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Volume I – Número 2 – Jan/Jun 2010

EDIÇÃO ESPECIAL
Editorial

Estimados colegas,

A Regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumato-


logia (SBOT), imbuída da missão de promover educação continuada e contando
com importante apoio de parceiros que acreditam que a melhor forma de haver
valorização profissional e respeito aos pacientes é mediante o aprimoramento
técnico-científico, reedita a Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia, com
uma nova proposta e enorme responsabilidade de ser um veículo de consulta e
atualização por meio de artigos científicos de revisão, abordando as principais
patologias que acometem o sistema musculoesquelético.
Sabemos que são muitos os desafios de manter uma revista médica, porém
é necessário repensar o pensado, buscando novas alternativas, porém visando
sempre à educação continuada, pois só por meio dela poderemos exercer a nossa
atividade com excelência.
Os artigos abordados nesta edição objetivam refletir o que há de mais recente
no conhecimento sobre estadiamento tumoral, lombalgias, fratura e pseudoar-
trose do escafoide, instabilidade anterior traumática do ombro, talalgias e trata-
DR. GILBERTO FRANCISCO BRANDÃO mento clínico da osteoartrose.
Presidente Regional Minas Gerais da SBOT

Boa leitura!

DR. MARCO ANTÔNIO


PERCOPE DE ANDRADE
Editor-chefe da Revista Mineira de
Ortopedia e Traumatologia
REVISTA MINEIRA DE ORTOPEDIA E
TRAUMATOLOGIA
Orgão oficial de circulação da Sociedade Brasileira de
SUMÁRIO Ortopedia e Traumatologia – Regional MG

3
Diretoria SBOT-MG 2010
Presidente: Dr. Gilberto Francisco Brandão
Vice-presidente: Dr. Marco Antônio Castro Veado
Tesoureiro: Dr. Wilel Almeida Benevides
Tesoureiro Adjunto: Dr. Edson Barreto Paiva
O ESTADIAMENTO DOS TUMORES ÓSSEOS Secretário Geral: Ildeu Afonso Almeida Filho
Secretário Adjunto: Dr. Rodrigo Galinari Costa Faria
Luiz Eduardo Moreira Teixeira 1SFTJEFOUFTEBT4FDDJPOBJTt/PSUFDr. Eduardo Ramos
Marques Pina, Zona da Mata: Dra. Taís de Melo Neves,
Ricardo Horta Miranda -FTUF%S%FPEPSP(POÎBMWFTtSul: Dr. João Carlos
#FMPUUJtTriângulo: Dr. Fabiano Ricardo de Tavares Canto

8
tMetropolitana: Dr. Antônio Carlos de Melo, Vertentes:
Dra. Clarissa Dumont.

Membros das Comissões


LOMBALGIA: ATUALIZAÇÃO DE CONCEITOS Comissão executiva – Delegados: Dr. Glaydson Gomes
Godinho, Dr. Marcelo Back Sternick, Dr. Marco Antônio
Jefferson Soares Leal Percope de Andrade, Dr. Roberto Sérgio de Tavares Canto, Dr.

19
Ronaldo Percopi de Andrade e Dr. Wagner Nogueira da Silva.
Comissão Científica: Dr Afrânio Donato de Freitas, Dr.
Carlos César Vassalo, Dr. Fernando Araújo Silva Lopes, Dr.
Flávio Márcio Lago e Santos, Dr. Francisco Carlos Salles
Nogueira, Dr. Lúcio Honório de Carvalho Júnior, Dr.
TALALGIAS Luiz Cláudio Moreira França, Dr. Luiz Eduardo Moreira
Teixeira, Dr. Robinson Esteves Santos Pires, Dr. Rodrigo
Fernando Araújo Silva Lopes Campos de Pace Lasmar, Dr. Rodrigo de Andrada Gandra
Peixoto e Dr. Ronald Moura Vale Mota.
Comissão de Ética e Defesa Profissional: Dr. Ary Araújo

23
Américo , Dr. Jefferson Soares Leal e Dr. Kleber Elias Tavares
Comissão de Materias e Implantes: Dr. Bruno de Castro
Queiroz, Dr. Cláudio Beling Gonçalves Soares, Dr. Marco
TRATAMENTO CONSERVADOR Antônio Ferreira Junior, Dr. Mauríco Pagy de Calais
Oliveira e Dr. Roberto Bitarães de Carvalho Costa.
DA OSTEOARTROSE Comissão de Campanhas: Dr. Ildeu Afonso de Almeida
Filho, Dr. Robinson Esteves Santos Pires e Dr. Rodrigo
Marco Antonio Percope de Andrade Galinari da Costa Faria e Dr. Wilel Almeida Benevides.
Comissão de Ensino e Treinamento: Dr. Alessandro
Thiago Idelfonso Dornellas Ulhôa Rodrigues, Dr. Alexandre Dias de Souza, Dr. André
Galdêncio Ignácio Almeida, Dr. Francisco Carlos de Salles
Túlio Vinícius de Oliveira Campos Nogueira, Dr. Antônio Barbosa Chaves, Dr. Cláudio
Beling Gonçalves Soares, Dr. Elton Luiz Ribeiro Bueno,

27
Dr. Euler de Carvalho Guedes, Dr. Gustavo Pacheco,
Dr. Leonardo Peluci Machado, Dr.Lúcio Flávio Biondi
Pinheiro Jr, Dr. Juraci Rosa de Oliveira, Dr. Marcos
Henrique Cenni, Dr. Otaviano de Oliveira Jr, Dr. Ricardo
FRATURA E PSEUDOARTROSE DO Horta Miranda, Dr. Rodrigo D’Alessando de Macedo e Dr.
Wilel Almeida Benevides
ESCAFOIDE/REVISTA MINEIRA Conselho Fiscal: Dr. Antônio Tuffi Neder Filho. Dr.
Fernando de Araujo da Silva Lopes, Dr. Rdorigo D’Alessandro
DE ORTOPEDIA de Macedo, Dr. César Junqueira Torres, Dr. Luciano Martins
Alves da Rosa e Dr. Otaviano de Oliveira Junior.
José Alexandre Reale Pereira Editor Chefe: Dr. Marco Antônio Percope de Andrade
Corpo Editorial: Dr. Antônio César Mezêncio, Dr. Carlos

39
Antônio Garrido, Dr. Carlos Fontoura Filho, Dr. Eduardo
Nilo Vasconcelos Novais, Dr. Francisco Carlos de Salles
Nogueira, Dr. Jefferson Soares Leal, Dr. Lúcio Honório de
Carvalho Júnior, Dr. Luiz Eduardo Moreira Teixeira, Dr.
INSTABILIDADE ANTERIOR Ubiratan Brum de Castro.
Consultores: Dr. Enguer Beraldo Garcia, Dr. Glaydson
TRAUMÁTICA DO OMBRO: Gomes Godinho, Dr. Guydo Marques Horta Duarte, Dr.
José Alexandre Reale Pereira, Dr. Marcelo Back Sternick,
UMA ABORDAGEM PRÁTICA Dr. Marco Antônio de Castro Veado.

DO DIAGNÓSTICO E DO TRATAMENTO Projeto editorial e gráfico:


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O estadiamento dos tumores ósseos
LUIZ EDUARDO MOREIRA TEIXEIRA
Coordenador do Ambulatório de Oncologia Ortopédica do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

RICARDO HORTA MIRANDA


Coordenador do Serviço de Oncologia Ortopédica da Santa Casa de Belo Horizonte.

Endereço para correspondência:


Luiz Eduardo M Teixeira
Avenida do Contorno 7485, Bairro Santo Antônio – Belo Horizonte
CEP: 30110120
e-mail: luizmteixeira@yahoo.com.br

RESUMO

Os tumores ósseos são um grupo heterogêneo de lesões que apresenta um com-


portamento biológico variável. A correta abordagem dessas lesões irá permitir
diagnóstico precoce, abordagem sistemática e tratamento adequado, otimizando
os resultados e o prognóstico. O sistema de Enneking é o mais usado para clas-
sificar essas lesões. Entretanto, os novos avanços no diagnóstico e tratamento
do câncer necessitam ser acrescentados a esse sistema para melhorar sua função
de determinar o prognóstico e tratamento. O objetivo deste artigo é descrever a
abordagem inicial o diagnóstico, e os sistemas de estadiamento usados para os
tumores ósseos.

Descritores: tumores ósseos, câncer, fatores prognósticos.

INTRODUÇÃO Saúde (OMS)4, de caráter apenas histoló- zado pelo American College of Radiology
Os tumores ósseos representam um gico, e o estadiamento da American Joint (ACR)4. A radiografia é um método sim-
grupo heterogêneo de lesões mesenqui- Comittee on Cancer (AJCC). Dentre esses, ples, de baixo custo, amplamente disponí-
mais, com grande diversidade de subtipos o estadiamento de Enneking et al. é o mais vel, que permite em muitos casos determi-
e comportamentos biológicos. Até os anos difundido entre os ortopedistas e o mais nar o diagnóstico e, na maioria das vezes,
de 1970, as condutas eram empíricas, com usado para guiar o tratamento cirúrgico. sugere a agressividade da lesão, orientando
resultados ruins e variavam de acordo com Portanto, foi adotado pela Musculoskeletal a propedêutica a ser seguida.
a preferência e experiência do cirurgião. Tumor Society (MSTS) como estadiamen- Após a realização da radiografia, a con-
Os resultados eram limitados, as amputa- to-padrão das neoplasias ósseas. duta irá variar de acordo com o aspecto
ções prevaleciam e as recidivas dos tumo- O objetivo deste artigo é descrever a radiográfico observado nesse exame inicial
res benignos eram frequentes. abordagem inicial dos tumores ósseos, de- e encontra-se resumida na figura 1.
Somente no início dos anos de 1980 talhar o estadiamento e abordar suas limi- Quando o exame radiográfico é nor-
que se observaram, por meio dos trabalhos tações e perspectivas futuras. mal e os sintomas do paciente desapare-
de Lodwick et al.1, Enneking et al.2 e Rosen ceram, orientações e controle clínico são
et al.3, esforços para uniformizar o diagnós- ABORDAGEM INICIAL suficientes. Entretanto, se os sintomas
tico e criar protocolos para guiar o trata- O paciente com tumor ósseo se apre- permanecem, há necessidade de com-
mento e prever o prognóstico dos tumores senta de quatro formas: achado acidental plementar a propedêutica, sugerindo-se
ósseos, em especial dos tumores malignos. durante exames, história de dor, fratura ou ressonância nuclear magnética (RNM),
Atualmente, utilizam-se o estadiamen- o achado de uma tumoração. Nesse mo- que pode mostrar lesões ocultas ou an-
to proposto por Enneking et al.3, além da mento, o primeiro exame indicado é a ra- tecipar imagens ainda não visíveis à ra-
classificação da Organização Mundial da diografia convencional, conforme preconi- diografia5.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 3


RADIOGRAFIA
SIMPLES

NORMAL NÃO AGRESSIVA – DÚVIDA


NORMAL + TUMOR AGRESSIVA
SINTOMAS CONHECIDO

TRATAMENTO
CONTROLE RNM EXAMES EXAMES
ESPECÍFICO

Figura 1. Conduta a partir do resultado do exame radiográfico na avaliação dos tumores ósseos

A segunda possibilidade é observar uma doença sistêmica ou focal. Os exames de 50% dos casos chegam ao especialista
uma lesão de características benignas em que devem ser solicitados estão resumidos antes de qualquer manipulação prévia7, 8.
que a radiografia foi suficiente para in- na tabela 16. Nos casos manipulados antes do encami-
dicar a etiologia do tumor, como fibro- Com os resultados, pode-se definir nhamento, as complicações são seis vezes
ma não ossificante ou osteoma osteoide. se a lesão é neoplásica, osteometabólica, mais frequentes e responsáveis por vários
Nesses casos, o tratamento indicado pode infecciosa ou inflamatória. As lesões neo- casos de amputação do membro6-9. A bi-
ser instituído sem a necessidade de outros plásicas poderão ser benignas, malignas ou ópsia pode ser excisional, quando toda a
exames complementares. secundárias. Nesse momento, em caso de lesão é ressecada, ou incisional, quando
A terceira situação engloba as lesões incapacidade na definição da origem da apenas um fragmento é retirado e envia-
que se apresentam ao exame radiográfico lesão, indica-se biópsia. do para estudo histopatológico. A maio-
com caráter agressivo ou aspecto duvido- ria das biópsias ósseas é incisional e pode
so, não sendo possível definir a natureza BIÓPSIA ÓSSEA ser realizada por agulhas ou via aberta.
delas. Nesses casos, propedêuticas local e A biópsia é passo essencial na con- As realizadas por agulhas apresentam a
sistêmica estão indicadas e, na maioria das dução dos tumores ósseos, em especial vantagem de ser menos agressivas e disse-
vezes, o diagnóstico só será confirmado dos tumores primários malignos. Uma minar menos a lesão, enquanto as abertas
por meio de biópsia. técnica inadequada leva a consequências oferecem ao patologista uma quantidade
Esses exames devem sempre preceder a terapêuticas e prognósticas, inviabilizan- de tecido melhor, facilitando o diagnós-
biópsia e o tratamento definitivo, mesmo do a preservação de membro ou levan- tico (Figura 2A e B). Independentemente
nos casos em que exista fratura patológica, do à disseminação sistêmica da doença. do tipo de biópsia a ser realizada (aberta
que deve ser tratada inicialmente com mé- Embora a biópsia deva ser realizada em ou por agulha), alguns preceitos devem
todos conservadores até que o diagnóstico centros de referência e pelo cirurgião que ser seguidos para não prejudicar o trata-
seja firmado. fará o procedimento definitivo, menos mento definitivo (Tabela 2)10.

EXAMES COMPLEMENTARES
Tabela 1. Exames solicitados na propedêutica dos tumores ósseos em caso de
Quando há dúvidas quanto à origem lesões de origem incerta ou suspeita de malignidade
da lesão ou se suspeita de um tumor ma-
Exames laboratoriais Exames de imagem
ligno, deve-se utilizar exames comple-
Hemograma Radiografia do osso acometido
mentares laboratoriais e de imagem. O
objetivo deles é definir se a lesão é mo- VHS, PCR, LDH Radiografia de tórax
nostótica ou poliostótica, se é agressiva ou Eletroforese de proteínas Tomografia de abdome
indolente, se existe uma origem em outros Imunofixação Tomografia de tórax
órgãos que sugiram implante secundário Fosfatase alcalina Cintilografia óssea de corpo total
e se a doença, inicialmente localizada, Hidroxiprolina urinária
disseminou para outros órgãos. Portanto, Cálcio, fósforo
dois grupos de exames são solicitados: um Paratormônio
para avaliação local e outro para avaliação PSA
sistêmica. Isso inclui exames laboratoriais Urina de rotina
e de imagem que irão mapear a lesão ob- LDH: desidrogenase lactato; PCR: proteína C reativa; PSA: antígeno prostático específico; VHS: velocidade
servada na radiografia convencional como de hemossedimentação

4 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


t efetuar os acessos sempre no sentido
A longitudinal do membro, evitando
acessos transversos;
t realizar a menor incisão possível,
mas suficiente para coletar quanti-
dade adequada de tecidos;
t evitar áreas de tecido necrótico, císti-
cas ou muito ossificadas do tumor;
t realizar hemostasia rigorosa preve-
nindo a formação de hematomas;
t utilizar a mesma perfuração criada
no osso para colher tecidos em dife-
rentes direções;
t evitar o uso de drenos. Se este for ne-
cessário, deve-se exteriorizar através
da ferida ou de modo adjacente e em
linha com a incisão;
t saber que o uso do torniquete é con-
troverso. Se utilizar torniquete pneu-
mático, não exsanguinar o membro,
o qual deve ser desinsuflado realize
hemostasia rigorosa antes de fechar
B a ferida;
t se possível, antes do fechamento da
ferida, deve-se consultar um patolo-
gista para avaliar se a amostra retira-
da é suficiente e de qualidade para o
estudo hisopatológico.

ESTADIAMENTO
Após a realização da biópsia e a defini-
ção do diagnóstico, os tumores são estadia-
dos com o objetivo de orientar o tratamen-
to e o prognóstico dos tumores. Existem
dois sistemas usados para essa finalidade:
o de Enneking et al.2 e o da AJCC11. O
primeiro é o mais utilizado, sendo adotado
pela MSTS. O sistema da AJCC baseia-se
na utilização do T (tumor), N (linfonodos)
e M (metástases). Entretanto, essa classifi-
cação foi pouco aplicada aos tumores ósse-
os, já que estes raramente apresentam dis-
seminação metastática, pela variabilidade
Figura 2. A - Agulhas utilizadas nas biópsias percutâneas; B - Aspecto clínico de histológica e pelo comportamento bioló-
uma biópsia do antebraço por via aberta. gico diferente dos carcinomas. Assim, será
abordado o estadiamento proposto por
Enneking et al2. Esse sistema foi publicado
Na biópsia adequada, deve-se: mor e deve ser ressecado em bloco em 1980 e baseia-se em características clí-
t efetuar planejamento prévio adequa- com a lesão para garantir margens nicas, de imagem e histopatológicas, deter-
do, decidindo com o patologista e o adequadas; minando o comportamento biológico da
radiologista qual a melhor região do t em casos de difícil acesso, utilizar o lesão e orientando o tratamento adequado
tumor para coletar material de boa auxílio de radioscopia ou tomografia (Figura 3).
qualidade; comptadorizada;
t realizá-la preferencialmente em t nas localizações diafisárias, facilitar a TUMORES BENIGNOS
centros de referência e pelo cirur- perfuração inicial do osso cortical com Os tumores benignos são divididos
gião responsável pela cirurgia defi- uma broca, o que torna a biópsia me- em três grupos: latentes (B1), ativos (B2)
nitiva, já que o trajeto da biópsia é nos agressiva; e agressivos (B3). Os tumores benignos
considerado contaminado pelo tu- t ser o menos traumático possível; latentes são lesões que permanecem estáti-

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 5


TUMORES
ÓSSEOS

BENIGNOS MALIGNOS

LATENTE ATIVO AGRESSIVO I II III

Figura 3. Estadiamento de Enneking et al.2 para os tumores musculoesqueléticos.

Tabela 2. Classificação dos tumores segundo a localização de acordo com divididos em intracompartimentais (A) e
Enneking et al.2 extracompartimentais (B). Compartimen-
INTRACOMPARTIMENTAL EXTRACOMPARTIMENTAL tos são regiões anatômicas que apresentam
Intracorticais Extensão extrafascial ou barreiras naturais para o crescimento do
Superficial à fáscia muscular intraóssea tumor. Quando essas barreiras são ultra-
Planos intra-fasciais Mediopé passadas ou as lesões localizam-se em re-
Raios da mão e do pé Retropé giões que não apresentam tais barreiras, os
Posterior da perna Fossa poplítea tumores são chamados de extracomparti-
Ânterolateral da perna Região inguinal mentais (Tabela 2).
Medial da coxa Extensão intrapélvica O segundo critério usado é a maligni-
Anterior da coxa Região carpal dade do tumor, que representa sua agres-
Posterior da coxa Fossa antecubital sividade histológica e seu risco de disse-
Glúteos Região periclavicular minação metastática. Os tumores foram
Face volar do antebraço Região axilar divididos em tumores de baixo grau (I),
Face dorsal do antebraço Região paraespinhal
que apresentam risco estimado de disse-
minação inferior a 25%, e tumores de alto
Anterior do braço Cabeça e pescoço
grau (II), em que o risco de metástases é
Posterior do braço Tumores inicialmente intracomparti-
Periosteais mentais, que extravasam as barreiras superior a 25%.
Periescapular anatômicas naturais O terceiro critério é a presença de me-
tástases ao diagnóstico. A metástase regio-
nal ou a distância foi utilizada no sistema
cas e apresentam cicatrização espontânea. tendem para tecidos moles. O tratamento por se tratar do principal fator prognós-
Usualmente são assintomáticas e diag- em geral é intralesional por meio de cure- tico dos tumores ósseos malignos, sendo
nosticadas acidentalmente após exames tagem (Figura 4B). separada em um grupo independente. O
realizados por outros motivos. O aspecto As lesões agressivas apresentam-se com sistema de Enneking et al.2 encontra-se
radiográfico é de uma lesão bem delimi- sintomas importantes, simulam tumores resumido na tabela 3.
tada, de padrão geográfico e esclerose ao malignos, são pouco definidas, estendem-se Apesar de o sistema de Enneking
redor. Não insuflam nem causam reação para tecidos moles e causam reação infla- ser amplamente difundido e utilizado
periosteal. Exceto se apresentarem risco matória importante. Necessitam de ressec- pela maioria dos ortopedistas há mais de
de fraturas, essas lesões não necessitam de ção marginal ou intralesional associada a duas décadas, apresenta várias limitações.
tratamento (Figura 4A). métodos adjuvantes (Figura 4C). Como foi criado antes da utilização da to-
As lesões ativas (B2) apresentam cres- mografia, da RNM e dos avanços nos mé-
cimento lento, mas progressivo, podem TUMORES MALIGNOS todos adjuvantes de tratamento, seu uso
apresentar sintomas leves ou serem diag- Enneking et al.2 utilizaram três parâ- tem se limitado à aplicação no tratamento
nosticadas por meio de uma fratura pato- metros para classificar os tumores malig- cirúrgico. O conhecimento atual de vários
lógica. Continuam bem delimitadas, mas nos: a localização, a agressividade da lesão e importantes fatores prognósticos exi-
com pouca esclerose, insuflam o osso, afi- (malignidade) e a presença de metástases. ge um estadiamento mais detalhado que
lam a cortical, mas não perfuram nem es- Quanto à localização, os tumores foram permita definir melhor o prognóstico e a

6 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Para tentar adequar esses novos fato-
A C res, a AJCC revisou seu sistema tentando
incluir o tamanho, as metástases saltitan-
tes e o padrão de metástases12. Entretanto,
tal classificação se mostrou pouco prática
e sem valor significativo em determinar o
prognóstico entre os vários subgrupos13.
As perspectivas são de adequar um
sistema simples de fácil aplicação como
o de Enneking et al.2 aos novos avanços
na propedêutica dos tumores malignos,
permitindo até a inclusão da biologia mo-
lecular e dos métodos mais avançados de
imagem como PET-scan.

