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O MERCADO Entre o Antigo e o Moderno Versão Nova e Definitiva II
O MERCADO Entre o Antigo e o Moderno Versão Nova e Definitiva II
base em ficções específicas. Não obstante, é com a ajuda dessa ficção que são
organizados os mercados reais do trabalho, da terra e do dinheiro. Esses elementos são,
na verdade, comprados e vendidos no mercado e quaisquer medidas ou políticas que
possam inibir a formação de tais mercados ameaçam a autorregulação do sistema.
A ficção da mercadoria, portanto, oferece um princípio de organização vital em
relação à sociedade como um todo, afetando praticamente todas as suas instituições, nas
formas mais variadas. A extrema artificialidade da economia de mercado está enraizada
no fato de o próprio processo de produção ser aqui entendido sob a forma de compra e
venda. Portanto, uma tese fundamental do livro A Grande Transformação é a de que
as ficções atuam como representações criativas do mundo.
Para Polanyi, a Revolução Industrial é indissociável de uma transformação
institucional importante que visa o estabelecimento de uma rede de mercados aptos a
determinar a estrutura da sociedade. Ele demonstra que a economia de mercado que se
propaga plenamente no século XIX não pode ser entendida sem uma série de ações
políticas que contribuem largamente para instituir os comportamentos individuais
típicos dessa economia. Assim, ao mostrar a importância da política na história
econômica, Polanyi questiona as políticas neoliberais, que procuram atribuir um caráter
“espontâneo” aos mecanismos do mercado. O surgimento da sociedade liberal não é o
resultado de uma evolução espontânea e natural, mas de uma forma de decisão política e
ideológica. Mais especificamente, o mercado moderno e o estado moderno aparecem
conjuntamente, e o primeiro como um subproduto do segundo (MAUCOURANT, 2011,
p. 20-21).
Mostrar a oscilação de um imaginário social e instituições estruturadas pelo
princípio da imersão (embedded) em direção a uma autonomização (disembedded) da
economia também é o objeto do A Grande Transformação, verdadeira genética
socioeconômica, que clarifica a constituição do grande mercado e interpreta o primeiro
colapso da sociedade de mercado. Polanyi também argumenta que as sociedades
tradicionais e os grandes impérios arcaicos têm fortemente resistido a tudo o que vai em
direção a uma autonomização do econômico e do mercado, e como, simetricamente, a
emergência do Mercado autorregulável no Ocidente moderno não é fruto espontâneo de
uma evolução natural, mas o resultado de uma de ficção ideológica e de um projeto de
Estado (MAUCOURANT, 2011, p. 22).
A abordagem polanyiana sobre o mercado faz parte de um paradigma
institucionalista em economia que dá as “instituições” um significado especial. Segundo
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traços “formalistas” da teoria weberiana. Com efeito, a religião ou o governo podem ser
tão importantes quanto às instituições monetárias para a estrutura econômica. O estudo
do lugar cambiante que ocupa a economia na sociedade é a análise de como está
institucionalizada a atividade econômica em diferentes épocas e lugares e deve começar
pela forma como a economia adquire unidade e estabilidade, isto é, pela
interdependência e a regularidade de suas partes. Tal unidade é resultado de formas de
integração, que se manifestam em diferentes níveis e em distintos setores,
impossibilitando-nos selecionar uma delas como dominante para classificar os
diferentes tipos de economias. Contudo, tais formas de integração constituem um
instrumento para descrever a atividade econômica em termos comparativamente
simples, permitindo-nos ordenar as infindáveis variações dessas formas (POLANYI,
1976, p. 296).
As principais formas de integração são a reciprocidade, a redistribuição e o
intercâmbio, segundo a observação empírica. Além dessas três formas de integração,
Polanyi também analisou a household (oikos) no livro A Grande Transformação,
porém a excluiu de Trade and Market, pois a household abrangia um grupo menor,
caracterizado pela ausência das relações intergrupais. Polanyi ampliou estes conceitos
para além das formações primitivas.
A reciprocidade supõe movimentos entre pontos correlativos de agrupações
simétricas; a redistribuição consiste em movimentos de apropriação em direção a um
centro primeiro e, posteriormente, desse centro para fora outra vez. Por intercâmbio,
entendemos movimentos recíprocos como os que realizam os “sujeitos” em um sistema
de mercado. Polanyi ressalta que os meros agregados das condutas individuais não
bastam para produzir as estruturas. A conduta de reciprocidade entre os indivíduos só
integra a economia se já existirem estruturas organizadas simetricamente, como os
sistemas simétricos de grupos unidos pelo parentesco. Do mesmo modo, a redistribuição
pressupõe um centro para onde se dirigem os recursos da comunidade. Finalmente, os
atos de troca no plano individual só produzem preços se estiverem enquadrados em um
sistema de mercados criadores de preços, uma estrutura que não sugere, de forma
alguma, atos de troca efetuados ao acaso (POLANYI, 1976, p. 296-297). Polanyi
enfatiza que as formas de integração não representam etapas de desenvolvimento, já que
elas não implicam nenhuma ordem de sucessão no tempo. Junto com a forma
dominante, poderiam aparecer várias formas subordinadas, podendo a forma dominante
sofrer eclipses e reaparições (POLANYI, 1976, p. 301).
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série de reflexões sobre a Grécia antiga. Este livro foi intitulado The Livelihood of
Man. Polanyi defende a sua abordagem institucional mais uma vez contrapondo-a a
abordagens teleológicas que enunciam a economia de mercado, originária do comércio
local de alimentos ou comércio de mercado, como objetivo natural de alguns três mil
anos de desenvolvimento ocidental. No sentido institucional, o encontro de multidões de
ofertantes e demandantes, conduz a troca a equivalências fixas, e não forma um
mercado autorregulável - criador de preços. Mas, por outro lado, sempre que os
elementos de mercado se combinam para formar um mecanismo de oferta–demanda–
preço, nós falamos de mercados criadores de preço. A instituição de mercado tem sua
origem em dois desenvolvimentos diferentes: um externo à comunidade e o outro
interno. O externo está intimamente ligado à aquisição de mercadorias de fora, o interno
com a distribuição local de alimentos. Esse último tomou duas formas diferentes: a
primeira, relacionada com os impérios irrigacionais, se centrava no estoque e
distribuição de gêneros alimentícios de primeira necessidade; a segunda, encontrada
desde épocas mais primitivas em comunidades camponesas, assentava-se na venda local
de alimentos frescos e comida preparada. Esses diferentes elementos constitutivos
contribuíram das mais diferentes formas para a instituição do mercado.
Em seguida, Polanyi apresenta os tipos de mercados locais, comparando o tipo
de mercado que ele denomina de ágora com os tipos portões e bazar. O tipo ágora de
mercado local foi primeiramente um local alimentício para a população, no qual o
varejista de alimento vendia leite fresco e ovos, legumes frescos, peixe, e carne na
Grécia antiga. Em princípio, este tipo não incluía mercadorias de grande distância e em
geral, os artigos mantidos para a venda eram produtos da vizinhança e fornecidos por
mulheres que os carregavam para o mercado em suas cabeças. O freguês que procurava
por sua comida no mercado era o trabalhador pobre ou transeunte que não tinha
household próprio. Nem o comerciante chegante nem o residente próspero
frequentavam o mercado local primitivo, que servia as necessidades das pessoas comuns
(POLANYI, 1977, 123-125).
Fora da Ática, especialmente nas regiões falantes de grego da Ásia Menor, os
principais promotores de mercados foram os exércitos gregos, notavelmente as tropas
mercenárias, que estavam sendo cada vez mais utilizadas na guerra. Por volta do final
do século V, após a guerra do Peloponeso, o exército hoplita, tradicionalmente equipado
com armamentos e com um saco de alimento de cevada, estava transformando-se em
uma força expedicionária, sendo a maioria dos guerreiros recrutada entre mercenários.
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sociabilidade primária e das relações de pessoa à pessoa. Portanto, nem o mercado nem
o Estado podem ser considerados como fins em si. O desenvolvimento das inter-
relações humanas e da vida associativa, tudo o que contribui para a manifestação da
pluralidade humana, pode, ao contrário, ser considerado como as verdadeiras metas que
devem ser atribuídas à ação política; 2. Nesse contexto, não se deve tentar restringir o
mercado a partir do interior, tributando o preço ou multiplicando as limitações
administrativas. Melhor seria tentar avaliar sua aderência sobre a vida de todos os
indivíduos; 3. Torna-se urgente a necessidade de reconhecer que, se as democracias
selvagens e arcaicas foram condenadas por suas estreitezas e pelo seu particularismo,
por outro lado, as grandes democracias modernas seguem para a futilidade e o declínio
irreversível se não souberem refazer o lugar em seu seio às exigências atualizadas da
pequena democracia, pois as grandes sociedades são uma miríade de pequenas
sociedades (CAILLÉ, 1998, p.145).
Caillé avança em sua reflexão sobre o papel dos mercados no mundo pré-
capitalista e capitalista ou pré-moderno e moderno. Contudo, parece conviver com o
mesmo equívoco de Polanyi ao considerar a definição de mercado àquela dos mercados
modernos ou autorreguláveis. Polanyi objetivou desmascarar a perspectiva formalista
acerca do mercado, mas ao tentar mostrar que este mercado formalista não estava
presente no mundo pré-capitalista, toma o mercado autorregulável ou criador de preços
como a mais forte referência sobre o mercado, tendo dificuldade em perceber elementos
“constituintes” do mercado criador de preços em outras realidades históricas, ou a
possibilidade de formações pré-capitalistas mercantis que escapavam de seu modelo,
pautado nas formas de integração, reciprocidade e redistribuição, como predominantes
em tais sociedades. Sua definição de mercado nasce do mercado moderno e apresenta
contundentes argumentos para mostrar como esse se impõe a partir de uma perspectiva
histórica e antropológica. Caillé consegue relativizar, no tempo e no espaço, a
perspectiva polanyiana, argumentando em favor de experiências de mercado
autorregulável no passado e o papel limitado do mercado autorregulável no mundo
capitalista, defendendo outras formas de sociabilidade tão fundamentais quanto àquelas
desenvolvidas no interior dos mercados e dos Estados. Este é o seu grande mérito. A
dicotomia moderno/tradicional traduzida pela distinção entre as sociedades mercantis
pré-modernas, que experimentaram relações de mercado, sem ser capitalista, e a
sociedade de mercado moderna; ou entre o mercado moderno e as trocas de
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sentimentos) e tudo o que ele quer. A interconexão dos agentes calculistas fez do
Mercado não apenas um lugar central onde os preços são criados, mas um não lugar
(uma utopia) onipresente. No caso dos mercados fictícios, não sabemos o que afixou os
preços discutidos, nem como se fez a centralização. Ele é tudo e não está em nenhuma
parte. No entanto, não está menos presente no horizonte das práticas e do trabalho real.
Neste sentido, o mercado é composto de distintos centros econômicos, interligados por
redes de comércio, presos a redes de força. Os centros são de produção, de ofertas, de
fatores e consumo. O mercado também é definido como um lugar abstrato onde se
encontra tudo o que pode se vender e tudo o que se pode comprar. Um mercado pode
ser localizado geograficamente, mas é na sua essência um espaço econômico definido
por um bem ou serviço, por todas as demandas e ofertas que concernem este bem: o
mercado é o centro das relações monetárias e dos cálculos em moeda que interessam a
este bem. O preço exprime, em termos monetários, a utilidade e a raridade dos diversos
bens e de serviços sobre os mercados. Os preços dos bens e serviços constituem em uma
economia um sistema relacionado e coerente. De fato, os mercados se comunicam e são
solidários e em diferentes graus (LATOUCHE, 1998, p. 149).
