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Morte e Sepultamento
A Caminho do Calvário a
Havendo-se dobrado relutantemente ante as insistentes exigências dos judeus, Pôncio
Pilatos emitira a ordem fatal, e Jesus, despido do manto de púrpura e vestido com Suas
próprias roupas, foi levado para a crucifixão. Um grupo de soldados romanos tinha a seu
cargo o Cristo condenado, e quando o cortejo saiu do palácio do governador, uma
multidão heterogênea, constituída de oficiais sacerdotais, governantes dos judeus, e gente
de muitas nacionalidades, o acompanhou. Dois criminosos condenados, que tinham
recebido sentença de crucifixão por roubo, foram levados para a morte na mesma hora;
tratava-se de uma tripla execução; e a cena de horror em perspectiva atraía as mentes
mórbidas, aquelas que se deleitam em maligno prazer ante os sofrimentos do próximo. Na
multidão, entretanto, havia alguns que genuinamente lamentavam, como será visto. Era
costume dos romanos fazer as execuções dos culpados tão publicamente quanto possível,
na suposição falsa e antipsicológica, de que o espetáculo da medonha punição teria efeito
dissuasório. Esse erro de observação quanto à natureza humana ainda não se tornou
inteiramente obsoleto.
A sentença de morte por crucifixão exigia que o condenado carregasse a cruz sobre a qual
haveria de sofrer. Jesus pôs-Se a caminho levando a Sua. A terrível tensão das horas
precedentes, a agonia no Getsêmani, o bárbaro tratamento suportado no palácio do sumo
sacerdote, a humilhação e o mau-trato a que havia sido submetido diante de Herodes, o
tremendo açoitamento sob as ordens de Pilatos, o tratamento brutal pela soldadesca
desumana, juntamente com a extrema humilhação e agonia mental de tudo aquilo, de tal
maneira O haviam enfraquecido fisicamente, que Ele caminhava devagar sob o peso da
cruz. Os soldados, impacientes com o retardamento, peremptoriamente forçaram um
homem que encontraram a caminho de Jerusalém, vindo do campo, e o compeliram a
carregar a cruz de Jesus. Nenhum romano ou judeu teria, voluntariamente, aceitado a
ignomínia de levar uma carga tão hedionda, porquanto todos os detalhes relacionados
com a execução de uma sentença de crucifixão eram olhados como degradantes. O homem
assim forçado a andar nas pegadas de Jesus, levando a cruz sobre a qual o Salvador do
mundo deverá consumar Sua gloriosa missão, era Simão, um nativo de Cirene. A
declaração de Marcos, de que Simão era pai de Alexandre e Rufo, permite-nos concluir
que os dois filhos eram conhecidos dos leitores do evangelista como membros da Igreja
primitiva, e existe certa indicação de que a casa de Simão, o Cireneu, veio a ser contada
entre os crentes. b
Entre os que o acompanhavam, ou que se postavam a ver o cortejo da morte passar, havia
alguns, em particular mulheres, que pranteavam e lamentavam a sorte a que Jesus era
levado. Não se lê de nenhum homem que se aventurasse a erguer a voz em protesto ou
compaixão; mas naquela ocasião pavorosa como em outras, as mulheres não temeram
chorar em comiseração ou louvor. Jesus, que havia silenciado sob a inquirição dos
sacerdotes, ante a zombaria humilhante do sensual Herodes e seus obscenos lacaios, e ao
ser esbofeteado e agredido pelos legionários brutais de Pilatos, voltou-Se para as
mulheres, cujas compadecidas lamentações Lhe haviam chegado aos ouvidos, e
pronunciou estas patéticas e proféticas palavras de censura e advertência: “Filhas de
Jerusalém, não choreis por mim, chorai antes por vós mesmas, e por vossos filhos. Porque
eis que hão de vir dias em que dirão: Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres que não
geraram, e os peitos que não amamentaram! Então começarão a dizer aos montes: Caí
sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos. Porque, se ao madeiro verde fazem isto, que se fará
ao seco?” Esse foi o último testemunho do iminente holocausto de destruição que havia de
seguir a rejeição nacional de seu Rei. Conquanto a maternidade fosse a glória da vida de
toda mulher judia, ainda assim, nas terríveis cenas que muitas daquelas que ali estavam
pranteando viveriam para testemunhar, a esterilidade viria a ser considerada como
bênção, porquanto as que não tivessem filhos teriam menos a quem lamentar, ou pelo
menos seriam poupadas ao horror de verem sua prole morrer à mingua ou por violência,
pois que tão pavoroso seria aquele dia, que as pessoas com satisfação receberiam a queda
das montanhas sobre si para porem fim a seus sofrimentos. c Se os opressores de Israel
podiam fazer o que se estava fazendo ao “Lenho Verde”, que trazia a folhagem da
liberdade e da verdade, e oferecia os inestimáveis frutos da vida eterna, que não fariam os
poderes do mal aos ramos murchos e ao ressequido tronco do judaísmo apóstata?
