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“O QUE PODE SER UMA FRAÇÃO?

”: UMA
LEITURA DE UM LIVRO DIDÁTICO SOB A
PERSPECTIVA DO MODELO DOS CAMPOS
SEMÂNTICOS
Viviane Cristina Almada de Oliveira

Neste capítulo, discutimos aspectos concernentes à produção de signi-


ficados para frações; em particular, enfatizamos a análise de um livro didático
de Matemática dos anos iniciais do ensino fundamental como demanda à
produção de significados para a noção de fração. Com isso, pretendemos
destacar a relevância do Modelo dos Campos Semânticos (MCS) em prá-
ticas educativas que têm como objetivo apresentar construções plausíveis
para produções de significados, que podem ser tomadas como subsídios de
referência à prática profissional de professores e de pesquisadores.
Nossa intenção não é elencar maneiras eficientes de se ensinar frações;
tampouco, indicar essa ou aquela publicação como “a mais adequada” para
o ensino desse tópico ou fazer algum tipo de crítica à obra analisada. O que
buscamos, aqui, é mostrar como o MCS pode nos permitir realizar uma
leitura que vise à produção de significados (para frações) em sala de aula.

Sobre frações

Há muito as frações estão presentes no fazer humano. Como grande


parte da matemática surgida na antiguidade, o conceito de frações foi
produzido de acordo com necessidades práticas da vida diária de várias
civilizações.
Os egípcios, por exemplo, necessitavam utilizá-las para medições,
relacionadas a trabalhos agrícolas e de engenharia; geralmente, tomavam
as frações chamadas unitárias (com numerador igual a 1) e a fração 2/3.
Outras frações eram expressas como somatório de frações unitárias. Naquele
contexto, as frações 1/2, 1/3, 1/4 e 2/3 eram representadas por símbolos
próprios e as demais frações unitárias por um sinal oval alongado sobre
o número, que indicava o que hoje chamamos de denominador da fração
(ROQUE, 2012).
Para os árabes, as frações eram essenciais às divisões (exatas e/ou
não exatas) de herança; eles já adotavam a notação usual – com a barra

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horizontal entre numerador e denominador, embora apenas no século XVI


tal notação tenha se difundido (BOYER, 2003).
Nos dias atuais, as frações não são menos importantes.12 Embora
nossas realidades sejam bastante diferenciadas das de antigas civilizações,
frequentemente nos deparamos com frações em contextos diversos ou pre-
cisamos lançar mão à sua utilização em problemas cotidianos que envolvem,
principalmente, medidas, comparações e divisões.
Claro que essas frações às quais estamos nos referindo não são exa-
tamente aquelas que, na maioria das vezes, são estudadas na escola. Pri-
meiramente, porque essas frações, quando tratadas na rua, são “número de
algo” e não simplesmente números, como na escola. Em segundo lugar, ao
contrário do que acontece na escola, “as frações que encontramos na rua
são todas muito simples” (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 13) ou, usando uma
expressão de Lopes (2008), são “frações boas”. Até mesmo os procedimentos
que adotamos para repartir, geralmente em metades e terços, são também
bem simples.
Embora seja irrefutável esse fato – de que em situações cotidianas
as frações são simples –, ele não diminui a importância da compreensão e
discussão dos conceitos, técnicas, significados e usos das frações, princi-
palmente no âmbito da formação de professores. Muitas noções relevantes,
como as de razão e de probabilidade, são desenvolvidas tomando-se os
números racionais – em particular, na sua representação fracionária.
Torna-se ainda mais indispensável compreender e discutir frações
quando observamos que muitos alunos – dos mais variados níveis de esco-
laridade – têm dificuldades em lidar com elas. Costumamos encontrar
pessoas que, mesmo tendo concluído a Educação Básica, não se sentem à
vontade em manipular informações dadas utilizando frações ou não conse-
guem representar alguma situação cuja descrição envolva o uso de frações.
Destaco as palavras de Vianna que, com clareza, explicita essa constatação
a respeito de como muitas pessoas lidam com frações:
Afirmo: as operações com frações aterrorizam as crianças
há muito tempo. Aterrorizam adultos também, não sendo
difícil encontrar pessoas que pararam de estudar e que, ao
tentar retomar seus esforços para aprender a “ler e escrever”,
encontram nas “frações” e suas operações um difícil obstá-
12
Um fato que evidencia a relevância dessa temática é a revista Bolema – importante publicação brasileira na
área de Educação Matemática – ter dedicado um número especial às frações. Algumas das referências citadas
no decorrer deste capítulo fazem parte dessa edição.