Que os preços refletem às alegações da teoria é questionável, mas que a vida
social das sociedades modernas é dominada por um conjunto de mercados
interconectados e interdependentes é inegável. Certamente, não há mercado (pelo menos
não ainda) para tudo, mas a ideia daqueles que defendem o imperialismo do econômico
sobre o social é de que as áreas não atingidas pelos mercados devem entrar em conexão
com os mercados reais para formar o Mercado. A sociedade de Mercado existe, mesmo
se o Mercado autorregulável seja um mito.
Serge Latouche afirma que a troca é um fenômeno atestado em todas as
sociedades humanas. Ela liga as pessoas, bens e sinais em ciclos mais ou menos
extensos. Todo mercado supõe uma troca, mas a troca não passa pelo mercado (mesmo
um mercado fictício). A troca “normal” é estruturada pela lógica do dom, como Marcel
Mauss destacou: a obrigação de dar, receber e de restituir. Esta lógica não é uma lógica
do mercado, mesmo se o ciclo de dom entre os parceiros, por vezes, com especulação
sórdida e frustração possa levar a conflitos. O dom não é uma troca “primitiva” quer por
seu espírito, nem por seu modo de conduta, nem pelo conteúdo a que se refere. Não é a
falta de dinheiro, ou a ausência de comerciantes que diferenciam o dom do mercado; é o
objetivo fundamental do ato. O dom nasce e é alimentado pela relação de troca social,
fortalecendo as responsabilidades de cada um para o benefício de todos, e não para
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O COMÉRCIO E OS COMERCIANTES
o suprimento de grãos para seus cidadãos, posto que a Ática não tinha um solo propício
para a produção de grãos, mas sim para a produção de oliva. Essa dependência da
importação de grão refletiu-se no pensamento social e político grego, e a necessidade
sempre insatisfeita de suprimento alimentar adequado fez do princípio da
autossuficiência – autarquia – o postulado de sua existência e de sua teoria do Estado.
Tal princípio está presente em algumas legislações, como a de Sólon, preocupadas em
extrair a maior quantidade possível de grão para Atenas e evitar o movimento de grão
para fora de Atenas. Não era permitido a nenhum residente ateniense transportar grão
para qualquer lugar, exceto para Atenas. Portanto, o controle militar ateniense sobre o
comércio de grão era completo. Para garantir sua supremacia, Atenas proibiu todos os
navios, a não ser aqueles que levavam grãos para Atenas, de entrar no Mar Negro
(POLANYI, 1977, p. 199-216).
No entanto, o comércio administrado do século IV distinguiu-se do século V,
quanto ao grau de controle ateniense. No século V, Atenas administrou o comércio
quase sem ajuda, posto que as cidades bosforianas estavam sob seu domínio. No século
IV, o comércio pôntico era administrado como comércio de tratado entre grandes forças,
pois Atenas dominava os mares somente a oeste do Bósforo trácio. Os tratados que
regulamentavam o suprimento de grãos, em sua maioria, traduziam o direito de comprar
mercadorias em um certo porto ou portos e objetivavam obter vantagens no transporte,
isenção de taxas, e prioridade de carregamento.
A ameaça da perda do suprimento de grão do Peloponeso foi o principal motivo
da entrada de Atenas na Guerra do Peloponeso, resultado do objetivo ateniense de
controlar o suprimento ocidental de grão. Portanto, o comércio de grãos dominava a
política estrangeira ateniense, como comércio administrado, e não como comércio de
mercado. O comércio administrado estava perfeitamente ajustado à política naval
ateniense, interessado no controle de rotas e nos suprimentos vitais de importação, e aos
objetivos redistributivos do Estado. Neste sentido, não somente o comércio de grãos,
mas o comércio, em geral, era comércio administrado.
O comércio de madeira, do qual Atenas era extremamente dependente, e o de
ferro, bronze, cera, estavam regulamentados por monopólios e tratados que
beneficiavam Atenas. O comércio de escravos, – gênero de primeira necessidade no
período clássico - principalmente em seu primeiro estágio, era comércio administrado.
Como era, em sua grande maioria, oriundo de fornecimento externo, gerava diversos
problemas físicos, tal como, armazenamento e deslocamento, como também, problemas
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mundo grego. Segundo o autor, não havia concorrência entre estrangeiros e cidadãos
(estes em número reduzido) envolvidos no comércio marítimo, pois o grande número de
estrangeiros no ramo era uma fonte de receita para o Estado.
A relação entre os mercadores e a política, particularmente entre o comércio e o
Estado, encontrou um eco particularmente famoso no campo da história grega antiga.
Antes de Polanyi, o alemão Johannes Hasebroek escreveu, em 1928, um clássico
trabalho sobre a relação entre comércio e política na Grécia antiga, intitulado Staat und
Handel im alten Griechenland, já como professor da Universidade de Colônia. Este
livro reacendeu a polêmica entre “modernistas” e “primitivistas”, e apesar da sólida
base filológica, recebeu críticas pela visão unilateral em relação ao papel do comércio.
O livro foi muito bem recebido na Inglaterra, e recebeu uma tradução em 1933, com o
título de Trade and Politics in Ancient Greece, sendo recomendado como leitura
obrigatória para estudantes de História Antiga grega até os anos 50. Algumas das
deficiências deste estudo foram remediadas em seu livro posterior, Griechische
Wirtschafts-und Gesellschaftsgeschichte bis zur Perserzeit, de 1931, no qual
enfatizava a utilidade dos conceitos weberianos para a estrutura da economia e da
sociedade gregas desde épocas homéricas até o final das guerras persas.
Hasebroek procura estabelecer a relação do Estado grego com o comércio em
todas as suas formas e atividades, além de descrever sua política comercial. Hasebroek
assegura que o comércio era apenas um meio para o suprimento de necessidades,
particularmente de cereais e matérias primas para construção de navios, e para o
enriquecimento do tesouro por meio de impostos e taxas. Este autor refutava a hipótese
“modernista” da existência de antagonismos entre Estados nacionais gregos lutando
entre si por interesses eminentemente comerciais. Para ele, o comércio era apenas um
meio, e não um fim. Ao investigar os tipos de mercadores e a atitude adotada pelo
“Estado grego” em relação ao mercado e comércio, Hasebroek afirma que os
comerciantes eram uma classe de profissionais de tempo integral, que navegavam de
porto em porto sem destino fixo, vendendo suas mercadorias sempre e onde quer que
uma oportunidade favorável se apresente. Comercializavam com mercadorias
manufaturadas e com produtos agrícolas. No entanto, isto não quer dizer que os
produtores não comercializavam seus produtos. Há evidências abundantes de produtores
de oficinas, que vendiam direto para os consumidores e, também, de produtores que
transportavam suas mercadorias para outros distritos, vendendo-as de casa em casa se
fosse o caso (HASEBROEK, 1993, p. 2-6).
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Essas posições são revistas por autores que têm apresentado novos modelos a
partir de novas interpretações das evidências escritas e arqueológicas. A relação entre o
comércio e a política, ou mais especificamente, o papel político daqueles que tratavam
com as atividades comerciais nas poleis gregas é a questão de fundo.
Partindo do livro de Hasebroek, Moses Finley escreveu, em 1935, ainda
assinando com seu nome de batismo, Moses Finkelstein, um artigo intitulado Еμpοrος,
Naύκληrος, and Κάpηλος: A prolegomena to the study of Athenian trade, no qual
procura avaliar o trabalho Hasebroek em uma análise de caráter fortemente filológico.
No início do texto, Finley, ainda no seio do debate entre primitivistas e modernistas,
afirma que infelizmente a utilização de termos gregos relacionados ao comércio está
associada com expressões como firmas, sociedades anônimas, cheque bancário e
capitalistas. A confusão na conceituação interfere na tentativa de se obter uma visão
correta das condições existentes na Antiguidade, pois todos os eruditos, até aquele
momento, classificavam os comerciantes gregos de acordo com algum padrão
(geralmente moderno), que nunca foi seguido pelos antigos (FINKELSTEIN, 1935, p.
320). Em seguida, o autor afirma que as fontes antigas que abordam o papel dos
comerciantes apresentam confusões e contradições, dificultando uma análise mais
rigorosa e generalizações a partir das evidências. Após uma análise detalhada das fontes
sobre o tema, Finley afirma que os emporoi podiam, em alguns casos, possuir navios
mercantes, e que os comerciantes marítimos não eram sempre distintos dos produtores,
pois o comércio marítimo não poderia ser feito o ano todo. Portanto, Finley não
aprofunda o debate e não toca em questões centrais sobre o status do comerciante.
Charles M. Reed (2004) afirma que o equívoco de Hasebroek é pensar que
Atenas intervinha no comércio somente para assegurar necessidades vitais para seus
cidadãos, sem se preocupar com os interesses dos emporoi e dos naukleroi. Segundo
Reed, Atenas obviamente agia em favor dos comerciantes marítimos, em razão da
enorme sobreposição de seus interesses àqueles do corpo de cidadão ateniense. Reed
salienta a ideia de complementaridade de interesses entre cidadãos e estrangeiros e
aprofunda as ideias de Polanyi e Hasebroek sobre essa questão, contudo, salienta que
Hasebroek não percebeu que a dependência cívica de alimentos importados substituía
considerações de status social na mente dos indivíduos atenienses (REED, 2004, p. 51-
77).
Afastando-se do substantivismo, mas não assumindo a linha formalista, Edmund
Burke, no artigo intitulado, The economy of Athens in the Classical Era: some
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Adjustmesnts to the Primitivist Model, de 1992, afirma que no final do século IV a.C., a
atividade econômica em Atenas conseguiu crescer em uma escala sem precedentes,
estimulada, em grande parte, pelo crescimento no comércio marítimo. Esse crescimento,
combinado com as mudanças nas práticas e instituições sociopolíticas explica, segundo
Edmund Burke, o movimento para um disembedding (autonomia) da economia da
cidade. Partindo deste pressuposto, Burke analisa as circunstâncias específicas que
envolvem o aumento extraordinário na atividade comercial em Atenas no final do
século IV e examina as mudanças decorrentes destas transformações nos fenômenos
sociopolíticos. Contudo, este genuíno disembedding, certamente, não causou uma
erradicação da atividade econômica de seu contexto sociopolítico, mas resultou de
transformações na esfera sociopolítica.
Em primeiro lugar, a proxenia. Na prática, os proxenoi eram cidadãos de uma
pólis que foram reconhecidos oficialmente como amigos e representantes de outras pólis
(ver Platão, Leg, 642b). É uma instituição que parece ter experimentado alguma
mudança como uma consequência do comércio marítimo no Egeu na era clássica. Como
uma prática diplomática, a proxenia parece ter se desenvolvido da xênia, instituição
que, próxima ao casamento foi a chave para forjar ligações entre as elites no século X e
IX (BURKE, 1992, p. 205). Dessa forma, o típico proxenos serviria em seu estado natal
como convidado amigo da pólis que ele representava. Desse modo, em sua concepção e
em sua prática inicial, a proxenia refletia uma ética elitista e, como a xênia era uma
instituição embedded (imersa) na estrutura das relações sociais arcaicas fazendo pelos
Estados o que a xênia fazia pelos indivíduos.
Em Atenas, sabemos que a proxenia era concedida por decreto público, debatida
e votada pela Eclésia. Parece claro que muitos dos honoráveis que tinham herdado seu
status como proxenoi herdaram, sem dúvida, a similaridade entre as instituições de elite
da xênia e da proxenia.
Parece uma inferência clara de tudo isso que na era clássica a proxenia, se não
usada ativamente para favorecer a atividade comercial marítima, pelo menos ajudou a
aumentar o vínculo das relações interestaduais das quais tal comércio dependia, pois,
desde o final do século V e o século IV há um número de exemplos onde Atenas e
outros estados designaram como proxenoi homens ativamente envolvidos em comércio
marítimo (BURKE, 1992, p. 207). Os indivíduos reconhecidos não eram mais só
membros da elite, mas homens engajados no comércio e foram citados pela Eclésia
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dois padrões. Primeiro, o comerciante profissional, que leva as mercadorias para longas
distâncias. Na Odisseia é tipicamente um fenício: uma ocupação integral para um povo
marítimo, que são mais experientes, tanto na arte de navegar como no comércio.
