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HOMOFOBIA NO FUTEBOL: UMA HERANÇA COLONIAL

HOMOPHOBIA IN SOCCER: A COLONIAL LEGACY

LA HOMOFOBIA EN EL FÚTBOL: UN LEGADO COLONIAL

Otávio Nogueira Balzano1


João Alberto Steffen Munsberg 2

Resumo: Este artigo aborda a temática da homofobia no futebol como herança da modernidade que ainda
persiste no Brasil. Devido à relevância do problema, é fundamental entendermos as raízes desse
preconceito. Com este texto objetivamos: a) apresentar uma breve contextualização da homofobia no
futebol; e b) analisar os efeitos de práticas e posturas homofóbicas no futebol. Quanto à metodologia,
utilizamos entrevista semiestruturada, diário de campo, observação participante, análise documental e
análise crítica de discurso (ACD) de Van Dijk na perspectiva decolonial. Constatamos que a homofobia é
uma herança colonial e está naturalizada no mundo do futebol brasileiro. Para alcançarmos a desejável
erradicação desse preconceito, concluímos que os poderes públicos, as instituições educacionais e os clubes
de futebol podem, de forma colaborativa: a) desenvolver ações de combate a todo tipo de discriminação;
b) promover formação de sujeitos capazes de transformar a realidade.

Palavra-chave: Futebol; Machismo; Homofobia; Herança colonial; Decolonialidade.

Abstract: This article addresses the issue of homophobia in soccer as a heritage of modernity which still
persists in Brazil. Due to the relevance of the problem, it is fundamental to understand the roots of this
prejudice. With this text we aimed to: a) present a brief contextualization of homophobia in soccer; and b)
analyze the effects of homophobic practices and attitudes in soccer. As for the methodology, we used semi-
structured interviews, field diary, participant observation, document analysis, and Van Dijk's critical
discourse analysis (CDA) from a decolonial perspective. We found that homophobia is a colonial heritage
and is naturalized in the Brazilian soccer world. In order to achieve the desired eradication of this prejudice,
we conclude that the public powers, educational institutions, and soccer clubs can collaboratively: a)
develop actions to combat all kinds of discrimination; b) promote the formation of individuals capable of
transforming reality.

Keywords: Soccer; Machismo; Homophobia; Colonial heritage; Decoloniality.

Resumen: Este artículo aborda la cuestión de la homofobia en el fútbol como una herencia de la modernidad
que aún persiste en Brasil. Debido a la relevancia del problema, es esencial comprender las raíces de este
prejuicio. Con este texto pretendemos: a) presentar una breve contextualización de la homofobia en el
fútbol; y b) analizar los efectos de las prácticas y actitudes homófobas en el fútbol. En cuanto a la
metodología, utilizamos entrevistas semiestructuradas, el diario de campo, la observación participante, el
análisis documental y el análisis crítico del discurso (ACD) de Van Dijk desde una perspectiva decolonial.
Comprobamos que la homofobia es una herencia colonial y está naturalizada en el mundo del fútbol
brasileño. Para lograr la deseada erradicación de este prejuicio, concluimos que los poderes públicos, las
instituciones educativas y los clubes de fútbol pueden colaborar: a) desarrollando acciones para combatir

1
Professor do Instituto de Educação Física e Esportes na Universidade Federal do Ceará Formado em Educação Física
Plena pelo Instituto Porto Alegre. Especialização em Pedagogia do Esporte pela ESEF-UFRGS. Mestre em Educação
pela Universidade La Salle - Canoas. Doutor Educação pela Universidade La Salle – Canoas.
2Doutor em Educação, Mestre em Educação, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Licenciado em
Geografia, Estudos Sociais e Estudos Teológicos. Docente de pós-graduação na Universidade La Salle, Canoas/RS.
Otávio Nogueira Balzano e João Alberto Steffen Munsberg

todo tipo de discriminación; b) promoviendo la formación de individuos capaces de transformar la realidad.

Palabras clave: Fútbol; Machismo; Homofobia; Herencia colonial; Decolonialidad.

Introdução
Este trabalho é um recorte da tese intitulada “O ensino do futebol na perspectiva
decolonial: desgastando a produção de sujeitos ‘pés de obra’ – da formação na educação superior
aos clubes esportivos” (BALZANO, 2020).
Em um mundo globalizado, raízes do colonialismo – típico da modernidade – ainda
permanecem vivas na sociedade. Mesmo após o processo de descolonização de países ao redor
do mundo, as marcas da colonização persistem e ainda se reproduzem. E o esporte – mais
precisamente o futebol –, um dos mecanismos da modernidade, também transmite e sustenta essas
heranças coloniais. Apesar de o futebol ser um esporte democrático em sua essência, sendo
praticado por pessoas no mundo inteiro – com mais federações nacionais ligadas à FIFA, órgão
máximo do futebol, do que nações integrantes da Organização das Nações Unidas –, traz à tona
uma série de problemas. No caso do Brasil, um dos maiores problemas é a homofobia, preconceito
que no “meio do futebol”3 é inaceitável.
Sobre essa questão, é fundamental o entendimento das razões e como essa questão se
desenvolve e, a partir disso, tentar entender como o futebol pode ser útil no processo de
descolonização de heranças da modernidade como a homofobia. Nesse sentido, com este texto
objetivamos: a) apresentar uma breve contextualização da homofobia no futebol; b) analisar os
efeitos – na visão de profissionais de Educação Física (EF) – de práticas e posturas homofóbicas
no futebol.
O texto está estruturado em três tópicos, além desta introdução e das considerações finais.
No primeiro tópico trazemos uma contextualização teórica sobre homofobia e futebol. No
segundo, apresentamos as decisões metodológicas da pesquisa. No terceiro, analisamos,
respaldados pela análise crítica de discurso (ACD) de Van Dijk, as práticas e posturas que
contribuem para a homofobia no futebol na visão dos profissionais de EF.

