Você está na página 1de 9

2022 - Portugal no Antigo Regime - 2023

O degredo
João Barbosa, Igor Ferreira
Parte I – o tema

O degredo é um tipo de punição aplicada a uma ampla variedade de crimes, onde existe o exilio
do condenado para os limites das terras da Coroa. O degredo foi a peça central do aparelho
punitivo de Portugal durante a Idade Moderna, pois além do isolamento, este tipo de pena
aproveitaria o condenado no investimento na construção do império colonial, quer no caso do
degredo territorial, presente na legislação portuguesa desde o século XIII, quer no caso do
degredo colonial, com maior importância a partir do século XV e quer no caso do degredo para
as Galés. Por outras palavras, o degredo não era uma mera expulsão do indivíduo para fora da
sua comunidade, mas sim um exílio calculado, que visava movimentar pessoas para as diversas
partes do Império, para que estas prestassem serviços que fossem necessários ao seu
crescimento, de acordo com as respetivas necessidades num dado momento. Surge então aqui,
pertinentemente, o conceito de “comutação” no contexto do degredo – a comutação consistia
numa opção facultada ao condenado, que lhe oferecia a alternativa de prestar serviços à Coroa
Portuguesa, em substituição do cumprimento de uma pena de prisão, ou da sujeição à pena de
morte, consoante o caso, que ocorreria, em regra, no local onde decorrera o julgamento. Na
Idade Média, eram utilizados o degredo para as Galés e o degredo territorial, sendo no primeiro,
para as Galés, os condenados eram designados de “forçados” e eram forçados a prestar serviços
ao reino nas galés e nos portos, sendo que a Coroa fornecia o “soldo” – retribuição em rações
diárias de biscoito e pagamentos baixos. A partir do século XVIII, com a evolução das
embarcações a vapor, este tipo de pena passou a trabalho forçado nas obras públicas, em que
estes deveriam utilizar calcetas – argola de ferro presa à perna que se une à sua cintura através
de uma corrente de ferro. No degredo territorial, o mais comum era o degredo interno, que
muitas vezes era associado ao sistema de coutos de homiziados – “propriedade tornada imune
por uma carta especial (carta de couto), [...] (que) implicavam, como privilégio mais importante,
a proibição de entrada de funcionários régios [...]. Além disso, escusavam-se, em geral, os seus
moradores de cumprir serviço militar no exército do rei, de solver tributos pecuniários ou braçais
ao monarca, de pagar multas aplicadas ao fisco, etc.”, (SERRÃO, Joel, 19--, pp. 738-739). Este
tipo de degredo permitia desenvolver o povoamento de territórios em regiões que eram
consideradas pouco atrativas e também garantiam a defesa desses mesmos territórios, como
por exemplo, Castro Marim, que era um dos principais locais para o envio de degredados, além
da vantagem de que, sob uma Carta de Licença, os condenados poderiam circular durante dois
meses pelo reino, exceto dirigirem-se à Corte e/ou ao local donde foram degredados. A partir
de 1415, com a conquista de Ceuta, o degredo colonial cria mudanças na dinâmica anterior. A
ideologia inicial na aplicação da pena era relacionada diretamente entre a gravidade do crime e
o tempo e distância dos destinos de degredo, sendo que a partir de 1415, esta ideologia cede
ao utilitarismo, pois através de alvarás reais e comutações de penas, os condenados ao degredo
interno, poderiam ser condenados ao degredo externo e com redução do tempo da pena, o que
levava a uma forte manipulação das penas, em função das necessidades da Coroa. Os
degredados eram distribuídos pelo reino de acordo com as necessidades deste num dado
2

