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anais da ditadura
HISTÓRIA, VOLVER
O 31 de Março, o golpe militar e a nostalgia da direita
FABIO VICTOR
“Vocês vão ser torturados com algumas verdades aqui”, disse Bolsonaro em 2014, ao tomar a palavra no Congresso para
festejar os cinquenta anos do golpe. Deputados viraram as costas ANTONIO AUGUSTO_ACERVO CÂMARA DOS
DEPUTADOS
D
iante do Ministério da Defesa, em Brasília, Jair Bolsonaro ergue o
braço direito e dispara um rojão. De terno escuro, aproxima-se da
câmera e, em tom solene, afirma: “Trinta e um de Março de 1964.
Data da segunda independência do Brasil.” Atrás dele, vê-se uma grande
faixa amarela na qual está escrito: “Parabéns Militares – 31/março/64 –
Graças a vocês o Brasil não é Cuba” – essa última palavra está em
vermelho. Dois homens seguram a faixa, um deles é seu filho Eduardo
Bolsonaro. Não se vê mais ninguém no desolado canteiro da Esplanada
dos Ministérios onde o então deputado federal resolveu fazer seu
pronunciamento. Ele volta a falar para a câmera:
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N
este ano, pelo menos duas unidades importantes do Exército, a
EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército) e o COTer
(Comando de Operações Terrestres), incluíram entre as datas
festivas de seus calendários oficiais, publicados na internet, a “Revolução
democrática de 1964”. A EsPCEx, localizada em Campinas (sp), é o
primeiro passo na formação de oficiais e por lá passaram Bolsonaro, o
atual comandante do Exército, Edson Leal Pujol, e o anterior, Eduardo
Villas Bôas.
O Exército tem, garantida por lei, autonomia sobre seu sistema de ensino.
Até 2014, os colégios militares do país adotavam um livro de história que
contava que “a Revolução de 1964” havia sido feita por “grupos
moderados, respeitadores da lei e da ordem” e omitia as arbitrariedades e
violações dos direitos humanos cometidas no período. A obra, História
do Brasil: Império e República, da coleção Marechal Trompowsky, não
fazia parte da lista do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do
Ministério da Educação (MEC). Ao discordar do seu uso em sala de aula,
a professora de história Silvana Schuler Pineda, do Colégio Militar de
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O
governo é hoje dominado por militares. Além do presidente, que é
capitão reformado, de seu vice, general Hamilton Mourão, e de seu
porta-voz, general Rêgo Barros, há oito ministros oriundos das
Forças Armadas e vários militares em postos importantes no primeiro e
segundo escalões – um recorde da presença militar no Executivo desde a
abertura política.
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M
ais que os militares, algumas autoridades civis em postos
estratégicos do governo Bolsonaro escancaram sua postura
revisionista com relação à ditadura militar, sobretudo o trio mais
ideológico da Esplanada: a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos, Damares Alves, o ministro da Educação, Ricardo Vélez
Rodríguez, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
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U
ma pesquisa do Ibope feita entre 9 e 26 de março de 1964 em oito
capitais, mas que não foi divulgada à época, revelou que, às
vésperas de ser deposto pelos militares, o presidente João Goulart
continuava popular nas maiores cidades do país. Em cinco capitais (Rio,
Salvador, Recife, Porto Alegre e Fortaleza), entre 50% e 51% dos
entrevistados afirmaram que votariam em Jango nas eleições
presidenciais de 1965, caso ele concorresse (o que não era possível, na
época, pois a Constituição proibia a reeleição). Em São Paulo, Belo
Horizonte e Curitiba, o índice variava entre 39% e 41%. O acesso público
aos dados da pesquisa só foi possível em 1989, depois que o Ibope doou
seu acervo ao Arquivo Edgard Leuenroth, da Universidade Estadual de
Campinas.
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Com a escalada da luta armada contra o regime, no final dos anos 60, a
repressão tornou-se mais brutal. Instalada pelo governo federal em 2012
para apurar violações de direitos humanos entre 1946 e 1988, a Comissão
Nacional da Verdade contabilizou 434 mortos e desaparecidos no período
da ditadura militar e apontou 377 agentes de Estado como responsáveis
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E
m 2 de abril de 1964, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a
seguinte manchete: “Vitorioso o movimento democrático.” O
editorial de O Globo estampou: “Ressurge a democracia!” Em 10 de
abril, a revista O Cruzeiro lançou uma “Edição Histórica da Revolução”.
Quase toda a imprensa apoiou o golpe. Durante a ditadura, o 31 de
Março era uma data festiva. Os presidentes falavam em cadeia nacional
de rádio e tevê, o governo promovia desfiles militares – e a mídia
registrava tudo com destaque.
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Q
uem nunca deixou de fazer alarde em relação ao 31 de Março foi
Bolsonaro. Nas ocasiões em que, como deputado federal pelo
estado do Rio de Janeiro, usou a tribuna da Câmara para louvar o
dia do golpe e o período ditatorial, ele sempre lembrava o apoio que os
militares receberam das mulheres, da Igreja, dos empresários e dos meios
de comunicação. Chegou a dizer em mais de uma ocasião que “o erro da
ditadura foi torturar e não matar” e dedicou o seu voto a favor do
impeachment, em 2016, à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante
Ustra – “o terror de Dilma”, nas palavras de Bolsonaro –, que comandou
o DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, um dos principais centros de
tortura durante a ditadura.
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Havia outros pedidos de sessão solene para lembrar a data, mas a fim de
atacar o golpe e a ditadura. O presidente da Câmara deferiu o pedido de
Luiza Erundina, então no PSB, e rejeitou o de Bolsonaro. “Vou, de forma
democrática, indeferir o requerimento do parlamentar Bolsonaro, porque
esta Casa jamais poderia homenagear uma revolução que cassou 173
deputados federais, fechou esta Casa por três vezes e, durante o período
em que esta esteve fechada, editou praticamente por um ato, por uma
emenda outorgada, uma nova Constituição. Aquela revolução não
mereceu nem merece o respeito desta Casa”, discursou Alves na ocasião.
N
ão é improvável que os embates vistos nos cinquenta anos do golpe
no plenário da Câmara se repitam no próximo 31 de Março. Nunca
a base governista foi tão direitista e tão alinhada aos militares.
Indagado sobre o que o PSL prepara para a data do golpe, o líder do
governo na Câmara, deputado Major Vítor Hugo (GO), disse que ainda
não havia conversado com Bolsonaro sobre o assunto e não quis falar
sobre a ditadura. Duas deputadas do partido com trânsito com o
presidente, Joice Hasselmann (SP), nomeada líder do governo no
Congresso, e Bia Kicis (DF), tampouco quiseram dar entrevista sobre o
assunto.
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A
sala dos estudantes da Faculdade de Direito da USP, no Largo de
São Francisco, no Centro de São Paulo, estava abarrotada na manhã
de quarta-feira, 20 de fevereiro. Centenas de pessoas ocupavam o
auditório para a cerimônia de lançamento da Comissão Arns, cujo nome
homenageia o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, referência no combate à
ditadura. Trata-se de um observatório criado para “prevenir e impedir
uma escalada do autoritarismo e da violência” e monitorar “todas as
medidas tomadas para atacar a sociedade civil, para restringir as
liberdades públicas e enfraquecer o estado de direito”, como afirmou na
fala de encerramento do evento o presidente da nova entidade, o cientista
político Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro dos Direitos Humanos
(governo FHC) e integrante da extinta Comissão Nacional da Verdade.
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