O cortejo avançava ao longo das ruas da cidade, passando pelos portais da maciça
muralha, dirigindo-se então a um lugar próximo, ainda que fora de Jerusalém. O destino
era um ponto chamado Gólgota, ou Calvário, que significa “o lugar da caveira”. d
A Crucifixão e
No Calvário, os crucificadores oficiais agiram sem demora para levar a efeito a pavorosa
sentença lançada sobre Jesus e os dois criminosos. Preparando para a afixação do
condenado à cruz, era costume oferecer a cada um uma beberragem narcótica de vinho
azedo, ou vinagre, misturado com mirra e provavelmente outros ingredientes anódinos,
com o misericordioso propósito de amortecer a sensibilidade da vítima. Não se tratava de
costume romano, mas era permitido como concessão ao sentimento judaico. Quando a
taça narcótica foi apresentada a Jesus, Ele a levou aos lábios, porém tendo reconhecido a
natureza do conteúdo, recusou-Se a beber, e assim demonstrou Sua determinação de
enfrentar a morte com as faculdades despertas e a mente desanuviada.
Parece que, pela lei romana, as roupas usadas pelos condenados na hora da execução, se
tornavam propriedade dos executores. Os quatro soldados encarregados da cruz em que
sofreu o Senhor distribuíram entre si peças de Seu vestuário, e sobrou a capa, i que era
uma vestimenta cara, tecida de alto a baixo em uma só peça, sem costuras. Rasgá-la seria
estragar, de maneira que os soldados lançaram sortes para ver quem ficaria com ela, e
nessa circunstância, os autores dos evangelhos viram o cumprimento da previsão do
salmista: “Repartiram entre si os meus vestidos, e sobre a minha túnica lançaram sortes.” j
Sobre a cruz, acima da cabeça de Jesus, fora afixado um título ou inscrição preparado por
ordem de Pilatos, de acordo com o costume de indicar o nome do crucificado e a natureza
da ofensa pela qual havia sido condenado à morte. Nesse caso, o título havia sido escrito
em três línguas: grego, latim e hebraico, das quais, pelo menos uma, seria compreendida
por todos os observadores que as lessem. O título, assim apresentado, dizia: “Este ê Jesus, o
Rei dos Judeus”; ou na versão mais longa, fornecida por João: “Jesus Nazareno, Rei dos
Judeus.” k A inscrição foi lida por muitos, porque o Calvário era perto da estrada pública e
naquela ocasião de festas, os transeuntes indubitavelmente deviam ser numerosos.
