Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO: Neste capítulo discorro brevemente sobre as causas históricas que levaram à ampliação
epistemológica e, consequentemente, à necessidade de se desenvolver metodologias condizentes com as
mudanças e destaco características da autoetnografia (ALLEN-COLLINSON, 2016; JONES, ADAMS,
ELLIS, 2016; BOCHNER, 2016; ELLIS, 2016; DENZIN, 2016)/ autocrítica (TAKAKI, 2011) e sua
escrita. Em seguida, correlaciono a autoetnografia/autocrítica com uma perspectiva de educação
linguística reflexiva com uma pesquisa ilustrativa de autocrítica num encontro ontológico-
epistemológico-metodológico. A metodologia orienta-se pela revisão bibliográfica atualizada.
Argumento que a ampliação culturalmente sensível e ética das pesquisas da área depende, dentre outros
fatores, de uma metodologia informada por perspectivas pós-coloniais (CLIFFORD, 1997), pós-
nacionalistas (HELLER, 2011) letramentos críticos (COPE, KALANTZIS, 2012; MUSPRATT, LUKE,
FREEBODY, 1997, NEW LONDON GROUP, 1997; JANKS, 2010, MONTE MÓR, 2007a, 2007b;
SOUZA, 2011) voltada para a reconstrução da cidadania contemporânea.
ABSTRACT: In this chapter, I briefly write about the historical causes that fostered the expansion of
epistemologies, and, therefore, the need to develop more congruent methodologies with the changes and I
highlight some characteristics of autoethnography (ALLEN-COLLINSON, 2016; JONES, ADAMS,
ELLIS, 2016; BOCHNER, 2016; ELLIS, 2016; DENZIN, 2016)/ selfcritique (TAKAKI, 2011) together
with its writing. Next, I relate autoethnography/self-critique with a critical linguistic educational
perspective with an illustrative research of self-critique in an ontological-epistemological-methodological
encounter. The methodology is guided by an updated bibliographical revision. I argue that the expansion
of culturally sensitive and ethical researches in the field depend, among other factors, on a methodology
informed by post-colonial (CLIFFORD, 1997), post-nationalist perspectives (HELLER, 2011) and critical
literacies (COPE, KALANTZIS, 2012; MUSPRATT, LUKE, FREEBODY, 1997, NEW LONDON GROUP,
1997; JANKS, 2010; MONTE MÓR, 2007a, 2007b; SOUZA, 2011) towards the reconstruction of
contemporary citizenship.
INTRODUÇÃO
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
Corroborando essa posição, Heller (2018, p. 74) acentua que a etnografia desenvolve
habilidades para o etnógrafo explicar substancialmente como as pessoas combinam as
múltiplas formas de recursos que estão disponíveis e que são por elas criadas e com as
quais elas participam da organização social da vida com suas histórias e geografias. O
etnógrafo parte da seguinte visão de conhecimentoi: o conhecimento não é deriva
diretamente da evidência ou experiência, mas é mediado pela escolha que fazemos para
formulá-lo e representá-lo em contextos específicos de comunicação. (HELLER, p. 74).
O pesquisador ocupa-se de relações dialógicas entre o que é, vê, ouve e faz relacionando
tudo isso com as singularidades e regularidades que precisam ser explicadas no seu
exercício científico, conforme Denzin (2016, p. 124) insinua que “o fazer científico
permite que o pesquisador capte a vida de cada pessoa em sua particularidade imediata e
relacioná-la ao seu momento histórico […] A interpretação leva adiante uma série de
atos apreendidos pelo pesquisador, [...] interrogando as condições históricas, culturais e
biográficas que levaram a pessoa a vivenciar os eventos em estudo ii.
