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Aula 12

Rios: trabalhando para ajudar o mar


a construir os relevos costeiros

Jorge Soares Marques


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Meta

Demonstrar que estuários e deltas são ambientes costeiros produzidos


pela interação entre processos fluviais e marinhos.

Objetivos

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:

1. reconhecer as contribuições de um rio para a formação e a manuten-


ção de relevos costeiros;
2. identificar características e processos inerentes aos ambientes
estuarinos;
3. identificar características e processos inerentes aos ambientes deltaicos.

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Geomorfologia Costeira

Introdução: encontro de águas

As grandes planícies costeiras, formadas em estuários e deltas, estão


presentes na história da humanidade como berços das grandes civiliza-
ções antigas, como a dos egípcios. Hoje, não menos importantes, con-
tinuam abrigando enormes parcelas da população mundial, dando sus-
tentação ao desenvolvimento de suas atividades e às vidas das pessoas.
Esses ambientes, que surgiram do contato e da mistura entre as águas
doces dos rios e as salgadas dos oceanos, oferecem ao homem a possibi-
lidade de também criar um ponto de encontro em que pode se conectar,
de um lado, com todos os litorais e, de outro, com todo o interior do
continente, a partir do acesso que lhe foi dado pelo rio.
Na época dos descobrimentos, ao serem ocupados, estuários e deltas
passaram a representar pontos estratégicos nos quais foram fundadas
cidades e construídas fortificações, para garantir a defesa do lugar e a
posse das bacias interiores dos rios. No Brasil, são exemplos as lutas dos
portugueses pelo domínio da foz do Prata (Buenos Aires e Montevidéu)
e pela fortificação da foz do Amazonas, que evitou, por muito tempo, a
entrada de conquistadores e uma ocupação sem controle, além de ter
garantido a maior parte da bacia para o território brasileiro.
fernando_dallacqua

Figura 12.1: Forte do Presépio de Belém – Belém (PA). Local histó-


rico onde se instalou, de modo ainda rudimentar, em 1615, a primei-
ra fortificação na foz do rio Amazonas, com o objetivo de impedir a
entrada de conquistadores. A partir dessa data, outros fortes foram
construídos, inicialmente para garantir a posse da bacia para os
portugueses e, posteriormente, para os brasileiros.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/65/
FortePresepio-CCBY.jpg/1280px-FortePresepio-CCBY.jpg

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Estuário No litoral, as presenças de estuários (Figura 12.2) e deltas (Figu-


Ambiente de caráter ra 12.3) representam os locais de encontro de rios com o mar. Nesses
transitório, formado em
baixos cursos fluviais lugares, águas e sedimentos chegam e são mobilizados, obedecendo aos
afogados, a partir de resultados que se estabelecem no contínuo confronto entre as forças flu-
eventos marinhos
transgressivos que, viais e marinhas.
ao existirem em áreas
confinadas, tendem
a ser entulhados pela

Nasa
deposição de sedimentos.
Os estuários são
ambientes caracterizados
pela mistura de águas
doces e salgadas.

Delta
Ambiente de
progradação, formado
predominantemente
com a deposição de
sedimentos aluviais pela
ação de um rio em sua
foz. Ocorre nos contatos
dos rios com o mar, lagos,
lagoas e represas.

Figura 12.2: Baía da Guanabara (RJ). Ambiente estuarino. Ci-


dade do Rio de Janeiro à esquerda e Niterói à direita. No entor-
no da baía, vários rios deságuam. No seu lado direito, mais no
interior, está o mangue de Guapimirim (área de proteção am-
biental), onde deságua o principal rio da bacia da Guanabara,
o Macacu.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e1/Rio_
deJaneiro_LE2002059_lrg.jpg

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Geomorfologia Costeira

Figura 12.3: Delta do rio Mississípi (EUA) – principais ca-


nais que formam a porção mais avançada do delta.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/
a0/Mississippi_delta_from_space.jpg/1024px-Mississippi_delta_
from_space.jpg

As terras emersas, formadas pelos depósitos de sedimentos encon-


trados em estuários e deltas, constituem as planícies costeiras. Planície costeira
Terreno costeiro mais
Cada processo geomorfológico produz uma espécie de sedimento. ou menos plano, com
Ao serem depositados, eles podem constituir vários tipos de planícies pequenos desníveis
topográficos, existente
costeiras, tais como as marinhas, de marés, fluviais, glaciais, lagunares em altitude próxima
ao nível do mar, onde
e eólicas. processos de deposição
prevalecem sobre os de
Quando mais de um processo de deposição está presente de modo erosão. Nas planícies
costeiras, pode ser
marcante no ambiente, a agregação de termos é usual. Por exemplo, encontrado mais de um
designamos planícies fluviomarinhas aquelas encontradas em estuá- tipo de sedimento, como
os marinhos, os fluviais,
rios, com a presença dos dois tipos de sedimentos em suas constitui- os lacustres e os glaciais.
ções. Áreas como as desse tipo são as baixadas costeiras santista Sua formação pode ser
relacionada à epirogenia
(SP) e fluminense (RJ). ou ao eustatismo.

Baixada costeira
Designação também
atribuída às planícies
costeiras que estão em
altitudes muito pouco
acima dos níveis das marés.

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Como as planícies se definem pela forma e pelo processo sedimen-


tar de sua formação, existem também planícies continentais em
altitude diversas. Ao longo de muitos rios, em seus altos e médios
cursos, são encontradas planícies de altitude. Bons exemplos delas
estão nos vales do rio Paraíba do Sul e seus afluentes (RJ/SP/MG),
que, além da grande planície dos Campos dos Goytacazes, em seu
baixo curso junto ao mar, possui inúmeras planícies em níveis to-
pográficos elevados, sendo algumas de grandes dimensões, como a
de Resende (RJ), situada em torno de 400m de altitude.

