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FACULDADES INTEGRADAS DE BAURU


CURSO DE PSICOLOGIA

Camila Juliana Batista Nakasato


Elisa Mariana Passos de Oliveira

UMA DESCONSTRUÇÃO DA MATERNIDADE:


O mito do instinto materno

BAURU
2023
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Camila Juliana Batista Nakasato


Elisa Mariana Passos de Oliveira

UMA DESCONSTRUÇÃO DA MATERNIDADE:


O mito do instinto materno

Trabalho bimestral da disciplina de psicologia


social I, do curso de psicologia da Faculdades
Integradas de Bauru, como parte do material
de avaliação para a determinação da nota
bimestral.

Orientador: Prof. João Paulo Martins.

BAURU
2023
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SUMÁRIO
1. A MATERNIDADE EM UMA PERSPECTIVA
HISTÓRICA……..................................................................................………………4
2. INFLUÊNCIAS DO MITO DO INSTINTO MATERNO NA MULHER……….
………..……………………………………………………………6
3. MATERNIDADE E MATERNAGEM………..................................
………………………………….…...7
4. REFERÊNCIAS………………………………………………………………………8
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METODOLOGIA: Para a produção desse documento foram utilizados como base de dados a
literatura dos textos “A injunção social da maternagem e a violência”, “O ‘instinto materno’
como uma construção de gênero: Discussões sobre o desejo de amamentar”, “Maternidade e
formas de maternagem desde a idade média à atualidade”, “O consentimento do cônjuge
como condição para realização de laqueadura no Brasil: Violação da autonomia sobre o corpo
e do direito ao livre planejamento familiar” e “A dupla jornada de trabalho feminino:
Realidade, implicações e perspectivas”. Também se recorreu aos materiais digitais da matéria
de Psicologia Social produzidos pelo Prof. João Paulo Martins, disponibilizados na
plataforma Teams. Em adição, foram utilizadas as anotações realizadas durante as aulas de
Psicologia Social, do curso de psicologia da instituição Faculdades Integradas de Bauru.

A MATERNIDADE EM UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

O papel materno na sociedade atual é colocado às mulheres como uma função


intrínseca à sua natureza, somado a outras responsabilidades culturalmente designadas ao
feminino, como o casamento e as atividades domésticas, sendo acreditado que a designação
biológica da mulher à maternidade é ancestral e incontestável. Dessa forma, o conceito de
mãe contém uma ampla gama de deveres impostos culturalmente e envolve a mistificação da
figura materna, na qual a mulher que possui filhos é capaz de resistir perante qualquer
dificuldade e ser a fonte da solução dos problemas parentais. Além disso, é relevante destacar
que mesmo que a distribuição de deveres sociais por gênero tenha sofrido modificações ao
longo da história, o processo de inclusão do masculino nas atividades domésticas e no cuidado
dos filhos ainda não alcança um status de equidade. A sobrecarga de deveres sobre a mulher
em contexto familiar é agravada em famílias mais vulneráveis expostas a problemáticas
econômicas, sociais e políticas (BALUTA, et al. 2019).
A romantização da maternidade que persiste na cultura brasileira tem a sua
continuidade fundamentada no mito do instinto materno, um impulso que orienta o desejo de
todas as mulheres à maternidade, assim como a forma como devem se comportar, além de
legitimar o papel de mãe como o único elemento constituinte da identidade feminina capaz de
tornar a mulher completa. Contudo, ao analisar o assunto por meio de uma perspectiva sócio-
histórica, tal instinto deixa de ter um caráter de determinação biológica e passa a ser
entendido como uma construção social de gênero que está sujeita a cultura da sociedade em
que é desenvolvida, assim como a maternidade pode ser vista envolvida em relações sócio-
políticas que vão além da interação mãe e filho. Sendo assim, é necessário a desconstrução do
conceito de mãe com um estudo retroativo histórico, de modo a identificar como a
caracterização da maternidade se modificou ao longo do tempo, envolta em diferentes
contextos culturais e também para compreender melhor as novas configurações familiares da
atualidade (CALAFATE, 2014).
É importante salientar que nem sempre a maternidade esteve atrelada à maternagem,
ou seja, ao desenvolvimento de um vínculo afetivo entre a mãe e o filho, com a
responsabilidade de cuidado, carinho, atenção e direcionamento educacional. Isso ocorre
porque os valores relacionados ao papel da mulher como mãe mudam de acordo com a
cultura, assim como a forma como a sociedade enxerga os filhos. É possível observar tal
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inconstância ao estudar a perspectiva social sobre a maternidade no período da Idade Média,


