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VARIANTE GENÉTICA PROTEGE INDÍGENA DA AMAZÔNIA CONTRA

DOENÇA DE CHAGAS

ATO I
Ao longo da nossa História, o homem teve seu senso de questionamento inspirado
pelo mundo ao redor, buscando explicações para todas as coisas. No século XIX (19), o
naturalista britânico Charles Darwin estabeleceu uma teoria de grande importância para
compreendermos as modificações de formas de vida ao longo do tempo. Apesar de não
apresentar respostas para todas a perguntas existentes na época, seu estudo ocasionou em
conclusões significativas, como: Existem variações nas espécies, na qual o mais apto
sobrevive e deixa descendentes e essa persistência é chamada seleção natural. Vale
ressaltar que a seleção natural não oferece uma tendência de melhoria com base nas
necessidades individuais.

Um exemplo bastante atual de seleção natural são as superbactérias, que são


bactérias resistentes a diversos antibióticos e comuns em ambientes hospitalares. Elas
surgiram, principalmente, devido ao uso inadequado de antibióticos. Isso ocorre, pois, ao
administrar o antibiótico, as bactérias menos resistentes são as primeiras a morrer. Se o
tratamento não for realizado de forma adequada, as bactérias que apresentam maior
resistência sobrevivem, deixando uma cepa resistente. Essas bactérias reproduzem-se,
deixando indivíduos que também apresentam resistência ao antibiótico.

Dentre as perguntas que Darwin não foi capaz explicar, foi: como surgem as
variações nas espécies? Hoje sabemos que o gene é um segmento de uma molécula de
DNA (ácido desoxirribonucleico) responsável pelas características herdadas
geneticamente. Cada gene é composto por uma sequência específica de DNA (as letras A
T, C e G) que contém uma “receita” para produzir uma proteína que desempenha uma
função no organismo.

O laboratório brasileiro especializado em análise genômica (Mendelics) elucida


que o Genoma, código genético de um ser vivo, é uma sequência de DNA que possui
todas as informações hereditárias daquele organismo, a disposição das bases nitrogenadas
ao longo da molécula de DNA, determina a sequência do genoma. Os humanos, possuem
99,9% do genoma igual entre si, o restante são modificações que fazem com que cada
genoma seja único, essas diferenças no genoma de cada pessoa, são o que chamamos de
variantes.

As variantes podem ser de vários tipos, pode haver a troca de uma ou mais letras
(variação de nucleotídeos, outro tipo é o aumentou ou diminuição da quantidade d porções
do genoma, é como se algumas páginas estivessem duplicadas, ou faltando. É o que nós
chamamos de variação de números de cópias. A maioria das variações do genoma, não
modifica a receita final dos genes, ou promovem apenas mudanças sutis, outras variantes,
muito mais raras, alteram profundamente o gene, e podem levar a manifestações clínicas,
essas alterações são chamadas de mutações, ou variantes patogênicas.

ATO II
A seleção natural moldou as relações ecológicas entre as espécies, essas relações
são um conjunto de interações entre diferentes indivíduos e entre o próprio ecossistema,
que estabelecem condições de sobrevivência, elas podem ser tidas como harmônicas ou
desarmônicas. Relações harmônicas: quando traz benefícios a todos os envolvidos, ou
traz benefício a um, mas sem causar prejuízo ao outro organismo envolvido na relação;
é também conhecida como positiva. Relações desarmônicas: quando causa algum
prejuízo para algum dos envolvidos; é também conhecida como negativa.

Em um tipo de relação denominada parasitismo, um dos indivíduos (parasita)


retira do organismo de outro (hospedeiro) nutrientes para sua sobrevivência. Tal relação
pode debilitar o indivíduo hospedeiro e até mesmo levá-lo à óbito. Trata-se de
uma relação desarmônica. Um exemplo de parasitismo ocorre entre o ser humano
(hospedeiro) e o Trypanosoma cruzi é um protozoário que tem seu ciclo de vida em
hospedeiros vertebrados e invertebrados.