Mais do que formas de relevo com diferentes dimensões no espaço,


os estuários e deltas são lugares nos quais se encontram registros – em
seus sedimentos (sejam atuais ou fósseis) – que permitem resgatar sua
história ao longo do tempo. As informações e dados obtidos contribuem
para um maior conhecimento das transformações que ocorreram no
ambiente, incluindo aquelas provocadas pelas variações do nível do mar.
Com o abaixamento do nível do mar, a embocadura dos rios na li-
nha do litoral desloca-se, levando para mais adiante a posição de depo-
sição de seus sedimentos. Sua retaguarda, as antigas áreas, as planícies
– lugares onde os sedimentos eram depositados – passam a ficar mais
acima do nível do mar. A partir de então, a antiga embocadura fluvial
torna-se sujeita aos processos erosivos de aprofundamento da drena-
gem do rio. As antigas superfícies das planícies, com seus sedimentos
fluviais e marinhos, transformam-se em terraços, sendo mais um re-
gistro indicativo das mudanças ocorridas no ambiente. Novos canais
de drenagem surgem nos novos terrenos emersos, juntando-se ou não
à drenagem maior.
Com a subida do nível do mar, tornam-se submersos os antigos ter-
renos mais baixos, onde eram depositados sedimentos, e a embocadura
dos rios migra para o interior, criando novas áreas de deposição. Sedi-
mentos recentes são superpostos aos anteriores e, com o recuo do rio
principal, os antigos afluentes, que estavam mais mais próximo da foz,
tornam-se rios independentes, que passam a desembocar diretamente
no mar.

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Geomorfologia Costeira

Portanto, existindo uma sequência horizontal de depósitos, estes se


transformam, por suas posições e altitudes, em indicadores relativos de
tempo, sendo os mais novos os mais próximos do mar, e os mais anti-
gos, os mais afastados. O que aconteceu entre um depósito e outro pode
ser obtido pela análise dos sedimentos que compõem o depósito mais
recente, estudados a partir da superfície (mais recente) para as camadas
mais profundas (mais antigas).

Para você, já não é novidade saber que o nível do mar, quando


sobe, tende a afogar os litorais. O que não deve saber é que exis-
tem termos específicos para designar baixos vales litorâneos afo-
gados. Quando são fluviais, eles são chamados de rias e, quando
glaciais, de fiordes (fjords). É por isso que, nos livros geográficos
que descrevem o litoral brasileiro, não é raro encontrar o termo
rias designando baías, como a de Todos os Santos, Vitória, Rio
de Janeiro, Santos e Paranaguá. O mesmo ocorre com os fiordes
na Noruega.

Estuários e deltas, ao serem criados fisicamente pelas interações de


processos fluviais e marinhos, dependem também dos rios para mante-
rem suas características e dinâmicas. Mudanças nas condições ambien-
tais das bacias fluviais ou dos oceanos, ou em ambas, implicam, neces-
sariamente, ajustamentos ou transformações nos ambientes costeiros.
Atualmente, admite-se que, de forma direta ou indireta, como será
visto a seguir, o homem já é mais um grande responsável por alterações
na morfologia e nos processos atuantes nesses ambientes.

A contribuição fluvial para as áreas costeiras

O volume das águas e dos tipos de sedimentos que um rio transporta


para o mar depende do tamanho de sua bacia, do clima que sobre ela
atua e da vegetação que a recobre, assim como do relevo, da rocha e do
solo que nela sofrem processos de erosão. Principalmente nos últimos

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séculos, essa dependência tem advindo do tipo de ocupação e de ativi-


dades exercidas pelo homem.
Tudo o que será visto neste item, direta ou indiretamente, é origem
de causas que geram efeitos sobre a área costeira.

O tamanho da bacia

Existem bacias fluviais de diferentes tamanhos, cujo rio principal de-


semboca no mar. Quanto maiores elas forem, maior será a possibilidade
de receberem precipitações (chuva ou neve) e, consequentemente, de
gerarem níveis maiores de vazão.
Os rios de grandes bacias, devido às suas grandes descargas, chegam
ao litoral exercendo sobre ele maior influência, tanto na diluição da sa-
linidade local quanto na mobilização de sedimentos.
Entretanto, um pequeno rio não pode ser desprezado. Chegando
próximo ao oceano, talvez ele não tenha força suficiente para romper
os sedimentos marinhos do litoral e se lançar no mar. Assim poderá
criar a retaguarda de uma praia, ou de um campo de dunas, um brejo
ou até mesmo uma pequena lagoa. Mais que isso, quando não um, mas
dezenas de pequenos rios chegam a uma enseada ou baía, o somatório
de suas vazões pode criar um ambiente estuarino, pois isso afeta o nível
de salinidade da água e, mesmo com pequenas contribuições, esses rios
conseguem trazer sedimentos para serem depositados.

O clima

O clima caracteriza o ritmo (a sequência), a frequência (a quantida-


de de vezes) e a intensidade (o volume) com que as precipitações, prin-
cipalmente as chuvas, fornecem água para as bacias fluviais.
Pequenas bacias dependem de climas locais. As grandes bacias de-
pendem de um clima regional e algumas, até mesmo, de mais de um
clima. A bacia do rio São Francisco tem sua área sob os climas tropi-
cal úmido e semiárido. Já a bacia do Amazonas está sob climas mais
frios na sua porção oeste, na cordilheira dos Andes, e sob dois climas
equatoriais úmidos. Isso ocorre pois, estando em dois hemisférios, seus
verões e invernos – em suas porções do sul e do norte – não ocorrem no
mesmo período.