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O MODELO DOS CAMPOS SEMÂNTICOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

culo ao objetivo de tornarem-se cidadãos alfabetizados. As


frases acima não recorrem à sustentação das autoridades:
recorrem à experiência dos leitores que já tiveram pela frente
o desafio de ensinar frações a crianças, jovens e adultos;
recorre também à experiência daqueles leitores que sendo
professores em universidades e cursos os mais diferentes,
encontram adultos e profissionais que, embora muito capa-
zes em diversos aspectos de suas relações com o saber, têm
nas frações uma dificuldade que nos custa compreender.
(VIANNA, 2008, p. 165).
Ainda, em paráfrase ao mesmo autor, quando recorremos à sustentação
das autoridades, deparamo-nos, por exemplo, com os resultados do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).13 Magina e Campos (2008),
em artigo que discutem a fração nas perspectivas do professor e do aluno,
apresentam dados da prova realizada no ano de 2001, destacando que “o
sucesso dos alunos da 4a série, em questões envolvendo representação de
fração [...] ficou em patamares de 35%” (p. 27). Em documento publicado
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) (BRASIL, 2018b), no qual é apresentado um panorama das avaliações
do Saeb entre os anos de 2005 e 2015, é possível observar que a proficiência
média em Matemática ao final do 9º ano do ensino fundamental atinge
patamares indicativos de que alunos egressos dessa etapa de escolarização,
por exemplo, não somam números racionais na forma fracionária e com
denominadores diferentes.
Sabemos que são muitos os fatores que podem contribuir para esse
quadro. Entretanto acreditamos que parte dessa resistência se deva também
ao modo como as discussões e problematizações sobre frações acontecem
no ambiente escolar.
Tanto os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemá-
tica (BRASIL, 1998) quanto a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
(BRASIL, 2018a) indicam que, inicialmente, nos anos iniciais do ensino
fundamental, os números racionais devem ser abordados com o objetivo de
mostrar aos alunos que os números naturais não permitem a resolução de
certos problemas, como aqueles que envolvem medida de alguma grandeza
ou o resultado de alguma divisão, e para os quais os números naturais são
insuficientes. Já nos anos finais do ensino fundamental, ainda com relação
aos números racionais, a expectativa é que os alunos resolvam problemas
13
O Saeb é coordenado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira),
autarquia federal vinculada ao MEC (Ministério da Educação).

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nos quais se utilizam as operações fundamentais com esses números, “com


seus diferentes significados, e utilizando estratégias diversas, com com-
preensão dos processos neles envolvidos” (BRASIL, 2018a); “a construção
do conceito de número racional pressupõe uma organização de ensino
que possibilite experiências com diferentes significados e representações”
(BRASIL, 1998), ressaltam os PCN.
Contudo, apesar das considerações com relação ao tratamento das
frações feitas – pelo menos – nos últimos 30 anos, percebemos, muitas
vezes, que “O ensino de frações tem sido praticado como se nossos alunos
vivessem no final do século XIX, um ensino marcado pelo mecanicismo,
pelo exagero na prescrição de regras e macetes, aplicações inúteis,
conceitos obsoletos, ‘carroções’, cálculo pelo cálculo” (LOPES, 2008, p. 20,
grifo nosso).
Não seria arriscado afirmar que, ao longo do ensino fundamental
da maioria de nossas escolas, a relevância do estudo das frações parece
estar muito mais nos procedimentos algorítmicos envolvidos nas opera-
ções elementares com frações do que em possíveis significados de fração
e relações entre eles.

Frações e produção de significados

Falar sobre diversas ideias relacionadas a frações não é novidade.


Giménez indica que, além da ideia de parte-todo, vários outros aspectos da
fração – fração como quantidade, como expressão de um escalar ou medida,
função, símbolo ou como probabilidade – devem ser explorados e desenvol-
vidos pelos professores em sala de aula (GIMÉNEZ, 1991 apud GIMÉNEZ;
BAIRRAL, 2005). Nunes et al. (2003) apresentam cinco ideias que devem
ser consideradas ao se trabalhar com frações; são elas: número, parte-todo,
medida, quociente e operador multiplicativo (apud SANTOS, 2005).
Poderíamos, aqui, discorrer muitas páginas sobre o que, na litera-
tura em Educação Matemática, é apresentado e discutido como sendo os
“significados”14 para frações. Ainda assim, por mais abrangente e profunda
que fosse nossa imersão nesse campo, não acreditamos ser possível exaurir
todos os possíveis significados para frações. Isso porque nossa acepção de
significado pressupõe sua produção por um sujeito que o enuncia: “signi-

14
Ao longo do texto, destacaremos a palavra significado(s) entre aspas para marcar que a compreensão do(s)
autor(es) que a utilizaram é distinta da que temos segundo o MCS.

