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O Historismo

CONTEXTO SOCIAL, POLÍTICO E CULTURAL DA ALEMANHA


DO FINAL DO SÉCULO XIX ATÉ OS ANOS 20 DO SÉCULO XX.

• Ao longo do século XVIII e início do século XIX, o


desenvolvimento econômico da Alemanha foi bem menos
acelerado do que de outros países da Europa que já haviam
desencadeado um processo de industrialização, como
Inglaterra e França. A produção de carvão da Prússia de
1846, por exemplo, correspondia à terça parte da produção da
França, e o consumo de carvão era menor do que o da cidade
de Londres sozinha.
• Nesse ambiente econômico, não se desenvolveu uma burguesia
empresarial forte nem uma tradição de liberalismo de classe
média.
• Enquanto os intelectuais ingleses tinham suas raízes numa elite
industrial independente, em que o liberalismo constituía uma
extensão do utilitarismo empresarial e das teorias econômicas do
laissez faire, a classe média alemã estava preocupada com a
ascensão social por meio da instrução, com objetivo de ingressar
numa das burocracias do Estado, no clero, no magistério ou nos
setores da medicina ou do direito.
• Os grandes poetas alemães, os neo-humanistas e os filósofos idealistas
do final do século XVIII foram envolvidos por essas ideias.
• Homens como Wilhelm von Humboldt, Friedrich von Schiller,
Gottlieb Fichte, F.W.J. Schelling e Friedrich Hegel exaltaram a
vocação do intelectual puro e foram os sacerdotes da nova filosofia
idealista, constituindo-se, para as gerações futuras, em uma nova
aristocracia da “cultura”.
• O Estado deveria apoiar esse ideal sem exercer controle direto sobre as
matérias ensinadas, e a formação de funcionários pelas universidades
deveria ser realizada sob o espírito da cultura filosófica.
• Entre 1870 e 1914, a Alemanha passou por tal
processo de industrialização – crescimento sem
precedentes em termos de velocidade e amplitude,
aumento da população urbana, de fábricas e
indústrias pesadas – que, em algumas décadas, já era
uma das maiores potências do mundo.
• As mudanças tendiam a transformar o caráter da
política alemã. Os setores organizados com interesses
socioeconômicos fortemente relacionados ao advento
da industrialização ingressaram na arena político-
eleitoral e travavam lutas declaradas com os antigos
grupos dominantes, que defendiam uma política
“idealista”. Começava a haver mudança na
representação política da Alemanha.
• Quanto aos intelectuais que defendiam uma filosofia
“idealista” para a educação, suas posições foram
gradativamente se tornando mais conservadoras e refratárias
a qualquer mudança institucional ou social. Tudo que os
ameaçava, da era moderna, era recusado, incluindo aí a
República, a nova política partidária e as transformações
sociais ligadas à industrialização e à inflação. Estavam
dispostos a defender seu lugar social e profissional a qualquer
custo.
• Fritz Ringer separa os intelectuais alemães, depois de 1890, em dois
grupos.
• O primeiro engloba os professores e eruditos que aprovavam a
estratificação da sociedade, toleravam os aspectos pouco liberais do
regime político vigente e compartilhavam o medo e a hostilidade com
as classes dominantes, que enfrentavam o movimento social-
democrata. Defendiam, portanto, uma posição “ortodoxa” e
constituíam a maioria da comunidade acadêmica alemã, porém com
um discurso político menos sofisticado e intelectualmente menos
brilhante.
• Já outro grupo de eruditos alemães, formado, sobretudo por cientistas
sociais, desenvolveu argumentos mais complexos e assumiu uma
atitude mais equilibrada acerca dos problemas da época. Reconhecia
que a industrialização e a democratização eram irreversíveis e
acreditava que alguns processos da modernização em curso estavam
ligados às necessidades e às vantagens da mudança socioeconômica.
• Os membros dessa minoria progressista eram chamados de
“acomodacionistas”, porque eram mais submissos às transformações
da vida moderna, que lhes pareciam inevitáveis.
• Queriam a reforma social, mas sem marxismo.
•O Iluminismo da Europa ocidental, mais especificamente o anglo-francês, nunca foi
totalmente assimilado na Alemanha. Diferente daquele, o Iluminismo alemão (Aufklärung)
rejeitava a tendência utilitarista do conhecimento, a associação entre ciência e educação com a
ideia de manipulação prática, técnica racional e controle ambiental. A aquisição da cultura
relacionava-se a um crescimento interior e autodesenvolvimento integral.

•Paralelamente, a palavra alemã Kultur (cultura) tinha o significado de cultura pessoal;


referia-se ao cultivo da mente e do espírito. Posteriormente, passou a ser usada como síntese de
todas as realizações do homem civilizado na sociedade. Em resumo, cultura refletia cultivo.
• Estas ideias orientadoras do Iluminismo alemão estavam relacionadas à filosofia kantiana, de caráter
idealista, de forte impacto sobre a intelectualidade alemã.

