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FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho d’Água, 1997.

PRIMEIRA CARTA

É que não existe ensinar sem aprender. [...] Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal
maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento
antes aprendido e, de outro, porque, observando a maneira como a curiosidade do aluno
aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante
se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos. (Freire, 1997, p. 4)

Mas agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente, mas reconstruindo os caminhos de sua
curiosidade – razão por que seu corpo consciente, sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos
alunos, à sua ingenuidade e à sua criticidade – o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um
momento rico de seu aprender. (Freire, 1997, p. 4)

responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe colocam o dever de se preparar, de se


capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Esta atividade exige que sua
preparação, sua capacitação, sua formação se tornem processos permanentes. (Freire, 1997, p. 4)

Partamos da experiência de aprender, de conhecer, por parte de quem se prepara


para a tarefa docente, que envolve necessariamente estudar. (Freire, 1997, p. 4)

De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é
puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do
texto. (Freire, 1997, p. 20)

E a experiência da compreensão será tão mais profunda quanto sejamos nela capazes de associar,
jamais dicotomizar, os conceitos emergentes na experiência escolar aos que resultam do mundo da
cotidianeidade. (Freire, 1997, p. 20)

métodos tradicionais que separam pratica de teoria. Nem tampouco através de nenhuma forma de
trabalho essencialmente dicotomizante de teoria e prática e que ou menospreza a teoria, negando-lhe
qualquer importância, enfatizando exclusivamente a prática, a única a valer, ou negando a prática
fixando-se só na teoria. Pelo contrário, minha intenção era que, desde o começo do curso,
vivêssemos a relação contraditória entre prática e teoria, que será objeto de análise de uma de minhas
cartas. (Freire, 1997, p. 22)

Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com
outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não
cria nem recria. (Freire, 1997, p. 23)

A forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo está, de um


lado, na não negação da linguagem simples, “desarmada”, ingênua, na sua não desvalorização por
constituir-se de conceitos criados na cotidianeidade, no mundo da experiência sensorial; de outro, na
recusa ao que se chama de “linguagem difícil”, impossível, porque desenvolvendo-se em torno de
conceitos abstratos. Pelo contrário, a forma crítica de compreender e de realizar a leitura do texto e a
do contexto
não exclui nenhuma das duas formas de linguagem ou de sintaxe. (Freire, 1997, p. 23)
TERCEIRA CARTA

A prática educativa, pelo contrário, é algo muito sério. Lidamos com gente, com crianças,
adolescentes ou adultos. Participamos de sua formação. Ajudamo-los ou os prejudicamos nesta
busca. Estamos intrinsecamente a eles ligados no seu processo de conhecimento. Podemos concorrer
com nossa incompetência, má preparação, irresponsabilidade, para o seu fracasso. Mas podemos,
também, com nossa responsabilidade, preparo científico e gosto do ensino, com nossa seriedade e
testemunho de luta contra as injustiças, contribuir para que os educandos vão se tornando presenças
marcantes no mundo. (Freire, 1997, p. 32).

Eu não posso, porém, formar-me para a docência apenas porque não houve outra chance para mim,
menos ainda, somente porque, enquanto me “preparo”, espero um casamento. Com estas motivações,
que sugerem mais ou menos o perfil que faço da prática educativa, fico nela como quem passa uma
chuva. Daí que, na maioria dos casos, possivelmente, não veja por que deva lutar. (Freire, 1997, p.
32)

QUARTA CARTA

Gostaria de deixar claro que as qualidades de que vou falar e que me parecem indispensáveis às
educadoras e aos educadores progressistas são predicados que vão se gerando na sua prática. (Freire,
1997, p. 37)

A humildade nos ajuda a reconhecer esta coisa óbvia: ninguém sabe tudo; ninguém ignora tudo.
Todos sabemos algo; todos ignoramos algo. Sem humildade dificilmente ouviremos com respeito a
quem consideramos demasiadamente longe de nosso nível de competência. [...] Ouvir com atenção a
quem nos procura, não importa seu nível intelectual, é dever humano e gosto democrático, nada
elitista. (Freire, 1997, p. 37)

amorosidade, sem a qual seu trabalho perde o significado. E amorosidade não apenas aos alunos,
mas ao próprio processo de ensinar (Freire, 1997, p. 38).

a coragem de lutar ao lado da coragem de amar. (Freire, 1997, p. 38).

Outra virtude é a tolerância. Sem ela é impossível um trabalho pedagógico sério, sem ela é inviável
uma experiência democrática autêntica, sem ela a prática educativa progressista se desdiz. (Freire,
1997, p. 39).

SÉTIMA CARTA
“Da necessidade de falar ao educando à necessidade de falar com ele” (Freire, 1997, p. 58).

Não é demais repetir aqui essa afirmação, ainda recusada por muita gente, apesar de sua obviedade,
a educação é um ato político. (Freire, 1997, p. 58).

O meu direito à voz não pode ser um direito ilimitado de dizer o que bem entender do mundo e dos
outros. (Freire, 1997, p. 60).

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