidiu ser aquilo mero procluto da infecção. Leeuwenhoek,
A Célula Viua com sua natural curiosidade e agtdeza lógica, corretamente
atribuiu ao espermatozóide sua verdadeira natuteza. Havia,
anunciou ele com pasmo, mais células espermáticas na pequena
Einstein solucionou a questão da relatividade sem recorrer
âmostragem que usou do que seres humanos no mundo! De-
de laboratório, mas-baseado unicamente no racio-
".;..iú;i;s
".inio. pressa encontraria ele espermatozóides análogos no sêmem de
Tulu"z outro intelecto, igualmente poderoso-, pudesse tam-
peixes, de cavalos e de outros animais.
l'rúrn decifrar os mistérios da evolução, geração e invarrâncta das
criaturas vivas. Na verdade, porém, foi só com o auxílio do mi- Muitos cientistas ainda acreditavam que houvesse minús-
croscópio que, permitindo aôs homens cle ciência observar os culos seres humanos residentes no esperma, ou no óvulo; que a
,,r..^,.,i.,.,.,o, vivãs envolvidos, puderam eles começar a atacat pré-Íormação fosse o mecanismo da procriação. Âlguns até afir-
os grantlcs problemas da vida, que clurante séculos atormentarâm mavam ter visto miniaturas de macacos, de galos e de cavalos no
os mâls cuflosos. esperma desses animais. Leeuwenhoek, se bem acreditasse na
GalileLr observou os céus affavés do telescópio, investigando teoria da pré-formação, tornou claro que não conseguira avistar
o enormc universo em torno de nós. Ele também introverteu as esses homúnculos; e um gaiato por nome Dalenpetius ridicula-

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rizava os pré-formacionistas afirmando ter surpreendido ao mi- rude simplificação do que realmente se passeva. Mesmo o corâ-
croscópio um homúnculo no ato de despir o casaquiúo. ção de um pintainho era constituído de um número incontável
de céIulas, e cada uma destas, por sua vez, parecia constituir-se
Vesaüus procedeu a magisttais dissecções do cotpo humano'
de partes distintas que, compaÍâtivamente, f.aziam a ptópria célula
Jan Swammeúan, com auxílio de microscópio, utilizou 9 bisqqi parecer gigantesca. Algo parecia dirigir o crescimento das células,
êm formas de vida infinitamente menores, durante o século XVII.
o sistema fleÍvoso da abelha, bem. como que, por seu turno, provocava o desenvolvimento da planta ou
Dissecou, por exemplo,
o da larvi de um inseto miúdo denominado "efêmera". Apesar animal. Mas o homem não conseguiu entender qual fosse o con-
de grandiosos, esses feitos representarâm operações até bem fáceis
trole e força motdz da célula.
comparados com a sondagem das células vivas individuais. Um século depois áa teona celular de Sclúeiden e Schwann,
Robert Hooke publicou desenhos de células vegetais em o Dr, Alexis Carrel diria com reverente admiração em seu üvro
1665, mas a idéia e a importância das células, tanto de animais O Homern, Esse Desconbecido:
como de plantas, por longo tempo escâpou à ciência. Não obs- "Os órgãos são construídos por meio de técnicas muito
tânt€, umà noúvel observação foi feita pelo naturalista alemão estranhas à mente humana. Não se constituem de materiais
Lorcrv-O.ken em 1805, a saber: "Todos os seres organizados se extrínsecos, como por sxemFlo uÍnâ casa. Tampouco se
originam e consistem de vesículas ou células. Estas, quando des- üata de construções celulares, rneros conjuntos de células.