1 Homofobia e futebol
Segundo Almeida e Soares (2012), o futebol carrega os atributos de uma sociedade
masculinizada – todas as formas de preconceito ao homossexual são expressas em um campo de
futebol. A imagem do homossexual é incongruente aos olhos dos espectadores que entendem o
futebol como reduto da força física, como se a liberdade sexual estivesse ligada a ter ou não força,
ter ou não virilidade. Partimos do entendimento de que o futebol reproduz as regras rígidas da
masculinidade – hegemônica. A questão das formas de masculinidade é tão forte e disseminada

3 Torcedores, jogadores, comissões técnicas...

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no âmbito esportivo que, aparentemente, imaginamos anulada a possibilidade de coexistência de


atletas gays nesse espaço.
Almeida e Soares (2012) ainda apontam que o campo de futebol permanece como uma
das maiores instituições segregadoras de gênero das culturas ocidentais. Para os autores, é
interessante ressaltar que a hegemonia masculina do esporte – como valor necessário para
“homens” – é tão persuasiva que passa despercebida pelo exame crítico daqueles que são
oprimidos por ela, dentre os quais estão, curiosamente, os gays. Almeida e Soares (2012) dizem
que a homofobia – velada ou explícita no discurso das instituições – é o “remédio” contra a
existência dos homossexuais no esporte. A homofobia não só é uma forma de resistência contra
a invasão da subcultura gay no esporte, bem como funciona como elemento mantenedor da
masculinidade. Os autores consideram que a violência homofóbica no futebol não é pontual,
inesperada nem casual. É violência tramada sobre uma lógica, um pano de fundo, em que ainda é
forte a presença do patriarcado e na qual a dominação masculina é a tônica.
Colaborando, Cecchetto (2004) considera que o futebol é uma importante instituição
masculina. Ele é produzido por pressupostos de masculinidade ao mesmo tempo em que participa
da produção, circulação e hierarquização de diferentes possibilidades de masculinidades. Pelos
aspectos de competição, violência e combate – considerados atributos de masculinidade – o
futebol é um local privilegiado para a construção de masculinidades específicas. O futebol
profissional no Brasil é masculino. Apenas os jogos e campeonatos jogados por homens possuem
calendário fixo; apenas o futebol jogado por homens carrega grandes multidões, principalmente
de homens, aos estádios.
Para Bandeira e Seffner (2013), o estádio de futebol é um contexto cultural específico que
institucionaliza práticas, ensina, produz e representa masculinidades. Os modos de construção das
masculinidades no Brasil guardam íntima conexão com o futebol, seja para adesão ao esporte,
seja para sua negação, que implica em geral a construção de masculinidades subalternas. Ainda
conforme Bandeira e Seffner (2013), nas construções de masculinidades existe uma preocupação
com o grau de intimidade possível nas relações entre homens. Uma das formas mais importantes
do afastamento das intimidades pode ser vista nas manifestações homofóbicas. A homofobia
funciona como mais um importante obstáculo à expressão de intimidade entre homens. Segundo
os autores acima, é preciso ser cauteloso e manter a camaradagem dentro de seus limites,
empregando apenas gestos e comportamentos autorizados para o “macho”.
Os estádios de futebol constituíram-se, historicamente, como um espaço legitimado para
os homens e também como um espaço de construção da masculinidade. No caso das torcidas, a
alteridade está posta na torcida adversária, carregando em suas representações um comportamento
masculino inadequado. Como exemplo, trazemos Alabarces (2012, p. 76): “El fútbol es un mundo
organizado de manera polar. De un lado están los machos y del otro los no-machos. (...). Los no-
machos son aquellos que no son adultos – ‘hijos nuestros’ – o son homosexuales, ‘putos’ para la

