Você está na página 1de 4

PARECER JURÍDICO

Ref.: Quórum necessário para realização de obras em condomínio edilício

1. DOS FATOS
Trata-se de parecer sobre o tipo de obra e o quórum necessário para a troca e aplicação
de pastilhas cerâmicas no edifício e a alteração do layout do guarda-corpo das sacadas, tendo
em vista a necessidade de se constatar se deliberação em assembleia anterior respeitou o quórum
legal e da necessidade de nova assembleia para se aprovar tais obras.

2. DOS FUNDAMENTOS
A primeira questão que se põe em debate é se a troca de troca e aplicação de pastilhas
cerâmicas no edifício e a alteração do layout do guarda-corpo das sacadas configura alteração
de fachada.
Por fachada, entende-se toda área externa que compõe o visual do condomínio, como
as paredes externas, sacadas, janelas e esquadrias, portas e portões de entrada e saída do
edifício, entre outros elementos que compõem a harmonia estética. Portanto, ao contrário do
que muitos pensam, fachada não é apenas e tão somente a face frontal do edifício.
Assim, inicialmente, conclui-se que as obras propostas no Edifício Canoas afetam a
fachada do prédio.
O segundo ponto de divergência gira em torno da espécie de obra a ser realizada e qual
o quórum aplicável.
Segundo a melhor doutrina, benfeitorias são obras realizadas em um bem que já existe.
Não se consideram benfeitorias os melhoramentos ou acréscimos ao bem sem a intervenção do
proprietário, possuidor ou detentor.
O artigo 96 da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil) traz as espécies de benfeitorias, quais
sejam:
1) Necessárias: aquelas urgentes, imprescindíveis, que visam a própria manutenção
do próprio bem ou evitar que se deteriore;
2) Úteis: aumentam ou facilitam o uso da coisa;
3) Voluptuárias: destinadas a tornar a coisa mais formosa, embelezar, feita por mero
deleite ou de elevado valor.
O Código Civil regulamenta a realização de obras (benfeitorias) no condomínio
edilício em seus artigos 1.341 a 1.343. Em resumo, tais artigos trazem o quórum necessário
para a aprovação de cada um dos três tipos de benfeitorias.

Art. 1.341. A realização de obras no condomínio depende:


I - se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos;
II - se úteis, de voto da maioria dos condôminos.
§1º As obras ou reparações necessárias podem ser realizadas,
independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em caso de omissão ou
impedimento deste, por qualquer condômino.
§2º Se as obras ou reparos necessários forem urgentes e importarem em
despesas excessivas, determinada sua realização, o síndico ou o condômino
que tomou a iniciativa delas dará ciência à assembléia, que deverá ser
convocada imediatamente.
§3º Não sendo urgentes, as obras ou reparos necessários, que importarem em
despesas excessivas, somente poderão ser efetuadas após autorização da
assembléia, especialmente convocada pelo síndico, ou, em caso de omissão
ou impedimento deste, por qualquer dos condôminos.
§ 4º O condômino que realizar obras ou reparos necessários será reembolsado
das despesas que efetuar, não tendo direito à restituição das que fizer com
obras ou reparos de outra natureza, embora de interesse comum.

Art. 1.342. A realização de obras, em partes comuns, em acréscimo às já


existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a utilização, depende da
aprovação de dois terços dos votos dos condôminos, não sendo permitidas
construções, nas partes comuns, suscetíveis de prejudicar a utilização, por
qualquer dos condôminos, das partes próprias, ou comuns.

Art. 1.343. A construção de outro pavimento, ou, no solo comum, de outro


edifício, destinado a conter novas unidades imobiliárias, depende da
aprovação da unanimidade dos condôminos.

A análise do tipo de obra deve ser feita caso a caso, sempre levando em consideração
o conceito das espécies de benfeitoria e sua finalidade. Trazendo esse arcabouço teórico para o
caso prático, não se vislumbra que a troca e aplicação de pastilhas cerâmicas na fachada do
edifício vá aumentar ou facilitar seu uso, nem há dados ou documentos atestando que essa obra
seja imprescindível para a manutenção do prédio.
Assim, por conclusão lógica, percebe-se que a troca e aplicação de pastilhas cerâmicas
na fachada, alterando o padrão arquitetônico original, tendo em vista a mudança de cores e
aplicação de cerâmica onde antes não havia, tem por objetivo embelezar o prédio,
caracterizando-se, em verdade, como uma obra voluptuária e enquadrando-se perfeitamente no
conceito legal estabelecido pelo art. 96, §1º do Código Civil, seja pela finalidade, seja pelo
valor da obra.
Para ilustrar o tema, traz-se recente julgado do Tribunal de Justiça do Ceará sobre a
alteração de sacada de condomínio edilício e o quórum necessário para sua aprovação.