Em 1909 a doença de Chagas foi descoberta pelo sanitarista brasileiro Carlos


Chagas que, na ocasião, combatia a malária no interior de Minas Gerais. A doença de
chagas. É uma doença transmissível causada por um parasito e transmitida principalmente
através do inseto “barbeiro”. O agente causador é um protozoário denominado
Trypanosoma cruzi. No homem e nos animais, vive no sangue periférico e nas fibras
musculares, especialmente as cardíacas e digestivas. Os barbeiros abrigam-se em locais
muito próximos à fonte de alimento e podem ser encontrados na mata, escondidos em
ninhos de pássaros, toca de animais, casca de tronco de árvore, montes de lenha e embaixo
de pedras. Nas casas escondem-se nas frestas, buracos das paredes, camas e colchões.
A transmissão se dá pelas fezes que o “barbeiro” deposita sobre a pele da pessoa,
enquanto suga o sangue. Geralmente, a picada provoca coceira e o ato de coçar facilita a
penetração do tripanossomo pelo local da picada. Os medicamentos hoje disponíveis são
eficazes apenas na fase inicial da enfermidade, daí a importância da sua descoberta
precoce. O tratamento é feito por meio do uso de antiparasitários, na qual tem o objetivo
de matar os parasitas e ajudar no controle dos sintomas. Portanto a prevenção baseia-se
principalmente em medidas de controle ao “barbeiro”, impedindo a sua proliferação nas
moradias e em seus arredores. As atividades de educação em saúde devem estar inseridas
em todas as ações de controle, bem como, as medidas a serem tomadas pela população
local, tais como:

– melhorar a habitação, através de reboco e tamponamento de rachaduras e frestas;

– usar telas em portas e janelas;

– impedir a permanência de animais como cão, gato, macaco e outros no interior da casa;

Os principais sintomas manifestam-se em: febre, mal-estar, falta de apetite, inchaços


localizados na pálpebra ou em outras partes do corpo, aumento do baço e do fígado e
distúrbios cardíacos. Em crianças, o quadro pode se agravar e levar à morte.

Há anos, o Brasil tem sido insubstituível para o acesso ao tratamento para a doença
de Chagas, uma vez que produz e distribui o benzonidazol para o mundo inteiro. O país
deve continuar, justamente, garantindo essa produção de forma sustentável e acessível
para as pessoas afetadas pela doença, que são, principalmente, populações de baixa renda
e de regiões rurais.

ATO III

Em 1862 Darwin recebeu uma orquídea de Madagascar de um horticultor e


colecionador de plantas exóticas, percebendo que a estrutura do nectário da planta era
profundo (cerca de 30cm), concluiu que em Madagascar deveriam existir mariposas com
um aparato bucal grande o suficiente para alcançar esses 30 cm.

A América apresenta uma ampla gama de eco regiões que foram rapidamente
exploradas e ocupadas pelos primeiros humanos a chegar ao continente. Essa notável
migração humana provavelmente exigiu diferentes padrões de adaptação genética e
cultural para garantir a subsistência bem-sucedida. A floresta amazônica é uma das
principais eco regiões do continente americano, conhecida por seu clima tropical e
extraordinária diversidade biológica. Apesar de ser um ambiente rico em nutrientes,
também é hostil, apresentando diversos obstáculos à sobrevivência humana a longo prazo.
Vários desafios, incluindo a instabilidade dos recursos alimentares baixa penetração de
luz (8) e alta diversidade de patógenos (organismos que são capazes de causar doença em
um hospedeiro) provavelmente contribuem para fortes pressões seletivas para a
sobrevivência e reprodução humana nesta eco região.

A região amazônica, que abrange a maior floresta tropical e nove países da


América do Sul, é atualmente é povoada por 1 milhão de indígenas, divididos em
aproximadamente 300 diferentes etnias. As condições ecológicas da região têm sido
historicamente favoráveis para a transmissão de inúmeras doenças tropicais,
especialmente doenças transmitidas por vetores (mosquitos, carrapatos, moscas, pulgas,
e alguns caracóis aquáticos de água doce). Embora existam numerosos estudos sobre
epidemias pós-contato nas Américas, os dados históricos sobre doenças pré-contato (ou
seja, doenças nativas das Américas) são insuficiente. No entanto, foi relatado que a
tuberculose (Mycobacterium tuberculosis) e doença de Chagas (isto é, tripanossomíase
americana) já existiam muito antes da chegada dos europeus.

