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Daniel 8

Através do uso dos quatro ventos, Daniel faz alusão aos quatro ventos que agitam o
grande mar, do qual saem quatro animais, no capítulo 7. Ao mencionar que o chifre
vem de um dos ventos, ele está indicando que ele tem sua origem em um dos
animais que emergem desse mar. O profeta intencionalmente não simboliza o
quarto reino como um animal porque quer manter a atenção de seus leitores
exclusivamente sobre dois animais: o carneiro e o bode (animais kosher, um dos
quais era usado no ritual do Yom Kippur), mantendo, assim, o teor levítico do
capítulo. Não somente essa característica, o autor predica várias outras
características neste capítulo que aludem ao Santuário.

Daniel 8.8-9

Há 4 maneiras de determinar de onde o chifre pequeno sai:

Poética

Na poesia hebraica, há uma estilística chamada paralelismo com aliterações (isto é,


repetições de fonemas idênticos: rima), neste caso, entre ‘t’ e ‘m’:
● ventos dos céus: ruhot hashamaim
● de um deles: ahat mehem (versos 8, 9).
Não há rima do termo “hazut arba” (aparência de quatro ou quatro notáveis) do v. 8
com o “ahat mehem” do v. 9. Ainda assim, se o autor tivesse usado o termo “qeren
arba” (quatro chifres), este não rimaria com “ahat mehem”.

Genérica

1. Há, no hebraico, um acordo consistente de polaridade de gênero entre


substantivos e numerais. O fenômeno é referido como "concordância
quiástica" ou "concordância reversa". Por exemplo, no termo ‫‘( עשר בנות‬éser
banót, que significa “dez meninas”), o numeral ‘dez’ é masculino, enquanto o
substantivo ‘meninas’ é feminino. Da mesma forma, no termo ‫עשרה בנים‬
(‘asar-á baním, que significa “dez meninos”) o numeral ‘dez’ é feminino,
enquanto o substantivo ‘meninos’ é masculino. Neste último, o sufixo
feminino ‫( ה‬artigo feminino ‘a’ no pt) é adicionado ao numeral ‫‘ עשר‬dez’ que
modifica o substantivo masculino ‫( בנים‬meninos). Sejam determinados então
os gêneros de cada termo:

“⁸e cresceram a aparência (f) de quatro (m) [chifres]* (f) em seu lugar,
para os quatro (m) ventos (f) dos céus (m). ⁹E de um (f) deles (m) saiu
um chifre pequeno, que cresceu para o sul, o leste e a glória.”
* o termo chifres foi ocultado no texto hebraico original por reticências elípticas
● “e [...] a visibilidade (f) de quatro (m) [chifres] (f)...
● “os quatro (m) ventos (f) dos céus (m)”
● “De um (f) deles (m)...”

Desse modo, a relação entre “de um (f) deles (m)” com “quatro (m) [chifres]
(f)” (o qual, como foi mencionado, nem aparece no texto — o que é muito
sugestivo) não é viável. Porém, entre os termos “ventos (f) dos céus (m)” e
“de um (f) deles (m)” o é, logo o antecedente deste é “ventos dos céus” em
vez de “a visibilidade de quatro”

(f) (m) // (f) (m)

2. Ainda existe uma maneira mais complicada de explicar a sintaxe hebraica.


Também liga a frase do v. 8 “os quatro ventos dos céus” com a frase seguinte
do v. 9 “e de um deles”. A palavra “vento” (rûaḥ) é uma daquelas palavras
hebraicas que podem ser de gênero feminino ou masculino, pois, embora a
palavra hebraica para “ventos” tenha forma feminina no v. 8, ela também
tem a função de palavra masculina porque, quando usada junto do termo
‘céus’, tem o sentido metafórico de “as direções da bússola”. Uma tradução
possível seria “cresceram às quatro direções da bússola”. É por essa razão
que o sufixo plural feminino ‘hem’ (“eles”) pode também se referir, quando no
gênero masuclino, à palavra “ventos” também no gênero masculino.
Ademais, podemos ser lembrados de que, “através do enfraquecimento da
distinção de gênero, não é raro o uso dos sufixos masculinos (especialmente
no plural) para se referir a substantivos femininos”. Assim, o sufixo plural
hem (“eles”) pode, quando é masculino, referir-se ao substantivo feminino
“ventos”.