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ficado é aquilo que o sujeito pode e efetivamente diz sobre o objeto numa
dada atividade15” (LINS; GIMÉNEZ, 1997, p. 145); o significado não é o
conjunto do que poderia ser dito sobre fração, mas o que é dito sobre fração.
Entendemos que o objeto, aquilo sobre o que o sujeito fala, não está
previamente constituído; ele é exatamente aquilo que se constitui durante a
fala do sujeito a partir de um resíduo de uma enunciação. Portanto, o que é
fração para o aluno não está dado a priori; é aquilo que ele fala sobre fração
no interior de uma atividade.
A partir de um mesmo resíduo de enunciação – por exemplo, “2/3 de
72 é 24” – podem ser produzidos diferentes significados. Essa consideração
vale também para um mesmo trecho de um livro didático, apartir do qual
podem ser produzidos diferentes significados. Assim, acreditamos que não
exista, para aquele trecho do livro, uma essência e diversas interpretações
possíveis; entendemos, como Lins (1999; 2012), existirem, sim, possíveis e,
eventualmente, distintos significados produzidos a partir daquele trecho.
Tendo em vista nossa compreensão de significado, vale aqui ressaltar-
mos que, mesmo acreditando na impossibilidade de se dar conta de todos os
possíveis significados produzidos para frações, apresentar e discutir alguns
deles constitui um fazer importante em contextos de formação de profes-
sores, pois, desse modo, são criadas oportunidades de se ampliar nossos
repertórios de leitura de situações de sala de aula; nesse caso, daquelas que
envolvem frações.
Voltemos ao livro didático. Falamos dele nessa discussão sobre sig-
nificados produzidos a partir de um texto por entendermos que ele exerce
influência na prática pedagógica de um considerável grupo de professores;
tanto de professores polivalentes, que geralmente lecionam nos anos iniciais
do ensino fundamental, quanto de professores de Matemática dos anos
finais do ensino fundamental e do ensino médio. Particularmente, no que
diz respeito ao tratamento das frações, muitas vezes, o livro didático chega
a ser o direcionador das ações do professor em sala de aula.

15
Segundo Leontiev (1978): “Nem todo processo é uma atividade. Nós designamos apenas por este termo os
processos que, realizando tal ou tal relação do homem com o mundo, respondem a uma necessidade particular
que lhes é própria. [...] Designamos pelo termo de atividade os processos que são psicologicamente caracterizados
pelo fato de aquilo para que tendem no seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o elemento objetivo
que incita o paciente a uma dada atividade, isto é, com o motivo” (p. 296). Quanto a motivo:
“d
esigna aquilo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas condições consideradas e para as quais a ati-
vidade se orienta, o que a estimula” (p. 97). Para Lampreia (1999), a atividade está ligada a um motivo, se realiza
em termos de ações relacionadas a um objetivo (o que fazer), e envolve o como realizar tais ações.

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Livros didáticos para o ensino fundamental, muito frequentemente,


na introdução desse conteúdo, associam frações a pedaços de pizza, de
bolo, de chocolate, e a elementos de conjuntos. Tais recursos são utilizados
com a pretensão de contextualizar o conteúdo abordado a ações – mesmo
que artificiais – relacionadas ao dia a dia dos alunos. Algumas questões
emergem daí.
Será que associar frações a pedaços de pizza seria o mesmo que
associá-las a elementos de um conjunto de bolinhas de gude? Operar com
frações pensando em pedaços de chocolate é o mesmo que operar com
frações pensando em medidas de um tanque de gasolina? Tais relações são
entendidas pelos professores assim como pelos seus alunos?
E outras perguntas surgem ao levarmos em consideração possíveis
“significados” pontuados por Giménez (1991 apud GIMÉNEZ; BAIRRAL,
2005) ou por Nunes et al. (2003 apud SANTOS, 2005) para frações. Faz
sentido falar desses possíveis “significados” se, no final das contas, tudo é
fração? Se fizer sentido, será que o professor considera esses (e por que não
outros?) diferentes significados produzidos por seus alunos para os números
racionais? Quais consequências isso acarreta para a prática do professor?
Essas questões foram aqui colocadas com uma intenção: a de destacar
que concebemos como aspecto central de toda aprendizagem a produção
de significados (LINS, 1999; 2012). E, dessa maneira, se diferentes signifi-
cados podem ser produzidos a partir de um mesmo resíduo de enunciação,
entendemos que perceber essa diferença é imprescindível para a prática de
sala de aula de qualquer professor que pretenda saber onde está seu aluno; e
“este ‘onde está’ não se refere de forma alguma a estágios de desenvolvimento
intelectual, e sim à legitimidade de significados para a pessoa” (LINS, 1999,
p. 85). Essa maneira de compreender o fazer docente tem como arcabouço
uma postura educacional, que preconiza
[...] não sei como você é; preciso saber. Não sei também onde
você está (sei apenas que está em algum lugar); preciso saber
onde você está para que eu possa ir até lá falar com você e
para que possamos nos entender, e negociar um projeto no
qual eu gostaria que estivesse presente a perspectiva de você
ir a lugares novos. (LINS, 1999, p. 85).
Tal postura pede do professor o desenvolvimento de uma habilidade: a
de perceber a diferença de significados sendo produzidos ou que podem ser
produzidos em vários contextos – na leitura de livros didáticos, na leitura

