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RIOS E CIDADES: RUPTURA E RECONCILIAÇÃO

Figura 146: Vista aérea da área


de intervenção e o rio Guamá
Fonte: Arquivo Rosa Grena Kliass,
cedido para a autora.

Figura 147: Vista aérea do


terreno cedido pela marinha ao
Estado do Pará
Fonte: Arquivo Rosa Grena Kliass,
cedido para a autora.

Figura 148: Situação


encontrada: Muro inviabilizando
o contato da população com as
margens do rio Guamá
Fonte: Arquivo Rosa Kliass, cedido
para autora.

O projeto foi desenvolvido em uma porção de terreno de beira-rio que havia sofrido inter-
venção com a construção de um muro de contenção e aterro que dividiu a área em dois
compartimentos: a área propriamente dita, transformada em um imenso capinzal, aquém do
muro; e, além do muro, junto ao rio, a vegetação típica de várzea fluvial, com predominância

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da aninga22, lutando contra os cortes sucessivos que reduziam o seu porte, provavelmente
justificados pela liberação da vista para o rio (Figura 149).

Figura 149: Corte das aningas,


degradação e perda do
equilíbrio ecológico local
Fonte: Arquivo Rosa Kliass,
cedido para autora.

A evolução da apropriação do rio e os impactos decorrentes

Fundada em 1616 pelos colonizadores portugueses, Belém se desenvolveu como uma típica
cidade portuária, com uma economia e uma cultura baseadas em sua condição geográfica
e recursos naturais.

Atualmente, a cidade tem experimentado muitas mudanças, principalmente após o abran-


gente plano de renovação urbana desenvolvido pela Secretaria da Cultura do estado do Pará.
Esse plano recuperou importantes obras que faziam parte do patrimônio arquitetônico da
cidade, integrando-as aos espaços públicos abertos e criando novas áreas verdes urbanas.

Em 2003, autoridades da Marinha cederam dez acres (4,05 hectares) de uma área de sua
propriedade, então abandonada, ao governo do Estado do Pará, para que os recuperassem
através da construção de um parque público (Figuras 146 e 147).

Foi então projetado o Parque Mangal das Garças, integrante do plano de revitalização ur-
bana que operou significativas transformações na cidade, valorizando a importância de sua
história. A autoria do projeto paisagístico é do escritório de planejamento e arquitetura
paisagísticos Rosa Grena Kliass, sendo a meta criar um espaço de recreação que fosse capaz
de despertar a população local para a importância de seu patrimônio ambiental.

22 A aninga (Montrichardia arborescens) é uma espécie aquática nativa de florestas tropicais, com presença determi-
nante no local de intervenção.

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4.3.2 Motivos que levaram à elaboração do Plano

A relação entre as cidades e suas frentes de água, conforme explica Kliass (2006), deve ser
revista não apenas nos centros históricos tradicionais, mas estender-se às áreas de contato
entre as margens de rios, lagos e mares e os assentamentos urbanos. Sempre que possível,
a natural vocação paisagística e de lazer deve ser potencializada, tanto para a população
local como para o turismo, que vem se tornando progressivamente uma importante fonte
de renda.

De fato, a intenção original do Plano era recriar um parque contendo as características da


paisagem das regiões do estado do Pará e resgatar espécies nativas para enfatizar a singu-
laridade desse ambiente natural.

O terreno abandonado às margens do rio Guamá, em processo de degradação, estava cer-


cado e inacessível à população, desvinculado do tecido urbano e em estágio de degradação
ambiental. A intervenção do projeto simboliza de maneira prioritária a importância hídrica
do ambiente amazônico.

Importante destacar que a proposta de um parque público para a cidade de Belém, iniciada
em 1999, não apenas pretendia converter o terreno abandonado de uma área naval em um
naturalístico espaço verde, mas recuperar, para a população local, a vitalidade do espaço,
propiciando a apropriação deste.

4.3.3 Atores

Participaram da elaboração e implantação do Plano os seguintes atores: Secretaria de Cul-


tura do Estado do Pará e equipe de projeto multidisciplinar, composta por arquitetos, arqui-
tetos-paisagistas, biólogos, botânicos, entre outros profissionais.

4.3.4 Objetivos

O objetivo do Plano era permitir à população de Belém vivenciar a natureza e as águas em


sítio localizado junto ao centro histórico, a partir da transformação em parque urbano da
área de aterro subutilizada e esquecida sobre a antiga várzea do rio. Os objetivos específicos
eram:
„ Explorar a diversidade ecológica do ambiente amazônico;
„ Melhorar a qualidade do espaço urbano tornando-o atraente à visitação e sinto-
nizado com as dimensões paisagísticas e ambientais;
„ Promover a conscientização da importância ambiental e ecológica;
„ Valorizar a identidade local.