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Geomorfologia Costeira

Parte da água que cai tende a escoar superficialmente e a entrar no


fluxo de vazão do rio principal. A outra parte se infiltra, vai para o lençol
freático e, daí, para os canais dos rios.
O regime do rio é estabelecido em função do clima: tudo depende
das chuvas e do armazenamento de água no interior da bacia. Assim,
a sua vazão será maior ou menor ao longo do tempo, dependendo das
condições climáticas.
Nas áreas de climas úmidos tropicais e temperados, os rios são
considerados permanentes pois correm o ano todo abastecidos pelo
lençol freático.
Entretanto, existem períodos de vazante e de enchente. Nas áreas de
clima seco, há períodos em que o lençol freático seca e, consequente-
mente, deixa de abastecer os rios, que param de correr. Em situações
menos extremas, a seca atinge principalmente os rios de pequeno porte.
Já nos locais de clima mais úmido, com chuva o ano todo, o nível do
lençol freático se mantém elevado.
Convém lembrar que, nas áreas de clima seco, o regime é de poucas
chuvas, com ocorrência de grandes volumes precipitados e com um es-
coamento torrencial, o que não favorece a infiltração das águas pluviais
e seu armazenamento. Pode-se acrescentar que as altas temperaturas
dessas regiões ampliam os efeitos dos processos de evaporação, que di-
minuem ainda mais as reservas de água do lençol freático.
Entre as condições extremas descritas para os climas úmidos e semi-
áridos, existem situações intermediárias.
Fica claro que os rios enchem em função das chuvas e tendem a secar
quando o lençol freático não tem mais água para fornecer. Entretanto,
há uma efetiva diferença entre as pequenas e as grandes bacias.
Nas pequenas bacias, as cheias acontecem, apenas, nos momentos
em que ocorre cada grande chuva, ao receberem rapidamente as águas
do escoamento superficial. Nas grandes bacias, as maiores cheias acon-
tecem em períodos de fortes chuvas, que incidem durante alguns dias
sobre todo o seu espaço e, principalmente, concentram-se nas chama-
das áreas de cabeceiras, onde se encontram os rios de menor porte com
suas nascentes. Nas grandes bacias, as ondas de cheia podem demorar
dias para chegarem às planícies mais à jusante.
Em função do tempo que os rios levam para encher, as cheias são
classificadas como: lentas, nas quais o nível do rio principal vai subindo

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aos poucos, e rápidas ou torrenciais, nas quais o nível do rio sobe em


pouco tempo. Nas cheias lentas, as águas também demoram para descer,
o que não ocorre nas rápidas.
Os rios levam para o litoral vazões que irão variar ao longo do ano,
em função da dimensão de suas bacias e do seu regime fluvial, que, por
sua vez, é dependente das condições climáticas a que está submetido.

A vegetação

Além de maior ou menor umidade ou secura que o clima pode im-


por às bacias de drenagem, esse fator também é diretamente responsável
pelo tipo de vegetação que nelas se desenvolverá.
A vegetação, além de ser componente da paisagem, tem relevantes
interações na dinâmica ambiental. Entre outras e, em particular, para as
bacias de drenagem, tem uma participação que se destaca em relação ao
escoamento e à infiltração das águas, à produção de matéria orgânica e
à erosão.
Nos climas tropicais úmidos, a vegetação, com sua cobertura, dimi-
nui o impacto direto da chuva no solo, produzindo a serapilheira, que
reduz o escoamento superficial e aumenta a capacidade de infiltração.
Essa participação tende a garantir o nível permanente de abastecimento
de água dos rios e a controlar os processos de erosão (Figura 12.4). Em
locais com esse tipo climático, parte da produção de matéria orgânica,
além daquela disponibilizada para criar a serapilheira, é levada, com os
sedimentos, pelas águas, em direção à embocadura dos rios.

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Geomorfologia Costeira

Deyvid Setti e Eloy Olindo Setti


Figura 12.4: Densa cobertura da floresta tropical na Serra do Mar, sobre ba-
cias de rios que deságuam na baía de Antonina (PR). Área de alta precipitação
e com cobertura compacta de vegetação.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/85/Ba%C3%ADa_
de_Antonina_vista_da_Serra_do_Mar2.JPG/1280px-Ba%C3%ADa_de_Antonina_vista_
da_Serra_do_Mar2.JPG

A vegetação também se faz presente nos climas semiáridos, apre-


sentando importantes interações. Entretanto, cumpre um papel diferen-
te, que se coaduna com a criação e a manutenção da morfologia e da
dinâmica ambiental dessas áreas climáticas. Quando das épocas secas,
a vegetação da caatinga seca e deixa o solo descoberto (Figura 12.5).
Com a chegada das chuvas intensas, características dessas áreas, a vege-
tação pouco faz para deter o escoamento superficial, que tende a lavar o
solo, carregando de enxurrada os materiais soltos disponíveis e deixan-
do muitas áreas mais elevadas apenas com sedimentos de maior talhe
(tamanho). Portanto, a presença da vegetação não impede que grandes
quantidades de água das chuvas logo sejam transportadas pelos rios e
cheguem, em grandes volumes, em suas embocaduras. Mais adiante,
quando tudo estiver secando, a vazão dos rios diminuirá e acabará não
mais correndo para seu destino, que é o mar.

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Maria Hsu
Figura 12.5: Nordeste do Brasil, caatinga seca. Solo formado por material
sedimentar de talhe grosso, desprotegido para o escoamento das águas das
chuvas torrenciais comuns nesse clima semiárido.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Nordeste_do_Brasil#mediaviewer/
File:Caatinga_-_Sert%C3%A3o_nordestino.jpg

O relevo, as rochas e o solo

O relevo não é apenas a forma como se apresenta a superfície do pla-


neta. A gravidade, atuando sobre suas diferenças de altitude topográfi-
ca, faz surgir condições para que, comandados pelo clima, os processos
geomorfológicos continentais atuem, promovendo a erosão e o trans-
porte de sedimentos das áreas topograficamente elevadas para aquelas
mais baixas. Por sua vez, esse relevo existente em área mais elevada, ao
ser trabalhado por processos de erosão, irá gerar sedimentos que levam
consigo características das rochas das quais foram retirados.
Nos climas úmidos, por prevalecer o intemperismo químico, os se-
dimentos são compostos, em grande parte, por argilas, que são novas
substâncias derivadas da decomposição de minerais pré-existentes na
rocha de origem.
Nos climas semiáridos, por prevalecer o intemperismo físico, os se-
dimentos em grande parte são compostos pela fragmentação da rocha
pré-existente, não variando neles as características da composição do
material de origem.
Nos climas úmidos, há maior quantidade de sedimentos disponíveis
para o transporte, constituídos de argilas. Mais finas e, portanto, menos