Levantaram-se comentários, porque, interpretado literalmente, o letreiro era uma
declaração oficial de que Jesus, o crucificado, era realmente o rei dos judeus. Quando isso
foi levado à atenção dos principais sacerdotes, eles excitadamente apelaram para o
governador, dizendo: “Não escrevas, Rei dos Judeus, mas o que ele disse: Sou Rei dos
Judeus. Respondeu Pilatos: O que escrevi, escrevi.” A atitude de Pilatos em escrever o
título daquela maneira, e sua áspera recusa de permitir alteração, pode ter sido uma
réplica intencional aos oficiais judaicos que o haviam forçado a condenar Jesus contra seu
julgamento e vontade; possivelmente, entretanto, a conduta do submisso Prisioneiro, e
Sua confissão de realeza acima de toda majestade da Terra, haviam deixado marca na
mente, se não no coração do governador pagão, com a certeza da superioridade impar de
Cristo e de Seu direito inerente de domínio; mas, seja qual for o propósito atrás da
inscrição, ela permanece na história como testemunho da consideração de um gentio em
contraste com a desapiedada rejeição de Israel em relação ao seu Rei. l
Os soldados cujo dever era guardar as cruzes, até que a morte tardia viesse libertar os
crucificados de sua crescente angústia, pilheriavam entre si e escarneciam de Cristo,
brindando-O com suas taças de vinho azedo em trágica zombaria. Vendo o título afixado
acima da cabeça do Sofredor, gritavam-lhe o desafio inspirado pelo diabo: “Se tu és o rei
dos judeus, salva-te a ti mesmo.” A multidão mórbida e os viajores que passavam
“blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Tu, que destróis o templo, e em três
dias o reedificas, salva-te a ti mesmo, e desce da cruz.” Mas, pior que tudo, os principais
dos sacerdotes e escribas, os anciãos do povo e os indignos sinedristas, tornaram-se os
ativadores da desumana multidão enquanto exultavam jubilosamente e clamavam em
alta voz: “Salvou os outros, e a si mesmo não pode salvar-se. Se é o Rei de Israel, desça
agora da cruz, e cre-lo-e-mos nele; confiou em Deus; livre-o agora, se o ama; porque disse:
Sou Filho de Deus.” m Ainda que afirmada em irreverente zombaria, a declaração dos
governantes em Israel permanece como uma atestação de que Cristo salvara outros, e
como uma proclamação que pretendia ser irônica mas era literalmente verdadeira, de que
Ele era o Rei de Israel. Os dois malfeitores, cada qual pendendo de sua cruz, uniram-se à
zombaria geral, e “o mesmo lhe lançaram também em rosto”. Um deles, no desespero
próprio da aproximação da morte, fez eco aos motejos dos sacerdotes e do povo: “Se tu és
o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós.”
Um dos ladrões crucificados, então, enternecido até ao arrependimento pela fortaleza sem
lamentações do Salvador, e percebendo na atitude do divino Mártir algo mais que
humano, repreendeu seu injuriante companheiro, dizendo: “Tu nem ainda temes a Deus,
estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que
os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal fez.” Sua confissão de culpa e o
reconhecimento da justiça de sua própria condenação, abriram caminho para o incipiente
arrependimento, e para a fé no Senhor Jesus, seu companheiro de agonia. “E disse a Jesus:
Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino.” p Ao apelo da penitência, o
Senhor respondeu com uma promessa que só Ele poderia fazer: “Em verdade te digo que
hoje estarás comigo no paraíso.” q
Entre os espectadores desta, que foi a maior tragédia da história, havia alguns que haviam
vindo com simpatia e pena. Não se faz menção da presença de nenhum dos doze, salvo
um, e este, o discípulo “a quem Jesus amava”, João, o apóstolo, evangelista e revelador;
mas faz-se menção específica de algumas mulheres que, primeiro à distância e depois
junto à cruz, pranteavam na angústia do amor e do sofrimento. “E junto à cruz de Jesus
estavam sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Madalena.” r
Além das mulheres citadas, havia muitas outras, algumas das quais haviam ministrado a
Jesus no curso de Seus labores na Galiléia, e que estavam entre os que haviam subido com
Ele a Jerusalém. s Em primeiro lugar em consideração entre todos, estava Maria, a mãe de
Jesus, em cuja alma a espada havia penetrado como o justo Simeão profetizara. t Olhando
com terna compaixão para Sua mãe em prantos junto a João, ao pé da cruz, Jesus
recomendou-a ao cuidado e proteção do discípulo amado, com as palavras:“Mulher, eis aí
o teu filho!” e a João: “Eis aí tua mãe”. O discípulo ternamente conduziu a amargurada
Maria para longe do Filho moribundo, e “a recebeu em sua casa”, assumindo assim,
imediatamente, a nova relação estabelecida pelo Mestre agonizante.
Jesus havia sido pregado à cruz na manhã daquela sexta-feira fatídica, provavelmente
entre as nove e as dez horas. u Ao meio-dia, a luz do sol foi obscurecida, e negra escuridão
espalhou-se sobre toda a Terra. As apavorantes trevas continuaram por um período de
três horas, Esse notável fenômeno não recebeu explicação satisfatória da ciência. Não
poderia ter sido motivado por eclipse solar, como tem sido sugerido em ignorância,
porquanto era tempo de lua cheia; na realidade, a época da Páscoa era determinada pela
primeira ocorrência de lua cheia depois do equinócio da primavera. A escuridão fora
produzida por operação miraculosa de leis naturais dirigidas por poder divino. Era um
sinal adequado da profunda lamentação da Terra pela iminente morte de Seu Criador. v A
respeito da mortal agonia por que o Senhor passou enquanto na cruz, os evangelistas são
reverentemente reticentes.