Segundo, há o comerciante ocasional, o camponês que, de acordo com Hesíodo, podia
vender sua própria produção: nesse caso, o comércio é uma ocupação de tempo parcial,
uma viagem de curta distância em um barco de manejo simples, a cabotagem. Mas a
nova realidade do período Arcaico foi o surgimento do comerciante grego como tal, que
viajava o Mediterrâneo e desempenhava o papel anteriormente feito pelos fenícios. Esse
tipo de comércio não foi uma atividade casual do camponês querendo complementar sua
renda no fim da estação, mas uma ocupação que envolvia um investimento importante
de tempo e dinheiro. No final do século VII e no século VI a.C., ocorrem novos
desenvolvimentos que formam as estruturas do comércio grego. Nas mais avançadas
poleis não havia obstáculo legal de qualquer tipo para as atividades comerciais, estando
os aristocratas envolvidos nessa estrutura comercial (BRESSON, 2003, p. 142-143).
Investigando as diversas formas de conectividade no Mediterrâneo, Bresson
(2005) procura demonstrar o papel que os gregos exerceram nessa estrutura comercial.
Segundo o autor, os gregos iniciaram sua expansão nos séculos X e IX a.C., primeiro
seguindo as mesmas rotas dos micênicos, porém estendendo seus esforços até os
horizontes mediterrâneos mais distantes. Eles alcançaram seu apogeu no final do
período arcaico e começo do período clássico, quanto, fora das zonas onde ali já
existiam estados com um controle firme de sua área costeira, os gregos se estabeleceram
na maioria das costas do Mar Mediterrâneo. Por meio da intervenção dos gregos ou dos
fenícios, qualquer ponto na costa mediterrânea estava potencialmente em ligação com
outro qualquer. Deveria também ser salientado que duas redes de comunicação, a
fenícia e a grega, não eram desconhecidas entre si. Ao contrário da visão que
anteriormente prevaleceu, os gregos eram numerosos em Cartago e no oeste da Sicília.
Ao mesmo tempo, grupos de fenícios ou cartagineses estavam presentes em Atenas no
período clássico, e escavações em Corinto provaram a existência de comércio direto
com Cartago. Isso era uma situação até aqui inteiramente desconhecida na história do
Mediterrâneo. Os gregos e fenícios, desse modo, elevaram a um nível sem precedente o
grau de ligação entre os povos do Mediterrâneo. Enquanto os etruscos eram, de certa
forma, ativos no mar nas costas da Itália, Sardenha, Espanha e até Cartago,
particularmente em relação ao comércio de longa distância a oeste do Mediterrâneo, não
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durante parte de sua vida não seria marcado de uma maneira especial, sendo isolado do
resto da sociedade, ou se conferindo a ele alguma indignidade especial ou restrição
social.
Mas o comerciante comum foi tipicamente alguém da “pequena arraia-miúda”?
No período arcaico, o samiano Kolaios e, sobretudo, o egino Sostratos conseguiram
lucros fabulosos com comércio no Mediterrâneo ocidental. Em relação à dádiva
voluntária (epidosis) de 3.000 dracmas feita pelo emporos Herakleides de Salamina em
328/327 a.C., Bresson a coloca em perspectiva no contexto dos empréstimos feitos
pelos emporói. As quantias das dádivas feitas por mercadores no contexto da crise de
328/327 a. C. – 3.000 dr. por Herakleides, mas também uma dádiva de um talento feito
pelo mercador Chrysippos e seu irmão na década de 320 - bastam para mostrar que
esses homens eram pessoas muito ricas. Uma dádiva de 3.000 dracmas representava
entre 15 a 7,5 anos de renda para um típico ateniense ganhando entre 200 a 400 dracmas
por ano. Parece que, na maioria das vezes, a quantia de uma doação de um indivíduo era
de umas poucas dracmas; às vezes alcançava 100 ou 200 dracmas, em alguns casos mais
de 1.000, e muito raramente mais de 10.000 ou 20.000 dracmas. Portanto, longe de
mostrar a pobreza dos mercadores, as doações voluntárias da década de 320 a.C.
mostram que, pelo menos, alguns mercadores pertenciam à camada mais rica da
sociedade ateniense. Parece razoável sugerir que uma dádiva de 3.000 dracmas
pressupõe uma fortuna de pelo menos 3 ou 4 talentos, talvez muito mais. Tais dádivas,
obviamente, foram feitas por pessoas que, se elas tinham sido cidadãos, teriam
pertencido à pequena minoria, menos de um 1% da população cidadã, que possuía uma
fortuna naquele nível. Isso estava muito acima da massa de pessoas comuns (cidadãos e
metecos) para quem umas poucas dracmas já eram uma grande fortuna.
Reconhecidamente, as dádivas dos comerciantes de grão tinham objetivo de financiar a
sitonia, a reserva de grão para o povo, pois a maior parte de sua fortuna foi feita com a
venda de grão (BRESSON, 2003, p. 147-148).
A relação de respeito que os atenienses mostravam em relação aos negociantes
de grão estava ligada à importância vital que eles tinham para a cidade. Mas deve
também ser salientado que a fortuna de alguns envolvidos no comércio podia justificar o
alto nível de honras que eles recebiam da cidade, e tal foi o caso de Herakleides de
Salamina. Pode essa conclusão aplicar-se a todos os mercadores? Certamente que não,
mas isso não significa que as pessoas envolvidas no comércio eram socialmente
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marginais. A maioria delas provavelmente era muito mais rica do que as pessoas
comuns da cidade.
Sob circunstâncias favoráveis, um lucro significativo podia ser esperado do
comércio, e poderia ser dito que quanto maior o risco (por causa da guerra, do embargo
comercial, etc.), maior é o lucro esperado. Quando as circunstâncias mudavam
(reconhecidamente, na maioria das vezes, por causa da situação política, porém outros
traços poderiam ser incluídos como uma má colheita local, ou uma tempestade que
destruísse um grande número de navios), um lucro muito maior ou uma perda líquida
podia ser esperada. A terra trazia segurança, mas um lucro comparativamente menor.
Essa diferença era a origem da ampla oposição entre engeiostokos, “rendimento de
terra”, e náuticos tokos, “rendimento marítimo”, o primeiro com uma média de taxa de
12% durante um ano, o segundo, frequentemente, com uma taxa entre 20 até 30%, por
uma viagem completa. Comercializar no mar significava incerteza: podia trazer lucro
justo em um período curto, até fortuna iminente sob circunstâncias especiais, ou
completa ruína e até morte no caso de naufrágio. Isso é porque as taxas de empréstimo
de comércio marítimo eram muito mais altas do que para empréstimos regulares
(BRESSON, 2003, p. 150-151).
Esta perspectiva é compartilhada em grande parte por Paul Christesen (2003),
que ao analisar os investimentos feitos pela elite ateniense no século IV a.C., ressalta a
análise racional na busca de receitas maximizadas feita por aquela, com dispêndio de
tempo, energia, dinheiro e tecnologia relativamente avançados a fim de alcançar os mais
altos retornos para seus investimentos. A hierarquia dos lucros estava relacionada com
os riscos das aquisições. Nessa hierarquia, a propriedade imobiliária apresentava os
menores riscos. Os empréstimos ligados à terra e ao comércio representavam maiores
riscos, mas com lucros mais altos, e a mineração de prata representava a aventura
especulativa, por excelência, de Atenas no século IV a.C., contudo os custos altos eram
compensados por um lucro potencialmente espetacular. Uma avaliação qualitativa da
correlação entre os riscos e lucros na Atenas do século IV a.C. indica que os
investidores avaliavam frequentemente os méritos relativos às alternativas abertas e
demandavam um lucro proporcional aos riscos antecipados. Essa correlação não se
originava das ações de poucas pessoas dispersas, mas era a realidade de um ambiente
econômico povoado por investidores que empregavam uma racionalidade econômica
com a maximização de receita como preferência dominante (CHRISTESEN, 2003, p.
53).
44
produtos entre sujeitos, feito por equivalências fixas ou negociadas. Só neste último
caso, há regateio entre as partes. Portanto, se há intercâmbios, há equivalências, porém
somente o intercâmbio a preços negociados está limitado especificamente a uma
determinada instituição, aos mercados criadores de preço (POLANYI, 1976, p. 311).
Neste sentido, o termo mercado não é definido necessariamente pelo mecanismo
de oferta-demanda-preço, mas sim por uma conjunção de características institucionais,
chamadas de elementos de mercado. Em primeiro lugar, o mercado é constituído por um
lugar, fisicamente presente; em segundo, por uma multidão de ofertantes ou de
demandantes. Essas multidões se definem como uma multidão de sujeitos desejosos de
adquirir ou de desfazer-se de produtos no intercâmbio. A separação entre as multidões
de ofertantes e demandantes configurou a organização de todos os mercados pré-
modernos. Os intercâmbios podem se concretizar por equivalências fixas sob formas de
integração caracterizada pela reciprocidade ou redistribuição, ou por equivalências
negociadas, gerando uma forma específica de integração, com mercados criadores de
preços. Só com estes elementos é que se pode falar de mercado. Finalmente, há os
elementos funcionais, como a situação geográfica, os produtos que se trocam, os
costumes e as leis
A instituição de mercado tem dois desenvolvimentos diferentes: um externo à
comunidade e o outro interno. O primeiro está intimamente ligado à aquisição de
mercadorias de fora, enquanto o segundo, à distribuição local de alimentos.
O desenvolvimento do tipo de mercado local, a ágora, na Grécia clássica, foi,
em primeiro lugar, uma reação às formas de distribuição feitas pelas households
senhoriais, que contribuíram para enfraquecer as relações de reciprocidade tribais e, em
segundo, um meio pelo qual a democracia mantinha a subsistência de seus cidadãos.
O enfraquecimento dos laços tribais já aparece nos poemas de Hesíodo, os quais
retratam a transição de dois eventos díspares: a invasão dos Dórios, que foi uma
catástrofe política, e a chegada do ferro, que foi uma revolução tecnológica. É nesse
contexto que Hesíodo descreve o enfraquecimento dos laços de parentesco e o lento
fortalecimento dos laços de vizinhança, embora procure reforçar em seus poemas a
necessidade de manutenção dos laços de reciprocidade existentes anteriormente. Há
evidência da existência de households senhoriais na Grécia homérica, organizadas em
torno da propriedade familiar, fora da esfera tribal, constituindo uma força dilaceradora
das relações tribais. Segundo Polanyi, a pólis herdou as tradições tribais, tanto
aristocráticas quanto democráticas, e estabeleceu as condições para um tipo de
48
de partida é o estudo das leis mais antigas sobre a compra e a venda. Elas vêm de
Atenas e Corinto. Em geral estas leis são em sua maioria proibições e, muitas vezes, têm
por objeto os homens (regulamentação e interdição de sua venda). Estes dois aspectos
são significativos. O primeiro constitui, como quer a tradição dos códigos arcaicos
gregos, um modelo de comportamento que é necessário seguir sob pena de destruir todo
o conjunto de ordem a ser estabelecida. O segundo indica que em torno destes
problemas de troca existia uma situação de conflito que implicava os homens. Não é só
porque as trocas quantitativamente aumentaram: as razões desta mudança são mais
graves para a sociedade (DESCAT, 2006, p. 260-261).