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Geomorfologia Costeira

pesadas, elas permanecem mais no ambiente. Só são transportadas pe-


los rios em maior volume quando retiradas das encostas por chuvas
mais intensas. Já no clima mais seco, a força do escoamento concentra-
do retira e transporta sedimentos maiores, até mesmo seixos, e, conse-
quentemente, junto com eles, os mais finos.
A resistência das rochas e dos solos aos processos de erosão é con-
dição determinante do volume de material que será disponível para ser
retirado da bacia.
Nos altos e médios cursos, os rios tendem a receber materiais tra-
zidos pelos processos de encosta. Nos baixos cursos e nas planícies, os
rios, além de colocarem novos sedimentos, tendem a remobilizar os se-
dimentos anteriormente depositados.
No transporte fluvial em direção à foz do rio, em regiões tropicais
úmidas e secas, prevalecem os sedimentos compostos por argilas, siltes
e areias. As areias, embora mais pesadas, são mais friáveis do que as
argilas, sendo permanentemente mobilizadas por arrasto, rolamento ou
saltação, como material de fundo. Por sua vez, o silte e principalmente
as argilas e a matéria orgânica são transportados em suspensão.
Os sais transportados em solução, contendo, entre outros elementos,
cálcio (Ca), sódio (Na), potássio (K) e magnésio (Mg), não são desprezíveis.

Antonio Christofoletti (1981) apresenta, em gráficos e tabelas,


dados relativos aos sedimentos transportados por rios de diver-
sos continentes, incluindo alguns cujas bacias encontram-se to-
talmente incluídas em território brasileiro.
Desses gráficos e tabelas, foram extraídos, para efeito de compa-
ração e com valores aproximados, os seguintes dados, que exem-
plificam o volume de sedimentos mobilizados pelos processos
fluviais em grandes rios:

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Tabela 12.1: Comparações com dados fluviais

Média de sedimentos
Rio Vazão (X 1km3) (*) em suspensão
(milhões T/ano)

Amazonas 8.000 700

Mississípi 900 500

Nilo 90 100

São Francisco 50 8

Doce 3 5
Fonte: Christofoletti (1981).
(*) Na legenda da tabela, a vazão anual de cada rio está expressa em 1km³. Cada km³
corresponde a 1.000.000.000m³ ou 1.000.000.000.000 litros

Apenas com os valores de vazão desses rios, é possível fazer alguma


ideia do quão imenso é o volume de águas doces lançadas nos oceanos
pelos rios do planeta. O rio Amazonas, o maior de todos em volume,
lança, como vazão, 8.000.000.000.000.000 litros/ano.
A carga de sedimentos em suspensão pode ser calculada a partir da
sua presença em peso, por litro de água. Pela tabela, também é possível
imaginar a imensa quantidade de sedimentos que chegam ao mar, que
equivale a milhões de toneladas.
Um enorme volume de sedimentos mais pesados, principalmente
arenosos, que apenas podem ser estimados e não medidos, cujos valores
não constam da tabela, também são levados para o mar pelo transporte
fluvial, no fundo do leito dos rios, por arrasto, rolamento ou saltação.
A quantidade de material dissolvido nas águas de um rio é mensu-
rada da mesma forma que os sedimentos em suspensão e o total deles,
somado para todos os rios do planeta, também atinge enormes valores.
A quantidade de material dissolvido nas águas é mensurada da mes-
ma forma que os sedimentos em suspensão e o total do planeta atinge
enormes valores. Nos períodos com clima mais seco, a concentração
de sais na água dos rios tende a ser maior que a dos períodos de clima
mais úmido, quando há grande aumento do volume de água. Para o rio
Amazonas, a carga dissolvida anual (sais) no período seco é de 48g/m³
e, no período chuvoso, 28g/m³, segundo o autor citado. A partir desses
números, pode-se estimar o quanto de sais, em média, é lançado por
esse rio no mar anualmente: 39g vezes a vazão anual.

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Geomorfologia Costeira

Ações antrópicas nas bacias fluviais

A ação humana sobre as bacias fluviais vem promovendo significa-


tivas alterações nas vazões dos rios e nas cargas que eles transportam.
Consequentemente, nos lugares onde esses rios deságuam, que são prin-
cipalmente as áreas litorâneas, ocorrerão efeitos nem sempre positivos
para o ambiente e a sociedade local.
De uma longa lista de interferências e intervenções que poderiam ser
apontadas, destacamos algumas, por suas amplitudes:
• o desmatamento e a ocupação do solo, ampliando o escoamento su-
perficial e o transporte de sedimentos;
• as atividades de agropecuária sem práticas de conservação, amplian-
do o escoamento superficial e o transporte de sedimentos;
• a construção de barragens, promovendo o armazenando de águas, o
controle dos níveis de vazão, a retenção de sedimentos, a transposi-
ção de águas para outras bacias e a retirada de água para irrigação,
abastecimento e atividades industriais;
• obras que interferem na dinâmica fluvial, ampliando drenagens, exe-
cutando dragagens, aterrando brejos, controlando cheias com lagoas
de contenção, retificação e canalização do curso dos rios;
• lançamentos, nos rios, de lixo, resíduos, esgotos domiciliares e in-
dustriais, ampliando o transporte de carga sedimentar.
Tudo o que foi apontado quanto à vazão e aos sedimentos gerará
repercussões nas áreas litorâneas, em particular na dinâmica dos pro-
cessos atuantes nas áreas de estuários e deltas, que são as que recebem
os rios de maior porte.
Não poderia deixar de ser assinalado, também, que as ações antró-
picas têm reduzido a qualidade das águas fluviais, contaminando-as,
inclusive, com substâncias venenosas orgânicas e inorgânicas, que tra-
zem riscos à saúde e à vida das pessoas. Não menos importantes são os
efeitos danosos da poluição produzida sobre os ecossistemas aquáticos.

