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Saúde Coletiva

ISSN: 1806-3365
editorial@saudecoletiva.com.br
Editorial Bolina
Brasil

Berger, Mirela
Corpo e identidade feminina - Parte II - corpo massacrado: os distúrbios alimentares
Saúde Coletiva, vol. 5, núm. 21, maio/junho, 2008, pp. 94-98
Editorial Bolina
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=84252107

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antropologia e saúde
Berger M. Corpo e identidade feminina - Parte II - corpo massacrado: os distúrbios alimentares

Corpo e identidade feminina - Parte


II - corpo massacrado: os distúrbios
alimentares
este artigo será dividido em três partes e foi extraído da tese de doutorado intitulada: “corpo e identidade Fem
na” defendida em 2006, no programa de pós-graduação em antropologia social (ppgas) da Faculdade de Filo
letras e ciências Humanas (FFlcH) da Universidade de são paulo (Usp), sob a orientação do prof. dr. renat
silva Queiroz.

O artigo aponta os referenciais históricos e simbólicos que orientam o culto à magreza e, em especial, as influências da
e da mídia neste processo.
Descritores: Anorexia, Bulimia, Moda e mídia.

The article points the historical and symbolic references that guide the cult to the thinness and, especially, the influences o
fashion and of the media in this process.
Descriptors: Anorexy, Bulimy, Fashion and media.

El artículo apunta los referenciales históricos y simbólicos que guía el culto a la delgadez y, sobretodo, las influencias
moda y de los medios de comunicación en este proceso.
Descriptores: Anorexia, Bulimia, Moda y medios de comunicación.

indissociável do ingresso feminino no mundo do exercício f


Mirela berger: Cientista Social. Mestre e Doutora em seja sobre bicicletas, nas quadras de tênis, nas aulas de d
Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Docente e isto já nos anos de 1920. O corpo deveria ser esbelto, l
da Universidade Federal do Espírito Santo. delicado. Inicia-se a perseguição e desprestígio do embon
mirelaberger@bol.com.br - os quilos a mais, ainda que discretos. Começa-se a fas
cultura lipófoba, o horror a tudo que é mole, relaxado, go
sobre os obesos recairá uma suspeita e um estigma moral2
Recebido: 20/01/2008 “a fonte principal do paradoxo é que a imagem do g
Aprovado: 25/05/ 2008 é profundamente ambivalente (...). Através de nossos c
passamos significados corporais muito profundos. Um
mais importantes é o seguinte: a corpulência traduz aos
de todos a parte de comida que nós nos atribuímos, i
introdUçÃo simbolicamente, a parte que tomamos para nós, legitimam

O bservou-se no artigo anterior que a obtenção de um corpo


magro e malhado é central no processo de construção da
identidade entre mulheres urbanas de classe média-alta. Resta
ou não, na distribuição da riqueza social. Nosso corpo
signo imediatamente interpretável por todos de nossa ad
ao vínculo social, de nossa lealdade às regras de distrib
agora, entender melhor quais os referenciais simbólicos e sociais e reciprocidade. Uma suspeita pesa, portanto, sobre os go
que orientam a cultura da magreza e da boa forma. Mas se não podem emagrecer, eles têm uma possibilidad
O culto à magreza inicia-se já nos primórdios do século XX, se redimir desta suspeita: precisam proceder a uma espéc
embora se potencialize a partir da metade do mesmo e tenha restituição simbólica, aceitando desempenhar os papéis s
seu auge a partir dos anos de 1980, momento em que o culto que se esperam deles”.
ao corpo e os modelos corporais a ele associados ganham maior Em vez de vítimas de suas glândulas e de sua hereditarie
visibilidade, inclusive, por influência direta da mídia. o que se revela é que na maioria dos casos eles são vistos
Para Perrot1, a mulher magra foi mais do que uma moda, foi os únicos culpados por sua condição, pois a gordura está l
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mais ainda se ele servir ao fim, hoje nobre, da construção do e flácidos nos aparecem hoje como displicentes. A sensibil
corpo perfeito. Sobre o gordo recai o estigma de ser sedentário. é rejeitá-los. Num tempo onde ser belo é um imperativo e
Isto, numa cultura que tem valorizado ao extremo a atividade passa pelo esforço do indivíduo, recusar-se ou não poder ad
física, só faz aumentar a culpa sobre o gordo. isso aparece aos nossos olhos como falta de caráter.
Vale lembrar que Rodrigues4, ao discutir as mudanças Na pesquisa em questão, várias mulheres citaram
de sensibilidade da Idade Média para a Idade Moderna, já discriminação sobre o gordo, como mostra o depoime
alertava que: seguir:
“Os seres bem apessoados, os homens limpos, banhados, “Olha é muito difícil, a sociedade condena as pessoa
penteados, os indivíduos atentos aos detalhes de seus corpos do padrão. Tanto que existe até um trabalho aí, com cri
começaram, de modo cada vez mais intenso e sofisticado, a ser obesas, que eles tinham cartas, uma era de paraplégico, ou
considerados também como pessoas confiáveis e aproximáveis, débil-mental e uma carta de obesa e as crianças na faixa d
como gente com quem fosse possível fazer amizades, como anos tinham que ler e escolher quem eles queriam que não
seres a quem se pudessem abrir as portas, com quem fosse o seu amigo. O maior número de crianças escolheu o o
admissível partilhar refeições, casar, negociar... Em razão dos Então a obesidade é um fator limitante, isto com criança
desdobramentos dessa história, estamos hoje fadados a reagir não tem conhecimento e não estão contaminadas com
visceralmente, com asco mesmo, contra aqueles que discrepem que nós já temos conhecimento e já estamos contaminado
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a associaçÃo entre Magreza, o metabolismo, pode levar à mort