Uma lei soloniana publicada em 594 a.C. marca o certificado de nascimento do
mercado de Atenas. Tal lei submetia a troca ao controle da cidade. Antes de Sólon,
todos aqueles que, na Ática, tinham um excedente, podiam trocá-lo como bem lhes
pareciam com os estrangeiros, quer fora, quer dentro do território, em locais
considerados mais ou menos como “neutros”, os “mercados de fronteira” (agorai
ephoriai, não controlados, ou quase, pela cidade. Sólon elimina a possibilidade de
alienar os seus produtos diretamente (exceto o azeite, porém, mais tarde o azeite irá
acompanhar também a mesma regra). Os atenienses de agora em diante estão obrigados
a vender na Ática os seus produtos em um lugar preciso, na ágora. Os estrangeiros estão
autorizados, conforme decisão da cidade, a entrar no mercado da Ática, sem restrições,
de acordo com os vínculos que eles tenham com a cidade e seus cidadãos. O mercado é
criado em um contexto que define as regras para a cidade, que pode sempre modificá-lo
no interesse da comunidade, por exemplo, proibindo a venda aos estrangeiros se houver
escassez de alimentos (DESCAT, 2006, p. 261).
A razão para esta inovação não é somente as transações sobre os bens, mas
também o comércio de homens. Ele suprime em Atenas a servidão por dívidas,
libertando uma população dominada, os hectómoros, que poderiam ser escravizados na
Ática ou vendidos no exterior. Esta decisão não se dá só em Atenas. Por volta da mesma
altura, em Corinto, o tirano de Périandro estabelece uma lei em que proibia os cidadãos
de adquirir escravos. Essas medidas mostram o papel que as novas elites assumem nas
trocas com o exterior e as demandas pela aquisição de escravos. Essa elite acentua as
formas de pressão social para obter bens de troca, a ponto de até mesmo transformar as
categorias tradicionais de dependentes em escravos. É a esta “liberdade” de ação da elite
social nos intercâmbios que se destina as medidas solonianas: estes comportamentos
podem ser considerados como preocupantes à cidade e se tornarem insuportáveis, na
56
troca dos bens e na confusão do estatuto dos homens. Esta nova situação conduz assim
às medidas relativas à troca dos bens e do estatuto dos homens como a criação de um
mercado em que as regras sejam definidas. O mercado é a salvaguarda da sociedade,
porque ele define os estatutos e os bens. É provável, aliás, que as relações de trabalho a
partir de agora sejam geridas no âmbito da ágora como aparece mais tarde, por
exemplo, no século IV a.C.: nos negócios que devem ser julgados mais rapidamente,
dentro de um período de um mês, há “a ação de restituição de um capital emprestado
para fazer negócios na ágora” (DESCAT, 2006, p. 262-263).
O nascimento da ágora, como espaço institucional de intercâmbio dentro da
cidade está relacionado a uma diferença substancial entre a cidade grega e o Oriente
Próximo, mas que não se refere ao fato da compra e a venda. A diferença diz respeito a
profundas alterações no mundo grego relativo ao estatuto das pessoas. O controle da
“liberdade” individual da transação e o controle da dívida por contrato são as bases da
nova ágora no meio da cidade (DESCAT, 2006, p. 263).
A cidade intervém realmente apenas nos domínios que aparecem como públicos,
ou comum a todos. Esse dado tem uma importante consequência: a cidade está
envolvida muito pouco no campo da produção, que permanece essencialmente sob a
esfera dos proprietários privados, e intervém no campo das trocas, porque esta última é
koinon. Os produtos, logo que saem do oikos, são colocados à disposição dos membros
da cidade, e a sua circulação é parte do espaço koinon, mesmo se a sua propriedade bem
como os lucros ou perdas sejam da ordem privada.
Cada vez que se evoca a ideia de uma intervenção na cidade, deve ser
especificado que as cidades não necessariamente intervêm de uma maneira uniforme; os
seus métodos e as suas motivações podem ser variados. Se pode, assim, procurar ali
características comuns e, também, diferenças substanciais. As intervenções em torno do
mercado propriamente dito constituem uma característica fundamental da cidade.
Inicialmente, existe toda uma série de intervenções na direção dos comerciantes, a fim
de encorajá-los a vender mais barato, até para vender pouco se houver escassez. Em
segundo lugar, se encontra também as intervenções para a redução de intermediários.
No Pireu, vemos um decreto relacionado com o direito de venda concedido apenas aos
próprios produtores ou para os primeiros comerciantes, para evitar o aumento dos
preços, o que pode levar a cidade a decidir sobre uma diminuição do número de
comerciantes autorizados em um lugar. O objetivo desses regulamentos é a luta contra
57
Esse processo já estava bem avançado no período clássico, porque uma grande
parte das trocas do mundo Egeu foi organizada em torno de Atenas e do Pireu, sendo os
negócios lá tratados em moeda ateniense. Porém, é no meio do século V que aparece o
primeiro traço de um mercado sistemático. Plutarco diz que Péricles foi vender suas
colheitas do ano e comprar no mercado (ágora) todo o necessário para as suas famílias.
A simbiose entre a cidade e o campo era estreita, especialmente para a produção de
vinho, cuja cultura em ânforas e a exportação foram sistematicamente organizadas.
Além disso, a cidade controlava o comércio de uma vasta zona costeira sobre o
continente vizinho.
A produção artesanal e o mundo dos negócios oferecem exemplos comparáveis.
Do período clássico, algumas empresas atenienses podiam atingir um tamanho
considerável, como a fábrica de escudos de Képhalos, que tinha 120 escravos. No
século IV a.C., a maioria das concessões das minas de Laurio era de ricos cidadãos
atenienses: no final do século anterior, Nícias fez trabalhar ali mil escravos e tinha
acumulado uma fortuna colossal. Em consonância com Bresson e Christesen, já citados
neste trabalho, Migeotte afirma que os ricos sabiam avaliar os riscos e probabilidade de
se beneficiar, como fizeram na exploração das minas. São enumerados nos textos
atenienses do período clássico, cem nomes de negócios relacionados com a produção de
bens materiais, estando um quarto ou um terço dos cidadãos trabalhando nesta área,
além de metecos e escravos. Tal diversidade é apenas explicável pela intensidade do
comércio, cuja uma boa parte foi certamente orientada para a exportação. Poderíamos
multiplicar os exemplos. Mas eles não devem obscurecer a realidade humilde, que não
deixaram vestígios tão explícitos (MIGEOTTE, 2008, p. 71).
Aristóteles revelou que a oikonomia attiké era ainda vista, no final do século IV,
como um método original, cuja característica “moderna” provavelmente atingiu as
mentes dos contemporâneos. Com efeito, o tecido ordinário do mundo grego foi
composto de uma infinidade de pequenas cidades, próximas do que podemos chamar de
vilas rurais onde o modelo dominante continua a ser o camponês estabelecido em suas
próprias terras. Praticando uma agricultura mista, que combinava a policultura e um
pouco de criação, o campesinato procurou explorar sua terra ao máximo, diversificar as
culturas alimentares e, em previsão de más safras, armazenar as reservas por vários
anos: praticava principalmente uma agricultura de subsistência, com base no ideal de
autarquia. Na Ática do século V, para o qual temos dados, sabemos que muitos
cidadãos, hoplitas, possuíam apenas pequenas parcelas de propriedade no valor de mais
61
ou menos cinco hectares em média, aos quais eles poderiam adicionar como terras
arrendadas. As trocas não foram, obviamente, excluídas, mas serviam apenas para
executar uma parte do fluxo excedente e obter o necessário na escala local ou regional.
Um bom exemplo é a das Cyclades e outros pequenas ilhas do mar Egeu que, entre 500
e 200 a.C, viveram dos seus próprios recursos e do comércio nas proximidades. De
comum acordo com Descat, Migeotte também entende que o comércio grego no século
V não pode ser entendido como uma única zona de trocas que funcionava sempre da
mesma forma, mas sim como um conjunto de áreas comerciais regionais que se
relacionam umas com as outras. E Atenas representa uma economia parcialmente de
mercado, que conquistou uma parte dos circuitos econômicos, mas não todos.
(MIGEOTTE, 2008, p. 74).
Quanto ao artesanato, a maioria das oficinas era modesta, respondendo à
demanda e produziando a baixo preço os bens mais comuns. Seus trabalhadores, livres e
escravos, formavam a massa dos banausoi, cujos produtos eram mais apreciados do que
a estima recebida como grupo social. Da mesma forma, na Ática, os oikoi rurais
permaneceram lugares de processamento de produtos agrícolas, da criação, da colheita e
exploração de gado: se praticava a moagem de grãos, a preparação de pão e bolos, o
esmagamento e a prensagem de azeitona e lã, a prensagem de uvas, cardação, fiação e
tecelagem de lã e do linho, o trançado de vime, a preparação das tinturas, a molhagem e
a prensagem das peles, a preparação de carvão, etc. (MIGEOTTE, 2008, p. 75).
Os séculos seguintes viram recuar as pequenas propriedades em favor de grandes
domínios. O fenômeno não tem a mesma intensidade ou o mesmo ritmo, mas somente a
partir do século IV a.C., e intensificado no final do III a.C. crescendo até o período
imperial, na Grécia da Europa e Ásia Menor. Uma parte crescente da agricultura tornou-
se mais especializada, uma vez que muitos dos grandes proprietários tiveram privilégios
com a arboricultura, viticultura e criação de animais e, utilizando uma abundante mão
de obra livre e servil, orientou mais sua produção para o mercado. Eles provavelmente
sabiam dos numerosos livros de agronomia, botânica e dietética que floresceram no
período helenístico e que prolongou o espírito de empreendedorismo dos Logoi
oikonomikoi do período anterior. Verdadeiras empresas se desenvolveram. Por exemplo,
a raça ovina de Mileto, que produzia uma lã de alta qualidade, foi difundida na região e
permitiu a exportação de vestuário reconhecido. Nos anos 167-160 a.C., Mileto
negociou com o rei selêucida uma isenção de direitos aduaneiros para todos os produtos
exportados do seu território para o reino, provavelmente produtos da terra e aqueles de
62
sua indústria têxtil. Em Rodes, muitos dos notáveis foram os proprietários de terras e
estavam engajados nos negócios; nos vales bem irrigados de Hermus e de Meandro, a
criação de ovelhas, a cultura do linho e cânhamo e a fabricação de têxteis, vestuário,
tapetes e cordas foram organizados para exportação. Exemplos desse gênero se
multiplicam no período imperial e refletem o projeto de desenvolvimento dos negócios,
não só entre os metecos, cujas atividades eram naturais, mas também entre os melhores
cidadãos da sociedade. Certamente, eles permaneceram fiéis aos valores do patrimônio,
as rendas das fortunas da terra e as relações pessoais e familiares. Eles continuaram a
acumular os seus excedentes quando eles tinham. Mas, ao mesmo tempo, eles
entenderam a importância das atividades econômicas, conheciam o preço da riqueza e
as regras de desempenho, e sabiam como usar e investir sua riqueza. Eles sabiam gerir e
expandir seus negócios, certamente não com os métodos do capitalismo moderno, mas
de forma racional e consistente com o conhecimento de seu tempo. Nós os vemos como
comerciantes, empreiteiros e proprietários, particularmente nas grandes cidades
comerciais como Rodes, Bizâncio, Éfeso ou Nicomédia (MIGEOTTE, 2008, p. 75-77).
Ao mesmo tempo, os contatos, as viagens, e o comércio aumentaram e se
ampliaram. Apesar de terem sido muitas vezes dificultados ou paralisados localmente,
especialmente na segunda metade do período helenístico, pela instabilidade política e
guerras, além dos perigos do banditismo e pirataria. Mas, de certa forma, a própria
guerra foi um empreendimento econômico destinado a se apropriar da propriedade da
terra, dos bens e das riquezas, e serviu como um estímulo econômico. Quanto à
pirataria, ela foi significativamente reduzida a partir de 67 e a Pax Romana surgiu
gradualmente durante o Império, enquanto Roma construiu uma rede de estradas.