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jerga de tribuna [...]”. Para o autor, este pensamento implica, além de uma homofobia que resiste,
a organização de uma retórica, onde humilhar a outra consiste basicamente em penetrá-lo no anal,
quebrando seu rabo. São machos que afirmam sua masculinidade mantendo relações
homossexuais (simbólicas). Mas sempre o ativo.
Outra situação que Alabarces (2012) traz está relacionada ao consumo de drogas e álcool,
que também constitui a masculinidade. Para o autor citado, o limite do consumo diferencia o
homem do não-homem, também difere das pessoas que não usam drogas. Para os torcedores, o
corpo masculino caracteriza-se por sua resistência. Portanto, para serem considerados homens,
devem apoiar-se no uso e abuso dessas substâncias que alteram os estados de consciência. Aqueles
torcedores que não ficam bêbados, que apenas bebem alguns drinques, são considerados por seus
pares como "preguiçosos" ou "suaves". Estes se distinguem dos "homens de verdade", aqueles
sujeitos "duros" cuja capacidade de beber grandes quantidades de bebidas alcoólicas permite que
sejam considerados homens. Em relação ao consumo, ser homem refere-se a consumir sem
“falir”. É por isso, segundo Alabarces (2012, p. 77), que é comum ouvir "não beba ou não use
drogas se você não for homem".
Ainda nessa linha, observamos, dentro dos estádios, que os torcedores utilizam os
palavrões como moeda corrente. O palavrão possui diversas funções, podendo ser utilizado para
agredir ou para demonstrar afetos. Para Damo (2002), nos estádios existe uma estética da honra,
da alteridade e da masculinidade. Os palavrões e os xingamentos podem acontecer entre
torcedores de clubes distintos ou entre torcedores e qualquer outro agente do espetáculo como os
árbitros, jogadores, policiais... Ainda para Damo (2002), o jogo de futebol possui códigos
particulares que permitem, nesse local, que diferentes ações executadas não sofram as mesmas
proibições que em outros espaços do cotidiano. A homofobia é tratada com naturalidade dentro
do futebol; os cânticos homofóbicos são corriqueiros e naturalizados. Esses cânticos permitem
visualizar o entendimento que as torcidas e a sociedade do futebol possuem sobre masculinidade,
sexualidade e futebol.
Partindo do pressuposto de que o estádio de futebol é um ambiente de predomínio
heterossexual e de socialização destes indivíduos, a sociedade do futebol procura reforçar essa
concepção, exaltando sua heterossexualidade e buscando oprimir tudo o que seja diferente deste
predomínio. Conforme Welzer-Lang (2001), os homens que não mostram sinais redundantes de
virilidade são associados às mulheres e/ou a seus equivalentes simbólicos: os homossexuais. Não
basta apenas ser heterossexual, é necessário demonstrar isso em comportamentos que
identifiquem sua heterossexualidade, é preciso enquadrar-se à masculinidade considerada
adequada para este ambiente. Para Bandeira e Seffner (2013), a preocupação em relação a essa
socialização masculina aumenta quando a aversão aos homossexuais é valorizada, entendida
como desejável nessa socialização. Se a violência física tende a ser praticada eventualmente, a
violência verbal é uma constante nos espetáculos futebolísticos.

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Outra situação constrangedora instituída no futebol brasileiro é o uso do número 24 nas


camisas de futebol. O número é associado aos gays. Isto aconteceu no Brasil porque o jogo do
bicho teve uma influência muito forte na propagação do preconceito contra a numeração. E ainda
hoje associa-se o número ao animal veado, que é o 24 no jogo. E o preconceito continua ainda
nos uniformes das equipes. Os clubes e jogadores estão praticamente banindo o número 24 do
futebol brasileiro4. Nos dez jogos da última rodada da Série A do ano de 2019, 419 jogadores
estiveram em campo nas súmulas da CBF, mas apenas o jovem Brenno, terceiro goleiro do
Grêmio, portava tal numeração. Um dos casos mais recentes aconteceu com a contratação do
colombiano Cantillo, pelo Corinthians, no início de janeiro de 2020. Ele sempre usou a camisa
24 em seu país. Mas aqui, foi orientado a não usar tal número porque é popularmente associado
aos gays. O fato fez com que o diretor do clube, Duílio Monteiro Alves, tivesse que se desculpar
por um comentário homofóbico durante a apresentação do atleta.
No dia 25/08/2019, o futebol brasileiro, pródigo em polêmicas fugazes que se repetem a
cada fim semana, presenciou um fato inédito em sua história. Aos 19 minutos do segundo tempo,
o árbitro Anderson Daronco interrompeu o jogo entre Vasco da Gama e São Paulo, quando parte
da torcida vascaína cantava “time de veado” nas arquibancadas de São Januário, para provocar os
rivais. Foi a primeira vez que a arbitragem paralisou um jogo por causa de cânticos homofóbicos5.
A reação dos torcedores e de boa parte da mídia foi de surpresa. Alguns falaram em tom de
deboche sobre o “fim do futebol raiz” e a “vontade da FIFA e da CBF de acabar com a festa das
torcidas nas arquibancadas”. Outros levantaram questões mais rasas e classificaram gritos como
“time de veado” como que fazendo “parte da cultura do futebol”. Mas, depois desse episódio,
todos os 20 clubes da Série A se uniram em combate à homofobia e publicaram, no mesmo
horário, em seus Twitters: “São inaceitáveis práticas ainda existentes em nossos estádios: temos
que dar um basta! Pior que prejudicar o seu time é cometer um crime. Grito homofóbico não é
piada, muito menos cântico de torcida. Grito homofóbico é crime, dentro e fora dos estádios. Diga
não à homofobia!”6
Conforme Bandeira e Seffner (2013), tentando ampliar o número de ações possíveis e,
também, eventualmente, limitar algumas dessas ações, especialmente as homofóbicas, torcedores
de diversos clubes brasileiros iniciaram movimento nas redes sociais, defendendo a tolerância de
gênero, mas, principalmente de identidades sexuais não “heteronormativas” nos estádios de
futebol no Brasil. O movimento foi iniciado na rede social Facebook por uma torcedora do
Atlético-MG que criou a fanpage Galo Queer7.