REFERÊNCIAS

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Smeltzer FM, Dittrich F. Determining growth
B rates of focal lesions of bone from radiographs.
Radiology 1980; 134(3):577-83.
2. Enneking WF, Spanier SS, Goodman MA. A
system for the surgical staging of musculoskeletal
sarcoma. Clin Orthop Relat Res 1980;153:106-
20.
3. Rosen G, Marcove RC, Caparros B, Nirenberg
A, Kosloff C, Huvos AG. Primary osteogenic
sarcoma: the rationale for preoperative che-
motherapy and delayed surgery. Cancer 1979;
43(6):2163-77.
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bone: radiographic principles. In: Resnick D
(ed.). Diagnosis of bone and joint disorders Phi-
ladelphia: Saunders, 2002. p. 3745-62.
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ples. AJR 2006; 186:967-76.
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RW, Heckman JD, Court-Brown CM, Tornet-
ta P. Rockwood and Green’s fractures in adults.
Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins,
2010. p. 532-53.
7. Mankin HJ, Lange TA, Spanier SS. The hazards
of biopsy in patients with malignant primary
bone and soft tissue tumors. J Bone Joint Surg
Am. 1982; 64:1121-7.
8. Mankin HJ, Mankin CJ, Simon MA. The ha-
Figura 4. Aspecto radiográfico dos tumores benignos latentes (A), ativos (B) e zards of biopsy revisited. J Bone Joint Surg Am.
agressivos (C). 1996; 78:656-63.
9. Teixeira LEM, Araújo ID, Miranda RH, Maga-
lhães GA, Ghedini DF, Andrade MAP. Influên-
cia da manipulação prévia no tratamento e na
Tabela 3. Estadiamento de Enneking et al.2 para os tumores ósseos malignos recidiva local dos sarcomas de tecidos moles.
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IA Baixo Intracompartimental Não gfield D (eds.). Surgery for bone and soft tissue
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IB Baixo Extracompartimental Não p. 55-65.
IIA Alto Intracompartimental Não 11. Heck RK, Peabody TD, Simon MA. Staging of
IIB Alto Extracompartimental Não Primary Bone Malignancies. CA Cancer J Clin
2006;56:366-75.
III Baixo ou Alto – Sim 12. American Joint Committee on Cancer. Bone.
In: Greene FL, Page DL, Fleming ID, et al.
(eds.). AJCC cancer staging manual. New York:
Springer-Verlag, 2002. p.213-9.
aplicação dos novos tratamentos quimio- tamanho, a presença de metástases salti- 13. Heck RK, Stacy GS, Flaherty MJ, Montag AG,
Peabody TD, Simon MA. A comparison study
terápico e radioterápico11. Muitos fatores tantes, a diferenciação entre metástases of staging systems for bone sarcomas. Clin Or-
são ignorados por esse sistema, como o pulmonares ou disseminadas etc. thop Relat Res 2003;415:64-71.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 7


Lombalgia: atualização de conceitos

JEFFERSON SOARES LEAL


Coordenador do Grupo de Coluna do Serviço de Ortopedia do Biocor Instituto/Hospital das Clínicas
da Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço de correspondência: Jefferson Soares Leal


Rua Padre Rolim, 815/ 107, Santa Efigênia, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
CEP: 30130-090.
E-mail: jefferson@jeffersonleal.com.br

RESUMO

A lombalgia pode ser considerada um problema de saúde pública que consome


parcela significativa dos recursos da saúde e da seguridade social na maioria dos
países ocidentais industrializados. Afeta até 85% das pessoas no decorrer da vida,
mas a causa da dor lombar somente é identificada em uma pequena parte da po-
pulação. Exames complementares mal indicados são dispendiosos, confundem
o diagnóstico e podem induzir a tratamento desnecessário. O conhecimento da
história natural e dos mecanismos envolvidos na gênese da dor lombar é funda-
mental para a boa condução clínica. O diagnóstico dessa síndrome dolorosa é
principalmente baseado na história e no exame clínico. A chave do tratamento
consiste na educação e na eliminação dos obstáculos à recuperação funcional. A
revisão apresentada a seguir não representa uma padronização de conduta, mas
orientações gerais baseadas nas evidências disponíveis.

Palavras-chave: lombalgia, reabilitação, dor crônica, coluna.

ABSTRACT

Low back pain can be considered a public health problem that consumes a sig-
nificant portion of health resources and social security in most of Western in-
dustrialized countries. It affects up to 85% of people throughout their lives,
but the cause of pain is identified in only a small proportion of the population.
Complementary exams incorrectly indicated are expensive, can confuse the di-
agnosis and may lead to unnecessary treatment. The knowledge of the natural
history and of the mechanisms involved in the genesis of pain is fundamental to
rationale clinical management. The diagnosis of this painful syndrome is mainly
based on history and clinical examination. The key of treatment is education
and removing obstacles to functional recovery. The review presented below does
not represent standards of care, but rather evidence-based information.

Keywords: low back pain, rehabilitation, chronic pain, spine.

8 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


INTRODUÇÃO terior facilita o entendimento sobre os possí- A dor funcional é considerada uma
A lombalgia pode ser definida como veis fatores subjacentes envolvidos em cada função anormal do sistema nervoso. Não
sensação desagradável ou desconforto na grupo e ajuda na tomada da decisão do trata- se evidencia nenhum tipo de anormalida-
região inferior do dorso, que, eventual- mento, mesmo na ausência de uma causa. de física aos exames clínico geral e neuro-
mente, se estende para as nádegas1. Esti- Além da classificação temporal, a ca- lógico. A base fisiológica para a dor fun-
ma-se que até 85% das pessoas terão pelo racterização do tipo de dor é de grande cional é um aumento da sensibilidade ou
menos um episódio de dor lombar no de- importância na condução clínica. A dor hiper-reatividade do sistema sensorial que
correr da vida2-4. Felizmente, na maioria, lombar com ou sem irradiação pode ser amplifica os sintomas. Síndromes dolo-
o sintoma será transitório e autolimitado, caracterizada em quatro tipos: rosas que pertencem a essa classe são, por
com 80% dos afetados recuperando-se es- t nociceptiva; exemplo, a fibromialgia e a síndrome do
pontaneamente dentro de quatro a seis se- t inflamatória; intestino irritável15,18,19.
manas e 90%, em até 12 semanas5. Menos t neuropática;
de 10% terão sintomas crônicos ou inca- t funcional. EPIDEMIOLOGIA
pacitantes6, porém a taxa de recorrência A dor oriunda da coluna vertebral pode Nos Estados Unidos, a lombalgia é a
varia entre 25% e 70%, dependendo da ser adaptativa (nociceptiva ou inflamató- causa mais frequente de limitação da ati-
população estudada7, e causa um elevado ria), que protege o indivíduo de lesão adi- vidade em pessoas com menos de 45 anos
custo para a sociedade2. cional, ou não adaptativa (neuropática ou de idade, o segundo motivo mais comum
O termo lombalgia específica ou se- funcional), que não tem função protetora e de consulta médica, a quinta causa de in-
cundária é utilizado quando há correlação pode ser considerada uma doença em si. ternação e a terceira causa mais frequente
estabelecida entre o sintoma e alteração A dor nociceptiva é uma sensação vital para procedimentos cirúrgicos. Ativida-
anatomopatológica. A lombalgia específi- fisiológica que ocorre em situações como des laborais que envolvem movimentos
ca pode ser decorrente de doença sistêmi- trauma ou cirurgia15. É induzida por um repetitivos de levantamento de peso com
ca, infecção, trauma ou deformidade es- estímulo nocivo no tecido normal intensa flexão e rotação da coluna vertebral são fa-
trutural. Se não há correlação entre a lesão o suficiente para danificá-lo. Tem a função tores de risco para o sintoma, assim como
anatomopatológica e o quadro clínico, a de proteger o tecido de danos maiores e profissões de motorista ou de operador de
lombalgia é chamada inespecífica, primá- a dor tende a melhorar progressivamente máquinas vibratórias. Alguns estudos mos-
ria ou simplesmente lombalgia8,9. com a cicatrização tecidual. tram que pacientes com sintomas crônicos
Há uma extensa lista de doenças e A dor inflamatória caracteriza-se por tendem a estar insatisfeitos no trabalho e
condições que podem causar lombalgia, aumento da sensibilidade aos estímulos apresentam maiores taxas de divórcios, ce-
entretanto, mesmo com a utilização dos que normalmente não causariam dor. A faleias e úlceras gastrointestinais20.
avanços recentes da tecnologia diagnóstica, dor inflamatória também tem a função de Há características individuais, bem
raramente o diagnóstico causal pode ser es- proteger a parte lesada de danos adicionais como fatores relacionados às condições de
tabelecido com segurança10. O diagnóstico e diminui progressivamente até que o pro- trabalho e ao estilo de vida, que aumen-
da lombalgia é fundamentalmente baseado cesso de cicatrização termine15,16. tam o risco para a lombalgia.
na história clínica e no exame físico. Exa- Ao contrário da dor nociceptiva, que é
mes complementares mal indicados são provocada por estímulos nocivos nas ter- Fatores de risco individuais
dispendiosos, confundem o diagnóstico e minações nervosas do tecido, a dor neuro- Alguns estudos indicam que um dos
podem induzir a tratamento desnecessário. pática é resultado de um dano, disfunção mais fortes preditores para a degeneração
Diagnósticos imprecisos resultam frequen- ou doença no sistema nervoso periférico discal são os fatores genéticos21. Pesquisas
temente em tratamentos ineficazes, não ou central e parece não ter efeito benéfico em gêmeos monozigóticos demonstraram
surpreendendo que, talvez, a cirurgia para para o indivíduo. A dor neuropática é con- que a influência genética é consideravel-
tratamento da lombalgia seja a que tem siderada anormal, pois não está relacionada mente maior do que a influência dos fatores
maior índice de falha iatrogênica entre to- com dano tecidual fora do sistema nervoso. relacionados ao trabalho. Essa influência
das as cirurgias ortopédicas. Dessa forma, Ocorre de forma espontânea, contínua ou pode ser indireta, por meio da influência
tem-se recomendado que a lombalgia ines- episódica e relaciona-se geralmente com genética sobre a degeneração da coluna
pecífica seja abordada como uma doença sensação de queimação, choque ou formi- ou sobre as características psicológicas 22.
em si, em vez de um mero sintoma11. gamento. A alodinia (dor devido a um es- Além da influência genética, fatores como
tímulo que normalmente não provoca dor) peso ao nascer e tabagismo durante a gra-
CLASSIFICAÇÃO e a hiperalgesia não são incomuns na dor videz podem afetar o desenvolvimento da
A classificação mais atual para a lom- neuropática. A dor neuropática, frequen- coluna vertebral23. Outras características
balgia leva em consideração a duração do temente, apresenta um curso crônico e de individuais relacionadas à susceptibilidade
sintoma8,12,13: difícil tratamento. Várias condições clínicas para disfunções da coluna são:
t Aguda (menos de quatro semanas) podem cursar com dor neuropática. Os t idade superior a 50 anos;
t Subaguda (4 a 12 semanas) exemplos mais característicos são lesão de t sexo feminino;
t Crônica (mais de três a seis meses) raiz nervosa (trauma, síndrome compressi- t obesidade;
Apesar de não haver consenso com re- va), lesão da medula espinhal, lesões cere- t estado geral debilitado;
lação ao ponto temporal que determina a brais, polineuropatia diabética, polineuro- t tabagismo;
cronificação do sintoma14, a classificação an- patia da AIDS etc15,17. t sedentarismo24.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 9


A influência do peso corporal, do ta- t trabalho físico pesado; interespinhoso, supra-espinhal, amarelo e
bagismo e do sedentarismo como fatores t movimentação manual de cargas; longitudinais anterior e posterior. A fun-
de risco é comparativamente pequena24. t rotação e flexão; ção normal da coluna depende da integri-
Há uma tênue associação entre estatura e t levantamento de pesos; dade e da interação coordenada entre esses
hérnia discal. A obesidade, independente- t posturas inadequadas; componentes.
mente da altura, associa-se a degeneração t vibração do corpo inteiro. Kirkaldy-Willis42 introduziu o termo
discal e lombalgia25. Baixa renda e classe “complexo triarticular” para destacar a im-
social mais baixa são fatores que também portância da interação normal entre as três
podem estar associados26. Fatores de risco ocupacionais articulações do segmento. Alteração em
psicológicos um desses componentes irá modificar os
Fatores de risco morfológicos Os principais fatores psicossociais rela- demais, podendo ocorrer dor, deformidade
A hérnia discal e a degeneração dis- cionados ao trabalho associados com a dor e comprometimento neurológico. Há evi-
cal são achados frequentes na população na coluna são34: dências indicando que a degeneração discal
assintomática. Assim, a simples presença t ritmo rápido; geralmente precede a degeneração das arti-
de tais alterações não deve ser considera- t tarefa monótona; culações zigoapofisárias. As alterações quí-
da causa definitiva do sintoma27. Alguns t insatisfação; micas que se processam no interior do dis-
estudos mostram que entre 7% e 72% dos t tarefa de baixo reconhecimento; co degenerado estimulam a neoproliferação
indivíduos que apresentam degeneração t baixo nível de decisão; neurovascular e sensibilizam as terminações
discal nunca experimentarão dor lombar t estresse no trabalho. nervosas que potencialmente podem causar
relevante27-29. lombalgia discogênica43. A perda da altura
FISIOPATOLOGIA do espaço discal altera a distribuição das
Fatores psicossociais Alguns estudos sugerem que o disco forças biomecânicas com consequente so-
Há fortes evidências indicando que fa- intervertebral pode estar envolvido em até brecarga das articulações facetárias, dos li-
tores psicossociais estão associados à lom- 40% das lombalgias crônicas35-37. Por ou- gamentos e dos músculos paravertebrais. As
balgia30. Atitudes e crenças inadequadas tro lado, a dor lombar pode existir mesmo alterações degenerativas nos discos e nas ar-
ante a dor lombar (por exemplo, a crença na ausência de qualquer alteração morfo- ticulações facetárias podem ser progressivas
de que a dor decorre de algo potencial- lógica ou, alternativamente, pessoas com e resultar em instabilidade segmentar (por
mente grave e incapacitante, a expectativa intensa degeneração da coluna podem não exemplo, espondilolistese degenerativa)42.
criada em torno dos tratamentos passivos e referir qualquer sintoma lombar38. A per- A degeneração discal pode se manifestar
o ceticismo com relação às medidas ativas cepção da dor é um fenômeno complexo e como lesão discal interna (discopatia, do-
e autoparticipativas de tratamento e auto- variável e sofre influência de fatores endó- ença do disco preto) ou hérnia discal e,
proteção exagerada perante as atividades genos e exógenos. posteriormente, evoluir para redução do
do dia a dia), baixo nível de satisfação espaço intervertebral. Concomitantemente
no trabalho e alterações emocionais (de- Degeneração do segmento às alterações discais, ocorrem espessamen-
pressão, ansiedade, estresse e isolamento vertebral to dos ligamentos e ossificação das mar-
social) são posturas que se associam com A coluna vertebral é estruturada em gens articulares do complexo triarticular
maior taxa de cronificação e de incapaci- múltiplos segmentos para proporcionar es- (osteofitose)44. A redução do espaço discal
dade por dor lombar31. tabilidade e mobilidade ao corpo, ao mes- contribui para o abaulamento do disco e do
mo tempo que confere proteção à medula ligamento amarelo para o interior do canal
Fatores de risco espinhal e às raízes nervosas. O conceito vertebral. Essas alterações em conjunto no
ocupacionais físicos de segmento vertebral ou unidade fun- segmento vertebral reduzem as dimensões
Há evidências indicando associação cional vertebral (UFV) tem sido utilizado do canal vertebral, dos recessos laterais e
moderada entre lombalgia e trabalhos fí- para facilitar a compreensão fisiopatológi- dos forames intervertebrais45 (Figura 1),
sicos pesados. Com relação à hérnia discal ca da lombalgia de origem degenerativa. que podem resultar na compressão das es-
no sexo masculino, as maiores incidências O segmento vertebral é definido como a truturas nervosas com suas consequentes
são encontradas na indústria do comér- menor unidade anatômica que exibe as manifestações clínicas (claudicação neuro-
cio atacadista (10,7/10.000), fabricação mesmas características básicas e funcionais gênica e dor radicular)44 .
(8,9/10.000) e construção (8,4/10.000). de toda a coluna39,40. Foi primeiramente
No setor de serviços, a incidência é de descrita por Schmorl e Junghanns41. Cada Segmento vertebral e musculatura
2,8/10.000 e, no setor de finanças e segu- segmento móvel vertebral é constituído Embora o efeito das ações dos mús-
ros, é de 2,2/10.000. Aproximadamente por duas vértebras adjacentes, separadas culos intrínsecos e extrínsecos da coluna
95% das exposições são rotuladas como posteriormente pelas articulações zigo- não esteja contemplado no modelo de
“excesso de esforço”, “movimento repeti- apofisárias (ou articulações facetárias) e Kirkaldy-Willis, os músculos desempe-
tivo” ou “atividades de levantamento de anteriormente pelo disco intervertebral. nham papel importante no movimento e
peso repetitivo”. As vértebras são mantidas unidas por li- nas estabilizações dinâmica e estática da
Fatores de risco físicos para o desen- gamentos, cápsulas articulares e músculos coluna vertebral. Os músculos intrínsecos
volvimento da lombalgia ocupacional segmentares. O complexo ligamentar é da coluna e os músculos abdominais são
incluem32,33: formado pelos ligamentos intertransverso, ativos na posição ortostática. Durante a

10 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


e no tálamo e terminam no corno dorsal
da medula, passando pelo tronco cerebral
(substância cinzenta periaquedutal) e co-
lunas dorsais.
Disfunções dos mecanismos centrais
de controle da dor podem influenciar na
percepção, na intensidade e na duração da
dor. A redução ou perda do efeito inibi-
tório é um elemento-chave para compre-
ender as dores inflamatória e neuropática
persistentes52. Anormalidades na síntese,
liberação, metabolismo ou ação dos neuro-
transmissores inibitórios (glicina, GABA,
serotonina, encefalinas, norepinefrina), na
medula ou em regiões supraespinhais e/
ou hiperatividade dos neurotransmissores
Figura 1. Degeneração do segmento vertebral: contribuição da hipertrofia óssea e excitatórios (substância P, glutamato, bra-
da redução da altura do espaço discal na estenose foraminal. dicinina) podem ser cruciais no quadro
da lombalgia crônica. Essas disfunções
podem ser determinadas geneticamente e
movimentação, ambos os grupos muscu- ção, condução, transmissão, modulação, talvez por estresses não específicos (trau-
lares atuam propiciando equilíbrio e esta- projeção e percepção. Transdução é a con- mas físicos, psíquicos)53.
bilidade ao segmento vertebral por meio versão do estímulo nocivo em atividade
de uma ação coordenada e antagônica elétrica nas terminações nervosas periféri- Influências endógenas e ambientais
entre si46. Um bom equilíbrio muscular cas. O impulso sensitivo gerado na termi- sobre a dor
reduz as tensões sobre o segmento. nação central dos nociceptores é descrito Diversos estudos indicam uma forte
Em um modelo animal, Kaigle et al.47 como condução. Transmissão é a transfe- influência dos fatores endógenos e am-
notaram que os músculos paravertebrais rência sináptica dos estímulos sensitivos bientais na percepção e no processamen-
lombares são menos eficientes na manu- de um neurônio ao outro. Modulação são to da dor. É de amplo conhecimento que
tenção da estabilidade segmentar, durante as influências excitatórias ou inibitórias um mesmo estímulo doloroso não desen-
os movimentos, na presença de lesões de- sobre os impulsos sensitivos no corno pos- cadeia percepção igual entre as pessoas.
generativas. Essa observação demonstrou terior da medula espinhal que modificam Da mesma forma, sabe-se que nem todos
que o sistema de controle de feedback neu- os estímulos antes de serem transmitidos os pacientes com lesão grave no sistema
romuscular pode estar comprometido na ao cérebro. Após a transmissão e modu- nervoso desenvolverão dor crônica ou
presença de degeneração e os músculos do lação, uma pequena parte dos estímulos neuropática54.
tronco não somente estabilizam a coluna sensitivos é transferida para as estruturas Com o avanço das técnicas de biologia
vertebral, mas são também afetados pelas supraespinhais através de feixes aferentes molecular, as investigações têm focado na
alterações degenerativas do segmento verte- (projeção)50. O tálamo é a principal estru- exploração e na predisposição genética à
bral. O desequilíbrio muscular com outras tura supraespinhal de recepção, integração dor. A predisposição genética para a dege-
alterações degenerativas pode ser um ponto e transferência dos estímulos nociceptivos neração do disco tem sido estabelecida em
de partida para a desorganização progres- antes de seu envio para o córtex somatos- vários estudos21. Tegeder et al.55 relataram
siva da coluna e surgimento da escoliose sensorial (percepção). O córtex somatos- que um haplótipo do gene GTP cicloidro-
degenerativa48. sensorial integra outras áreas do encéfalo e lase foi significativamente associado à me-
Haig demonstrou que a disfunção inclui o sistema límbico. nor predisposição à dor pós-operatória. A
dos músculos paravertebrais foi mais pro- A modulação da dor na medula es- cicloidrolase (GCH1) é uma enzima im-
nunciada em pessoas com dor lombar 49. pinhal e seu processamento no tálamo e portante na produção das catecolaminas,
Embora a disfunção muscular tenha sido em outras estruturas supraespinhais for- serotonina e óxido nítrico e, portanto, um
também observada em controles assinto- necem uma base para explicar como a modulador-chave nas dores neuropática e
máticos, acredita-se que a disfunção mus- dor pode ser sentida na ausência de lesão inflamatória periféricas.
cular paravertebral pode contribuir para o tecidual. Há evidências de que o sexo, a ida-
agravamento da cascata degenerativa des- Os estímulos aferentes nociceptivos de, a etnia, o padrão de comportamento
crita por Kirkaldy-Willis. para o cérebro são modulados por uma in- afetivo-emocional, os fatores psicossociais,
teração equilibrada entre os neurônios ex- os estados dolorosos prévios e os traços de
Mecanismo da dor citatórios e inibitórios51. Em linhas gerais, personalidade desempenham um papel
a influência da modulação inibitória reduz importante na percepção e no processa-
Fisiologia da dor a sensação da dor. O efeito inibitório é mento da dor56-61. Mas, não há nenhuma
Os processos fisiológicos envolvidos conduzido pelas vias de inibição descen- evidência confiável de que uma caracte-
na dor podem ser separados em transdu- dente que se originam no córtex cerebral rística específica individual eleva a predis-