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Atividade 1

Atende ao objetivo 1

1. Relacione:
a) lençol freático   (  ) retenção de sedimentos
b) vegetação   (  ) tamanho da bacia
c) maior vazão   (  ) clima local
d) resistência à erosão   (  ) abastecimento permanente de água
e) pequenas bacias   (  ) cheias lentas
f) barragens   (  ) contribuição para a infiltração
g) desníveis do terreno   (  ) volume de sedimentos
h) grandes bacias   (  ) erosão

2. Responda e comente, levando em conta as condições estabelecidas


na dinâmica ambiental pela chegada de um rio ao mar.
O projeto de transposição de águas do rio São Francisco tem como prin-
cipal objetivo levá-las para irrigar o sertão semiárido do Nordeste brasi-
leiro. Apesar do valor desse objetivo, ocorreram muitos debates, em que
justificativas a favor e contra o projeto foram apresentadas.
Que efeitos, para a dinâmica do ambiente da foz do rio São Francisco,
no litoral, decorrem a) atualmente, das barragens (usinas hidroelétricas)
existentes em sua bacia e b) da futura transposição de suas águas?

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Geomorfologia Costeira

Resposta comentada

1. As relações a serem estabelecidas levaram em conta o trabalho dos


rios, o volume das águas e o transporte dos sedimentos. A existência
dos rios depende do abastecimento do lençol freático, para o qual a ve-
getação tem importante papel, ao facilitar processos de infiltração das
águas. O tamanho da bacia influi no tamanho da vazão que, por ocasião
da cheia, nas grandes bacias, promove cheia lenta, enquanto que, nas
pequenas bacias, as cheias são mais rápidas, porque não dependem de
um clima regional, mas apenas das chuvas locais. Os desníveis do ter-
reno dão força ao fluxo fluvial para promover a erosão do relevo, que
gerará maior quantidade de sedimentos. Isso ocorre em função do nível
de resistência que esse fluxo encontrará nas rochas por ele desgastadas.
Muitos sedimentos transportados pelos rios ficam retidos no meio do
caminho, em barragens, não chegando ao mar. Para terminar, eis a or-
dem correta: f - c - e - a - h - b - d - e - g.

2. O São Francisco possui muitas represas, sendo que cinco delas são
de grande porte. A de Paulo Afonso, mais próxima da foz, é, talvez, a
mais conhecida. As represas retêm sedimentos que estavam se deslocan-
do em direção ao mar e controlam o volume de vazão do rio à jusante.
A retirada de água para o abastecimento das cidades e das atividades
agrícolas diminui a vazão desse rio, mesmo levando em conta a parte
que retorna. Com a transposição das águas, a vazão será diminuída e,
diminuindo a água, a capacidade de transportar sedimentos também
é minimizada. Levando em conta os sedimentos já retidos, a chegada
deles no litoral reduz. Na foz, área de progradação, faltando sedimentos
(que antes chegavam), a tendência é a de passar a existir erosão, como já
há alguns anos vem ocorrendo em trecho desse litoral. Menos água che-
gando pelo rio modifica o nível de salinidade na área litorânea e permite
que as marés possam avançar mais para o interior pelo canal fluvial. O
tipo de água e o jogo de forças entre o mar e rio mudam, afetando a hi-
drodinâmica local e as condições ambientais dos ecossistemas costeiros,
tanto o marinho quanto o fluvial.

Marés, ondas e correntes

Assim como no continente, no litoral, as formas de relevo resultam


das relações que se estabelecem entre os processos – com os seus modos

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de atuação – e os materiais a serem trabalhados, com suas peculiarida-


des e propriedades. Assim, caracterizar um estuário ou um delta, além
de descrevê-lo, implica saber como ele surgiu, entender como atuaram
os processos e como se comportou o material disponível para deposição.
Um dos processos atuantes é o fluvial, que chega ao litoral com águas
e sedimentos que trazem características e valores adquiridos em sua
bacia; os demais processos são marinhos. Quanto a estes, há interação
entre ondas, marés e correntes. Entretanto, em cada litoral, um desses
elementos se destaca, assumindo maior importância e interação com os
processos continentais.
As primeiras aulas trouxeram conhecimentos sobre a origem e os
modos de atuação das marés, ondas e correntes. Mostraram também
que as características locais, como a forma do litoral e a profundida-
de, afetam os seus comportamentos. Com isso, é possível entender que
existirão confrontos das forças atuantes e, certamente, haverá a possi-
bilidade de um dos processos prevalecer sobre outro ou, pelo menos,
dividirem entre si as áreas em que predominam.
A seguir, serão apresentados e caracterizados dois importantes am-
bientes costeiros, cujas origens e existência estão diretamente ligadas às
ações das marés, ondas e correntes: os estuários e os deltas.

Estuários

Nos ambientes estuarinos, o confronto entre o rio e o mar tem como


resultado um sistema de circulação de águas e um modo específico de
trabalhar e depositar sedimentos.

A mistura das águas

Na porção interna de um estuário, um rio continuamente lança água


doce no ambiente. Do outro lado, a maré, se semidiurna, sobe e desce
duas vezes ao dia e, nesse ambiente, quando a maré vai baixando, o fluxo
fluvial se acelera e avança. Quando a maré sobe, o fluxo se inverte.
Deve-se considerar também que, na subida da maré, a cunha salina
avança mais rapidamente pelas áreas mais profundas ou pelos canais
(se existentes).
Principalmente nos estuários em que há forte predomínio da ação
das marés, a consequência dessa alternância de fluxo é a mistura das

412
Geomorfologia Costeira

águas salgadas com as doces, dividindo o ambiente em, pelo menos, três
áreas: uma interior, à frente da foz do rios com águas mais doces; outra,
na parte externa, do lado do mar, com águas mais salgadas; e a parte
central, com águas mais misturadas, mais salobras (Figura 12.6).