4
Ver em: https://observatorioracialfutebol.com.br/numero-tabu-camisa-24-e-rejeitada-no-futebol-brasileiro/
5Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/26/deportes/1566852465_773027.html.
6Fonte: Observatório Racial do Futebol Brasileiro. Disponível em: https://observatorioracialfutebol.com.br/ clubes-

brasileiros-se-unem-e-postam-contra-a-homofobia-nas-redes-sociais-nao-e-piada/.2019
7Além da Galo Queer (Atlético Mineiro), existem no Facebook as torcidas Furacão – Sem Homofobia (Athletico

Paranaense), E. C. Bahia Livre (Bahia), Coxa – Sem Homofobia (Coritiba), Cruzeiro Livre (Cruzeiro), Grêmio Queer
(Grêmio), Queerlorado (Internacional), Timbu Queer (Náutico), Palmeiras Livre (Palmeiras), Bambi Tricolor (São

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Otávio Nogueira Balzano e João Alberto Steffen Munsberg

O clube de futebol no Brasil que melhor explora o esporte para combater os preconceitos
institucionalizados no mundo do futebol é o E. C. Bahia, que tem uma política de aproveitar a voz
que tem com o seu público para tratar de temas estigmatizados pela sociedade e que talvez não
fossem ouvidos se abordados por outros meios. O clube já realizou campanhas sobre assédio no
estádio, homofobia, racismo, intolerância religiosa, entre outras. Essas ações surgiram a partir da
compreensão de que a instituição tem poder junto à população, especialmente sua torcida, levando
as pessoas a refletirem sobre temas importantes, visando à construção de uma sociedade melhor.
O clube possui um papel importante e entende que pode tratar de temas que vão muito além do
esporte8.

2 Decisões metodológicas
Ao optarmos por uma metodologia decolonial9, buscamos uma aproximação com a
realidade da América Latina, que requer outras visões de mundo capazes de lidar com as crises
da modernidade, levando em consideração os conhecimentos e experiências das culturas locais.
Nesse sentido, apoiamo-nos em conceitos de Fals Borda (1973, p. 9):
[...] trabajar arduamente con nuestros materiales y realidades, tratando de
articular nuestras respuestas con fórmulas, conceptos y marcos de referencia
de aquí mismo [...] fortalecer la investigación autónoma e independiente de los
hechos sociales, estimulando el pensamiento creador y la originalidad.

Fals Borda propõe um pensamento sobre a região, elaborado na própria região,


preocupado em interpretar e dar soluções próprias e originais aos principais dilemas sociais e
políticos da América Latina.
Quanto à abordagem, trata-se de pesquisa qualitativa. O diferencial das pesquisas
qualitativas, em relação às quantitativas, refere-se à inclusão da subjetividade, pois não é possível
pensá-las sem a participação do sujeito. Conhecendo o evento profundamente, poderemos melhor
descrever, interpretar, explicar e compreender as percepções e os significados desse grupo em
particular – os profissionais de EF que trabalham com o ensino do futebol no clube e na
universidade e a sua relação com o machismo no futebol.
O estudo foi realizado em três Instituições de Ensino Superior (IES) que possuem cursos
de EF, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e em três clubes de futebol do Rio Grande do
Sul. A escolha dessas instituições visou a atender interesse do pesquisador, considerando que

Paulo) e Vitória Livre (Vitória).


8 Ver “Não é só futebol: a luta do Bahia contra o racismo, intolerância e assédio às mulheres”
(observatorioracialfutebol.com.br) 2019.
9
Aderimos à opção decolonial porque acreditamos que ela seja epistêmica, isto é, se desvincula dos fundamentos
genuínos de conceitos ocidentais e da acumulação de conhecimento. Por um desvincular epistêmico não queremos
dizer abandono do que já foi institucionalizado em todo o planeta. Pretendemos ressignificar o conhecimento da
história imperial do ocidente dos últimos cinco séculos, em que pessoas, conhecimentos, línguas, religiões, conceitos
políticos e econômicos, subjetividades e outros foram racializados/marginalizados. A opção decolonial significa –
entre outros sentidos – aprender a desaprender, já que nossos cérebros tinham sido programados pela razão
imperial/colonial.