Denzin, Lincoln (1994, p. 10) discorrem sobre a “crise da representação” nas pesquisas
tradicionais (inclusive a etnografia) e apontam para um dado importante que
denominaram “reflexividade,” isto é um engajamento político que suscita uma ação para
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
1. DA AUTOETNOGRAFIA
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
A vantagem é que o pesquisador se debruça sobre si e sobre seu olhar com mais
liberdade de expressar normas, reações e interpretações do evento que estuda enquanto
negocia com intersubjetividades segundo Hayano (1979) e Heider (1975). Mais do que
se preocupar com a autoetnografia como uma metodologia, o pesquisador aprende com
suas aproximações e inserções ao dia a dia dos participantes, dialoga com os insumos de
suas próprias apreensões, interpretações, experiências vividas e narrativas pessoais. No
entanto, Bochner (2016, p. 53) acentua que a autoetnografia não se preocupa com o
controle do olhar sobre os eventos tampouco sobre os outros buscando encontrar
objetividades nas subjetividades. O pesquisador é quem constrói os significados a partir
de sua apreensão sobre o que está acontecendo na comunidade focalizada: “Nós
atribuímos significado a nossas ações e experiências”vi (BOCHNER, 2016, p. 53) sendo
“um modo de vida que reconhece a contingência, a finitude, corporificadas no ser
histórico, encontros com a outridade dos sujeitos participantes e dos objetos, uma
apreciação de comprometimentos éticos e morais, e uma vontade de desejo de manter a
conversa”.vii
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
2. ESCRITA NA AUTOETNOGRAFIA
Narrar a fim de dizer algo mais ou algo diferente por meio de estilo, evocação, silêncio,
alegorias e metáforas de modo “artesanal” é o que a epígrafe salienta. Isso porque o que
se ouve, vê, cheira, sente, saboreia não pode ser plenamente traduzido em palavras. Os
modos de apresentar o trabalho etnográfico não obedecem necessariamente ao rigor da
escrita formal conforme a academia direciona. Arte, dança, filme, projeção multimídia,
imagens, gêneros literários como prosa, poesia, performance etc. atendem a um público
mais abrangente. A autoetnografia toma esses modos emprestados. Como já dito
anteriormente, a linguagem (convencional ou não) não pode captar fielmente os
sentidos, o que não significa que seja um vale tudo abrindo mão das exigências do rigor
científico que a pesquisa requer. Aspectos literários e retóricos na escrita
autoetnográfica não são facilmente compartimentalizados. “As verdades etnográficas
são, portanto, parcialmente comprometidas e incompletas.”ix (CLIFFORD, MARCUS,
1986, p. 7) como uma ponta de iceberg que se interrelaciona com outros em rede
dinâmica.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
Ainda, o que está em jogo é uma reconsideração de como pensar, fazer pesquisa,
relacionar com o diferente que auxilia o pesquisador a apreender os sentidos dessa
convivência. No entanto, nem toda escrita pessoal é autoetnográfica. Esta última
caracteriza-se por: a) apresentar observações e posição crítica sobre práticas culturais
com um propósito social; b) contribuir para pesquisas já existentes; c) engajar-se com
vulnerabilidades com um propósito social e d) criar uma relação recíproca com o
público com vistas às explicações de tais práticas culturais envolvendo as perspectivas
de todos os participantes da pesquisa (JONES, ADAMS, ELLIS, 2016, p. 22). Não falar
por todos é o alerta que tais autores acionam, pois o pertencimento é dinâmico; estamos
associados e dissociados às comunidades. Analogamente, estas estão em relação viva
com outras.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
Por o eu (self) em diálogo, por assim dizer, com contextos sociopolíticos mais amplos
para ouvir as vozes de grupos menos favorecidos como salienta Allen-Collinson (2016,
p. 290) em: “dar voz a grupos que frequentemente não são ouvidos.xix” Talvez, nem seja
ao caso de dar vozes, já que tais grupos possuem vozes que apenas precisam ser
ativadas. A autoetnografia cria espaço para as vozes dissonantes questionarem se o
conhecimento supostamente universal, neutro e racional é parcial e singular, servindo
meramente para reforçar discursos dominantesxx” (ALLEN-COLLINSON, 2016, p.
290), o que nos leva a ratificar que a pesquisa, com qualquer processo científico, é um
ato político.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
Vimos até aqui que a autoetnografia não se propõe a resolver problemas assim como sua
“mãe”, a etnografia, também não se propõe a fazer isso. No entanto,
[...] nós conceituamos e atribuímos sentido ao mundo que nos cerca por meio
da linguagem, e nós negociamos nossas relações com os outros por meio da
linguagem. Quem somos, e quem podemos ser são questões de linguagem. E
quem podemos ser tem a ver com nosso acesso às coisas que interessam:
poder político, recursos econômicos como trabalho, educação, status social
ou recursos culturais como histórias, músicas e arte. (HELLER,
PIETIKÄINEN, PUJOLAR, 2018, p. 1).
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
Santos (2007), por exemplo, critica o que denomina pensamento abissal, o qual
estabelece uma fronteira entre o sul e o norte, um precipício que separa o eu e o outro
conferindo a este último o poder de lançar luzes às trevas do sul, epistemologicamente
falando, e não do ponto de vista geográfico. Em defesa de uma ecologia de saber, o
autor chama a atenção para o valor que o conhecimento desconhecido ou pouco
legitimado (quilombolas, indígenas, camponeses etc.) tem e que precisa se acomodado
nas decisões políticas e democráticas. É nesse ponto que a autoetnografia focaliza um
trabalho social com oportunidades para contestar e transformar relações, vozes e ações
autoritárias por meio de escrita autocrítica/autoreflexiva promovendo problematizações,
reconceitualizações e insights em direção à justiça social. Justiça esta como um
processo que também se permita autocrítica reflexiva para se reinventar de tempo em
tempo. Do ponto de vista educacional, a proposta da pesquisa é política, conforme
explicam Clifford, Marcus (1986, p. 9), “o trabalho etnográfico tem sido imbricado num
mundo de permanentes desigualdades de poder, e continua sendo ativo. Ele encena
relações de poder. Mas sua função em meio a essas relações é complexa,
frequentemente ambivalente, potencialmente contra-hegemônico”.xxv
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
[...] a comunicação e interação sã garantidas pela ação das duas forças sociais
simultâneas – centrípeta e centrífuga, uma normatizadora e outra des-
normatizadora; enquanto a força centrípeta garante o mínimo de elementos
em comum, e portanto, a compreensibilidade, a força centrífuga impõe a
diferença e a variabilidade, introduzindo o novo e a transformação.”