tacadas e observadas em seu processo original de reprodução, Compõern-se, é claro, de células como umâ casa é composta
são a massa infusória ou lama primeva a pafiir da qual todos os de tijolos, Mas nascem de uma célula, como se a casa se
organismos maiotes se formam ou se desenvolvem." Âqui, em originasse de um só tijolo, de um tijolo mágico que se pu-
duas sentençâs, estâvâ ateotia celular 1snds, aliás, de quebm, sesse a fabricar outros tijolos. Esses tijolos, sem esperâr
uma boa parte da teoria da evolução.- Mas decotretiam dezenas pelas plantas do arquiteto nem pela chegada dos pedteiros,
de anos até que alguém se dispusesse a explotat cientificamente se assentatiam por si sós uns sobre os outros formando,
essa idéia. assim, as paredes. Também se ÍnetaÍnorfoseâriam em vidtos
Em L830, o botânico Robert Brown descobriu uma mancha de janela, em telhas de ardósia, em carvão pâra o aque-
escufa nas células que estava estudando, mas não soube teco- cimento, e em água Wa a cozinha e o banheiro. Os órgãos
nhecer nisto o "centro de controle" da célula. Somente em se desenvolvem como por artes mágicas, quais as histótias
L839 é que a teoriâ celular foi formalmente proposta. O botâ- que se contavam às crianças noutros tempos. São engen-
nico alemão Matúias Jakob Schleiden concluiu que as plantas drados por células que, ao que tudo indica, têm coúeci-
eram constituídas de células, cada qual com vida independente e mento prévio do futuro ediÍício, e sintetizam, a partir de
suscetível de ser separada das ouuas. Quando Schleiden des- substâncias contidas no plasma sanguíneo, o material de
creveu isto a outro cientista, chamado Theodor Schurann, este construção e os próprios trabalhadotes."
último de repente compreendeu que também os animais con-
sistiam de um númeto incontável de pequenas células. Em L838, Enquanto se procurava a origem e outros segredos da vida
Schwann deu a público seu ttabalho que versavâ "Sobte a Cot- com auxílio de microscópio e em labotatórios de dissecção, alguns
respondência na Estrutura e no Desenvolvimento Enffe Plantas cientistas f.ocalizaram o problema de um ângulo diferente. Ba-
e Animais". seados em novos conhecimentos sobre geologia e sobre a ídade
Que as células etâm os tijolos da vida era fato consabido da Terra, BufÍon e Lamatck, na França, propusefâm teorias evo-
de todo biologista já pelos meados do século XIX. Isto fá lucionistas. Os "caracteres adquiridos", de Lamarck, tÍavatam
parecia milagre suficiente, m,as ainda haveria mais. Embriologis' bataha perdida contra o mais recente "darwinismo", gu€ via na
ias desde múito observavam pasmados o rápido desenvolvimento seleção natural o mecanismo da evolução. Mas Darwin estava tão
de um pintaiúo. Quase à vista do observador, uma pinta ver' pouco seguro de sua teoria que mais tarde chegou a incluir-lhe
melha se ffansformava num coração pulsante. O mesmo ocomia uma ingênua hipótese "pangenética" a fim de Íazê-la abranger a
com ouffos órgãos e pârtes. Sabia-se agora que isto era uma suposta aquisição de caracteres do ambiente. Como concessão,

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Darwin concebeu entidades hereditárias na corr€nte sanguínea Pode"se dizer que Mendel conquistou demasiada fama; que
chamadas "pângenes" que alteravam as células reprodutoras de - teve a sorte de juntar as peças e completar soiução
e-le apena,s_
modo a poderem transmitir caracteres adquiridos. " planias
de_um velho enigma. É, fora de dúvida que hibriáistas de
Apesat do grande impacto que esta nova teoÍia teve sobre e de animais, muito antes dele, tinham efetuado experimentos e
a ciência, a sociedade e a economia, teotizaçíes e perspectivas feito registros de natureza anâloga. Tabletes de aigila mesopo-
grandiosas etam de pouca valia quando explicavam no nível bio- tâmica datando de milhares de anos documentam o que o histo-
Iógico o modo pelo qual se produziu a vida e como as formas de riador_ Lancelot Hogben chama "o primeiro registio genealó-
vida se altewam queixava-se a Scientilic American em 1872. gicg de cav_alos da história". Esse caiálogo de liãhagem eqüna
- à própria vida em busca de aplicações prá-
Era preciso recorrer inclui o símbolo ainda hoje usado para designar a fêmia. Thômas
ticas da hereditariedade. Ninguém iamais tiúa dissecado uma Knight, presidente da Sociedade Britânica ãe Horticultura, esrava
célula reprodutora para analisarJhe as funções; geneticistas, botâ- entre os que compreendiam que com plantas se pode obter resul-
nicos ou biologistas tiveram de tomar attás, ttatando o mecâ- tados híbridos com muiro maior rapidez do que iom animais. Ele
nismo como uma caixa preta cujas propriedades inferiram da realizou cruzamentos com plantas (inclusive ãe ervilhas-de-cheiro)
progênie de pais conhecidos. Já havia, portanto, um estudo ma- no período de 7787 a 1823. Mendel nasceu em 1822.