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nesses locais tivemos facilidade de acesso, face ao bom relacionamento profissional com os
coordenadores das instituições.
Para preservar a identidade das IES-EF, adotamos as seguintes designações: IES1, IES2
e IES3. Já as instituições esportivas, os Clubes de Futebol (CF), além de estarem localizados no
Estado do Rio Grande do Sul, deveriam possuir: profissionais formados ou que estejam cursando
EF; equipe sub-16/17 que participe de campeonatos na categoria; equipe principal que participe
da série A do campeonato gaúcho de futebol; e comissão técnica específica para a categoria sub-
16/1710. Para preservar o nome dos clubes de futebol, adotamos como identificação: CF1, CF2 e
CF3.
Participaram da pesquisa dezessete profissionais de EF, assim distribuídos: três
professores de EF de IES que ministram ou ministraram disciplinas de futebol; três coordenadores
de EF que ministram ou ministraram a disciplina de futebol na IES; quatro treinadores da
categoria sub-16-17 de CF; três preparadores físicos da categoria sub-16/17 de CF; dois
coordenadores técnicos dos CF que trabalham com a categoria sub-16/17; e dois coordenadores
gerais das categorias de base dos CF. Para preservar a identidade das instituições e dos
profissionais de EF participantes da pesquisa, utilizamos letras e números para identificá-los.
Letras para designar a função do jogador, seguidas do local de trabalho – IES ou CF. Utilizamos
números para diferenciar as instituições.
A seguir, relacionamos instituições e profissionais: CoEF-IES1 – coordenador de
Educação Física da Instituição de Ensino Superior 1; PF-IES1 – professor de futebol da Instituição
de Ensino Superior 1; CoEF-IES2 – coordenador de Educação Física da Instituição de Ensino
Superior 2; PF-IES2 – professor de futebol da Instituição de Ensino Superior 2; CoEF-IES3 –
coordenador de Educação Física da Instituição de Ensino Superior 3; PF-IES3 – professor de
futebol da Instituição de Ensino Superior 3; CGCB-CF1 – coordenador geral das categorias de
base do clube de futebol 1; CoT-CF1 – coordenador técnico das categorias sub-16 e sub-17 do
clube de futebol 1; TF17-CF1 – treinador da categoria sub-17 do clube de futebol 1; PF17-CF1 –
preparador físico da categoria sub-17 do clube de futebol 1; TF16-CF1 – treinador da categoria
sub-16 do clube de futebol 1; PF16-CF1 – preparador físico da categoria sub-16 do clube de
futebol 1; CoT-CF2 – coordenador técnico da categoria sub-17 do clube de futebol 2; TF17-CF2
– treinador da categoria sub-17 do clube de futebol 2; CGCB-CF3 – coordenador geral das
categorias de base do clube de futebol 3; TF17-CF3 – treinador da categoria sub-17 do clube de
futebol 3; PF17-CF3 – preparador físico da categoria sub-17 do clube de futebol 3.

10
Escolhemos profissionais de instituições esportivas que trabalham com a categoria sub-16/17 porque, a partir desta
faixa etária, os treinos se tornam diários e têm uma maior cobrança do clube no âmbito da performance futebolística.
Outra justificativa é porque no Brasil a Constituição Federal (1988) proíbe que menores de 14 anos trabalhem e, dos
14 aos 16 anos, somente como aprendizes. Portanto, qualquer projeto de prática do esporte promovido por clubes
com participação de menores de 14 anos deve possuir caráter educacional, evitando a seletividade e a hiper
competitividade, como disposto na Lei Pelé (BRASIL, 1998) e na Nova Lei Pelé (BRASIL, 2011), em seu artigo 3º,
inciso I.

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Nesta pesquisa, dividimos os participantes em dois conjuntos, a partir da orientação


profissional/social/cultural, ou seja: participantes das Instituições de Ensino Superior em
Educação Física – IES-EF – (Conjunto I) e participantes do clube de futebol (Conjunto II). Os
participantes da pesquisa foram convidados a responder à seguinte pergunta: “Você entende que
existem preconceitos – homofobia – no futebol? Se sim, como?”
Para a coleta dos dados utilizamos como principal instrumento a entrevista
semiestruturada. Conforme Negrine (1999), a entrevista semiestruturada se constitui em estratégia
utilizada para obter informações frente a frente com o entrevistado, o que permite ao entrevistador
o estabelecimento de um vínculo melhor com o indivíduo e maior profundidade nas perguntas
que previamente elaborou como roteiro.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética de duas IES de EF, via plataforma
Brasil. A primeira foi a IES3: CAAE – 19579019.2.0000.5307; Parecer n. 3.622.692: O
pesquisador atendeu a todas as recomendações do Parecer n. 3.568.544. A segunda foi IES1:
CAAE – 19579019.2.3001.5308; Parecer n. 3.751.358: O projeto está aprovado conforme a
Resolução n. 466/12 do CNS.