disciplina e Moda “O CULTO À MAGREZA INICIA-SE ruptura do estômago.
Ser magra passa a ser sinônimo de ser Também já foi ressaltado em m
ágil e de ter controle sobre o seu corpo, JÁ NOS PRIMÓRDIOS DO SÉCULO jornalística que as dietas rígida
elementos fundamentais da modernidade. XX, EMBORA SE POTENCIALIZE A partir de uma semana, podem c
E como é impossível exercitar-se com danos cerebrais irreversíveis, afe
roupas muito elaboradas, como anquinha PARTIR DA METADE DO MESMO principalmente a memória e o racioc
e espartilhos, o corpo fica mais exposto E TENHA SEU AUGE A PARTIR já que comprometem de modo
e visado do que a moda. A ditadura da versível o córtex cerebral5. Outr
moda se desloca para o corpo: moda e
DOS ANOS DE 1980, MOMENTO portagem salienta que os distú
corpo foram variando, ao longo do século EM QUE O CULTO AO CORPO E alimentares vêm alcançando ín
XX, na razão inversa, ou seja, quanto mais epidêmicos e são responsáveis
a moda se pluralizava em diversos estilos
OS MODELOS CORPORAIS A ELE maior número de mortes entre
e tendências, mais o corpo se fixava em ASSOCIADOS GANHAM MAIOR os distúrbios psíquicos conhec
um novo ideal, o da magreza. Ao longo VISIBILIDADE, INCLUSIVE, POR Em cada grupo de 10 pessoas doe
do século XX, esta tendência é crescente. uma se suicida ou morre em virtud
Década após década o padrão de magreza INFLUÊNCIA DIRETA DA MÍDIA” parada cardíaca e desnutrição. A ma
é mais exigente. As estrelas do cinema dos dos pacientes vitimados pela ano
anos 40/50 são mais gordas, mais redondas nervosa evita alimentar-se em púb
do que as da era Twigg, e pós anos 60, mais retilíneas. além disto contabiliza as calorias das refeições, faz exerc
Mas, por que se cultua a magreza? Para as entrevistadas, a compulsivamente e mantém o peso corporal bem baix
grande vilã é a moda. A ela atribuem a redução do tamanho das perigo está no fato da pessoa portadora de anorexia enx
roupas, gerando a necessidade da magreza extrema, bem como se de forma distorcida, achando-se sempre gorda.
o fato de que a roupa tem que aparecer mais que a mulher que As mulheres vitimadas pela anorexia nervosa são adolesce
a veste, que acaba sendo um mero cabide ambulante. Associa- de classe social mais alta e apresentam características p
se magreza à elegância e elegância à alta costura. Tudo com o lógicas como ansiedade, depressão, descontrole emocio
incentivo da mídia e do capitalismo, que, ávidos por aumentar físico, intolerância à frustração, humor lábil e baixa auto-es
os lucros, vendem não apenas imagens e produtos, mas o Para ela as causas do distúrbio são múltiplas, incluindo fa
próprio corpo, que pode ser comprado graças aos investimentos ambientais, genéticos e, sobretudo, comportamentais. A pr
em alimentação, cirurgia plástica, malhação, entre outros: de uma sociedade cada vez mais competitiva, o estre
“É a própria mídia, mulher tem que ser muito magra, por experiências de vida traumáticas, associadas ao culto do c
que que a manequim é magra? Por que é onde tudo começou. perfeito, têm levado muita gente, a maioria mulheres, a ma
Se a gente for analisar as mulheres, o padrão de beleza seu organismo, seja passando fome ou comendo em exces
feminino, é horrível, não tem nada de frente, nada de costas, Uma pesquisa norte-americana indica que entr
mas porque que elas têm que ser assim? Para poder aparecer a universitárias, 30% sofrem deste mal. Afirma-se que os
roupa, é um cabide ambulante que tem pernas, para mostrar a de anorexia nervosa correspondem a 90,95% dos distú