momento, tornando-se, assim, necessário convocá-los para diversos fins, sendo os principais o
povoamento e também os fins militares. O envio de degredados para povoamento era crucial
para o Império Português, pois o seu colossal tamanho determinava a necessidade de
povoamento em áreas muito extensas, o que era desafiante para Portugal, uma vez que este
era demograficamente deficitário. A política de povoamento do Império foi reforçada durante
o período pombalino, quando a Coroa Portuguesa investiu fortemente na construção de
fortalezas e vilas, que careciam de ser povoadas. Os degredados para fins militares tinham a
missão de defender as colónias de invasores e de problemas internos, sendo enviados para
fortalezas ou ainda para locais de combate. Exemplo desta política aconteceu em 1648, quando
foram degredados vários homens para São Luís com o objetivo de combater uma invasão
holandesa. Através do sistema de degredo, a sociedade distinguiu-se em três classes de crimes:
os crimes menores – difamação, agressão e fraudes menores (ex.: jogadores de dados: peões –
pagamento de vinte cruzados e açoitados em público; nobres – pagamento de quarenta
cruzados e degradados um ano para África); os crimes graves – homicídio, blasfémia (ex:
blasfémia e se descressem de Deus e dos santos pela primeira vez: peões – condenado a trinta
açoites em público e pagamento de dois mil reis; nobres – pagamento de quatro mil reis e
degradados um ano para África), feitiçaria (morte natural: enforcamento), sequestro e violação;
e os crimes gravíssimos/imperdoáveis - heresia, sodomia (condenado à morte e proscrição da
memória), molície (degredo para as Galés) lesa-majestade e contrafação de moeda. Quando a
Coroa portuguesa se apropriou do sistema judiciário, levou à elaboração de um sistema de
penas que seriam apropriadas a cada situação, sendo um exemplo deste sistema as Ordenações
Filipinas, que por sua vez eram a concretização de reforma de leis manuelinas, sendo estas
também uma reforma das iniciais Ordenações Afonsinas – “Inspiradas nas Decretais de Gregório
IX, as Ordenações Afonsinas encontram- se divididas em cinco livros. O Livro I, [...] trata dos
regimentos dos cargos públicos. O Livro II aborda, [...] a matéria relacionada com a Igreja, os
direitos do rei, a administração fiscal, os privilégios da nobreza e a legislação especial
relacionada com os mouros e judeus. O Livro III, [...] trata o processo civil, ao passo que [...] o
Livro IV relata o direito civil. Finalmente, o Livro V, [...] expõe o direito e processo penal.” (SILVA,
Nuno J. Espinosa Gomes da, 1981, p. 92). As penas de degredo e sentenças à morte são os tipos
de pena mais frequentes no Livro V das Ordenações Filipinas, sendo que, além destas, poderiam
ter outro tipo de penas acrescidas a estas, sempre de acordo com a gravidade do crime, o
estatuto social do condenado e da vitima, o prejuízo causado, a gravidade do pecado, que levam
a não ser possível estabelecer uma tipologia concreta de crimes que deveriam ser punidos com
degredo, porém a nobreza é a classe social que era maioritariamente condenada ao degredo e
entre os destinos, a África era o mais comum, sendo que nas condenações de penas pecuniárias
– pagamento de multas e confisco de bens, o não pagamento destas implicava em degredo para
o Brasil e também existiam os casos de cedência de mercê pela Coroa desde que os condenados
embarcassem para o Oriente em missões. Podemos concluir que o degredo em Portugal
constituiu um poderoso instrumento de circulação de pessoas, que, acarretou,
consequentemente, uma ampla propagação de ideias e de culturas pelo vastíssimo Império
Português da época, sendo que, nesta época, o principal alvo das condenações era o corpo
humano, assim sendo, o degredo encontrava-se no limite entre uma pena física, devido às
dificuldades encontradas nos destino de degredo e na travessia marítima; e uma pena moral,
pois numa época em que as pessoas se definiam pelo seu local e classe de origem, o afastamento
territorial acabava assim por significar numa perda de referência, corelacionando com a
ostentação do poder régio, pois a vontade do rei continuaria a governar a vida dos degredados,
mesmo que à distância.
3

Bibliografia utilizada: ALMEIDA, Cândido Mendes de. “Ordenações Filipinas, Vols. 1 a 5”, Rio de
Janeiro, 1870. TOMA, Maristela. “A pena de degredo em Portugal” in Anais do XXXVII Simpósio Nacional
de História, Natal, 2013. AMADO, Janaína, “Viajantes Involuntários: degredados portugueses para a
Amazônia Colonial”, 2000, p.817

Outra bibliografia: SERRÃO, Joel. Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Editoriais,
(s.d.). SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português, 3ª Edição, Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 2000.
4

Parte II – a fonte

Descrição: Juízo dos Degredados (1749-1833)


