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irmã, que continua lendo o livro.

Alice presta bastante atenção no coelho,


ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS quando ele tira um relógio do bolso, ela se levanta, admirada)
Da Obra de Lewis Caroll, adaptada por Fausto Soares
COELHO - Oh, puxa! Devo estar muito atrasado! Oh, não! É tarde! É
tarde! Estou muito atrasado! (O Coelho vai em direção a toca)
ALICE - Oh, me espere! Senhor coelho, me espere!
CENA 1
COELHO - Não posso, estou muito atrasado! É tarde! (O Coelho entra na
(Alice lê um livro empolgada. Termina de ler e dorme. Aos poucos, os
toca. Alice olha para os lados e entra. Blackout).
personagens do País das maravilhas começam a entrar. Eles se juntam
e começam a rodar a cama. Barulho de porta se abrindo, eles fogem).
CENA 3
MÃE – Alice, levante. Sua irmã está esperando você para a aula de história.
ALICE - Deve ser de algumas dessas portas, mas qual? Se ao menos eu
ALICE – De novo? Essas histórias não tem graça.
tivesse prestado atenção para qual delas que o coelho entrou…
MÃE – São as nossas histórias.
FECHADURA - Quem é você? (Alice olha pros lados, procurando de onde
ALICE – Por isso. Prefiro ficar com os meus livros.
vem aquela voz) - Sou eu. A fechadura.
MÃE – Você não pode ficar a vida toda no seu mundinho dos livros.
ALICE - Eu sou Alice, uma menina!
ALICE – Meu mundo é diferente do de vocês.
FECHADURA - O que você procura, jovem Alice?
MÃE – Não é não. Acorde antes que seja tarde. Você está cada vez mais
ALICE - O Coelho de colete, sabe para onde ele foi?
sozinha, você não tem amigos. Já percebeu?
FECHADURA - Não sei, senhorita Alice, para onde ele foi, mas sei por
ALICE – Meus amigos estão nos livros. E são muitos.
onde ele passou.
MÃE – Quero você no jardim em cinco minutos. Saia do seu casulo, Alice.
ALICE - E por onde ele passou?!
ALICE – É o que eu mais quero: poder voar.
FECHADURA - Passou por mim, oras!
ALICE (Alice enfia a chave na fechadura, que solta um grito) – Desculpa.
CENA 2
FECHADURA - Antes você tem que me responder uma pergunta,
(Alice está entediada com o falar tagalerativo da irmã, que lia um livro)
Menininha! Qual é o sabor da minha torta favorita?
IRMÃ - Napoleão Bonaparte, o segundo de oito filhos, nasceu na Casa
ALICE - Como eu haveria de saber de qual torta você gosta mais?
Bonaparte, Córsega, em 15 de agosto de 1769... (Alice faz um bocejo) -
FECHADURA - Quem faz as perguntas aqui sou eu, Menininha! Se não
Alice! Você quer prestar atenção na lição de história!
responder, não passa! (Alice começa a pensar) - Vamos, menina Alice...
ALICE - Perdão, mas como prestar atenção em um livro que não tem
vamos, você consegue... continue tentando... pense com criatividade...
gravuras?
ALICE - Já sei! Fechaduras não tem estômagos, por isso não podem comer
IRMÃ – Ouça, Alice, há muitos e muitos livros nesse mundo sem gravuras.
tortas! Mas podem beber óleo, senão, a chave com certeza ficaria
ALICE - Neste mundo pode ser, mas no meu mundo, os livros só teriam
emperrada! Estou certa?
gravuras.
FECHADURA: Oh, acertou... você é uma garotinha esperta, senhorita
IRMÃ - O que seria esse seu mundo?
Alice, com certeza vai encontrar o coelho de colete rapidamente. Pode
ALICE – No meu mundo, os gatos não diriam: Minhau! Diriam: Sim, dona
passar! (Alice coloca a chave na boca da fechadura e gira. Abre a portinha
Alice... (Nesse instante, o Coelho passa assoviando. Alice olha para a
e entra) - Boa sorte, Alice!!!