(...) 3. In casu, a par da discussão sobre a alteração da fachada e a dinâmica


dos fatos, tem-se que o agravante, na qualidade de proprietário de fato do
apartamento nº 103 do Condomínio Edifício Tereza Hinko, efetuou alterações,
transformando a sacada da varanda de seu apartamento, a qual integra a
fachada do edifício, modificando o revestimento, assentando outro alienígena
ao padrão externo existente nos demais apartamentos, desvirtuando o
revestimento nas peças assentadas e a cor. 4. Sabe-se que, se o condomínio,
ou mesmo condômino, tendo aspiração em alterar a fachada, tem que convocar
assembleia específica sobre o tema e respeitar o quórum previsto no art. 1.341,
do Código Civil ("A realização de obras no condomínio depende: I - se
voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos; II - se úteis, de voto da
maioria dos condôminos."). 5. Na hipótese dos autos, a obra em questão foi
realizada sem comprovação específica de aprovação condominial para tanto,
o que não condiz com a ordenança legal prevista no art. 1.336, III, do Código
Civil ("não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias
externas;") e a norma contida no item 5.5 do regimento condominial (fl. 28 –
dos autos originais), mesmo que tenha como objetivo a reforma ou de
modernização do apartamento. (...) (TJ-CE - AI: 06209590320208060000 CE
0620959-03.2020.8.06.0000, Relator: MARIA DE FÁTIMA DE MELO
LOUREIRO, Data de Julgamento: 03/02/2021, 2ª Câmara Direito Privado,
Data de Publicação: 03/02/2021)

O mesmo raciocínio aplica-se para a troca dos guarda-corpos, uma vez que não
aumentará a utilização do imóvel, não sendo imprescindível para evitar a deterioração do
edifício. Quanto a esse ponto, cumpre destacar ainda que a obrigação de manutenção do guarda-
corpo é do proprietário da unidade e não do condomínio.
Portanto, não resta outra conclusão senão que a substituição dos guarda-corpos por
outros melhores e mais atualizados, alterando o padrão arquitetônico original do prédio,
custeados pelo condomínio, visando a estética e a manutenção do padrão da fachada,
caracteriza-se também como obra voluptuária.
Por último, destaca-se ser pacífico o entendimento de nulidade da decisão assemblear
que aprova obra sem respeitar o quórum legalmente previsto. Nesse sentido:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO EXTRA


PETITA. ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL POR
FUNDAMENTO ALHEIO À CAUSA DE PEDIR. INSUBSISTÊNCIA.
CONDOMÍNIO EDILÍCIO. ASSEMBLEIA GERAL. APROVAÇÃO DE
OBRAS E REFORMAS. INOBSERVÂNCIA DO QUÓRUM
QUALIFICADO PREVISTO NA CONVENÇÃO. NULIDADE. I. Desafia o
princípio da adstrição, consagrado nos artigos 141 e 492 do Código de
Processo Civil, sentença que invalida assembleia geral de condomínio edilício
com base em vício de convocação que não integra a causa de pedir. II. São
nulas deliberações assembleares que, inobservando quórum qualificado
previsto na convenção, aprovam obras, reformas e mudanças nas áreas
comuns do condomínio edilício por maioria simples. III. Recurso provido
parcialmente. (TJ-DF 07178205520198070001 DF 0717820-
55.2019.8.07.0001, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de
Julgamento: 19/11/2020, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no
DJE : 16/12/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Pela análise da jurisprudência citada, percebe-se a importância de se observar a


quantidade mínima de votos necessárias para aprovação de uma obra em condomínio edilício.

3. DA CONCLUSÃO
Considerando que as obras de troca e aplicação de pastilhas cerâmicas no edifício e a
alteração do layout do guarda-corpo das sacadas modificam de forma substancial o padrão
arquitetônico da fachada, em respeito ao art. 1.341 supracitado, o quórum necessário para a
provação das alterações mencionadas é de dois terços dos condôminos.
Por todo o exposto, tem-se que eventual assembleia realizada que não tenha respeitado
esse quórum é tecnicamente nula, somente podendo a obra ser realizada caso atinja a quantidade
mínima de votos em nova assembleia.

Fortaleza/CE, 01 de agosto de 2023.


PABLO PARENTE Assinado de forma
digital por PABLO
RIBEIRO PARENTE RIBEIRO
TOMAZ:0427652 TOMAZ:04276524300
Dados: 2023.08.01
4300 10:17:52 -03'00'
Pablo Parente Ribeiro Tomaz
OAB/CE nº 28.571

Você também pode gostar