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João Laurindo, um mestre

griô em Milagres
João Luís Correia era filho de uma das inúmeras
famílias negras de Milagres, seu pai provavelmente
foi um desses guasqueiros do município e talvez até
mesmo seu avô e outros ancestrais. Este tipo de
trabalho com couro geralmente era uma profissão
passada de geração em geração, isto é, ser
guasqueiro é uma arte que passava de pai para filho,
o que explica ser uma das filhas de Mestre João
Laurindo, Dona Chaga, guasqueira, isto é, eximia
artesã em couro.
João Luís Correia cresceu num contexto de
pobreza e exploração do trabalhador negro
pelos fazendeiros locais. Cresceu vivenciando e
ouvindo as estórias do seu pai, do seu avô e dos
viajantes. Cresceu nas feiras livres ouvindo os
cantadores percutirem suas violas e cantarem
seus versos. Cresceu ouvindo os violeiros, os
vaqueiros, os mestres-de-engenho, os
cambiteiros, todos trabalhadores negros do
Vale do Riacho dos Porcos.
O menino João cresceu nas margens do Riacho
dos Porcos pescando traíras, piabas, tilápias,
cascudos, lambaris. Também era caçador de
passarinhos, jogador de futebol, caçava tatus e
tinha medo de onça. Um mundo de vivências
infantis que ele depois transporá para dentro de
suas histórias maravilhosas.
João Laurindo não escreveu uma
linha, nenhuma de suas estórias
foram escritas, mas passados cem
anos após seu nascimento e quase
três décadas de sua morte elas
continuam vivas na memória da
população de Milagres. Contar
estórias foi o seu maior feito, Pai
Vô João Laurindo era um artista.
Nas décadas de 1950 até 1990 a
oficina de Pai Vô João Laurindo se
tornará um local privilegiado de
compartilhamento dos saberes
antigos. Além de trabalhar o couro
criando objetos de arte com este
material que seus ancestrais
africanos já manufaturavam há
milênios na África, João Laurindo
urdia estórias que encantavam os
visitantes e por meio delas e da sola
curtida ia vivendo.
Guardião da palavra, Pai Vô João
Laurindo era o representante de uma
longa linhagem de homens e mulheres
africanos que assumiu para si a
missão de transmitir aos pósteros o
conhecimento da comunidade através
da oralidade e das histórias do povo.
Tais narrativas não são fábulas ou
mentiras como se costuma pensar.
Tais contos atualizam a memória
ancestral e mantém a identidade do
grupo.
E assim Pai Vô João Laurindo foi
vivendo e se imortalizando na
memória do povo de Milagres. Ao
longo de sete décadas, tempo que
viveu entre nós, suas histórias o
imortalizaram, o fizeram um dos
homens mais conhecidos de
Milagres. Na década de 1970 quem
passava por Milagres ouvia sempre
falar do Sapateiro que Contava
Histórias. Fazia-se questão de se ir
até a oficina de João Laurindo no
Beco do Mercado para ouvi-lo
contar suas estórias ou recitar
romances de cordel.
Os mestres griôs
africanos
sentavam-se a
sombra dos
baobás para
desfiar suas
estórias ao som
dos urucungos
CONTAÇÃO DE ESTÓRIAS DE
MESTRE JOÃO LAURINDO

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