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Cena 4 CENA 5
(Castelo da Rainha Branca. Ela está de costas, penteando o cabelo e (Castelo da Rainha Vermelha. Os gêmeos entram brigando)
ouvindo uma música alta, quando a lebre chega ansiosa e desliga o som). GÊMEO 1 – Fala você!
BRANCA – Lebre? GÊMEO 2 – Fala você!
LEBRE - Ela voltou, Branca. Ela voltou, Branca. Ela voltou, Branca. GÊMEO 1 – Você é um medroso.
BRANCA – Quem? GÊMEO 2 – Não é medo.
LEBRE – Ela! GÊMEO 1 – Ai, não é medo.
BRANCA (vira-se sem acreditar) – Alice? GÊMEO 2 – É respeito. (começam a discutir)
LEBRE – Alice! RAINHA – Parem! Ou corto a cabeça dos dois. O que querem, trastes?
BRANCA –Ela voltou mesmo? GÊMEO 1 – É...
LEBRE – Está surda? RAINHA – Falem.
BRANCA – Como? Eu ainda sou sua rainha, minha amiga. Ou não sou? GÊMEO 2 – A Rainha Branca está aí na porta.
LEBRE – De todos nós. Não suportamos mais aquela cabeçuda. Ainda que RAINHA – Cortem a cabeça! Não existe outra rainha além de mim.
você não seja tão boazinha quanto pinta ser. GÊMEO 1 – Toma! (ri)
BRANCA – Como assim? RAINHA – Dos dois! (respira) - O que será que ela quer? (o Rei entra).
LEBRE – Você sabe que solto o que penso. REI – Saudade da cunhadinha.
BRANCA – Sei. Mas não entendi o que quis dizer. RAINHA – Como?
LEBRE – Você é adorável e realmente tenta ser boa, entretanto eu acho REI – Digo, saudade da família completa. Ela é sua irmã. Lembra?
que tem um lado obscuro também. RAINHA – Mandem entrar. (Branca entra) – Quanto tempo, Branca?
BRANCA – Lebre! BRANCA – Muito! Mas não tive outra alternativa a não ser vir aqui.
LEBRE – Mas é melhor do que a cabeçuda. RAINHA – O que aconteceu?
BRANCA – Você aparece com cada uma. Eu sou adorável, boa e não tenho BRANCA – Observou que o relógio voltou a funcionar? (Todos viram para
qualquer intenção que não seja fazer o reino inteiro feliz. ver o relógio)
LEBRE – Anham! REI (alegre) – Alice voltou!
BRANCA – Mas me conte, onde Alice está? RAINHA – Está feliz?
LEBRE – A caminho do castelo da outra! REI – Não. Estou bem triste.
BRANCA – Precisamos impedir que isso aconteça. Com Alice ao nosso BRANCA – Pois bem. Caso Alice de fato tenha voltado, como sabe,
lado, finalmente poderei retomar o poder. retomarei meu trono. Para evitar uma batalha desnecessária, venho aqui
LEBRE – Não falei?! propor que você renuncie.
BRANCA – Quero o trono para estabelecer a paz e a justiça novamente. REI – É verdade. Pra que briga?
Quero que todos vocês sejam respeitados como são. O sonho da igualdade RAINHA – Nunca! Derrotarei você, Alice e quem se colocar no caminho.
só cresce no terreno do respeito pelas diferenças. (Coloca o som BRANCA – Veremos. Até breve.
novamente e vai dançar com a Lebre) REI – Até breve, Branquinha. (Ela sai)
RAINHA – Branquinha? Você toma tino ou vai ver o que é bom pra tosse!
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Cena 6 GATO LISTRADO: Então, não importa... que caminho deve tomar? (O
(Música. O Gato entra e canta. Quando Alice aparece, ele se esconde). coelho branco passa correndo) – Ele foi por ali. (aponta para os dois
ALICE - Vamos ver, por onde é? Que caminho devo tomar? (O gato lados. As próximas falas são ditas bem rápidas pelos dois personagens)
listrado, escondido, começa a cantarolar) - Quem estaria cantando? ALICE - Ele quem?
GATO LISTRADO (Dudu) - Perdeu algo? GATO LISTRADO - O coelho branco!