Helenismo e urbanização ganharam cada vez a Ásia Menor ocidental, onde a expansão
das cidades e o número de populações de língua grega estavam no auge no século II
d.C, e no início do século seguinte. Ao mesmo tempo, tornando-se o único meio de
avaliação de bens e serviços, a moeda atingiu mais influência na formação dos preços,
dado um papel mais claro para a lei da oferta e da procura e encorajamento do
desenvolvimento do crédito e dos bancos. Além disso, a despeito da permanência de
moedas locais e tradicionais, o processo de unificação começou com as corujas
atenienses se espalhando para a maior parte do Mediterrâneo Oriental e do Oriente
Médio, cujas cunhagens eram abundantes, depois da moeda imperial a partir de
Augusto.
63
grande escala para uma série de produtos, incluindo itens de luxo. É claro que os dois
últimos níveis de atividades se encontram principalmente orientados para o mercado.
Esses contrastes não são surpreendentes, porque eles ainda têm caracterizado o mundo
moderno, até o século XVIII e mesmo além. Portanto, a partir dessa constatação,
Migeotte afirma que as cidades gregas se caracterizam como uma “economia de
mercados” (MIGEOTTE, 2008, p. 81), e não uma economia de mercado, com todas as
nuances apontadas.
As perspectivas desses três autores ampliam o horizonte de análise da economia
antiga, no caso particular, a do mundo grego, em relação ao mercado local e comércio
administrado como elementos característicos daquela sociedade. Os autores
paradigmáticos da tradição primitivista-substantivista, Weber, Polanyi e Finley foram
felizes em acentuar o papel da pólis e os interesses políticos daqueles que exerciam o
poder político, como elemento fundamental das relações econômicas. Também estavam
corretos em procurar pontos de diferenciação da realidade econômica e social do mundo
antigo em relação ao capitalismo, fio condutor da tradição de pensamento em que estes
autores se inserem. Porém, incorreram em dois erros: ao diferenciarem as relações
econômicas do mundo antigo em relação ao moderno, subestimaram a capacidade de
formulação e ação dos diversos atores sociais envolvidos nas relações econômicas, ora
acentuando o desprestígio dos homens envolvidos no comércio em prol dos interesses
políticos da cidade, hipótese bem desconstruída por Bresson e Burke; e, como
consequência desse equívoco, defenderam a ausência de racionalidade e de cálculo nas
operações econômicas, obscurecendo as possibilidades de ações e formulações no
campo da economia que implicassem uma ação racional voltada para a satisfação das
necessidades, articulada com os mais diversos interesses políticos. O segundo erro foi
excluir o Antigo Oriente Próximo de atividades econômicas relacionadas com o
mercado. Enquanto a Grécia apresentou manifestações de intercâmbios em um mercado
local e no empório, apesar de nunca totalmente integrados, o Oriente Próximo esteve
totalmente fora de tal realidade devido à forma de integração dominante: a
redistribuição. Polanyi procurou demonstrar tal tese em um estudo sobre a Mesopotâmia
de Hamurabi. Essa perspectiva e suas consequências na historiografia econômica do
Antigo Oriente Próximo é o que passaremos a investigar agora, com o fito de tecermos
um painel amplo da análise polanyiana nas sociedades grega e mesopotâmia e refletir,
por meio de trabalhos posteriores à contribuição do substantivismo para a economia
antiga.
66
meio dos estudos orientais, fornecendo a base para os trabalhos teóricos de K. Polanyi.
Os trabalhos desses estudiosos foram retomados em seguida pela maioria dos
historiadores e passado aos estudantes, constituindo uma espécie de vulgata.
Muito esquematicamente, a sociedade e o estado mesopotâmios das origens são
representados segundo estes modelos, como uma comunidade dominada por grandes
instituições, os templos e ou palácio real, que operam nas cidades e permanecem
proprietárias últimas das terras agrícolas, fonte primeira das atividades de produção.
Estas instituições – e as elites que as representam – depois de ter recolhido as riquezas
utilizadas para remunerar, pelas rações ou salários, as prestações pessoais dos serviços
especializados, como o exército, os escribas ou os artesãos, redistribuem o restante da
produção à população da cidade e do campo engajada no trabalho. Esta redistribuição é
feita sobre uma base regular – registrada sistematicamente por uma burocracia e
atestada na documentação cuneiforme – mas unicamente na medida do que é necessário
para a subsistência imediata (MASETI-ROUAULT, 2008, p. 52).
Nessa estrutura econômica, não há lugar para o desenvolvimento de uma
economia de mercado, e do mercado, com ausência de moeda, e de dinheiro, assim
como do capital. Não é mais questão de valor, de preço, nem de regulação de oferta e
demanda, mesmo se a complexidade e o tamanho da organização burocrática, que
localmente podia organizar dezenas de milhares de pessoas, são necessários para o
estabelecimento de sistemas de equivalências para medir os diferentes produtos, por
exemplo, entre a cevada/o dinheiro/ lã. O sistema que predominou foi a autarquia, cada
grupo humano – da casa, ao clã nômade e aos complexos templos ou palácios das
cidades da idade do bronze – tenderam a produzir diretamente para suas necessidades. A
agricultura cerealífera irrigada, de uma parte, e de outra, a criação de ovinos e caprinos,
são em todas as épocas os pilares deste tipo de produção mesopotâmia. Fora os períodos
de crise, muitas vezes devido aos problemas políticos, este sistema é praticamente
inquestionável e indestrutível, e capaz de fornecer largos excedentes.
Por outro lado, a situação geográfica da Mesopotâmia central e meridional torna
absolutamente necessário para os estados locais o desenvolvimento de uma política de
importação de materiais raros e preciosos, como os metais, as pedras duras ou a
madeira, de regiões vizinhas, ou mesmo de muito longe. No discurso historiográfico
moderno, esta dependência dos estados mesopotâmios frente à sua periferia pode
justificar uma parte das atividades militares e de conquista bem como a formação de
impérios desde o fim do terceiro milênio. Do ponto de vista econômico, ela provoca
69
POLANYI E A MESOPOTÂMIA
Os mercadores assírios do Karum (porto) de Kanish, por exemplo, não eram pessoas
que ganhavam a vida com ganhos derivados das compras e vendas, das diferenças de
preços na transação. Eram mercadores por status, em virtude de seu nascimento, de uma
aprendizagem longínqua ou por designação. A menos que a designação fosse
acompanhada de uma concessão substancial de terra, suas receitas derivavam da venda
de bens, sobre a qual ganhavam uma comissão. Os preços tomavam a forma de
equivalências estabelecidas pela autoridade de um costume, um estatuto, um edito. Se
suponha que as necessidades vitais estavam submetidas por equivalências permanentes.
Na realidade experimentavam mudanças, em longo prazo, com os mesmos métodos
pelos quais foram estabelecidos. Isto não afetava a receita do mercador, que não
dependia das diferenças de preços (POLANYI, 1976, p. 66-68).
A diferença fundamental entre o comércio administrado e o comércio de
mercado reside na ausência de riscos para os comerciantes, tanto no relativo às
expectativas dos preços quanto à possível insolvência do devedor. Não há perdas pela
flutuação de preços.
Polanyi enumera algumas características conhecidas das trocas realizadas por
meio do Karum: nenhuma venda que não seja no local; o mercador recebe seu
contingente de produtos contra uma fiança pelo valor destes; as obrigações para com
terceiros devem ser registradas ante a autoridade competente, a Cidade, o Karum ou o
palácio; assim, por princípio os poderes públicos garantiam todas as obrigações;
finalmente, os poderes públicos não aceitavam nenhum risco, pois rechaçam as
obrigações que não oferecem segurança. Tudo isso explica porque não se produz
nenhum pagamento de dívidas; porque as sentenças de arbitragem se executam sem
necessidade de coação; porque um requisito para comerciar é o pertencimento ao Karum
e uma boa reputação ante a Cidade; porque não se exigem depósitos para assegurar o
pagamento; porque não se perde nunca o empréstimo livre de interesse que o
empregado utiliza para comercializar por conta própria; porque nos negócios só se
produzem ganhos e não perdas (POLANYI, 1976, p. 70-71).
As atividades deste comércio administrado são qualificadas de disposicionais,
nas quais os comerciantes atuavam dentro do marco de uma organização governamental
e uma rede de instituições oficiais e semioficiais que lhes dava garantias por meio de
normas legais. Não obstante, as transações privadas não eram proibidas, na medida em
que as normas legais tratavam da separação institucional das disposições comerciais
relativas aos negócios públicos com respeito às transações privadas. O mercador atuava
71
A CRÍTICA FORMALISTA
mina de prata para comprar cevada pouco antes da colheita é obrigado a reembolsar não
uma quantidade fixa de cevada, mas o valor de uma mina pouco depois da colheita.
Na Mesopotâmia, no início, há ampla evidência de posse privada de terra e de
um mercado de terra e, como temos visto, de vendas de grão. É difícil, contudo, isolar
os papéis comerciais de produtores e intermediários. É impossível dizer se o registro de
um carregamento de grão representa uma especulação comercial, pagamento de
impostos, ou algum outro propósito. Todavia, os textos que datam do início do terceiro
milênio também se referem ao sumério lú-se-sa-as (acadiano muqallú) que quer dizer
“quem o torrou e vendeu no mercado”. As mercadorias mais frequentemente listadas à
mão nas prestações ponderadas de prata do século XXI são lã e tâmaras. A cevada
também é comum. Um documento proveniente do início do segundo milênio achado no
posto comercial assírio na Anatólia atesta a compra por comerciantes de quantidades
substanciais de cevada e trigo revendidos mediante um lucro. Empréstimos de grão
eram frequentemente feitos por indivíduos descritos como “mercadores” na primeira
metade do segundo milênio, embora o significado da palavra em si seja motivo de
discussão. A venda a varejo de pão na primeira metade do segundo milênio é atestada
por essa passagem em uma carta: “Eu não tenho nenhum assalariado que moesse a
cevada (para mim), assim temos estado comendo pão comprado.” Outros textos revelam
celeiros fazendo negócio com o público em geral declarado ser privadamente possuído
ou pelo menos sem nenhuma ligação aparente com o palácio ou templo. Que indivíduos
privados estocavam grão em celeiros privados é confirmado pelos parágrafos 120 e 121
do Código de Hammurabi legislando falta de pagamento e encargos de estocagem. Um
documento do século XVIII registra o preço pago por uma grande quantidade de cevada
por “Šamašnšṣiro Tilmunite,” provavelmente um mercador que exportava o grão para
Tilmun (Bahrain). No século XIII na Assíria, pelo menos, uma grande firma possuía
grandes quantidades de grão e faziam empréstimos de grão (SILVER, 1983, p. 799-
801).
É bem sabido como os templos do antigo Oriente Próximo serviam como lugares
de adoração e como centros de comércio interurbano e internacional. A evidência
quanto a empréstimos de grão na Babilônia é maior, contudo, na primeira metade do
segundo milênio; os documentos mostram que tanto as pessoas privadas como os
templos emprestavam cevada. Mas isso particularmente supersimplifica a situação,
porque havia três variantes do empréstimo do templo: empréstimos feitos pela deidade
(templo) apenas; empréstimos feitos por pessoas privadas e pela deidade; e empréstimos
76
antico, organizado por Carlo Zaccagnini, Renger afirma que os elementos estruturais
dominantes da vida econômica e social na antiga Mesopotâmia podem ser percebidos
sob a base de uma dicotomia entre a economia de oikos do terceiro milênio e uma
economia caracterizada por formas tributárias a partir do segundo milênio em diante.
Este artigo é fundamental para entendermos os elementos centrais da crítica de Renger a
Moris Silver, feita em outro artigo.