Pela hora nona, ou seja, ao redor das três da tarde, um alto brado, que ultrapassava o mais
agoniado clamor de sofrimento físico partiu da cruz central, rasgando a medonha
escuridão. Era a voz do Cristo: “Eloi, Eloi, lama sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus
meu, por que me desamparaste?” Qual a mente humana capaz de penetrar o significado
daquele clamor impressionante? Deixa-nos a impressão de que, além do terrível
sofrimento característico da crucifixão, a agonia do Getsêmani havia voltado, intensificada
além da capacidade humana de suportar. Naquela hora mais pungente, o Cristo
agonizante estava só, da maneira mais terrivelmente real. A fim de que o supremo
sacrifício do Filho pudesse consumar-se em toda a Sua plenitude, o Pai parece ter retirado
o apoio de Sua presença imediata, deixando ao Salvador dos homens a glória da completa
vitória sobre as forças do pecado e da morte. O clamor que partira da cruz, embora ouvido
por todos os que estavam próximos, somente por poucos fora compreendido. A primeira
exclamação, Eloi, significando Deus meu, foi falsamente interpretada como um apelo a
Elias.
Percebendo plenamente que não estava mais abandonado, mas que Seu sacrifício
expiatório havia sido aceito pelo Pai, e que Sua missão na carne tinha sido levada a uma
gloriosa consumação, exclamou num alto brado de triunfo santo: “Está consumado.” Com
reverência, resignação e alívio, dirigiu-Se ao Pai, dizendo: “Pai, nas tuas mãos entrego o
meu espírito”. x Curvou a cabeça e voluntariamente entregou Sua vida.
Jesus, o Cristo, estava morto. Sua vida não Lhe havia sido tirada, senão quando Ele próprio
o havia permitido. Por mais doce e bemvindo que pudesse ter sido o alívio da morte, em
qualquer dos estágios anteriores de Seu sofrimento desde o Getsêmani até à cruz, Ele
havia vivido até que todas as coisas que Dele haviam sido requeridas fossem executadas.
Nestes últimos dias, a voz do Senhor Jesus tem sido ouvida declarando a realidade de Seu
sofrimento e morte, e o eterno propósito alcançado por esse meio. Ouvi Suas palavras e
prestai-Lhe atenção:
“Pois, eis que o Senhor vosso Redentor sofreu a morte na carne; portanto, sofreu a dor de
todos os homens, para que todos os homens se arrependessem e viessem a ele.” y
Chegava o fim da tarde: ao pôr-do-sol o Sábado teria início. Aquele Sábado que se
aproximava deveria ser considerado como mais do que comumente sagrado, porque era
um grande dia, sendo o Sábado semanal e um dia de páscoa santificado. bOs oficiais
judaicos, que não haviam hesitado em matar o seu Senhor, estavam apavorados com o
pensamento de homens serem deixados pendendo de cruzes num dia daqueles, porque
desse modo a Terra ficaria profanada; c de maneira que aqueles escrupulosos governantes
foram a Pilatos e rogaram que Jesus e os dois malfeitores fossem sumariamente mortos
pelo brutal método romano de quebrar-lhes as pernas, com o que o choque provocado por
tratamento tão violento se mostrava prontamente fatal ao crucificado. O governador deu
consentimento e os soldados quebraram as pernas dos dois ladrões a bordoadas. Jesus,
entretanto, foi encontrado já morto, de forma que não lhe quebraram os ossos. Cristo, o
grande sacrifício pascal, do qual todas as vítimas no altar haviam sido meros protótipos,
morrera vítima de violência, entretanto, sem que um osso de Seu corpo tivesse sido
quebrado, tal como era condição prescrita para os cordeiros pascais. d Um dos soldados,
para assegurar-se de que Jesus estava realmente morto, ou para matá-Lo se ainda
estivesse vivo, furou-Lhe o lado com uma lança, provocando-Lhe um ferimento
suficientemente grande para permitir que a mão de um homem fosse introduzida. e A
retirada da lança foi seguida por um fluxo de sangue e água; f um acontecimento tão
surpreendente, que João, testemunha ocular, presta testemunho pessoal e específico do
fato, e cita as escrituras que assim se cumpriam. g
O Sepultamento h
Um homem conhecido como José de Arimatéia, que de coração era discípulo de Cristo,
mas que havia hesitado em confessá-lo publicamente por temor dos judeus, desejava dar
ao corpo do Senhor um sepultamento decente e honroso. Não fora por uma intervenção
divina como aquela, e o corpo de Jesus teria sido lançado à vala comum onde se
enterravam os criminosos executados. Esse homem chamado José, era “senador, homem
de bem e justo.” Dele se diz expressamente que “não tinha consentido no conselho e nos
atos dos outros”; de onde concluímos que era sinedrista e se havia oposto à ação de seus
colegas de condenar Jesus à morte, ou pelo menos havia evitado de votar com os restantes.