ALICE - Não, não... isto é, eu estava pensando... ALICE - Foi?
GATO LISTRADO - Estou muito bem, apesar de não ter perguntado. GATO LISTRADO - Foi o que?
ALICE – Deveria perguntar? ALICE - Por ali (aponta para um lado).
GATO LISTRADO – Talvez a senhora não tenha tido a educação devida. É GATO LISTRADO - Quem foi?
o princípio básico de qualquer cidadão refinado perguntar, ao primeiro ALICE (sem paciência) - O coelho branco!
contato, se o interlocutor está bem. (volta a cantarolar). GATO LISTRADO: Que coelho?
ALICE – Ok! Você está bem? ALICE: Mas não me disse que... que coisa! (braços cruzados)
GATO LISTRADO – O que lhe importa, menina inconveniente? GATO LISTRADO - Você sabe fazer isto? (O Gato começa a se equilibrar
ALICE – Mas você pediu... somente com um pé. Alice fica ainda mais nervosa) - Eu aqui... se eu
GATO LISTRADO – Não quero nada que não seja sincero. procurasse o coelho branco... iria ao chapeleiro maluco.
ALICE - Agora estou observando que você é um gato! Um gato falante! ALICE - Ele é maluco? (olha para a árvore que há a placa escrita
GATO LISTRADO: Epa! Você falando assim parece que sou um gato “Chapeleiro Maluco”) - Não, não. Não quero.
qualquer, desses jogados na sarjeta. Eu sou o grande, único, maravilhoso... GATO LISTRADO – Oxe, menina. Qual o problema em ser maluco?
Mestre Gato. (volta a cantarolar) - O Rei dos gatos, o gato mais ALICE – Eu só queria alguém para me levar até o coelho.
importante do mundo, acima do gato de botas. Não como rato, apenas GATO LISTRADO - Então a Lebre? (aponta pra placa escrita “Lebre”).
salmão. Visto-me com a maior das elegâncias. Nunca ouviu falar do ALICE - Oh, obrigada, então eu vou visitar...
grandioso gato listrado? (o gato sai de um lado e vai aparecer do outro) GATO LISTRADO (interrompe) - Ela também é maluquinha.
ALICE - Oh, espere! Não vai, espere! ALICE - Mas eu não quero ver gente maluca!
GATO LISTRADO (Julia) - Muito bem! (volta a cantarolar) - Perdeu algo? (Dudu volta e os dois passam a falar juntos)
ALICE - Não, não... isto é, eu estava pensando... GATO LISTRADO – O que é maluco para você? Logo a menina que diz não
GATO LISTRADO - Estou muito bem, apesar de não ter perguntado. caber no mundo real?
ALICE – De novo? Mas.. ALICE – Como você sabe?
GATO LISTRADO – Talvez a senhora não tenha tido a educação devida. É GATO LISTRADO – Porque sou o grande gato listrado e sei que há sempre
o princípio básico de qualquer cidadão refinado perguntar, ao primeiro um pouco de razão na loucura.
contato, se o interlocutor está bem. (volta a cantarolar). ALICE – Aqui tudo é um pouco louco?
ALICE – Perdão, grande mestre gato listrado, só queria saber o caminho... GATO LISTRADO - Oh... não pode evitar. Tudo aqui é maluco... (dá uma
GATO LISTRADO: Isso depende... do lugar! E onde quer ir… risada) - Você não notou que eu... estou mais lá, do que aqui? (sai).
ALICE - Oh, isso não importa, desde que eu... ALICE - Se todos são assim, é melhor não contrariar.
GATO LISTRADO (grita de fora) – Não mesmo!
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Cena 7 ALICE – Parece que todo mundo aqui é um pouco louco mesmo.
(O Chapeleiro Maluco entra dando um show). LEBRE - Dizem que para sobreviver, você precisa ser louco como um
CHAPELEIRO - Tá cheio! Tá cheio! Não tem lugar! Não tem lugar! chapeleiro. O que por sorte: eu sou.
