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Maher El Maalouli não imaginava que iria gostar tanto de trabalhar com gastronomia até
abrir seu restaurante há 12 anos.
Compreende como é importante trabalhar com o que gosta e sua clientela estar satisfeita com
o seu serviço e produto. Maher estuda a composição de cada prato libânes e recria sua
história com as lembranças de cada prato, com a ajuda de sua esposa.
Nesta entrevista, Maher fala de suas experiências e histórias na cozinha e coloca sob
perspectiva sua opinião sobre a culinária brasileira, comparada à libanesa, e o mercado
alimentício para refugiados.
Você tem alguma outra profissão além de cozinhar? E você exerce a no Brasil?
Já fazem 12 anos que trabalho com gastronomia. Mas antes eu e minha família éramos
comerciantes aqui no Brasil, tínhamos atacado de armarinhos. Começamos o negócio no
mesmo ano em que chegamos, em 1985. Minha família continua trabalhando com isso, mas
eu me desvinculei no começo de 2005 quando decidi voltar para o Líbano. Depois de 6 anos
voltei para o Brasil e comecei a trabalhar com gastronomia.
Qual é a história de vocês? Qual foi o motivo que fizeram vocês virem para o Brasil?
Estávamos em guerra, no Líbano, desde 1975. Ela tinha sido iniciada próximo da minha casa,
então eu cresci com a guerra e fugindo para outras regiões para que ninguém sofresse com as
consequências do conflito. Depois veio um convite do meu tio, irmão da minha mãe, que já
morava no Brasil, querendo fazer uma reunião familiar conosco trazendo a irmã dele para
ficar perto. Entre 1978 e 1979 meus pais recusaram o convite, nos anos 80 eles começaram a
amadurecer a ideia na cabeça, para em 83-84 eles decidiram vender tudo e se mudar para o
Brasil.
Você sempre se identificou com o universo gastronômico? Antes de vir para o Brasil,
você já tinha o costume de cozinhar?
Como sou o caçula da família, sempre era o escolhido para ficar do lado da minha mãe na
cozinha e consequentemente tinha um gosto diferente por essa área. Quando comecei nesse
ramo não era um profissional formado em gastronomia, mas eu tinha acabado de me casar e
minha esposa gostava e lia sobre a culinária árabe, então ela me ajudou muito.
Minha mãe, que estava viva e morava no Líbano depois de levá-la de volta para lá, na época
me ajudava por meio de ligação de vídeo Webcam quando eu não sabia como proceder com
certo prato. Era um incremento do talento de uma pessoa que tinha o domínio sob essa
culinária.
Uma história interessante foi quando o meu sócio comprou a receita do Shawarma, ou espeto
grego como os brasileiros costumam chamar, e me trouxe no restaurante. A minha chefe de
cozinha foi tentar reproduzir e não dava certo nenhuma tentativa, então eu resolvi do jeito
mais fácil ligar para minha mãe e ela fazer em casa. Na hora minha chefe duvidou que ia
funcionar, mas depois da ligação e da receita da minha mãe nós conseguimos e acabamos
aprimorando o prato. Não fazemos no espeto como é feito, fazemos na bandeja porque
usamos a quantidade exata, todos os dias, para o prato ser fresco e de qualidade de primeira.
Você acredita que trabalhar com gastronomia é a melhor opção de trabalho para
imigrantes?
Não, é uma péssima opção. Tem muitos imigrantes que recentemente estão vindo da Síria,
montando um restaurante e tendo a filosofia de vender mais barato porque são eles que fazem
e pronto, podem já viver disso. Mas acontece que o ponto de vista mais correto para montar
um restaurante, não é entrar na cozinha e fazer o trabalho, o segredo é administrar, ser o
gestor. Eles [recém donos de restaurantes] entram na cozinha e ficam trabalhando, aí o que
acontece é que quando o homem [dono] fica doente decide fechar o restaurante, porque não
tem mais ninguém para cuidar. Todos os imigrantes sírios hoje, vem oferecer e perguntar por
oportunidade de trabalho, mas não entendem que não será com a mesma condição de um
profissional nativo ou um dos Emirados Árabes. Eles precisam procurar coisas que consigam
pagar seu patamar de sobrevivência. Os imigrantes que estão vindo, estão fazendo negócio,
mas estão fazendo manualmente, isso não funciona, eles acabam abrindo mão da vida
particular deles, eles precisam de alguém para tocar o negócio. Em doze anos eu já tive 30
funcionários trabalhando comigo.
Mas você acredita que é possível reconstruir a vida no Brasil trabalhando com
gastronomia?
Consegue, apesar de hoje termos uma grande dificuldade nesse ramo alimentício. Por
exemplo, um negócio que está na moda hoje é hamburgueria, quantas nós vimos que fechou,
abre 100 fecha 90 então só 10 sobrevivem. É claro que é possível, mas tem que saber
trabalhar, onde trabalhar e qual é o horário de trabalho. Aqui, por exemplo, eu gostaria de
trabalhar a noite, mas não consigo porque às 18:00 eu tenho que fechar, é o horário
comercial; domingo eu não consigo abrir, porque eu sei que não vende.