José era um homem de fortuna, posição e influência. Foi corajosamente a Pilatos e pediu-
lhe o corpo de Cristo. O governador surpreendeu-se ao saber que Jesus já era morto;
mandou chamar o centurião e perguntou-lhe quanto tempo Jesus havia permanecido vivo
na cruz. A circunstância incomum parece ter aumentado a preocupação de Pilatos, que
deu ordens e o corpo de Cristo foi entregue a José.
O corpo foi retirado da cruz, e na preparação para o sepulcro, José foi ajudado por
Nicodemos, outro membro do Sinédrio, o mesmo que tinha ido a Jesus à noite, três anos
antes, e que numa das reuniões de conspiração do conselho havia protestado contra a
sentença ilegal de Jesus sem que ele fosse ouvido. i Nicodemos trouxera grande quantidade
de mirra e aloés, cerca de cem arráteis. A odorífera mistura era altamente apreciada para
a unção e embalsamamento, mas seu custo restringia o uso aos abastados. Os dois
reverentes discípulos envolveram o corpo do Senhor em lençóis limpos, “com as
especiarias, como os judeus costumavam fazer, na preparação para o sepulcro”, e o
deitaram numa sepultura nova, cavada na rocha. A tumba ficava num horto, não distante
do Calvário, e pertencia a José. Por causa da proximidade do Sábado, o sepultamento tinha
de ser feito apressadamente; a porta do sepulcro foi fechada, uma grande pedra foi rolada
contra ela; j e assim jazendo, o corpo foi deixado a repousar. Algumas das mulheres
devotas, particularmente Maria Madalena, e “a outra Maria”, que era mãe de Tiago e José
haviam observado o sepultamento de certa distância; e quando terminou, “voltando elas,
prepararam especiarias e ungüentos, e no sábado repousaram, conforme o mandamento.”
O Sepulcro Guardado k
No dia seguinte ao da “preparação”, ou seja, o Sábado que era o “grande dia”, l os
principais dos sacerdotes e fariseus, incorporados, vieram a Pilatos, dizendo: “Senhor,
lembramo-nos de que aquele enganador, vivendo ainda, disse: Depois de três dias
ressuscitarei. Manda pois que o sepulcro seja guardado com segurança até o terceiro dia,
não se dê o caso que os seus discípulos vão de noite, e o furtem, e digam ao povo:
Ressuscitou dentre os mortos; e assim o último erro será pior do que o primeiro.” E
evidente que os mais inveterados dos inimigos humanos de Cristo se lembravam de Seu
vaticínio sobre a prometida ressurreição ao terceiro dia depois da morte. Pilatos
respondeu com sucinta anuência: “Tendes a guarda; ide, guardai-o como entenderdes.”
Assim os principais dos sacerdotes e fariseus asseguraram-se de que o sepulcro estava
seguro ao verem o selo oficial ser afixado na junção entre a grande pedra e o portal, e a
guarda armada postar-se em vigilância.
