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Numa outra ocasião, via-se a crônica com uma versão diferente, com novos
detalhes sobre o episódio: “Dizia-se que nesse crime os judeus seriam
cúmplices dos leprosos; por isso, muitos deles foram queimados junto com os
leprosos”. P 45. E uma terceira versão é apresentada por cronistas com mais
um personagem. Esta era proveniente de uma confissão feita por um chefe de
leprosos, o qual “declarara ter sido corrompido com dinheiro por um judeu, o
qual lhe entregara veneno para ser espalhado nas fontes e nos poços. Os
ingredientes eram sangue humano, urina, três ervas indefinidas, hóstia
consagrada – tudo desidratado, reduzido a pó e colocado em saquinhos
providos de pesos para fazê-los ir mais facilmente ao fundo. ” P. 46. A
responsabilidade aqui, era atribuída ao rei de Granada, o qual por não
conseguir vencer os cristãos, decidiram por um complô ao oferecer dinheiro
para que os judeus cometessem o ato. Estes, por se considerarem suspeitos,
reúnem chefes de leprosários, e os convence à agir contra aqueles que
permaneciam os desprezando. “Mas a conjuração fora descoberta; os leprosos
culpados, queimados; os outros, presos segundo as prescrições do édito real”
P. 46.
O autor traz a perspectiva de que a conexão entre esses grupos era antiga. E
para as pessoas comuns a tendência era relegar os dois grupos às margens da
sociedade entre os séculos XIII e XIV. “O Concílio Lateranense de 1215,
prescrevera aos judeus usar sobre as roupas um círculo, em tons de amarelo,
vermelho ou verde. Os leprosos deviam usar roupas especiais: uma capa
cinzenta ou (mais raro) preta; um boné e um capuz escarlates; por vezes, a
matraca de madeira (...) O Concílio de Nogaret (1290) decretou que levassem
um distintivo vermelho no peito ou nas costas” p. 49. Tais distinções mostram
até que ponto o estigma comum da infâmia atingia os dois grupos. “O estigma
costurado nas roupas exprimia um estranhamento profundo, sobretudo físico.
Os leprosos são fétidos, difundem o contágio (...) os leprosos são objeto de
horror porque a doença, entendida como símbolo carnal de pecado, d
Ginzburg nos diz: “Nesse processo, é claro que a tortura e as ameaças tiveram
peso decisivo. Agassa foi submetido à tortura (...) para convencê-lo a fazer tais
confissões, os juízes provavelmente se comprometeram a salvar-lhe a vida. (...)
no curso do processo, muda-se a versão de Agassa para que coincida aos
poucos com a dos juízes. ” P. 55. Neste relato, de Pamiers, em junho de 1321,
não há menção da participação de judeus, tal como no édito promulgado pelo
rei em Poitiers.
Uma carta enviada ao papa, falava sobre o que havia sido encontrado na casa
de um judeu chamado Bananias. Este, escrevia aos sarracenos declarando sua
sujeição e obediência nas propostas feitas pelo rei de Jerusalém que afirmava
que através de milagres, como a aparição de Enoque e Elias, converteram-se
ao Deus hebraico. E aos judeus ”seriam restituídas Jerusalém, Jericó e Ay; em
troca, porém, os judeus deveriam entregar aos sarracenos o reino da França e
a ilustre cidade de Paris. ” P. 58. Bananias, pois, continua dizendo: “Nós
judeus, concebemos um estratagema muito astuto: nos poços, nas fontes, nas
cisternas e nos rios, derramar pós confeccionados com ervas amargas e
sangue de répteis venenosos, para exterminar os cristãos, fazendo-nos ajudar
nessa empreitada pelos leprosos, que havíamos corrompido com ingentes
somas de dinheiro” P. 58.
Outras provas da participação dos judeus surgiram em duas cartas que o autor
nos diz terem sido escritas pela mesma mão num pergaminho. Uma do rei de
Granada, a outra do rei de Túnis. Ambas, tratavam com os judeus acerca do
complô. O possível objetivo destas, era chegar ao rei Filipe V para que se
posicionasse contra os judeus. Mais tarde, ele diria “ter feito capturar todos os
judeus de nosso reino”. Sendo preciso “interrogá-los para descobrir os
responsáveis pelo malefício e puni-los conforme a lei. ” P. 61.
“As autoridades e os juízes que pressionam para que a acusação recaia sobre
aqueles que já são candidatos a bode expiatório (...) parece previsível. A
versão das autoridades pôde difundir-se e afirmar-se porque todos os estratos
da população estavam prontos a aceitar ou até a antecipar a culpa de leprosos
e judeus. ” P. 64.
Acusações semelhantes já haviam ocorrido anos antes sempre com um chefe
inspirado pelo demônio que entravam em contato com grupos marginais e “em
todas essas narrativas, entrevê-se o temor suscitado pelo mundo desconhecido
e ameaçador que existia além dos limites da cristandade. ” P. 65. O aqui
narrado, porém, teve sua potencialidade exacerbada, de modo que os guetos,
as marcas da infâmia, o medo do contágio não era suficiente.