Localização: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Disponível online aqui.
Sumário e breve interpretação da fonte: O Juízo era um tribunal “constituído por um
juiz, um escrivão, um meirinho – magistrado que governava uma comarca; e respetivo
escrivão, ao qual competia receber os réus condenados a degredo, provenientes de todo o
país. Os presos eram enviados às cadeias de Lisboa, à sua custa ou à custa dos bens do
concelho onde residiam e, de Lisboa, eram enviados ao local de degredo. Consoante o
crime cometido, eram degredados para fora da vila e termo da sua residência, para Castro
Marim, para as galés, para o Brasil, África ou Índia.” (ANTT, 2010). Esta fonte primária
consiste em 45 livros onde estão registados os condenados, os crimes cometidos por estes,
a sentença, o destino de degredo e por vezes o tipo de trabalho que estes iriam executar.
Iremos utilizar alguns casos de degredo, como para Castro Marim, para as Galés, para o
Brasil, para África e para a Índia, de modo a demonstrar os tipos de penas de degredo
atribuídas a certos tipos de crime. Tipos de crime estes, como o homicídio de uma pessoa,
que leva a três anos de degredo para Castro Marim, ou então como a fuga do exército e
roubo grave que levam à pena de morte, ou em comparação, um homem pardo que
cometeu também crime de roubo foi degredado perpetuamente para as Galés e teve
associado à pena a punição de açoites em público. Os crimes de roubo eram condenados
a diversos tipos de penas, como já referimos, o degredo perpetuo paras as Galés, ou então
5 anos para o Pará, ou até mesmo as quadrilhas criminosas eram condenadas, como no
exemplo abaixo, durante 10 anos para a Índia.
Transcrição dos documentos:
Descrição: Registo de condenados para Castro Marim. Disponível online aqui (localizado em PT-
TT-JD-003-0004_m0073)
Joze Nunes, Caixeiro solteyro filho de Mel Joaó natural de Pomar freguesia de Santa Maria Madalena Res
condemnado em tres anos dedegredo para Castro Marim pello crime da morte feita a António Monteiro e
4cos para a despesa da Relação e 4 cos para as descatus por len a de 22 de junho de 1765 […]

Descrição: Registo de condenados para as Galés. Disponível online aqui (localizado em PT-TT-
JD-004-0001_m0021)
Joaó goncalves Eomem pardo, que dice ser casado com custodia de S. Jose filho de Francisco gonçalves
já defunto natural da vila de Mora comarca de Avîs de idade de 35 annos veio em Leva da vila de
Coruche condenado por fazer vários roubos de pecas e moveis, ameaçando os donos dellas com facas
aque combaraço epergaó vó asoutar eportoda avidapara galles; levouce os asoutes cin em X de Junho de
1751 por Snm.a da Relacam de 15 de Março do dito anno, foi para as gales em 23 de de junho de 1751
[…]

Descrição: Registo de condenados para África (Angola). Disponível online aqui (localizado em
PT-TT-JD-005-0015_m0036 e 37)
Antonio Caetano Figueira soldado quefoi do regimento de infantaria numero 16, solteiro filho de Rogerio
Caetano ede Maria Joaquina natural de Figuero dos vinhos de idade de 30 anos condennado em pena de
morte que lhe foi comutada em 5 annos para o Reino de Reino de Angola por segunda deserção efurto
grave ea 4 res entoshuma secolvatalça sentença de Concelho de justiça de 31 de Janeiro de 1816. […]
5

Descrição: Registo de condenados para o Brasil (Pará). Disponível online aqui (localizado em
PT-TT-JD-005-0015_m0107)
Joaquim António dos Santos que compra e vende, casado com Alexandra Rosa, filho de Joaó dos Santos e
de Joana Joaquina natural de cidade Elvas, de idade de 58 annos. Condenado em 5 annos de degredo para
o Pará, per furto de huma egoa e sua cria, Levou opergaó en 6 de Abril de 1861.

Acordaó em Rellaçaó, X.a como pellas repetidas conficoíns do Réo, Joaquim António dos Santos segorsa,
ter furtado a Egoaiacria, já lhe foi achada e entregue a seu dono, que justificou lhe pertencia, lhe quanto
basta para desandar quemido, quereis já desvendo imporgança no trafico próprio, agora se destinou, e o
contrario se-esntretem no furto industrioso, tanto neste Reino, como no de Hespanha, Portanto condenaó
aomesmo Réo agora compregaó em Audiecia Xá Degradado, por 5 anos para o Pará epague as custas,
Lisboa 5 de Março d1861

Descrição: Registo de condenados para a Índia. Disponível online aqui (localizado em PT-TT-
JD-005-0015_m0102)
Manoel Joaquim Correia Labrador e casado com Maria Eugénia Leite, filho de Jose Henrique e de Joanna
Francisca, natural da Ilha de São Miguel, idade 37 annos

João Gomes da Silveira oficial de marinheiro, casado com Vitoria da Lus, filho de Antonio Gomes ede
Catharina Magdalena Idadede 32 annos

Condennados estes Réos por Hordaó da Junta da Justiça criminal da Ilha dos Açores de dose de Abril de
1815 em dez anos de degredo cada hum para a India com baraço epregaó e asoutes pelas recas publicadas
por culpa de sócios de huma quadrilha de ladrois como conta da guia com que veraó demetidos deste
juiso efetivamente.
6

Reprodução do documento (facsimile)

Registo de condenados para Castro Marim.

Registo de condenados para as Galés.


7

Registo de condenados para África (Angola).


8

Registo de condenados para o Brasil (Pará).


9

Registo de condenados para a Índia.

Você também pode gostar