Numérica

Além da sequência de gênero feminino-masculino, há também a concordância


numérica entre os plurais do substantivo masculino “céus” (šāmāyim) e o sufixo
pronominal masculino-feminino “eles” (hem).

Verbal

O verbo na frase de abertura do versículo 9 é yāṣāʾ, cujo significado básico é “sair”,


“vir” ou “seguir em frente”, não é a palavra típica para designar o crescimento de
um chifre no capítulo 8. A ideia de crescimento de chifre é enfatizada duas vezes no
capítulo. A primeira referência está no versículo 3, onde um particípio do verbo ʿālāh
(“subir”) é usado. Essa palavra afirma que o chifre superior (do carneiro) “subiu por
último”, isto é, cresceu por último. No versículo 8, o verbo ʿālāh aparece novamente
com referência aos quatro chifres surgindo ou crescendo no lugar do grande chifre
que foi quebrado. Em contraste com a ideia de crescimento (do chifre grande e dos
quatros chifres) do verbo ʿālāh está a ideia de movimento (do chifre pequeno) do
verbo yāṣāʾ, que significa indo, movendo-se ou saindo no sentido de um movimento
cardeal. É descrita, pois, um movimento geográfico em vez de uma origem
existencial.

O uso do verbo yāṣāʾ no AT e em Daniel é de movimento geográfico. Em Daniel, o


termo expressa consistentemente um movimento de uma direção da bússola, de
uma posição fixa, para outra (ver 9:22-23; 10:20; 11:11, 44). No AT em geral, o uso de
yāṣāʾ concerne a vários casos de movimentos militares (Dt 20:1; 1Cr 5:18; 20:1; Pv
30:27; e Amós 5:3) ou de um rei saindo com seu exército (1Sm 8:20 e 2Cr 1:10).

A idéia de 8:9a não é que o “chifre pequeno” cresça de um dos ventos do céu, mas é
que ele se move de uma das direções da bússola. A ideia de expansão militar
também parece estar presente.

O movimento geográfico horizontal do chifre observado no v. 9a é elaborado no v.


9b. Aqui as direções da expansão são indicadas pela frase “em direção ao sul, e em
direção ao leste, e em direção à glória”. A Septuaginta tem “o norte” (cujo
equivalente hebraico é haṣṣap ̱ wôn) no lugar da expressão “a glória” (haṣṣebî). Se a
Septuaginta é uma “confirmação do Texto Massorético”, a direção da bússola a
partir da qual o “chifre pequeno” se moveu só pode ser do oeste.

Eixos horizontal-político e vertical-religioso de Daniel 8.9-12 e as mudanças do


gênero dos verbos

Há uma dificuldade linguística de determinar quem são os objetos do verso 10, e


também, qual eixo de ataque está sendo tratado.,

O chazom e o mareh

O conteúdo de Daniel 8 está separado em três seções: a visão (3-12), isto é, aquilo
que ele vê; a audição (13-14), ou seja, aquilo que ele ouve; e a explicação (15-25).
Implicitamente, os anjos definem aquilo que foi visto (visão) como chazom e aquilo
que foi ouvido (audição) como mareh: o anjo manda Gabriel explicar a mareh, mas
este ironicamente começa a explicar todo o chazom a Daniel. Só no final da
explicação, Gabriel se refere a mareh, e diz que a mareh das tardes e as manhãs é
verdadeira.