roupa. A mídia começou por causa disto, na verdade ninguém alimentares registrados. No entanto, este ainda é um
estava preocupado com o padrão de beleza feminino, estava tabu: quem sofre de anorexia tende a esconder dos o
preocupado em realçar a importância de uma roupa. (...)” e a negar a si mesma a doença, muitas temem não ser
(Mulher 51, 34 anos). preendidas ou serem julgadas fúteis, já que, aos olho
Nesta busca das mulheres pela magreza, dois tipos de maioria, estariam abrindo mão da comida por meros mo
distúrbios alimentares têm entrado em cena nos nossos dias: estéticos (e isto num país de famintos não é bem visto). T
a bulimia e a anorexia. Tais distúrbios passaram a ser mais as entrevistadas apontaram para a influência da míd
conhecidos após terem afetado pessoas famosas ou que estavam disseminação do padrão corporal das modelos para o res
em evidência na mídia. A princesa Lady Diana, a princesa das mulheres8.
Victória da Suécia, uma das participantes do Big Brother Brasil Desde o início do século XX, e principalmente em suas úl
(Leika), a cantora do grupo americano “The Carperts” são alguns décadas, estabeleceu-se no imaginário o vínculo entre mag
dos exemplos mais conhecidos. beleza e felicidade, vínculo criado e recriado pela mídi
A anorexia seria um distúrbio de personalidade que se modelos são a personificação viva desta construção simb
manifesta por extrema aversão ao alimento, que resulta em e embora também passem por crises de toda natureza, irra
perda de peso que chega a ameaçar a vida e em geral ocorre uma áurea de glamour, dinheiro, parceiros bonitos, car
nas mulheres jovens. É considerada uma enfermidade histérica, oportunidade de viajar... Elas sintetizam tudo que a beleza
porém às vezes, se assemelha-se ou precede uma psicose. A oferecer em termos de sucesso e felicidade. Embora hum
mulher vitimada pela anorexia nervosa acaba obsessiva pela imperfeitas e até insatisfeitas consigo mesmas, vendem a im
magreza extrema, deixa de comer e pode vir a falecer”, enquanto da perfeição física. Não è á toa que as meninas crescem c
a bulimia leva a pessoa a ingerir em uma refeição enormes sonho de serem modelos.
quantidades de alimentos para depois, sentindo-se culpada,
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estarem perfeitas e magras. Remédios para emagrecer, que A idéia de disciplina é constante, bem como a de q
em um primeiro momento aparecem como temporários, exercício invade o mundo todo (afinal de contas, é a “malh
podem viciar e gerar desequilíbrio hormonal e mental, mundial”). Assim, não aderir a ela é questão de escolha.
desencadeando a anorexia. exemplos nos dão boa idéia do corpo imaginário, ven
mensalmente através destas (e de outras) revistas, bem c
Mídia e distúrbios alimentares da veiculação da fórmula mágica: “magreza = bele
As revistas “Boa Forma”, “Dieta Já”, “Pense leve”, “Corpo”, entre felicidade”.
outras, fazem chamadas dramáticas incitando a perda de peso;
os regimes, cada vez mais drásticos, proliferam e o controle A cobrança social pela beleza e pela magreza
alimentar é muito mais severo que no passado. Além do mais, Outro aspecto que nos auxilia a entender a preocupação
ao estamparem em suas capas mulheres que se encaixam nos a magreza é que há uma intensa cobrança social, dirigid
padrões corporais descritos, alimentam as representações do mesmo às crianças, pela aquisição deste modelo corpora
corpo “perfeito”, “bonito”, “modelo”, como se pode perceber relato de uma mãe cuja filha é um pouco mais cheinha, ilu