Notas do Capítulo 35
1. Simão, o Cireneu. — Simão, o homem sobre o qual foi colocada a cruz de Jesus, era
membro da colônia judaica do norte da Ásia, que havia sido estabelecida cerca de três
séculos antes do nascimento de Cristo por Ptolomeu Lagi, que para lá transportara
grande número de judeus da Palestina (Josefo Antigüidades, cap. 1). Cirene, a terra de
Simao, ficava na província da Líbia; sua localização era dentro dos limites atuais de
Tunis. Verifica-se que os judeus africanos eram numerosos e influentes pelo fato de
manterem uma sinagoga em Jerusalém (Atos 6:9) para o atendimento dos que
visitassem a cidade. Rufo e sua mãe são mencionados em amigável referência por
Paulo, cerca de um quarto de século depois da morte de Cristo (Rom. 16:13). Sendo
este Rufo um dos filhos do Simão citado por Marcos (15:21) conforme indica a
tradição, é provável que a família de Simão estivesse manifestamente identificada
com a Igreja Primitiva. Não nos é dito, entretanto, se Simão se havia tornado discípulo
antes da crucifixão, ou se fora convertido por meio do serviço compulsório de levar a
cruz do Senhor, ou se em data posterior se tornara membro da Igreja.
2. As palavras de Cristo às filhas de Jerusalém. — “Tempo viria em que a maldição da
esterilidade do Velho Testamento (Os. 9:14) seria invejada como bênção. Para
mostrarmos o cumprimento desse profético lamento de Jesus, não é necessário
lembrar os angustiantes detalhes registrados por Josefo (Guerras, vi, 3:4), quando uma
mãe alucinada assou o próprio filho, e no escárnio do desespero, reservou metade da
horrível refeição para os assassinos que diariamente a assaltavam para roubar-lhe
qualquer mísero alimento que houvesse restado; nem ainda qualquer outro daqueles
incidentes demasiadamente revoltantes para desnecessárias repetições, que o
historiador do último cerco de Jerusalém descreve. E com que freqüência, por todos
estes séculos, as mulheres israelitas têm sentido o terrível desejo de serem estéreis, e
com que freqüência a súplica do desejo, pedindo a morte rápida por meio de
montanhas que desabam e outeiros que soterram, em lugar da prolongada tortura
(Os. 10:8), tem subido aos lábios dos sofredores israelitas! E mais ainda, aquelas
palavras eram também proféticas para um futuro ainda mais terrível (Apoc. 6:10).
Porquanto, se Israel havia lançado fogo a seu “lenho verde”, de que terrível maneira
não queimaria o julgamento divino entre o lenho seco de um povo apóstata e rebelde,
que havia entregado seu Divino Rei, e pronunciado sentença contra si mesmo ao
pronunciá-la sobre Ele.” — Edersheim, Life and Times of Jesus the Messiah, vol. 2,
p. 588.
5. A inscrição de Pilatos — “O Rei dos Judeus.”— Não há dois autores dos evangelhos
que dêem as mesmas palavras ao título ou inscrição colocada sobre a cabeça de Jesus
no lenho, por ordem de Pilatos; o significado, entretanto, é o mesmo em todos, e as
variações no que não é importante, evidenciam a liberdade individual entre os
cronistas. E provável que houvesse divergência real entre as versões nas três línguas.
A versão de João é seguida nas abreviações usadas em conexão com as figuras
católico-romanas de Cristo: J.N.R.J., ou então, uma vez que o “I” era usado como
equivalente comum do “J”: I.N.R.I. “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.”
h. Num. 12.
j. Mat. 27:35; Mar. 15:24; Luc. 23:34; João 19:23, 24; comparar com Salmos 22:18.
l. Páginas 81 e 86.
m. Mat. 27:42, 43. A cláusula “se é o Rei de Israel” no versículo 42 do texto comum é
admitidamente uma falha de tradução; deveria dizer “Ele é o Rei de Israel”. Ver
a versão revisada em Inglês; também Edersheim, vol. 2, p. 596; comparar com
Mar. 15:32.
r. João 19:25; comparar com Mat. 27:55, 56; Mar. 15:40, 41; Luc. 23:48, 49. Ver
Nota 6, no final do capítulo.
s. Ver as últimas referências citadas; e Luc. 8:2, 3; também página 256 deste.
y. D&C 18:11; revelação dada em junho de 1829; ver também 19:16–19, e página
592 deste.
ad. Ex. 12:46; Num. 9:12; Salmos 34:20; João 19:36; 1 Cor. 5:7.
ag. João 19:34–37; comparar com Salmos 22:16, 17; Zac 12:10; Apoc 1:7.
ah. Mat. 27:57–61; Mar. 15:42, 43; Is. 42–47; Luc. 23:50–56; João 19:38–42.