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de atividades em sala de aula, na leitura de provas e produções escritas do


aluno. E, para enxergar essa diferença, é preciso exercitar nossa leitura. E,
para além de enxergá-la, pensarmos no que essa diferença acarreta e, daí,
em como lidar com ela nas salas de aula.
No que segue, apresentamos um exercício no qual nos propusemos a
enxergar essa diferença, criando uma situação fictícia que buscou ilustrar
como alunos poderiam produzir significado a partir do texto “1/2 + 1/2 =
1” em um problema proposto num livro didático.16

Uma produção de significados a partir de um texto sobre frações

O livro didático que utilizamos para esse exercício foi Vivência e


construção (volume 3), do autor Luiz Roberto Dante (1997). A escolha desse
livro foi circunstancial, não havendo critério específico para sua seleção. De
fato, para o exercício que nos propusemos a fazer neste estudo, qualquer
livro didático poderia ser tomado.
Em 2006, houve nova edição desse mesmo livro e algumas mudan-
ças foram realizadas no capítulo específico sobre frações com relação à
publicação de 1997.
Na primeira edição, o capítulo 12, intitulado Frações, tem onze pági-
nas e é iniciado com a apresentação de algumas ilustrações introduzindo a
ideia de fração como sendo uma relação estabelecida entre parte/todo. As
ilustrações são um sanduíche partido ao meio e, abaixo dele, uma de suas
metades; uma pizza partida em três pedaços e, abaixo dela, 2/3 da pizza; e
um tanque de gasolina com o marcador indicando 1/4.
A partir daí, o autor apresenta algumas subdivisões para o capítulo,
cada uma delas abordando frações de uma maneira, com exemplos e exer-
cícios. Ideia de fração: compondo figuras e Frações de figuras ressaltam a ideia
de parte/todo, destacando que o numerador indica o número de partes
tomadas (pintadas ou marcadas) e que o denominador indica o número
de partes iguais em que a figura foi dividida. Nos exercícios sugeridos ao
aluno, deve-se identificar, numa figura dada, a parte do todo destacada, e
escrevê-la sob forma de fração; e, dada uma fração, dividir a figura rela-
cionada em partes iguais (tantas quantas indicar o denominador da fração)

16
Constitui parte do trabalho de monografia do Curso de Especialização em Educação para Ciência, oferecido
pelo NEC/Faced/UFJF, em 1998-1999. Na ocasião, a escolha do tema frações foi motivada tanto pelo seu apelo
prático quanto pelas dificuldades no seu ensino e aprendizagem (OLIVEIRA, 1999).

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e pintar tantas quantas indicar o numerador da fração. Uma passagem do


livro que caracteriza bem a forma como se coloca o conceito de fração
nesse item vem a seguir:
Dona Maria dividiu um sanduíche em duas partes iguais e
deu metade para cada um dos seus filhos, Paulo e Carla. O
sanduíche todo é a unidade, ou o inteiro. O sanduíche, a
unidade, foi dividido em 2 partes iguais. Cada filho ficou
1
com uma (1) parte. Metade, 2 ou um meio do sanduíche.
(DANTE, 1997, p. 185, grifos do autor).
Em Frações de um conjunto de elementos, o autor prioriza o trabalho
com conjuntos (de elementos discretos).17 Uma ilustração traz um conjunto
de peixinhos coloridos e, ao seu lado, os seguintes comentários:
Num aquário há 9 peixinhos. Eles são vermelhos, amarelos e
cinza. Dos 9 peixinhos, 4 são vermelhos. Quatro nonos 4
9

dos peixinhos são vermelhos. Nesse mesmo aquário, 3 dos 9

peixinhos são amarelos. Três nonos 3 dos peixinhos são
9
amarelos. (DANTE, 1997, p. 187, grifos do autor).
Na sequência foram colocadas algumas tarefas específicas, para as
quais sempre havia uma figura de um conjunto de elementos (nem sempre
iguais) e nas quais o aluno deveria identificar a fração que representava os
objetos selecionados do conjunto. Todo o trabalho relativo a elementos/
conjunto foi feito numa única página.
Frações de um número é o subtítulo da página seguinte à que trata
fração como relação entre elementos/conjunto. Essa nova página se inicia
com um problema e sua resolução:

Cláudia tinha 6 balas. Ela deu 13 das balas à sua irmã Melissa.
Quantas balas Melissa ganhou?
1
de 6 = ?
3
6÷3 = 2
1
de 6 = 2
3
Melissa ganhou 2 balas. (DANTE, 1997, p. 188).