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 11


posição ao desenvolvimento da síndrome Quadro 1. Bandeiras vermelhas
dolorosa persistente59. x Síndrome da cauda equina:
De acordo com o modelo biopsicos-  Alteração da micção
social de Glasgow62, a redução da capa-  Perda do tônus do esfíncter anal ou incontinência fecal; anestesia em sela
cidade funcional associada à lombalgia é  Fraqueza motora progressiva ou distúrbios da marcha
x Dor constante, intensa ou progressiva (principalmente à noite ou com repouso)
resultado da interação de fatores físicos, x Traumatismo
psicológicos e sociais. O processo parece x Febre
se iniciar com um evento físico que causa x Perda inexplicável de peso corporal
dor nociceptiva. Os fatores psicológicos x História de câncer
podem amplificar significativamente a x Idade inferior a 18 anos com dor considerável; idade superior a 55 anos
x Usuário de drogas intravenosas ou esteroides
experiência subjetiva da dor, tornando os x AIDS, doenças sistêmicas
pacientes mais sensíveis a esta e relutantes x Restrição importante e persistente da amplitude dos movimentos da coluna lom-
às atividades físicas. Isso leva, em alguns bossacral
casos, a um comportamento anormal de x Doenças inflamatórias (espondilite anquilosante, artrite reumatoide etc.)
aversão à atividade física diante da condi-  Envolvimento articular periférico
Irite, manchas cutâneas, colite, secreção ureteral
ção dolorosa63, que pode contribuir para
a manutenção da dor lombar crônica 64.
Nesse estado, alguns pacientes experimen-
tarão níveis elevados de dor mesmo na au- funções esfincterianas vesical e anal, pois, raro, doenças gastrintestinais (pancreatite,
sência do estímulo nocivo desencadeador raramente, associa disfunção esfincteriana colecistite) ou genitourinárias (pielonefri-
do sintoma. com um problema na coluna. te, nefrolitíase) resultam em dor na região
As doenças neoplásicas e infecciosas lombar como um dos sintomas principais.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA da coluna frequentemente produzem dor Jarvik e Deyo enumeram as principais
A lombalgia aguda pode manifestar-se contínua e em repouso e à noite, acor- condições clínicas que frequentemente
subitamente, em decorrência de esforço dando o paciente. Outros sinais de alerta produzem dor lombar não mecânica66
físico, ou surgir sem causa aparente. Pode para doenças neoplásicas ou infecciosas (Tabela 1).
ter início insidioso ou abrupto, com limi- são febre, emagrecimento significativo e Na investigação da dor é importante
tação total da amplitude dos movimentos não justificável, história de doença neo- caracterizá-la se é do tipo radicular, refe-
da coluna. A dor pode durar alguns mi- plásica prévia, imunossupressão, história rida ou axial. A dor radicular decorre da
nutos ou várias semanas. O nível de dor de infecção urinária, uso de drogas e idade irritação de uma raiz nervosa. Essa dor é
não tem correlação, necessariamente, com acima de 55 anos ou abaixo de 18. geralmente acompanhada por alterações
a lesão anatômica nem com a sua recu- A investigação sobre traumatismos sensitiva e motora e no reflexo mediado
peração. Em muitos casos, o diagnóstico evita o retardo no diagnóstico de fraturas pela raiz comprometida (Tabela 2). Por
pode ser feito apenas pela história clínica. da coluna, especialmente no paciente ido- exemplo, a dor radicular da primeira raiz
Negligenciar a presença de um tumor, in- so com osteoporose. sacral (S1) caracteriza-se por dor irradiada
fecção ou síndrome compressiva é a mais Na anamnese, devem-se explorar al- até o pé, com alteração da sensibilidade no
grave falha da avaliação clínica. Na maio- terações ou disfunções de outros órgãos e dermátomo S1 (região lateral do pé), da
ria das vezes, pode-se evitar tal situação aparelhos, mesmo que aparentemente não força do miótomo S1 (redução da força
pela aplicação de uma triagem seletiva haja relação direta com a queixa do pa- de flexão do hálux) e de alteração do re-
para alguns sinais e sintomas sugestivos ciente. Por exemplo, conjuntivite, uveíte flexo aquileu no lado afetado (Figura 2).
de patologias importantes da coluna ver- e uretrite são características da síndrome É importante salientar que irritação radi-
tebral11, 65, conhecidos na prática clínica de Reiter. cular nem sempre resulta em alteração de
como “bandeiras vermelhas” (Quadro 1). Após a exploração das bandeiras ver- todos os componentes do nervo, podendo
A propedêutica complementar dirigida é melhas, a caracterização do tipo de dor ocorrer, por exemplo, dor irradiada para
mandatória quando um ou mais sinais ou pode fornecer pistas sobre as possíveis o membro inferior, com alteração ape-
sintomas do quadro das “bandeiras ver- origens do sintoma. A dor mecânica é su- nas da sensibilidade no dermátomo cor-
melhas” estão presentes. gestiva de uma possível origem mecânica respondente. A hérnia discal e a estenose
A síndrome da cauda equina caracte- (artrose, espondilólise etc.). Caracteriza-se do recesso lateral são duas condições que,
riza-se por retenção urinária, incontinên- principalmente por alívio com o repouso quando sintomáticas, produzem carac-
cia fecal, sinais e sintomas neurológicos e agravamento por movimentação. A dor teristicamente dor radicular. O conheci-
generalizados nos membros inferiores, não mecânica não é aliviada pelo repouso, mento dos dermátomos e dos miótomos
incluindo alteração da marcha, anestesia sendo manifestação comum nas doenças das principais raízes lombares é imprescin-
em sela e alteração do tônus do esfíncter inflamatórias, infecciosas, viscerais e ne- dível na avaliação da lombalgia com um
anal11. De particular importância é o reco- oplásicas. A dor em cólica é um tipo de componente radicular67.
nhecimento precoce de fraqueza motora dor não mecânica caracterizada por ciclos A dor lombar referida caracteriza-se
progressiva, pois pode indicar a necessi- regulares ou irregulares na intensidade e por irradiação para o membro inferior,
dade de tratamento cirúrgico. O paciente não se relaciona com posicionamento do não além do joelho, com função radicular
deve ser arguido diretamente sobre suas corpo, movimentação ou repouso. Não normal (força, sensibilidade e reflexos). A

12 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Tabela 1. Diagnóstico diferencial das principais causas de lombalgia não mecânica. Fatores sociais, econômicos e ocu-
Doenças gerais (1%) Doenças viscerais (2%) pacionais externos ao indivíduo podem
Neoplasia (0,7%) Doenças dos órgãos pélvicos também funcionar como obstáculos à
x Mieloma múltiplo x Prostatite recuperação e têm sido referidos como
x Metástase x Endometriose “bandeiras azuis ou pretas”70. As bandei-
x Linfoma e leucemia x Doença inflamatória crônica ras azuis representam fatores relacionados
x Tumores medulares x Doença inflamatória pélvica crônica
x Tumores retroperitoneais ao trabalho. Medo de perder o emprego,
x Tumores primários da coluna Doenças renais trabalho monótono, insatisfação com o
x Nefrolitíase emprego e dificuldade de relacionamen-
Infecção (0,01%) x Pielonefrite to com colegas e superiores são alguns
xOsteomielite x Abscesso perinefrítico exemplos representativos das “bandeiras
xDiscite
xAbscesso paravertebral Doenças gastrointestinais azuis”. Embora, a influência sobre esses
xAbscesso epidural x Pancreatite fatores seja uma tarefa difícil no contex-
x Colecistite to essencialmente clínico, as intervenções
Doenças inflamatórias (0,3%) x Úlcera perfurada cognitivas e comportamentais que visam a
xEspondilite anquilosante reforçar as habilidades de enfrentamento e
xEspondilite psoriática Aneurisma aórtico
xSíndrome de Reiter resolução de problemas são parte impor-
xDoença inflamatória intestinal tante do tratamento. As “bandeiras pretas”
dizem respeito a fatores ocupacionais e so-
Doença de Paget ciais como baixa renda, políticas de com-
pensação por doença e nível social70.

Tabela 2. Dermátomos, miótomos e reflexos das raízes lombares EXAMES COMPLEMENTARES


Raiz Dermátomo Miótomo Reflexo Pacientes com lombalgia aguda sem
L1 Região inguinal Iliopsoas Não há sinais relevantes ao exame físico podem
ser conduzidos sem exames complementa-
L2 Face anterior da coxa Iliopsoas Adutor
superiormente (inconsistente) res71. Por outro lado, se a dor persiste por
semanas ou há piora, exames complemen-
L3 Face anterior da coxa Quadríceps Patelar
tares são necessários. A propedêutica com-
inferiormente
plementar dirigida é mandatória quando
L4 Face anterior do joelho e Tibial anterior Patelar há sinais indicativos de doença importan-
região medial da perna
te (Quadro 1).
L5 Região lateral da perna e Extensor longo do hálux Tibial posterior Exames laboratoriais como hemograma,
dorso do pé (inconsistente) velocidade de hemossedimentação (VHS),
S1 Bordo lateral do pé Tríceps sural, fibulares Aquileu fator anti-nuclear (FAN), antígeno pros-
tático específico (PSA) e rotina metabóli-
ca podem ser indicados, dependendo do
dor é sentida nos tecidos que têm mesma decorrer do dia, também auxilia a dife- quadro clínico. Para os pacientes que têm
origem mesodérmica (esclerótomos). Por renciar as síndromes dolorosas da coluna lombalgia persistente, as radiografias da co-
exemplo, pode-se relatar dor na região vertebral67 (Tabela 4). luna podem ajudar a elucidar importantes
glútea, na lesão aguda da porção externa É importante estar atento aos fatores patologias, como espondilolistese, fraturas,
do ânulo fibroso, das facetas articulares ou de risco individuais para a cronificação da osteomielite, discite e evidências sutis de
dos ligamentos da coluna lombar67. Defi- lombalgia. Esses fatores são genericamente câncer metastático 72.
ne-se dor axial como uma dor confinada referidos como “bandeiras amarelas” e indi- A tomografia computadorizada (TC) é
localmente à coluna sem irradiação. Não cam barreiras psicossociais à recuperação e muito útil na avaliação das lesões envol-
tem correlação com nenhuma alteração à eficácia dos tratamentos. Crenças infun- vendo estruturas ósseas como tumores
anatomopatológica característica. dadas, medo excessivo de se movimentar, ósseos, estenose do canal lombar e doen-
A intensidade da dor tem pouca corre- redução drástica das atividades físicas e ças degenerativas do segmento vertebral.
lação com a patologia subjacente. Entre- sociais e alterações do humor são alguns A ressonância magnética (RM) permite
tanto, a compressão do gânglio sensitivo fatores do indivíduo associados ao mal uma avaliação detalhada das partes moles
de uma raiz nervosa pode resultar em dor resultado terapêutico68. Waddell et al. des- e tem também bom desempenho na ava-
intensa. A avaliação dos modificadores da creveram cinco sinais que podem indicar liação das estruturas ósseas. A ressonância
dor pode fornecer alguma pista sobre sua envolvimento psicossocial ou não orgânico apresenta boa acuidade no diagnóstico
origem. Apesar de não haver evidências na origem do sintoma69 (Tabela 5). de alterações discais, tumores, infecções e
sobre a interpretação desses modificado- A presença das “bandeiras amarelas” outras alterações degenerativas (estenose
res, podem ser úteis quando considerados na lombalgia aguda ou subaguda pode de- não óssea, cisto sinovial da articulação fa-
no contexto geral do paciente67 (Tabela mandar uma abordagem psicológica como cetária). Isoladamente, é o melhor exame
3). A variação da intensidade da dor, no parte do tratamento11,70 (Tabela 6). complementar para avaliação da coluna.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 13


assintomáticas27. Entre 60 e 80 anos, mais
de 95% da população geral possui algum
tipo de alteração degenerativa da coluna27.
Portanto, as imagens dos exames nada in-
formam se não são confrontadas com a
história clínica.
Os exames eletrodiagnósticos (eletro-
neuromiografia, testes de condução ner-
vosa), em mãos experientes, são úteis
principalmente quando se correlacionam
com os sinais e sintomas do exame clíni-
co e com uma anomalia específica notada
à ressonância. Esses exames são indicados
também para documentar radiculopatia
(localização, tempo de evolução e gravi-
dade), detectar envolvimento medular,
bexiga neurogênica e monitorar a evolu-
ção de uma lesão neurológica. Entretan-
to, os exames eletrodiagnósticos podem
apresentar resultados falso-positivos ou
falso-negativos, dependendo do tempo
em que são realizados no curso de uma
lesão. O exame realizado precocemente
em um paciente com lesão radicular pode
Figura 2. Exame neurológico da primeira raiz sacral (S1). ser falsamente negativo quando o núme-
ro de fibras envolvidas é insuficiente para
produzir uma alteração detectável. Por
Tabela 3. Modificadores da dor
outro lado, se o exame é retardado, pode
Modificador Possível interpretação haver reinervação e o resultado ser falsa-
Flexão da coluna lombossacral Aumenta a pressão intradiscal mente normal, mesmo na presença de
x Subir uma rampa Alivia a pressão nas articulações zigoapofisárias
x Subir escadas Alarga o canal vertebral
uma lesão.
x Sentar Melhora sintomas da claudicação neurogênica A cintilografia pode ser útil no diag-
nóstico da osteomielite e de tumores e na
Extensão da coluna lombossacral Sobrecarrega as articulações zigoapofisárias detecção de lesões ósseas ocultas. O exame
x Descer uma rampa Estreita o canal vertebral consiste na injeção venosa de radioisóto-
x Descer escadas Piora sintomas da claudicação neurogênica
pos que são captados em áreas que apre-
Flexão lateral Aumenta a pressão intradiscal sentam maior atividade osteometabólica.
Estreita o forame intervertebral O radioisótopo mais utilizado é o tecnécio
99. O exame mostra boa sensibilidade para
Em pé Sobrecarrega as articulações zigoapofisárias detectar doenças que resultam em aumen-
Repouso Melhora a dor da instabilidade segmentar
to da atividade óssea, porém tem pouca
Piora dor de origem tumoral ou infecciosa especificidade para o tipo de causa. A cin-
tilografia com gálio objetiva a localização
Atividade física Piora dor da instabilidade vertebral de processos inflamatórios ou tumorais e
Melhora dor da artrose zigoapofisária a avaliação de atividade inflamatória ou
Vibração (dirigir carro, Piora dor da instabilidade vertebral
tumoral sem alterações anatômicas. Ou-
motocicleta etc.) tros marcadores inflamatórios e tumorais
de introdução utilizados na cintilografia
Deitar em decúbito ventral Melhora dor da instabilidade vertebral incluem leucócitos, anticorpos policlonais
e anticorpos monoclonais radiomarcados.
Tossir, espirrar Piora dor radicular
A cintilografia com leucócitos marcados
tem alta sensibilidade e especificidade na
As vantagens da RM sobre a TC incluem gênitas. A TC e a RM são exames úteis detecção de focos infecciosos. Uma de
a possibilidade de visualizar toda a colu- na confirmação diagnóstica de várias suas principais indicações é o diagnóstico
na lombar, não emitir radiação ionizante patologias, mas devem ser interpretadas da osteomielite associada a fraturas ou ci-
e localizar anormalidades raras dentro do com cuidado e sempre à luz de uma boa rurgias, situação que reduz a especificida-
canal vertebral, como tumores que simu- história clínica, já que muitas alterações de de métodos radiológicos e da própria
lam hérnia de disco e malformações con- detectadas em adultos de meia-idade são cintilografia óssea.

14 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Tabela 4. Variação da dor ao longo do dia quada conduta clínica10,76. O tratamento
Modificador Possível interpretação da lombalgia objetiva a melhora da dor,
x Dor no início da manhã x Artrose zigoapofisária a educação e a recuperação funcional do
x Espondiloartropatia paciente. Por ser um sintoma de alta pre-
valência e de história natural favorável, o
x Dor aliviada após um período depois de x Artrose zigoapofisária tratamento sintomático, na maioria das
levantar
vezes, pode ser iniciado mesmo na ausên-
x Piora da dor no decorrer do dia x Instabilidade segmentar vertebral cia de diagnóstico causal definitivo, desde
que não haja suspeita de uma condição
x Dor noturna x Tumor/infecção patológica mais séria77.
x Artrose zigoapofisária A maioria das opções de tratamento da
lombalgia inespecífica carece de evidências
confiáveis e baseia-se principalmente nas
Tabela 5. Sinais de Waddell
necessidades individuais do paciente e na
Sensibilidade superficial/não anatômica Sensibilidade dolorosa superficial ao tato experiência e capacidade de julgamento
leve, localizada ou difusa. Sensibilidade
dolorosa profunda difusa com localização do médico. A revisão apresentada a seguir
não correspondente a um padrão não representa um padrão de conduta,
anatômico. mas orientações baseadas em evidências
Teste de simulação positivo sobre as opções de tratamento.
Manifestação de dor lombar à
compressão axial da cabeça ou durante
a rotação conjunta do tronco e da pelve. Lombalgia aguda
Teste de “distração” A lombalgia aguda é um problema
Um teste positivo ao exame físico comum e, em geral, de evolução auto-
torna-se negativo quando a atenção limitada. Sua história natural favorece o
do paciente é desviada ou quando tratamento conservador independente-
o mesmo teste é aplicado em uma
posição diferente. Ex.: resposta diferente mente da modalidade empregada71,77,78.
a um mesmo teste feito em posições O controle da dor e o retorno precoce às
Distúrbios regionais diferentes (estiramento do nervo ciático atividades devem ser o objetivo principal
nas posições assentada e deitada). se não há indicação clínica de patologias
sérias que justifiquem uma investigação
Presença de anormalidades motoras
Hiper-reação e sensitivas em múltiplas regiões que complementar11,77. A orientação ao pa-
não podem ser explicitadas em bases ciente sobre a evolução natural do sinto-
anatômicas. ma é parte do tratamento.
A utilização de anti-inflamatórios não
Verbalização desproporcional aos hormonais (AINHs) por um curto perí-
sintomas, expressão facial inadequada,
tonteira, desmaios e sudorese. odo é embasada pela literatura79. Os be-
nefícios devem ser contrabalançados com
os potenciais efeitos colaterais, devendo-
A discografia é um método pouco in- relação potencial depende da aderência à se evitar o uso prolongado dos AINHs.
vasivo, útil na avaliação pré-operatória técnica e da subjetividade da interpretação Para a dor aguda intensa, pode-se indicar
da dor lombar discogênica. A discografia do examinador. A validade da discografia a inclusão de um relaxante muscular não
provocativa consiste na injeção controlada permanece controversa, em parte porque benzodiazepínico, tipo ciclobenzaprina ou
(volume e pressão) de contraste radiológi- os resultados cirúrgicos têm sido incon- carisoprodol, por curto período80.
co no interior do disco com o objetivo de sistentes. Entretanto, em pacientes bem Deve-se evitar repouso prolongado81.
determinar se uma lesão discal observada selecionados, a discografia continua sendo O paciente deve ser aconselhado a retomar
em um exame de imagem é sintomática. uma modalidade sequencial à ressonância as suas atividades físicas o mais precoce-
A resposta é positiva quando a injeção do útil nas decisões cirúrgicas73. A discografia mente possível. Os esforços de reabilitação
contraste reproduz a dor “familiar” do pa- analgésica é uma técnica mais recente em devem ser intensificados nos pacientes que
ciente (dor que o incomoda no dia a dia), que se busca o oposto. Injeta-se anestési- não tenham retomado as atividades nor-
também chamada de dor concordante. co no disco. A resposta é positiva quando mais após quatro semanas, pois as chances
Apesar dos avanços diagnósticos por ima- a dor “familiar” desaparece nas primeiras de retorno ao trabalho são mínimas após
gem, a discografia é o único teste que pro- horas após o procedimento74,75. um ano de afastamento82.
cura obter uma resposta clínica durante o A maioria das modalidades de trata-
estudo. Tem-se sugerido que os pacientes PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO mento para lombalgia aguda como fisiote-
que apresentam dor lombar concordante Uma abordagem sistemática e lógica rapia, tração, termoterapia, injeções epidu-
à discografia apresentam melhor prog- do paciente com dor lombar aliada a uma rasis de esteroides, transeletroestimulação,
nóstico com o tratamento cirúrgico. No interpretação habilidosa da história e do carece de provas conclusivas sobre a real
entanto, a eficácia da utilização dessa cor- exame clínico é fundamental para a ade- eficácia77. Alguns estudos sugerem um

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 15


Tabela 6. Bandeiras amarelas, azuis e pretas
Bandeiras amarelas Bandeiras azuis Bandeiras pretas
Fatores comportamentais e psicossociais Fatores socioeconômicos Fatores sociais e ocupacionais
x Ansiedade excessiva/depressão/ x Alto nível de exigência laboral x Política trabalhista sobre adoecimento
isolamento social (pressão do tempo, interrupções com efeitos contrários aos esperados
x Dor crônica preexistente na coluna ou frequentes etc.) Alegação de invalidez permanente
em outro local x Baixa autonomia (planejamento, x Compensação por incapacidade
x Autoproteção excessiva (crenças tempo, ritmo) x Desemprego
irreais em medidas que evitarão a dor) x Baixo grau de apoio dos superiores e x Aspectos jurídicos do sistema de
x Estratégia de adaptação reduzida colegas seguro vigente no País
x Pensamentos exagerados sobre x Baixo nível de reconhecimento (renda,
sua condição (crença irreal sobre a reconhecimento social, progressão na
gravidade da dor) carreira)
x Percepção depreciativa de sua saúde x Ambiente de equipe desfavorável
x Cinesiofobia x Baixa satisfação laboral
x Expectativa de que os tratamentos x Creditar ao trabalho a causa da sua
passivos serão mais eficazes que os dor
autoparticipativos x Ceticismo com relação às medidas
de readaptação laboral ou retorno ao
trabalho

pequeno benefício da manipulação quiro- Há indícios de que a manipulação da pode-se indicar antidepressivos e relaxan-
prática, mas também não há consenso a coluna na fase aguda da lesão pode acele- tes musculares. Os bloqueios facetários e
esse respeito 77. rar a recuperação, porém não há evidência epidurais podem ser úteis, mas há pouca
suficientemente forte para recomendar a evidência sobre o seu uso nessa fase.
Lombalgia subaguda manipulação da coluna após a fase aguda A abordagem da lombalgia subaguda
Na lombalgia subaguda, a reabilitação da lombalgia nem na lombalgia recorrente deve incluir uma equipe multiprofissional,
é o ponto mais importante do tratamento. ou crônica70. pois contribuição multidisciplinar facilita
A reabilitação deve combinar orientações, A abordagem psicológica mediante uma melhor compreensão dos diferentes
terapia cognitiva e comportamental e exer- abordagem cognitivo-comportamental é fatores de risco envolvidos. A coerência de
cícios físicos individualizados11. Acredita- indicada quando há retardo na recupe- conceitos por diferentes profissionais tem
se que na fase subaguda os fatores de risco ração, apesar dos tratamentos médico e um papel crucial no resultado final do tra-
para a cronificação podem ser mais bem físico68. Há evidências de que essa abor- tamento.
abordados11 . dagem ajuda na recuperação e na redução
Exercícios físicos progressivos são do risco de cronificação84. Pacientes com Lombalgia crônica
benéficos na lombalgia subaguda e nos manifestações clínicas de disfunção psico- A história natural da lombalgia ines-
episódios recorrentes7. Há evidências in- lógica são considerados para intervenção pecífica mostra que, conforme o tempo
dicando que os exercícios recreacionais psicológica. Treinamento de relaxamento, passa, as chances de recuperação tornam-
ou terapêuticos são efetivos, mas não há de distração, de reinterpretação da dor e se progressivamente piores83. Dois anos
clareza da superioridade de um exercício de enfretamento podem auxiliar a redu- após o início da dor, a probabilidade de
sobre outro7. Exercícios de McKenzie, de zir comportamentos inadequados decor- um paciente retomar as atividades nor-
Williams, caminhada, corrida ou outras rentes do estresse de longa duração85 e da mais é quase nula82. A maioria dos estudos
atividades aeróbicas têm se mostrado úteis resposta negativa associada à dor85. Podem indica que as tentativas para reabilitar pa-
quando há engajamento do paciente82. também auxiliar na superação de obstácu- cientes crônicos não são geralmente muito
Recomenda-se que sejam inicialmente de los à recuperação e prover mudanças de bem-sucedidas83. No entanto, programas
intensidade leve, com progressão gradu- comportamento perante a doença85. Em multidisciplinares intensos podem aju-
al em intensidade, duração e frequência, alguns casos, a intervenção pode incluir dar alguns pacientes crônicos. Programas
sendo ajustados individualmente 14. terapia psicofarmacológica. de recondicionamento laboral podem ser
Modalidades fisioterápicas como es- Programas de recondicionamento aplicáveis ainda com algum grau de suces-
timulação elétrica nervosa transcutânea, laboral incluem exercícios, medidas cog- so no paciente crônico precoce (menos de
termoterapia e terapia manual podem ser nitivas, comportamentais, educacionais um ano)86.
úteis no controle da dor em curto prazo e e atividades com simulação do trabalho. Os analgésicos e os AINHs podem
contribuir para o retorno do paciente às São indicados a pacientes motivados em ser benéficos quando utilizados por curto
atividades do dia a dia e laborais. Apesar retornar ao trabalho nos estágios iniciais período. A eficácia dos antidepressivos e
de não haver evidências com relação à efe- das lombalgias subaguda ou crônica70. dos relaxantes musculares é desconheci-
tividade dessas modalidades sobre a me- Não há evidências suficientes sobre da. No entanto, na prática clínica, esses
lhora do estado funcional83, sua aplicação o uso de analgésicos e anti-inflamatórios medicamentos mostram-se benéficos em
em conjunto com um programa de exercí- na lombalgia subaguda. No entanto, na combinação com analgésicos ou anti-in-
cios e de recondicionamento ativo produz prática clínica diária, analgésicos e AINHs flamatórios. Os bloqueios facetários têm
melhores resultados funcionais70. mostram-se eficazes. Em alguns casos, se mostrado ineficazes ou mesmo prejudi-