A maioria das economias antigas é de certo modo tripartida, isto é, baseada
primeiro lugar em agricultura e criação de animais, segundo na produção de
mercadorias fabricadas, e terceiro em diferentes formas de troca das mercadorias. Como
é indiscutível, a maioria das economias de qualquer civilização antiga é baseada
primeiramente em agricultura e criação de animais. Ambos estão interligados em um
modo sistemático. Mercadorias fabricadas feitas dos materiais resultantes da produção
agrícola e da criação de animais bem como aquelas vindas da exploração de recursos
naturais são mais uma parte integral de tal economia. A troca interna e o comércio de
longa distância representam um terceiro elemento de tal economia. A produção de
mercadorias fabricadas por artífices ou artesãos, bem como todas as formas de troca e
comércio representam – em termos quantitativos – somente um papel suplementar
dentro de tal sistema econômico. Economias antigas baseadas na agricultura e na
criação de animais são economias de subsistência. Portanto, é necessário indagar como
os produtores tomam parte nos resultados de seu trabalho e como eles têm acesso ao que
eles têm produzido? (RENGER, 2003, p. 16-17).
A economia do final do terceiro milênio é caracterizada por um tipo de
economia que tem sido denominada economia do oikos, como uma household
autárquica. Todas as mercadorias necessárias e consumidas pelos membros da
household são produzidas dentro da household. Somente umas pouquíssimas
mercadorias e objetos têm de vir de fora – metais e outros materiais raros, bem como
objetos prestigiosos. O tamanho do oikos de um governante é idêntico em termos
espaciais com o tamanho de seu reino. Max Weber o denominou de oikos patrimonial,
um tipo de patrimônio de estado. Portanto, as estruturas da sociedade e economia na
Baixa Mesopotâmia, isto é, na antiga Suméria, que fica muito ao sul do atual Iraque, a
partir do final do quarto milênio – como revelado pelos arquivos administrativos de
Uruk, contendo os registros mais antigos da humanidade – até aproximadamente 2500
a.C. podem ser descritas em termos de uma economia do oikos. Exemplo disso é a
dinastia de Urnanshe, um estado patrimonial, mais ou menos uniforme, no qual os oikoi
79
dos diferentes templos chefiados por membros da família governante eram unidos sob a
autoridade suprema do governante que era ele mesmo o chefe do oikos da cidade-deus
Ningirsu (RENGER, 2003, p. 18).
A forma mais sucinta da economia de oikos é documentada nos quase 40.000
registros administrativos da época da III dinastia de Ur (2112-2004 a.C.). O sistema da
economia de oikos da III dinastia de Ur pode ser descrito por meio de 4 tipos de
households ou oikoi: 1. Senhorios ou houseolds agrícolas; 2. Ergasteria produzindo
têxteis e outras mercadorias ou artefatos; 3. Households de serviço, e 4. Households de
altos funcionários do estado ou dos templos.
Os senhorios agrícolas são – pelo menos na terra de Lagash – administrados
pelos templos. Eles têm, em média, de 50 a 200 hectares, dependendo do status do
templo. Os templos também são responsáveis pela administração dos rebanhos.
Um número de households manufatureiras é conhecido. As mais importantes
entre elas são as oficinas têxteis, porque produzem não somente artigos de vestuários e
têxteis distribuídos para os membros de todas as households no reino, mas também
têxteis e peças de roupas da mais alta qualidade destinadas para troca em comércio de
longa distância. Outro tipo de oficina de household da qual conhecemos é responsável
pelo processamento de cereais em farinha. Todas essas households estão organizadas
como ergasteria ou casas cujo pessoal é composto por trabalho dependente, em geral de
mulheres.
As households de serviço abrangem os chamados centros de distribuição tais
como o centro de distribuição de animal em Puzrish-Dagan. Essas households estão sob
a supervisão direta do rei ou o s u k k a l . m a h, o grão-vizir, a personalidade
administrativa mais alta do reino, segundo na hierarquia, abaixo somente do rei. O
centro de distribuição em Puzrish-Dagan criava a maioria dos animais – a maioria
carneiro e cabra, mas também boi –, recebida como dívidas e impostos procedentes da
parte norte da região passando pelo rio Tigre. A partir de Puzrish-Dagan, eles eram
então distribuídos para seu local final de destino, ou para os templos vizinhos de Nippur
para oferendas, ou para consumo na corte real, ou para disposição das massas populares
reais, ou para uso nos senhorios agrícolas como animais de tração.
Altos funcionários, isto é, a elite governante dos templos e do palácio e suas
várias unidades de households, o rei, sua família direta, membros do clã real, bem como
a elite funcional dentro dos pequenos estados territoriais os quais compunham o estado
de Ur III como um todo, eram designados às households grandes o bastante para
80
sustentar suas famílias e séquito. Tais households eram ligados ao cargo público ou
status mantido por uma pessoa, e desse modo não herdado (RENGER, 2003, p. 19).
A população era integrada dentro dessas households como trabalhadores
dependentes. Eles recebiam diariamente ou mensalmente rações como sua subsistência.
Essas rações consistiam de cevada ou pão e azeite. Em adição a essas rações, lotes
muito pequenos de campo sustentável eram rateados para alguns dos trabalhadores. Eles
eram destinados a suplementar o que eles recebiam como rações (RENGER, 2003, p.
19).
A partir do início do segundo milênio, a economia do oikos do terceiro milênio
foi gradualmente substituída por formas tributárias. Tributário – um termo cunhado por
Pierre Briant – descreve uma economia na qual o palácio e os templos se despojaram de
grandes partes da atividade econômica. A economia tributária é um modo distinto e
diferente no qual as instituições centrais como templo ou palácio organizavam suas
operações e seus interesses econômicos: households institucionais individuais ou a
agregação de todas as households institucionais dentro do estado constituíam uma
household institucional idêntico ao estado como um todo. Integrados dentro de tal
household patrimonial estava toda a terra incluindo seus recursos naturais e humanos.
Necessidades não encontradas em um segmento da household patrimonial eram
satisfeitas por ordem administrativa e contabilizada por um complexo sistema contábil
(RENGER, 2003, p. 20).
Na economia tributária as atividades econômicas eram individualizadas. As
necessidades do palácio – ou de qualquer outra household institucional – não eram
satisfeitas por meio da produção dentro de uma household autossustentável. A produção
era entregue a outros, isto é, privilegiada a indivíduos que tinham imediatamente de
entregar parte dos resultados de seus esforços produtivos para a instituição em forma de
impostos ou tributos. A emergência e a formação da economia tributária aconteceram
gradualmente e com diferenças significativas entre o norte e o sul da Babilônia, isto é,
os reinos da Babilônia, Isin e Larsa (RENGER, 2003, p. 20).
As atividades econômicas despojadas de instituições centrais são três: a primeira
envolve a produção agrícola e criação de animais. A terra dos grandes senhorios do
templo era distribuída em forma de campos de aluguel e de subsistência. Os campos de
subsistência dados aos súditos do rei, que ofereciam serviços, tinham um tamanho
médio de aproximadamente 6,5 hectares. Isso era suficiente para sustentar uma família
de 5 a 7 pessoas. Campos de aluguel eram loteados a indivíduos com o único propósito
81
de produzir grão para o palácio. A terra reservada também era dada a empresários
agrícolas de várias centenas de hectares, até mesmo mais de 3.000 hectares. Em Larsa,
no sul da Babilônia, estamos cientes de grandes operações de rebanho empreendidas por
empresários individuais (RENGER, 2003, p. 20-21).
O segundo tipo de atividades envolve a exploração de recursos naturais – pesca e
caça, a colheita de junco no pântano e a fabricação de tijolos. Campos de subsistência
eram dados, por exemplo, a pescadores e caçadores para remunerá-los. O terceiro tipo
inclui vários tipos de funções de serviço: coleta, transporte, estocagem e eventual
distribuição de produtos agrícolas, seja cevada, tâmaras, lã, mas também a coleta e
distribuição de peixe, ou de couros e cascos de animais abatidos; pagamento e alocação
de trabalhadores para trabalho sazonal ou especial (contratação de trabalho); a coleta de
impostos e tributos; e, atividades de comerciantes de longa distância organizadas como
uma atividade empresarial. Os elementos típicos de tal atividade empresarial são os
seguintes: o palácio incumbe um empresário de uma atividade econômica particular,
que assume os riscos; a relação entre palácio e empresário é estabelecida em um
contrato. O contrato consiste de um número de cláusulas que regulam as obrigações do
empresário de desembolsar ou cumprir seu contrato nos termos da época, e da quantia a
ser paga que é ou fixada antecipadamente em termos absolutos, ou fixado
proporcionalmente em relação ao total da colheita determinada por estimativa logo
antes da colheita (RENGER, 2003, p. 21).
Formas de uma economia tributária podem ser observadas em Lagash pré-
sargônica, isto é, no século XXIV a.C.. Contudo naquele momento esta economia não
constitui um elemento decisivo na vida econômica daquele período. De fato, as formas
da economia tributária estão principalmente presentes na relação com a produção
agrícola: funcionários das propriedades do templo recebem campos alugados. Mas
parece que esses campos alugados representam uma parte insignificante da terra arável
disponível dentro de um senhorio do templo. Formas tributárias de atividade econômica,
contudo, dominam a vida econômica no sul da Mesopotâmia do Período da Antiga
Babilônia dos séculos XIX/XVIII a.C. em diante até épocas posteriores ao período
acamênida.
Durante o período da Antiga Babilônia – isto é mais ou menos entre os séculos
XVIII e XVII a.C.. as atividades dos mercadores e empresários estavam intimamente
ligadas ao interesses e necessidades das households institucionais, na maioria das vezes
do palácio. Os mercadores eram organizados como um grupo ou colegiado de forma
82
regional ligados com o distrito portuário o kārūm. Nessas circunstâncias, não há muito
espaço para um mercado nos moldes da ágora ateniense. Os modelos mesopotâmicos de
abastecimento de alimento para a população depõem contra a existência de um mercado
por meio do qual todos os alimentos necessários para o sustento de alguém poderia ser
obtido. O fato de que os artífices estavam integrados às households institucionais na
economia de oikos, bem como na economia tributária do período da Antiga Babilônia
tem um impacto sobre as necessidades de troca. As mercadorias produzidas necessárias
dentro da household institucional eram produzidas interiormente. Até no que diz
respeito às households privados, particulares – muito do que era necessário era
produzido ali. Uma situação diferente é observada nos centros urbanos durante as
épocas da Neo-Babilônia (sexto/quinto séculos a.C.): a produção de mercadorias e
serviços produzidos por artífices e artesãos parecem estar acontecendo em duas esferas
distintas: Por um lado, os artífices estão ligados às grandes households dos templos, por
outro lado, escravos treinados como artífices especializados trabalhando em suas
próprias oficinas são obrigados a pagar uma taxa anual a seus mestres. Os artífices
escravos obviamente produziam mercadorias para uso geral da população urbana. Os
artífices ligados às grandes households dos templos serviam predominantemente às
instituições para as quais eles estavam ligados. Mas é concebível que eles também
produziam sozinhos para «clientes» particulares, um padrão presumivelmente operativo
no período de Ur III.
O entendimento dessa estrutura é fundamental para a compreensão da
contundente crítica que Renger tece a Moris Silver no artigo intitulado On economic
structures in ancient Mesopotamia, publicado no periódico Orientalia, em 1994.
Renger esquadrinhou os trabalhos de Silver, apontou suas falhas e esboçou outra
perspectiva, de matriz polanyiana, não voltada para a descrição de simples fatos
econômicos, mas para a compreensão da economia antiga como sistemas econômicos
complexos e integrados, ou seja, concebidos como um todo.
