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APOSTILA

GPEHM JR.
2023.1
GRUPO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA - JUNIOR
CALENDÁRIO DE REUNIÕES 2023.1
Dia/Horário: Terça às 17h
Local: LABMATEN/UECE e Meet

As reuniões do GPEHM Junior têm o intuito de complementar a formação inicial e


continuada do professor de matemática, assim como, contribuir com a formação dos
licenciandos em matemática por meio de discussões sobre as pesquisas em educação
matemática desenvolvidas no âmbito nacional e internacional.

CRONOGRAMA DE REUNIÕES

DATA Evento Local


Apresentação: O GPEHM Júnior e os eixos de investigação do GPEHM. UECE/
14.03
Roda de conversa: GPEHM Júnior: experiências e metas Meet
23 e
V Encontro Cearense de Mulheres nas Ciências Exatas Online
24.03
MARÇO

BARONI, R. L. S.; TEIXEIRA, M. V.; NOBRE, S. R. A Investigação Científica em


História da Matemática e suas Relações com o Programa de Pós-Graduação
UECE/
28.03 em Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (Orgs.).
Meet
Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p.
164-185. [Disponível na sede]
02 à
XV Seminário Nacional de História da Matemática Maceió
05.04
D’AMBROSIO, U. POR QUE E COMO ENSINAR HISTÓRIA DA MATEMÁTICA. UECE/
ABRIL

11.04
REMATEC, [S. l.], v. 8, n. 12, p. 07–21, 2013. [Baixe Aqui] Meet
D’AMBROSIO, U. Tendências e Perspectivas Historiográficas e Novos Desafios
UECE/
25.04 na História da Matemática e na Educação Matemática. Educ. Matem. Pesq,
Meet
São Paulo, v. 14, n. 3, p.336-347, 2012. [Baixe Aqui]
MIGUEL, A. Breve ensaio acerca da participação da história na apropriação do
saber matemático. In: SISTO, F. F.; DOBRÁNSZKY, E. A.; MONTEIRO, A. (Orgs.).
UECE/
02.05 Cotidiano escolar: questões de leitura, matemática e aprendizagem.
Meet
Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: USF, 2001, p. 100-117. [Disponível na
sede]
MAIO

ANGLIN, W. S. Matemática e História. Trad. Carlos Roberto Vianna. UECE/


16.05
História e Educação Matemática – v.1 – jan/jun. de 2001. [Disponível na sede] Meet
PACHECO, Edilson R. História da Matemática em abordagens pedagógicas. In:
BURAK, Dionísio; PACHECO, Edilson R.; KLUBER, Tiago E. (Orgs.). Educação UECE/
30.05
Matemática: reflexões e ações. 1. ed. Curitiba: CRV, 2010, v. 1, p. 27-43. Meet
[Disponível na sede]
PEREIRA, A. C. C.; SAITO, F. OS INSTRUMENTOS MATEMÁTICOS NA INTERFACE
ENTRE HISTÓRIA E ENSINO DE MATEMÁTICA: COMPREENDENDO O CENÁRIO UECE/
13.06
NACIONAL NOS ÚLTIMOS 10 ANOS. Boletim Cearense de Educação e História Meet
JUNHO

da Matemática, [S. l.], v. 5, n. 14, p. 109–122, 2018. [Baixe Aqui]


UECE/
27.06 Devolutiva das Reuniões do GPEHM 2023.1
Meet

30.06 Arraiá do GPEHM UECE


JULHO

03.07 2ª Convenção dos Bolsista do GPEHM

Obs. Os textos estarão disponíveis na sede do GPEHM e/ou nos sites veiculados as
revistas e livros.
Maria Aparecida Viggiani Bicudo • Marcelo de Carvalho Borb,1
(Organizadores)

Antonio Carlos Carrera de Souza • Antonio Vicente Marafioti Garnica •


C/audemir Murari • Geraldo Perez • Irineu Bicudo • Lourdes de La ROSíl011111 ,."
• Marcelo de Carvalho Borba • Marcos Vieira Teixeira • Marcus Vinicius M;J/("It, 1i •

Maria Aparecida Viggiani Bicudo • Maria Lucia Wodewodtzki •


Miriam Godoy Penteado • Norma Suely Gomes Allevato • Ole Skovsmoso •
Otavio Roberto Jacobini • Pedro Paulo Scandiuzzi • Romulo Campos Lil)'.
, 'de Catalogação
Dados Internacionais , na Publicação
'I) (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasl • Rosa Lúcia Sverzut Baroni • Sergio Roberto Nobre' Ubiratan D'Amon')\I()

". uisa em movimento / Maria Aparecida


Educação matemàtica . pesq Ih B ba _ São Paulo: Cortez,
Viggiani Bicudo, Marcelo de Carva o or .
/IIItI
2004.

V ários autores.
Bibliografia. EDUCAÇAO
ISBN 85-249-0985-4

. 2 Pesquisa educacional
1. Matemática - Estud? e ensl~o Borba Marcelo de Carvalho.
L Bicudo, Maria Aparecida Vlgglam.. ,
"./.' c.:'~' ".' ~{;'
/MAtEMÁ TICA:
CDD-501.7
04-0802

índices para catálogo sistemático: , .'


Yp~~isa em movimento
J 1,'-1
,I,'

L Educação matemática 510.7


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. ,

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16~
EDUCAÇÃO MATE11ÁTICA 165

Antes de apresentarmos as investigações realizadas pelo GPHM, jun-


to ao programa de pós-graduação, faremos algumas observações a respeito
das discussões e pesquisas realizadas pelo Movimento Internacional de
Atuação da História da Matemática na Educação Matemática. Essas obser-
vações foram produzidas a partir do livro History in Mathematícs Educaiion,
editado por John Fauvel & Jan van Maanen, e refletem muitas de nossas
inquietações sobre o tema História da Matemática e Educação Matemática.

A Investigação Científica em História da 2. Uma Visão Abrangente do Movimento Internacional de Atuação da


Matemática e suas Relações com o Programa História da Matemática na Educação Matemática

Nos últimos 20 anos, aproximadamente, tem-se observado um crescen-


de Pós-Graduação em Educação Matemática te interesse em História da Matemática pelos professores e educadores, com
certo impacto na Educação Matemática. Um grande número de artigos vem
aparecendo, contendo reflexões e experiências, e observa-se que vários são
Rosa Lúcia Sverzut Baroni* os argumentos a favor de incluir a História da Matemática no ensino da
Marcos Vieira Teixeira* Matemática. Os mais comuns são que a História da Matemática fornece
Sergio Roberto Nobre* uma boa oportunidade para desenvolver nossa visão de "o que é a Mate-
mática" ou que a História da Matemática .nos permite ter uma compreen-
são melhor dos conceitos e teorias. Mas não há consenso em relação a isso.
I. Apresentação
Diante desse quadro, o tema escolhido pelo Comitê Executivo do rCMI
- International Commission on Mathematical Instruction =», para ser apre-
Uma proposta de atuação do Grupo de Pesquisa em História da Mate-
sentado no Congresso Internacional de Educação Matemática no Japão, em
mática (GPHM) e / ou suas relações com a Educação Matemática, junto ao
2000, foi "O papel da História da Matemática no ensino e aprendizagem da
Programa de P~s-Graduaçiio em Educação Matemática da Unesp, campus
Matemática", que resultou no livro cujo título é History in Mathematic:i Edu-
de RIO Claro, fOI apresentada em 1999 no artigo" A Pesquisa em História da
cation. Esse livro foi editado por [ohn Fauvel (lnglaterra)e [an van \Iaanen
Matemática e suas Relações com a Educação Matemática", publicado como
(Holanda) e contou com a colaboração de 62 pesquisadores de vários paí-
parte mtegrante do livro Pesquisa em Educação Ivuitcnuitica: Concepções & Pers-
ses, incluindo 3 brasileiros: Circe \1. Silva e Silva (UFES), Sérgio Roberto
pectiuas, organizado por Maria A. V. Bicudo. Baseado naquele documento,
Nobre (UNESP-Rio Claro) e João Pitornbeira de Carvalho (PUe-R]).
e CIentes das nossas limitações para desenvolver pesquisas em História da
Mater:'ática, voltadas a atividades educacionais, implementamos algumas Esse movimento revela a disseminação e amadurecimento das pes-
diretrizes e campos de atuação para a investigação científica em História quisas nessa área, principalmente em seus aspectos filosófico, cultural e
da M~temcHica como área de atuação dentro de um programa de pós-gra- interdisciplinar, mas revela também controvérsias e o muito ql}e ainda se
duaçao em Educação Matemática. pode fazer, sobretudo na reflexão didática do uso da História da Matemáti-
ca no ensino e aprendizagem da Matemática. "
E~ vários países, incluindo o Brasil, já se observa que a inclusão da
• Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação MdtemMica da UNESp, campus História da Matemática em livros didáticos e em currículos de cursos de
de Rio Claro-SP.
formação de matemáticos e professores de Matemática (equivalentes aos'
166 BICUDO • BORBA EDUCAÇÃO MATEM~TiCA 167

nossos bacharelado e licenciatura) tem sido intensificada e mesmo incenti- e) os estudantes podem entender que elementos como erros, incerte-
vada. Essa atitude tem um componente político forte, dado que zas, argumentos intuitivos, controvérsias e abordagens alternati-
vas a um problema são legítimos e fazem parte do desenvolvimen-
Muitas pessoas têm estudado, aprendido e usado matemática há mais de +000 to da Matemática;
anos. Sobre o que deve ser ensinado, e como, no fundo são decisões políticas, f) os alunos também podem identificar que, além dos conteúdos, a
influenciadas por vários fatores, como a experiência dos professores, expectativa Matemática possui forma, notação, terminologia, métodos compu-
dos pais e dirigt'ntes, e o contexto social de debates sobre o currículo.'
racionais, modos de expressão e representações;
g) os professores podem identificar, na História da Matemática, moti-
Assim, a inserção formal da História da Matemática no âmbito edUG1-
vações na introdução de um novo conceito;
cional concretiza e fortalece sua relação com a Educação Matemática, abrindo
h) os professores podem identificar que algumas dificuldades que sur-
perspectivas de pesquisas em varias frentes. Isso se revela importante, pois
gem em sala de aula hoje já apareceram no passado, além de cons-
ainda há escassez de pesquisas envolvendo diretamente a Educação Mate-
tatar que um resultado aparentemente simples pode ser fruto de
mática. Muitas tratam a\-~l'nas da própria História da Matemática ou de
uma evolução árdua e gradual;
relatos de professores interessados no uso da História em sala de aula, em
i) a História pode evidenciar que a Matemática não se limita a um
geral citando datas l' dados biográficos, ou abordando aspectos curiosos ou
sistema de regras e verdades rígidas, mas é algo humano e envol-
ancdóticos da História, estes, como sabemos, nem sempre comprovados.
vente;
.\1as que motivaçôcs sustentam investigações que relacionam a Histó- j) o estudo detalhado de exemplos históricos pode dar a oportunida-
ria e a Educação Matemática? Pudemos extrair vários argumentos que de- • de aos alunos de compreender que a Matemática é guiada não ape-
Icndern a introdução da História da Matemática no processo educacional nas por razões utilitárias, mas também por interesses intrínsecos à
como fator de melhoria no ensino de Matemática: própria Matemática;
a) o desenvolvimento histó;ico da Matemática mostra que as idéias, k) a História da Matemática fornece uma oportunidade a alunos e pro-
dúvidas e críticas que foram surgindo não devem ser ignoradas dian- fessores de entrar em contato com matemáticas de outras culturas,
te de uma organização linear da Matemática. Ele revela que esse além de conhecer seu desenvolvimento e o papel que desempenha-
tipo de organização axiomática surge apenas após as disciplinas ramo Essa visão mais ampla descaracteriza a falsa visão que passa a
adquirirem maturidade, de forma que a Matemática está em cons- Matemática em sua forma moderna, como fruto de uma cultura
tante reorganização; apenas, a ocidental.
b ) a História da Matemática levanta questões relevantes e fornece pro-
Contrapondo-se a esses argumentos, há outros desfavoráveis à incor-
blemas que podem motivar, estimular e atrair o aluno;
poração da História em sala de aula de Matemática:
c) a História fornece subsídios para articular diferentes domínios da
a) História não é Matemática;
Matemática, assim como expor inter-relações entre a Matemática e
b) a História pode se tornar um dificultador para a compreensão dos
outras disciplinas, a Física, por exemplo;
conceitos;
d) o envolvirnento dos alunos com projetos históricos pode desenvol-
c) uma visão distorcida do passado pode impossibilitar uma contex-
ver, além de sua capacidade matemática, o crescimento pessoal e
tualização eficaz da Matemática;
habilidades como a leitura, escrita, procura por fontes e documen-
d) a aversão que algum aluno possa ter à História implicaria uma aver-
tos, análise e argumentação;
são à História da Matemática e, conseqüentemente, à Matemática;
e) o estudo do passado é perda de tempo, dado que os avanços da Ma-
1. Fauvel & Maanen, 2001, p. 1, tradução nossa. temática ocorrem exatamente para resolver problemas complicados;

. ~
" .

169
168 BICUDO • BORBA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
;

parar suas estratégias com aquelas originais, levando, inclusive"o.s


f) outros fatores de ordem prática tais como: falta de tempo para cum-
alunos a perceber vantagens nos símbolos e processos da Maternáti-
prir o programa; falta de recursos materiais; falta de experiência do
professor; dificuldade de avaliação. ca dos dias de hoje. Além disso, os alunos podem, ~~ estu_d~ a e~~-
lução histórica de um conceito, notar que a Matemática nao e estátí-
Também ocorrem discussões importantes em torno da própria Histó- ca e definitiva;
ria da Matemática como objeto, assim como em relação ao impacto de seu • estudo histórico de algum tópico para entender melhor as dificul-
uso no ensino e aprendizagem da Matemática. Destacamos duas aborda- dades enfrentadas hoje pelos alunos. Essa abordagem parte da p:~-
gens que produzem reflexões distintas em ambientes de estudo: a primeira missa de que o desenvolvimento histórico dos conceitos matema~-
trata da presença implícita da História. Nesse caso, as pesquisas podem ava- cos pode ser considerado como uma seqüência de pelo menos d~15
liar, no professor, mudança em sua percepção e compreensão da Matemáti- estágios - o intuitivo e o já desenvolvido, podendo haver uma dIS-
ca - o professor passa a ver a Matemática como um processo contínuo de tância de vários séculos entre eles.
reflexão e progresso, ao invés de uma estrutura definida e composta de
verdades irrefutáveis e inquestionáveis ou, também, a perceber a Matemá- Em qualquer um dos casos, há riscos e limit~~ões tais como a d~ficul~
tica não como uma seqüência de capítulos (Geometria, Álgebra, Análise), dade de entender processos usados por matematlcos antigos, se.n~o.fo
mas como um movimento entre diferentes modos de pensamentos. Haven- apresentado o contexto histórico; a apresentação isola~a. de fatos h~stonc~s
do mudança no professor, pode-se avaliar ainda como esta mudança vai pode dar uma falsa e truncada impressão da MatematI:a; a aprese~~açao
influenciar seu modo de ensinar ou qual o impacto dessa sua nova postura da visão histórica global pode nos levar a uma Educa~ao em Hl:t~na da
na aprendizagem de s,eus alunos. Matemática independente das necessidades da Educaçao MatematIca.
A segunda abordagem se revela quando a presença da História é ex- Algumas pesquisas divulgadas em pl.lblicações de vários países po-
plícita na situação de ensino. Nesse caso, a História pode fazer parte de
dem ser classificadas nas seguintes categonas:
uma abordagem global em termos de uma estratégia didática ou entrar de
uma forma local, sendo usada para o ensino de um tópico particular. Algu-
mas das abordagens que têm sido tratadas são: 2./. Pesquisas que Tratam de Questões Filosóficas, Multiculturais e Interdisciplinores
• método genético indireto de O. Toeplitz.? Esse método dá uma fun-
damentação a partir da qual o aluno pode avançar gradualmente Nesse aspecto, os estudos, questões e debates têm se colocado sob di-
de uma situação mais simples para a mais complicada. Nessa abor-
versas óticas, tais como:
dagem, o desenvolvimento histórico serve apenas como orientação
ao professor de um caminho a seguir, isto é, certos aspectos de um a) Filosofia e pensamento matemático.
conceito, que historicamente tem sido reconhecido e usado antes de b) Filosofia e desenvolvimento da ?\latemática.
outros, são provavelmente mais apropriados para se iniciar seu en- c) Filosofia da Matemática vcrS/lS Lógica Matemática.
sino do que modernas reformulações dedutivas;
d) Filosofia e escolhas educacionais.
• problemas antigos para o desenvolvimento de estratégias de pensa-
e) cultura e desenvolvimento das idéias matemáticas em diferentes
mento. Essa abordagem pode estimular alunos e professores a com-
sociedades.
f) aspectos multiculturais e interdiciplinares em reflexões epistemo-
2. Otto Toeplitz, falecido em 1940, ioi um renomado professor alemão de Matemática, que lógicas sobre Educação Matemática.
utilizou o chamado método genético indireto, considerando que tal método era o mais adequado
para superar as dificuldades que os estudantes enfrentam na passagem do Ensino Médio para a Além disso, são motivadas ou fu;d.a~entadas por reflexões que re-
universidade. Sua obra The Calculus: A Genetic Approach é o melhor representante da aplicação de
tal método.
conhecem a Matemática escolar como uma atividade cultural
171
EDUCAÇÃO MATEMÀTlCA
170 BICUDO • BORBA

A Matemática escolar reflete o aspecto mais amplo da Matemática como uma


a) as que tratam de experiências na formação inicial. Exemplos:
atividade cultural. Do ponto de vista filosófico, a Matemática precisa ser vista • encontrando um lugar para a História na formação de professor dê'
como uma atividade humana, tanto sendo feita a partir de culturas individuais Matemática Elementar - uma experiência em Hong Kong:"
como também destacando-se sem privilegiar qualquer uma dessas culturas. Do
• um programa pré-serviço para professores primários, implementa-
ponto de vista interdisciplinar, estudantes adquirem conhecimento tanto da Ma-
temática como de outros assuntos enriquecidos através da História da Matemáti- do na Grécía e Chipre:"
ca. Do ponto de vista cultural, a evolução da Matemática vem de uma soma de • um módulo histórico para estagiários de escolas secundárias - uma
muitas contribuições provenientes de diferentes culturas.'
experiência na França:"
b) as que tratam de experiências na formação em serviço. Exemplos:
Também podemos identificar que algumas dessas questões giram em
torno do que se chama hoje História Social que, no âmbito da História da • um breve curso em serviço em História da Matemática - uma ex-
Matemática, podemos assim caracterizar: periência na Dinamarca:"
• o 'conceito de função em um treinamento em serviço - uma expe-
(...) a História da Matemática, como história das idéias, está estritamente ligada à
riência no Brasil."
história da humanidade (ou melhor, faz parte dela). Desta perspectiva nós temos
que analisar os contextos cultural, político, social e econômico nos quais essas
As dificuldades encontradas no desenvolvimento desses e de outros
idéias surgiram.'
projetos são de várias naturezas como, por exemplo, a deficiência ou pouca
confiança que o professor de Matemática (ou futuro professor) tem em seu
2.2. História da Matemática na Formação do Professor conhecimento sobre História, Política, ~conomia; anecessidade da coope-
ração de profissionais de outras áreas, filósofos, por exemplo; o compro-
Embora carente de avaliações efetivas, há uma intensificação no mo- misso com outros afazeres - outras disciplinas, no caso da formação pré-
vimento para integrar a História da Matemática na formação do professor. serviço, ou excesso de carga didática, no caso da formação em serviço.
As funções básicas da História da Matemática nessa formação podem ser
resumidas em:
• levar os professores a conhecer a matemática do passado (função 23. História da Matemática e sua Incorporação em Solo de Aula
direta da História da Matemática);
Este item está diretamente ligado ao anterior, pois o ensino da Histó-
• melhorar a compreensão da Matemática que eles irão ensinar (fun-
ria da Matemática tem obtido reais avanços no âmbito das universidades,
ções metodológica e epistemológica);
mas ainda são bastante tímidas as iniciativas ou o interesse em levar a His-
• fornecer métodos e técnicas para incorporar materiais históricos em
sua prática (uso da História em sala de aula);
• ampliar o entendimento do desenvolvimento do currículo e de sua 6. Fung, Hong Kong: On Finding a Ptace for Hisfory i1l Primary Mat11emafics Teacher Education, in
profissão (História do Ensino de Matemática)." Fauvel & Maanen, 2001, p. 110.
7. Philippou & Christou, A Pre-Serrice programme for Primary Tcachers Implemcnted in Creee,
As pesquisas que visam a incluir aspectos históricos na formação do and Cypl'US, in Fauvel & Maanen, 2001. P: 113.
8. Cousquer, France: A Historical Module for Secondary Sc11001Trainees, in Fauvel & Maanen,
professor podem ser subdivididas em:
2001, p. 127.
9. Heiede, Denmark: A Very Short ln-Sertnce Course in the Hislory of Mathemalics, in Fauve! &

3. Fauvel & Maanen, 2001, p. 39, tradução nossa. Maanen, 2001, p. 131.
10. Carvalho, Brazil: The Concepl oj Function in l,,-Service TrainiMg, in Fauvel & Maanen, 2001,
4. FauveJ &: Maanen, 2001, p. 40, tradução nossa.
5. Fauvel & Maanen, 2001, p. 110, tradução nossa. p.137.
..
_ _-_._--_._--_._----------------- .. .

173
172 . BICUDO • BORBA EDUCAÇÃO MATEMÃTICA

tória da Matemática a alunos de Ensinos Fundamental ou Médio. Uma das g) usar a dramatização ou produção de textos para sensibilizá-los so-
razões poderia ser o fato de que normalmente o professor que ensina His- bre as realidades do passado e presente, apresentando as dificulda-
tória da Matemática em instituições de nível superior não é o mesmo das des e diferenças de cada época.
instituições de ensino básico. E, quando encontramos algum professor se-
cundário ensinando História da Matemática, num viés pedagógico, geral- Outra questão que surge a partir disso é: Como fundamentar, ilustrar,
mente é por diletantismo, um trabalho amador, e não porque ele tivesse realizar ou implementar tais ações? Essa é a grande e mais polêmica ques-
sido treinado para tal. Embora lentamente, em alguns países isto está mu- tão. Até o momento não há consenso estabelecido. Embora tenhamos vá-
dando. E, para que essa mudança ocorra, é preciso, em primeiro lugar, que rios exemplos de experiências realizadas, as avaliações são excessivamente
os professores dos Ensinos Fundamental e Médio recebam capacitação que acanhadas, não permitindo, ainda, estabelecer parâmetros de conformida-
os torne aptos a entender sobre a História da Matemática e a conectá-la aos de. Vamos listar algumas formas de integrar a História da Matemática em
conteúdos trabalhados em sala de aula. sala de aula, mas observamos que qualquer uma delas apresenta dificulda-
Assim, as experiências que geram essas mudanças estão ocorrendo, des inerentes à própria atividade, além de requerer preparo e disposição
apesar dos diversos argumentos desfavoráveis à utilização da História em do professor que vai colocá-Ia em prática. Destacamos:
sala de aula. Acredita-se que a História da Matemática seja um instrumen- a) desenvolvimento de projetos inspirados pela História. Exemplos:
to que destaca o valor da Matemática em sala de aula e mostra aos alunos a • uma introdução heurística à análise inspirada pelo seu desenvolvi-
amplitude da mesma, fazendo-os perceber que a Matemática vai muito além
mento hístórico:"
dos cálculos. Além disso, acredita-se também que a História da Matemáti-
• como a História pode ajudar no ensino de conceitos probabilísticos:"
ca pode apoiar diversas necessidades educacionais e promover mudanças.
13
Neste sentido, o uso da História da Matemática pode servir a diversas si- • trigonometria istórica:
na or d em histó
tuações, dentre as quais as seguintes:
b) Aspectos culturais da Matemática numa perspectiva histórica.
a) apresentar a História da Matemática como elemento mobilizador
em salas de aulas numerosas ou com alunos que apresentam difi- Exemplos:
culdades de aprendizagem; • sistemas numéricos e suas representações;l"
b) usar a História da Matemática na educação de adultos, promoven- • teorema de Pitágoras em diferentes culturas:"
do a oportunidade ao aluno de observar, ao longo da história, o
esforço de pessoas para superar dificuldades semelhantes àquelas c) Tratamento detalhado de exemplos particulares. Exemplos:
que eles próprios possam estar vivenciando; • como conceitos elementares de geometria euclidiana foram usados
c) apresentar as idéias da História da Matemática a alunos bem dota- para resolver problemas de sobrevivência em tempos passados:"
dos, que possam estar se sentindo desestimulados perante a classe,
satisfazendo ou dando respostas a questionamentos tais como "o
11. Schneider, A Heuristu: IlllroductiVllloAn/ysis IlIlp/icit/y Insl'ir"d /Jy its Historical De1,el°PIlle>lI,
quê?", "como?", "quando?";
in Fauvel & Maanen, 2001, p. a5.
d) utilizar a História da Matemática como estímulo ao uso da biblioteca; 12. Lakoma, Hot» ;>;Iay History Help the Teaching ofProbabilistic COIlC<,ptS?, in Fauve\ & Maanen,

e) humanizar a Matemática, apresentando suas particularidades e fi- 2001, p. 248 .


. 13. Katz, Trigonometry i/1 the Historical Order, in Fauvel & Maanen, 2001, p. 252.
guras históricas;
14. FitzSimons, Heiede & Zhou Zhang, Nllmber Syslems and their Representations, in Fauvel &
f) empregar a História da Matemática para articular a Matemática com Maanen, 2001, p. 253. . ••
outras disciplinas como Geografia, História e Língua Portuguesa 15. Sheng Homg, Tne PytlwgoremI Theorem ir! Different C/llI"res, in Fauvel & Maanen, 2001, P: 258.
(expressão em linguagem, interpretação de texto, literatura); 16. Carvalho, SII1'C'eyors' Problelll5, in Fauve! & Maanen, 2001, p. 273.
,-.,.

BICUDO • BORBA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 175

• teoria da proporção e a geometria de áreas;" Assim, o uso desse recurso possibilita discutir vários aspectos:
• a relação entre Geometria e Física:" • o valor específico e a qualidade de fontes primárias;
• a compreensão da evolução das idéias;
d) Aperfeiçoando o conhecimento matemático, por meio da' História
da Matemática. Exemplos: • a relatividade da verdade e a dimensão humana da atividade mate-
mátíca;
• História da Educação Matemática:"
• as relações entre Matemática e Filosofia;
• ensinando Matemática no segundo grau numa perspectiva histórica:"
• as perspectivas em Educação Matemática;
• a História e a educação de adultos - ensinando sobre e por meio da
História e Etnomatemática." • a integração de fontes primárias em cursos de formação de professor;
• a integração de fontes primárias em sala de aula;
Também o uso de fontes originais como recurso tem sido observado, • as estratégias didáticas para integrar fontes.
mas dentre as várias atividades possíveis, para as quais os aspectos históri-
cos podem ser integrados ao ensino de Matemática, o estudo de uma fonte As dificuldades inerentes à utilização de fontes históricas podem se tor-
original é a mais exigente e que demanda mais tempo. Em muitos casos, nar mais amenas nos casos em que se pode lançar mão de recursos não-con-
uma fonte requer um entendimento detalhado e profundo da época em vencionais, tais como programas computacionais, www.dramatização.Es-
que foi escrita, do contexto geral de idéias, além do entendimento da lín- ses recursos, quando disponíveis, podem oferecer oportunidades de melho-
gua. Podemos destacar três idéias gerais que poderiam descrever melhor rar ou mesmo de que aconteçam experiências educacionais importantes. •
os efeitos de estudar uma fonte. Estas são as noções de:
• substituição: permite ver a Matemática como uma atividade intelec-
tual ao invés de apenas um corpo de conhecimento ou um conjunto
lAs Pesquisas Desenvolvidas pelo GPHM
de técnicas;
Em Rio Claro, desde os primórdios da implantação do Departamento
• reorientaçãb: a História nos lembra que alguns conceitos matemáti- de Matemática, a História da Matemática teve adeptos. Como exemplos,
cos foram criados e que isso não ocorreu por geração espontânea; podem ser citados os professores Ubiratan D' Ambrosio, Rubens Gouvea
• compreensão cultural: a História nos convida a colocar o desenvolvi- Lintz e Irineu Bicudo, que passaram pelo Departamento e, apesar de não
mento da Matemática no contexto científico e tecnológico de um terem a História da Matemática como suas principais linhas de pesquisa,
período particular e na história das idéias e sociedades, e também a sempre demonstraram grande interesse pela área. Há vários anos, a disci-
olhar a História do Ensino da Matemática a partir de perspectivas plina História da Matemática figura como disciplina obrigatória aos cursos
que se encontram fora das fronteiras estabelecidas pelos conteúdos de bacharelado e licenciatura deste departamento. A partir de meados da
das disciplinas. década de 90, foi formado o Grupo de Pesquisa em História da Matemática
(GPHM), registrado no CNPq. Este Grupo de Pesquisa, cujos professores
responsáveis são Marcos Vieira Teixeira, Rosa Sverzut Baroni e Sérgio No-
17. Correia de Sá, TIleory oj Proportion and the Geometry of Areas, in Fauve! & Maanen, 2001, P: 276, bre, foi, e continua sendo, o promotor de diversas atividades acadêmicas
18. Tzanakis, The Relation betuieen Geometry and Physics: An Example, in Fauvel & Maanen, 2001, voltadas à História da Matemática, que foram realizadas no campus. Den-
p.283.
tre estas atividades, destacam-se:
19. Cispert & Keung Siu, History of Mathematics Education, in Fauve! & Maanen, 2001, p. 286.
20. Katz, Teaching Secolldary Mathemaiics in a Historical Perspective, in Fauve! & Maanen, 2001,
• Simpósio sobre História das Ciências (1995);
p.288. . • II Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática e II Seminário Nacio- .
21. Cail FitzSirnons, Adult's Mathematics Educational Histories, in Fa';lvel & Maanen, 2001, p. 289. nal de História da Matemática (1997, realizado em Águas de São Pedro);

. ..
176 BICUDO· BORBA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 177

• Jornadas Unespianas de História da Matemática (6 encontros: Memória o tema relativo à investigação sobre a História da Matemática e da
X História, 1998; 1958-1998 - 40 anos de Departamento de Matemática Educação Matemática no Brasil é amplo e pode ser desenvolvido através
da FFCL Rio Claro, 1998; Matemática: Invenção ou Descoberta?, 1999; de diferentes subtemas. Em nosso Grupo de Pesquisa, abrimos algumas
David Hilbert e os Problemas Matemáticos para o Século XX .:..-Cem Anos frentes de investigação, e delas resultaram, ou ainda estão em andamento,
de História, 2000; 70 Anos de Vida - 50 anos de Matemática: Relatos alguns trabalhos científicos. Apresentamos abaixo os itens:
Pessoais sobre a História Recente da Matemática no Brasil, 2001; Colóquio
Mário Tourasse Teixeira, 2003);
• Seminários Avançados de História da Matemática; 3./. História /nstitucional - História de Personagens
• V Seminário Nacional de História da Matemática (2003).
o objetivo principal deste projeto de pesquisa é realizar estudos histó-
Ainda em termos de organização de atividades acadêmicas, membros ricos voltados às instituições educacionais que contribuíram para o desen-
do Grupo de Pesquisa em História da Matemática participam ativamente volvimento da Matemática no Brasil, com ênfase no Estado de São Paulo.
da organização dos eventos nacionais e de alguns eventos internacionais. Os primeiros trabalhos científicos realizados nesse sentido dizem respeito
Deve-se destacar que um dos coordenadores do GPHM é o representante às primeiras escolas de ensino superior em Matemática no interior do Esta-
brasileiro na Comissão Internacional de História da Matemática. Destaca- do de São Paulo. Foram pesquisadas as origens de três instituições de ensi-
se também a participação ativa de membros do GPHM na Sociedade Brasi- no superior do interior do Estado, que foram pioneiras no campo da Mate-
leira de História da Matemática - SBHMat - , que, por sinal, possui sua mática: o curso superior de Matemática da atual Pontifícia Universidade
sede nacional nas dependências do Departamento de Matemática da Católica de Campinas, criado em 1942, o curso de Engenharia da Escola de
UNESP-Rio Claro. O secretário-geral e o tesoureiro da SBHMat são docen- Engenharia da USP - São Cartas, criado em 1953 e o curso superior de
tes deste Departamento. O editor e uma das co-editoras da Revista Brasileira Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, atual
de História da Matelllátiéa: an Intern~tiol1al [ournal 0/1 the History of Mathematics Unesp-carnpus de Rio Claro, criado em 1958. Os resultados inicialmente
- ISSN 1519-955X -, publicação científica da Sociedade, também são mem- alcançados no desenvolvimento destas pesquisas abriram novos horizon-
bros do GPHM. As atividades científicas implementadas pelo GPHM se tes para que outras pesquisas específicas pudessem ser realizadas. Algu-
centralizam nas pesquisas realizadas por seus professores-coordenadores, mas pesquisas relativas a temas específicos decorrentes dessas primeiras
por alunos que freqüentam as reuniões do Grupo e por professores que, pesquisas realizadas também já foram concretizadas. Um exemplo é a pes-
embora não participem regularmente das atividades do Grupo, mantêm quisa realizada sobre um movimento de Educação Matemática organizado
vínculo através da afinidade nas pesquisas. na UNESP-Rio Claro. Este movimento, intitulado S.A.P.O. - Serviço
A História da Matemática no Brasil está intimamente ligada à Histó- Ativador em Pedagogia e Orientação - que esteve em atividade em mea-
ria da Educação Matemática no Brasil, pois, seja qual for o domínio do co- dos da década de 1970, pode-se dizer, serviu como mola propulsora para o
nhecimento matemático produzido no Brasil, de alguma forma, ele estará movimento acadêmico que culminou com a organização institucional do
vinculado a questões educacionais. Uma outra razão para tal vinculação Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática na mesma institui-
diz respeito ao fato de que, para se investigar a história do movimento de ção. Tanto o trabalho referente à história da Faculdade de Filosofia, Ciên-
Educação Matemática no Brasil, também deve ser levado em consideração cias e .Letras, como o trabalho referente ao S.A.P.O., são documentos histó-
o fato de que, juntamente com as questões educacionais, protagonistas des- ricos que se acrescentam à história do Programa de Pós-Graduação em Edu-
te movimento, sejam eles instituições ou indivíduos, tiveram participações cação Matemática, que no ano de 2004 completa 20 anos de existência.
essenciais para o desenvolvimento científico da Matemática no país. Neste Uma outra investigação científica, abordada pelo Grupo de Pesquisa
~5enl'ido, optamos por considerar estas duas áreas de investizacão
o
científica
>
em História da Matemática, referente ao tema Instituições, diz respeito a
como uma única. investigações históricas sobre a Academia Real Militar e à criação dos pri-
178 BICUDO • BORBA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
179

meiros cursos acadêmicos, ligados à Matemática, no Brasil. Assim como no de grande pertinência em nossas investigações científicas. A organização
item anterior, este também nos forneceu diferentes caminhos, que passam de imigrantes alemães no Brasil e suas contribuições para o desenvolvi-
pela análise histórica sobre o desenvolvimento curricular na instituição aci- mento da Matemática escolar em suas comunidades, o que possibilitou a
ma referida, e também em outras, onde são investigados os desenvolvi- transferência destas contribuições para o sistema educacional brasileiro,
mentos históricos de determinados conteúdos matemáticos e também de também ~ uma área de grande interesse para as pesquisas desenvolvidas
disciplinas presentes nos currículos de algumas instituições. Exemplos de pelo Grupo. Neste aspecto, destaca-se a relevância de editoras específicas,
temas de pesquisa desenvolvidos referentes a este assunto são: desenvolvi- algumas situadas na região sul do país, que atendiam o professorado ale-
mento histórico da Estatística no Estado de São Paulo; as primeiras disser- mão no Brasil, e suas publicações de materiais didáticos em Matemática.
tações de doutorado defendidas no Brasil; o desenvolvimento da discipli-
na Cálculo Diferencial e Integral na Escola Politécnica de São Paulo; o apa-
recimento do Teorema de L'Hospital no decorrer dos tempos em livros di- 3.2. História da Matemática Luso-Brasileira
dáticos de Cálculo Diferencial e Integral; a história da introdução da disci-
plina Cálculo Numérico em cursos superiores de Matemática no Brasil; a Classificamos o assunto História da Matemática Luso-Brasileira, como
história da introdução de conteúdos considerados como "matemática finita" um complemento ao tema geral História da Matemática e da Educação
em cursos dos Ensinos Fundamental e Médio no Brasil. Matemática no Brasil, pois, assim como não se pode desconectar a História
Diretamente ligado ao tema história de instituições, está a história de da Matemática da História da Educação Matemática, ambas têm também
fortes ligações com a História da Matemática em Portugal. Para implernen-
personagens que atuaram nessas instituições e deram grande contribuição
ao desenvolvimento da Matemática e da Educação Matemática no Brasil. tar este tema, como parte de nossas investigações histórico-científicas, foi
realizada uma pesquisa na Biblioteca Nacional, na cidade do Rio de Janei-
Uma pesquisa desenvolvida no Grupo de Pesquisas teve como tema" A
ro, com vistas a se ter uma noção sobre os títulos de Matemática ali existen-
Participação da Mulher no Movimento da Matemática e da Educação Ma-
tes. Desta pesquisa surgiram outras que culminaram em trabalhos científi-
temática no Brasil". Outras pesquisas estão começando a ser desenvolvi-
cos. O elo de ligação entre o desenvolvimento da Matemática em Portugal
das, através da pesquisa histórica sobre a vida e a contribuição à Matemáti-
e Brasil foi assunto de alguns trabalhos realizados em nosso Grupo de Pes-
ca de docentes que atuaram na fundação de algumas instituições no inte-
quisa. Trabalhos de Pedra Nunes, Manoel de Azevedo Fortes, José Fernan-
rior do Estado de São Paulo, com destaque ao Prof. Mário Tourasse Teixeira
des Pinto Alpoím, dos jesuítas Inácio Monteiro e Monteiro da Rocha e de
e Prof. Nelson Onuchic, que foram fundadores do Departamento de Mate-
Anastácio da Cunha foram temas de trabalhos científicos desenvolvidos.
mática da UNESP-Rio Claro, sendo que o Prof. Nelson Onuchic também
teve brilhante participação na Escola de Engenharia da USP de São Carlos.
Contribuições institucionais para o desenvolvimento da Matemática 3.3. História da Matemática e sua Incorporação em Sala de Aula
e da Educação Matemática no Brasil não se restringem somente aos institu-
tos superiores. Há também estabelecimentos educacionais de Ensino Fun- Este tema é considerado pelos coordenadores do GPHM como o mais
damental e Médio, estabelecimentos gráfico-editoriais, comunidades reli- delicado, pois requer aprofundamentos tanto na parte histórica do conhe-
giosas, associações de professores, enfim, esse tema toma grandes propor- cimento abordado, como na parte educacional. Apesar de ser um consenso
ções quando são consideradas outras instituições externas ao meio acadê- entre diversos pesquisadores de que a História da Matemática é um recur-
nuca. Em muitas das instituições acima citadas, encontra-se rico material so pedagógico a ser incorporado à sala da aula poucas são as pesquisas e
para a pesquisa em História da Matemática e Educação Matemática no Brasil. experiências realizadas em todo o mundo, e, como pudemos ver na primei-
Algumas pesquisas que apontam para este direcionamento foram realiza- ra parte deste texto, diversos são os argumentos favoráveis e contra essa
das em nosso Grupo de Pesquisa. A contribuição de jesuítas para o desen- incorporação. Levando em conta esses argumentos e questionamentos, po-
volvimento científico e da Matemática no Brasil, por exemplo, é um tema demos dizer que um trabalho dessa natureza requer a realização de pelo

. ..
180 BICUDO • BORBA EDUCAÇÂO MATEMÁTICA 181

menos as seguintes tarefas: fazer um levantamento, em livros de História e mática de um ponto de vista de Educação Matemática como História da
trabalhos de pesquisa, sobre a história do conteúdo a ser incorporada; re- Matemática ou, se desejarmos, de um ponto de vista da História da Mate-
fletir sobre como a história daquele conteúdo pode ser incorporada ao seu mática como Educação Matemática.
ensino; propor formas de trabalho que incorporem um conteúdo com a sua O Ensino de Matemática é apresentado como toda prática que procura
história; oferecer um material que possa ser utilizado pelos professores em se justificar por meio da existência de uma única Matemática de caráter
sua prática docente. Uma das exigências que temos feito para um aluno universal, e que atribui para si, como missão, a transmissão dessa Matemá-
realizar uma pesquisa, nesse tema, é que ele tenha experiência como pro- tica da forma mais precisa possível, tendo por principal tarefa o melhor
fessor no nível de ensino em que a pesquisa será realizada. Alguns traba- conhecimento da própria Matemática. Diante dessa concepção, o Ensino
lhos investigativos relativos a este tema foram desenvolvidos no Grupo de de Matemática acredita em uma História da Matemática que revele esta
Pesquisa. Os temas abordados são: um estudo relativo à concepção que Matemática. Os fatos históricos acabam conectados por uma lógica impos-
alguns professores de Matemática possuem sobre a História da Matemáti- ta de forma implícita que, em última análise, é a de uma concepção de
ca; propostas de trabalho com elementos históricos, visando a conteúdos Matemática.
matemáticos em instituições de nível superior - neste âmbito foram tra-
A Educação Matemática é apresentada como toda prática que consi-
balhados os temas de Geometria e Análise Matemática - que passaremos
dera determinar e ser determinada por uma concepção de Matemática. A
a descrever,
Educação Matemática considera suas práticas e a Matemática instituídas
de forma concomitante. Nesse caso, a Matemática abandona seu caráter
Dois Exemplos
absoluto e adquire um caráter de relatividade e subjetividade. Nessa
Algumas pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisa relacionam concepção, a História da Matemática não necessita ocupar uma posição
História da Matemática e Educação Matemática, objetivando produzir re- auxiliar, objetivada exclusivamente para motivar um suposto Ensino de
flexos na sala de aula, quer de forma direta, quer indireta. Em arnbçs os Matemática. Aqui, a História da Matemática se justifica em si mesmo como
casos, a tentativa é responder a uma questão mais ampla: Como a História um espaço que considera a existência de distintas concepções-de Matemá-
da Matemática pode ser concebida e trabalhada no âmbito da Educação tica e, à medida que mostra a existência de uma variedade de Matemáticas,
Matemática de modo a provocar mudanças no ensino e aprendizagem da cada uma delas definida em um contexto histórico, relativiza o termo "Ma-
Matemática? temática".
A dissertação de mestrado Um Contexto Histórico para Análise Ivuüemá- Diante disso, é mostrado um contexto histórico para Análise Matemá-
tica para uma Educação Matemática, defendida em junho de 2003 por Marcelo tica como exemplo de considerações de História da Matemática, do ponto
Salles Batarce, caracteriza duas práticas educacionais distintas, mostra o de vista da Educação Matemática. Nesse aspecto, concebe-se a Análise
papel da História da Matemática em relação a cada uma delas, e exemplifica Matemática não apenas como uma tentativa de fornecer rigor e fundamen-
uma dessas caracterizações utilizando conceitos da Análise latemática. to ao Cálculo, mas como um conjunto de objetos histórico-matemáticos,
O procedimento, no caso, partiu da divisão da pesquisa em duas par- que criaram necessidades que não existiam, e para elas dispensaram esfor-
tes. Na primeira, apresenta suas concepções de Ensino de Matemática e de ços que culminaram em uma crise de fundamentos e no estabelecimento de
Educação Matemática, mostrando em que diferem, e como essa diferença novas concepções. Nesse caso, o exemplo se dá por meio de agrupamento
se reflete no uso da História da Matemática - a História da Matemática de objetos da História da Matemática, sugerindo elos que permitem tal
pode significar mais do que uma área essencialmente metodológica, agrupamento, de modo a formar uma História da Matemática para a Edu-
desenvolvedora de ferramentas para o Ensino de Matemática, significan- cação Matemática. Assim, a intenção não é contar a história de uma Análise
do, porém, ela própria, uma Educação l\;1atemática. Na segunda parte, apre- Matemática pré-concebida, mas sugerir uma caracterização da Análise
senta um exemplo de como se pode considerar um conteúdo matemático Matemática, através da História, que possa distingui-Ia de outros objetos
(Análise Matemática) diante desta concepção, ou seja, fala-se sobre Mate- matemáticos.
182 t1CUDO • BO RBA
EDUCAÇÃO MATEMA TlCA
183

A História da Matemática, concebida como uma Educação Matemáti-


ser vistos de forma isolada, mas que se leve em consideração o contexto
ca, sustenta um foco alternativo para o ensino de Análise tãó plausivel quan-
social, político e cultural em que esse conhecimento foi gerado, é feita urna
to aquele considerado nos cursos tradicionais, levando a reflex~es :obre o.s
breve história das civilizações e grupos sociais, restringindo-se à época em
objetivos da Análise na formação de professores. Mas a questao nao se lI-
que as idéias e métodos geométricos, que mais tarde analisa, se desenvol-
mita a apresentar uma proposta de melhoria no ensino de Análise, mas
veram. Esse material oferece aos professores e aos futuros professores a
pretende eliminar a crença da preexistência de um objeto determinante das
oportunidade de conhecerem e refletirem sobre o ambiente físico, e o con-
práticas de ensino.
texto político-social-econômico em que certos conhecimentos geométricos
Essa postura diante da História da Matemática como Educação Mate- foram gerados.
mática, exemplificada num contexto da Análise Matemática, abriu pers-
Os conhecimentos geométricos de diversos povos e civilizações, sobre
pectivas para o grupo aprofundar questões do tipo: Como a disciplina Aná-
o círculo e o quadrado, o trapézio isósceles, a pirâmide e o tronco da pirâ-
lise Matemática foi constituída nos cursos de Matemática, no Brasil?; Quais
mide, a esfera, o cone e os cilindros são então analisados, ressaltando-se os
as causas das dificuldades enfrentadas pelos alunos de licenciatura em
aspectos associados a rituais religiosos, à astronomia, arquitetura e tecela-
Matemática na disciplina Análise Matemática": Qual o entendimento que o
licenciando tem dos números reais quando sai para sua prática? Tais ques- gem, em que essas formas foram incorporadas à cultura de cada um dos
tões têm sido analisadas por alguns membros do grupo e encaminhadas povos. Durante essa análise, são feitas inúmeras indicações de como incor-
por projetos individuais, um de mestrado e um de doutorado. porar o conhecimento geométrico desses povos a um curso de Geometria,
seja no Ensino Fundamental e Médio, seja na formação de professores.
A tese de doutorado Aspectos do DCSCIlVOL-uiIllCllto do Pensamento Geomé-
trico elil AlglilllGS Cioiliinçõcs e POc'M e G Formação de Professores, defendida Abordando aspectos do desenvolvimento artístico e da produção de
em agosto de 2003 por Maria Terezinha Jesus Gaspar, é um trabalho teóri- artefatos dos povos referidos, é apresentado um estudo sobre o desenvol-
co, de levantamento bibliográfico e organizacional do material encontrado vimento do conceito de simetria.
em livros de História da Matemática, e trabalhos de pesquisa sobre as tra- Por fim, é feito um estudo sobre o aparecimento do chamado" Teorema
dições geométricas na China, Índia, Egito e Babilônia, de indígenas brasilei- de Pitágoras" em algumas civilizações.
ros e de alguns povos africanos, com algumas indicações de como trabalhar
Essa tese foi base para o texto do minicurso "Explorando a Geometria
o conhecimento geométrico na formação de professores do Ensino Funda-
através da História da Matemática e da Etnomatemática", ministrado no V
mental e Médio, tomando como referência a dimensão histórica.
Seminário Nacional de História da Matemática, publicado na Coleção His-
Após uma reflexão sobre a Geometria como um objeto de ensino, que tória da Matemática para Professores da SBHMat.
procura responder à questão: Por que estuda~ Geo~etria em u~ c~r~o de
formação de professores?, apresenta uma discussão sobre a História da Dissertações Defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação
Matemática como referencial pedagógico para o ensino da geometria, con- Matemática
cluindo, sem evocar o princípio genético, que uma abordagem histórica na
Educação Matemática pode ser eficaz na criação de uma abordagerr: peda- Mestrado:
gógica para o Ensino de Matemática que leve em conta o desenvolvimento A Regra de L'Hospital no Habitai Livro-Texto: Uma Análise do Discurso de Al-
cognitivo dos alunos, e no reconhecimento dos modos de argumentar dos guns Autores
estudantes como correspondentes a problemas do passado. Discute, então,
Autora: Cláudia Laus Ângelo; Orientador: Sergio Nobre
modos de incorporar a História da Matemática nas aulas de Matemática e
o papel da História da Geometria na formação de professores.
História e Ensino da Matemática: Um Estudo sobre as Concepções do Professor do
Considerando que o uso da dimensão histórica exige que o conheci- Ensino Fundamental
mento matemático e os modos de lidar com esse conhecimento não devam
Autora: Romélia Mara Souto; Orientado r: Sergio Nobre

. "
" .

184
BICUDO • BORBA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 185

A Participação Feminina na Matemática e na Educação Matemática no Brasil Felix Klein: Uma Visão do Cálculo lnfinitesimal no Ensino Médio
Autora: Margarida Mendonça; Orientador: Sergio Nobre
Autora: Maria Eli Puga Beltrão; Orientadora: Rosa L. S. Baroni

Modelos Geocêntricos de Platão a Piolomeu: Uma Contribuição para o Ensino da o Doutorado em Matemática no Brasil: Um Estudo Histórico Documentado
Geometria
Autora: Célia Peitl Miller; Orientadora: Rosa L S. Baroni
Autor: Nelson Peruzzi; Orientador: Sergio Nobre
Um Contexto Histórico para Análise Matemática para uma Educação Matemática
Uma Abordagem Histórica do Desenvolvimento da Estatística no Estado de São
Paulo Autor: Marcelo SalIes Batarce; Orientadora: Rosa L. S. Baroni

Autor: Antonio Rodolfo Barreto; Orientador: Sergio Nobre


Doutorado:

A História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro e suas Contri- George Green e o Cálculo de Variações: Aspectos Epistemológicos numa Perspecti-
buições para o Movimento de Educação Matemática va Histórica.
Autora: Suzelí Mamo; Orientador: Sergio Nobre Autor: Marcos Vieira Teixeira: Orientador: Ubiratan D' Ambrósio

o Movimento do S.A.Po. - Serviço Ativador ení Pedagogia e Orientação _ e Aspectos do Desenvolvimento do Pensamento Geométrico em Algumas Civiliza-
Algumas de suas Contribuições para a Educação Matemática ções e Povos e a Formação de Professores
Autora: Nádia Regina Baccan; Orientador: Sergio Nobre Autora: Maria Terezinha Jesus Gaspar; Orientado r: Sergio Nobre

A Obra "Lógica Racional, Geométrica e Allalítica"(1744) de "dal/oel Azeoedo For-


tes (1660-1749): Um Estudo das Possíveis Contribuições para (1 Desenvolvimento Bibliografia
Educacional l-uso-Bmsileiro
BATARCE, M. S. UIIl COIltt>xto Historicopnn: An.ili-: Matemática para uma Educação fVlate-
Autora: Dulcyene Maria Ribeiro; Orientador: Sergio Nobre
nuitica. Dissertação de mestrado. Rio Claro: Unesp. 2003.
FAUVEL J. & VA: MAANEN, J. (eds.). Histortl 111 f.rlatlzematics Education - tire [OvIl
Panorama Histórico do Conceito lrfinitesinml: Estudo de Parte da Obra "Princípios
Stud«. Holland: Kluwer Academic Publishers, 2000.
Mathelllaticos" de José Anastácio da Cunha
GASPAR, ~t T. J. Aspectos do Descnootrimento do P"'lSlImellto Geométrico em Algumas Civi-
Autor: Inocêncio Fernandes Balieiro Filho; Orientadora: Rosa L S. Baroni lizações e POL'OSe a Formação de Professores. Tese de doutorado. Rio Claro: Unesp,
2003.
Uma Investigação sobre as Origens dos Espaços vetoriais e a Evolução da Atuilise
Geométrica de Leibni; até Grassniann
Autor: Plínio Zornoff Táboas; Orientadora: Rosa L S. Baroni

A Escola de Engenharia de São Carlo« e a Criação de um Curso de Matemática


Autora: Fernanda dos Santos Menino; Orientadora: Rosa L S. Baroni

História da Criação do Curso de Matemática na Pontifícía Universidade Católica


de Campinas •
Autora: Adriana de Bortoli; Orientador: Marcos V. Teixeira
POR QUE E COMO ENSINAR HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

WHY AND HOW TO TEACH HISTORY OF MATHEMATICS

Ubiratan D’Ambrosio
Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN – Brasil

Resumo
Neste trabalho discuto a História da Matemática sob enfoque teórico que
considera a origem do pensamento matemático como estratégias desenvolvidas
por comunidades para sua sobrevivência e transcendência. Nesse enfoque, ouve-se
a população em geral, não somente os acadêmicos. Recorro à linha historiográfica
que vai ganhando importância que é sobre os chamados ”invisible actors”. A
partir daí, procura-se entender a evolução dos instrumentos materiais (artefatos)
e intelectuais (mentefatos) que se organizam como métodos e teorias que levam a
invenções e inovações. Dentre esses instrumentos destaca-se a Matemática, objeto
das reflexões deste trabalho.

Palavras-chave: História. Matemática. Educação. Educação Matemática.

Abstract
In this paper I discuss the History of Mathematics under an approach
that considers the origins of mathematical thought as strategies developed by
communities for their survival and transcendence. In this approach, we listen to
the population in general, not only to academics. The theoretical resource is the
“invisible actors”, an historiographic line that is gaining importance. This leads
to seeking to understand the evolution of material (artifacts) and intellectual
(mentefatos) instruments, organized as methods and theories that lead to inventions
and innovations. Among these instruments the role of Mathematics is the object of
the reflexions of this paper.

Keywords: History. Mathematics. Education. Mathematics Education.

Á guisa de introdução
O tema é vasto e dá origem a inúmeros desencontros. Diversas correntes
historiográficas sugerem enfoques diferentes ao tema. O próprio conceito de
historiografia é muito controvertido. Basicamente, há dois grandes modos de
significar a palavra Historiografia: i) o conjunto de fontes e estudos de fatos e
eventos do passado; ii) o estudo de métodos e estilos de relatar e explicar,

REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013 7


analisar e interpretar fatos, eventos, personagens, instituições do passado e suas
consequências sociais.
Essas duas grandes correntes possibilitam uma grande variedade de
concepções e se complementam. 1
Tentar enquadrar a História da Matemática em alguma das várias concepções
de historiografia causa sérias limitações. Minha posição é dar à História da
Matemática um enfoque teórico que considera a origem do pensamento matemático
como estratégias desenvolvidas por comunidades para sua sobrevivência e
transcendência. Nesse enfoque, destaco aspectos socioculturais e pedagógicos das
comunidades, com base em historiografias e metodologias que dão ouvidos aos
chamados ”invisible actors”. A partir daí, procura-se entender a maneira como
esses atores resolvem seus problemas e questionamentos mais imediatos para a
sobrevivência e a transcendência e, mediante sofisticados mecanismos cognitivos,
próprios da espécie humana, permitem a evolução dos instrumentos materiais
(artefatos) e intelectuais (mentefatos) que se organizam como métodos e teorias
que levam a invenções e inovações, o que é, em geral, denominado progresso.
O foco de minha proposta é refletir sobre uma variedade de tópicos
relevantes para entender como esses atores invisíveis aceitam seu papel na
comunidade, como justificam seu posicionamento, inclusive religioso, e como
aceitam ou questionam o sistema de valores e das ordenações jurídicas da
sociedade dominante. É também importante entender como são criadas estratégias
competitivas e cooperativas para lidar com as situações do cotidiano e para o
avanço social. Com esse enfoque no ensino espera-se desmistificar a visão dos
jovens que a matemática é produzida e praticada por uma elite dominante, e assim
evitar o que é tão comum entre os jovens, que é o que Paulo Freire lembra sobre
sua infância: “quando a gente falava em matemática, era um negócio para deuses
ou gênios.” Essa talvez seja uma das principais causas de a Matemática ser o
“bicho-papão” da escola. Há cerca de cinquenta anos venho defendendo esse
enfoque à História e à Filosofia da Matemática e explorando as suas implicações
pedagógicas. Naturalmente, minha proposta reflete o que tenho lido e ouvido em
livros e artigos, seminários e congressos e conversas pessoais. Muitas ideias deste
trabalho já foram apresentadas e discutidas em outras publicações minhas, o que
é inevitável.

Para quem e para que serve a História da Matemática


As propostas de Hans Freudenthal para um programa de História da
Matemática voltado à educação, são bem interessantes.

1 Charles-Olivier Carbonell, L’historiographie, Collection Que sais-je?, Presses Universitaires de


France, Paris, 1981.

8 REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013


É importante destacar que Hans Freudenthal (1905-1990) foi um dos
mais destacados matemáticos do século XX, com contribuições fundamentais
sobre Topologia Algébrica. Num certo momento de sua vida, já passados seus
sessenta anos, dedicou-se intensamente à Educação Matemática, tendo criado o
Instituto de Pesquisas em Didática da Matemática na Universidade de Utrecht, na
Holanda, hoje chamado “Instituto Freudenthal”.
Num trabalho de fundamental importância, publicado em 19812,
Freudenthal afirma que a história da matemática deveria ser um conhecimento
integrado à História Geral da humanidade e não apenas ao relacionamento de
temas e fatos da Matemática. Um fato isolado, descontextualizado do momento
sociocultural, geralmente dá uma impressão falsa.
Basicamente, Freudenthal propõe cinco questões norteadoras:
1. Por que isso não foi descoberto antes?
2. A partir de que problemas esse tema se desenvolveu?
3. Quais eram as forças que o impulsionavam?
4. Por que foi essa descoberta tão importante?
5. Por que foi ela praticamente não notada pelos seus contemporâneos (não
matemáticas) e continua assim até hoje?

É claro que ao responder a essas perguntas estaremos entendendo a


essência dos tópicos que estão no currículo, examinando as razões da geração
desse conhecimento e o que motivou seu aparecimento e sua inclusão nos sistemas
escolares.
Freudenthal também alerta para o perigo de se fazer uma história
anedotária, quando diz, nesse mesmo trabalho, que “notas históricas em livros
escolares muitas vezes são pequenas histórias, isoladas, muitas vezes enganadoras
e mais entretenimentos que verdades”. Porém, é possível fazer uma história
da matemática contextualizada, interessante e atrativa, evitando todas essas
distorções. Contextualizar não quer dizer fazer um texto menos rigoroso, impreciso
e “aliviado” de uma matemática correta.
Algumas questões preliminares se colocam para orientar a elaboração de
um currículo. A primeira é “Para quem serve a História da Matemática?” Vejo
como alvo os alunos, professores, pais e o público em geral. E logo em seguida
pergunto “Para que ensinar a História da Matemática?”. Tal questão foi abordada

2 Hans Freudenthal:”Should a mathematics teacher know something about the history of mathematics?”
For the Learning of Mathematics, vol. 2, n°1, July 1981.

REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013 9


por um grande historiador da matemática, Dirk Struik, num trabalho que nos foi
oferecido pelo próprio autor quando ele visitou o Brasil.3
Como mostra Struik, há um elenco de motivos para se ensinar História da
Matemática. Sintetizo vários motivos nos seguintes pontos:
1. para situar a Matemática como uma manifestação cultural, assim como
são manifestações culturais a linguagem, os costumes, os valores, as
crenças e os hábitos;
2. para mostrar que as manifestações culturais se dão, de modo diversificado,
em todos os povos e em todos os tempos;
3. para mostrar que a Matemática que se estuda nas escolas é uma das
muitas formas de Matemática desenvolvidas pela humanidade;
4. para destacar que essa Matemática teve sua origem nos primórdios das
civilizações e se organizou nas culturas da Antiguidade;
5. para saber que desde então a Matemática foi incorporada aos sistemas
escolares das nações colonizadas, se tornou indispensável em todo o
mundo em consequência do desenvolvimento científico, tecnológico e
econômico, e avaliar as consequências socioculturais dessa incorporação.

Esses pontos constituem a motivação para um Currículo de História da


Matemática. Vou dar algumas sugestões de como abordar esses temas motivadores.

Matemática como uma manifestação cultural


Matemática como manifestação cultural é muito mais que apenas manipular
notações e operações aritméticas, ou lidar com a álgebra e calcular áreas e volumes.
É principalmente lidar, em geral, com relações e comparações quantitativas e
qualitativas de conjuntos de objetos e de formas espaciais do mundo real, fazer
classificações e inferências.
É muito relevante a observação de Paulo Freire para dar sentido à
Matemática como manifestação cultural. Freire diz:
Eu não tenho dúvida nenhuma de que foi a nossa presença no mundo, que
implicou indiscutivelmente a invenção do mundo... Eu venho pensando
muito que o passo decisivo que nos tornamos capazes de dar, mulheres e
homens, foi exatamente o passo em que o suporte em que estávamos virou
mundo e a vida que vivíamos virou existência, começou a virar existência.
E que nessa passagem, nunca você diria uma fronteira geográfica para
a história, mas nessa transição do suporte para o mundo é que se instala

3 Ver o trabalho, hoje clássico, de Dirk Struik: Por que estudar história da matemática?
História da Técnica e da Tecnologia (textos básicos) org. Ruy Gama, T. A. Queiroz,
Editor/Editora da USP, São Paulo; pp.191-215.

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a história, é que começa a se instalar a cultura, a linguagem, a invenção
da linguagem, o pensamento que não apenas se atenta no objeto que está
sendo pensado, mas que já se enriquece da possibilidade de comunicar e
comunicar-se. Eu acho que nesse momento a gente se transformou também
em matemáticos. A vida que vira existência se matematiza. Para mim, e
eu volto agora a esse ponto, eu acho que uma preocupação fundamental,
não apenas dos matemáticos mas de todos nós, sobretudo dos educadores,
a quem cabe certas decifrações do mundo, eu acho que uma das grandes
preocupações deveria ser essa: a de propor aos jovens, estudantes, alunos
homens do campo, que antes e ao mesmo em que descobrem que 4 por 4 são
16, descobrem também que há uma forma matemática de estar no mundo.
Eu dizia outro dia aos alunos que quando a gente desperta, já caminhando
para o banheiro, a gente já começa a fazer cálculos matemáticos. Quando
a gente olha o relógio, por exemplo, a gente já estabelece a quantidade
de minutos que a gente tem para, se acordou mais cedo, se acordou mais
tarde, para saber exatamente a hora em que vai chegar à cozinha, que vai
tomar o café da manhã, a hora que vai chegar o carro que vai nos levar
ao seminário, para chegar às oito. Quer dizer, ao despertar os primeiros
movimentos, lá dentro do quarto, são movimentos matematicizados. Para
mim essa deveria ser uma das preocupações, a de mostrar a naturalidade do
exercício matemático.4

Assim, encontramos matemática nos trabalhos artesanais, nas manifestações


artísticas e nas práticas comerciais e industriais. Recuperar e incorporar isso à nossa
ação pedagógica é uma das principais motivações para a História da Matemática.
Como fazer isso? As técnicas etnográficas devem ser conhecidas e
praticadas pelos professores de matemática. Procurar aprender dos alunos a
sua matemática – entendida principalmente como suas maneiras de lidar com
relações e comparações quantitativas no seu cotidiano, de suas maneiras de fazer
classificações e inferências e como interpretam e analisam as formas espaciais,
imagens, figuras e símbolos que encontramos no mundo real.
Infelizmente os professores passam demasiado tempo tentando ensinar o
que eles, professores, sabem, e que é muitas vezes considerado pelos alunos como
algo desinteressante e obsoleto, para não dizer chato e inútil, e esses professores
dedicam pouco tempo ouvindo e aprendendo dos alunos o que lhes é interessante,
atual e, consequentemente, útil para responder a suas indagações.

A matemática da escola é apenas uma das muitas matemáticas que se


encontram pelas diversas culturas
É importante mostrar a aritmética não apenas como a manipulação de
números e de operações. Cada expressão numérica é um código, com cifras, que

4 http://vello.sites.uol.com.br/entrevista.htm

REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013 11


nos informa, quantitativa e qualitativamente, sobre um fato ou uma situação. O
significado das expressões cifradas é fundamental. Também é importante mostrar
que a geometria não é feita apenas de figuras e de formas perfeitas, sem cores.
Pode-se dar como exemplo as decorações dos indígenas brasileiros, examinar
as diversas formas de se construir pipas ou papagaios, analisar e comparar as
dimensões das bandeiras de vários países, e conhecer e comparar medidas como
as que se dão nas feiras, por exemplo litro de arroz, bacia de legumes, maço de
cebolinha.
Há inúmeras publicações com exemplos de como temas do cotidiano
podem servir para ilustrar temas a serem abordados na escola. Vou elencar
algumas dessas publicações não na forma de referências bibliográficas, mas
inseridas no meu texto. Ver Eduardo Sebastiani Ferreira: Etnomatemática. Uma
Proposta Metodológica Série Reflexão em Educação Matemática vol.3, Programa
de Mestrado em Educação Matemática/Universidade Santa Úrsula, Rio de
Janeiro, 1997. A importante dissertação de Pedro Paulo Scandiuzzi: A dinâmica
da contagem de Lahatua Otomo e suas implicações educacionais: uma pesquisa
em etnomatemática, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas,
1997, é um exemplo do tipo de trabalho que é necessário se desenvolver nessa área.
Também o pequeno livro de Mariana K. Leal Ferreira: Com Quantos Paus se Faz
uma Canoa! A matemática na vida cotidiana e na experiência escolar indígena,
MEC/Assessoria de Educação Escolar Indígena, Brasília, 1994 traz reflexões muito
importantes e exemplos interessantes. A Etnomatemática das culturas africanas é
também muito importante. Recomendo a excelente publicação de Paulus Gerdes:
Sobre o despertar do pensamento geométrico, Editora da UFPR, Curitiba, 1992,
que fala das matemáticas africanas. E para a prática profissional cotidiana,
recomendo o livro de Evanilton Rios Alves: Etnomatemática. Multiculturalismo
em sala de aula: a atividade profissional como prática educativa, São Paulo:
Porto de Ideias, 2010.
Todos esses exemplos utilizam medidas usuais, praticadas e comuns no
dia a dia do povo, e que respondem a uma estrutura matemática que obedece a
um rigor adequado para essas práticas. Esse rigor não é, necessariamente, o rigor
aceito no ambiente acadêmico.
Um grande apoio para o professor é a literatura, geralmente chamada
paradidática, que muitas vezes contém exemplos de matemáticas de outras
culturas e curiosidades relevantes. A coleção paradidática Vivendo a matemática,
sob responsabilidade de Luiz Márcio Imenes, Nilson José Machado e vários outros
autores, publicada pela Editora Scipione, São Paulo, a partir de 1989, tem volumes
muito interessantes e elementares sobre a história da matemática, e pode ser usada
como uma introdução à História da Matemática nos anos iniciais. Um clássico é
o excelente livro de Malba Tahan: O Homem que Calculava, Editora Record, Rio
de Janeiro.

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A incorporação disto tudo na história representa uma linha historiográfica
por muitos denominada “história que vem de baixo” ou “história feita pelo povo”.
Se esta postura teórica vem sendo adotada na História Geral, porque não considerá-
la também na História da Matemática?
Como disse Paulo Freire na entrevista citada anteriormente, “há uma forma
matemática de estar no mundo”, que é inerente ao seres humanos. Neste trabalho
dou minha versão de como o ser humano foi desenvolvendo, na sua evolução, os
conhecimentos e comportamentos que hoje são identificados com a matemática
que todo indivíduo pratica no seu dia a dia. Essa matemática tem, muitas
vezes, pouco a ver com o que é hoje identificado como matemática acadêmica
ou matemática escolar, que tem um simbolismo próprio, com códigos, regras e
formalismo próprios.
Recorro à raiz grega matemá, que significa, a grosso modo, o conceito de
aplicar a razão para lidar com situações concretas que se apresentam no cotidiano.
O lidador utiliza, para lidar com situações do dia a dia, portanto num determinado
espaço e tempo e num contexto, que podemos chamar um determinado etno,
modos, maneiras, artes, técnicas, que eu chamo ticas. Assim, seria mais apropriado
dizer que “há uma forma etno-matema-tica de estar no mundo”. De fato, no texto
completo da entrevista, entende-se que é isso que Paulo Freire quer dizer.
Isso nos leva a refletir sobre a espécie humana.
O que sabemos da espécie humana? Nossa espécie é, de acordo com
fontes científicas conceituadas, uma evolução de mamíferos primatas, e nossos
primeiros ancestrais, os australopitecos, cujos fósseis foram encontrados na África
Central, desenvolveram bipedismo, um cérebro evoluído, um sistema sofisticado
de comunicação, que é a linguagem, e a capacidade de fabricação e utilização de
instrumentos, como o fogo, utensílios de pedra lascada e a lança.
No curso dessa evolução, após cerca de 6 milhões de anos, chega-se a duas
espécies diferenciadas, o homo sapiens e o homo neanderthalensis, que conviveram
há cerca de 100.000 anos. Uma história fascinante, da qual resultou a extinção
do homo neanderthalensis e o surgimento de uma outra espécie, o homo sapiens
sapiens, que somos nós. Essa espécie vai acumulando experiência, conhecimentos
e modos de comportamento modernos.5 A invenção da agricultura, há cerca de
20.000 anos, é a grande transição para a fase moderna da espécie. Onde se deram
todas essas etapas? Em todo o planeta, com diferença de alguns milhares de anos,
e com modalidades diferentes, em resposta às enormes diferenças de clima, de
solo, de recursos, que se notam em nosso planeta. Contextos naturais distintos
provocam respostas distintas. É desnecessário perguntar por que a agricultura não

5 Uma síntese interessante, com muita discussão, está no artigo de Christopher S. Henshilwood e
Curtis W. Marean: The Origin of Modern Human Behavior. Origins of the Models and Their Test
Implications, Current Anthropology, vol.44, n. 5, Dec. 2003, pp.627-651.

REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013 13


se inventou no círculo polar Ártico. Nem por que os indígenas da Amazônia não
inventaram a sofisticada habitação, chamada iglu, feita de blocos de gelo.
A busca de sobrevivência, que consiste essencialmente na utilização de
recursos naturais para satisfazer necessidades fisiológicas e na aquisição de modos
de lidar com o ambiente, é comum a todas as espécies. Mas a espécie humana
vai além da busca de sobrevivência. Procura explicações, que vão além do aqui
e agora, tentando entender o como e o por quê de fatos e fenômenos. Organiza
essas explicações em sistemas. Transcende as necessidades fisiológicas imediatas.
A nossa espécie obedece aos pulsões de sobrevivência, como todas as demais
espécies vivas, e de transcendência, como nenhuma outra espécie. As respostas
a esses pulsões dependem de condições naturais e ambientais. Certos povos, ao
longo de muitas gerações, compartilham elementos comuns das respostas aos
pulsões de sobrevivência e transcendência. Isso caracteriza as civilizações.6

Matemática teve sua origem nos primórdios das civilizações e se organizou


nas culturas da Antiguidade
O que chamamos Matemática é uma resposta à busca de sobrevivência e
de transcendência, acumulada e transmitida ao longo de gerações, desde a pré-
história.7 O mesmo se dá com as religiões, com as técnicas, com as artes e com as
ciências, em geral. Em suma, todos os fazeres e saberes são respostas do homem
a informações recebidas da realidade, que é o complexo de tudo que é material,
ampliado por experiências vividas e acumuladas, na forma de memórias.8 Essas
respostas, em permanente transformação, são as estratégias desenvolvidas pela
espécie para responder aos pulsões de sobrevivência e de transcendência.
Essas estratégias, que são geradas pelo indivíduo, são por ele organizadas
intelectualmente e, através de comunicação no seu sentido geral, são compartilhadas
com o próximo e são organizadas socialmente.
Na busca da sobrevivência, se desenvolvem os meios de lidar com o
ambiente mais imediato, que fornece o ar, a água, os alimentos, o outro, e tudo o
que é necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie. São as técnicas e
os estilos de comportamento individual e coletivo.

6 O historiador Arnold J. Toynbee, na sua monumental obra A Study of History, vols. I-XII, Oxford
University Press, Londres, 1934-61, reconhece 14 civilizações independentes, 17 satélites e 6
abortivas. Muitas de suas ideias influenciaram a importante obra de Helio Jaguaribe: Um Estudo
Crítico da História, 2 vols, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2001. Essa é uma leitura recomendável,
eu diria mesmo necessária.
7 Para uma história da matemática pré-histórica, ver Manoel de Campos Almeida: Origens da
Matemática, Editora Champagnat, Curitiba, 1998.
8 As informações são captadas pelos sentidos e processadas. A memória é encarada, também, como
uma realidade expandida pela acumulação de experiências, que igualmente informa o indivíduo.
Como se dá esse processamento é o principal objetivo das chamadas “ciências da mente”, com a
contribuição essencial do que se chama “Inteligência Artificial”.

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Na busca da transcendência, se desenvolvem meios para explicar fatos
e fenômenos, a percepção e o encadeamento de passado, presente e futuro. Os
meios, a percepção e o encadeamento, estão na origem da memória, individual e
coletiva, dos mitos e das artes. A memória, os mitos e as artes, organizam-se como
história e tradições, que incluem as religiões e os sistemas de valores. Ao procurar,
no passado, explicações e causas para o presente, busca-se antecipar o futuro.
Apoiadas principalmente nas religiões, estão as chamadas artes divinatórias, que
consistem de sistemas que procuram antecipar o que pode acontecer. Dentre esses
sistemas distinguem-se a astrologia, os oráculos, o I Ching, a numerologia, a
lógica e, em geral, as ciências. Não nos esqueçamos que, por meio de princípios e
leis, as ciências nos dizem o que pode acontecer em determinadas condições. As
ciências permitem uma incursão no futuro.
Primeira manifestação de transcendência está na criação de mitos que,
organizados socialmente, constituem as religiões. Um sentimento forte, misto de
reverência e temor, de que existe algo, não visível nem conhecido, inexplicável,
responsável por tudo, dominou a espécie homo sapiens sapiens desde os primeiros
tempos de sua evolução. Compartilhados, esses sentimentos se organizam como
religiões e, para se manifestar, desenvolvem uma série de comportamentos
sagrados, tais como rituais, alimentos, música, danças, mitos, símbolos,
metáforas, topologias e cronologias, edificações, sistemas de valores e sistemas de
explicações. Uma das questões mais fascinantes do que chamamos as ciências da
mente refere-se à inerência desse sentimento à mente humana.9
As estratégias de sobrevivência e de transcendência são organizadas
intelectualmente e compartilhadas socialmente, graças a um sofisticado sistema
de comunicação característico da espécie humana. Constituem os sistemas de
conhecimento. Esses consistem de explicações e de estratégias de lidar com fatos
e fenômenos, que possibilitam sobreviver e transcender nas situações típicas do
ambiente natural e social específico, compartilhados por famílias, comunidades,
uma população. Os sistemas de conhecimento são, eventualmente, expropriados
por indivíduos e grupos, organizados no que se identifica como poder. A estrutura
de poder fica, então, detentora dos sistemas de conhecimento e, portanto, das
estratégias de sobrevivência e transcendência, e as institucionaliza. Uma vez
institucionalizados, os sistemas de conhecimento e as estratégias de sobrevivência
e transcendência são devolvidos à população. Essa mesma população que, em
primeira instância, foi responsável pela geração desse conhecimento e das
estratégias. Mas a devolução, na forma de transmissão e difusão, é submetida a
filtros, com o objetivo que seja transmitido e difundido apenas o que interessa
à estrutura de poder. Grupos de indivíduos e sociedades subordinados a uma
estrutura de poder que se assemelham, constituem as civilizações.

9 Veja a excelente obra de John Bowker: God. A brief history, Doring Kinderley, Londres, 2001, que
examina a espiritualidade em todas as regiões do mundo.

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Adoto a conceituação proposta por Hélio Jaguaribe10, que vê civilização
como um conjunto de sociedades com
1. uma ocupação ordenada de espaço;
2. uma percepção de tempo (passado, presente, futuro encadeados);
3. uma cultura dominante, incluindo língua, religião, uma cosmovisão e um
repertório de costumes, técnicas e valores;
4. um sistema político estruturado.
Dá-se maior atenção a algumas grandes civilizações na Europa e na Ásia.
No 3º milênio a.C. à Egito (Rio Nilo), Babilônia (Mesopotâmia: entre os Rios
Tigre e Eufrates) e Índia (Rio Indo); no 2º milênio a.C. à Etruscos, Mar Egeu,
particularmente Tróia (no final do 2° milênio a.C.), Lung-shan (Rios Huang e
Yang-Tse), Israel (Moisés, Êxodo ca 1.250 a.C.); no 1º milênio a.C. à Grécia, Índia,
Pérsia, China, Roma. Deve-se lembrar também as grandes civilizações africanas
e pré-colombianas, particularmente as Andinas (Aztecas, Maias e Incas), as das
planícies norte-americanas e as da Amazônia.

Uma proposta de curso de História da Matemática para as Licenciaturas


Ensinar história é narrar a história produzida, tendo sempre presente
e alertando para quão relativa é a narrativa histórica e identificando possíveis
intenções, despertando interesse pela meta maior. Vou sintetizar uma proposta de
curso, que orientou a redação de meu livro recente sobre a História da Matemática
Universal11. Essa mesma proposta orientou a organização de um outro livro meu
recente, abordando a História da Matemática no Brasil.12
É importante que nos cursos de Licenciatura os futuros professores tenham
uma ideia do que seja um historiador. Para isso, é importante ensinar ao futuro
professor como produzir história. Isso leva a refletir sobre a metodologia (isto é,
sobre o método histórico), mas evitando a subordinação a uma metodologia, como
apontado por Descartes, no Discurso do Método13:
De maneira que, se, tendo minha obra me agradado bastante, eu vos mostro
aqui o seu modelo, nem por isso desejo aconselhar alguém a imitá-lo (1999,
p. 46).

10 Helio Jaguaribe, op.cit. em Nota 6.


11 Ubiratan D’Ambrosio: Uma Síntese Sociocultural da História da Matemática, São Paulo: PROEM
Editora, 2011.
12 Ubiratan D’Ambrosio: Uma História Concisa da Matemática no Brasil, Petrópolis: Editora Vozes,
2009.
13 Descartes – Vida e Obra, trad. Enrico Corvisiere, Editora Nova Cultural, São Paulo, 1999; p.46.

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Sempre no espírito da citação acima, de Descartes, o curso deve ser uma
iniciação aos estudos de História e Filosofia da Matemática, com ênfase no social
e no cultural.
A intenção de um curso para Licenciatura não é fazer uma cronologia e
nem uma onomástica comentada, mas, com base na historiografia moderna,
indicar e sugerir direções e sinalizar indagações e questionamentos sobre o que se
lê em diversos textos e estudos que estão disponíveis em livros e artigos. Procuro
destacar o quadro sócio-político e cultural no qual as opções de pesquisa e de
educação em Matemática se deram.
O curso pode ser encarado como um estudo sobre a história e a sociologia
da matemática, procurando entender os fatores que podem ter influenciado
sua emergência, sua organização intelectual e social, e sua difusão. O estudo
focaliza a matemática dominante, que tem sua origem nas civilizações ao redor
do Mediterrâneo. Apenas brevemente, menciono fatores semelhantes em outras
civilizações e que podem ter determinado uma evolução diferente de outras
matemáticas.
Devemos situar a matemática na História Universal. Podemos nos limitar
à matemática acadêmica, desenvolvida na Bacia do Mediterrâneo, desde a
Antiguidade até a Idade Média e o Renascimento, e transmitida, inicialmente, para
toda a Europa e, desde o início da época colonial até os dias de hoje, a todas as
regiões do planeta. Uma parte do curso refere-se, especificamente, à introdução e
ao desenvolvimento dessa Matemática no Brasil.
Numa visão concisa, dá-se menos prioridade a conteúdos e detalhes
matemáticos, que estão bem estudados em inúmeros livros e artigos de História
da Matemática, facilmente encontrados, em enciclopédias e em sites na Internet.
Tampouco deve-se deter no estudo da vida e da obra de alguns matemáticos,
também disponível em várias obras.
Muitos trabalhos são disponibilizados para os alunos e outros constam de
recomendações.
Embora eu evite enveredar pela Matemática das culturas não-ocidentais, a
fundamentação historiográfica resulta do Programa Etnomatemática14. Portanto,
no curso procura-se destacar, situar e relacionar fatos e indivíduos no contexto
maior da sua cultura.

Sobre conhecimento e Matemática

14 Uma introdução à etnomatemática está nos meus livros Etnomatemática. Arte ou Técnica de
Explicar e Conhecer, Editora Ática, São Paulo, SP, 1990, e Etnomatemática. Elo entre as tradições
e a modernidade, Editora Autêntica, Belo Horizonte, 2001, escritos com uma diferença de cerca de
10 anos, e que se complementam.

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Não se pode entender conhecimento sem se atentar para o ciclo completo
do conhecimento, desde sua geração, organização intelectual e social, transmissão,
expropriação, institucionalização e difusão. Obviamente, isso se dá com
características, maneiras e estilos diferentes em cada ambiente natural e cultural.
O ser humano desenvolve suas estratégias para sobreviver e transcender criando
um conjunto de artes ou técnicas, que são acumuladas, ao longo da história, para
explicar, conhecer e lidar com o seu determinado ambiente natural e cultural. Para
exprimir artes ou técnicas uso a raiz grega techné≈tica; para explicar, lidar com e
conhecer, empresto a raiz grega máthéma≈matemá; e o ambiente natural e cultural
é referido como etno. Assim, falo em uma tica de matemá num determinado etno.
Esse é o conceito de Etnomatemática (=etno+matemá+tica). Nosso foco é apenas
a etnomatemática que provém da Bacia do Mediterrâneo, isto é, a Matemática
Acadêmica, ou simplesmente Matemática.
Uma questão, múltipla, que se coloca é por quê?, onde?, quando? e como?
nasce a Matemática. Mas há uma outra pergunta, preliminar a essa: O que é
matemática?
Já se disse que “matemática é aquilo que os matemáticos fazem, e
matemáticos são aqueles que fazem matemática”. A História da Matemática tem
se apoiado nessa pseudo-definição redundante. Embora seja comum aceitar que
esse apoio é muito cômodo, é importante, talvez mesmo necessário, tecer algumas
considerações sobre o fazer matemático.
Gosto de fazer análises etimológicas. Claro, sempre que se recorre à
etimologia, as interpretações variam e há muito espaço para fantasias e críticas.
Mas é difícil fazer história sem fantasia!
No grego arcaico, a raiz máthema significa algo como apreender, estudar,
explicar, conhecer. A palavra matemática, obviamente ligada a essa raiz, é
usada na Antiguidade e na Idade Média, em sentidos muito variados. Como a
entendemos hoje, ela aparece na Europa pelo século XIV, e sua adoção é ampla a
partir do século XVI. É comum dizer, e o conceituado Dicionário Houaiss adota
essa generalidade vaga, que matemática é a “ciência que estuda objetos abstratos
(números, figuras, funções) e as relações existentes entre eles, procedendo por
método dedutivo”. Certo. Mas isso não é tudo. Prefiro examinar o fazer matemático
como uma atividade humana mais geral.
No mundo acadêmico, principalmente a partir do século XVII, há uma
forma de “profissionalização” de matemáticos. A produção desses matemáticos
profissionais deve ser reconhecida por obedecer a critérios de rigor, de
formalismo, e mesmo de métodos. Assim, fica muito bem estabelecido quem são
os matemáticos, e qual a produção desses profissionais. Aos poucos, os critérios
de reconhecimento foram se definindo melhor e foram sendo criadas revistas e
academias especializadas. Assim, hoje é fácil identificar indivíduos reconhecidos
como matemáticos. De modo geral, podemos considerar aqueles identificados na