16 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


ciais. O implante de bombas de analgésico para a terapia genética. O núcleo pulposo 9. Udén A. Specified diagnosis in 532 cases of back
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degeneração discal da modificação celular genética92. 12. Arnau JM, Vallano A, Lopez A, et al. A critical
Vários estudos têm mostrado que o Embora os estudos nessa linha es- review of guidelines for low back pain treatment.
Eur Spine J 2006;15:543-53.
disco é uma das principais origens da dor tejam bastante incipientes, a terapia 13. Autio RA, Karppinen J, Kurunlahti M. Effect
mecânica da coluna vertebral87. Uma nova biológica ambiciona conseguir no fu- of periradicular methylprednisolone on sponta-
linha de pesquisa tem surgido com o ob- turo retardar ou impedir o processo de neous resorption of intervertebral disc hernia-
tions. Spine 2004;29:1601-7.
jetivo de interferir nos mecanismos que envelhecimento discal. Entretanto, até o 14. Nordin M, Weiser S, Van Doorn JW. Non-spe-
regulam o processo da degeneração discal. momento, esses estudos são experimen- cific low back pain. In: Rom W (ed). Environ-
Em linhas gerais, as terapias biológicas tais em animais de laboratório e muito mental and occupational medicine. Philadelphia:
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tentam estimular a vida das células discais incipientes em humanos, não se encon- 15. Woolf CJ. Central sensitization: uncovering the
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vo de regenerar o disco e, principalmente, logy 2007;106:864-7.
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As terapias biológicas podem ser di- Pode-se indicar tratamento cirúrgico 17. Kehlet H, Jensen TS, Woolf CJ. Persistent post-
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disco intervertebral, com a finalidade de teração anatomopatológica e o sintoma. mechanisms, and treatment recommendations.
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tipo de tratamento é o transplante de cé- uma das patologias envolvidas na gênese 20. Frymoyer JW. The Adult Spine: Principles and
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substâncias, quando injetadas no disco, com base em estudos randomizados, de tor TD. Structural, psychological, and genetic
têm potencial para reduzir a ação destruti- que a fusão não é mais eficaz do que a re- influences on low back and neck pain: a study
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va dos mediadores catabólicos ou até mes- abilitação intensiva com ênfase na aborda- 2004;51:160-7.
mo estimular a síntese de matriz extrace- gem cognitivo-comportamental. A fusão é 23. Jeffrey JE, Campbell DM, Golden MHN, et
lular. Fatores de crescimento como o fator pouco ou moderadamente mais eficaz do al. Antenatal factors in the development of the
lumbar vertebral canal: a magnetic resonance
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fator de crescimento derivado de plaque- dor e da função94. 24. Hildebrandt VH, Bongers PM, Dul J, et al.
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na apoptose (morte celular programada) e REFERÊNCIAS disability in worker populations. Int Arch Occup
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18 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Talalgias
FERNANDO ARAÚJO SILVA LOPES
Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Mater Dei – Belo Horizonte (MG)

As síndromes dolorosas do retropé, (windlass), que eleva o arco do pé sempre Os exames de imagem não são neces-
frequentemente crônicas, têm grande pre- que os artelhos se estendem na fase de sariamente úteis para o diagnóstico da
valência especialmente em mulheres adul- impulso da marcha. A tração repetitiva fasciíte plantar, mas podem auxiliar no
tas. Cerca de 10% das pessoas terão pelo provoca microrrupturas, com inflamação diagnóstico diferencial. O ultrassom pode
menos um episódio de talalgia durante a reativa e persistente, pela continuidade mostrar o espessamento da fáscia plantar,
vida. As causas e os sítios anatômicos da da ação mecânica na marcha; a inflama- as radiografias evidenciam a presença do
doença são variáveis e frequentemente ção crônica promove alterações degene- osteófito plantar (que não tem relevância
múltiplos, provocando quadros clínicos rativas que alimentam o ciclo de inflama- clínica) ou outras alterações como defor-
de longa evolução e difícil resolução. Den- ção e dor. midades ósseas e estreitamentos articula-
tre os motivos dessa dificuldade, estão os A evolução clínica típica da fasciíte res, decorrentes de traumas ou doenças
conceitos equivocados, como o estigma do plantar é a dor calcanear no “primeiro preexistentes. A cintilografia óssea tem
“esporão”, o inadequado entendimento da passo”, ao se levantar da cama pela manhã mais de 80% de sensibilidade para fasciíte
fisiopatologia, o que induz a diagnóstico e ou após estar sentado por algum tempo. A plantar e é útil no diagnóstico das fraturas
tratamento ineficientes, e a frequente não dor localizada na borda plantar e medial de estresse do calcâneo. Estas podem tam-
adesão do paciente ao trabalhoso e longo do calcanhar usualmente melhora com a bém ser diagnosticadas pela ressonância
processo de tratamento usualmente neces- movimentação, mas a persistência do qua- magnética (RM), indicada na pesquisa de
sário para a cura da lesão (dez meses em dro produz dor no final do dia, que pode possíveis lesões associadas às partes moles
90% dos casos). ser difusa e irradiada. O repouso alivia a do retropé, com indicação restrita.
Devido ao grande número de situa- dor até o início do novo ciclo de marcha.
ções nas quais ocorre talalgia, desde O exame clínico adequado por meio Tratamento conservador
aquelas decorrentes de sobrecarga como de “Teste do Tinel”, “Teste da dorsiflexão- Embora a eficácia do tratamento con-
a epifisite calcanear do adolescente e as eversão” e compressão laterolateral do cal- servador na fasciíte plantar seja inques-
fraturas de estresse do adulto, até inflama- canhar auxilia no diagnóstico diferencial tionável, não se pode dizer isso quanto
ções sistêmicas e traumas, neste capítulo com as neuropatias, as vasculopatias, e a ao protocolo ou à padronização da mais
serão abordadas as talalgias mais comuns, fratura de estresse respectivamente. Em- adequada forma de tratar a doença, já que
que associam causas mecânicas e inflama- bora a sobrecarga mecânica seja o elemen- os trabalhos publicados informando resul-
tórias locais, usualmente no adulto. Serão to primário, a etiologia da fasciíte plantar tados com métodos específicos de trata-
abordadas as talalgias plantares, em que é multifatorial. Fatores intrínsecos como mento não encontram ainda sustentação
predomina a fasciíte plantar, e as talalgias a idade (acima da quarta ou quinta dé- quanto aos níveis de evidência I e II.
retrocalcaneares, já que, juntas, atingem cada), a obesidade e o encurtamento do Exercícios de alongamento – A im-
cerca de 90% dos casos. complexo gastrocnêmico/sóleo/tendão de portância desses exercícios no tratamento
Aquiles/fáscia plantar, associados a fatores da fasciíte plantar é notória, tanto aqueles
TALALGIA PLANTAR – extrínsecos como calçado sem salto e tra- voltados para o alongamento da pantur-
FASCIÍTE PLANTAR balho com permanência em ortostatismo, rilha e tendão de Aquiles como os seleti-
A principal causa da talalgia plantar todos podem se associar à gênese da do- vos para a fáscia plantar. Demonstrou-se
é a fasciíte plantar, processo inflamatório ença. Estudos com nível II de evidência ganho da dorsoflexão após oito a 12 se-
e degenerativo crônico, mais comum na demonstram que, entre esses fatores, três manas de exercícios. Não há, entretanto,
origem medial da fáscia plantar na tube- variáveis são as mais significativas: o tra- consenso em realção a frequência e inten-
rosidade medial do calcâneo. A etiologia balho em ortostatismo, a obesidade e a li- sidade dos alongamentos a serem prescri-
mecânica é a mais aceita, creditando-se mitação da dorsoflexão do pé por encurta- tos, mas o programa intermitente com
às forças de tração repetitiva decorrentes mento da panturrilha/tendão de Aquiles/ três sessões diárias de cinco alongamentos
do mecanismo passivo da fáscia plantar fáscia plantar. de 20 segundos ou dez alongamentos de

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 19


te o sono, o que promove alívio da dor no
primeiro passo pela manhã. Estudos com
nível II de evidência corroboram a eficácia
do método como parte do arsenal tera-
pêutico na fasciíte plantar.
Órteses – O benefício das palmilhas
e calcanheiras no tratamento da fasciíte
plantar é embasado por estudos randomi-
zados com nível II de evidência, não exis-
tindo vantagens entre os tipos disponíveis,
sejam pré-fabricados, sejam moldados in-
dividualmente.
Anti-inflamatórios – O uso de anti-
inflamatórios não hormonais por via oral,
assim como de corticoides tópicos por
iontoforese e mesmo infiltração com cor-
ticoide, não altera a história natural nem a
evolução da fasciíte plantar. Estudos ran-
domizados demonstram que certa anal-
gesia obtida com essas terapêuticas não
ultrapassa o primeiro mês de tratamento.
Os efeitos colaterais das infiltrações como
Figura 1. RM de fasciíte plantar típica.
a atrofia do coxim plantar e a ruptura da
fáscia plantar podem ocorrer mesmo após
uma dose isolada.
Terapia por ondas de choque – Embora
vários estudos randomizados de níveis I e
II de evidência tenham sido realizados, a
eficácia da terapia por ondas de choque na
fasciíte plantar ainda não foi recomendada
por metanálise. Entretanto, algumas séries
com significativo número de pacientes tra-
tados recomendam o método aos portado-
res de fasciíte plantar que evolui há pelo
menos seis meses, sem resultado satisfatório
com outras terapias utilizadas.

Tratamento cirúrgico
Os procedimentos cirúrgicos na fas-
ciíte plantar são raramente indicados. O
quadro crônico de dor moderada ou in-
tensa, com mais de seis meses de evolução,
sem melhora com o adequado tratamento
conservador e após a correta observação do
diagnóstico diferencial, poderá ter indica-
Figura 2. RM de fasciíte plantar traumática.
ção para fasciotomia plantar. Nas indica-
ções, a observação clínica da compressão
do ramo plantar lateral do nervo tibial re-
quer a neurólise e a fasciotomia do abdutor
dez segundos mostra-se eficaz. Embora tação adequada quanto aos alongamentos do hálux. A fasciotomia plantar parcial, da
seja um método simples, requer a adesão seriados, é absolutamente ineficaz. Entre- metade da borda medial da fáscia plantar,
do paciente e, para isso, é absolutamente tanto, a crioterapia após o alongamento evita o colapso do arco, que pode ocorrer
necessária a ação motivadora do médico, auxilia na fase inicial do tratamento. se realizada fasciotomia total. Não há ne-
que deve ensinar individualmente a cada Órtese dorsoflexora (dorsal night splint nhum benefício na retirada do osteófito
paciente a forma de alongar, reavaliando-o [DNS]) – o uso da órtese dorsoflexora du- plantar. Ainda assim, publicações de meta-
em períodos de quatro a oito semanas. A rante a noite combate a retração do tríceps nálise não recomendam tratamento cirúr-
fisioterapia convencional, realizada apenas sural e arco plantar decorrente da fisioló- gico da fasciíte plantar. Novos métodos de
algumas vezes na semana e sem a orien- gica posição em equino-cavo do pé duran- tratamento têm sido publicados, referindo

20 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


possibilidades de terapêutica ainda por neana/retrotendínea e a saliência da tube- comprovadamente ineficazes para a cura.
avaliar. Entre estes, incluem-se o alonga- rosidade posterior do calcâneo. A terapia por ondas de choque, em casos
mento cirúrgico do tendão de Aquiles ou Na clínica, o aumento de volume re- crônicos e resistentes ao tratamento con-
gastrocnêmio, que busca diminuir a tensão trocalcanear doloroso à percussão digital, servador, pode ser eficaz, embora não haja
na fáscia plantar, e a neurólise dos ramos usualmente com edema e calor, não requer consenso da sua utilidade em avaliações
plantares por criocirurgia. exames para o diagnóstico. Entretanto, ra- de metanálise. A utilização do gliceril-
diografias são necessárias para o diagnós- trinitrato tópico tem sido preconizada por
TALALGIAS tico diferencial e avaliação da intensidade alguns autores como eficaz no tratamento
RETROCALCANEARES – das alterações. A ressonância magnética conservador das talalgias retrocalcaneares.
TENDINOPATIA INSERCIONAL é desejável nos pacientes que serão sub- Não se conhece o seu mecanismo de ação
DO AQUILES metidos a tratamento cirúrgico, já que a nem como utilizá-lo no meio médico.
A dor retrocalcanear aguda ou crônica avaliação do grau de acometimento do
associa-se às inflamações do tendão calcâ- tendão calcâneo pode orientar a necessi- Tratamento cirúrgico
neo, das bursas retrocalcanear e retroten- dade de procedimentos complementares, O tratamento cirúrgico nos casos crô-
dínea, ou de ambas. Os quadros crônicos como a transposição de outro tendão. Um nicos de talalgia retrocalcanear está indi-
geralmente apresentam calcificação da aspecto considerado importante no uso cado na falha do tratamento conservador
inserção do tendão e/ou proeminência da da ressonância nuclear magnética é a in- corretamente utilizado por pelo menos
tuberosidade posterior do calcâneo (Ha- dicação terapêutica, já que alguns autores três meses. Alguns autores preconizam a
glund). Denomina-se talalgia retrocalcane- determinam que a presença da tendinose indicação do tratamento cirúrgico a todos
ar como “tendinopatia insercional do Aqui- inviabiliza o tratamento conservador. os pacientes sintomáticos que apresentem
les”, que deve se diferenciar das talalgias alteração de sinal da porção insersional do
plantares e das tendinopatias não insercio- Tratamento conservador tendão na avaliação sagital da ressonân-
nais. A patologia é frequente na idade adul- O tratamento conservador das tendi- cia magnética. Observa-se que a resposta
ta, principalmente após a quarta ou quinta nopatias insersionais do Aquiles não é tão clínica ao tratamento cirúrgico é lenta,
década, e pode ter como fatores etiológicos eficaz quanto nas talalgias plantares. O podendo requerer meses para que o resul-
ortostatismo prolongado, calçado inade- uso de anti-inflamatórios, a correção do tado definitivo seja observado.
quado, obesidade, hipertensão arterial, uso calçado com salto e contrafortes macios, a A abordagem cirúrgica usualmente re-
de corticoide e hormônios, sedentarismo, fisioterapia com exercícios suaves de alon- quer pelo menos três objetivos: desbridar
embora possa estar presente no atleta, já gamento para a panturrilha, a crioterapia todo o tecido degenerado e calcificado do
que a tração repetitiva desempenha papel e o calor profundo podem ser eficazes tendão calcâneo, remover a bursa retrocal-
dominante na etiologia. Ocasionalmente a se aplicados em conjunto. A fisioterapia canear e, se necessário, a bursa retrotendí-
dor crônica é manifestação de doença in- convencional com exercícios de alonga- nea e diminuir a proeminência da tubero-
flamatória sistêmica, e principalmente no mento vigorosos frequentemente piora o sidade posterior do calcâneo. Observados
adulto jovem, é de difícil definição diag- quadro, sendo absolutamente necessária todos esses aspectos, pode-se optar por
nóstica e tratamento. orientação adequada ao paciente e ao fi- vias de acesso diversas, como longitudi-
A tendinopatia insercional do Aquiles sioterapeuta. As infiltrações com corti- nal posterior, medial, lateral, transversa
associa a tendinite e tendinose insersional coides são contraindicadas por tornar o ou endoscópica, sendo o acesso postero-
do tendão calcâneo, a bursite retrocalca- tendão vulnerável a rupturas, além de ser lateral longitudinal a preferida, pois não

Figura 3. Radiografia e RM mostrando a calcificação insercional do tendão, a proeminência de Haglund, a tendinose e as


bursites retrocalcânea e retrotendínea.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 21


Figura 4. Peroperatório com desbridamento de tendão e bursas, ressecção da proeminência de Haglund (esquerda) e
reinserção com fixação por âncoras (direita).

compromete o ramo calcanear medial. É reinserção in situ. Todo procedimento 6. Cavazos GJ, Khan KH, D’Antoni AV, Harkless
LB, Lopez D. Cryosurgery for the treatment of
necessário lembrar a labilidade da pele re- que requeira fixação com âncoras com ou heel pain. F A Int. 2009;30(6):500-5.
trocalcanear, que deve ser manuseada com sem reforço necessita de proteção de carga 7. Costa ML, Donnell ST, Tucker K. The long
todo cuidado, dada a facilidade com que e imobilização em posição neutra ou em term outcome of tendon lengthening for chronic
Achilles tendon pain. F A Int. 2006;27(9):672-6.
ocorrem as complicações de partes moles discreto equino por seis a oito semanas, 8. Wanger E, Gould JS, Kneidel M, Fleirig GS, Fo-
nessa região, especialmente nos fumantes, seguido de cuidadosa e prolongada reabili- wler R. Technique and results of Achilles tendon
idosos e diabéticos. tação fisioterápica, com exercícios corretos detachment and reconstruction for insertional
Achilles tendinosis. F A Int 2006;27(9):677-84.
Caso a propedêutica por RM indique de alongamento calçado com elevação do 9. Metcalfe D, Achten J, Costa ML. Glucocorti-
lesão mais extensa do tendão calcâneo e salto por pelo menos mais quatro sema- coid injections in lesions of the Achilles tendon.
provável necessidade de reforço por trans- nas. O paciente deverá ser alertado no pré- F A Int. 2009;30(7):661-5.
10. Will RE, Galey SM. Outcome of single incision
ferência do tendão flexor longo do hálux, operatório quanto ao prolongado tempo flexor hallucis longus transfer for chronic Achil-
o acesso mais indicado é o longitudinal para recuperação, necessitando-se cerca les tendinopathy. F A Int. 2009;30(4):315-17.
posterior. No desbridamento do ten- de seis meses para se observar o resultado 11. Donley BG, Moore T, Sferre J, Gozdenovic
J, Smith R. The efficacy of oral nonsteroidal
dão, sempre que a desinserção necessária definitivo. anti-inflammatory medication (NSAID) in
atingir 50% ou mais da sua largura, será the treatment of plantar fasciitis: a randomized
necessário utilizar âncoras na fixação do prospective placebo-controlled study. F A Int.
REFERÊNCIAS 2007;28(1):20-3.
tendão desbridado. Caso se verifique que 12. Levy JC, Mizel MS, Clifford PD, Temple HT.
a extensão do desbridamento resultou em 1. Deorio MJ, Easley ME. Surgical strategies: Value of radiographs in the initial evaluation
fragilidade do tecido insersional restante, insertional achilles tendinopathy. F A Int. of nontraumatic adult heel pain. .
2008;29(5):542-9. 2006;27(6):427-30.
deve-se reforçar o reparo, sendo a forma 13. Ross E, Engstrom M, Soderberg D. Foot ortho-
2. League AC. Current concepts review: plantar
mais utilizada a transferência do tendão fasciitis. F A Int. 2008;29(3):358-66. sis for the treatment of plantar fasciitis. F A Int.
flexor longo do hálux para o calcâneo. 3. Cheung JT, An KN, Zhang M, Phil M. 2006;27(8):606-11.
Consequences of partial and total fascial 14. Meyer BF, Thober E, Meyer M. Terapia por on-
Esse procedimento pode ser realizado pelo das de choque extra-corpórea (ESWT) aplicada
release: a finite element study. F A Int.
mesmo acesso posterior alargado, exceto 2006;27(2):125-32. na fasciíte plantar crônica (FPC). Revista ABTPé
quando for necessário um tendão mais 4. Ortmann FW, McBryde AM. Endoscopic 2008;2(1):55-60.
longo; neste caso, uma segunda incisão bone and soft tissue decompression of the re-
trocalcaneal space for treatment of Haglund
na borda medial do pé permitirá ter um deformity and retrocalcaneal bursitis. F A Int.
tendão cerca de 3 cm maior. Outra opção 2007;28(2):149-53. Agradecimento
de reforço é por meio do avanço do ten- 5. Nicholson CW, Berlet GC, Lee TH. Prediction A Dr. Rodrigo Simões Castilho, R3 do
of the success of non operative treatment of in-
dão por alongamento do gastrocnêmio, sertional Achilles Tendinosis based on MRI. F A Serviço de Ortopedia e Traumatologia do
que pode permitir 2 a 3 cm a mais para Int. 2007;28(4):472-7. Hospital Mater Dei, pela edição do texto.