Segundo Renger, o principal defeito de Silver, certamente, é que como
economista e não um assiriologista especializado, ele é incapaz de avaliar as fontes
fundamentais provenientes da Mesopotâmia escritas em sumeriano e acadiano, tendo
que apoiar-se em escritos de outros estudiosos. Apesar das dificuldades, Silver
surpreendeu seus leitores pela fina soma de literatura especializada que ele reuniu, leu e
usou. Contudo, inevitavelmente, ele compreendeu mal ou interpretou mal a evidência
em numerosos exemplos, especialmente nas muitas vezes em que cita aprobativamente
83
processo de produção na Antiga Mesopotâmia. Ele não mostra que ali existiu um
mercado de terra agrícola como os meios básico de produção. E suas observações sobre
mercado de investimento e crédito não são convincentes. O que não se compreende em
seus argumentos sobre a existência de mercados é um claro relato ou explicação dos
critérios que poderiam servir como prova para existência deles. É um método
completamente inaceitável de pesquisa histórica assumir que uma simples referência a
algo vendido ou comprado, a um contrato de pagamento ou a um empréstimo, seja
evidência suficiente para crédito, trabalho, terra ou mercados de mercadorias. É
necessário dar atenção ao contexto político, social e histórico, ou investigar, por
exemplo, o papel quantitativo desses fenômenos dentro do sistema econômico todo de
um dado período. Deve ser provado que os mercados existiram como reflexões de um
processo instituído; que eram tangíveis em termos pessoal, espacial e temporal; e que
refletiam um elemento estrutural viável da economia da Antiga Mesopotâmia
(RENGER, 1994, p. 174-175).
O conceito de redistribuição está relacionado com os meios de alocação das
necessidades diárias, principalmente alimento. O conceito de redistribuição teve ampla
aceitação entre os historiadores e antropólogos sociais. Gelb dedicou um artigo
fundamental a uma das principais características ou modos operacionais de um sistema
redistribucional na Antiga Mesopotâmia, isto é, a alimentação de dependentes em
households grandes e institucionais, por meio da distribuição de rações diárias, mensais
ou mesmo anuais em mercadorias. Silver, segundo Renger não aprofunda a discussão
sobre o conceito em virtude de suas limitações com o manejo das fontes. Ele sustenta
que “recentes estudos” têm arruinado a premissa instável, de que a maioria, se não toda
a terra agrícola, era possuída pelos templos. Isso significaria que os templos e os estados
(principalmente a Dinastia Ur III) não eram de forma alguma os únicos proprietários de
terra. Entretanto, contrária a tal afirmativa, o argumento sobre templo versus posse
privada de terra arável no período pré-sargônico e durante o período Ur III não pode ser
usado a fim de refutar a “hipótese redistribucionista ou de templo-estado”. Como prova
adicional, Silver cita alguns exemplos onde o estado ou templos agem como
empresários ou inovadores familiarizados com as necessidades e circunstâncias dos
mercados relativamente distantes e tinham acesso ao capital necessário para
implementar seus insights, especialmente quanto à adoção de novos produtos para
novos mercados. As atividades desses empresários tornam-se mais claramente visíveis
na forma de ‘firmas’. O funcionário que age como empresário e suas atividades
85
organizadas dentro de uma ‘firma’ (sum. é = Akk. bitum “casa”) não pode servir como
evidência contra a bem conhecida hipótese templo-estado. Além disso, Silver interpreta
mal o problema quando ele une redistribuição à questão da ‘cidade-templo’ (Falkenstein
e anteriormente Schneider e Deimel). A redistribuição implica um modo de realocação
dos produtos do trabalho produzidos coletivamente, centralmente colhidos e estocados.
Não há nenhuma implicação à igualdade de tratamento, ‘partes justas’, ou pagamento
pelo valor do trabalho. O padrão social é caracterizado pela centralidade: os pontos
periféricos estão todos ligados ao ponto central. A redistribuição pode, portanto, ocorrer
em uma variedade de sistemas políticos. Estudiosos de várias disciplinas têm
reorganizado o princípio de redistribuição como um determinante econômico, social e
político no estado Inca e têm sustentado que a redistribuição representou um papel
decisivo em momentos da história do Egito Antigo, Chipre e Creta (RENGER, 1994, p.
176-177).
A armazenagem está tão intimamente ligada ao conceito de redistribuição que
uma economia redistributiva é muitas vezes descrita como economia de armazenagem.
Armazenagem e redistribuição de mercadoria durante períodos prolongados de tempo
dão confiança e segurança. É a necessidade por segurança que impele grandes
households ou o ‘estado’ a aumentar os estoques para os maus tempos, ao invés de
considerações comerciais e de intercâmbios. Infelizmente, evidência direta em prol de
armazenagem de grandes quantidades de grão ou outras matérias primas é muito
escassa. E muito pouco tem sido feito sobre o assunto. Dessa forma, muito
frequentemente se tem de recorrer à evidência indireta. A terminologia particularmente
diversificada concernente à armazenagem e facilidades de armazenamento em fontes
sumérias bem como acadianas até agora espera um tratamento sistemático. Referências
textuais mencionando grandes dispêndios ou receitas de mercadorias de matéria prima
permitem uma estimativa da quantidade envolvida. Desse modo, o texto RTC 407 de
Girsu (período de Ur III) trata da área de colheita de aproximadamente 5.000 bùr
(aproximadamente 318 km2) e uma colheita de grão de cerca de 22.500 toneladas que
bastariam para 62.150 rações anuais de 2 silos por dia (aproximadamente 1,68 litros =
aproximadamente 1 kg de cevada). Outro texto indica a colheita total do distrito de
Girsu (aproximadamente 15.000 toneladas), cerca da metade dos quais é para serem
entregues a uma autoridade mais alta. Evidência clara da existência de sistemas
redistributivos aparece em número considerável nas listas pessoais desde os períodos
pré-sargônico, de Ur III e babilônico antigo (especialmente a partir de Mari) que
86
de 250 originam-se a partir das cidades do sul da Babilônia: Kutalla, Larsa e Ur. Dentre
elas, achamos somente treze pertencentes a campos, que eram pedaços de terra
particularmente pequenos, sem grande importância ou devastados ou algumas vezes
uma combinação dos dois. Em uns poucos casos, áreas de lote foram vendidas; estamos
tratando aqui da venda de usufruto. O que é notável nesse contexto é a ausência quase
total de áreas entre os objetos listados em documentos de herança proveniente do Sul da
Babilônia. Mais reveladora é a documentação registrando a divisão dos bens paternal de
uma família muito rica durante três gerações. Aqui também, nenhum campo foi
mencionado! Mesmo a venda de casas dentro da cidade de Ur foi supervisionada por um
funcionário. Evidência comparável existe para Kutalla. Em contraposição, 46 dos 116
documentos de venda de bens imobiliários provenientes de Nippur concernem a
campos.
Silver rejeita a posse de terra coletiva. Renger entende que deve se esclarecer a
relação quantitativa entre as diferentes formas de posse de terra, quer isso signifique
posse por indivíduos ou famílias, controle coletivo sobre os campos de uma comunidade
de vilarejo, propriedades de terra de grandes households institucionais ou direitos
restritos sobre a terra arável concedida a indivíduos ao dividir ou arrendar campos para
eles. As várias formas de posse de terra têm de ser compreendida como funções de
condições sociais e políticas distintas bem como de condições ecológicas. Parece que
sob a dinastia de Ur III, a maioria das terras estava sob o controle estrito do estado. Esse
regime aparentemente continuou no sul da Babilônia durante o período babilônico
antigo, visto que no território do reino de Larsa (Kutalla, Larsa, Ur) somente um
punhado de vendas de campos é atestado para o período, até que registros dessa área
cessam de existir por volta de 1720 a.C.. No norte da Babilônia, contudo, um regime
diferente de posse de terra existiu atestado por um grande número de documentos de
venda de campo. Uma questão à parte é como o acesso a bens de raiz era possível.
Tomados simultaneamente, os documentos existentes registrando a alienação de terra
arável referem-se somente a umas pequenas terras vendidas por acre comparada à área
vidente cultivada em qualquer período dado. Também não sabemos quem e sob que
circunstâncias podiam vender ou comprar terra arável. Ademais, não há nenhuma
indicação seja qual for que o acesso a terra geralmente era obtido por meio de um ato de
compra, isto é, por meio de um mercado de terra. O termo mercado de terra somente é
justificado, se o mercado é a forma dominante de acesso à terra necessária pela
população para garantir sua subsistência. Mas, como compreendemos as fontes, acesso à
88
terra era possível ou por meio da família, isto é, herança, ou por meio do rei na forma de
lote ou aluguel de campos. Além disso, tem de se estar ciente do fato de que em
qualquer sociedade agrária baseada em pequenas unidades de produção, cultivadas por
família, uma limitação adicional a um mercado em terra arável existiu: a perda da terra
estava automaticamente associada ao empobrecimento e ao desastre econômico em
relação da família envolvida. Assim, um regime agrário desse tipo, implicitamente,
constitui um impedimento para a consolidação da terra resultante de fatores puramente
econômicos, isto é, da lógica de oportunidades de mercado e uma inclinação para o
crescimento econômico por aqueles buscando tal consolidação de terra como Silver
especula (RENGER, 1994, p. 188-189).
O papel e as formas de crédito em uma dada economia podem servir como um
importante indicador da complexidade e sofisticação prevalecente em tal sistema
econômico. Para Polanyi, o crédito representou um papel diferente na antiguidade, pois
não eram regidas pelos mercados criadores de preços, no qual sua emergência assume
“funções de um novo caráter”. A discordância de Silver da posição de Polanyi gira em
torno da questão da existência ou não de empréstimos comerciais não agrícolas.
Contudo, o problema parece ser mais complicado. Para Renger origem de empréstimos
e crédito em uma economia camponesa, isto é, uma economia determinada por
produção de subsistência é diferente das sociedades modernas. O crédito sob tais
condições sociais específicas pode também ser concebido como parte de um sistema de
reciprocidade. Os princípios de solidariedade tradicional exigiam assistência mútua
observando serviços necessários ou mercadorias. Empréstimos e serviços, certamente,
estão acoplados com a obrigação para ação eventual recíproca, ou por restituição em
espécie o que era recebido, ou por substituição. Visto que a reciprocidade é somente
esperada depois de algum tempo, se poderia descrever a situação inteira em termos
econômicos (modernos) como crédito. Parece, contudo, que uma análise só em termos
econômicos não é adequada para explicar as implicações sociais fundamentais.
Poucos contratos de empréstimo – em sentido estrito do termo – antes do
período Ur III são conhecidos. Mais de 500 documentos de empréstimo são conhecidos
desde a época da 3ª Dinastia de Ur ( 2100-2000 a.C), e um número até maior do período
babilônico antigo (2000-1600 a.C.). São usados termos diferentes para distinguir vários
tipos de empréstimos. O formulário é abstrato, praticamente nunca mencionando o
propósito para qual um empréstimo tinha sido concedido. As dificuldades em interpretar
corretamente as fontes existentes são óbvias. A despeito da aparição de um número de
89
significativa: para além do corpus das cartas dos comerciantes assírios na Capadócia, já
citados, se pode mencionar, por exemplo, os contratos de venda que refletem a
propriedade privada da terra e bens imobiliários. Pela própria natureza privada, entre os
indivíduos, esses textos econômicos têm uma estrutura mais complexa, articulada e
variável. Eles foram conservados por razões diferentes daquelas dos textos
institucionais, e eles têm sobrevivido mais aleatoriamente. Esta realidade convida a ter
cautela na interpretação e na explicação dos fatos e das estruturas econômicas, e explica
também como os mesmos dados textuais podem oferecer possibilidades de leitura
diferentes e mesmo contraditórias. Desde a década de 1970, vários assiriólogos e
historiadores do Antigo Oriente Próximo, como Mário Liverani, Carlo Zaccagnini, M.T.