ATO IV

Até o momento, o conhecimento sobre adaptações genéticas em humanos dentro


desse complexo ecossistema é amplamente desconhecido. Motivados por essa falta de
conhecimento, buscamos possíveis pegadas de adaptação genética ao ambiente da floresta
amazônica analisando os dados genômicos de 118 indivíduos não miscigenados
pertencentes a 19 populações nativas, os pesquisadores Kelly Nunes (pós-doutoranda da
Universidade de São Paulo, experiente da área de genética, com ênfase em Genética
Humana e Médica) e Cainã Couto Silva (doutorando na área de genética e biologia
evolutiva pelo Instituto de Biociências da USP, avaliando a influência da seleção natural
em populações nativo-americanas), interessados em identificar sinais de seleção natural
positiva relacionados a doenças tropicais, publicaram um estudo da revista Science
Advancs, (uma versão gratuita e online da revista científica Science, lançada em 2015,
tem seu foco em publicar os trabalhos científicos que não são inclusos na revista),
mostrando que uma variante genética presente na maioria dos indivíduos analisados da
região, protege contra a doença de Chagas, possuindo importante papel na resistência à
infecção pelo parasita transmissor da doença. De acordo com Kelly Nunes, o continente
americano foi o último ocupado pelos humanos modernos e tem uma grande variedade
de ambientes. Isso certamente causou uma pressão seletiva sobre esses povos e induziu
adaptações. As conclusões são fruto da análise de 600 mil marcadores do genoma
( sequências de DNA que fornecem importantes informações aos geneticistas,
permitindo-os fazer comparações entre dois ou mais organismos) de 118 pessoas de 19
populações indígenas, que representam a maior parte do território da Amazônia, tanto no
Brasil como nos outros países que abrigam a floresta. Com auxílio de diferentes técnicas,
os pesquisadores encontraram diferenças em genes envolvidos no metabolismo, no
sistema imune e na resistência à infecção por parasitas como o Trypanosoma cruzi,
causador da doença de Chagas. Uma das variantes mais frequentes, presente no gene
conhecido pela sigla PPP3CA, ocorre em 80% dos indivíduos analisados.

A coordenadora do estudo, Tábita Hünemeier, nos apresenta um fato interessante,


ao investigarem as regiões endêmicas da doença na América do Sul, a área das populações
analisadas é justamente onde a doença menos ocorre. Isso poderia se dar por uma baixa
frequência do barbeiro, mas não é o caso, pois é onde ele tem a maior diversidade.

A expressão gênica é o processo no qual as instruções contidas no DNA são


convertidas em um produto funcional, ou seja, o processo pelo qual a informação contida
nos genes (a sequência do DNA) gera produtos gênicos, que são as moléculas de RNA e
as proteínas. Para compreender o papel do gene PPP3CA na interação com o T. cruzi, o
grupo converteu células-tronco pluripotentes, que podem ser transformadas em qualquer
outra célula humana, em células cardíacas. Uma parte teve a expressão do gene PPP3CA
reduzida em cerca de 65%. Outra parte realizava a expressão normal.

Nas células com a expressão reduzida do gene, a capacidade de infecção dos


protozoários foi aproximadamente 25% menor do que naquelas que tinham a expressão
normal do PPP3CA. Isso mostra que o gene, em sua condição mais comum em outras
populações, favorece a replicação do protozoário. Esse fator provavelmente levou os
ancestrais dos indígenas amazônicos que tinham a variante protetora a serem menos
infectados e sobreviverem mais à doença, passando esse traço para seus descendentes.

Ainda em conformidade com a pesquisa, modelagens matemáticas apontaram para


o surgimento da variante protetora contra a doença de Chagas cerca de 7,5 mil anos atrás,
após as populações amazônicas se separarem das dos Andes.
Algumas evidências corroboram essa data. Uma análise de tecidos mumificados
de 238 indivíduos do sul do Peru e norte do Chile, de um período que vai de 9 mil a 450
anos atrás, mostra um aumento na taxa de infecção pelo T. cruzi naquela parte da América
do Sul ao longo do tempo. A região hoje é endêmica da doença. Outra evidência são ossos
humanos de 7 mil anos encontrados no Brasil que continham sinais de infecção pelo
parasita. Isso mostra que ele já existia por aqui naquele período, mesmo assim a doença
não se tornou endêmica na região estudada.

Atualmente a doença de Chagas é listada entre as 20 moléstias tropicais


negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), afetando sobretudo, pessoas
pobres e não dispõe de tratamentos específicos sem efeitos colaterais. À vista disso, o
pesquisador Cainã explana que o estudo traz ainda um novo conhecimento sobre a
infecção que pode ajudar no desenvolvimento futuro de novos tratamentos.

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