Daniel, mesmo depois da explicação, fica sem entender a chazom. Ele começou a
estudar as profecias de Jeremias, e entendeu que o tempo da libertação estava
próximo. Por isso, ele passou a orar em favor da libertação de seu povo. Como
reposta a suas orações, Gabriel vem explicar a aquilo que ele não explicou na
primeira explanação:

Dn 9:23: "Desde o começo da tua súplica, uma palavra foi pronunciada, e eu vim
para comunicá-la a ti; porque és o homem das predileções. Presta, portanto,
atenção à palavra e recebe a compreensão da mareh:” [BJ]

Os léxicos hebraicos definem mareh como aparição ou coisa vista. Aqui, os dois
santos conversando são a aparição.

Daniel 8.17, 19:

Esses dois versos são muito mal traduzidos. Algumas traduções literais do inglês os
traduzem assim:

v. 17: “Mas ele disse a mim: entende, filho do homem, a chazom [conduz?] para o
tempo do fim.”

v. 19: “E ele disse: estou fazendo conhecido a ti o que será na última parte da ira,
pois o fim [da chazom?] [conduz?] para o mowed.”

O tempo do fim equivale ao mowed nesse paralelismo de paráfrase. O mowed é o


termo usado para nomear os tempos separados (santos) a YAHWEH, neste caso, o
Yom Kippur mencionado no verso 14.

Daniel 8 e 11

Em Dn 8, o chifre pequeno parte de um dos quatro ventos, e avança para o sul, o


leste e a glória (que está no norte, como traduzido na LXX). Não é mencionado o
oeste, o que pressupõe que ele parte daí.
O capítulo 11 é o eco do capítulo 8, e neste já se pode sentir o sabor da dicotomia
sul-norte do capítulo 11.
Verificar a tradução correta de 9.27

Daniel 9.24-27

Dn 9:24: “[Eis que] 70 Semanas estão cortadas para


teu povo e tua santa cidade para cessar a rebelião e para findar os pecados;
para expiar a iniquidade e para trazer a justiça eterna;
para findar a visão e os profetas
e para ungir o Santo dos santos.”
Dn 9:25: “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém até o Messias, o Príncipe, haverá 7
semanas, e 62 semanas;
e as ruas e o muro serão reedificados, mas em tempos angustiosos.”
Dn 9:26: “E, depois de sessenta e duas semanas, será cortado o Messias, mas não para ele;
e o povo do Príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até o fim da guerra
estão determinadas desolações.”
Dn 9:27: "E ele confirmará a aliança com muitos por uma semana, e, no meio da semana, fará cessar o sacrifício e as ofertas de
cereais;
e, pela asa das abominações, virá um desolador, até que a consumação e o que foi determinado seja derramado sobre o
desolado.”

Há nessa passagem de Daniel uma nuance sintática-estilística que deve ser notada:

povo e cidade → Santo dos santos → Jerusalém → Messias-Príncipe → ruas e muros


→ Messias → povo → ele → abominações

Há também uma relação entre os termos semana(s) e Messias; e entre os termos


chatak, charats e davar e povo.

Isso sugere um foco na pessoa do Messias. O texto está construído:

● a unção do Santo dos santos (v. 24);


● o corte do Messias (v. 26); e
● a aliança dele (v. 27)

O texto sugere um foco no Messias. Se o termo Santo dos santos e o pronome ele
não se referirem ao mesmo indivíduo, o texto perde a estilística rebuscada
(especificamente a alternação) característica do livro de Daniel.

Princípio dia-ano

Quiasma:

anos 70 [...] 70 semanas →

anos
70
70
semanas

Dn 2 Dn 3 Dn 4 Dn 5 Dn 6 Dn 7 →

Dn 2
Dn 3
Dn 4
Dn 5
Dn 6
Dn 7

As três semanas “de dias”:

Logo depois de Daniel ter escrito sobre 70 semanas no capítulo 9, ele se refere a
umas tais “3 semanas de dias” no capítulo seguinte. Por que ele especifica que está
tratando de semanas de dias? Porque, no capítulo anterior, ele mencionou semanas
de anos, então quis fazer uma distinção.

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