examinando algumas imagens. (...) A comunicação é a maior questão: “Os parentes dizem: ‘Diminui a quantidade de co
aliada e ao mesmo tempo veiculadora da utopia do corpo do prato dela’, ‘ela já tá gorda, você vai dar doces para el
perfeito9. ela só tem três anos de idade!” (Mulher 32, 33 anos)
Olhando as chamadas principais, escritas em letras maiores Diante desta tirania da magreza, podemos entender po
do que as outras, as expressões são, pela ordem das capas: mulheres com um peso “normal” se sintam gordas e queira
“Barriga sequinha”, “Magra no inverno”, “Repita conosco: livrar dos “quilos a mais” como quem se livra de um est
Vou emagrecer!”, “Você viu? Todo mundo está aumentando os Segundo uma pesquisa do Hospital das Clínicas de São P
lábios!”, “Eu quero músculos”, “Malhação Mundial”, “Última a faixa de idade de meninas vitimadas pela anorexia ca
chamada! Perca até 4 quilos em 5 dias!”, “Disciplina. Você 12-14 anos para 7-8 anos, momento em que a criança ing
têm? Quer ter? Conquiste a sua aqui”, “Mais tratamentos! Para no ensino fundamental. Isto se deve à comparação co
endurecer, secar, esculpir” “Perca 5 Kgs por mês! Com a dieta do coleguinhas e a maior capacidade de discernir os modelos
ciclo menstrual”, “Em 45 dias, 12 kgs a menos!”, “Emagreça 7 Kgs falar nos programas infantis, que também são apresentado
antes do verão.”, “Acredite: é você quem manda na sua fome!” . mulheres magras e malhadas.
Pode-se ver que nas chamadas, há denominadores comuns: Pelo canal de televisão infanto-juvenil “Cartoon Netw
o tom enfático das chamadas e prescrições só fez aumentar, à Entre as meninas, 65% são vaidosas, a ponto de só sa
semelhança do que se notou na passagem da Idade Média para de casa maquiadas e com unhas feitas. 44% delas tem
a Moderna, ao comparar-se os manuais de etiqueta. Os discursos gordinha e 14% consome produtos diet e ligh (numa
se tornaram ainda mais imperativos e só a sua simples leitura do crescimento em que a alimentação é fundamental
provoca um certo mal-estar, pois parece nos dizer que, de fato, o bom desenvolvimento da criança). Uma das entrevist
as mulheres são as únicas responsáveis por comportamentos de 11 anos diz que “todo mundo da turma repara qu
desviantes da ética da malhação e do eterno regime. alguém engorda”.
O padrão corporal é o mesmo eleito pelas entrevistadas desta Outro dado alarmante que obriga a pensar sob
pesquisa como o dominante nos círculos sociais e na mídia: responsabilidade dos meios midiáticos nos distúrbios alimen
“magra-malhada-siliconizada”. Sem barriga, não muito é que as interessadas em perder peso rapidamente pode
musculosa, mas com tônus muscular, seios grandes, bumbum valer da internet, rede em que há comunidades que não ap
empinado, cabelos bem tratados, rosto jovem. incentivam a perda de peso, mas defendem a bulimia e a ano
como um estilo de vida e fornecem d
tais como:
“não comece a tentar vomitar us
toda a mão, basta o dedo bem f
na garganta”; “Você não deve c
sem se sentir culpada”; “Você não
comer algo que engorda sem se
depois”; “Ser magra é mais impo
que ser saudável”; “Você nunca
magra demais. Ser magra é a coisa
importante do mundo”...
Há até apelidos carinhosos pa
doenças: a anorexia é chamada de “A
a bulimia, de “Mia”. Segundo duas re
que divulgaram a existência destes
“IstoÉ” (25/10/2002) e “Veja” (11/02/2
estima-se que no Brasil bulimia e ano
afetem 100.000 adolescentes, dos
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consideraçÕes Finais Percebe-se nas duas falas acima