Figura 12.6: Baía de Todos os Santos (BA). Ambiente estuarino confinado.


Próximo do mar, água mais salgada (pino bege) e próximo dos extremos, no
interior, mais doce (pinos vermelhos).
Fonte: Google Earth

A energia da circulação das águas e a extensão dessas áreas


devem ser consideradas levando em conta suas variabilidades no
tempo. Isso porque os valores das marés variam diariamente e as
vazões fluviais também, principalmente quando em situações que
se colocam como extremas, nas cheias e nas vazantes.

Deve ser lembrado que trabalhos de dragagem em antigos canais


e na criação de novos, no interior das áreas estuarinas, promovem
interferências na circulação e mistura das águas, assim como nos
processos de deposição de sedimentos.

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A mobilização e a deposição de sedimentos

A circulação da água promove também a mobilização e a distribui-


ção dos sedimentos.
Nos ambientes estuarinos mais confinados, as areias trazidas pelos
rios são depositadas à frente de suas embocaduras. Os sedimentos mais
finos em suspensão, quando chegam com o fluxo dos rios, em momen-
tos de marés baixas, são careados com mais velocidade em direção ao
mar. Quando a maré sobe, eles tendem a voltar, trazidos pela corrente.
Principalmente nos momentos próximos da ocorrência dos máxi-
mos e mínimos das marés diárias, em que há menos agitação das águas,
as partículas de sedimentos em suspensão – dependendo de seu nível
de concentração e das misturas feitas com as águas salgadas – podem
ser agregadas por processos de floculação e, ganhando peso, podem ser
depositadas por precipitação. Como resultados da deposição de sedi-
mentos, surgem mangues e planícies de marés (Figura 12.7).

Figura 12.7: Nova Viçosa (BA). Presença de mangues (em verde-escuro) em


área estuarina.
Fonte: Google Earth

Em costas onde há influência das ondas, sedimentos arenosos trazi-


dos por correntes litorâneas e trabalhados por elas tendem a ser deposi-
tados na entrada dos estuários, formando esporões e ilhas-barreira. Sua
presença amplia e auxilia a retenção e a deposição dos sedimentos em
suspensão no interior do estuário (Figura 12.8).

414
Geomorfologia Costeira

Figura 12.8: Mucuri (BA). Estuário confinado pela presença de esporões, em


área costeira com influência de ondas.
Fonte: Google Earth

Dependendo do nível de energia da maré no local, podem ser forma-


dos canais recortando as barreiras e favorecendo o trânsito dos fluxos de
subida e descida das marés.

Dilce de Fátima Rossetti (2008) chama a atenção para a situação


da embocadura do rio Amazonas, que, embora sendo conside-
rada um estuário, não tem penetração ampla das marés em seu
interior. Isso se deve à força do imenso volume de vazão desse rio.

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Atividade 2

Atende ao objetivo 2

1. No estuário, onde ficam as águas mais salgadas?

2. Que ações trazem areias para os estuários?

Resposta comentada

1. Os estuários são reentrâncias na linha do litoral que possuem em


seu interior a foz de um ou mais rios. Nesses locais, há contatos de águas
doces com salgadas, que se misturam, principalmente em função da for-
ça de penetração das marés, por seu caráter variável. Por isso é que as
águas estuarinas tendem a ficar permanentemente mais salgadas na par-
te mais externa, próxima ao mar.

2. As areias chegam nos estuários, principalmente, pela ação dos rios


que as trazem, por serem mais pesadas como sedimentos de fundo. De-
pendendo da forma de abertura para o mar dos estuários, as ondas e
as correntes litorâneas também podem trazer areias para o interior dos
estuários. Neles, as marés mobilizam sobretudo os materiais mais finos.

Os deltas

Um delta surge quando um rio lança seus sedimentos sobre o litoral,


e a quantidade que vai sendo depositada no local suplanta aquela que
possa ser retirada por outros processos.
Na medida em que vão chegando mais sedimentos, eles vão se empi-
lhando até atingirem a superfície de contato água/ar. A continuidade do

416
Geomorfologia Costeira

fluxo se instalará em canais sobre os sedimentos que afloraram, fazendo


prosseguir a deposição mar adentro, progradando o litoral e formando
a estrutura do delta (Figura 12.9).

Figura 12.9: Delta marinho (corte esquemático). 1) Sequência basal; 2) sequên-


cia frontal; 3) sequência de topo. De I a V, avanço do delta ao longo do tempo.
A parte superior, emersa, acima do nível do mar, corresponde à planície.

Conforme apresentado na figura, o delta pode ser subdividido em


três conjuntos de sedimentação, que serão vistos de maneira mais deta-
lhada nos itens a seguir:
• a planície;
• a frente deltaica;
• o prodelta.

A planície deltaica

A planície deltaica é a porção emersa do delta. Sua superfície de pe-


quena declividade se estende em direção ao mar. O solo é constituído
de aluviões que se superpõem quase sempre aos sedimentos arenosos.
A cada período de cheia em que o rio extravasa, a planície recebe o
depósito de uma lâmina de sedimentos, que a faz crescer verticalmente,
assim como chega à foz um maior volume de sedimentos, o que a faz
crescer horizontalmente.
Na planície podem ser identificadas diversas formas características,
tais como: canal fluvial, canais fluviais abandonados, bancos de canal,

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meandros, meandros abandonados, diques marginais, ilhas, terraços


fluviais, lagoas e brejos (Figura 12.10).
Mais próximo da linha do litoral, podem ser encontrados terraços
marinhos, mangues, dunas, restingas e praias (Figura 12.11).