ALICE: Tem muito lugar! (Alice se senta na poltrona. O Chapeleiro desce CHAPELEIRO – E eu sou o Chapeleiro! Garota, todos estavam te
da mesa e se senta em uma cadeira ao lado de Alice). esperando e, sinceramente, até agora tem sido uma decepção.
LEBRE: Tome um pouco de suco! ALICE – Me esperavam?
ALICE - Eu não vejo nenhum suco… LEBRE – Você tem sido uma decepção.
LEBRE - Não tem nenhum mesmo. ALICE – Desculpa.
ALICE - Então não é muito educado de sua parte oferecer! CHAPELEIRO – Você já adivinhou a charada?
LEBRE - E não é muito educado da sua parte sentar-se sem ser convidada! ALICE - Não, eu desisto. Qual é a solução?
ALICE - Eu não sabia que era sua mesa. CHAPELEIRO - Eu não tenho a mínima ideia.
LEBRE – É. E não tem lugar para você. LEBRE - Nem eu. (eles riem muito)
ALICE - Ela está arrumada para muito mais que dois convidados! CHAPELEIRO (melodramático) – Vou contar toda a verdade. Eu e o
LEBRE – Qual a parte do “não tem lugar para você” que você não tempo tivemos uma disputa em março passado... um pouco antes dela
entendeu, minha filha? enlouquecer, você sabe... Mas o enlouquecer dela não é bom como o nosso.
CHAPELEIRO (calmamente) – Calma, meninas. (cutuca a Lebre) - Foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas e eu
LEBRE – Foi ela. tinha que cantar: (canta) - Conhece a canção, por acaso?
ALICE – Ela! Eu só quero saber o que estou fazendo aqui. ALICE - Já ouvi alguma coisa parecida.
CHAPELEIRO – Antes, garota, um enigma para você. Por que um corvo CHAPELEIRO - Ela continua, você sabe, dessa maneira... (Canta mais um
se parece com uma escrivaninha? trecho e depois fica melodramático) - Eu mal tinha acabado de cantar o
ALICE - Acho que posso adivinhar essa! primeiro verso, quando a Rainha berrou. (A Rainha entra).
LEBRE - Você acha que pode encontrar a resposta dessa? RAINHA - Cortem-lhe a cabeça!
ALICE - Eu vou... pelo menos... eu acho que é a mesma coisa, você sabe. ALICE - Que selvageria!
CHAPELEIRO - Não é a mesma coisa nem um pouco! Senão você também CHAPELEIRO - E desde então... ele não faz nada do que eu peço. É sempre
poderia dizer! Você não sabe o enigma e ponto. (Tira um relógio do bolso) seis da tarde agora!
– Tic-tac, tic-tac, tic-tac. LEBRE - Tome mais um pouco de chá.
ALICE - Que relógio engraçado, ele mostra o dia do mês e não a hora! ALICE - Mas eu não tomei nada!
CHAPELEIRO (resmunga) - O tempo aqui é diferente. Agora está mais CHAPELEIRO – Está chegando a grande hora, querida Alice. Boa sorte.
rápido depois que você voltou. (O Coelho de colete atravessa o cenário rapidamente)
ALICE – Voltou? Eu não estou entendendo nada. COELHO - Está tarde! Oh, como está tarde! É tarde! Ela não vai perdoar.
CHAPELEIRO – Não entende nada e depois eu sou o maluco. O tempo CHAPELEIRO (grita) - O coelho! O coelho!
parou esperando você, menina! ALICE - É verdade, o coelho! Obrigada pelo chá maluco, senhor
ALICE – Eu? Chapeleiro.
CHAPELEIRO – Lógico. CHAPELEIRO E LEBRE – Chá Maluco?! (Alice segue o coelho)
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Cena 8 RAINHA - Cortem-lhe a cabeça! Cortem-lhe...
GÊMEO 1– Ih! Agora que lembrei das roseiras. ALICE - Besteira!
GÊMEO 2 – Meu Deus! REI - Ela é só uma menina, minha querida!
ALICE – Roseiras? RAINHA (berrando) – Será punida por agredir a Rainha.
GÊMEO 1 – Sim! Precisamos pintar todas as rosas brancas de vermelho. ALICE - Como?