temático de plantas bem adiantado, que indicaria o rumo parâ
se descobrirem os fatotes envolvidos na hereditariedade.
Talvez Mendel fosse um rctardatáúo em genética vegetal.
C-ertamente, sua obra monumental não the trouxã grandes ráom-
pensas em vida, Ele causou ao mundo aproximadãmente a mes-
ma impressão causada por Oken, quando este press€ntira a evo-
Os Fatores de Mendel lução. Eminentes cientistas que tiabalhavam no mesmo campo
não deram importância aos resultados por ele obtidos. Somente
Em 1865, o primeiro "geneticista" leu um trabalho que de- ttinta e cinco anos depois, quaqdo Mendel e Darwin já, haviam
talhava os resútados de milhares de experimentos provândo, para morrido, é que üês ourros indivíduos chegariam a óondusões
além de qualquer dúvida, que havia nas células um diagrama semelhantes acerca dos "fatores invisíveis ãa hereditadedade,,.
detalhado a determinar "o futuro edifício", como Alexis Carrel Tardiamente, descobdrasr ege Mendel os precedera de muito,
o chamou posteriormente. Este cientista biológico pioneiro foi sem por isso ter conquistado maior g_lóda que â de ter o pó
Gregor Mendel, um Monge austríâco que cultivou cuidadosa- espesso Ca biblioteca de Brünn, na Áustria, a pesar-lhe so6re
mente muitas gerações de plantas e catalogou os tesultados do os ttabalhos.
cruzamento de vários tipos.
A hereditariedade, transmissão de caracteres paternos, não
efa um processo de "mistura Íluida", como se supuúa. Não Enfim, o Diagrama d.a Vid.a
era como misturar tinta vermelha e branca para obter o rosa, ou
a preta e a branca para compor o cinza, Pois podiam-se cfuzar
flores vermelhas e brancas e obterem-se só vermelhas ou só O biologista alemáo §Talter Flemming descobriu que podia
brancas ou ambas e algumas mesclas de cores. Os "Íatores" da tingir aquela vaga mancha, avistada na célula por Robert Brown
hereditariedade, como Mendel à Íalta de melhor palavra os cha- cinqüenta anos antes. O processo de tintura tomou visíveis
mou, não se fundiam para produzir mudanças. Eram como bolas algumas,coisas interessantes: no momento da divisão da célula,
de gude que retinham sua identidade individual e podiam compor minúsculos corpos em forma de filamento retorcido se aliúavam
toda sorte de combinações. Dada esta natureza descontínua ãos âos pares no celular. Usou-se a palavra grega designativa
-núcleo
fatores, mediante as leis da probabilidade estatística poder-se-iam de cor para descrever o processo, e foi ãaí que ãssãs corpísculos
fazer predições notavelmenie exatas dos resultadoi de vários pâssafam a chamar-se "cromossomos", ou t ja, .orpo, .ãbridor.