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4.3.5 Diretrizes

O Plano de revitalização da cidade de Belém desenvolvido e implementado pela Secretaria


de Cultura do Estado do Pará estabeleceu as seguintes diretrizes:
„ Recriar a paisagem típica da região e do ambiente amazônico;
„ Resgatar uma área ribeirinha para a população, transformando uma área privada
em área pública;
„ Incentivar o uso com a criação de equipamentos e de espaços de permanência;
„ Utilizar a água como elemento de conexão entre os resquícios de áreas naturais,
e do ambiente resultante com a população;
„ Criar um programa específico que envolvesse as dimensões social, cultural, esté-
tica e ecológica.

4.3.6 Propostas

Foram, então, desenvolvidas as seguintes propostas:


„ Recuperação da vegetação aquática e, particularmente, das aningas e re-introdu-
ção de espécies vegetais nativas;
„ Criação de espaço educacional e recreativo para a população local;
„ Criação de espaços contemplativos e de integração ao rio e ao parque;
„ Criação de equipamentos para estimular o convívio com elementos da natureza.

4.3.7 Implementação

O parque é composto por dois grandes compartimentos.

O primeiro, mais construído, com a portaria, o estacionamento e a grande praça central


definida pelo Armazém do Tempo, pavilhão de estrutura metálica reciclado, e pelo edifício
principal de construção em madeira, que abriga o Memorial Amazônico da Navegação no
primeiro piso e o Restaurante no piso superior. O desenho da praça e a fonte sugerem o
início do circuito das águas.

O segundo compartimento expressa mais explicitamente o caráter naturalístico adotado


pelo projeto, que estabeleceu critérios de valorização do sítio, pela recuperação do imenso
aningal e pela criação de ambientes representativos das três grandes regiões florísticas do
estado do Pará: os campos, as áreas de várzea e as matas de terra firme, por meio da intro-
dução de vegetação nativa de cada uma dessas regiões.

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A água foi reintroduzida, assumindo o papel de condutora da paisagem nas formas mais
variadas: fonte, cascata, rio sinuoso e, finalmente, o grande lago. Caminhos, passarelas e
pontes intercalados por recantos com pérgulas se sucedem para alcançar os pontos de inte-
resse: o borboletário, o viveiro de pássaros e a torre de observação.

A reintegração da área ao rio permitiu a recuperação do imenso aningal, que atingiu o porte
de 7 m de altura com folhas de 1,5 m. Valorizando essa vegetação, em vez de podá-la como
se fosse um obstáculo visual, lançou-se mão de uma passarela de madeira, que, saindo do
terraço de acesso ao restaurante e avançando sobre o aningal, alcança o pavilhão à borda
do rio e permite a visão da orla e dos elementos referenciais da cidade, como as torres do
Forte Feliz Lusitânia23.

A população natural de aningas foi recuperada nas margens do rio e incorporada ao Parque
Mangal das Garças. Além de derrubar a barreira física que “protegia” o tecido urbano das
águas do rio, o projeto reintegrou-o à vida da cidade. O Mangal das Garças encontra-se
totalmente implantado e passou a ser uma das principais atrações turísticas de Belém.

Sua peculiaridade é o fato de ter se tornado um ícone paraense, que reintroduziu o contato
da cidade com a água, a vegetação e a fauna amazônicas. O Mangal das Garças tem um sig-
nificativo potencial multiplicador de projetos em situações similares, já que uma das grandes
carências das cidades brasileiras é de espaços públicos de qualidade.

A leitura de todos esses casos evidencia uma série de semelhanças até o período de degra-
dação dos respectivos rios e as particularidades na mobilização que levou os atores à decisão
de propor intervenções para a reversão de um quadro de desequilíbrio.

Nota-se também a convergência, de modo geral, quanto à temática que norteia os planos
e propostas bastante específicas, que contemplam as singularidades peculiares de cada sítio
de intervenção, dos traços culturais e condicionamentos políticos e sociais de cada sistema
fluvial urbano.

Esses elementos serão devidamente comparados e comentados no próximo capítulo.

23 Feliz Lusitânia – núcleo histórico onde teve início a cidade de Belém.

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1. Estacionamento 8. Viveiro das aningas


2. Armazém do Tempo 9. Quiosques e recantes
3. Fonte dos Caruanas 10. Restaurante / Memorial Amazônico da Navegação
4. Praça do Murmúrio das Águas 11. Farol de Belém
5. Lago do Cavername 12. Mirante do rio Guamá
6. Lago da Ponta 13. Viveiro Natural de aningas, recuperação da vegetação
7. Borboletário (com beija-flores) de mangue

Figura 150: Implantação do Parque Mangal das Garças


Fonte: Revista Landscape Architecture (v. 96, n. 4, p. 123, abr.2006)

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Figura 151: Vista geral do parque à beira do rio Guamá: lago,


Farol de Belém e Memorial Amazônico da Navegação
Fonte: Arquivo Rosa Kliass, cedido para autora.

Figura 152: Vista do interior do Parque – o lago Cavername


para o Farol de Belém
Fonte: Arquivo Rosa Kliass, cedido para autora.

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Figura 153: Vista aérea do parque com o rio Guamá


Fonte: Arquivo Rosa Kliass, cedido para autora.

Figura 154: Memorial Amazônico da Navegação e o mirante


sobre o rio Guamá
Fonte: Arquivo Rosa Kliass, cedido para autora.

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