22 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Tratamento conservador da osteoartrose
MARCO ANTONIO PERCOPE DE ANDRADE
Professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

THIAGO IDELFONSO DORNELLAS


Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT)

TÚLIO VINÍCIUS DE OLIVEIRA CAMPOS


Membro efetivo da SBOT

INTRODUÇÃO Tabela 1. Alternativas para tratamento conscientes aderem melhor ao tratamento


A osteoartrose do joelho (OAJ) é con- conservador da OAJ proposto e tendem a apresentar melhores
siderada um grupo de doenças que acome- resultados.
Orientação e mudança de hábitos
te as estruturas da articulação, incluindo A perda de peso mostrou-se benéfica
cartilagem, osso subcondral, ligamentos Reabilitação à redução dos sintomas da osteoartrose.
e músculos periarticulares. Sua causa é Redução da sobrecarga mecânica Pacientes com índice de massa corporal
controversa, porém pode-se afirmar que (IMC) maior que 25 devem ser estimu-
Farmacoterapia
uma série de fatores leva à degeneração da lados a perder pelo menos 5% do peso
cartilagem articular e à exposição do osso Condroproteção corporal, pois há considerável benefício
subcondral1. Viscossuplementação clínico àqueles que cumprem essa meta2.
O desequilíbrio metabólico é uma das Deve-se estimular o paciente a praticar
Outros fármacos
principais causas da osteoartrose primária atividade física com o objetivo de atingir
– metaloproteinases são secretadas pelos Medicina alternativa o seu peso ideal e manter condicionamen-
condrócitos e participam do processo de to aeróbico. No entanto, deve-se evitar
degeneração articular. A forma secundá- atividades de impacto para a articulação
ria depende de um fator mecânico, por A associação de alguns dos itens cita- do joelho. A substituição das atividades de
exemplo, traumatismo prévio ou alteração dos anteriormente eleva a eficácia do tra- impacto, como corrida e futebol, por ca-
patológica do eixo articular. Pode-se con- tamento da OAJ. O uso isolado de cada minhadas, hidroginástica, natação e ciclis-
siderar, portanto, que a OAJ ocorre devi- um deles ainda é controverso. mo foi considerada uma medida de baixo
do a fatores mecânicos que atuam sobre custo e benéfica aos pacientes portadores
a cartilagem susceptível, culminando na ORIENTAÇÃO E MUDANÇA DE de OAJ2. Além disso, a recomendação so-
perda da estrutura cartilaginosa e na expo- HÁBITOS bre o uso de rampas e elevadores, em vez
sição do osso subcondral. O conhecimento e a compreensão de escadas, ou a elevação dos assentos no
De forma geral, o tratamento clínico pelo paciente do que seja a OAJ consis- domicílio é benéfica por diminuir a sobre-
da OAJ engloba medidas que reduzem a tem na primeira etapa do tratamento, o carga do joelho.
sintomatologia dolorosa e permitem ao que inclui explicações sucintas e inteligí-
paciente executar atividades diárias. Des- veis sobre a fisiopatologia, alternativas de REDUÇÃO DA SOBRECARGA
sa forma, adia-se ou evita-se um procedi- tratamento e prognóstico da doença. O MECÂNICA
mento cirúrgico. Os componentes do tra- paciente deve ser orientado a respeito do A utilização de bengala é capaz de pro-
tamento clínico da OAJ estão agrupados caráter progressivo da OAJ e da necessida- porcionar alívio significativo da dor, ape-
na tabela 1 e serão discutidos detalhada- de de mudança nos hábitos de vida para sar de a maioria das pessoas ser resistente
mente a seguir. que os sintomas sejam tolerados. Pacientes a seu uso, pela sensação de mudança na

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 23


imagem pessoal. O convencimento do be- tos adversos gastrointestinais, contra 19% a um fármaco protetor de mucosa
nefício da bengala nos casos de indicação dos usuários de AINEs. Pode-se desconsi- gástrica ou, excetuando-se aqueles
de tratamento conservador é passo impor- derar os efeitos adversos hepáticos do pa- com risco cardiovascular aumenta-
tante a ser tentado pelo ortopedista. racetamol caso se evite a dose máxima de do, AINEs COX-2 seletivos.
A eficácia de calços laterais no retro- quatro gramas/dia11, 12. – em pacientes idosos com contra-
pé com o objetivo de reduzir a sobrecarga Recomendam-se AINEs a pacientes indicação para tratamento com
no compartimento medial ou lateral do com quadro de inflamação articular aguda, AINEs por via sistêmica, deve-se
joelho não está comprovada. As joelheiras devendo-se utilizá-los pelo menor período utilizar AINEs tópicos, que são
utilizadas nos joelhos varos, com o objeti- de tempo possível. São preferidos pelos seguros para uso inferior a quatro
vo de desviar a articulação em valgo, apre- pacientes quanto a redução da dor e me- semanas22.
sentam resultados inconclusivos quanto lhora do status geral de suas articulações, Em suma, pacientes com idade supe-
ao alívio da dor e são mal toleradas pelos quando comparados ao paracetamol. rior a 60 anos, úlcera péptica ou usuários
pacientes. Não existem estudos que ava- Wienecke e Gotzsche, na avaliação de de anticoagulantes devem receber parace-
liam esses dispositivos na artrose com des- quatro trabalhos controlados e randomi- tamol, AINEs associados com inibidores
vio angular em valgo2,3. zados, observaram que 37% dos pacientes de bomba de prótons, AINEs tópicos ou
A utilização de adesivos na patela (ta- preferiam ibuprofeno, 13%, paracetamol AINEs COX-2 seletivos. Estudos não de-
ping) foi considerada eficaz, quando com- e 4%, placebo13. monstraram diferença na potência anal-
parada ao placebo, nos casos com aco- Os AINEs são considerados seguros e gésica entre AINEs seletivos ou não para
metimento predominante da articulação bem tolerados em adultos sem comorbida- COX-23.
femoropatelar, de acordo com a última des, porém em pacientes mais idosos, fai- Recentemente, o uso da aspirina em
atualização da American Academy of Or- xa etária mais acometida pela OAJ, devem baixa dosagem visando à prevenção de
thopaedic Surgeons (AAOS). ser utilizados com critério, principalmen- eventos cardiológicos vem sendo reco-
te quando estiverem presentes redução mendada por alguns autores15. Indicam-se
REABILITAÇÃO na clearance da creatinina, úlcera pépti- corticoides sistêmicos a doenças inflama-
Não existem trabalhos que confirmem ca, doença cardiovascular e insuficiência tórias, como artrite reumatoide, não se
a eficácia do alongamento muscular na cardíaca15. Franceschi, citado por Ofman devendo utilizá-los em tratamento con-
abordagem da OAJ e a adoção dessas me- et al., relata que os anti-inflamatórios fo- servador da OAJ.
didas baseia-se muito mais na inocuidade ram a causa da internação de 23,5% dos Pacientes com dor moderada a severa
do procedimento do que na fundamenta- pacientes com mais de 65 anos internados com fatores de risco para doença cardio-
ção científica. por reações medicamentosas16. vascular ou para sangramentos do trato
O fortalecimento do quadríceps, por O risco gastrointestinal aumentado digestivo podem beneficiar-se de terapia
outro lado, é comprovadamente eficaz no com o uso dos AINEs tradicionais não opioide isolada ou adjuvante23. Benefí-
tratamento conservador da OA. Estudos COX-2 seletivos é aparentemente dose e cios maiores são obtidos em curto perío-
randomizados e controlados confirmaram tempo dependentes e potencializado pelo do, com eficácia e segurança atestadas em
o papel benéfico do fortalecimento mus- uso concomitante de aspirina16-18. grandes ensaios clínicos24. Os principais
cular em pacientes sintomáticos. Os AINEs COX-2 seletivos apresentam efeitos colaterais a curto prazo são cons-
maiores efeitos adversos cardiovasculares, tipação, náuseas, vertigem, insuficiência
FARMACOTERAPIA quando comparados aos AINEs conven- respiratória e redução do volume minu-
O objetivo primordial do tratamento cionais (RR 1,45 95% IC: 1,09 - 1,93)19, to. A maioria das reações adversas, exce-
conservador da osteoartrose é propiciar porém todos os anti-inflamatórios, ao to constipação intestinal, é rapidamente
alívio dos sintomas álgicos e devolver ao bloquearem a síntese de prostaglandinas compensada e tolerada pelos pacientes. As
paciente qualidade de vida. em nível renal, aumentam a retenção de maiores complicações são o abuso e a in-
O paracetamol é o analgésico não sódio, de fluidos e incremento da pressão suficiência endócrina por supressões hipo-
opioide mais utilizado. É eficaz nos ca- arterial. Tudo isso eleva o risco de morte talâmica, pituitária, adrenal e gonadal25.
sos de artrose leve a moderada, sendo por evento cardiovascular, principalmen- Recomenda-se infiltração intra-articu-
seguro contra eventos gastrointestinais e te em pacientes com doença prévia20. Há lar de corticosteroides especialmente a
cardiológicos comparado a anti-inflama- risco de falência renal aguda, nefrite e dis- pacientes com eixo do joelho neutro, sem
tórios convencionais e COX-2 seletivos. túrbios hidreletrolíticos promovidos pela sintomas mecânicos, em que um perí-
Towheed et al. em revisão sistemática de ausência da prostaglandina E221. odo curto de alívio sintomático é neces-
15 artigos em quase 6 mil pacientes, ates- Pode-se, portanto, definir um algorit- sário. Esse recurso pode ser útil para que
tam a redução da dor (SMD -0,13, 95% mo para a utilização de anti-inflamatórios o paciente ingresse em um programa de
IC -0,22 -0,04) quando comparado ao nos pacientes com patologia ortopédica: reabilitação sem que este gere piora do
placebo, sendo significativa a redução glo- – em paciente com baixo risco gas- quadro clínico. A triancinolona é o agen-
bal da dor em repouso, em movimento e trointestinal para sangramentos, de- te de depósito mais utilizado, pois sua
ao dormir10. Quando comparado aos anti- ve-se utilizar AINEs convencionais. clearance é mais lenta e seu efeito, prolon-
inflamatórios não esteroides (AINEs), o – em pacientes com risco gastroin- gado. As complicações possíveis incluem
paracetamol proporcionou melhora do testinal aumentado, deve-se utilizar alterações na pigmentação da pele e atrofia
status funcional, com apenas 13% de efei- AINEs convencionais associados da gordura subcutânea. Fratura recente e

24 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


suspeita de artrite séptica são contraindi- ção, é outra opção que proporciona não CONCLUSÃO
cações para o procedimento. só mudança nas propriedades físicas do O tratamento clínico da OAJ requer
A infiltração intra-articular de anesté- líquido articular, mas também efeitos completa avaliação clínica do paciente,
sicos pode ser utilizada nos períodos críti- analgésicos. Considera-se que quanto bem como amplo conhecimento das in-
cos de artralgia, muitas vezes associada à maior for a concentração de ácido hia- terações medicamentosas e do perfil de
infiltração de corticosteroides. No entan- lurônico obtida, melhores serão os resul- eficácia/segurança de cada modalidade de
to, há risco de toxicidade aos condrócitos, tados, sendo, portanto, fundamental a tratamento. Medidas não medicamento-
secundária à infiltração de bupivacaína, aspiração do líquido articular antes de se sas devem ser estimuladas, bem como o
ropivacaína e lidocaína, anestésicos blo- injetar a solução. uso de medicações modificadoras de do-
queadores dos canais de sódio/potássio A viscossuplementação leva à anal- ença. Há tendência a maior uso de anal-
mais utilizados. Grishko et al²³ , em um gesia superior a seis meses após ciclos de gésicos e opioides nos períodos críticos,
estudo in vitro, obtiveram apoptose mas- três injeções semanais, além de ocorre- com restrições ao uso crônico dos anti-
siva de condrócitos com lidocaína a 2% rem alterações ultraestruturais nos con- inflamatórios.
após 24 horas de exposição, apoptose não drócitos e na membrana sinovial, que são
significativa em condrócitos expostos à consideradas potencialmente benéficas30. REFERÊNCIAS
solução de lidocaína a 1% e bupivacaí- Os estudos demonstram haver correlação 1. Cole BJ, Harner CD. Degenerative arthritis of
the knee in active patients: evaluation and ma-
na a 0,5%, sendo significativa a redução direta entre peso molecular e analgesia, nagement. JAAOS 1999;7(6):389-402.
na viabilidade dos condrócitos expostos o que não acontece com os estímulos à 2. Richmond J, Hunter D, Irrgang J, Jones MH,
a todos os anestésicos em concentrações- membrana sinovial nem à atividade me- Levy B, Marx R, Snyder-Mackler L, Watters
WC, Haralson RH, Turkelson CM, Wies JL,
padrão após 120 horas. Constataram-se tabólica dos condrócitos. Deve-se evitar Boyer KM, Anderson S, Andre JS, Sluka P,
alterações mitocondriais, condensação a utilização de ácido hialurônico em jo- McGowan R. Treatment of osteoarthritis of the
nuclear, redução dos níveis de adenosina elhos com sinovite aguda, aguardando knee. JAAOS 2009;17(9):591-600.
3. Pollo FE, Jackson RW. Knee bracing for uni-
trifosfato e proteínas mitocondriais. Estu- a remissão do quadro inflamatório para compartimental arthritis. JAAOS 2006;14(1):
dos in vivo são necessários para atestar ou aplicar o fármaco. 5-11.
refutar a biossegurança desses fármacos. O risco de infecção articular com a 4. Buckwalter JA. Osteoarthritis and articular car-
tilage use, disuse and abuse: experimental stud-
A lavagem articular artroscópica, viscossuplementação é de 3%. ies. J. Rheumatol. (suppl.) 1995; 3:13-5.
com solução salina, mostrou-se ineficaz 5. Berembaum F. Osteoarthritis. Epidemiology,
em longo prazo e não há trabalhos que OUTROS FÁRMACOS pathology and pathogenesis. In: Klippel JH (ed).
Primer on rheumatic diseases. 12th ed. Atlanta:
confirmem seu sucesso mesmo em cur- A diacereína é considerada fármaco Arthritis Foundation, 2001. p. 285.
to prazo. Por isso, a recomendação da modificador de doença, sendo utilizado 6. Haskell WL. Exercise and health. In: Wyngar-
AAOS é para que essa prática seja abolida com frequência por reumatologistas em den B, Smith LH (eds). Textbook of internal me-
dicine. Philadelphia, Saunders, 1988. p. 45.
da prática clínica3. artrites inflamatórias. Inibe os efeitos da 7. Lane NE et al. Running and osteoarthritis: a con-
interleucina-1, bloqueando a transcrição trolled study. Long distance running, bone, den-
CONDROPROTEÇÃO de metaloproteases, oxido nítrico, en- sity, and osteoarthritis. JAMA 1986;255:1147-
51.
O sulfato sintético de glicosamina a tre outros, conforme estudo in vitro de 8. McDermott M, Freyne P. Osteoarthritis in
1.500 mg diários reduz a dor e diminui Martel-Pelletier31. runners with knee pain. Br. J. Sports Med.,
a progressão do pinçamento articular, Os insaponificáveis da soja e do abaca- 1983;17:84-87.
9. Pall K, McElroy G, Keats TE. A study of long
quando comparado ao placebo30. Seu te parecem não ter propriedades modifi- term effects of football injury in the knee. Mo
mecanismo de ação é reduzir a síntese de cadoras de doença, entretanto apresentam Med., 1984;61:435.
metaloproteases pela cartilagem hialina, mecanismo de atuação semelhante ao da 10. Towheed T, et al. Acetaminophen for osteoar-
thritis. Cochrane database of systematic reviews,
regular os receptores para a interleucina-1 diacereína, bloqueando os efeitos da inter- 2009, issue 1, no. CD 004254.
e óxido nítrico, além de aumentar a sínte- leucina-1 e do fator de necrose tumoral³³. 11. Kuffner EK, Temple AR, Cooper KM, et al.
se de proteoglicanos, glicosaminoglicanos Retrospective analysis of transient elevations in
alanine aminotransferase during long-term tre-
e ácido hialurônico28. MEDICINA ALTERNATIVA atment with acetaminophen in osteoarthritis cli-
A condroitina a 1.200 mg diários apre- A utilização da acupuntura no trata- nical trials. Curr Med Res Opin 2006;22:2137-
senta propriedade semelhante ao sulfato mento da OAJ é uma opção na tentativa 48.
12. Watkins PB, Kaplowitz N, Slattery JT, et al.
de glicosamina, não alterando, no entan- de controlar a dor, funcionando como Aminotransferase elevations in healthy adults
to, o processo de colapso articular, quando método auxiliar. Selfe e Taylor34, em receiving 4 grams of acetaminophen daily: a ran-
comparada ao placebo29. Os sais de gluco- revisão sistemática englobando 1.456 domized controlled trial. JAMA 2006;296:87-
93.
samina e condroitina apresentam eficácia pacientes, observaram melhora signifi- 13. Wienecke T, Gotzsche PC. Paracetamol versus
ainda duvidosa, entretanto não possuem cativa da dor e da mobilidade articular, non-steroidal anti-inflammatory drugs for rheu-
contraindicações ou efeitos colaterais e, além de redução no consumo de medica- matoid arthritis. Cochrane Database Syst Rev,
2004:CD003789.
por isso, são utilizados por número con- mentos, quando comparada ao placebo. 14. Bansal V, Dex T, Proskin H, et al. A look at
siderável de profissionais. Os autores concluíram que a acupuntura the safety profile of over-the-counter napro-
falha como primeira linha no tratamento xen sodium: a meta-analysis. J Clin Pharmacol
2001;41:127-38.
VISCOSSUPLEMENTAÇÃO da OAJ, mas pode ser utilizada associada 15. Ickowicz E, et al. Pharmacological management
A injeção de ácido hialurônico, tam- a analgésicos com o objetivo de reduzir in older persons. Journal of American Geriatrics
bém conhecida como viscossuplementa- a dose. Society, 2009;8(57):1331-46.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 25


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26 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Fratura e pseudoartrose do escafoide/
Revista Mineira de Ortopedia
JOSÉ ALEXANDRE REALE PEREIRA
Cirurgião da Mão – Hospital Madre Teresa

Endereço – CLINORTO – Avenida do Contorno 5057 – Belo Horizonte CEP: 30110-031

INTRODUÇÃO pelos ossos do carpo e como o escafoide avaliar o alinhamento dos ossos do carpo.
A fratura do escafoide é a mais co- encontra-se hiperextendido e bloqueando A cintilografia óssea é pouco específica,
mum entre as fraturas do carpo; ocorre a mediocarpal, com a extensão exagerada mas a tomografia computadorizada é de
com maior frequência em adultos jovens da radiocarpal, sua crista dorsal tocará a grande valor para o diagnóstico precoce e
do sexo masculino praticantes de esportes. reborda posterior do rádio que, servindo avaliação do alinhamento dos fragmentos
Comumente está associada a lesões liga- de fulcro, levará fratura, com o estresse e entre os ossos do carpo, além de iden-
mentares ou fratura de outros ossos do tensil na cortical palmar do osso, onde a tificar fratura em outros ossos. Nesse
punho. Tem grande potencial para com- fratura se inicia. A direção e localização caso, necessita-se dos cortes nos planos
plicações por fatores intrínsecos do osso e do traço da fratura variarão com o grau axial, coronal e sagital (Figura 3). A TC
principalmente, porque com frequência, da extensão e do desvio radial do punho. está sempre indicada nos casos em que há
não é diagnosticada no serviço de urgên- Assim, as fraturas do escafoide ocorrem dúvida quanto ao desvio dos fragmentos
cia. A localização e disposição do escafoi- quando o punho encontra-se estendido e também para determinar se a consolida-
de no punho o tornam mais vulnerável às acima de 90o. ção ocorreu, particularmente em pacien-
fraturas, pois além de um formato oblí- tes com fratura cominutiva1. A ressonân-
quo longo é o único osso do carpo que QUADRO CLÍNICO cia magnética auxilia na identificação de
está funcionalmente presente em ambas O quadro clínico mostra dor dorso- lesões condrais e dos ligamentos do carpo,
as fileiras carpais. Isso é especialmen- radial do punho, edema, que é o reflexo sendo fundamental ao diagnóstico de ne-
te notado na extensão ou hiperextensão da hemartrose, com incapacidade para crose óssea (Figura 4) e à identificação de
do punho, onde o escafoide encontra-se a flexoextensão ampla e perda de força. fraturas ocultas do polo proximal.
verticalizado e bloqueia por completo os Quando não diagnosticada, os sintomas
movimentos da articulação mediocarpal. amenizam com o tempo, mas estão sem- CLASSIFICAÇÃO
Durante a queda com trauma na face pal- pre presentes às solicitações mecânicas. A A classificação das fraturas do escafói-
mar do punho hiperextendido e em desvio palpação da tabaqueira anatômica e do de pode levar em consideração a topogra-
radial, a dissipação da energia é absorvida polo proximal pelo dorso com o punho fia desta, a direção do traço da fratura ou a
pela contração da musculatura flexora, fletido é quase sempre dolorosa e a sino- presença ou não de estabilidade, além do
pelo tensionamento dos ligamentos pal- vite está presente nos casos diagnosticados tempo de sua existência. Ainda não existe
mares intrínsecos e extrínsecos do carpo e, tardiamente. uma classificação ideal, pois fatores como
por último, pelos ossos do punho (carpo lesões concomitantes, necrose óssea e ava-
e rádio distal). A intensidade da energia DIAGNÓSTICO liação tridimensional do escafoide fratu-
cinética liberada dependerá diretamente O diagnóstico é feito com a confir- rado não são levados em consideração.
da altura da queda e a localização da falha mação radiológica da fratura, que muitas Como exemplo, pode-se citar a fratura do
na estrutura do punho, principalmente vezes não é vista nas radiografias iniciais polo proximal do escafoide associada à le-
do grau da extensão do punho em relação (Figura 1). Estas devem incluir radiogra- são do ligamento escafolunar, ou até mes-
ao solo ou objeto durante o trauma. Se a fias oblíquas e na incidência em PA com mo a fratura da porção posterior do polo
energia liberada não for intensa, será dissi- o punho estendido 45o e desviado ulnar proximal com inclusão neste da origem da
pada pela contração muscular reflexa e ab- 20o, pois nessa posição o escafoide esta- porção dorsal do ligamento escafolunar,
sorvida pelo estiramento dos ligamentos rá verticalizado e perpendicular aos raios que teria um prognóstico muito pior que
e cápsula anterior do punho, mas se for (Figura 2). A incidência em perfil muitas o daquela do polo proximal anterior sem
mais intensa que a capacidade de absorção vezes não auxilia na visualização da fratura comprometimento da origem da porção
dessas estruturas, será também dissipada do polo proximal ou do colo, mas permite dorsal desse ligamento. Na radiografia

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 27


Figura 1. A - Radiografia em PA do punho de paciente que sofreu queda com Figura 2. Radiografia do punho em PA
o punho extendido não mostra sinais de fratura. B - Mesma incidência repetida com o punho extendido 45o e desvio ulnar
após três semanas quando a fratura tornou-se evidente. de 20o. Nessa incidência, tem-se uma
visão completa de podo o escafoide.

a maioria das fraturas do escafoide ocor-


re ao nível do colo (80%) e tem melhor
prognóstico. Os fatores que pioram o
prognóstico da fratura são obliquidade
do traço, fragmentação óssea, translação e
angulação dos fragmentos, localização do
traço, lesões ligamentares associadas, fra-
turas associadas do punho, momento do
diagnóstico e forma de tratamento. Dian-
te de qualquer um desses fatores, indica-se
o tratamento cirúrgico.