cruzamentos, inclusive, como depois se veria, de seres humanos. Os cromossomos são visíveis ao microsc6pio. Descobdu-se
Mas esse potencial não foi explorado por certo tempo. que os seres humanos possuem 48 deles, dispostos aos pares
-
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ou assim se acreditava até 1953, quando a cifua foi comigida genes.humanos do que o existente de elétrons e prótons
de ma-
paru 46 (a náo ser que a pessoa seja portadora de sério defeito tefla tlslca em todo o universo.
hereditário). Mas 46 "fatores" parecia pouco para causar tudo Como somos hurnânos, tendemos a complicar os problemas
quanto âcontece durante o desenvolvimento do indivíduo. Os
pesquisadores começaram a inferir, sem observar, o gene ou
em demasia. A vida é um processo basicamente simDles. Os
animais, que_qão coúecem o procerro d" viáu
o diagtama da vida. Geneticistas americanos, entre os quais interessam, dele fazem- parte ãutomaticamente."o-pãr'ã.
,a"-*
Thomas Hunt Morgan e Hermann J. Muller, começaram a Já os seres hu_
estudar a mosca-das-frutâs (que possui cÍomossomos bastante
manos. são curiosos, e de. uma curiosidade que volia
. -d" .h.g"
a matá-los. Para o geneticista, e muitos oriror, o enigma
grandes ) e a aptender que os genes são minúsculos compo- é o mais inuigante de todos.'.Alguns crêem qr. D.í, pO,
d";iã;
nentes dos cromossomos. tràã
em movimenro e continua ainda alora a dirigir'o
.irr.Àu] out.ã,
Em 1869, o químico alemão Friedrich Miescher isolou uma encaram o universo como um sistéma ,otoril de entidaàe,
substância desconhecida no núcleo da célula, chamando.a que c-egamente evolveram a ponro de constituir
fír[;;
"nucleÍna". Sessenta anos depois, o bioquímico americano §f. complexos. Mas, num como noutro casor o gene é q".
,".., uiuà, ãá1,
M. Stanley isolou uma linhagem do vírus do mosaico do tabaco, constrói o-perl os mecanismos vitais. ó gá., uo qr. t;.d;i;;
,. saibÃ, é
-e
constituído não de céIulas mas de fragmentos semelhantes aos a partíca7a fundamental da vida.
cromossomos. Contendo a descoberta de Miescher o ácido nu-
cléico, esse vírus podta f.azet uma cópia de si mesmo no interior
da célula que invadia. Com o vírus do mosaico do tabaco, a
ciência quase isolou o gene. No decênio de 40, a tevolução
do ADN rebentou quando se descobriu que o ácido nucléico
levava em si informações que contolavam e dirigiam o desen-
volvimento da célula. Por volta do início da década de 50, as
conjecturas de Linus Pauling e a obra de Maurice §lilkins, James
D. §flatson e Francis Crick conduziram à identificação e à des-
crição do próprio gene: a milagrosa "hélice dupla" de ácido
desoxirribonucléico, a gigantesca molécula de ADN.
Na revolução genética resultante, o homem se concentrou
nessas partículas da hereditariedade, que decretam que seres hu-
manos procriem seres humanos e que peixes dêem nascimento
a peixes: os genes, que também possibilitam a lenta transfor-
mação evolucionária dos setes vivos.
A tarcfa de rastrear o gene levou mais de 2000 anos e vidas
inteiras de muitos indivíduos curiosos e dedicados, dispostos a
sacrificar seu tempo, suas catreiras e até o próprio sustento à
ciôncia. Foi necessária a criaçáo do microscópio óptico e, mais
rcccnteÍnente, do eleffônico, e bem assim de aprimoradas técnicas
como, por exemplo, a da diftação de raio,X para isolar o invi-
sívcl gene. Mesmo um único gene é constituído por uma re-
nrencla reunião de componentes químicos e físicos; uma célula
Irumana possui milhares deles. E cada gene inclui um alfabeto
c1uímico que pode codificar um número fantástico de instruções,
Calcula-se que haja maior número de possíveis combinações de

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