Dentre as mulheres pesquisadas neste relação com a comida, para portador
estudo, 10% assumiram ter anorexia ou “É POSSÍVEL QUE O QUE EXPLICA distúrbio alimentar, é marcada por ang
bulimia, ao passo que 56% conhecem e até por depressão, configurand
alguém com estes distúrbios:
OS DISTÚRBIOS ALIMENTARES como uma negação da vida,
“Eu já sabia que tinha anorexia há anos, SEJA A EXISTÊNCIA DE RÍGIDOS totalmente oposta a dos medievais. C
mas demorei a aceitar o diagnóstico. Só MODELOS CORPORAIS, DA destacou Bakhtin10: “Uma refeição
parei de tomar anfetaminas quando fiquei poderia ser triste. Tristeza e comid
perto do infarto. Vivia doente, recusava ASSOCIAÇÃO ENTRE MAGREZA E incompatíveis”. Em vez do ato de c
qualquer comida, praticamente vivia de FELICIDADE, DA NECESSIDADE DE constituir-se como uma forma de enc
água. Cheguei a pesar 42 kgs, mas me do homem com o mundo, passa a
achava gorda, queria mais remédio, queria ACEITAÇÃO QUE SE TEM, E QUE NO negação do prazer (e do próprio mu
malhar muito mais, mas não tinha forças. ÂMAGO SE PARTILHA” em função de ideais estéticos.
Todos diziam que eu estava horrível A escolaridade não se mo
de magra e muitas amigas ameaçavam determinante entre as mulheres ví
me internar. Mas eu não via. Hoje estou de distúrbio alimentar. Ao contrári
sem remédios, mas isto é uma faca de que postula o senso comum, a ano
dois gumes: se por um lado a respiração e a bulimia não resultam da fal
melhorou, a comida diminuiu ainda mais escolaridade e de informação, muito
porque sem os remédios, corro mais risco contrário. Todas as mulheres pesqui
de engordar e é difícil manter 44 quilos...” tinham nível superior em fase fin
(Mulher 68, 34 anos) completo e duas possuíam pós-gradu
“Sim, é muito triste. Era uma amiga Três são da área biológica (nutriç
minha que nem era gorda, era assim, educação física). Duas não est
normal, só que ela começou a pensar que trabalhando no momento da pesq
ela tava gorda, começou a emagrecer, embora sejam formadas. São mul
a fazer regimes malucos. Hoje ela tem a atuantes, que lêem, estão no me
minha altura [1,67] e ela não pesa 40 Kgs de trabalho, têm acesso à informaç
e dá vergonha, antes ela ser o que ela era antes do que hoje, as maioria ganha bem (acima de RS 5.000,00), mas isto tam
pessoas olham pra ela e dizem ‘nossa , que menina feia’, horrível, não é determinante, pois outras duas se situam abaixo
chega assim, a pele grudar no osso, horrível. Começou por patamar. Então o que faz com que uma mulher enverede po
motivos estéticos, porque ela achou que não tava tão bonita, caminho tão tortuoso?
tão magra quanto ela queria ser.” (Mulher 41, 19 anos) É possível que o que explica os distúrbios alimentare
Os dados de distúrbios alimentares não compreendem apenas a existência de rígidos modelos corporais, da associação
os distúrbios anorexia e bulimia. Não entraram na estatística e magreza e felicidade, da necessidade de aceitação que se t
nem foram analisados os depoimentos relativos à compulsão que no âmago se partilha. Se há perigos no processo de cu
alimentar. Curiosamente, as entrevistadas relutaram em assumir corpo, também há seduções... Sentir-se bela, desejada, olh
este distúrbio (só uma entrevistada afirmou tê-lo), matizando-o Sem falar na sensação positiva de controle sobre as pu
por expressões como “às vezes eu como demais”, ou “eu fico dentre elas, a fome, controle este que é apregoado como
ansiosa e como”. Ficou, portanto, mais difícil estabelecer, sem vitória do espírito sobre o corpo.
indicação das entrevistadas, as fronteiras entre sair da dieta e Mas, é claro que tudo isso é contraditório, pois somos tão
entrar em quadro de compulsão alimentar. Numa época de que controlamos um impulso biológico – comer - mas tão f
rígidas coerções sobre dietas, é mais fácil para as entrevistadas que mergulhamos de cabeça nas coerções estéticas de nossa é
assumirem que comem menos do que deveriam, ou que vomitam e ficamos chafurdando no limbo, até que com muito esfo
o que comem, do que assumir que comem demais. tratamento algumas conseguem alterar sua percepção do mu
de si mesmas e se salvam, enquanto outras morrem.

Referências
1. Perrot M. As Mulheres ou os Silêncios 4. Funchal RZ.Neutrino do tau é em foco: condicionantes culturais e 9. Berger M. Corpo e Identidade Fem
da História. São Paulo: EDUSC; 2005. observada hoje.Ciência Hoje 2000 set psicobiológicos na definição da estética - Parte 1. Saíude Coletiva, 2008; 5
2. Perrot M. Mulheres Públicas. São ;28(164):52-53. corporal”. In: Queiroz RS. org. O Corpo 61-66.
Paulo: Unesp; 1998. 5. Rodrigues J. Tabu do Corpo. Rio de do Brasileiro: estudos de beleza e 10. Bakthin M. A cultura popula
3. Lipovestsky G. “Le boom de lá Janeiro: Achiamé; 1983. estética. São Paulo: Senac; 2000. idade Média e no renascimento
beauté”. In:______ La Troisième 6. Kalil ML. Jornal Folha de São Paulo, 8. Bakthin M. A cultura popular na idade contexto de François Rabelais.
Femme: Permanence et Revolution du São Paulo; 2000. Média e no renascimento: o contexto de Paulo/Hucitec, Brasília/Editora da U

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