Tabela 1. Classificação das fraturas do


escafoide, segundo a Mayo Clinic2
Estáveis
Desvio < 1 mm/alinhamento intercarpal
normal/fraturas do polo distal
Figura 4. Corte coronal de Instáveis
TC do punho mostrando a Desvio > 1 mm/Ângulo interescafoide
Figura 3. Corte sagital de TC do pseudoartrose do escafóide > 1 mm/Cominução ou perda óssea/
punho mostrando fratura linear Fratura-luxação perilunar/DISI/
e a viabilidade do fragmento Fraturas do polo proximal
do colo do escafoide. proximal.

TRATAMENTO CONSERVADOR
em AP é muito simples visualizar toda a RM poderia mostrar traços de fratura não O tratamento das fraturas do polo
face lunar do escafoide proximal (Figura vistos na TC, além de diagnosticar lesões distal é feito com gesso curto, incluindo o
5), verificando-se a exata localização do ligamentares associadas e possíveis frag- polegar, por quatro a seis semanas. As fra-
traço da fratura (quando visível) ou da mentos ósseos desvacularizados. Assim turas do colo podem ser tratadas com gesso
pseudoartrose e se inclui ou não a origem sendo, constata-se a ausência de uma clas- longo, incluindo o polegar, por oito a 16
do ligamento escafolunar (porção palmar sificação mais completa que inclua outras semanas, com o punho em posição neutra
ou dorsal) no fragmento fraturário ou variáveis. De qualquer forma, as classifica- e incluindo todo o polegar, o tempo de
pseudoartrósico. A TC com cortes axiais ções mais usadas são a de Russe, Herbert e imobilização poderá chegar a 16 semanas.
facilita sobremaneira essa avaliação, e a da Clínica Mayo (Tabela I)2. Felizmente, É importante salientar que o gesso deve-

28 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Figura 5. Na incidência em AP, é possível visualizar tridimensionalmente o polo
proximal do escafoide, especialmente da face lunar deste. Pode-se avaliar a extensão
da fratura, se acomete só a porção anterior (mais frequente), a posterior ou atravessa
perpendicularmente todo o polo proximal sem atingir a interface escafolunar.

rá ser bem moldado ao nível do punho e As principais indicações são as fraturas ce de pseudoartrose chega a 55% para
palma da mão. Se após esse período não desviadas ou anguladas, a presença de ins- as fraturas desviadas mais que 1 mm e a
houver consolidação ou se mesmo com tabilidade (lesões ligamentares associadas, 33% para as fraturas anguladas tratadas
o auxílio da TC houver dúvidas quanto como nas fraturas-luxações do carpo) (Fi- conservadoramente3,4.
à consolidação da fratura, considera-se gura 6), as fraturas cominutivas ou asso- Para efeito conceitual, definem-se o
como retardo de consolidação e indica-se ciadas a outras fraturas ao nível do punho retardo de consolidação como a falta de
tratamento cirúrgico. e para os pacientes que não poderiam per- consolidação após quatro meses de trata-
Apesar do tratamento adequado com manecer tanto tempo com a imobilização. mento e pseudoartrose, após seis meses de
gesso, as chances de pseudoartrose variam Recomenda-se também que todas as fra- tratamento sem sucesso.
de 5% a 55%, dependendo do tipo de fra- turas do polo proximal devam ser fixadas, Para efeito didático, má adotada a clas-
tura. Outro problema é a dor e artrose se- bem como aquelas envolvendo a metade sificação topográfica para estabelecer um
cundárias à consolidação viciosa3,4. Muitos proximal do escafoide. Relatos recentes de protocolo para o tratamento cirúrgico.
dos pacientes preferem tratamento cirúr- fixação imediata das fraturas do escafoide
gico objetivando despender menos tempo apontam para índice de consolidação de Fraturas do polo proximal
com o período prolongado de permanência 100%5-7. Esta fratura é por definição instável,
com gesso1. As fraturas instáveis, ou seja, aque- desviada e com limitada nutrição sanguí-
las que têm qualquer dos fatores de mau nea para o fragmento proximal9. Devido
TRATAMENTO CIRÚRGICO prognóstico já citados, deverão ser opera- ao fato de requerer tempo prolongado de
O tratamento cirúrgico das fraturas das (Tabela I). Para os pacientes que não imobilização, bem como ser muito difícil
do escafoide é tema de grande controvér- puderem aderir ao tratamento conser- estabelecer critérios de consolidação por
sia, mas a cada dia tem se tornado mais vador por qualquer causa, também será meio de radiografia ou TC, essa fratura
popular entre os cirurgiões da mão. A ci- indicado o tratamento cirúrgico. Como deve ser fixada, embora se saiba que o
rurgia precoce das fraturas do escafoide é mencionado anteriormente, não há es- procedimento cirúrgico coloque em risco
impulsionada pela melhoria constante dos paço para o tratamento conservador nas a vascularização do osso. Esse risco é mi-
meios de fixação, que, além de proporcio- fraturas do polo proximal, pois são con- nimizado com o uso da fixação percutâ-
nar estabilidade, permitem redução ana- sideradas fraturas instáveis e evoluem nea guiada por intensificador de imagens
tômica e menor tempo de imobilização, com pseudoartrose em 30% dos casos (Figura 7) ou monitorada por artroscopia.
ou até mesmo movimentação imediata. tratados conservadoramente4,5,8. O índi- A abordagem aberta assegura redução e

Figura 6. Síndrome de Fenton. Abordagem posterior com osteossíntese rígida do capitato e escafoide.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 29


A B C

D E

Figura 7. Fratura do polo proximal


do escafoide fixada com parafuso
canulado de Wipple-Herbert,
percutâneo anterógrado.

fixação adequada do pequeno fragmento. parafusos (Figura 9), de acordo com a fa- balho e preferência do paciente. É de suma
Deve ser abordada pelo dorso do punho, cilidade de cada profissional, e o método importância que o parafuso seja o mais
onde a visualização da fratura é quase de escolha é o parafuso autocompressivo, longo e mais bem centrado possível no
sempre possível. A fixação é feita de forma de preferência dois parafusos canulados, escafoide, pois assim promoverá maior ri-
anterógrada e deve-se preferir o uso de pa- sem cabeça, percutâneos, com monitora- gidez à fixação. Trabalhos prospectivos12,13
rafusos autocompressivos canulados sem ção artroscópica e fluoroscópica1,10,11. Em e retrospectivos5-7,14-18 comprovam 100%
cabeça por proporcionarem maior estabi- pacientes com fratura do colo do escafoide de consolidação em fraturas fixadas per-
lidade à osteossíntese. Caso comporte, o não desviada, a escolha do tratamento é cutaneamente com parafusos canulados.
uso de dois parafusos proporcionará mais baseada na idade, dominância, tipo de tra- A compressão no foco promove a conso-
estabilidade, terá efeito antirrotacional no
fragmento e aumentará a chance de con-
solidação. A fixação do polo proximal para
o distal assegura maior resistência devido
à capacidade de travar melhor o pequeno
fragmento proximal5. A fixação retrógrada
também pode ser usada, mas não permite
um controle tão rigoroso da redução nem
assegura a centralização do parafuso no
fragmento proximal, que muitas vezes é
menor que o comprimento da rosca das
extremidades do parafuso. A mobilização
deve ser retardada nesses casos. Para as
fraturas do polo proximal com fragmento
anterior é necessária flexão exagerada da
radiocarpal para que o fragmento seja al-
cançado via anterógrada.

Fraturas do colo
As indicações cirúrgicas para esta
fratura foram citadas anteriormente e a
abordagem poderá ser palmar ou dorsal Figura 8. Fixações retrógrada e anterógrada das fraturas do colo do escafoide.
(Figura 8), sendo feita com um ou dois Indicações conforme o texto.

30 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Figura 9. Fratura do polo proximal fixada com dois parafusos de Herbert.

lidação primária da fratura e aumenta a radiografias ou tomografia não assegu- PSEUDOARTROSE DO


rigidez da ostossíntese. Se a fratura é des- ra que a fratura consolidou. Até quanto ESCAFOIDE
viada, pode-se tentar redução fechada e fi- tempo após o trauma valeria a pena ini- Considera-se pseudoartrose aquele
xação percutânea. Em caso de não se con- ciar o tratamento com gesso para os casos caso cuja consolidação não se deu após
seguir redução, a fixação deve ser aberta. inicialmente não diagnosticados? Casos seis meses da fratura. Comumente o pa-
Em caso de cominução, o enxerto ósseo com menos de 15 dias, em que não exista ciente procura assistência relatando trau-
pode ser colocado pelo trajeto do parafu- nenhum fator de mau prognóstico que ma no punho, edema e dor incapacitantes
so17. Outra vantagem da osteossíntese é a aponte para o tratamento cirúrgico, po- e, ao exame radiológico, encontra-se qua-
possibilidade de mobilização imediata do dem ser tratados com gesso. Casos não dro típico de pseudoartrose, com traço de
punho, com uso de splint removível5,12,18 e diagnosticados dentro dos primeiros 15 fratura facilmente visível, bordas lisas e, às
início de exercícios com carga axial. Isto é dias após o trauma que provocou a fra- vezes, até mesmo escleróticas, não sendo
particularmente indicado às fratura está- tura devem ser operados, especialmente raro encontrar cistos ósseos ou sinais de
veis do colo rigidamente fixadas. se esses pacientes sequer tiveram o punho artrose franca. Na maioria dos casos, o pa-
imobilizado. A possibilidade de que es- ciente se recorda de trauma prévio há al-
Fraturas do polo distal ses casos evoluam para pseudoartrose é guns meses ou anos, com edema e dor no
Indica-se cirurgia quando o traço en- muito grande. A tolerância para os casos punho que regrediram espontaneamente
volve a superfície articular distal (escafo- não diagnosticados em pacientes mui- com o tempo e, por isso, não procurou as-
trapézio-trapezoide) ou mediocarpal do to ativos ou com vida desportiva muito sistência médica. Um novo trauma, mes-
osso e haja desvio. Para os casos de indica- intensa é ainda menor e a indicação ci- mo que banal, poderá levar o paciente ao
ção cirúrgica, a via de acesso dependerá da rúrgica deve ser ainda mais precoce. O médico e o exame radiológico revela pseu-
direção do traço da fratura. tempo decorrido é insuficiente para que doartrose. Em mãos menos experientes, a
alterações degenerativas se instalem no pseudoartrose é diagnosticada como fratu-
RETARDO DE CONSOLIDAÇÃO punho, também não existindo reabsorção ra e assim tratada, sem chances de conso-
Um grande dilema no tratamento óssea ou formações císticas na interface lidação. Muitas vezes a pseudoartrose é o
das fraturas do escafoide é o momento fraturária do escafoide. Tal fato permite resultado do tratamento conservador mal
ideal para a abordagem cirúrgica daque- abordar o retardo de consolidação sem a indicado ou mal conduzido, outras vezes
les casos cujo tratamento foi retardado necessidade do uso de enxerto ósseo, ou surge como consequência da falta de coo-
devido à falta do diagnóstico ou quan- seja, basta osteossíntese rígida com um peração do paciente, que danifica ou retira
do o paciente não cooperou e retirou a ou dois parafusos sem se abordar o foco o gesso sem ordem médica.
imobilização antes do tempo previsto. O da fratura. Essa conduta também é ado- A pseudoartrose do escafoide invaria-
mesmo acontece para os casos em que o tada nos casos de pseudoartrose franca velmente leva à artrose do punho com o
tratamento conservador não está dando com até dois anos de evolução, em que passar dos anos19,20, chegando a estar pre-
certo, ou seja, mesmo com a conduta não haja alterações degenerativas, necro- sente em 100% dos casos com o passar do
correta e apesar da adesão do paciente se, absorção óssea, desvio dos fragmentos tempo21 e, por esse motivo, é de tratamen-
ao tratamento, o acompanhamento com ou instabilidade carpal (Figura10). to cirúrgico, mesmo que o paciente esteja

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 31


A B do carpo, deixando o segmento intercalar
(semilunar) à mercê da ação do piramidal,
levando o conjunto fragmento proximal-
semilunar-piramidal a uma posição de
extensão (DISI). A instabilidade inter-
calar (DISI) e a incongruência articular
radioescafoide gerada a partir da pseudo-
artrose levarão à artrose do punho, que se
iniciará pela borda radial (estágio I), pos-
teriormente se estendendo a toda a fossa
do escafoide (estágio II) e mais adiante
à articulação mediocarpal (estágio III)23.
C D Nos casos muito avançados, há panartrose
do punho e as possibilidades terapêuticas
são restritas. Portanto, a proposta de trata-
mento para a pseudoartrose do escafoide
depende da existência ou não das altera-
ções degenerativas e em qual estágio se en-
contram, bem como da existência de ne-
crose óssea e instabilidade. O tratamento
não terá efeito caso consiga a consolidação
da pseudoartrose num punho com artro-
se. Portanto, no SNAC estágios 1 e 2, o
planejamento deve visar ao tratamento da
artrose, o que restringe as opções de trata-
mento da patologia original (Tabela 2).
Figura 10. A - Retardo de consolidação por falta de tratamento. Fratura cominutiva
e desviada, operada após seis meses do trauma. Após quatro meses da cirurgia, CLASSIFICAÇÃO
a pseudoartrose estava consolidada, sem comprometimento do comprimento do Não existe até o momento uma clas-
escafoide ou alinhamento dos ossos do carpo. sificação ideal para a pseudoartrose do es-
cafoide. A classificação de Herbert (a mais
usada) é incompleta, pois além de mistu-
assintomático e o diagnóstico tenha sido ções degenerativas é o colapso avançado rar fratura com pseudoartrose, ainda cita
casual. Isso é particularmente verdade a do carpo secundário à pseudoartrose do apenas o retardo de consolidação (tipo C)
pacientes jovens, com vida esportiva ou escafoide (SNAC wrist)22,23 (Figura 11). e a pseudoartrose franca (tipo D) com os
profissional muito ativa, aos quais o con- A pseudoartrose do escafoide, de forma subtipos união fibrosa (D1) e pseudoar-
tínuo estresse ou trauma repetido sobre o semelhante ao que ocorre na lesão do liga- trose verdadeira (D2). Essa classificação
punho acelera a progressão das alterações mento escafolunar, cria uma interrupção não leva em consideração vários fatores
degenerativas. O estágio final das altera- na continuidade de toda a fileira proximal prognósticos, como instabilidade (colapso
do escafoide), necrose do fragmento pro-
ximal, presença de artrose ou topografia da
lesão (se abrangendo todo o polo proximal
ou a porção anterior ou posterior deste).
Deve-se propor, então, uma classificação
mais abrangente para a pseudoartrose do
escafoide (Tabela 2).
Segundo essa classificação, as pseudo-
artroses do polo distal serão categorizadas
como tipo 1, do colo tipo 2 e do polo pro-
ximal do tipo 3. As pseudoartroses sem
fatores complicadores serão classificadas
apenas com os números 1, 2 e 3, confor-
me acometam o polo distal, colo ou polo
proximal respectivamente. Aquelas que
forem acompanhadas por instabilidade
terão a letra i, por necrose, a letra n, e por
Figura 11: Radiografia do punho em AP e perfil, mostrando colapso avançado com artrose, a letra a. No caso de pseudoartro-
artrose rádio e mediocarpal (SNAC estágio 3). se do polo distal com DISI e artrose, seria,

32 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Tabela 2. Classificação das pseudoartroses do escafoide baseada na topografia, de sinal na medular do fragmento proxi-
instabilidade, necrose e artrose associadas mal em T1 indica necrose28,29. Já a artrose
Pseudoartrose será classificada com base nas radiografias
Tipo Instabilidade Necrose Artrose
do escafóide em AP e perfil. Seguiu-se a classificação de
Distal 1 1 i 1 n 1 a Watson22,30 modificada para o estagiamen-
to da artrose consequente pseudoartrose
Colo 2 2 i 2 n 2 a do escafoide (SNAC)23.
Todo caso de pseudoartrose do esca-
3A* 3A i? 3A n 3A a? foide em que haja colapso ou instabilidade
Proximal
3B* 3B i? 3B n 3B a? carpal (DISI) necessita de enxerto ósseo,
o qual deverá ser vascularizado quando
? Considerando que todas as pseudoartroses do polo proximal compreendem um fragmento necrótico, estes
subtipos seriam obrigatoriamente acompanhados pela letra n.
houver necrose do polo proximal. Para os
casos de artrose avançada, SNAC 2 ou 3,
o tratamento da pseudoartrose deixa de
então, classificada como tipo 1ia, outra tratadas cirurgicamente, pois diante de tal ser prioritário. Neles, o objetivo do tra-
do colo com necrose, mas sem instabilida- possibilidade (3B ina), uma cirurgia de tamento somente será alcançado com ci-
de ou artrose, seria classificada como sen- salvamento (artrodeses, carpectomia ou rurgias de salvamento ou com a artrodese
do do tipo 2n. Assim, a pseudoartrose de quatro cantos) seria muito provável, visto do punho.
melhor prognóstico seria a do tipo 1 e a de a pequena possibilidade de um enxerto Os métodos mais utilizados para tra-
pior prognóstico, a do tipo 3ina. vascularizado posterior dar bom resulta- tar a pseudoartrose do escafoide são os-
Quando se diz que as pseudoartroses do. Afortunadamente, fratura e pseudo- teossíntese, enxerto ósseo, enxerto ósseo
do polo proximal com fragmento infe- artrose apenas da porção dorsal do polo vascularizado, sinostose fibrosa, ressecção
rior a um quinto do tamanho do osso proximal são muito raras. As chances de do polo distal, artrodese escafolunar com
podem ser tratadas com a ressecção des- consolidação de uma fratura da porção enxerto, denervação do punho, carpec-
se fragmento, arrisca-se estar ressecando dorsal do polo proximal com osteossínte- tomia da fileira proximal, artrodese dos
um pequeno fragmento (menos que um se imediata seriam maiores, mesmo com a quatro cantos com ressecção do escafoide,
quinto) onde está inserida a porção dorsal possibilidade de se tratar de um fragmen- artrodese mediocarpal, artrodese radioes-
do ligamento escafolunar, comprometen- to com a vascularização comprometida. cafoide, substituição protética e artrodese
do de forma irreversível a estabilidade do Deve-se ter atenção redobrada às fratu- do punho. A opção do tratamento é de-
carpo, o que não ocorreria se o fragmento ra da porção anterior do polo proximal terminada pelo aspecto radiológico/TC/
fosse palmar, incluindo nele apenas o li- (frequentes), associadas (raro) à lesão da RM da pseudoartrose e do punho, o que
gamento escafolunar anterior. Com base porção dorsal do ligamento escafolunar. obriga a realizar exames de qualidade. A
nisso, recomenda-se a divisão do tipo 3 Nesses casos, o reparo do ligamento é de TC permite avaliar com precisão o ângulo
em A e B, e o tipo A incluiria a pseudoar- crucial importância. Uma dica importan- intraescafoide, a translação entre os frag-
trose de todo o polo proximal ou apenas te para saber se há comprometimento da mentos e o ângulo capitatolunar6. A RM é
a sua porção anterior e o tipo B, apenas a porção dorsal do ligamento EL é a pre- ideal para avaliar a vascularização do osso
porção posterior do polo proximal. Qual sença de DISI associada à pseudoartrose e possíveis lesões ligamentares associadas,
seria, então, a diferença prognóstica entre do polo proximal anterior. Portanto, as mas deve-se lembrar que em muitos casos
a pseudoartrose 3A e a pseudoartrose 3B? lesões de pior prognóstico são aquelas em a alteração de sinal é temporária por se tra-
No tipo 3A, caso o fragmento seja apenas que há pseudoartrose do polo proximal, tar de isquemia transitória
anterior, sua ressecção é permitida; caso com necrose, DISI por lesão do ligamen-
seja de todo o polo proximal, a consoli- to escafolunar e artrose. TRATAMENTO
dação será possível com o uso de enxerto É importante salientar, que o diag-
ósseo vascularizado do rádio distal por via nóstico de instabilidade como consequên- Procedimentos reconstrutivos
anterior ou posterior. No tipo 3B com cia do colapso e angulação do escafoide é O procedimento de Russe ainda tem
fragmento menor que um quinto, não feito baseado nas relações do ângulo late- grande valor, sendo indicado a casos em
se pode ressecar o fragmento, que não é ral intraescafoide24 e dos ângulos rádio e que não exista colapso do escafoide nem
acessível por via anterior, visto que o frag- intercarpal, em radiografias padronizadas necrose do polo proximal. Consiste na
mento é da porção posterior do polo pro- para tais estudos (AP e perfil absolutos do abordagem palmar e colocação de enxerto
ximal. Seria necessário um enxerto ósseo punho), bem como pelo índice largura- corticoesponjoso da crista ilíaca em loja
vascularizado para esse fragmento que é comprimento do escafoide no corte sagital escavada em ambos os fragmentos. Sua
todo coberto por cartilagem, o que seria do escafoide na TC25,26. Deve-se suspeitar desvantagem é o tempo prolongado de
praticamente impossível de se realizar, de diagnóstico de necrose óssea quando imobilização. A fixação com um ou dois
pois o pedículo do enxerto vascularizado houver esclerose do polo proximal, sen- fios de Kirschner proporciona estabilida-
ficaria interposto no espaço radioescafoi- do confirmado somente com RM ou no de, aumenta a possibilidade de consolida-
de, especialmente com a extensão do pu- peroperatório. Quase sempre há perda do ção e diminui o tempo de imobilização.
nho. Esse é um dos motivos pelos quais suprimento sanguíneo nas pseudoartroses O enxerto em cruz de malta, retirado da
as fraturas do polo proximal devem ser do polo proximal do escafoide27. Ausência crista ilíaca, também é uma boa opção aos

