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pécie de metafísica da vida, capaz de fornecer corpo. Mais que considerá-lo como a conse-
uma alternativa a uma grande parte da tra- quência da presença de um sistema nervoso,
dição ocidental. O aspecto mais espetacular deveríamos começar a encará-lo como uma
desta revolução é certamente aquele ligado ao das manifestações possíveis da inteligência
reconhecimento da inteligência das plantas. anatômica dos seres vivos. O cérebro é apenas
Emanuele Coccia* Foi possível mostrar que uma planta é perfei- uma das soluções encontradas pelo design que
tamente consciente do que se passa ao redor e todo ser vivo exerce sobre seu corpo para tor-
dentro dela, e que, sem precisar de um sistema nar possível a atividade de pensar. A inteligên-
nervoso e de um cérebro, ela é dotada de me- cia não é uma faculdade acessória à vida: ela
A virada vegetal mória e inteligência não menos refinadas que é a expressão mais imediata de sua fisiologia.
as dos animais. Há, entre-
Este tipo de obser- tanto, um outro
vação permite-nos aspecto – talvez
compreender em mais profundo e
1. que medida o pre- importante – que
botânica: por muito tempo, esta ciência este-
conceito zoocên- levou a botânica a
ve paralisada por um sentimento de inferio-
trico nos impediu conquistar um lu-
Durante séculos, elas foram sistematicamen- ridade em relação à zoologia, que sempre foi
de afirmar a iden- gar e um papel de
te ignoradas pelas ciências humanas e sociais. o canal pelo qual a ciência biológica propôs
tidade entre vida destaque no jogo
Há alguns anos, entretanto, todas e todos fa- as questões mais importantes sobre o mundo
e pensamento. É de xadrez dos co-
lam delas. As plantas passaram da negligência vivo. Sempre pedimos aos cachorros, gatos,
simplesmente por- nhecimentos con-
absoluta a uma espécie de culto coletivo que elefantes, crocodilos, pássaros etc., que nos
que pedimos a um temporâneos so-
as transformou em novas heroínas do plane- revelassem os segredos dos corpos. Sempre
animal (principal- bre a vida e o meio
ta. Esta transformação tem várias razões. Pri- pedimos aos animais para nos iniciar nos mis-
mente ao animal ambiente. Desde
meiramente, houve a emergência biológica. térios da vida e de suas formas. Durante sécu-
humano) que nos o início do século
A gravidade da situação ecológica planetária los, a botânica se limitou à tarefa de examinar,
revelasse a nature- passado – partin-
e os riscos ligados à explosão demográfica já revisar e classificar a infinita variedade das
za da inteligência, do das hipóteses
eram conhecidos no início dos anos 1970 – ao formas vegetais. Durante anos, tratava-se, aci-
que nos inibimos de Mereschkowsky
menos a partir da publicação do relatório do ma de tudo, de uma ciência vegetal sistemáti-
de pensar na in- (1905) sobre a
Clube de Roma sobre, Os limites do crescimen- ca. Há algumas décadas, no entanto, as coisas
teligência vegetal simbiogênese dos
to (D. H. Meadows, D. L., Meadows, Randers mudaram. Há pelo menos cinquenta anos,
ou na inteligência cloroplastos, pas-
e Behrens, 1972). No entanto, é apenas meio graças a figuras pioneiras como Francis Hallé
bacteriana. É por sando pelas pro-
século mais tarde que a opinião pública parece ou Patrick Blanc na França, Stefano Mancuso
causa do narci- posições de Ivan
ter tomado consciência de maneira maciça do na Itália, Frantisek Baluska na Alemanha, Karl
sismo animal que Wallin (1922a,
risco da perda de uma enorme porção da bio- Niklas e Anthony Trewavas nos Estados Uni-
continuamos a 1922b) sobre a ori-
diversidade da Terra, ou do desaparecimento, dos (para citar apenas alguns), a botânica se
supor que somente a presença de um sistema gem simbiótica das mitocôndrias e chegando
sem mais, da vida no planeta. As plantas re- desvencilhou de vez do domínio absoluto da
nervoso garante a presença de inteligência. Se às pesquisas de Lynn Margulis (1970) sobre
presentam a parte predominante da biomas- zoologia sobre as ciências do mundo vivo, e
nós acreditamos que as neurociências vão nos a generalização do mecanismo simbiótico
sa visível: é, pois, evidente que, após séculos nos liberou definitivamente do narcisismo que
revelar o segredo do pensamento e da cons- como motor fundador do processo evolutivo
de ignorância voluntária e ativa, a atenção, os nos havia conduzido a fazer dos animais o pa-
ciência é, unicamente, porque somos obce- –, a biologia revisou profundamente a vulga-
cuidados e o entusiasmo em relação a elas te- radigma da vida e da dignidade da vida. Estes
cados pelos animais. Esta mudança de pers- ta darwiniana, que havia feito da guerra, da
nham crescido tão rapidamente. pioneiros começaram a perguntar às plantas
pectiva não tem consequências apenas para a competição e da luta de todos contra todos a
Há, em seguida, uma razão mais profunda, questões que jamais haviam sido perguntadas
nossa relação com as plantas. A descoberta da forma transcendental de relação do organis-
uma verdadeira revolução interna na ciência anteriormente e fizeram da botânica uma es-
inteligência e da consciência das plantas obri- mo vivo. Descobriu-se que uma das maiores
ga-nos, acima de tudo, a imaginar de maneira e mais avançadas invenções da vida no plane-
diferente o pensamento e sua relação com o ta, a construção da célula eucarionte, não se
* Filósofo, professor de la École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris.