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Em 1999, o porto de Hamburgo ficava em Ferreira do Zêzere. Na cama do quarto de cima, na casa de
banho, na sala, a um canto do sofá, enquanto os adultos jogavam bridge1: o porto de Hamburgo lavava o
verão com águas que eu, com nove anos, imaginava escuras de crude, atacadas por um mal desconhecido.
E era tal a aflição de acudir àquela gaivota ferida, vinda do alto-mar, que eu dava voltas à casa em busca de
5 algo com que a salvar.
A Teresa, prima do meu pai e melhor amiga da minha mãe, dera-me o livro no dia anterior e eu guardei-
o como um achado, antes de ler a dedicatória: «Para um menino muito especial que bem podia ensinar
gaivotas a voar». Como verdadeira criança, acreditei nesse encantamento: seria capaz de criar uma gaivota
– e, para a Teresa, seria especial. Ainda não sabia que ser criança é ter fé em tais dedicatórias.
10 Mas Zorbas – o gato grande, preto e gordo – tratava de resgatar o ovo por mim.
Enquanto este não eclodia, os meus pais levavam-me pelas margens do Zêzere em busca de lagostins,
cujos rastos de fuga eram uma caça aos gambozinos2. A Joana tinha vinte e poucos anos, nadava no Zêzere
sem medo dos lagostins, e saía da água com tal beleza, com tais movimentos de coisa bem escrita, que a
julgava capaz de dissipar todo o crude do mundo.
15 Regressado a casa, ansioso, percebi que à beleza se responde com beleza. Chamei a Joana a um canto
da sala, anda daí que te quero ao pé de mim, e esperei que ela me olhasse nos olhos para lhe dizer de
surpresa, de mansinho e de coração: «Amo-te.» Acho que ela sorriu, talvez tenha afagado o meu cabelo,
falta-me a memória de um abraço; seja como for, ela sorriu e foi ter com a Teresa, que me disse: «Por
enquanto, quero a minha filha para mim, pode ser?». […]
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Na última noite de leitura, as discussões dos adultos estavam em ponto de rebuçado e a voz da Joana
sonolenta e distante mais e mais. Na página final, a minha barriga caiu em vertigem acompanhando Ditosa,
acabada de empurrar da torre por Zorbas. Mas a gaivota evitou o chão e voou sobre o porto de Hamburgo,
por fim sabendo ser ave. Adormeci pouco depois, certo de que às quedas se seguem os voos.
Hoje, no meu porto de Hamburgo, Sepúlveda ainda escreve, eu ainda digo à Joana «Amo-te», e a Teresa
ainda é viva.
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Afonso Reis Cabral, «Obrigado, Luis Sepúlveda, pelo porto de Hamburgo», disponível em
https://www.publico.pt/2020/04/16, consultado em julho de 2020 (texto com supressões).
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Responde aos itens que se seguem, de acordo com as orientações que te são dadas.
1. Indica se as frases são verdadeiras (V) ou falsas (F).
2. Assinala com a opção que completa cada frase, de acordo com o sentido do texto.
2.2 Com a expressão “Ainda não sabia que ser criança é ter fé em tais dedicatórias.” (ll.9),
o autor…
2.3 A frase “… anda daí que te quero ao pé de mim…” (l.16) corresponde a uma fala…
2.4 Na expressão: “ Na cama do quarto de cima, na casa de banho, na sala, a um canto do sofá,
enquanto os adultos jogavam bridge…” (ll. 1-2) encontramos uma…
(A) adjetivação.
(B) enumeração.
(C) comparação.
(D) metáfora.
3. Indica o referente do pronome “a”, na expressão: “… eu dava voltas à casa em busca de algo com
que a salvar.” (l.5).
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Texto B
1 “Era uma ave muito suja. Tinha todo o corpo impregnado de uma substância escura e
malcheirosa.
Zorbas aproximou-se e a gaivota tentou pôr-se de pé arrastando as asas.
─ Não foi uma aterragem muito elegante. ─ miou.
5 ─ Desculpa. Não pude evitar ─ reconheceu a gaivota.
─ Olha lá, tens um aspeto desgraçado. Que é isso que tens no corpo? E que mal cheiras! ─
miou Zorbas.
─ Fui apanhada por uma maré negra. A peste negra. A maldição dos mares. Vou morrer ─
grasnou a gaivota num queixume.
10 ─ Morrer? Não digas isso. Estás cansada e suja. Só isso. Porque é que não voas até ao jardim
zoológico? Não é longe daqui e lá há veterinários que te poderão ajudar ─ miou Zorbas.