O certo é escolher o lugar, um ponto e localização excelente, o tipo do produto que você vai
trabalhar, se terá a opção de delivery ou não. Só para ter uma ideia, a caixa em que
embalamos a esfiha aqui, demorou um ano para chegarmos nesse design, para termos a
possibilidade de entregarmos as esfihas ainda frescas para o cliente, porque a caixa tem que
ter uma maneira de fechar e um jeito de abrir. O tempo me fez aprender, isso tem preço e
você paga ele na sua vida. Mas eu não vou chegar com essa informação na bandeja e entregar
para o concorrente, vou deixar ele descobrir, porque é o meu segredo.
Falando do preparo e composição das comidas. Quais são os ingredientes que tem nas
suas comidas árabe que não têm nas comidas brasileiras e vice-versa?
Primeiramente vamos falar dos nossos temperos, aliás para acrescentar na comida árabe cada
região do Líbano (norte sul, leste oeste) tem temperos e uma maneira diferente. Primeiro, eu
sigo a tradição de Beirute e o que se vende lá é o que vende mundialmente, agora quem se
baseia na tradição do norte do Líbano, irá vender de um jeito. Segundo, aqui nós temos a
mistura da carne, a Kafta, por exemplo, não vai ser feita da mesma forma em outros lugares
como eu faço aqui, assim como o tempero do Kibe e o tempero da Kafta. Os ingredientes, o
tahine que se usa no homus ou no baba ganoush tem que ser de primeira linha se não muda o
tempero. Se você vai em uma churrascaria e tem comida árabe, eles normalmente serve o
tabule, o homus, o baba ganoush e coalhada seca, mas são diferentes, porque eles colocam no
tabule o pepino e não existe tabule com pepino no Líbano, o baba ganoush não é só uma
pasta de berinjela, nós fazemos de uma maneira diferente, tem o trigo, o grão de bico, as
pimentas, os molhos para acompanhar, por exemplo aqui eu sirvo melaço de romã com a
baba ganoush ou com o homus, isso ninguém serve porque é importado. Então a maneira de
preparo são diferentes e são segredos que poucos sabem sobre a culinária libanesa.
O que você acha que diferencia a gastronomia do seu país com a nossa gastronomia, a
culinária brasileira? Vocês adaptaram alguma receita?
O zatar (um tempero parecido com o orégano) é importado, então eu tive que trazer de fora e
misturar um pouco com o tempero brasileiro, para poder ter mais qualidade de venda lá na
frente, mas sou eu que faço isso, ninguém mexe nessa mistura, faço com a ajuda de um
funcionário meu e depois dou para ele saborear e ver se está tudo bem e depois eu faço o teste
na esfiha para ver se está parecida com as do Líbano.
Muitos aqui no Brasil fazem comida árabe e não é igual. Vou dar um simples exemplo: o
charuto de folha de repolho se come no Líbano com molho de limão, é a mistura da água dele
com limão. Um dia veio uma cliente aqui e estranhou a forma que nós servimos o charuto, ele
não estava acompanhado de molho vermelho como é servido aqui no Brasil, ela pediu dessa
forma habitual dela e infelizmente eu não sirvo dessa forma, então eu tive que retirar o prato
já que não servia da forma desejada da cliente.
Existe culinária árabe nata e existe culinária árabe “abrasileirada”. O fattoush ou fatuche, é
uma salada que é composta por zatar e pão torrado, e nós temos no Líbano fava verde, mas
aqui nós não temos essa fava verde para poder colocar dentro da salada então você vai seguir
o padrão que conseguir. Aqui tem gente que põem ela sem pão torrado, sem zattar, sem
sumac ou sumagre, como é chamado aqui, e esses são detalhes da comida libanesa que não é
todo mundo que conhece.
Tem alguma receita que seja marcante ou que te traga uma lembrança prazerosa?
Eu gosto da berinjela ao forno, que minha mãe sempre fez, ela é recheada com carne e arroz,
do lado dela vem batata com molho vermelho e arroz com aletria (macarrão cabelo de anjo).
Essa é uma receita que marca. Adoro comer também o kibe assado e do lado uma salada de
repolho cortado fininho, parecendo um macarrão, com tomate e molho de limão, nossa eu
adoro mas aqui não se faz esse tipo de salada.
Você sabe a história de algum desses pratos?
Cada um tem uma história de uma região, são inúmeras histórias. Se você pegar um livro ou
ir na internet e pesquisar, você vai achar um começo, mas não um fim. E tem alguns que são
regionais, ou seja, só faz esse prato, praticamente, lá na região que foi criado.
Vou te dar um simples exemplo, falafel é um prato sírio libanes tem em Israel, Palestina e
Egito, ou seja, todos do Iraque, mas cada um faz de forma diferente. O lanche de falafel frito,
em Beirute, se põem tomate, hortelã, salsinha e rabanete com o falafel e o molho; se você for
para o Norte, ele vem com alface, no Sul colocam salsinha mas não põem rabanete, então
cada região faz de um jeito e você não pode discutir porque para eles você não sabe fazer
falafel se fazer diferente.