(MENEZES DE SOUZA, 2010, p. 298)
Aliado a esse pensamento, Monte Mór (2007a, 2007b) promove uma reflexão que
denomina terceira fase dos letramentos (MONTE MÓR, 2007a, 2007b) e desperta a
necessidade de se buscar alternativas para transformar noções de alfabetização, leitura e
interpretação na formação dos estudantes e professores. Distanciando-se da educação
reprodutivista de hierarquias, salienta que o conhecimento coconstruído com a
agência/autoria dos estudantes, professores e autoridades dialogando com a
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
Reconhecer que “em terra de cego quem tem olho é mero espectador” que aprende com
os participantes, muda os termos da pesquisa. Interrogar sobre o porquê das pessoas em
contextos específicos se interessarem por ler o que vivenciei, aprendi e escrevi e de que
modo contei a minha história foi parte constitutiva da pesquisa autocrítica. Nesse
sentido, engajei-me no processo de investigação e no da escrita de uma narrativa
autocrítica com as vozes ativadas dos participantes e isso me fez distanciar de um
simples relato etnográfico. Sem perder o rigor científico, o mergulho nas profundezas
das águas e a volta à superfície para enxergar outras perspectivas coexistentes no
processo de apreensão de significados incertos, ambíguos e emergentes, os quais são
inerentes à pesquisa, deu a tom transdisciplinar como meio de me aproximar do público
também externo à academia.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
4. PARA CONTINUAR...
REFERÊNCIAS
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
COPE, B.; KALANTZIS, M. (Eds.) Multiliteracies. Literacy learning and the design of
social futures. New York, London: Routledge, 2000.
GEERTZ, C. The interpretation of cultures. Selected essays. New York: Basic Books,
1973.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
JANKS, Hilary. Language and power. New York, London: Routledge, 2010.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
SOUZA, L. T. M. DE. Cultura, língua e emergência dialógica. Letras & Letras, v, 26,
nº. 2 jul./dez, 2010, p. 289-306.
______. Ética pelo diálogo em meio aos letramentos: perspectivas para pesquisas de
formação de alunos e professores de línguas. Calidoscópio, 2013a, v. 11, n. 1, p. 53-62.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
i
Original: knowledge does not derive directly from evidence or experience, but is mediated by how we
choose to formulate it and represent it in specific contexts of communication.
ii
Original: It allows the researcher to take up each person´s life in its immediate particularity and to
ground the life in its historical moment […] Interpretation works forward to the conclusion of a set of acts
taken up by the subject, while working backing in time, interrogating the historical, cultural and
biographical conditions that moved the person to experience the events being studied.
iii
Original: Epiphanies are ritually structured liminal experiences connected to moments of breach, crisis,
redress, schism, crossing over one space to another.
iv
Neste trabalho, opto por usar a forma autoetnografia/autocrítica/reflexividade quando me refiro à
semelhante base epistemológica embora de diferentes autores. Quando usada isoladamente, a palavra
autoetnografia marca afiliações com seus autores criadores.
v
Original: The key point is that autoethnographic research allows for the personal and authentic views of
the participant that could not occur through other methodologies. The autoethnographic method allows
for reflection of the researchers upon themselves and upon their own views.
vi
Original: We atribute significance and meaning to our actions and experiences.
vii
Original: A way of life that acknowledges contingency, finitude, embeddedness in storied being,
encounters with Otherness, an appraisal of ethical and moral commitments, and a desire to keep
conversation going.
viii
Original: Again, autoethnography does not claim to produce better, or more reliable, generalizable,
and/or valid research than other methods, but instead provides another approach for studying culture
experience.
ix
Original: Ethnographic truths are thus inherently partial-committed and incomplete.
x
Original: Theorizing the daily working of culture.
xi
Original: Insiders studying their own cultures offer new angles of vision and depths of understanding.
xii
Original: Why precisely are you in this locale rather than another?
xiii
Original: An important consequence for autoethnographers is that no individual person´s story or self
is therefore completely or entirely her or his own; the voices and selves of others intertwine with
ourselves and our stories.
xiv
But autoethnography is not really my story. When it works, it is the story of us all.
xv
Original: Autoethonographic work that adopts a critical postcolonialist stance can provide a potent
voice aimed at challenging and disrupting imperialist discourses and practices, however “well-
intentioned” these might be.
xvi
Original: Becoming (the self), relating (with relational others), and making communities (together) all
of which collaboratively promote autoethnogtraphy as a praxis of social justice.
xvii
Original: Narratives travel in rhizomatic fashion so as to bring to light issues of social justice.
DOI: 10.29327/214648.8.31-17
DOI: 10.29327/214648.8.31-17