• No modelo kantiano, as impressões e as ideias são comparadas entre si, e, não, com objetos físicos ou com
eventos. Tal procedimento é uma operação exclusivamente interior. Na filosofia idealista, as coisas são produto
da consciência.

• A palavra alemã Geist não significa apenas “mente”, mas, também, “espírito”, “alma”. Também aparece
como o pensamento coletivo da humanidade e, por vezes, como uma consciência transcendental que garante a
concomitância entre aparência e realidade.

• O termo Geisteswissenschaft  (ciência da cultura) parece implicar, a partir do século XIX, uma abordagem
idealista das disciplinas humanistas que ela representa.
•O Idealismo (Idealismus) exerceu forte influência sobre os historiadores
alemães, estando presente nas obras de Humboldt, Hegel, Dilthey, Herder e
Ranke, entre outros. As obras desses autores foram as mais representativas da
tradição histórica alemã e, similarmente ao movimento iluminista, opunham-se à
ideia de que o passado devesse ser utilizado como “uma coleção de exemplos a
ser usados para glorificar o homem, o progresso e o presente, para construir
máximas genéricas da arte do governante, ou para tabular os avanços da ciência e
da razão.”
La nueva universidad encarnaba esta fusión del
Wissenschafl t el Bildung.
En contraste con las universidades del antiguo régimen,
cuya principal función era la enseñanza, la Universidad
de Berlín se transformaría en un centro en el cual la
enseñanza estaría basada en la investigación
• Ranke que foi, durante a maior parte do século XIX, o grande decano e mestre dos
historiadores alemães, combatia veementemente a crença na possibilidade de o
historiador aplicar teorias para o conhecimento histórico e rejeitava como
abstratas as ideias puras, permanentes e metafísicas.
• Sua extensa obra se caracteriza por uma tensão entre a exigência de uma
investigação objetiva e os supostos políticos e filosóficos que determinavam esta
investigação.
• Por um lado, insistia nos métodos da crítica filológica, pois uma historiografia
científica não poderia se apoiar na credibilidade das narrativas, sem antes passar
pelo exame crítico, que exigia um conhecimento das línguas em questão e das
ciências auxiliares da História.
• Assim, os primeiros preceitos de uma História científica para Ranke
seriam: exposição, recompilação, articulação e compreensão dos fatos.
Dever-se-iam desvendar as grandes unidades de sentido dos fatos para
encontrar sua verdadeira significação histórica.
Para Ranke, o historiador não deveria julgar o passado,
mas expô-lo em sua essência, mesmo que sempre
estivesse insatisfeito com os resultados que alcançasse.
Por outro lado, sua concepção de ciência apoiava-se
em valores políticos e culturais de uma cultura
burguesa, para a qual o Estado prussiano aparecia
como uma realidade política e ética garantidora das
liberdades.
Assim, por trás da ideia de objetividade, escondiam-se uma metafísica
e uma ideologia que impediam aquela aproximação “objetiva” e
imparcial da História.
Sua famosa observação sobre descobrir apenas “o que realmente
aconteceu” propõe uma interpretação histórica em que épocas,
instituições e indivíduos históricos são descritos “em seus próprios
termos”, em vez de julgados por meio de padrões contemporâneos.
Este foi o tema central da tradição histórica alemã.
•Já estavam presentes na obra de Ranke dois princípios
fundamentais da tradição histórica: empatia e individualidade.
•O princípio de empatia ressalta mais as intenções e sentimentos
conscientes do que as regularidades estatísticas ou as leis atemporais
do comportamento. Implica na tentativa de “colocar-se no lugar de”
indivíduos históricos.
• O princípio de individualidade traduz uma análise em que
todos os tipos de sujeitos – uma época, uma nação, uma ideia
ou um governante – devem ser tratados como personalidades
únicas, com ênfase em sua unicidade e concretude indivisa.
• Ao analisar o passado, o historiador deve se voltar sempre para o
contexto histórico em que investiga, e, não, procurar conceitos
atemporais.
• Deve tratar a cultura e todo o espírito de uma época como um
complexo singular e auto-suficiente de valores e ideias.
• Eis as diferenças de método entre a História e as Ciências naturais. As
relações históricas, ao contrário das leis da mecânica, baseiam-se, em
parte, nas intenções humanas. Neste sentido, têm significado.
• Entender um homem ou uma época do passado é
reconstituir uma individualidade histórica a partir das
“objetivações” remanescentes de seu espírito. Uma vez que esta
reconstituição envolve a reconstrução de padrões significativos
de pensamento e atitudes, o modo de explicar a História
depende do elemento de significado.
•Esses traços da tradição histórica alemã contribuíram para
preeminência dos grandes indivíduos “históricos”, uma tendência a