compreendida entre o século V e a metade do século XV, na qual a ideia de maternagem não
existia e a constituição familiar tinha como base, em suma, os interesses econômicos, de
forma que a maternidade não era valorizada e tanto as mães quanto as crianças eram inferiores
e de pouca relevância. A falta do que se conceitua como amor materno se dava em
decorrência da imagem da criança como um pequeno adulto, que, portanto, não teria a
necessidade de um tratamento diferente, além de que tal comportamento emocional não era
estimulado devido à alta taxa de mortalidade nos primeiros anos de vida dos filhos.
Atividades como o infanticídio, o assassinato do filho pela mãe, e o abandono de crianças
também eram frequentes (GRADVOHL, et al. 2014).
No período demarcado entre os séculos XVII e XIX, tem-se um contexto de avanço do
capitalismo e da burguesia, no qual as famílias passam a ser mais responsabilizadas pela
criação dos filhos e as atribuições a cada gênero são reforçadas. À mãe é estipulado o encargo
de cuidar dos filhos, tanto fisicamente quanto emocionalmente, surgindo a ideia da
maternagem. Assim, a imagem feminina é submetida a maternidade e ao amor incondicional
materno, e há a construção do instinto materno (GRADVOHL, et al. 2014). Esse termo foi
utilizado pela primeira vez no ano de 1762 no documento “Emílio” de Rousseau, no qual as
mães menos afetuosas são criticadas por fugirem da sua responsabilidade natural de criação e
cuidado dos filhos. Tal escrito teve grande importância para o início da imposição do amor
materno idealizado, por reforçar a concepção de que cumprir uma maternidade amorosa seja
um dever instintivo da mulher. Dessa forma, o papel materno passou a ter uma estreita relação
com o comportamento moral que perpetua até a atualidade, sendo observável no recorrente
julgamento social que produz um intenso sentimento de culpa nas mães ao não conseguirem
ou desejarem seguir certos critérios da maternidade considerados obrigatórios para uma boa
criação, como a amamentação e o total direcionamento de sua identidade a essa função
(CALAFATE, 2014).
Com o início do século XIX, a maternidade e a maternagem garantem status social
melhores para as mulheres, que são instruídas a se sacrificarem em prol dos filhos e arcar com
todas as responsabilidades relacionadas a família e ao lar. Essa valorização intensificou na
Europa pós primeira guerra, já que os países haviam sofrido um grande decréscimo numérico
populacional e os governos iriam se beneficiar com o aumento da natalidade. Nesse contexto,
a maternidade é convertida em uma obrigação patriota com a responsabilidade de gerar novos
cidadãos para salvar o país sendo das mulheres. Assim, ser mãe passa a ser um papel imposto
socialmente e aquelas que não quisessem o cumprir seriam duramente julgadas, o que gerou
nelas o sentimento de inadequação social. No século XX e XXI, a pressão social para a
maternidade é cada vez mais contestada com o surgimento de movimentos feministas
contrários à desigualdade de gênero, sendo parte deles defensores da livre escolha de se tornar
mãe, com uma maior autonomia da mulher sobre a própria reprodução, além da oposição a
ideia de instinto materno (GRADVOHL, et al. 2014). Em 1985, a filósofa e historiadora
francesa Elisabeth Badinter publicou o livro “Um Amor Conquistado: o Mito do Amor
Materno”, no qual apresenta uma avaliação acerca do amor materno contrária aquela
transmitida culturalmente, caracterizando-o como imperfeito, inconstante e vulnerável. Nele o
amor da mãe pelo filho não é visto como instintivo, ou seja, que faz parte da natureza
feminina e que, portanto, permite que a mulher possua todas as respostas para as dificuldades
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da maternidade de modo inato. Para a autora, o instinto materno é irreal, conceituando o amor
como uma escolha circunstancial, dependente das condições vividas e possuídas pela mãe
(BALUTA, et al. 2019).