ALICE – Não faz sentido. REI - Meu bem... segundo suas leis, devemos formar um júri.
GÊMEO 2 – Vai entender quando conhecer as duas rainhas desse país. RAINHA - Um júri?
GÊMEO 1 – Ah! Se a Vermelha escuta você falar que existe outra rainha. REI - É. Um jurizinho, bem pequenininho...
GÊMEO 2 – Eu não disse isso. RAINHA - Está muito bem. (berra) - Podem começar o julgamento!
GÊMEO 1 – Disse sim.
GÊMEO 2 – Disse não. Cena 9
GÊMEO 1 – Para, para, para! É melhor a gente se concentrar no trabalho. (Alice já está sentada de frente p/ plateia. Entra o Coelho)
Antes que ela veja isso. COELHO - Oh, majestade! Senhores jurados! Lembrem-se: o eterno as vezes
GÊMEO 2 – Você não manda em mim. é apenas um segundo. Estamos aqui para acusar a menina Alice por maltratar
GÊMEO 1 (grita) - A RAINHA! a Rainha verbalmente, lhe causar vários constrangimentos gravíssimos e fazer
(Os gêmeos se ajoelham. Marcha real. O Coelho Branco entra.) várias ameaças.
COELHO - Imperial à vista! Sua graça! Sua excelência! Sua real majestade! A ALICE - Que absurdo!
Rainha de copas! COELHO – Gostaria de iniciar os protocolos...
TODOS: VIVA!!! (A Rainha entra. O Rei se aproxima do Coelho e cutuca.) RAINHA - Vamos logo para a parte da sentença!
COELHO (desanimado) - E o rei... (Só se ouve UM viva!) ALICE - Mas antes vem a minha defesa!
GÊMEO 1 – Majestade, preparamos um poema para a senhora. RAINHA (berra) - Sentença primeiro! Quem manda aqui?!!
REI – Amo poemas. REI – Escute, Mô, e as testemunhas? Assim as pessoas vão achar que você é
GÊMEO 2 – Podemos começar? (A rainha diz que sim com a cabeça) uma tirana. O que seria um absurdo!
AS DUAS – Oh, Rainha Vermelha! GÊMEOS – Absurdo total! (Todos repetem que é um absurdo)
GÊMEO 1 - Muitas mulheres são bonitas... És a mais linda! REI – Podemos chamar uma, duas... ein?
GÊMEO 2 - Muitas mulheres são brilhantes... És o meu diamante! RAINHA - Oh, está bem... Afinal, sou defensora da democracia
GÊMEO 1 - Muitas mulheres falam de amor, Você é o amor tão falado. (berra) - MAS VAMOS COM ISSO!!!
GÊMEO 2 - Muitas mulheres venceram batalhas... És guerreira mestra nesta REI (levanta) – Precisamos entender aqui o que é justiça (A rainha começa a
arte. olhar para ele como se não gostasse do que ele defendia) - A justiça pode
AS DUAS - Muitas mulheres se acham belas... Você é a mais rara das belezas. caminhar sozinha; a injustiça precisa sempre de muletas, de argumentos.
Oh, Rainha Vermelha! (Fazem uma pose engraçada). Justiça é consciência, não uma consciência pessoal mas a consciência de toda
RAINHA –- “Oh, Rainha Vermelha”. Péssimo, péssimo. (A Rainha percebe a a humanidade.
presença de Alice e muda o semblante, caminha com os pés firmes até a ela... ALICE – Belas palavras, Rei.
Com uma cara de quem comeu algo estragado) - Qual o seu nome, garota? RAINHA – Não entendi nada. Mas pode começar.
ALICE - Não é da sua conta. (A Rainha fica furiosa, vai até Alice e tropeça no REI - Tragam a primeira testemunha.
chão).
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COELHO – Antes sou eu, ora: o promotor. Eu só quero fazer algumas CHAPELEIRO – Verdade! (Dá uma gargalhada)
perguntas a Alice. Quem é você? RAINHA – Cortem a...