discutir as culturas, os Estados e as épocas como se fossem
“totalidades” personalizadas, e a convicção de que cada uma dessas
totalidades encarnava seu próprio espírito particular.
• O Estado deveria ser muito mais um guardião das liberdades do que
um potencial inimigo delas.
• Os argumentos para tais premissas amparavam-se nas ideias de que o
indivíduo deveria transferir para a sociedade muitos de seus direitos, e,
conseqüentemente, a absorção da sociedade pelo Estado, conferindo-
lhe imensos poderes.
• O resultado dessas ideias gerou dois conceitos de Estado: o legal e o
cultural.
• O ideal do Estado legal requeria que o governo agisse com base em
princípios fixos e racionais, expostos de modo claro e público e
ajustados às exigências da ética.
• O ideal do Estado cultural, que desempenhou importante papel no
pensamento político alemão, tinha o desenvolvimento cultural como
seu valor supremo, subordinando outros interesses e problemas às
reivindicações da cultura. O Estado tinha a função de um agente dos
valores espirituais e era apoiado e defendido pela elite instruída que o
servia no papel de funcionário público. A doutrina do Estado cultural
esteve entrelaçada com a origem do sentimento de nacionalidade no
começo do século XIX.
• O caráter peculiar desse processo deveu-se parcialmente à ausência de
um Estado alemão unificado. A nação tinha que ser definida em termos
puramente culturais, em razão da ausência de um sentimento
constitucional de nação. Outrossim, este nacionalismo foi uma criação
quase exclusiva das classes instruídas, daí a transferência dos valores
culturais dos neo-humanistas e dos idealistas para o quadro da nação
cultural.
• A nação e, por meio dela, o Estado foram definidos como criaturas e
como agentes ideais culturais daqueles que se consideravam os mais
instruídos, particularmente os professores universitários. Sua
linguagem estabeleceu os parâmetros da discussão política alemã do
século XIX. Foi este o verdadeiro significado do casamento entre
Geist e Estado.
Outro traço desta tradição é a crença de que a História deve
constituir-se em uma disciplina científica. O ambiente
político e cultural do processo de cientificização da História
nas universidades alemãs do século XIX refletia uma ordem
social moderna, em que a sociedade burguesa integrava-se a
um estado monárquico burocrático.
• Desta forma, em consonância com as outras ciências especializadas, a
comunidade científica, diferentemente dos aficcionados e diletantes,
acreditava alcançar um conhecimento objetivo por meio de um
conhecimento metódico. Contudo, como ciência cultural, a História
distanciava-se do objetivo cognitivo das outras ciências ao não
formular regularidades e ao sublinhar elementos do singular e
espontâneo, preocupada em entender as intenções e os valores
humanos.
• Esta particular concepção de ciência histórica foi denominada
de Historismo (Historismus). Tal concepção remonta a
Herder, que fundou a ideia de que cada povo tem seu próprio
devir, cujo entendimento não se dá pela projeção do presente
no passado, mas, sim, pela percepção do que é próprio de
cada época. Suas ideias representavam uma reação às
tendências generalizantes do Iluminismo e foram retomadas
por Meinecke, na segunda metade do século XIX, que negava
qualquer concepção de leis explicativas para o processo
histórico.
• Como visão de mundo, o Historismo significa que a realidade tem um
sentido e só pode ser compreendida em seu desenvolvimento histórico,
portanto como teleologia social restrita a um determinado povo. No
Historismo, todos os enunciados e juízos de valor são tratados
historicamente, como partes de um processo em perpétua
transformação. Nada parece fixo e permanente; tudo flui. Tal
concepção está mais próxima de uma “concepção hermenêutica do
método”, em que a pesquisa opera em grande medida com fontes que
documentam ações intencionais. A História é definida como “ciência
compreensiva do Espírito”, entendida como processo cultural
evolutivo, que se desenrola na esfera da ação intencional
Os princípios de empatia e individualismo estão relacionados com o Historismo. Ernest Troeltsch
o identifica com a tradição histórica alemã. Segundo este autor, o verdadeiro historiador deve
compreender os significados e os valores de outras épocas; por isso, ao escolher sua prova, deve
privilegiar o essencial (das Wesentliche), em vez de leis históricas, e sublinhar aspectos do passado
que os próprios homens da época julgavam mais importantes, descrevendo ideias e valores
inerentes à própria estrutura de um determinado período. O mergulho no passado o leva a perceber
o sentido que cada época tem de seu próprio espírito particular, contestando, assim, verdades
eternas e atemporais.

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