3 Resultados e análise dos dados


Em vista da dificuldade de uma metodologia decolonial, e observando, na literatura,
propostas híbridas11 para pesquisas nessa perspectiva, identificamos na ACD (Análise Crítica de
Discurso) sócio cognitiva12 de Teun A. Van Dijk uma proposta de análise de dados alinhada com
nossa pesquisa.
Neste recorte da pesquisa, analisamos, na perspectiva dos Conjuntos I e II, os
preconceitos no futebol. Sobre o assunto, os participantes responderam à pergunta já referida
anteriormente: Você entende que existem preconceitos no futebol? Se sim, quais? Nesse espaço
da pesquisa, nos propomos a analisar criticamente o preconceito homofobia no futebol, na
universidade e no clube, através de uma análise social, cultural e política dos pesquisadores.
Segundo Van Dijk (2013), a ACD não fornece um método pronto para o estudo dos problemas
sociais, mas enfatiza que, para cada problema social, é necessário fazer escolhas e selecionar as
estruturas mais relevantes a serem analisadas no estudo do fenômeno.
Em relação ao tema – o futebol é preconceituoso –, os discursos do Conjunto I e II
enfatizam a formação sociocultural. “O preconceito tá muito forte no aspecto social, mas quando
eu tenho um olhar muito forte para as questões sociais, eu não consigo conceber essas coisas”

11
Ver Carvalho Filho et al. (2015).
12 A pesquisa em ACD está, frequentemente, interessada em estudar discursos ideologicamente enviesados, bem como
as formas pelas quais tais discursos polarizam as suas representações do “nós” (endogrupo) e do “eles” (exogrupo).
Em ambos os níveis de análise do significado – o local e o global –, frequentemente podemos verificar uma estratégia
geral de “representação-positiva-de-si” e de “representação-negativa-do-outro”, em que as “nossas coisas boas” e as
“coisas ruins dos outros” são enfatizadas, e as “nossas coisas ruins” e as “coisas boas dos outros” são minimizadas.
(VAN DIJK, 2013).

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(PF-IES1). [...] “Os preconceitos no futebol refletem na sociedade, pois o futebol é uma
manifestação social. Os problemas do futebol são mais ou menos, os mesmos problemas sociais
que o Brasil tem” (PF-IES3). [...] “O futebol é um antro de preconceito” (CoEF-IES1). [...] “O
futebol é o segmento da sociedade mais preconceituoso, muito pelo espaço que a mídia dá para
ele. Hoje todos os dias têm futebol” (CoEF-IES1). [...] “Existem vários tipos de preconceitos no
futebol, com a mulher, racial, preconceitos homo fóbicos, preconceito com quem joga futebol que
não sabe nada é burro só sabe jogar bola” (PF-IES3). [...] “O preconceito no futebol é uma questão
cultural, todo mundo entende de futebol” (CoEF-IES2).
Os discursos dos Conjuntos I e II em relação ao futebol ser preconceituoso,
principalmente por ser uma manifestação sociocultural, confirmam o que já se sabemos. O
preconceito tem origem na base da sociedade brasileira – considerada preconceituosa por sua
“própria natureza”.
Van Dijk (2005), mediante a ACD, corrobora com essas constatações quando considera
que o conhecimento cultural, também entendido como senso comum, é socialmente
compartilhado, presente no discurso público e manifestando-se em práticas sociais. Na mesma
linha, Kusch (1978) enfatiza a importância da geocultura, afirmando que o pensar dos grupos
humanos está condicionado pelo lugar. Na perspectiva da geocultura, o futebol preconceituoso é
visto com naturalidade na sociedade. E essa condição nos permite fazer uma relação com a
influência da colonialidade do poder eurocêntrica, que, segundo Mignolo (2004), estabeleceu
regimes de verdade, onde os valores particulares passaram a circular como verdades universais,
naturais, cuja força de convencimento reside em sua reafirmação constante nos discursos
autorizados.
O discurso preconceituoso que circula naturalmente no mundo do futebol, e que em
poucos momentos é condenado de forma veemente, parece estar relacionado à cultura perversa
estabelecida no Brasil, no sentido de que “em prol da paixão pelos clubes podemos fazer qualquer
coisa” no âmbito do futebol. Para Loureiro (2007), o futebol é um espetáculo aclamado pela
torcida que gera alienação do povo. A alienação está na forma como as pessoas lidam com o
futebol, não apenas quando respiram esta paixão, mas também quando têm o futebol como a sua
única ou maior preocupação.
Aliado à crítica de Loureiro sobre a alienação provocada pelo futebol, a linguagem do
futebol, no discurso de Damo (2002), é posta como “um suposto álibi” para essas manifestações
preconceituosas da sociedade do futebol. Para o autor, o futebol pode ser visto como uma
linguagem, ele é um código que todos devem ser minimamente capazes de utilizar. Em países
como o Brasil, em que o futebol é um esporte extremamente popular, partimos do pressuposto de
que todos estão interessados nele e que são capazes de falar sobre ele. Assim, falar sobre o futebol
passa a ser uma forma de falar sobre o país e sobre a identidade nacional.
Entendemos, como os autores acima, que o futebol faça parte da cultura nacional, e que

