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ISSN: 1806-3365
editorial@saudecoletiva.com.br
Editorial Bolina
Brasil
Berger, Mirela
Corpo e identidade feminina - Parte II - corpo massacrado: os distúrbios alimentares
Saúde Coletiva, vol. 5, núm. 21, maio/junho, 2008, pp. 94-98
Editorial Bolina
São Paulo, Brasil
O artigo aponta os referenciais históricos e simbólicos que orientam o culto à magreza e, em especial, as influências da
e da mídia neste processo.
Descritores: Anorexia, Bulimia, Moda e mídia.
The article points the historical and symbolic references that guide the cult to the thinness and, especially, the influences o
fashion and of the media in this process.
Descriptors: Anorexy, Bulimy, Fashion and media.
El artículo apunta los referenciales históricos y simbólicos que guía el culto a la delgadez y, sobretodo, las influencias
moda y de los medios de comunicación en este proceso.
Descriptores: Anorexia, Bulimia, Moda y medios de comunicación.
mais ainda se ele servir ao fim, hoje nobre, da construção do e flácidos nos aparecem hoje como displicentes. A sensibil
corpo perfeito. Sobre o gordo recai o estigma de ser sedentário. é rejeitá-los. Num tempo onde ser belo é um imperativo e
Isto, numa cultura que tem valorizado ao extremo a atividade passa pelo esforço do indivíduo, recusar-se ou não poder ad
física, só faz aumentar a culpa sobre o gordo. isso aparece aos nossos olhos como falta de caráter.
Vale lembrar que Rodrigues4, ao discutir as mudanças Na pesquisa em questão, várias mulheres citaram
de sensibilidade da Idade Média para a Idade Moderna, já discriminação sobre o gordo, como mostra o depoime
alertava que: seguir:
“Os seres bem apessoados, os homens limpos, banhados, “Olha é muito difícil, a sociedade condena as pessoa
penteados, os indivíduos atentos aos detalhes de seus corpos do padrão. Tanto que existe até um trabalho aí, com cri
começaram, de modo cada vez mais intenso e sofisticado, a ser obesas, que eles tinham cartas, uma era de paraplégico, ou
considerados também como pessoas confiáveis e aproximáveis, débil-mental e uma carta de obesa e as crianças na faixa d
como gente com quem fosse possível fazer amizades, como anos tinham que ler e escolher quem eles queriam que não
seres a quem se pudessem abrir as portas, com quem fosse o seu amigo. O maior número de crianças escolheu o o
admissível partilhar refeições, casar, negociar... Em razão dos Então a obesidade é um fator limitante, isto com criança
desdobramentos dessa história, estamos hoje fadados a reagir não tem conhecimento e não estão contaminadas com
visceralmente, com asco mesmo, contra aqueles que discrepem que nós já temos conhecimento e já estamos contaminado
antropologia e saúde
Berger M. Corpo e identidade feminina - Parte II - corpo massacrado: os distúrbios alimentares
estarem perfeitas e magras. Remédios para emagrecer, que A idéia de disciplina é constante, bem como a de q
em um primeiro momento aparecem como temporários, exercício invade o mundo todo (afinal de contas, é a “malh
podem viciar e gerar desequilíbrio hormonal e mental, mundial”). Assim, não aderir a ela é questão de escolha.
desencadeando a anorexia. exemplos nos dão boa idéia do corpo imaginário, ven
mensalmente através destas (e de outras) revistas, bem c
Mídia e distúrbios alimentares da veiculação da fórmula mágica: “magreza = bele
As revistas “Boa Forma”, “Dieta Já”, “Pense leve”, “Corpo”, entre felicidade”.