INFLUÊNCIAS DO MITO DO INSTINTO MATERNO NA MULHER

Na hodiernidade, é cada vez mais comum que muitas mulheres optem por não ter
filhos ou adiar a maternidade para focar em suas carreiras, o que reflete uma mudança na
percepção social acerca do papel feminino na sociedade ao ir além da ideia tradicional da
maternidade como o destino natural de todas as mulheres. Porém, mesmo com o avanço dos
movimentos feministas e diversas transformações culturais, muitas mulheres ainda sofrem
com as persistentes pressões sociais e expectativas em relação à maternidade. Esse cenário
pode ser observado na presente idealização do papel materno disseminado na sociedade, que
estabelece a promessa da maternidade a todas as mulheres junto a função de educadora
dedicada e amorosa, responsável pelo cuidado e formação dos filhos. As consequências dessa
projeção social do instinto materno na saúde emocional das mulheres podem ser diversas,
como o sentimento de culpa, autocrítica, estresse, ansiedade e consequentemente a diminuição
da autoestima (GRADVOHL, et al. 2014). As mulheres podem se sentir ainda
sobrecarregadas e sob pressão constante para corresponder a um ideal inatingível de
maternidade. Tal desgaste é reforçado ao ser analisado inserido em uma sociedade capitalista,
na qual os deveres familiares dividem espaço com o trabalho remunerado que muitas
mulheres realizam fora de casa, na chamada dupla jornada de trabalho. A prática do serviço
externo ao lar, além de possibilitar uma independência financeira, também permite à mulher
estabelecer outras características de sua identidade que não a maternidade, contudo, devido a
maior parte da demanda domiciliar ser direcionada às mulheres, o período de trabalho se torna
infindável e exaustivo. Essa sobrecarga pode ser vista desde a inserção das mulheres no
mercado de trabalho que passou a ser mais intensa no século XIX em decorrência do
desenvolvimento industrial nas cidades e dos movimentos feministas que buscavam pelo
direito ao trabalho e à educação. O dever da maternidade perfeita, trazido pelo instinto
materno, junto a constante necessidade feminina de se reafirmar e ser valorizada no mercado
de trabalho em resistência às desigualdades de gênero presentes no âmbito profissional, são
fatores contribuintes aos índices de adoecimento psíquico e físico das mulheres
contemporâneas (SIQUEIRA, 2016).
A expectativa pela maternidade pode se manifestar sobre a mulher de várias maneiras,
como por meio de pressões familiares, expectativas culturais e influências sociais. A projeção
social do instinto materno pode ainda acarretar a redução da identidade da mulher apenas à
maternidade, comprometendo de maneira prejudicial outros aspectos de suas vidas, como
carreira, interesses pessoais e relacionamentos. Essa idealização pode levar as mulheres a se
sentirem coagidas a se encaixar nesse papel, mesmo que não seja o que desejam, já que
aquelas que optam por não ter filhos ou que não podem os ter enfrentam uma constante
estigmatização e invalidação social (GRADVOHL, et al. 2014). Outro reflexo da imposição
do suposto impulso à maternidade, é a diminuição da autonomia que a mulher possui sobre o
próprio corpo. Esse impacto é exemplificado neste trabalho por meio da Lei do Planejamento
Familiar, lei 9.263 de 1996, antes de sua modificação em 2023. Ela estabelece as diretrizes
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para a realização do processo de laqueadura no Brasil, como por exemplo a necessidade do


consentimento do cônjuge para a realização do procedimento e pelo menos dois filhos vivos
se a mulher tiver menos de 25 anos. A lei acaba por priorizar o papel materno em detrimento
da autonomia reprodutiva da mulher, que tem a escolha da esterilização voluntária de seu
próprio corpo dependente da autorização masculina e restringe as opções médicas para
aquelas mulheres que não desejam ser mães (LEITE, 2017).