17
Quantidades contínuas [áreas e comprimentos, por exemplo] referem-se ao modelo que podem ser subdivididas
de várias formas, repetidas e infinitas; o modelo de quantidades discretas [só permite divisão e contagem com
uma menor ênfase em relação ao todo] (PITKETHLY; HUNTING, 1996 apud MACIEL; CÂMARA, 2007, p. 165,
grifos do autor, comentários nosso).

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A fração passa, então, a ser tratada como um número-operador nos


dez próximos problemas colocados pelo autor e numa tarefa intitulada Frações
e redução de figuras. Em todos esses exemplos e problemas, envolvendo o
produto de uma fração por um número natural, divide-se o número natural
pelo denominador da fração (sempre é divisível) para, então, multiplicar tal
quociente pelo numerador da fração.
O item final do capítulo é Comparando e operando com frações. Nele
constam exercícios envolvendo as operações de adição e de subtração
(algumas com figuras), a comparação de frações (maior, mais que, menor,
menos que, metade e igual), e um desafio que trata do produto de números
naturais por frações (nos itens de tal desafio o número natural não é divisível
pelo denominador da fração).
O capítulo correspondente na segunda edição do livro, de 2006, tem
com título Frações e probabilidade. Embora seja bastante parecido com o
capítulo da edição anterior, elencamos algumas distinções entre eles. Na
primeira página, uma das ilustrações da edição de 1997 (uma pizza par-
tida em três pedaços e, abaixo dela, 2/3 da pizza) é substituída na segunda
edição por outra, de cinco estudantes, dentre os quais três são meninas e a
indicação de que as meninas constituem 3/5 do grupo.
Quanto aos subtítulos A idéia de fração: compondo figuras, Frações de
figuras, Frações de um conjunto de elementos e Frações de um número, apresen-
tados na primeira edição, são suprimidos, e, na segunda edição, aparecem
Situações envolvendo as ideias de fração, Frações e redução de figuras (permanece
da primeira), Comparação de frações, Operações com frações, Fazendo previsões
e A ideia de probabilidade: medida da chance.
Doze novos exercícios são acrescentados à segunda edição e cinco
exercícios retirados da primeira; dos novos exercícios, oito tratam de medidas
(comprimento, tempo, dinheiro) e os exercícios excluídos relacionam-se a
conjuntos (três) e fração como número-operador (dois). O assunto proba-
bilidade não é discutido na primeira edição e, na segunda, é desenvolvido
nas quatro últimas páginas do capítulo, configurando-se como praticamente
um adendo ao capítulo da primeira edição.
Feita essa apresentação, tomemos dois problemas18 propostos por
Dante (1997).

O segundo problema consta apenas na primeira edição do livro Vivência e construção (volume 3); o primeiro,
18

nas duas edições.

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Quadro 1
Coloque X nas adições de soma 1.

 3+4  1+5  2+5


7 7 6 6 9 9

 1+1  2+2  3+1


2 2 5 5 8 8
Fonte: Dante, 1997, p. 193

Quadro 2
A distância entre São Paulo e Porto Alegre é 1.120 quilômetros. Um ônibus parou
no posto depois de percorrer 3 dessa distância. Quantos quilômetros ele ainda irá
4
percorrer?

Fonte: Dante, 1997, p. 190

Esses dois problemas são por nós considerados resíduos de enunciação,


e não como textos. A concepção de texto aqui adotada surge da releitura que
Lins faz do processo de comunicação (LINS, 1999), quando o leitor produz
significado a partir de um enunciado é que este se constitui em texto. Dessa
forma, o texto – que é constituído quando da produção de significados a
partir de um resíduo de uma enunciação – só é texto porque existe o leitor.
Nesse sentido, os dois problemas do livro didático (DANTE, 1997)
citados anteriormente são textos para alguém que produz significado a
partir deles.
Mais especificamente, não consideramos que o que está registrado, por
exemplo, em algum livro, seja conhecimento; são resíduos de enunciações
que podem vir a se tornar texto para um sujeito a partir do momento em
que ele produzir significado a partir de tais resíduos.
Por isso, a importância de pensarmos nos possíveis significados
produzidos a partir de resíduos de enunciação de um livro didático. Ao
admitirmos existirem possibilidades de produção de significados, flexi-
bilizamos nosso olhar e atentamos para aquilo que nosso aluno fala – já
que, a partir da sua fala (oral, escrita, gestual) é que poderemos perceber
onde ele está, para que possamos nos entender e compartilhar um espaço
comunicativo e negociar um projeto no qual o aluno tenha a perspectiva
de ir a lugares novos (LINS, 1999).

