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Etnografia

Simplistamente, e apenas baseando-se na etimologia da palavra, de origem grega,


etnografia é escrever sobre um povo, onde as diferenças culturais estão,
respectivamente, explicitas e fortemente implícitas. Todavia, a simplicidade termina
aqui quando nos debruçamos sobre a longa afinidade e conflituosa relação
intelectual da Etnografia com a Antropologia.

A Etnografia foi inicialmente encarada como uma disciplina assente no trabalho


solitário de redacção apoiado nos conhecimentos do redactor sobre outra cultura, o
qual beneficiava de uma mono-reputação polivalente de descrição e investigação.
No entanto é um processo de investigação desenvolvido «in loco», ou seja trabalho
de campo. Desde as investigações de Bronislaw Malinowski, apontado como pai da
Antropologia Social, o trabalho de campo deveria estar intrinsecamente ligado à
relação directa e presencial do investigador com o povo alvo da investigação. Assim,
o trabalho de campo deveria estender-se por longos períodos e onde o investigador
deveria viver junto com o povo observado, aprender a sua língua, mergulhar no seu
quotidiano, compreender os mecanismos da sua cultura e tentar ter uma percepção
da visão dos próprios nativos. O etnógrafo tornava-se assim no actor passivo, mas
integrado, do povo observado elaborando exaustivamente uma organizada colecção
de detalhadas notas e apontamentos sempre como um «observador participante».

No entanto esta metodologia torna-se quantitativa, e mesmo qualitativa, mas para a


Antropologia a Etnografia era um somatório holístico de sociedades nativas que
pretendeu descrever detalhadamente outras culturas através dos relatos dos seus
funcionamentos, simbioses estruturais, organização politica, parentescos, religião,
leis, mitologia, etc. no entanto a Etnografia permanecia circunscrita a um universo
restrito resumindo a sua observação, e eventualmente analise, a uma aldeia ou uma
tribo, além disso as Etnografia abdicava, quase totalmente, da perspectiva histórica
do povo alvo.

A etnografia sofreu uma mutação quando passou a ser desenvolvida por


antropólogos. A reflexão tornou-se num dos elementos capitais do estudo e da
observação, afastando-se da vertente de um radicalismo frio empírico (salvo a
expressão). Os antropólogos alargaram também o campo de acção indo para além
das rígidas fronteiras dos nichos de estudo limitadas pela Etnografia. Todavia,
continuaram a privilegiar um desenvolvimento teórico.

O trabalho de investigação Etnográfico não pode, no entanto, ser desprezado. Este


produziu um vasto arquivo de investigações, fólios significativos de questionários e
importantes descrições de interpretação e acepções do comportamento dos povos
estudados. Gigantescas bases de informações às quais não ficaram indiferentes as
disciplinas de ciências sociais e humanísticas.

Além da Antropologia a Etnografia ficou também intrinsecamente associada à


sociologia, especialmente na Escola de Sociologia de Chicago (EUA) onde se destacou
um dos mais proeminentes sociólogos William Foote White.
A Etnografia, por outro lado, tornou-se num desafio e numa problemática para os
Antropólogos. A componente política obrigou a uma auto consciencialização em
todas a partes envolvidas e que tornaria inerente às metodologias mas também no
exercício de reflexão dos conhecimentos. Alguns críticos, entre os quais James
Clifford, alegam que as recolhas Etnográficass são incompletas, com verdades
fragmentadas e composto por trabalhos ficcionais. O trabalho Antropológico
também não escapa à mesmas críticas sendo qualificado como um «género de
escrita e criação literária».

No mesmo debate a redacção etnográfica foi criticada como retórica onde abusava
das metáforas que foram retomadas pela antropologia pondo assim em causa a sua
credibilidade como ciência. Criticas que foram fundamentadas pela influência das
correntes «pós modernistas» que deram especial relevo à construção da redacção
dos estudos onde os observadores foram apontados como actores participativos dos
nichos em estudo onde não privilegiavam o distanciamento frio.

Perante o debate a antropologia passa a ser qualificada como uma arte humanística
enquanto a etnografia um género de ficção. Assim na década de 80 desenvolve-se o
debate sobre a atitude da etnografia, deveria ser esta transmitir a realidade ou
camuflar a realidade?

Escrever sobre os outros, e neste caso sobre pessoas obriga a uma


consciencialização ética dos autores. A protecção dos indivíduos em estudo assim
como a confidencialidade de algumas recolhas tornaram-se noutra problemática que
se desenvolveu na década de 70 após ter sido revelado que antropólogos durante os
anos 60 colaboraram como espiões ao serviço do Governo norte-americano onde as
investigações antropológicas sustentavam determinadas politicas. Foi necessário
fazer uma limpeza na «classe» e «descolonizar» os objectivos da antropologia.
Também motivações privadas que animavam os antropólogos obrigaram ao
desenvolvimento de um género de Código de Ética da Antropologia.

O antropólogo tem sempre de ter em consideração que é um estranho, um


«outsider», numa terra estranha mas este factor poderá influenciar a atitude do
nativo e adulteração da percepção do antropólogo. A dificuldade de distanciamento
da etnografia assim como o seu trabalho solitário, que frequentemente vacila na
defesa de causas e militâncias, tem projectado a Etnografia para um segundo plano e
consequentemente incrementa o debate do estilo de escrita a aplicar pelo
antropólogo.

Por fim, a Antropologia não abandonou a Etnografia, pelo contrário, utiliza-a como
um conjunto de estudos fragmentados, importantes num puzzle organizado para as
reflexões globais antropológicas.

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