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deveria ser tratado como uma manifestação sociocultural e não como uma possibilidade de
expressar seus sentimentos mais perversos. Julgamos que muitos desses sentimentos ou
preconceitos/atitudes em nome do futebol acontecem pela impunidade, pois, as punições para
essas ações ainda são brandas, ou nem são levadas em consideração pelo poder público e pelos
clubes de futebol. Defendemos que os profissionais de EF, em seus espaços, devem manifestar
indignação a respeito desses fatos, trazendo essa temática para suas aulas, conscientizando seu
público em relação a essas atitudes preconceituosas, pois, como professor/orientador, compete-
lhe também a responsabilidade da formação para a cidadania.
Em relação ao preconceito homofobia, esse foi citado no discurso do Conjunto I, apenas
por dois participantes, mas não se aprofundaram no tema: “Têm a questão da homofobia também,
não se admite num grupo de futebol um jogador homossexual” (CoEF-IES1). [...] “O que cada
pessoa faz da sua vida, isso eu não me meto, é uma questão social” (PF-IES1). Vamos destacar,
na análise, a questão de o futebol não admitir jogadores homossexuais. Como vimos na análise
anterior, está instituído no discurso do senso comum e na cultura nacional “que futebol é para
homem”. O homossexualismo é um preconceito muito enraizado no futebol. Muitos autores
enfatizam que o futebol é o mais democrático dos esportes (GIULIANOTTI, 2002; RODRIGUES
FILHO, 2003; GUTERMAN, 2009; MATTA, 1982; RINKE, 2007; DAÓLIO, 2006), pois
possibilita que todos joguem pela sua facilidade, principalmente pessoas das classes populares.
Mas, para o homossexual, a realidade não é bem assim, pois só podem jogar entre eles. Mesmo
os torcedores com a maior paixão pelos seus times não aceitam jogadores com esse perfil. O
torcedor aceita jogador, branco, preto, amarelo, índio e até oriundos do seu principal adversário,
mas jogador gay, não. Ele pode até fazer o gol na final de um campeonato e dar o maior título da
história do clube, mas, se ele no outro dia falar que é gay, a torcida pede para ele vá embora e
esquece todos os seus feitos. Muitos são os exemplos, no futebol brasileiro, de casos de jogadores
que são gays, ou que tiverem atitudes que o discurso popular entende como homossexuais, que
foram condenados por torcedores, jogadores, imprensa e até diretores. São exemplos mais
conhecidos os casos de Richarlyson, no Guarani, Emerson Sheik, no Corinthians, Poltrona 36, no
Grêmio, e o atacante Didi, do Internacional, entre outros.
Para Almeida e Soares (2012), a violência homofóbica no futebol não é pontual,
inesperada nem casual. É violência tramada sobre uma lógica, um pano de fundo, em que ainda é
forte a presença do patriarcado e na qual a dominação masculina é a tônica, um legado do
colonialismo. Ainda para Almeida e Soares (2012), o campo de futebol permanece como uma das
maiores instituições segregadoras de gênero das culturas ocidentais. Na mesma linha, para Castro-
Gómez e Grosfoguel (2007), nas Américas chegou o homem heterossexual, branco, patriarcal,
cristão, militar, capitalista europeu e, com ele, a reprodução dos padrões hierárquicos globais já
existentes. Contribuindo, Silva e Campos (2014) consideram que não há questionamentos sobre
o fato de o futebol ser um dos poucos espaços da sociedade onde os homens não podem se

46 V Concurso de Artigos Científicos da Comissão do Esporte 2022 – Coleção Especial dez. 2022
HOMOFOBIA NO FUTEBOL: UMA HERANÇA COLONIAL

manifestar sobre outra opção que não seja a heterossexual. Violências simbólicas são cometidas
com permissividade e isso também não é tema de reflexão na sociedade, principalmente na
Educação Física da universidade e da escola.
Não existem números precisos sobre o percentual da população brasileira homossexual.
Segundo o site jusbrasil.com13, gira em torno de 18 milhões, que corresponde a quase 8,6% da
população brasileira. Se fizermos uma análise simples, 4.3% da população gay são mulheres,
sobrando 9 milhões de homens gays. Relacionando com o futebol, se tivermos 20 times de futebol
na primeira divisão, cada time em média com 35 jogadores, terá um total de 700 jogadores nos
clubes de elite. Assim, teríamos, no mínimo, 30 jogadores gays jogando a série A do campeonato
brasileiro. Neste sentido, mais uma vez nos aportamos no conceito da diferença colonial
(MIGNOLO, 2013), que traz como um de seus aportes, o “próprio veneno do colonizador”, que
é a primeira premissa do conhecimento hegemônico – da ciência maior14 –, o da “indagação”.
Quantos casos de jogadores gays das equipes da série A do futebol brasileiro foram
noticiados pela mídia em 2019-2020? O futebol sendo um negócio, onde muitos – clubes, mídia,
patrocinadores, jogadores – ganham dinheiro, caracterizado pela masculinidade, nos leva à outra
indagação: Seria interessante para a mídia noticiar esses fatos? Conforme Van Dijk (2018), quem
coordena a mídia é a elite branca/patriarcal que precisa dos patrocinadores, bem como os clubes
de futebol. Dessa forma, cabe mais uma indagação: Será que os patrocinadores querem seus
“produtos” vinculados aos jogadores gays? E os clubes de futebol e suas torcidas – que
caracterizam suas instituições e jogadores com adjetivos como “Deus Raça”, “Imortal”,
“Academia”, “Leão”, “Bando de Loucos”, “Superman”, “Nação”, “Coração Valente”, entre
outros – querem seus clubes representados por jogadores gays? Questões para serem respondidas
num próximo estudo.
Já o Conjunto II, a respeito do preconceito homofobia, o participante CGCB-CF1,
comentou que o clube já vem conversando a respeito desse assunto: [...] “Uma coisa que temos
conversado e estamos nos preparando é que vamos ter atletas homossexuais de forma explicita,
atletas namorando entre eles. Nós vamos ter que lidar com essa realidade que é natural” (CGCB-
CF1). Entendemos ser pertinente o clube tratar desse preconceito em todos seus escalões, pois,
homofobia é crime. O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no dia 13 de junho de 2021,
que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada um
crime. Os ministros determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (n.
7.716/89)15, que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por "raça, cor, etnia, religião
e procedência nacional", como crime inafiançável, imprescritível e que tem como pena a reclusão