ALICE - Eu… eu… no momento não sei, Coelho… pelo menos sei quem eu era REI – Antes, meu bem, vamos ouvir a última testemunha: o gato listrado. (Os
quando me levantei hoje de manhã, mas acho que devo ter mudado várias gatos entram e começam falar a mesma coisa. Depois entram em
vezes desde então. contradição).
COELHO - O que você quer dizer? Explique-se! COELHO – Então, senhor gato, o que sabe sobre o ocorrido?
ALICE - Acho que infelizmente não posso me explicar porque já não sou eu, GATO – Sei que nada sei, mas talvez saiba mais do que todos aqui, visto que
entende? recebemos Alice na sua chegada ao País das Maravilhas. Conversamos longos
COELHO - Desisti de entender. Agora sim, a primeira testemunha: a lebre minutos antes do suposto crime.
maluca! (Entra a Lebre e se senta na cadeira das testemunhas) - O que você COELHO – Então é verdade que Alice planejou derrubar a rainha com doses
sabe sobre o incidente? de crueldade? (Um responde sim e outro não) – Sim ou não?
LEBRE - Nada. GATOS – Talvez.
RAINHA - Como nada?! COELHO – Como assim talvez?
LEBRE (afronta) - Nada de nada!!! Só acho que a senhorita Alice é inocente. GATO 1 – Não podemos afirmar algo sem provas, meu caro.
Ela é meio atrapalhada mas não fez nada por mal. COELHO – E porque o outro respondeu sim?
REI – Eu também acho. GATO 2 – Questão de opinião.
RAINHA - SILÊNCIO! Outra testemunha. COELHO – Confiam na senhorita Alice? (Um responde sim e outro não. Só
LEBRE – Eu não terminei ainda. Gostaria de aproveitar a oportunidade para que ao contrário) – Vejo que há algo contraditório aqui. Talvez eles estejam
dizer que estou vendendo... armando algo com a senhorita Alice.
RAINHA – Me poupe! Próximo. RAINHA – Agora tudo faz sentido. Mas porque tramariam contra uma rainha
REI - O chapeleiro Maluco! (O chapeleiro entra) tão bondosa quanto eu?
CHAPELEIRO - Gostaria de aproveitar o momento para dizer algumas CHAPELEIRO – Bondosa?
verdades. RAINHA – Como?
RAINHA – Cuidado com o que vai dizer, senhor. LEBRE – Não é nada bondosa. Impõe sua vontade através de medo.
CHAPELEIRO (A cada frase, todos dizem “Oh”) - Primeiro, rir durante o dia REI – Cuidado com o que vai falar, Lebre.
faz com que você durma melhor à noite. Segundo, o vento é uma imensa LEBRE – Deveria aprender com a sua irmã! (Campainha. Branca entra).
quantidade de ar respirável. Terceiro e por último: se eu tivesse um mundo só GATOS – Agora sinto cheiro de problema.
meu, tudo seria bobagem. Nada seria o que é, porque tudo seria o que não é. CHAPELEIRO – É melhor recomeçarmos amanhã.
E, ao contrário, o que é, não seria. E o que não seria, seria. Entende, Alice? RAINHA (chorando) – Ela é a culpada de tudo. Desde a infância, todos a
ALICE – Sim! É justamente assim que eu penso. Acha que sou louca? comparavam comigo, diziam que ela era perfeita, inteligente, bonita, educada,
CHAPELEIRO – Louquinha! Mas vou contar um segredo: as melhores e que eu não tinha porte de princesa, que era desajeitada e...
pessoas são. LEBRE – Cabeçuda!
RAINHA – Olha só, parecem dois amigos… RAINHA – O quê?
CHAPELEIRO – Senhora, não quis ofendê-la. Apenas disse algumas BRANCA –Eram brigas de criança. Não é possível que não superou...
verdades. Ainda que acredite que não existam verdades absolutas. RAINHA – Lógico que superei. Eu sou linda. Todos aqui acham isso. (A
RAINHA – Eu sou uma verdade absoluta. maioria começa a repetir “linda” e fazer falsos elogios exagerados)
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LEBRE – Não é bem assim não. O Chapeleiro mesmo está há dias tentando Cena 10
fazer um chapéu que caiba na sua cabeça mas é impossível. (Todos riem) CHAPELEIRO – Adeus, Alice.