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 33


casos de colapso mediocarpal em que não cirúrgico não obteve sucesso, mas ainda para se consolidarem. Se as radiografias e a
haja necrose do polo proximal. há possibilidade de consolidação. Trata-se TC não forem suficientes para constatar a
Para os casos em que há colapso com de um procedimento que exige maior ha- consolidação, a RM será útil para compro-
alteração do angulo intraescafoide, reco- bilidade do cirurgião e profundo conhe- var não só a consolidação, mas também
mendam-se interposição de enxerto cor- cimento do suprimento sanguíneo ósseo para mostrar sinais de revascularização do
ticoesponjoso em cunha da crista ilíaca do rádio distal. A artéria suprarretinacular polo proximal. Caso a evolução não seja
e fixação com parafuso autocompressivo intercompartimental 1-2 (ASRIC1/2)34 satisfatória, deve-se preparar o paciente
retrógrado31,32,33. Indica-se essa técnica às é a preferida para o levantamento do en- para reintervenção com enxerto vasculari-
pseudoartroses do escafoide, em que há xerto ósseo vascularizado, embora outras zado levantado de outro sítio.
aumento do ângulo intraescafoide com possibilidades também sejam possíveis
consequente colapso anterior e DISI. Pelo (Figura14). O enxerto que está localizado Cirurgias de salvamento
acesso de Russe, aborda-se a pseudoartrose na face dorsorradial do punho pode ser Os procedimentos de salvamento se-
e, após a retirada do tecido fibroso e reviva- levado à face anterior, passando-o sob os rão reservados aos casos em que todas as
mento das bordas e curetagem dos cistos, tendões do APL e EPB, até alcançar o sí- possibilidades para reconstrução do es-
corrige-se o ângulo intraescafoide e insere- tio da pseudoartrose pelo acesso anterior cafoide com pseudoartrose foram esgo-
se na falha óssea criada anteriormente, en- de Russe. O enxerto levantado da face an- tadas ou aos casos com artrose avançada
xerto em cunha, retirado da crista ilíaca. O terior do rádio36 também pode ser usado, (SNAC 2 e 3).
enxerto é, então, fixado e comprimido en- mas além de exigir dissecção mais ampla, A cirugia de Bentzon consiste em in-
tre os fragmentos com parafuso de Herbert não proporciona um suporte ósseo tão terpor cápsula articular no foco da pseu-
retrógrado (Figura 12). Contraindica-se robusto para os casos que exijam alonga- doartrose para torná-la livre de dor. Não
essa técnica aos casos em que haja necrose mento anterior do escafoide. A fixação do impede a progressão da artrose nem evita
óssea, o que pode ser facilmente verificado enxerto pode ser feita com fios de Kirsch- o colapso carpal.
no peroperatório. Para as pseudoartroses ner ou parafuso de Herbert. Tal parafuso A artrodese radioescafoide alivia a dor,
com até dois anos de evolução, em que pode comprometer a integridade do frágil mas restringe a amplitude de movimento,
não há alterações císticas, necrose do polo enxerto vascularizado, mas proporciona além de não impedir a progressão da artro-
proximal, colapso do escafoide (DISI) ou índice maior de consolidação que nos ca- se, pelo contrário, acelerando sua progressão
artrose, uma boa opção é o uso de osteos- sos fixados com fios de Kirschner37. Deve- na mediocarpal. Isso se deve ao bloqueio da
síntese com um ou dois parafusos, sem en- se usar imobilização com gesso longo até mediocarpal pelo polo distal do escafoide
xerto ósseo (Figura10). a completa consolidação da pseudoartro- estático. Esse problema é facilmente resolvi-
O enxerto ósseo vascularizado34-36 se, que será constatada por radiografias e do pela ressecção do polo distal do escafoide
(Figura 13) está sempre indicado nos ca- também por TC. Deve-se ressaltar que as desbloqueando a mediocarpal e evitando o
sos em que houver necrose óssea do polo pseudoartroses com necrose óssea neces- impacto, levando à melhora da ADM e im-
proximal ou naqueles cujo tratamento sitam de tempo muito mais prolongado pedindo a progressão da artrose.

Figura 12: Osteossíntese de pseudoartrose do colo do escafoide com interposição de enxerto corticoesponjoso em cunha e
fixação com parafuso de Herbert retrógrado.

34 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Figura 13. Pseudoartrose do polo proximal do escafoide com necrose óssea e sem instabilidade ou artrose tratada com
enxerto ósseo vascularizado do rádio distal (ASRIC1/2) colocado por via anterior.

A ressecção do polo distal do esca-


fóide deve ter sua indicação restrita aos
pacientes com baixa demanda física e que
têm a borda radial do punho acometida
por artrose (SNAC 1), em que proce-
dimentos prévios tenham falhado em
conseguir a consolidação e o polo distal
do escafoide mostre-se radiologicamente
sem condições de aceitar novo procedi-
mento reconstrutivo. É um procedimen-
to pouco invasivo, quando realizado por
artroscopia, e requer tempo mínimo de
imobilização. Com frequência, os pa-
cientes desenvolvem DISI e a artrose
Figura 14. Pseudoartrose do polo proximal tratada com enxerto ósseo pode advir futuramente (Figura 15).
vascularizado baseado na artéria compartimental 4/5 e colocado por Indica-se ressecção da fileira proximal
via posterior. aos casos em que não exista artrose me-

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 35


denervados. Na artrose restrita à borda
radial do punho, denervam-se apenas os
seis primeiros pontos e, para a panartrose
do punho, deverão ser denervados todos
os dez pontos. Esse procedimento pro-
porciona resultados muito bons nos casos
de artrose pós-fratura do rádio distal, mas
nem tão promissores com a artrose do pu-
nho por pseudoartrose do escafoide. Em
ambos os casos, alivia a dor, mesmo que
parcialmente, mas não impede nem acele-
ra a progressão da artrose.
A artrodese é a última alternativa
para o tratamento das patologias do pu-
nho, em que todas as outras opções de
tratamento tenham falhado. Esse é um
assunto que deve ser tratado com todo
o cuidado com o paciente, visto sua irre-
versibilidade, especialmente se este é por-
tador de patologias do membro superior
contralateral ou do ombro ou cotovelo
ipsilateral. Alivia por completo a dor e
recupera a força. A posição da artrodese
deve ser cuidadosamente discutida com
o paciente, levando-se em conta o lado
dominante, a profissão, o sexo, a idade e
Figura 15. Ressecção do polo distal do escafoide por via artroscópica em estado funcional do punho contralateral.
paciente portador de pseudoartrose do polo proximal com necrose e SNAC 1, em Trata-se de procedimento extremamente
que tratamentos prévios não surtiram efeito. seguro, apesar de limitante. É uma ótima
opção para pacientes braçais, em que o
tratamento prévio não evolui bem.
Para as pseudoartroses do subtipo 3A
(fragmento anterior ou todo o polo proxi-
diocarpal (cabeça do capitato com boa mal), o enxerto ósseo vascularizado seria
cobertura cartilaginosa) e a fossa do se- colocado anteriormente e, para aquelas do
milunar também não esteja comprome- subtipo 3B, este seria colocado posterior-
tida, como geralmente ocorre, até o está- mente. Como descrito anteriormente, o
gio SNAC 2 (Figura 16). Deve-se evitá-la enxerto é levantado com base na artéria su-
em pacientes jovens, devido à perda de prarretinacular intercompartimental 1/2 e
ADM e força. levado à face palmar sob os tendões EPB e
A artrodese dos quatro cantos com APL. Para as pseudoartroses com até dois
ressecção do escafoide também é indica- anos de evolução, que não tenham co-
da a casos de colapso avançado (SNAC lapso do escafoide, necrose do fragmento
2 e 3), ou àqueles em que a tentativa de proximal nem artrose ou cistos, indica-se
reconstrução do escafoide tenha falhado osteossíntese com um ou dois parafusos
e as alternativas para o tratamento sejam anterógrados ou retrógrados, dependendo
limitadas (Figura 17). Trata-se de um pro- da localização do traço (Figura 10).
cedimento que também leva à restrição da
ADM e da força. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A denervação do punho está indicada O diagnóstico e tratamento das fratu-
nos casos de artrose ou pan-artrose do pu- ras e das pseudoartroses do escafoide con-
nho, em que ainda exista ADM ativa igual tinuam sendo um desafio aos cirurgiões da
ou superior a 60o e o paciente não con- mão. O bom resultado do tratamento de-
corda com a artrodese. É muito importan- Figura 16. Carpectomia da fileira pende diretamente do diagnóstico preco-
te frisar que toda denervação tem de ser proximal realizada por artroscopia. ce e da escolha correta para cada caso em
precedida do teste para denervação, feito Observe o bom aspecto radiológico particular (Tabela 3). Recomenda-se oste-
com quantidade mínima de anestésico da fossa do semilunar e da cabeça ossíntese as fraturas do polo proximal e as
(0,5 ml) para cada um dos pontos a serem do capitato. fraturas do colo que apresentam instabi-

36 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Tabela 3. Sugestões do autor para tratamento da pseudoartrose do escafoide com base na classificação proposta
Tipo de pseudoartrose do escafoide Tratamento proposto
Tipo 1 Osteossíntese com parafuso retrógrado
Tipo 2 Osteossíntese com parafuso (1 ou 2) anterógrado ou retrógrado
Tipo 3a* Enxerto ósseo vascularizado anterior e osteossíntese com fio de Kirschner ou parafuso
anterógrado
Tipo 3b* Enxerto ósseo vascularizado posterior e osteossíntese com fio de Kirschner ou parafuso
anterógrado
Tipo 1i Enxerto ósseo em cunha anterior e osteossíntese com parafuso retrógrado
Tipo 1n Enxerto ósseo vascularizado anterior ou posterior e fixação com fio de Kirschner
Tipo 1a SNAC I: enxerto ósseo em cunha e osteossíntese com parafuso retrógrado com
estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 1in Enxerto ósseo vascularizado anterior e fixação com fio de Kirschner ou parafuso
Tipo 1ia SNAC I: enxerto ósseo em cunha e osteossíntese com parafuso retrógrado com
estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 1na SNAC I: enxerto ósseo vascularizado anterior e fixação com fio de Kirschner ou
parafuso retrógrado e estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 1ina SNAC I: enxerto ósseo vascularizado anterior e fixação com fio de Kirschner ou
parafuso retrógrado e estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 2i Enxerto ósseo em cunha anterior e osteossíntese com parafuso retrógrado
Tipo 2n Enxerto ósseo vascularizado anterior ou posterior e fixação com fio de Kirschner
Tipo 2a SNAC I: enxerto ósseo em cunha e osteossíntese com parafuso retrógrado com
estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 2in Enxerto ósseo vascularizado anterior e fixação com fio de Kirschner ou parafuso
Tipo 2ia SNAC I: enxerto ósseo em cunha e osteossíntese com parafuso retrógrado com
estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 2na SNAC I: enxerto ósseo vascularizado anterior e fixação com fio de Kirschner ou
parafuso e estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 2ina SNAC I: enxerto ósseo vascularizado anterior e fixação com fio de Kirschner ou
parafuso retrógrado e estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 3n* Enxerto ósseo vascularizado anterior (3a) ou posterior (3b) e fixação com fio de
Kirschner
Tipo 3in* Enxerto ósseo vascularizado anterior (3a) ou posterior (3b) e fixação com fio de
Kirschner
Tipo 3na* SNAC I: enxerto ósseo vascularizado anterior (3a) ou posterior (3b) e fixação com fio de
Kirschner e estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
Tipo 3ina* SNAC I: enxerto ósseo vascularizado anterior (3a) ou posterior (3b) e fixação com fio de
Kirschner e estiloidectomia
SNAC II: cirurgia de salvamento
SNAC III: cirurgia de salvamento
*Todas as pseudoartroses do polo proximal são consideradas como tendo o fragmento necrótico.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 37


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38 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Instabilidade anterior traumática do
ombro: uma abordagem prática do
diagnóstico e do tratamento

RONALDO PERCOPI DE ANDRADE


Ortopedista, cirurgião do Ombro e Cotovelo do Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte

Correspondência para:
Ronaldo Percopi de Andrade
Av. Bernardo Monteiro, 1440
CEP 30150281
Belo Horizonte MG
e-mail: percopi@yahoo.com.br

RESUMO

A instabilidade anterior traumática do ombro é uma entidade complexa. A cin-


emática dessa articulação faz com que seja potencialmente instável. Das grandes
articulações o ombro é a que mais frequentemente luxa e uma complicação fre-
quente é a sua recorrência. A imobilização convencional em rotação interna não
modifica a história natural da luxação, mas parece que a imobilização em rotação
externa pode auxiliar na diminuição da recorrência. O tratamento após a redução
na população geral é conservador. Em atletas jovens de contato que usam o mem-
bro em abdução/rotação externa, há tendência ao tratamento cirúrgico primário.
A artroscopia trouxe avanços no tratamento da instabilidade, mas os critérios para
a sua indicação estão bem estabelecidos e, em determinadas situações, a recon-
strução aberta continua sendo o método de escolha.

INTRODUÇÃO Uma melhor compreensão da biome-


O ombro, dentre as grandes articu- cânica do ombro, da patologia e diagnós-
lações, é o que mais frequentemente se tico da instabilidade, como também dos
luxa, com incidência aproximada de métodos de imagem, levou a um grande
1,7% em todas as faixas etárias, e sua avanço nas técnicas de tratamento, focan-
principal complicação é a recorrência: a do a restauração da anatomia, não crian-
isso se denomina instabilidade glenou- do barreiras para o movimento fisiológico
meral, a qual pode variar de uma luxação como praticado no passado.
franca a episódios de subluxação ou até Apesar de se apresentar em qualquer
sintomas sutis de apreensão, fraqueza ou faixa etária, sua maior prevalência ocorre
apenas dor1. na fase de adulto jovem, associada a ati-

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 39


vidades físicas, o que acaba gerando um ser confundida com variações anatômicas Os ligamentos glenoumerais primaria-
importante transtorno da funcionalidade. conhecidas como complexo de Buford e mente estabilizam a articulação nos extre-
orifícios sublabrais (Figura 2)7. mos de movimentos. Cada ligamento tem
FISIOPATOLOGIA A estabilidade glenoumeral também sua função baseada em sua posição ana-
A articulação glenoumeral é minima- depende de fatores físico-químicos que tômica na cápsula, a posição do braço e o
mente contida para permitir uma grande são o volume articular limitado e a pres- grau de direção da carga aplicada na parte
amplitude de movimentos. A estabilida- são intrarticular negativa que limitam proximal do úmero.
de é mantida mediante uma complexa a translação articular. Em razão da alta O ligamento glenoumeral superior
cinemática que pode ser descrita como pressão osmótica nos tecidos intersticiais, (LGUS) e o ligamento coracoumeral
um balanço entre mobilidade e estabili- há aproximação das estruturas ósseas, di- (LCU) fazem parte do intervalo dos ro-
dade, que depende de uma interação en- minuindo os espaços mortos. Em adição, tadores e parecem limitar a translação
tre uma anatomia óssea potencialmente as forças viscoelásticas e hidrodinâmicas anterior, a translação inferior e a rotação
instável, restritores estáticos compostos no fluido sinovial criam um sistema de externa quando o braço se encontra adu-
pelo labrum glenoidal, cápsula articular adesão-coesão entre a cabeça umeral e zido e também podem limitar a translação
e ligamentos, associados à ação muscu- glenoide que permite translação, mas res- posterior quando o ombro se encontra em
lar dinâmica comandada principalmente tringe sua separação8. flexão, adução e rotação interna9.
pelos músculos do manguito rotador (Fi-
gura 1)3.
Os restritores estáticos começam pela
instável articulação entre o úmero proxi-
mal e a glenoide, já que a cabeça do úmero
tem uma superfície desproporcionalmente
maior que a glenoide, que é uma concavi-
dade rasa com pequeno raio de curvatura.
O ângulo cervicodiafisário do úmero é,
em média, 135º e a retroversão da cabe-
ça é de 30º. Na maioria dos indivíduos,
a glenoide é retrovertida em 7º e tem in-
clinação superior de 5º. Quando o braço
está aduzido, a escápula está inclinada 30º
em relação à caixa torácica4.
O labrum glenoidal funciona como
uma extensão da superfície articular da
glenoide, aumentado sua largura e pro-
fundidade e fornecendo uma âncora para
a origem das estruturas ligamentares, fa-
cilitando com isso o mecanismo conca-
vidade-compressão quando a cabeça do
úmero é comprimida na glenoide durante
a ação dos músculos do manguito rotador.
Figura 1. A articulação glenoumeral é minimamente contida para permitir uma
Em todo arco de rotação, apenas 25% a
grande amplitude de movimentos. Sua estabilidade depende da interação entre
30% da cabeça do úmero se mantém em
anatomia óssea, labrum glenoidal, cápsula articular e ligamentos, associada à ação
contato com a glenoide e, por essa razão,
muscular dinâmica comandada pelos músculos do Manguito Rotador.
a integridade do labrum é um fator crítico
para a estabilidade da articulação5.
A lesão do labrum glenoidal que cor-
responde à sua dissociação, com os liga-
mentos glenoumerais médio e inferior da
borda anterior da glenoide é chamada de
lesão de Bankart. Isso resulta numa dimi-
nuição de 50% da profundidade da gle-
noide, como também diminui em 20%
a força de translação necessária para uma
luxação6.
A lesão de Bankart pode ocorrer iso-
ladamente ou em concomitância com
uma fratura ou erosão da borda anterior Figura 2. A - Lesão de Bankart. B - Complexo de Bufford, que não deve ser
da glenoide. A lesão de Bankart não deve confundido com lesão.

40 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


O ligamento glenoumeral médio
(LGUM) funciona como restritor passivo
da translação anteroposterior quando o
braço se encontra entre 60º e 90º de ab-
dução e rotação externa e limita a transla-
ção inferior em adução10.
O ligamento glenoumeral inferior
(LGUI) consiste em uma banda anterior
e posterior e restringe a rotação externa
do ombro em posição neutra e abdução.
O LGUI tem sido descrito como uma
rede de quatro pés (hammock), limitando Figura 3: A - Labrum e banda anterior do LGUI íntegros. B - desinsserção do
a translação anterior da cabeça em rotação labrum e banda anterior do LGUI.
externa e translação posterior em rotação
interna. Em 90º de abdução, o LGUI é o
restritor primário da translação anterior. ANATOMOPATOMIA cientes no primeiro episódio de luxação
Estudos mostram que a lesão do LGUI A instabilidade glenoumeral pode ad- traumática por artroscopia, verificaram
em associação com o labrum anteroinfe- vir de diferentes causas, como um evento que 97% deles apresentavam lesão de
rior é o suficiente para desenvolver ins- traumático único que gera insuficiência Bankart. A deformação plástica da cáp-
tabilidade anterior recorrente do ombro de uma estrutura anatômica específica, sula articular provocada pelo primeiro
(Figura 3)5. como lesão de Bankart, fratura da glenoi- episódio do trauma também é um com-
Lippitt et al.3 demonstraram que a de ou ruptura capsular. Pode também ser ponente importante para instalação da
ação do manguito rotador tem um impor- provocada por microtrauma repetitivo, recorrência da luxação.
tante papel na estabilidade glenoumeral, resultando em deformação plástica ou A lesão de Bankart pode se apresen-
mediante a compressão da cabeça umeral atenuação dos tecidos moles que contri- tar como uma desinserção capsulolabral
na glenoide, sendo essa ação conhecida buem com a estabilidade do ombro. Fi- pura ou como avulsão óssea e a definição
como “compresão-concavidade”. O efeito nalmente, também pode ser ocasionada dos tipos de lesão é importante princi-
estabilizador da compressão na concavi- pela chamada instabilidade voluntária, palmente nas instabilidades recorrentes
dade depende da integridade do labrum que é obtida por meio de contração se- para se determinar o tratamento corre-
que aumenta a profundidade da glenoide letiva muscular, sendo mais frequente em to. Quando há perda óssea da glenoide
como também da magnitude das forças indivíduos hipermóveis. torna-se necessária a avaliação por ima-
de compressão. A “compressão-concavi- Lesão de Bankart: é a lesão patológi- gem radiológica específica (incidência de
dade” parece ser um importante meca- ca que mais comumente leva a luxação Bernargeau e/ou West Point) ou prefe-
nismo estabilizador durante a amplitude ou subluxação recorrentes da articulação rencialmente por tomografia computa-
média de movimentos da glenoumeral do ombro. Essa lesão descrita anterior- dorizada para se definir o percentual da
quando as estruturas capsuloligamentares mente envolve a desinserção do labrum perda óssea (Figura 4).
estão frouxas. Os movimentos coordena- anteroinferior da glenoide com a banda Lesão capsular: lesões da cápsula e
dos das articulações escapulotorácica e anterior do LGUI e do LGUM. Taylor e ligamentos frequentemente acorrem na
glenoumeral fornecem estabilidade adi- Arciero12, ao avaliarem uma série de pa- luxação traumática do ombro. Além da
cional (Figura 1).
A estabilidade glenoumeral também
é propiciada pelas terminações nervosas
proprioceptivas da cápsula articular que
modulam a contração muscular preve-
nindo o excesso de translação durante os
movimentos que exigem a mão acima da
cabeça. Estudos histológicos e neurofisio-
lógicos demonstraram a presença de me-
canorreceptores na articulação do ombro
que fornecem informações quanto a posi-
ção, direção e velocidade articular, corre-
lacionando o déficit proprioceptivo com
o ombro instável. Segundo esses estudos,
a frouxidão capsuloligamentar leva a um Figura 4. A determinação da perda
atraso na reação neuromuscular e, nessas óssea da glenoide nas lesões de
condições, os mecanorreceptores não são Bankart é de fundamental importância
estimulados até que a cabeça do úmero e a TC pode com precisão quantificar
subluxe e a cápsula seja alongada11. essa perda.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 41


lesão capsuloligamentar, a cápsula ante- Finalmente, há outra lesão capsuloli- e em todas as instabilidades anteriores
rior é submetida a um forte estiramento, gamentar também encontrada na insta- recorrentes do ombro. O defeito geral-
o que provoca, na maioria das vezes, uma bilidade recorrente conhecida pela sigla mente é pequeno e normalmente não
importante deformação plástica dessa es- ALPSA (anterior labroligamentous perioste- contribui para a instabilidade, mas se a
trutura ou até mesmo sua ruptura. al sleeve avulsion), que significa cicatriza- lesão for maior que 30%, poderá pro-
A lesão capsular pode então se apre- ção medial na glenoide do complexo cap- duzir um fenômeno conhecido como
sentar de três formas diferentes: na sua suloligamentar, resultando em perda do engagement (travamento) que deverá ser
origem na glenoide, com o labrum e liga- efeito de anteparo e da tensão do LGUI. abordado quando do tratamento da pa-
mentos glenoumerais (lesão de Bankart), Seu reconhecimento pode ser feito por tologia (Figura 7)18.
na sua substância devido ao estiramento ressonância magnética, mas sua confirma- Perda óssea da glenoide: na instabili-
provocado pelo trauma, gerando uma ção se faz por artroscopia (Figura 5)16. dade traumática recorrente, os repetidos
deformação plástica da cápsula anterior, Lesões labrais superiores: também episódios de luxação podem levar à perda
e, finalmente, na sua inserção umeral, a conhecidas como lesões em SLAP se as- óssea da glenoide e, dependendo de sua
cápsula pode ser lesada com a inserção sociam à instabilidade glenoumeral. Es- magnitude passa a ter importante papel
dos ligamentos glenoumerais. Essa últi- tudos experimentais mostraram que essas na determinação do tipo de tratamento a
ma conhecida como lesão HAGL (hu- lesões provocam um aumento importante ser estabelecido. Se o comprimento do de-
meral avulsion of glenohumeral ligaments), da translação anteroposterior e superoin- feito excede o raio da glenoide no seu diâ-
apesar de rara, pode acontecer e deve-se ferior da cabeça do úmero na glenoide, metro máximo, a força necessária para que
sempre suspeitar dela quando houver ins- principalmente na fase inicial de elevação a luxação ocorra diminui em 30%. Estu-
tabilidade traumática recorrente sem lesão do ombro. Não é infrequente a associação dos mostram que perda superior a 25%
óssea ou lesão de Bankart. O diagnóstico da lesão em SLAP com as lesões labrais da superfície da glenoide é fator de risco
dessa lesão é difícil, pois em apenas 20% anteroinferiores (Figura 6)17. para a reconstrução capsulolabral. Nesses
dos casos pode ser vista no RX (quando Lesão de Hill-Sachs: uma luxação pri- casos, uma tomografia computadorizada
há avulsão óssea na inserção umeral), mas mária ou instabilidade recorrente pode mostra uma imagem de pera invertida da
existe um achado patognomônico da lesão provocar fratura de impressão na região glenoide e a reconstrução óssea é a melhor
HAGL na ressonância magnética denomi- posterolateral da cabeça umeral, que é opção18.
nada sinal do J. Seu reconhecimento é im- denominada de lesão de Hill-Sachs. En- Fratura da tuberosidade maior do
portante por ser uma lesão de tratamento contra-se presente em praticamente 90% úmero: Em um terço das luxações trau-
cirúrgico13-15. das luxações traumáticas da glenoumeral máticas agudas da glenoumeral, pode

Figura 5. A - Lesão em ALPSA mostrando a cicatrização medial do complexo capsulolabral. B - Após seu descolamento
e C - Reconstrução cirúrgica com a criação de um anteparo anterior.