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Leituras de uma cena: de uma situação ficcional...

Consideremos uma turma do 4º ano do ensino fundamental que tenha


trabalhado, com o livro didático em questão, o capítulo referente a Frações.
Quando a professora propõe o primeiro problema para a turma (Quadro 1),
verifica que nenhuma das crianças teve maiores dificuldades em resolvê-lo.
Infelizmente, o mesmo não aconteceu para o segundo problema (Quadro
2), já que certa parte da turma não conseguiu encontrar a resposta desejada
ou sequer conjecturar ideias a respeito da situação colocada no exercício.
Estamos diante de um problema didático: por que todas as crianças
conseguem resolver o primeiro problema, mas nem todas se manifestam
em relação ao segundo? A professora poderia, inconformada, dizer: “Mas
eu expliquei tudo tão direitinho... Eles não devem ter prestado atenção!”.
E, assim, repete, agora com mais entusiasmo, tudo que havia falado e feito,
acreditando que, procedendo desse jeito, todos os alunos irão responder
prontamente ao segundo problema. Novamente, uma resposta não aparece.
Tentemos compreender o acontecido. Para tanto, consideraremos a
caracterização de conhecimento pelo MCS e retomaremos a de significado.
Segundo Lins (1993), “conhecimento é entendido como uma crença ‒ algo
que o sujeito acredita e expressa, e que se caracteriza portanto como uma
afirmação ‒ junto com que o sujeito considera ser uma justificação para sua
crença-afirmação” (p. 86, grifos do autor).
Ainda para o autor desse modelo, essa recaracterização da noção de
conhecimento é seu elemento-chave:
[...] conhecimento é uma crença-afirmação junto com uma
justificação que me autoriza a produzir aquela enunciação:
• conhecimento é algo do domínio da enunciação;
• sempre há um sujeito do conhecimento (e não do
conhecer);
• o papel da justificação é produzir legitimidade para minha
enunciação; [...]. (LINS, 1999, p. 88).
Além disso, produzir significado a partir de certo resíduo de enun-
ciação – que, então, é texto para o sujeito – é constituir conhecimento, o
que se dá a partir da fala do sujeito, ou seja, das justificações de suas cren-
ças-afirmações. Daí dizermos que livro algum possui conhecimento – neles
existem resíduos de enunciação.

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Sendo assim, diante de um problema didático – como o ilustrado


anteriormente –, a leitura do livro inúmeras vezes pelo professor, ou a
explicação repetida outras tantas, não é garantia de que os significados
produzidos pelo aluno a partir daquele resíduo de enunciação serão aqueles
que o professor pretendia. Ou seja, partindo do pressuposto de nossa postura
educacional, dessa maneira não é possível saber onde aqueles alunos estão
e, portanto, não se consegue negociar absolutamente nada.
Compreendemos que “toda produção de significados é dialógica no
sentido cognitivo” (LINS, 1999, p. 88). Cabe a nós, então, frente ao suposto
problema didático, observarmos a fala de três dos alunos que resolveram
o primeiro problema; isso se fará na tentativa de identificar os objetos que
cada um constituiu, bem como a lógica das operações feitas por cada um
deles. Como o primeiro problema é composto por vários itens, tomemos
as supostas justificações de cada um dos alunos para 1/2 + 1/2 ser igual a 1:
Arthur: “1/2 + 1/2 é igual a 1 porque se eu divido uma pizza
em dois pedaços, eu tenho, de um lado, ½, e, de outro, 1/2; meia
pizza mais meia pizza é igual a uma pizza. Por isso é que 1/2 +
1/2 é igual a 1”.
Isabela: “Se eu tenho um conjunto de duas figurinhas, cada uma
delas é um elemento do meu conjunto. Se eu junto esses dois ele-
mentos, eu tenho o conjunto inteiro. Daí, 1/2 + 1/2 é igual a 1”.
Lorena: “É claro que 1/2 + 1/2 é igual a 1. Eu sei que 1/2 + 1/2
é igual a 1/2 de 2 e como 2 dividido por 2 é 1, então 1/2 + 1/2
é igual a 1”.
Podemos observar, pelas justificações desses três alunos, que a partir de
um mesmo resíduo de enunciação foram produzidos significados distintos
e que a lógica das operações utilizada por cada um dos sujeitos é diferente.
Da fala de Arthur não é difícil constatar que os significados por ele
produzidos a partir do texto (Quadro 1) se relacionam à ideia de parte/todo.
Ele estabelece uma ligação entre o número 1/2 e a metade de um todo (no
caso, a pizza – uma quantidade contínua). A partir dessa associação a um
todo contínuo e às suas partes é que Arthur opera.
Arthur afirma que meia pizza mais meia pizza é igual a uma pizza,
e não sente necessidade de justificar tal fala. No processo de produção de
significados, quando – assim como Arthur – o sujeito faz certas afirmações
que não sente necessidade de justificar, afirmações que são por ele tomadas
como localmente válidas, chamamos a cada uma delas de estipulação local. E