RAINHA – Prendam os dois. ALICE - Chapeleiro, eu nunca mais verei você?
CHAPELEIRO – Rainha, a demora é pela responsabilidade de fazer algo para CHAPELEIRO - Minha querida Alice, nos jardins da memória, no palácio dos
alguém tão importante. Mas veja só, eu trouxe alguns aqui maravilhosos. sonhos é lá que nos encontraremos. Existem vários mundos, Alice. Não tenha
Posso experimentar? limites.
RAINHA – Fez pra mim? ALICE – Não terei. (O Chapeleiro começa a chorar) – O que foi?
CHAPELEIRO – Sim! Sim! Sim! (Enquanto o Chapeleiro experimenta alguns CHAPELEIRO – Eu estou muito triste.
chapéus na Rainha, Branca conversa com Alice). ALICE – Não fique. Nos meus sonhos seremos eternos amigos.
BRANCA – Como é bom rever você, Alice. CHAPELEIRO – Lembre-se que as pessoas louquinhas são as melhores.
ALICE – Rever? Mas eu não lembro de nada. LEBRE – Leve esse lanchinho na viagem.
BRANCA – Vais lembrar quando cumprir a sua missão: derrotar o monstro ALICE – Mas não tem nada aqui dentro.
Jaguadarte e reestabelecer a ordem aqui. LEBRE – Não aprendeu ainda? (Todos riem)
ALICE – Como é esse monstro?
BRANCA – Enorme, feroz e perigoso. CENA FINAL
ALICE – E como vou vencê-lo? (Alice está dormindo... Sua irmã em pé ao seu lado).
BRANCA – Usando a imaginação. A imaginação é mais importante que a ALICE (sonhando) - Maçanetas, Coelhos e Rainha boba!
realidade, porque a realidade é limitada, ao passo que a imaginação abrange MARGARET - Acorde, Alice! (Alice vai acordando)
o mundo inteiro. (Volta o foco para a Rainha) ELEN – Meninas, hora do chá!
RAINHA – Pelo visto nada serve em mim. MARGARET - Alice, deveria ficar sem tomar chá hoje. Não prestou atenção
LEBRE – Não mesmo. em nada da lição e dormiu.
RAINHA – Então vamos ao veredito sobre a menina Alice. ELEN – Alice!
REI – Acho que é inocente. ALICE – Desculpa, mãe. Desculpa por eu ser assim.
CHAPELEIRO – Certamente é inocente. ELEN – Eu amo seu jeito, minha filha. Amo vocês duas do jeito que são, tão
GÊMEOS – Inocente. (todos repetem inocente) diferentes e únicas. Seria tão chato se todo mundo fosse igual. A mãe reclama
RAINHA – Culpada e ponto final! Leve-a para o calabouço. de vez em quando porque quer o seu melhor. Agora, despeça aí dos seus
BRANCA – Tenho uma proposta melhor, minha irmã. Alice será condenada a amigos que estamos esperando você lá dentro.
lutar com o Jaguadarte. Assim você será vista como justa e não uma tirana. ALICE (ao público) – Meus amigos, como tudo foi esquisito hoje! E ontem
RAINHA – Então vocês realmente acreditam nessa lenda que Alice veio tudo era exatamente como de costume. Será que fui eu que mudei nessa
derrotar o Jaguadarte (ri) – O que acha, Alice? aventura? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei hoje de
CHAPELEIRO – Não tenha medo. O medo faz com que as coisas pareçam o manhã? Estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco
que não são. Será mais fácil do que pensa. Vá, feche os olhos e ouça o seu diferente. Mas se eu não sou a mesma, a próxima pergunta é: ‘Quem é que eu
coração. Lembre-se: coragem significa agir com o coração. sou?’. Ah, essa é a grande charada! (Música)
ALICE – Eu aceito o desafi0! (Começa o som do Jaguadarte) – Meu pai FIM
sempre dizia para pensar em seis coisas impossíveis antes do café da manhã.
(As Alices vão dizer coisas impossíveis. Golpear e eliminar o Jaguadarte).
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