Figura 6. As lesões SLAP podem vir associadas às lesões labrais anteroinferiores,


que, por si só, aumentam a translação da cabeça umeral.

42 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


Itoi et al.23, em um estudo inicial
em cadáveres, simularam uma lesão de
Bankart e com transdutor linear demons-
traram por meio de modificação do posi-
cionamento do braço que as margens da
lesão simulada eram coaptadas no arco de
movimentos que partia da rotação inter-
na máxima a 30º de rotação externa. A
chamada área de coaptação foi observada
quando as margens da lesão se aproxi-
maram. Portanto, o ombro mostrou que
potencialmente tem a condição de aproxi-
mar o labrum desgarrado junto à glenoide
pela escolha de uma posição de imobiliza-
ção em rotação externa.
Os mesmos autores testaram essa hi-
pótese em ombros com luxação primária,
usando a ressonância magnética como
forma de constatação. Os ombros foram
colocados em rotação interna e externa. A
separação e o desvio do labrum eram sig-
nificativamente menores quando o ombro
Figura 7. A lesão de Hill-Sachs, dependendo do tamanho e da direção, pode provocar o era colocado em rotação externa, o que
fenômeno do “travamento”, quando o ombro se encontra em abdução/rotação externa. poderia aumentar o potencial de cicatri-
zação da lesão quando imobilizado nessa
posição24.
haver fratura do tubérculo maior e essa perguntas que serão enumeradas a seguir Com base nesses estudos, os autores
incidência pode elevar-se com o aumento precisam ser respondidas? fizeram um estudo clínico preliminar,
da idade dos pacientes. A maioria delas, 1. A imobilização melhora o prognós- comparando grupos imobilizados com ro-
após a redução da luxação, volta ao seu tico da luxação primária? tação externa e interna por três semanas
leito anatômico, não havendo necessidade 2. Há diferença entre a imobilização e demonstraram, num seguimento médio
de tratamento complementar. A presença em rotação interna ou externa do de 15,5 meses, que o índice de recorrên-
da fratura diminui a incidência de recor- ombro? cia dos pacientes imobilizados em rotação
rência da luxação19. 3. Há indicação cirúrgica na luxação externa era de 0% e nos imobilizados em
primária? rotação interna, de 30%. Os resultados
AVALIAÇÃO CLÍNICA DO A imobilização em tipoia do tipo Vel- preliminares levaram a um estudo multi-
PACIENTE COM LUXAÇÃO peaux após redução é praticada desde os cêntrico com maior tempo de observação
TRAUMÁTICA AGUDA (PRIMEIRO tempos de Hipócrates como forma de evi- (dois anos) e as taxas de recorrência foram
EPSÓDIO) E ABORDAGEM DO tar a recorrência da luxação. Hovelius20, de 26% para o grupo imobilizado em ro-
TRAMENTO em um estudo multicêntrico feito na Su- tação externa e de 42º para os imobiliza-
Aspectos clínicos precisam ser obser- écia, avaliou 250 pacientes (257 ombros) dos em rotação interna. No entanto, vá-
vados no primeiro episódio de luxação do com idades entre 12 e 40 anos e que ti- rios trabalhos da literatura mostraram que
ombro, como a magnitude do trauma que veram luxação primária do ombro. Um a imobilização em rotação externa não foi
provocou a luxação e a característica de grupo foi tratado com imobilização em tão efetiva quanto descrita pelos precurso-
sua redução. A redução pode ser espontâ- rotação interna clássica e outro, sem imo- res do método25.
nea, ser autorreduzida ou com necessidade bilização. Esses pacientes foram avaliados, Respondendo à segunda questão, ape-
de redução assistida. As respostas podem com cinco anos, dez anos e, em 2008, sar de o método se apresentar promissor,
determinar se a etiologia primária da luxa- com 25 anos de evolução. Os autores havendo a possibilidade de que a imobi-
ção é um episódio verdadeiramente trau- mostraram que o índice de recorrência da lização em rotação externa possa alterar a
mático com ruptura capsulolabral ou se há luxação não apresentou diferença estatisti- história natural da instabilidade traumá-
presença de frouxidão capsuloligamentar. camente significativa entre os dois grupos. tica, ainda será necessária uma avaliação a
Na maioria das vezes, a luxação trau- Outros trabalhos da literatura corroboram longo prazo para que evidências de níveis 1
mática necessita de redução assistida e os achados de Hovelius et al.21,22, fazendo e 2 possam comprovar o método.
várias são as manobras descritas como as com que se possa responder à primeira Com o maior entendimento da patolo-
de Kocher, Stimson, Milch etc. Após a pergunta: a imobilização convencional em gia e o refinamento das técnicas cirúrgica, a
redução é que surge o grande dilema: a tipoia com rotação interna não modifica o literatura vem mostrando maior indicação
possibilidade de recorrência da luxação. índice de recorrência da luxação anterior de tratamento cirúrgico da instabilidade
Se essa é a principal complicação, algumas primária do ombro. traumática do ombro, mesmo após o pri-

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 43


meiro epsódio. Alguns autores preconizam gundo dados da literatura, vários aspectos No exame clínico, a avaliação da ampli-
a reconstrução primária em pacientes jovens devem ser considerados, como a idade do tude de movimentos é imperativa, compa-
atletas devido ao alto índice de recorrência paciente, seu envolvimento com atividade rando-a com o lado contralateral. A presen-
com o tratamento conservador26-27. Numa física, tipo específico de atividade, como ça do sinal do sulco, sinal da gaveta anterior
pesquisa na Inglaterra com um grupo de ci- também a avaliação do paciente após a e posterior e testes para frouxidão capsulo-
rurgiões ortopédicos, 19% recomendaram redução incruenta. A indicação cirúrgica ligmentar são importantes para se avaliar a
estabilização imediata no jovem envolvido estaria restrita a atletas jovens de arremes- associação da instabilidade traumática com
com atividades de contato na primeira luxa- so que apresentam apreensão após a fase hiperelasticidade. Os testes provocativos,
ção glenoumeral28. Há evidências que corro- aguda da redução, como também àqueles especialmente da apreensão e da recoloca-
boram o tratamento cirúrgico primário em jovens com alta demanda física manual ção, devem ser feitos e, se positivo, definem
adultos jovens que estejam envolvidos em ati- que também apresentam apreensão após não apenas a presença da instabilidade,
vidades físicas de alta demanda. Um estudo pequeno período de repouso articular. como também a sua direção.
prospectivo não randomizado de jogadores Portanto, na população geral, o tratamen- A avaliação por imagem deve ser feita
de rugby mostrou que 95% dos atletas tive- to preconizado para a luxação primária é por meio de radiografias em AP, perfil esca-
ram recidiva nos primeiros 18 meses quando a redução incruenta seguida de pequeno pular e incidência axilar, que é muito útil
tratados conservadoramente. Em contraste, período de repouso articular e de retorno para visualizar defeitos ósseos da glenoide
apenas 5% dos tratados cirurgicamente apre- às atividades quando o paciente se tornar (incidência de West Point ou Bernargeau).
sentaram recidiva26. Outro estudo rando- assintomático. A incidência de Stryker, que é feita com o
mizado feito com militares jovens mostrou, paciente em decúbito dorsal, elevação de
num período médio de 36 meses, recidiva de AVALIAÇÃO CLÍNICA DO 90º (mão na cabeça) com o aparelho em
75% nos tratados conservadoramente e de PACIENTE COM INSTABILIDADE posição de 10º cefálico, mostra as lesões
12% nos tratados cirurgicamente27. ANTERIOR RECORRENTE E de Hill-Sachs da cabeça umeral.
Hovelius et al., em estudo multicên- ABORDAGEM DO TRATAMENTO A ressonância magnética com contras-
trico de instabilidade primária com longo Vários aspectos clínicos necessitam te pode ser utilizada para definir patolo-
seguimento clínico, dividiram os pacien- ser observados em pacientes com insta- gias de partes moles, incluindo lesões la-
tes em três diferentes grupos, levando em bilidade recorrente, pois podem definir o brais, lesões do manguito rotador e lesões
consideração a faixa etária. melhor método de tratamento, bem como ligamentares do tipo HAGL na cabeça do
O primeiro grupo composto de pa- o seu prognóstico: a idade do paciente, a úmero. As tomografias computadorizadas,
cientes com idade inferior a 22 anos teve característica do primeiro evento, a magni- particularmente as com reconstruções tri-
um índice recorrência de 47%, e outros tude do trauma e a forma de redução desse dimensionais, são muito úteis para definir
15% tinham a sensação subjetiva de insta- episódio. As respostas do paciente podem o grau e perda óssea da glenoide e da cabe-
bilidade, totalizando 62%. ajudar o cirurgião a determinar se a etiolo- ça umeral (Figuras 4 e 8)29.
O segundo grupo entre 23 e 29 anos gia primária da instabilidade é uma frouxi- A maioria dos pacientes com instabili-
teve um índice de recorrência de 26%, e dão capsular generalizada ou um episódio dade anterior recorrente necessita de trata-
20% tinham sensação subjetiva de insta- traumático verdadeiro com ruptura capsu- mento cirúrgico. A reabilitação não é bem-
bilidade, totalizando 46%. lolabral. O número de luxações, idade, ní- sucedida como tratamento, já que as lesões
O terceiro grupo entre 30 e 40 anos vel de atividade e dominância precisam ser essenciais não têm potencial de cicatrização
teve um índice de recidiva de 13%, e 12% observados. Altos índices de recorrência espontânea. Apesar disso, deve-se evitar tra-
tinham sensação subjetiva de instabilidade. são encontrados em pacientes jovens com tamento cirúrgico em pacientes mais velhos
Hovelius et.21 em dez anos de se- idade inferior a 25 anos, participantes de com baixa demanda física que têm pouca
guimento, mostraram que 129 ombros atividades atléticas de contato. sintomatologia e cujos intervalos das luxa-
(52%) não tiveram luxações adicionais e
apenas 23% de todas as luxações recorren-
tes necessitaram de cirurgia, mas quando
avaliaram somente o grupo mais jovem,
34% necessitaram de procedimento ci-
rúrgico. Tais autores sumarizam em seu
trabalho com 25 anos de evolução que a
metade dos pacientes jovens não teve re-
corrência da luxação ou se tornou estável
com o passar do tempo, embora nunca te-
nha se submetido a tratamento cirúrgico.
Os autores acreditam que predisposição
biológica e idade são importantes fatores a
considerar com respeito à recorrência após
a luxação primária do ombro22.
Respondendo à pergunta se há indica- Figura 8. Ressonância com contraste é um ótimo método complementar para
ção cirúrgica para a luxação primária, se- visualizar as lesões labrais.

44 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


ções são grandes. Esses podem se beneficiar Um defeito na superfície articular espinhoso para o defeito ósseo, tendo a
com um programa de reabilitação27. da cabeça umeral (lesão de Hill-Sachs) função de tenodese. A artroplastia de re-
Os objetivos do tratamento cirúrgico pode ser encontrado em 80% das luxa- vestimento parcial com prótese metálica
da luxação anterior recorrente são reparar ções traumáticas e em 100% das luxações que seria uma outra opção, tem também
a lesão de Bankart, restaurando o baten- recorrentes. Essas lesões são geralmente ganhado popularidade por meio do tra-
te do labrum anteroinferior, bem como pequenas e têm pouca repercussão na balho de Iannott et al. apesar do pequeno
retensionar o complexo capsulolabral an- função do ombro ou na escolha do tra- número de casos (Figura 10)35,36.
terior. Há muitas técnicas cirúrgicas tra- tamento se esta for menor que 20% da Quando não há defeito ósseo signi-
dicionais que promovem esses objetivos, superfície articular. A lesão de Hill-Sachs ficativo na glenoide, como na maioria
sendo as mais consagradas reparo aberto pode ser problemática quando a lesão é das instabilidades, a capsuloplastia com
de Bankart, bloqueio ósseo de Bristow- grande e “encrava” na borda da glenoi- reconstrução labral é o método de esco-
Latarget-Patte e, mais recentemente, as de. Esse fenômeno descrito por Burkhart lha, podendo ser feito por via aberta ou
técnicas artroscópicas, que mesmo em et al. como engagement é uma lesão que artroscopia. Isso gera uma reconstrução
atletas de contato mostram resultados se- apresenta o longo eixo do defeito parale- mais anatômica, possibilitando uma recu-
melhantes às tradicionais. lo à glenoide anterior33. Quando o om- peração mais funcional. Com o aprimora-
Com a melhoria da técnica artroscó- bro está em posição de abdução rotação mento da técnica artroscópica e a possibi-
pica, o índice de recorrência diminuiu, externa, a lesão de Hill-Sachs “encrava” lidade de cada vez um número maior de
podendo ser comparado com os métodos na borda da glenoide. A identificação do cirurgiões apresentarem habilidade com
abertos, com a vantagem de apresentar “encravamento” é um processo dinâmico o método, passou a ser o escolhido e os
melhor funcionalidade devido à recons- que exige exame físico e frequentemente resultados se mostraram equivalentes aos
trução mais anatômica. Isso se deve ao diagnóstico artroscópico para efetivamen- do método aberto. Há ainda a grande van-
advento das âncoras de sutura que con- te avaliar a contribuição da lesão da cabe- tagem do tratamento das lesões associadas
feriram maior segurança na reconstrução ça umeral na instabilidade do ombro33. que podem ser mais bem diagnosticas pela
capsulolabral através de sua colocação jus- Quando necessário, o tratamento pode ser artroscopia (Figura 11).30-32
tarticular, permitindo a reconstrução da feito por várias formas de enxerto ósseo, A disfunção do subescapular é uma
altura do batente do labrum glenoidal e incluindo da crista ilíaca e enxerto de ca- complicação descrita nas cirurgias aber-
restaurando a profundidade da concavida- dáver. Wolf et al. descreveram um méto- tas, e na cirurgia aberta primária, 53%
de. Essa técnica pode inclusive ser usada do artroscópico denominado remplissage, mostram algum grau de insuficiência do
com bons resultados em atletas de con- que é a transferência do tendão do infra- subescapular, e nas cirurgias de revisão,
tato, pacientes com pequenas fraturas da
borda da glenoide e mesmo em cirurgias
de revisão30-32.
A perda óssea da glenoide continua sen-
do uma indicação primária para bloqueios
ósseos por via aberta, usando-se a técnica
de Bristow-Latarget-Patte, já que estabiliza-
ção artroscópica nesses casos gera um alto
grau de falhas. A perda óssea da glenoide
pode ser observada em mais de 22% das
luxações iniciais e em 73% das recorrentes.
Perda óssea na região anteroinferior da gle-
noide pode resultar numa configuração de Figura 9. Apesar de a cirurgia de Latarget não recriar uma anatomia normal,
pera invertida que se associa a índice de re- fornece boa estabilização do ombro, com relatos de recorrência inferiores a 6%.
corrência de 67% quando tratada por mé-
todo artroscópico; em contraste, o índice
de recorrência é menor que 10% quando a
glenoide não apresenta esse defeito33. Per-
da óssea maior que 25% da glenoide exi-
ge reconstrução óssea através do processo
coracoide ou enxerto ósseo da crista ilíaca.
No procedimento de Latarget-Patte, o pro-
cesso coracoide é removido na sua base e
transferido com um pedaço do ligamento
coracoacromial para o quadrante anteroin-
ferior da glenoide. Apesar de não recriar
uma anatomia normal, fornece uma boa
estabilização com relatos de recorrência in- Figura 10. Lesão de Hill-Sachs. A - TC. B - Visão artroscópica. Geralmente são
feriores a 6% (Figura 9)34. pequenas e não trazem repercussão à função.

Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia – 45


Figura 11. A reconstrução artroscópica, na ausência de lesões ósseas significativas, é um método seguro, visto que, além de
criar um anteparo anterior, permite que se faça um retensionamento capsular.

91%. Sachs et al. correlacionaram os re- Os autores consideraram que rotação sejam adequadamente esclarecidos e
sultados de pós-operatório de cirurgia externa do ombro maior que 85º e hipe- a decisão seja a melhor para cada pa-
aberta com a função do subescapular. Em rabdução acima de 90º são fortemente ciente (Tabela 1).
30 pacientes seguidos por quatro anos, indicativos de hiperfrouxidão anteroinfe-
27% tinham disfunção do subescapular e, rior do ombro. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
na avaliação funcional, apenas 57% deles Dividiram os pacientes em três grupos
foram avaliados como bons e excelentes. diferentes e criaram um sistema de ava- 1. Hovelius L. Incidence of shoulder dislocation in
Nos 77% sem disfunção do subescapular, liação, que estabeleceu o prognóstico da Sweden. Clin Orthop Relat Res 1982;166:127-
31.
na avaliação funcional 91% foram consi- reconstrução artroscópica. 2. Rowe CR. Prognosis in dislocation of the shoul-
derados bons ou excelentes. Há também der. J Bone Joint Surg Am 1956;38:957-77.
maior tendência de maior perda de rota- SISTEMA DE AVALIAÇÃO 3. Lippit SB, Vanderhooft J, Harris SL, Sidles J,
Harryman DT, Matsen F III. Glenohumeral sta-
ção externa nas reconstruções abertas que DA COMPLEXIDADE DA bility from concavity-compression: a quantitative
nas artroscópica37. INSTABILIDADE analysis. J Shoulder Elbow Surg 1993;2:27-34.
Se a cirurgia artroscópica tem hoje Grupo I: total de pontos inferior ou igual 4. Saha AK. Dynamic stability of glenohumeral
joint. Acta Orthop Scand 1971;42:491-505.
resultados correspondentes aos da cirur- a 3 – índice de recorrência igual a 5%. 5. O Brien SJ, Arnoczsky SP, Warren RF, Rozbru-
gia aberta, com a vantagem de ser menos Grupo II: total de pontos inferior ou igual ch SR. Developmental anatomy of the shoulder
traumática, respeitar de maneira mais ade- a 6 – índice de recorrência igual a 10%. anatomy of glenohumeral joint. In: Matsen F,
Rockwood C (eds). The shoulder. – Philadel-
quada a anatomia e poder tratar as lesões Grupo III: total de pontos inferior ou phia, Saunders, 1990. pp 1-33.
associadas, fica a pergunta: maior que 6 pontos – índice de recorrên- 6. Itoi E, Hsu HC, An KN. Biomechanical inves-
cia igual a 70%. tigation of glenohumeral joint. J Shoulder Elbow
Surg 1996;5:407-24.
É POSSÍVEL PREVER OS RISCOS As razões para a recorrência em cirur- 7. Williams MM, Snyder SJ, Bufford D. The Bu-
DE UMA RECONSTRUÇÃO gia artroscópica são, portanto, multifato- fford complex: the corlike middle glenohume-
ARTROSCÓPICA? riais, mas as causas mais previsíveis de ris- ral ligament and absent anterosuperior labrum
complex. A normal anatomic capsulolabral va-
Os riscos da cirurgia artroscópica, co continuam sendo a idade, a perda óssea riant. Arthroscopy 1994;10:241-47.
quando da presença de falha óssea da da glenoide e a hiperelasticidade20,39,40. 8. Itoi E, Motzkin NE, Browne AO, Hoffmeyer P,
glenoide, foram extensamente discutidos Os pontos anteriores devem ser Morrey BF, An KN. Intrarticular pressure of the
shoulder. Arthroscopy 1993;9:406-13.
neste trabalho, mas existem outras condi- vastamente discutidos para que os ris- 9. Hunt SA, Kwon YW, Zuckerman JD. The ro-
ções quando associadas que podem levar cos e benefícios de cada procedimento tator interval: anatomy, pathology and stra-
a um prognóstico reservado desse proce-
dimento. Balg e Boileam38 avaliaram um
grupo de pacientes tratados por artrosco- Tabela 1. Escala de avaliação
pia com recidiva da instabilidade e, após
Fatores prognósticos Pontuação
correlacionar as possíveis causas de falha,
Idade à cirurgia d 20 anos 2
estabeleceram as condições pré-operatórias > 20 anos 0
que poderiam ser consideradas de risco: Prática esportiva Competição 2
idade inferior ou igual a 20 anos, prática Recreação 0
esportiva de competição, atividade espor- Tipo de esporte Contato ou ABER 1
tiva de contato e/ou que exige movimen- Outros 0
tos de abdução/rotação externa, presença Frouxidão do ombro Hiperfrouxidão 1
de hiperfrouxidão, percepção da lesão de Normal 0
Hill-Sachs no RX em rotação externa e Hill-Sachs no RX em AP Em rotação externa (RE) 2
perda do contorno da glenoide visível no Não visto em RE 0
RX. Com esses fatores prognósticos, criou Perda do contorno glenoide visível no RX Visível 2
uma escala de avaliação. Sem lesão 0

46 – Revista Mineira de Ortopedia e Traumatologia


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