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O MODELO DOS CAMPOS SEMÂNTICOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

a “um conjunto de estipulações locais que, num dado momento e dentro de


uma atividade, estão em jogo”, Lins denominou núcleo (LINS, 1999, p. 87).
A partir dessa noção, o mesmo autor define Campo Semântico como
sendo a atividade de produção de significado em relação a um núcleo. Assim,
sempre que o sujeito produz significado em relação a um núcleo dizemos
que ele está operando em um Campo Semântico. É imprescindível salien-
tar que a ideia de núcleo é dinâmica; o núcleo não é uma acumulação de
estipulações locais e tampouco pré-existente à atividade: ele é constituído
durante a própria atividade. Ainda segundo Lins, um núcleo não é “algo
que fica guardado em algum canto da minha cabeça, um pacote que utilizo
quando preciso” (LINS, 1999, p. 87). No processo de se produzir significado,
quando o núcleo é constituído pelo sujeito, ou seja, quando o sujeito, dentro
de uma dada atividade, toma determinadas afirmações como localmente
válidas, novas estipulações locais podem ser incorporadas àquele núcleo,
assim como o que, em outra atividade, foi tomado como estipulação local,
não mais ser.19
No caso de Arthur, chamamos a atividade de produzir significados
a partir do resíduo de enunciação 1/2 + 1/2 = 1 em relação ao núcleo por
ele constituído de Campo Semântico Parte/todo.
Analisando a fala de Isabela podemos perceber que os significados
produzidos a partir do texto do primeiro problema (Quadro 1) relacionam-se
à ideia de fração como parte dos elementos de um conjunto. Nesse caso, a
aluna fez a leitura de 1/2 como sendo um elemento de um conjunto (dis-
creto) formado por dois elementos; a ligação de fração aos elementos de um
conjunto discreto é que leva Isabela a justificar sua resposta. Chamaremos
de Campo Semântico Elementos/conjunto a atividade de produzir
significado em relação a esse núcleo.
Será que Arthur e Isabela pertencem ao grupo dos alunos que res-
ponderam o segundo problema colocado pela professora? Arthur poderia
associar ao percurso São Paulo/Porto Alegre uma pizza dividida em 1.120
pedaços? E Isabela, poderia relacionar essa mesma quilometragem a um
conjunto discreto de 1.120 elementos? Essas perguntas fazem sentido
justamente por entendermos que se, na atividade de resolver o segundo
problema (Quadro 2), Arthur (ou Isabela) produz significado operando no

19
Em Silva (2003) encontramos uma investigação sobre a dinâmica do processo de produção de significados
para a matemática.

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Campo Semântico Parte/Todo (ou Elementos/conjunto), existem limites