outras, fazem chamadas dramáticas incitando a perda de peso;
os regimes, cada vez mais drásticos, proliferam e o controle A cobrança social pela beleza e pela magreza
alimentar é muito mais severo que no passado. Além do mais, Outro aspecto que nos auxilia a entender a preocupação
ao estamparem em suas capas mulheres que se encaixam nos a magreza é que há uma intensa cobrança social, dirigid
padrões corporais descritos, alimentam as representações do mesmo às crianças, pela aquisição deste modelo corpora
corpo “perfeito”, “bonito”, “modelo”, como se pode perceber relato de uma mãe cuja filha é um pouco mais cheinha, ilu
examinando algumas imagens. (...) A comunicação é a maior questão: “Os parentes dizem: ‘Diminui a quantidade de co
aliada e ao mesmo tempo veiculadora da utopia do corpo do prato dela’, ‘ela já tá gorda, você vai dar doces para el
perfeito9. ela só tem três anos de idade!” (Mulher 32, 33 anos)
Olhando as chamadas principais, escritas em letras maiores Diante desta tirania da magreza, podemos entender po
do que as outras, as expressões são, pela ordem das capas: mulheres com um peso “normal” se sintam gordas e queira
“Barriga sequinha”, “Magra no inverno”, “Repita conosco: livrar dos “quilos a mais” como quem se livra de um est
Vou emagrecer!”, “Você viu? Todo mundo está aumentando os Segundo uma pesquisa do Hospital das Clínicas de São P
lábios!”, “Eu quero músculos”, “Malhação Mundial”, “Última a faixa de idade de meninas vitimadas pela anorexia ca
chamada! Perca até 4 quilos em 5 dias!”, “Disciplina. Você 12-14 anos para 7-8 anos, momento em que a criança ing
têm? Quer ter? Conquiste a sua aqui”, “Mais tratamentos! Para no ensino fundamental. Isto se deve à comparação co
endurecer, secar, esculpir” “Perca 5 Kgs por mês! Com a dieta do coleguinhas e a maior capacidade de discernir os modelos
ciclo menstrual”, “Em 45 dias, 12 kgs a menos!”, “Emagreça 7 Kgs falar nos programas infantis, que também são apresentado
antes do verão.”, “Acredite: é você quem manda na sua fome!” . mulheres magras e malhadas.
Pode-se ver que nas chamadas, há denominadores comuns: Pelo canal de televisão infanto-juvenil “Cartoon Netw
o tom enfático das chamadas e prescrições só fez aumentar, à Entre as meninas, 65% são vaidosas, a ponto de só sa
semelhança do que se notou na passagem da Idade Média para de casa maquiadas e com unhas feitas. 44% delas tem
a Moderna, ao comparar-se os manuais de etiqueta. Os discursos gordinha e 14% consome produtos diet e ligh (numa
se tornaram ainda mais imperativos e só a sua simples leitura do crescimento em que a alimentação é fundamental
provoca um certo mal-estar, pois parece nos dizer que, de fato, o bom desenvolvimento da criança). Uma das entrevist
as mulheres são as únicas responsáveis por comportamentos de 11 anos diz que “todo mundo da turma repara qu
desviantes da ética da malhação e do eterno regime. alguém engorda”.
O padrão corporal é o mesmo eleito pelas entrevistadas desta Outro dado alarmante que obriga a pensar sob
pesquisa como o dominante nos círculos sociais e na mídia: responsabilidade dos meios midiáticos nos distúrbios alimen
“magra-malhada-siliconizada”. Sem barriga, não muito é que as interessadas em perder peso rapidamente pode
musculosa, mas com tônus muscular, seios grandes, bumbum valer da internet, rede em que há comunidades que não ap
empinado, cabelos bem tratados, rosto jovem. incentivam a perda de peso, mas defendem a bulimia e a ano
como um estilo de vida e fornecem d
tais como:
“não comece a tentar vomitar us
toda a mão, basta o dedo bem f
na garganta”; “Você não deve c
sem se sentir culpada”; “Você não
comer algo que engorda sem se
depois”; “Ser magra é mais impo
que ser saudável”; “Você nunca
magra demais. Ser magra é a coisa
importante do mundo”...
Há até apelidos carinhosos pa
doenças: a anorexia é chamada de “A
a bulimia, de “Mia”. Segundo duas re
que divulgaram a existência destes
“IstoÉ” (25/10/2002) e “Veja” (11/02/2
estima-se que no Brasil bulimia e ano
afetem 100.000 adolescentes, dos
antropologia e saúde
Berger M. Corpo e identidade feminina - Parte II - corpo massacrado: os distúrbios alimentares
Referências
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