─ Não posso. Foi o meu voo final ─ grasnou a gaivota numa voz quase inaudível, e fechou os
olhos.
─ Não morras! Descansa um pouco e verás que recuperas. Tens fome? Trago-te um pouco da
15 minha comida, mas não morras ─ pediu Zorbas, aproximando-se da desfalecida gaivota.
─ Vencendo a repugnância, o gato lambeu-lhe a cabeça. Aquela substância que a cobria, além
do mais, sabia horrivelmente. Ao passar-lhe a língua pelo pescoço notou que a respiração da ave se
tornava cada vez mais fraca.
─ Olha, amiga, quero ajudar-te mas não sei como. Procura descansar enquanto vou pedir
20 conselho sobre o que se deve fazer com uma gaivota doente ─ miou Zorbas, preparando-se para
trepar ao telhado.
Ia a afastar-se na direção do castanheiro quando ouviu a gaivota a chamá-lo.
─ Queres que te deixe um pouco da minha comida? ─ sugeriu ele algo aliviado.
─ Vou pôr um ovo. Com as últimas forças que me restam vou pôr um ovo. Amigo gato, vê-se
25 que és um animal bom e de nobres sentimentos. Por isso, vou pedir-te que me faças três promessas.
Fazes? ─ grasnou ela, sacudindo desajeitadamente as patas numa tentativa falhada de se pôr de pé.
Zorbas pensou que a pobre gaivota estava a delirar e que com um pássaro em estado tão
lastimoso ninguém podia de deixar de ser generoso.
─ Prometo-te o que quiseres. Mas agora descansa ─ miou ele compassivo.
30 ─ Não tenho tempo para descansar. Promete-me que não comes o ovo ─ grasnou ela abrindo
os olhos.
─ Prometo que não como o ovo ─ repetiu Zorbas.
─ Promete-me que cuidas do ovo até nascer a gaivotinha. E promete-me que a ensinas a voar.
─ grasnou ela fitando o gato nos olhos.
35 Então Zorbas achou que aquela infeliz gaivota não só estava a delirar, como estava
completamente louca.
─ Prometo ensiná-la a voar. E agora descansa, que vou em busca de auxílio ─ miou Zorbas
trepando de um salto para o telhado.
Kengah olhou para o céu, agradeceu a todos os bons ventos que a haviam acompanhado e,
justamente ao exalar o último suspiro, um pequeno ovo branco com pintinhas azuis rolou junto ao
seu corpo impregnado de petróleo.”
Luis Sepúlveda, História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar
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1. Kengah foi cair na varanda da casa dos donos de Zorbas.
1.1. Que acontecimento provocou a sua queda?
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1.2. A que se refere o narrador quando fala de uma “substância escura e malcheirosa”
(l.1/2)?
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6. Zorbas pensou que a gaivota “não só estava a delirar”, como também estava “completamente
louca” (l.35/36). Porquê?
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8. Classifica o narrador quanto à presença. Justifica a tua resposta com elementos do texto.
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Grupo II - Gramática
1.3. Kengah fez um enorme esforço, pois queria pôr o seu ovo.
a) oração subordinada adverbial causal.
b) oração coordenada copulativa.
c) oração coordenada explicativa.
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1.4. Como Zorbas era um animal bom e de nobres sentimentos, Kengah confiava
nele.
a) oração subordinada adverbial causal.
b) oração subordinada adverbial condicional.
c) oração coordenada explicativa.
1.5. A gaivota estava muito mal, logo faleceu pouco tempo depois.
b) «como» ______________________________________________________________
c) «logo» _______________________________________________________________
d) «quando» ____________________________________________________________
e) «pois» _______________________________________________________________
3. Identifica os recursos expressivos presentes nas frases seguintes e refere o seu valor.
a. Tinha todo o corpo impregnado de uma substância escura e malcheirosa.
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4. Indica a função sintática dos elementos sublinhados.
4.1. “Olha, amiga, quero ajudar-te, mas não sei como.”
a) sujeito simples.
b) predicado.
c) vocativo.
4.4. “um pequeno ovo branco com pintinhas azuis rolou junto ao seu corpo…”
a) sujeito simples.
b) complemento oblíquo.
c) complemento direto.
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Grupo III - Escrita
Escreve um texto de opinião com um mínimo de 160 e máximo de 200 palavras, no qual
apresentes a tua opinião sobre a importância de se cumprir uma promessa.
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Bom Trabalho!
A professora, Ana Quelhas