MATERNIDADE E MATERNAGEM

Nos últimos séculos, o campo da psicologia e da sociologia tem explorado mais


profundamente as questões relacionadas à maternagem, incluindo seu impacto no
desenvolvimento infantil, a importância dos vínculos afetivos e a influência das práticas
parentais na vida das crianças. O conceito de maternagem está intrinsecamente ligado à
existência das relações de cuidado e criação entre adultos e crianças ao longo da história,
podendo esses cuidadores serem tanto as mães biológicas, como também outros membros da
família, como avós, tias e irmãs, além de figuras comunitárias, como amas de leite, padrinhos,
madrinhas e vizinhos. Por se referir a ação do cuidado, não é dependente de relações
biológicas, instintos ou dons inatos e de tal forma qualquer indivíduo pode escolher maternar
outro. Por outro lado, a maternidade é um termo que se refere à condição, experiência ou
estado de ser mãe e envolve não apenas o aspecto biológico da reprodução. Na sociedade
atual, a maternidade é constituída por obrigações, responsabilidades e deveres emocionais,
sociais e legais associados à criação e cuidado de uma criança. Há a obrigação social do amor
e de sua pratica de forma incondicional, muitas vezes de modo a causar a anulação da mulher
enquanto qualquer outro papel que não o materno (GRADVOHL, et al. 2014).
Quando a maternidade é analisada por uma perspectiva sócio-crítica e relacionada ao
aspecto da maternagem, depreende-se que socialmente os dois conceitos tratados como co-
dependentes, são na realidade passíveis de pleno desenvolvimento de forma separada. Isso é
possível, pois qualquer pessoa pode exercer a maternagem, já que a ação do cuidado não é
dependente de relações biológicas, estados, instintos ou dons inatos e assim os indivíduos
podem escolher maternar outro. Desse modo, pode-se considerar que não é o amor materno
que leva as mães a cumprirem os seus deveres maternos, mas na realidade esses
comportamentos são muito mais influenciados pelo presente sentimento de obrigatoriedade
vinculado à adoção de valores sociais, morais e religiosos. Portanto, as mulheres que possuem
filhos têm como opção a ação de cuidar e amar seus filhos, um sentimento que por não ser
inato é construído durante o desenvolvimento da relação materna. O amor ao ser visto como
uma escolha circunstancial permite a desmistificação da imagem materna, que por muito
tempo foi colocada em uma posição santificada e imperturbável (BALUTA, et al. 2017).

REFERÊNCIAS

BALUTA, M.C, et al. A injunção social da maternagem e a violência. Revista de Estudos


Feministas. Florianópolis, Brasil, V. 27(2), 2019. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/ref/a/FyKrFxRTTBCVQ36GPcYm53y/abstract/?lang=pt>. Acesso
em: 15 maio. 2023.
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CALAFATE, J.M.S. O “instinto materno” como uma construção de gênero: Discussões sobre
o desejo de amamentar. Dissertação (Pós-graduação) - Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Tocantins, Palmas - TO, 2014. 119f.

GRADVOHL, et al. Maternidade e formas de maternagem desde a idade média à atualidade.


Pensando famílias. Porta Alegre, Brasil, V.18, n.1, jun. 2014. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2014000100006>.
Acesso em: 15 maio. 2023.

LEITE, V.C. O consentimento do cônjuge como condição para realização de laqueadura no


Brasil: Violação da autonomia sobre o corpo e do direito ao livre planejamento familiar.
Dissertação - Monografia de conclusão de curso, Faculdade de direito, Universidade do
extremo sul catarinense, Criciúma, Brasil, 2017. Disponível em:
<http://repositorio.unesc.net/handle/1/6099>. Acesso em: 15 maio. 2023.

SIQUEIRA, O.M. A dupla jornada de trabalho feminino: Realidade, implicações e


perspectivas. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em História,
da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUC, Goiânia, Brasil, 2016. Disponível em:
<http://tede2.pucgoias.edu.br:8080/handle/tede/3614>. Acesso em: 15 maio. 2023.

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