Figura 12.10: Delta do rio Paraíba do Sul (RJ). Mais próximo ao mar, à direita
e à esquerda do rio, há planície marinha com lineações de cristas de restingas.
Mais para o interior, à esquerda, acima, há terrenos dos tabuleiros terciários.
Para o interior, esquerda, abaixo e indo em direção ao litoral, há terrenos alu-
vionais, contendo formas características de planícies fluviais.
Fonte: Google Earth

Figura 12.11: Delta do rio São Francisco. Feições características de planí-


cies marinhas (praias, restingas, mangues, dunas). A planície fluvial localiza-se
mais para o interior, a partir das mais antigas restingas.
Fonte: Google Earth

418
Geomorfologia Costeira

Acessando o Google Earth, você poderá ampliar as imagens, vi-


sualizando e identificando, com mais detalhes, um maior número
dessas formas existentes nas planícies deltaicas.

Frente deltaica

A frente deltaica é onde se localizam os depósitos frontais que avan-


çam sobre o prodelta (que será visto mais adiante, ainda nesta aula). É
a área em que a velocidade do fluxo fluvial decresce, predominando a
deposição de areias e siltes. Nela, encontram-se canais, diques e barras
distributárias (Figura 12.12).

Figura 12.12: Esquema mostrando em planta a posição da frente deltaica e


as feições de canais, diques e barras distributárias.
Fonte: Adaptado de Argento (1979).

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É dessa área que os processos marinhos, principalmente a ação das


ondas, retrabalham os sedimentos (areia e silte), levando-os de vol-
ta para o litoral e constituindo com eles esporões, restingas e praias.
Os vários ciclos de chegada de sedimentos a essa área constituem, nos
deltas, as sequências sucessivas de restingas (Figura 12.13).

Figura 12.13: Foz do rio Paraíba do Sul (RJ). A linha branca à frente da foz
é a linha de arrebentação de ondas, que estão subindo e quebrando sobre a
superfície de fundo, indicadora da presença da frente deltaica, que está avan-
çando mar adentro.
Fonte: Google Earth

Para conhecer em maior detalhe as formas de relevo existentes


na planície deltaica do rio Paraíba do Sul, recomenda-se a lei-
tura da dissertação intitulada A planície costeira do Paraíba do
Sul: um sistema ambiental, do autor Mauro Sérgio Fernandes Ar-
gento. Infelizmente, ela é antiga e não tem cópia digital; por isso,
para consultá-la, é preciso ir à Biblioteca da Pós-Graduação em
Geografia da UFRJ. Se você tiver a oportunidade de visitá-la, será
interessante, pois essa biblioteca está entre as três maiores espe-
cializadas em Geografia no Brasil – sendo a primeira a da USP e
a outra a da UNESP de Rio Claro–SP.

420
Geomorfologia Costeira

Prodelta

Corresponde à área mais avançada do delta, onde se depositam os


sedimentos mais finos. É construído por argilas que serão cobertas pau-
latinamente pelos sedimentos frontais com a progradação do delta (Fi-
gura 12.14).

Figura 12.14: Parte mais avançada em direção ao mar do delta do rio Mis-
sissipi. À frente das barras dos distributários com os depósitos frontais, que
estão em parte emersos, encontram-se os mais recentes depósitos argilosos
que constituem o prodelta.
Fonte: Google Earth

Migração dos deltas

Ao longo do tempo, os rios, nas planícies, podem encontrar novos


caminhos para fluir, mudando a posição de seus cursos. Isso pode ocor-
rer por várias causas, dentre elas:
• erosão, assim rompendo os diques marginais;
• erosão lateral condicionada por declives ou mergulhos do substrato
rochoso sobre o qual se assentam;
• rompimento de barreiras sedimentares no litoral, por ações do mar
ou do empilhamento de águas das cheias;
• variações do nível do mar;
• causas de natureza tectônica.

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Ao mudarem de curso, os rios começam o processo de construção da


nova estrutura deltaica, deixando para trás seus antigos depósitos, como
registros de suas passagens.
Veja, por exemplo, o delta do rio Mississipi, que é um dos mais es-
tudados no mundo. Existem mapeamentos da sua área deltaica que re-
montam ao século XIX e que permitem acompanhar as transformações
ocorridas nesse período. A Figura 12.15 mostra as diferentes posições
ocupadas pela foz desse rio nos últimos 4.600 anos.

Figura 12.15: Posições ocupadas pela foz principal do rio Mississipi de


4.600 anos até hoje.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c2/Mississippi_Delta_Lobes.jpg

No Brasil, mudanças de posição de rios no litoral também têm sido


estudadas. Para o rio Paraíba do Sul, por exemplo, tem sido registrada a
migração de sua foz em direção ao NE.

Classificação de deltas

Vários critérios podem ser empregados para classificar deltas, como


sua forma ou o processo predominante. O mais simples, que também
pode incorporar a designação do processo predominante, é o que clas-
sifica os deltas em destrutivos ou construtivos.

422
Geomorfologia Costeira

São considerados deltas destrutivos os que apresentam, de modo


destacado, depósitos de sedimentos marinhos nas suas bordas. Por
que destrutivo? Porque as ondas ou marés destroem ou não deixam ser
constituídas as formas dos depósitos fluviais, retrabalhando esses sedi-
mentos e os depositando sob nova forma, agora a marinha.
Os construtivos são aqueles cujo predomínio em sua constru-
ção é do processo fluvial, sendo, por isso, considerado também como
delta verdadeiro.
No litoral brasileiro, o tipo que predomina entre os grandes deltas
são os destrutivos, com a presença de sucessivas linhas de restinga em
suas bordas. O delta do rio Parnaíba é considerado o que mais se apro-
xima de um delta construtivo (Figura 12.16).

Figura 12.16: O delta do rio Parnaíba (MA/PI) não possui, como os outros
deltas, grandes depósitos marinhos em sua borda.
Fonte: Google Earth

Para assistir aos vídeos sobre deltas, acesse: http://es.mashpedia.


com/Delta_fluvial.
Nesse primeiro link, temos um vídeo em espanhol em que se fala
sobre a definição de deltas e também sobre como eles são uti-
lizados para a agricultura. Caso você não consiga compreender

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completamente o que está sendo dito, pode, ao menos, ver belas


imagens filmadas dos deltas.
Em https://sites.google.com/site/stmarysfluvialstudies/deltas, há
dois vídeos. Um apenas com imagens e o outro que poderá ser
mais bem aproveitado se você souber ler em inglês.