13 Ver: site jusbrasil.com (2018). Disponível em: https://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/145829/ estimativa-


aponta-que-numero-de-brasileiros-homossexuais-ja-chega-a-17-9-milhoes Acesso em: 20 jan. 2029.
14 Ver Duarte e Taschetto (2013).
15 Ver “STF aprova a criminalização da homofobia” - BBC News Brasil

V Concurso de Artigos Científicos da Comissão do Esporte 2022 – Coleção Especial dez. 2022 47
Otávio Nogueira Balzano e João Alberto Steffen Munsberg

de dois a cinco anos. Em relação ao combate a homofobia, mais uma vez, o E.C. Bahia saiu na
frente de todos ao lançar campanha contra a homofobia16. Diferente de grande parte dos clubes
de futebol do Brasil, o Bahia não se limitou ao protocolo de postagens engessadas nas redes
sociais. Ao adotar a camisa número 24, o clube buscou, por meio da ação, ressignificar o número
que infelizmente ainda é visto como um tabu no Brasil por questões homofóbicas. Além disso,
o Esporte Clube Bahia fará a primeira camisa oficial de um clube de futebol da América Latina
com a temática LGBT. A iniciativa busca envolver e aproximar do clube cada vez mais os seus
torcedores LGBTs. Sabemos que ainda existe um longo caminho a trilhar para que os casos de
preconceito e discriminação deixem de existir. Afinal, eles são reflexos de uma sociedade
preconceituosa e racista. Sustentamos que tantos os clubes quanto as instituições de ensino devam
divulgar e condenar publicamente os casos de discriminação, bem como desenvolver ações
informativas e educacionais que visem erradicar essas ações que tanto mancham nossa sociedade.
Independentemente do entendimento, a homofobia deve ser fortemente combatida – não somente
no futebol – em todos os setores da sociedade e nada melhor que o esporte mais popular do Brasil
para dar o exemplo.

Considerações finais
Certamente a homofobia não é originada no futebol. Ela aparece na instituição escolar,
nas igrejas, na restrição de direitos civis, nas violências verbal e física. Mas, dada a importância
que o futebol possui como manifestação cultural no Brasil e no mundo, é fundamental incentivar
e contribuir com as formas de resistência a essa violência estrutural que aparece nesse esporte.
Apesar da complexidade da problemática, a solução poderia partir de duas linhas de ação.
Primeira, a introdução dos atletas em ligas de futebol sem nenhuma distinção, uma vez que não
influencia no rendimento do atleta, além da normalização do tema no esporte, lidando com a
situação sem preconceito em todas as esferas do esporte. A segunda linha de ação, a criação de
ligas para times LGBQI+, com apoio de grandes nomes do cenário do futebol se tornando algo
único e atraente para o público.
Entendemos ainda, que para mitigar a homofobia no futebol, é importante, um maior
comprometimento do papel do Estado, em todas as suas instâncias, mas também da sociedade
civil. A transformação para um “futebol melhor” requer um enorme consenso entre atores com
poder institucional e poder simbólico (os torcedores).
A nova revolução no futebol não é tática ou técnica, é de atitude. Ela passa por algo
semelhante ao que Nelson Mandela falava: “O esporte tem o poder de mudar o mundo. Tem o
poder de inspirar, tem o poder de unir as pessoas de um jeito que poucas coisas conseguem. 17

16 Ver “Bahia usará camisa 24 em campanha contra homofobia nesta terça-feira” (terra.com.br)
17Fonte: Site BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131206_
mandela_esporte_rm.

48 V Concurso de Artigos Científicos da Comissão do Esporte 2022 – Coleção Especial dez. 2022
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