Larsen, K. Veenhof, N. Yoffe, N. J. Postgate, M. van de Mieroop, G. Van Driel têm
começado a reconstituir o desenvolvimento econômico do mundo mesopotâmio no seu
quadro histórico. Usando todas as fontes documentais arqueológicas e textuais, em
diferentes níveis, eles procuraram destacar as fases da evolução da economia e do
mercado. Enfatizando diferentes aspectos da mudança do sistema econômico antigo –
mas, basicamente sem renunciar completamente todos os pressupostos polanyianos –
esses historiadores estão tentando restaurar uma imagem da economia mesopotâmia
como aquela de economia de mercado. Mas é evidente que eles acreditam que, no
contexto da economia do mundo sírio-mesopotâmio, não houve mercado, nem pode
haver, as propriedades e características do mercado moderno e contemporâneo.
Estas reconstruções, apesar das diferenças significativas, apresentam pontos em
comum. Todos parecem concordar que o Estado, por meio de sua política e suas
instituições, ainda pesa sobre o funcionamento do mercado, que não pode ter o aspecto
mecânico e independente em relação às estruturas sociais que lhes são atribuídos pela
teoria econômica moderna. Eles também levam em conta a falta, na Mesopotâmia
antiga, de uma medida comum, de uma moeda para quantificar o valor das matérias
primas, os produtos e, sobretudo, do trabalho humano, e para expressá-lo por preços
determinados pelo equilíbrio entre a oferta e a demanda. Em segundo lugar, todos já
admitem a existência e a relevância de um mercado comercial, autônomo das redes de
intercâmbio “recíprocas” entre Estados e instituições. Este mercado se estabelece no
seio de uma categoria de especialistas, os mercadores, que têm códigos de
comportamento com procedimentos profissionais determinados.
Dentre estes historiadores, tomemos como exemplo Mario Liverani, um autor
influenciado pelo marxismo, mas que, para além do instrumental marxista, tem
94
usasse esse termo, que era tabu na União Soviética na época. Os dois setores se
encontram em um sentido análogo, visto que as terras do setor do templo/palácio são
administradas diferentemente e mantidas separadas das terras das comunidades locais,
mas em outro sentido, as comunidades aldeãs estão ligadas ao setor templário/palacial
por subordinação, visto que as comunidades locais são “contribuintes” do templo ou do
palácio, no qual se encontra o poder político unificador.
Entre os assiriologistas ocidentais, a crítica de Diakonoff foi apreciada e
contrariada ao mesmo tempo. Por um lado, foi apreciada porque apresentou um quadro
mais matizado do que o modelo simplista de “cidade-templo”, concebido em torno das
teorias estatistas da Alemanha do século XX. Por outro lado, de acordo com estudiosos
ocidentais, em particular Gelb, o espaço deixado livre foi ocupado não pelas
comunidades locais ou famílias extensas, mas pela propriedade privada e administração
privada. Em todo caso, a rejeição do modelo totalizante provocou a rejeição de seu
rótulo também, negando-se hoje a própria existência de uma economia baseada no
templo para o terceiro e segundo milênios a.C., com a exceção da Terceira Dinastia de
Ur. Além disso, a própria existência de comunidades aldeãs, apoiada por estudiosos
neomarxistas da Europa Ocidentais, foi fortemente posta em dúvida, visto que os traços
específicos que definem uma “comunidade aldeã” na Europa medieval não são
encontrados no Antigo Oriente Próximo. Finalmente, o papel da irrigação ao originar a
administração agrícola centralizada – já presente no modelo de Deimel, e que se tornou
a base das visões totalizante de Karl Wittfogel – foi descartado como um fator principal
seguindo a análise mais precisa de Robert McC Adams. Com o templo reduzido a um
papel secundário e as comunidades aldeãs vistas como ficções das imaginações de
historiadores marxistas, abriu-se espaço para a propriedade privada (e pessoal), para
administração privada da rede de irrigação, para um mercado livre de terra, e assim por
diante (LIVERANI, 2005, p. 49-50).
A denominação “cidade-templo” significa um modelo de economia em que um
setor específico relevante modela a economia inteira da cidade ou do estado. Um dado
setor é o mais importante em comparação aos outros, desse modo influencia de vários
modos e graus os outros setores também. Em termos gerais: se queremos avaliar um
modelo de uma economia, nós temos de avaliar os estudos quantitativos de suas partes
componentes e compreender o funcionamento interno da cidade como uma “cidade-
templo”, não porque o templo era a única representação econômica, mas porque era de
96
estrangeiras: o segmento final está relacionado aos ajustes de contas entre mercadores e
representações centrais no final do processo. A relação administrativa, usando valores
fixos e buscando materiais indisponíveis na pátria, se modificava no final do processo:
agentes do comércio obtinham prata e/ou materiais processados (principalmente metais
e têxteis) vindo da representação central e tinham de trazer de volta depois de seis
meses ou um ano o equivalente em produtos exóticos ou matérias primas. A balança
econômica entre a representação central e os agentes do comércio não podia, contudo,
ser regulada por valores de troca fixos. Mas a atividade dos mercadores logo que eles
deixavam o palácio era completamente diferente: eles podiam livremente comercializar,
tirando proveito dos diferentes preços dos vários itens em vários países, mesmo usando
sua moeda em atividades financeiras (tais como empréstimos) nesse tempo à sua
disposição, e procurando lucro pessoal máximo possível. Documentos pertinentes à
relação entre o templo ou palácio e seus agentes de comércio, no início e no final do
processo, certamente, nos darão a impressão de um comércio administrado, enquanto
que os documentos pertinentes aos segmentos intermediários, isto é, aqueles
relacionados com as atividades dos mercadores no exterior, nos darão a impressão do
comércio livre. As duas impressões estão ambas corretas e não se contradizem
(LIVERANI, 2005, p. 54).
A relação entre ofícios e representações centrais é também o assunto de um
debate similar (embora menos intenso), que pode ser resolvido junto com as mesmas
linhas. No antigo modelo da cidade-templo, os artífices eram arrolados dentro de grupos
da representação central, processando matérias primas dadas pela própria representação,
que sucessivamente apoiava os artífices por meio do sistema de ração (nos primeiros
estágios) ou por meio de loteamentos de terra (nos últimos estágios). Em sua última
formulação, esse modelo representa a representação central como o único “cliente” dos
artífices e representa todos os artífices como dependentes íntimos (tempo integral) da
agência central, deixando para a população “livre” somente a tarefa de produzir
alimento. Porém, marcas de ofícios especializados (metal, escórias, objetos de cerâmica,
lascamentos líticos, e assim por diante) estão, de fato, presentes em sítios menores, e
elementos dos centros administrativos, como cones de argila em Uruk tardia, são
encontrados em pequenos assentamentos. A objeção da visão de concentração urbana é
a referência a ofícios nas vilas e em ambientes familiares, com uma pluralidade de
compradores, visto que seus produtos não eram somente destinados a atividades de luxo
98
tamkāru. O primeiro grupo tinha adotado durante os séculos XIV-XII uma estratégia de
exoneração, feliz o suficiente com a obtenção de isenções de serviço em troca de
pagamentos de prata. Eles consequentemente tornaram-se um grupo inútil e o colapso
dos Palácios ocasionou seu completo desaparecimento do cenário social. O último
grupo, ao contrário, tinha adotado uma estratégia diferente, isto é, apoiar seu serviço
público com atividades privadas (na maioria das vezes financeiras). Quando os palácios
desmoronaram, eles foram capazes de sobreviver e continuar suas atividades em uma
base privada somente (LIVERANI, 2003, p. 128-129).
Mas também temos de levar em conta, além das mudanças sociopolíticas,
também as melhorias tecnológicas, que mudaram o uso de território e o modelo de
colonização, um fator adicional que reformou o comércio e os sistemas de tráfico.
Melhorias náuticas, possivelmente introduzidas pelos povos marítimos, e a
domesticação do camelo repentinamente expandiram o alcance dos tráficos. A
tecnologia do ferro (presumivelmente usada nos desmatamento e aberturas de estrada) e
novas tecnologias hidráulicas (canais subterrâneos, construção de terraço nas ladeiras
montanhosas) foram também eficazes em expandir a zona assentada para as áreas
montanhosas e em facilitar comunicações. Em termos gerais, os modelos de
povoamento tornaram-se menos centrados nas melhores terras agrícolas e mais
homogêneos, menos centrados em grandes cidades e mais fragmentados dentro de vilas
muradas. Finalmente, a expansão da escrita alfabética (já “inventada” desde o meio do
segundo milênio a.C.) e a liberação da escrita babilônica cuneiforme nas áreas
ocidentais ocorreram depois da crise como uma consequência do colapso das escolas
escribas nos palácios reais. A escrita alfabética, acessível a um círculo muito maior do
que os escribas profissionais da Idade do Bronze, logo se tornou uma ferramenta
apropriada para as atividades dos mercadores, como demonstrado pela básica
coincidência de sua difusão com as principais rotas do comércio do Início da Idade do
Ferro (LIVERANI, 2003, p. 130).
Na área ocidental, dois novos tipos de políticas substituíram o estado centrado
no Palácio: cidades-estados e estados étnicos. As cidades-estados são a herança mais
direta dos “pequenos reinos” da Idade Tardia do Bronze, com a diferença que o rei era
apoiado, de uma maneira efetiva, por representantes da comunidade local: anciãos e
assembleia. A ideologia real tornou-se mais atenta às necessidades e interesses da
população (invertendo a tendência da Idade do Bronze), enfatizando justiça e
benevolência. O palácio real tornou-se simplesmente a casa do rei, e não mais, o local
103
CONCLUSÃO
Polanyi demarca uma linha divisória entre o “antigo” e o “moderno” por meio
do mercado. Mais especificamente pelo mercado criador de preços, recente e artificial,
produto de transformações históricas e sociais. O “antigo” é contraposto ao “moderno”
pela ausência do intercâmbio regido pelo regateio, efetuado em uma instituição
específica, o mercado. O antigo é pensado a partir de um quadro teórico moderno, no
qual a diferença é demarcada e acentuada pela ausência do mercado.
Sem dúvida, Polanyi conseguiu mostrar de forma satisfatória “a grande
transformação”, localizada na Europa, no século XIX, de uma realidade diferenciada
responsável por uma mudança no papel do mercado no seio das atividades econômicas.
Característico desse mercado é o aspecto integrador, regido pela flutuação de preços,
decorrentes da oferta e demanda. Tal mercado regula todas as esferas da economia,
dando-lhe uma autonomia jamais conseguida no passado. Polanyi afirma que as trocas
(intercâmbio) regidas pelo regateio, com finalidades de ganho, criam uma instituição
específica: o mercado criador de preços.
Mesmo com divergências sobre a importância do mercado na conjuntura da
sociedade, bem apresentadas por Caillé e Latouche, é inegável que Polanyi mostrou um
contraponto interessante ao domínio da ideologia neoclássica defensora da ideia da
lógica mercantil como algo natural e universal.
Mas ao se reportar ao mundo antigo, como diferente e distinto em relação ao
papel do mercado, Polanyi incorre em um equívoco grave, advindo da antropologia
funcionalista, preocupada com os aspectos integrativos da sociedade: acredita que o
homem é “naturalmente” propenso às relações de reciprocidade e redistribuição. Se não
estamos no mundo moderno, então as relações de reciprocidade e redistribuição são
predominantes, porque tais sociedades não se encontram dominadas pela ficção e
artificialidade da sociedade regida pelo ganho e lucro. É certo que a sociedade moderna
cria uma série de ficções em trono da troca e do mercado. Mas é certo, também, que
muitas características do mercado moderno, o Mercado com “m” maiúsculo, se
encontram em sociedades “primitivas”, muito distintas entre si. É um erro colocar todas
estas sociedades primitivas no mesmo cadinho. As relações de reciprocidade e
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