para o que pode ser dito sobre.
Supondo que tanto Arthur quanto Isabela não conseguiram resolver
o segundo problema, diríamos estarem eles diante de uma dificuldade.
Conforme Lins, Silva formula que
[...] uma dificuldade deve ser entendida de duas maneiras
excludentes: ou ela caracteriza-se como um obstáculo ou
como um limite epistemológico. Um Obstáculo Episte-
mológico [...] seria o processo no qual um aluno operando
dentro de um campo semântico, poderia potencialmente
produzir significado para uma afirmação mas não produz
[...]. Já um Limite Epistemológico seria a impossibilidade do
aluno em produzir significado para uma afirmação. (SILVA,
1997, p. 17, grifos do autor).
Assim, dizemos que a impossibilidade de Arthur (ou de Isabela) em
produzir significados a partir do segundo problema (Quadro 2) caracterizaria
um limite epistemológico, o que sugere uma mudança de campo semântico
para uma então possível resposta ao problema proposto. Para Lins (2001),
[...] a importância operacional dessa noção é estabelecer que:
(i) toda vez que significado é produzido existe uma restri-
ção no horizonte das posteriores produções de significado,
implicando que, (ii) se aprendizagem é entendida – corre-
tamente, eu penso – como aprender a produzir significado,
ensinar deve também apontar para uma discussão explícita
dos limites criados nesse processo. (p. 45).
Esse limite epistemológico pode ser percebido pelo professor, e
não pelo aluno, a partir da justificação dada pelo último, ou seja, da fala
do aluno. É por isso, que de acordo com o MCS, as dificuldades surgem a
partir do diálogo.
Tomemos agora a justificação de Lorena para o primeiro problema.
Ela justifica sua crença-afirmação tomando a fração 1/2 como sendo um
operador e parece não precisar fazer nenhum tipo de associação concreta
àquelas representações numéricas. Denominaremos a atividade de produzir
significados segundo esse núcleo de Campo Semântico Número-Operador.
Lorena poderia ter sido um dos alunos que conseguiu resolver o
segundo problema (Quadro 2), já que, se tentasse solucioná-lo usando a
mesma lógica das operações envolvidas no desenvolvimento do primeiro
problema (Quadro 1), provavelmente, não teria dificuldades. No entanto,
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caso ela tenha sido um dos alunos que não o resolveu, tal situação caracte-
rizaria um obstáculo epistemológico.
Ressalvamos aqui que, ao apresentarmos campos semânticos, não
temos a intenção de estabelecê-los, fixá-los e, a partir disso, localizar alunos
dentro de um ou de outro. O que queremos mostrar é como eles constituem
diferentes maneiras de produzir significado a partir de um mesmo resíduo
de enunciação; e que cada uma dessas maneiras pode ou não corresponder
à direção desejada pelo professor. Por isso, a importância de entender a
forma de operar do aluno, para, então, chamá-lo a falar de outra maneira,
se preciso for.
Para lidar com uma dificuldade – seja ela um limite ou um obstáculo
epistemológico – é preciso “fazer que os alunos discutam explicitamente
as justificações que têm para suas crenças-afirmações, quer dizer, que
discutam e examinem os Campos Semânticos nos quais está operando”
(LINS, 1994, p. 52).
Os campos semânticos apresentados anteriormente foram meramente
ilustrativos e inspirados na leitura do livro didático de Dante (1997). Esses
e muitos outros tantos significados poderiam ter sido aqui colocados ou
aparecerem em nossas salas de aula.

...às salas de aula de verdade (aonde queremos chegar)

A situação criada, embora fictícia, retrata, de certa forma, o que acon-


tece em nossas salas de aula. Em vários momentos, nossos alunos se deparam
com dificuldades, as quais temos a pretensão de sanar, muitas vezes, com
repetitivas e maçantes explicações e fundamentações teóricas. Contudo,
temos comprovado com a prática que essa estratégia não tem sido das mais
eficazes. Surge, então, a pergunta: o que fazer diante desse tipo de situação?
Não são necessários grandes estudos para afirmarmos que o pro-
fessor que ensina matemática, independentemente do nível de ensino em
que trabalha, em sua prática em sala de aula, muitas vezes fala de diferentes
significados para uma mesma noção como se fossem os mesmos ou, enten-
dendo-os distintos, acredita que estabelecer relações entre eles seja algo
fácil, imediato ou natural.
Por exemplo, para nós, professores de matemática, falar de fração
como parte do todo, elementos de conjunto ou número, pode ser indife-
rente, já que “tudo é fração”. Entretanto, para o aluno que opera com frações

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pensando em parte/todo, pode não fazer sentido, por exemplo, tomá-las


como número-operadores.
Ao contrário do que nos possa parecer à primeira vista, para o aluno,
a passagem de um campo semântico para outro – que consiste na produção
de outros significados, estabelecendo em sua fala novos objetos sobre um
mesmo texto – pode não ser natural, nem mesmo suave. É preciso que nos
preocupemos com esse fato, que é central em processos de produção de
significados; a mera reprodução do que está impresso no livro didático,
com repetições uníssonas de nossas próprias falas, não cria oportunidades
para que nossos alunos façam tais passagens.
Compreendemos a prática do professor no sentido de proporcionar
ao aluno, principalmente, ao futuro professor de matemática, experiências
em que lide com situações nas quais ele tente perceber diferenças entre
significados, possíveis relações entre alguns deles, e discutir tomadas de
decisões sobre quando deveria lançar mão dessa ou daquela forma de falar
de uma ideia matemática.
Nessa perspectiva, embora entendamos o ensino e a aprendizagem
de matemática como complexos e influenciados pelos mais diversos fatores,
vislumbramos o MCS como um referencial teórico-prático útil para leituras
de processos de produção de significado, que podem orientar tomadas de
decisões do professor em sala de aula. Mais especificamente, acreditamos que
a visão acerca do que vem a ser conhecimento no MCS, serve como propul-
sora na (re)construção permanente de nossas posturas enquanto educadores.
É preciso voltar nosso olhar à produção de significados. Que ouçamos
mais e falemos menos; se, para nós, o significado produzido é a fala, não
há como observarmos e intervirmos nesse processo de produção se não
escutarmos nossos alunos. A criação de um espaço comunicativo em sala
de aula passa pela escuta e pela tematização de produções de significados
como demanda para serem compartilhados.

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