Os deltas e estuários: conclusões

A Geomorfologia utiliza, com frequência, princípios básicos em-


pregados pela Geologia. Um deles se refere a utilizar a observação e a
análise dos processos geomorfológicos que ocorrem no presente com
vistas a empregar esses conhecimentos no entendimento do passado e
em previsões para o futuro.
A disponibilidade de novas tecnologias, como o sensoriamento re-
moto e o geoprocessamento, aliadas aos novos equipamentos e instru-
mentos, que permitem coletar com mais precisão dados e informações,
favorecem as iniciativas de buscar mais conhecimentos sobre as áreas
costeiras. Nessas áreas, em todo o mundo, os deltas e estuários são os
ambientes mais afetados negativamente pelas ações antrópicas e, ao
mesmo tempo, os mais propensos a grandes mudanças com as variações
do nível do mar.
Justifica-se, portanto, conhecer mais esses ambientes para recuperá-
-los dos impactos negativos que vêm sofrendo, bem como estabelecer
estratégias que possam evitar ou pelo menos atenuar os riscos futuros.
O emprego dos conhecimentos da evolução desses ambientes tam-
bém é importante para auxiliar a obtenção e a utilização dos recursos de
que, potencialmente, eles dispõem.

424
Geomorfologia Costeira

Para aprofundar os conhecimentos sobre estuários e deltas, são


recomendadas as consultas aos trabalhos de:
• Elmo Amador (1997): É a obra geográfica mais indicada para
conhecer a Baía da Guanabara e sua história ao longo dos
tempos geológicos e pós-descobrimento do Brasil.
• Thais Baptista da Rocha (2013): Apresenta a evolução quater-
nária da porção sul do delta do Paraíba, incluindo a descrição
dos métodos mais recentes para datação de sedimentos.
• Serfio Cadena de Vasconcelos (2010): Apresenta a evolução
recente do delta do Paraíba do Sul, mostrando a prograda-
ção na área de Gargau, que contrasta com a retrogradação
em Atafona.

Atividade final

Atende aos objetivos 2 e 3

Responda :

1. Por que existem estruturas nos depósitos deltaicos?

2. Em que posições do delta ficam os terraços marinhos e os


terraços fluviais?

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3. Nos deltas, os sedimentos do prodelta ficam sobre os sedimentos


frontais. Certo ou errado? Por quê?

4. Como as ondas criam deltas destrutivos?

Resposta comentada

1. Os depósitos deltaicos são constituídos por sedimentos. Como to-


dos os depósitos sedimentares, eles tendem a possuir uma estrutura em
camadas. Ela é criada porque os sedimentos mais recentes sempre se
depositam sobre os mais antigos.

2. Os terraços são constituídos por sedimentos mais antigos que se


caracterizam por ocuparem posições topográficas mais altas do que o
nível da planície recente. Os terraços marinhos tendem a ficar mais pró-
ximos da linha do litoral e os fluviais, mais afastados para o interior da
planície fluviomarinha.

3. Errado. É o contrário. Os sedimentos tendem a avançar em direção


ao mar, sendo que o avanço dos mais finos é maior. Na sedimentação,
ao irem avançando, os mais grosseiros (frontais) acabam se superpondo
sobre os finos e mais antigos (do prodelta), que estavam a sua frente.

4. O rio traz sedimentos arenosos que se depositam sobre o fundo ma-


rinho próximo à foz. Esses depósitos tanto avançam em direção ao mar,
horizontalmente, quanto crescem, verticalmente. Com isso, a profundi-
dade vai diminuindo e as ondas passam a ter condições de trabalhar es-
ses depósitos, levando areias para a linha do litoral. Lá, elas são deposi-
tadas e, também, podem ser mobilizadas pelas correntes ao longo desse

426
Geomorfologia Costeira

litoral. São destrutivos porque o delta cresce em sua porção emersa pela
deposição marinha e não pela fluvial.

Resumo

Os estuários e os deltas constituem ambientes que resultam das inte-


rações dos processos fluviais com as ações das marés, das ondas e das
correntes. São áreas que sempre tiveram grande importância para
a sociedade.
As águas e os sedimentos que os rios levam, para participarem dos pro-
cessos nas áreas costeiras, trazem consigo características que assimila-
ram nas bacias de drenagem.
O clima atribui valores principalmente para o volume das vazões
dos rios.
A vegetação, o relevo, as rochas, os solos e as ações antrópicas, além de
influenciarem nas vazões fluviais, têm grande importância para o tipo e
o volume dos sedimentos que são transportados pelos rios.
Nas áreas estuarinas, a importância da maré se expressa e se destaca na
dinâmica de circulação das águas e dos sedimentos. Nessa circulação,
levando em conta também a participação dos rios, águas doces e sal-
gadas se misturam, criando águas salobras e promovendo processos de
distribuição e deposição de sedimentos.
Para a formação dos deltas, a participação dos rios é fundamental, tanto
na criação dos ambientes emersos, das planícies, quanto no desenvol-
vimento do processo de progradação, com o avanço da sedimentação.
As planícies costeiras crescem verticalmente e também horizontalmente
em direção ao mar. Com os sedimentos que os rios trazem, depositam-
-nos e colocam-nos à disposição dos processos marinhos que, com suas
ações, também participam do crescimento dessas planícies em direção
ao mar.
Os estuários e os deltas, nas áreas costeiras, são os que mais sofrem im-
pactos com as ações antrópicas. São também os que precisam ser mais
bem conhecidos para trabalhos de recuperação, prevenção de riscos fu-
turos e de utilização de seus recursos.

427
Informações sobre a próxima aula

O assunto da próxima aula será os relevos costeiros construídos por co-


rais e por populações indígenas.

Referências

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Geomorfologia Costeira

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Você também pode gostar