18 REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013


União Matemática Internacional, segundo um critério para elaborar o Diretório
Internacional de Matemáticos. O critério é ter artigos indexados na Mathematical
Reviews/Zentralblatt fûr Mathematik, que são as referências internacionais na
área.
Esse é o critério formal. Mas há muita matemática que foi feita por indivíduos
considerados “não-matemáticos”. E isso continua. As ideias matemáticas são
muito importantes e centrais no conhecimento humano para serem restritas a um
grupo de profissionais reconhecidos como “matemáticos”.
O reconhecimento de que muita coisa relevante no saber e no fazer
matemático seja resultado de situações e indivíduos que não são identificados
como matemáticos, deu origem ao Programa Etnomatemática.
Como todas as civilizações, as da Antiguidade na bacia do Mar Mediterrâneo,
elaboraram suas etnomatemáticas. Costumo dizer que essa Matemática é a espinha
dorsal da Civilização Moderna. É o sustentáculo de nossa ciência, tecnologia,
urbanização e arquitetura, sociedade e política, sistemas de produção e economia.
Como diz a destacada historiadora Mary Lefkowitz,
a evolução de teorias matemáticas gerais a partir de seus fundamentos
[matemática dos egípcios, sumérios e outros] é a verdadeira base do
pensamento ocidental15.
A Matemática, que se origina da Antiguidade Grega a partir de tradições
dos egípcios, sumérios, judeus, possivelmente também dos indianos, é abstrata
e é identificada com um padrão de racionalidade. Essa Matemática, assim como
a Filosofia da Antiguidade Grega, serviu de base para o surgimento da Ciência
Moderna.
Mas o pensamento abstrato não é privilégio exclusivo da Grécia Antiga.
Encontra-se nas civilizações da Mesopotâmia, do Egito, do Egeu, de Israel, da
Pérsia, de Roma, de Bizâncio, do Islã e em outras regiões do planeta, da China,
da Índia, da África, do Pacífico, das regiões polares e das Américas. Todas
essas civilizações contribuíram para o que hoje identificamos como Civilização
Moderna, que começa a se moldar a partir do século XV, na chamada Era das
Navegações.
É importante lembrar que no Mediterrâneo estão algumas das primeiras
civilizações de que temos registro. As pesquisas para entender a evolução da
espécie humana e as origens do homem moderno ou homo sapiens sapiens têm
privilegiado certas regiões da Eurásia, chamada Velho Continente. Há um forte
apoio à teoria que nossa espécie teve sua origem na África, onde hoje são Quênia
e Tanzânia e, a partir daí, migrou pelo Velho Continente e posteriormente atingiu
o que hoje chamamos a Oceania e as Américas. Nessa migração foi adquirindo os
conhecimentos e comportamentos essenciais para a sobrevivência, como indivíduos

15 Em entrevista dada a Ken Ringle, The Washington Post, June 11 1996.

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e como espécie, e para a transcendência. Vejo o Programa Etnomatemática como
o estudo e a análise de como foram desenvolvidas e como são praticadas, pelos
diferentes grupos de seres humanos, a busca da sobrevivência e da transcendência.

À guisa de conclusão
Todos hão de concordar que Matemática também é praticada e feita
pelo povo. Mas o que se vê é que o povo está, em geral, amedrontado com a
Matemática, julgando-a algo reservada aos deuses ou aos gênios, que são homens
próximos a deuses16. Será que a Matemática é inacessível ao homem comum e
deve, portanto, estar reservada a uns poucos? Sugiro ao leitor que meditem sobre
essa pergunta. Se responderem sim, achem uma justificativa para a inclusão da
Matemática nos currículos de uma educação para todos, indivíduos que são o
povo. Se responderem não, justifiquem como pode a população ser funcional com
cerca de 80% dos alunos sendo reprovados ou passando raspando por professores
que são tolerantes e os deixam passar.
A conclusão costuma ser que a culpa é desses 80% “incapazes” ou dos
professores que tem má formação -– o que é ainda mais injusto e perverso.
Propõem-se então provas modernizadas e aperfeiçoadas, dadas mês a mês
ou, mais cruelmente, no fim de graus, os chamados “provões”. E sugere-se
reciclagem para os professores. Não seria tempo de se pensar que o problema
poderá estar na matemática escolar e não nos alunos e professores? Não ocorrerá
a ninguém “desconfiar” que essa Matemática talvez esteja excluindo cidadãos
de muito sucesso na vida e na suas carreiras profissionais porque ela é obsoleta,
desinteressante e inútil?

Referências

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Matemática. Editora Progressiva, Curitiba, vol 1, 2009; vol 2, 2011; vol 3, 2013.
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16 Essa imagem é de Paulo Freire, na entrevista gravada para o ICME 8/8° Congresso Internacional
de Educação Matemática, realizado em Sevilha, Espanha, em 1996.

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TOYNBEE, Arnold J. A Study of History, vols. I-XII, Oxford University Press,
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Ubiratan D’Ambrosio
Universidade Bandeirante de São Paulo – UNIBAN SP – Brasil

E-mail: ubi@usp.br

REMATEC, Natal (RN) Ano 8, n.12/ Jan.-Jun. 2013 21


Matemática
Tendências e Perspectivas Historiográficas e Novos Desafios na
História da Matemática e na Educação Matemática
Trends and Perspectives on Historiography and New Challenges for History of
Mathematics and Mathematics Education
_____________________________________
UBIRATAN D’AMBROSIO1

Resumo
Neste trabalho vou refletir sobre história e filosofia da matemática e suas implicações
na educação matemática com o enfoque do Programa Etnomatemática. Os conceitos e
as pesquisas sobre fatos e resultados na evolução do conhecimento são relatados não
como “história de uma disciplina” ou “filosofia de uma disciplina” ou “educação de
uma disciplina”, mas são de natureza transdisciplinar e transcultural, o que
caracteriza o Programa Etnomatemática. Muitas das idéias aqui expostas aparecem em
minhas publicações anteriores.
Palavras-chave: História da Matemática; Etnomatemática; Educação Matemática.

Abstract
In this paper I reflect on History and Philosophy of Mathematics and its Implications
for Mathematics Education within the focus of the Program Ethnomathematics. The
concepts and research about facts and results in the evolution of knowledge are related
not as the “history of a discipline” or the “philosophy of a discipline” or the
“education of a discipline”, but are of a transdiciplinary and transcultural nature,
which is a characteristic of the Program Ethnomathematics. Much of the ideas here
presented have appeared in my early publications.
Keywords: History of Mathematics; Ethnomathematics; Mathematics Education.

Introdução

O interesse na história das ciências sempre esteve presente nas histórias em geral e em
outros tratados. Por exemplo, aprendemos das ciências no Egito com Heródoto. E
Vitruvius também nos dá importantes referências históricas. Há alguns tratamentos
especificamente históricos, como o de Eudemus (ca 330 a.C.) e o “Livro das Categorias
de Nações”, de Sa’id al-Andalusi, escrito em 1068, e que focaliza o conhecimento
científico das grandes civilizações da antiguidade (SALEM; KUMAR, 1991). A
historiografia crítica é mais recente (THOMPSON, 1967).

As ciências têm, como qualquer outra forma de conhecimento, a sua dimensão política e
não se pode negar que seu progresso tem tudo a ver com o contexto social, econômico,
político e ideológico. Isso é muitas vezes ignorado e mesmo negado. É muito

1
Educação Matemática, UNIBAN; História da Ciência, CESIMA/PUCSP – ubi@usp.br

Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012


interessante ilustrar essa tendência com referência a Isaac Newton, sem dúvida a figura
maior na modernização da ciência a partir do século XVIII.

Vou focalizar, para exemplificar, o caso de Isaac Newton. J. F. Montucla, autor da


primeira grande história da matemática, se refere a Newton como um alienado. Órfão
desde criança, Newton foi mandado para a escola em Grantham. Quando tinha 14 anos
a mãe o chamou para cuidar dos assuntos da família, mas ele se mostrou “tão distante
deste tipo de ocupação e tão dedicado ao estudo que ele foi reenviado a Grantham, de
onde ele passou ao Trinity College em Cambridge”(MONTUCLA, 1796, p. 360).
Essencialmente a mesma história é repetida em 1893, por W. W. Rouse Ball, ao dizer
que Newton “tinha um mínimo interesse pela sociedade ou por qualquer
empreendimento que não fosse ciência e matemática” (ROUSE BALL, 1960, p. 320).
Interessante que mesmo Florian Cajori, o principal tradutor dos Principia, não faz
qualquer referência ao momento político e econômico da época de Newton no seu
excelente livro de História da Matemática, publicado em 1893.

Esse enfoque muda radicalmente em 1931, quando o historiador soviético Boris Hessen,
então Diretor do Instituto de Física de Moscou, apresentou um trabalho sobre “As
Raízes Sócio-Econômicas da Mecânica de Newton” no Segundo Congresso
Internacional de História da Ciência e da Tecnologia, realizado em Londres. Esse
trabalho é considerado um marco na historiografia da ciência, pois nele Hessen abre
novas perspectivas para a pesquisa em História da Ciência.

Uma das grandes dificuldades que encontramos é procurar ver o passado com os olhos
do presente e buscar fontes que satisfaçam nossas habilidades de análise do presente.
Assim, o problema das fontes se torna crucial no entender a história. No seu livro de
historiografia da ciência, Helge Kragh (1987) dá ênfase a fontes primárias escritas.
Concede ao que ele chama fontes primárias não simbólicas, como edifícios,
instrumentos, modelos concretos e tabletes, químicos, herbários.

Naturalmente, a identificação das fontes primárias reflete o estado de conhecimento


atual e é, obviamente, insuficiente para se entender o passado. Ficam excluídos
conhecimentos científicos e sistemas de explicações de culturas com pouca ênfase no
registro escrito. Por exemplo, lendas e ditos populares, os cronistas e cultos e a
simbologia, particularmente de natureza religiosa, são importantes fontes primárias.
Esses modelos de registro ampliam consideravelmente nosso entendimento do passado.

Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012 337
O desenvolvimento de instrumentos de análise dessas fontes tem se mostrado de
crescente importância no estabelecimento de uma historiografia mais adequada aos
países e às culturas periféricas.

1. Ciência moderna

Ao abordar o conhecimento matemático e tomar como referência a ciência acadêmica,


privilegiamos uma determinada região e um momento na evolução da humanidade. De
fato, quando nos referimos à Matemática estamos identificando o conhecimento que se
originou nas regiões banhadas pelo Mar Mediterrâneo. Mesmo reconhecendo que outras
culturas tiveram influência na evolução dessa forma de conhecimento, sua organização
intelectual e social é devida aos povos dessas regiões. Por razões várias, ainda pouco
explicadas, a civilização ocidental, que resultou dessas culturas, veio a se impor a todo o
planeta. Com ela, a Matemática, cuja origem se traça às civilizações mediterrâneas,
particularmente à Grécia antiga, também se impôs a todo o mundo.

Ao atentar nos modos como o processo de evolução da humanidade é descrito,


analisado, interpretado e usado nas várias maneiras de se organizar o conhecimento
histórico, surgem algumas questões que discutirei a seguir. Mesmo adotando uma
postura holística, vou dar maior atenção à história do conhecimento científico, em
particular matemático.

A ciência moderna nasceu enquanto o chamado Velho Mundo se deslumbrava com a


nova realidade que representou o Novo Mundo e a partir de então sua evolução se fez
com a necessária participação de todos. Ao reconhecermos uma contribuição mais
intensa de cientistas do Velho Mundo na construção da sociedade moderna, é importante
lembrar que o cenário natural, cultural e social do Novo Mundo foi fundamental para o
imaginário que serviu de base para essa mesma construção e que, até os dias de hoje, a
natureza e a cultura exuberantes do hemisfério conquistado ainda ativam esse
imaginário.

A presença das Américas na elaboração do pensamento científico e cultural da Europa


cresce em importância desde o primeiro século do encontro até os dias de hoje. Um
notável esforço de conciliação faz com que episódios que não podem ser classificados
de outra maneira que genocídio humano e cultural, perpetrados nos anos difíceis da
época colonial e durante a independência crioula, sejam hoje superados sem rancor e

338 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012
cedam lugar à busca de novos rumos para a humanidade, com a finalidade maior de
sobrevivência do planeta e da civilização.

No que se refere ao Novo Mundo, particularmente à América Latina, cabe aos


historiadores das ciências a recuperação de conhecimentos, valores e atitudes, muitas
vezes relegados a plano inferior, ignorados e às vezes até reprimidos e eliminados, que
poderão ser decisivos na busca desses novos rumos. Cabe reconhecer que somos uma
cultura triangular, resultado das tradições europeias, africanas e ameríndias, e que isso
tem um impacto permanente em nosso quotidiano latino-americano.

O ponto de partida deve ser o que se entende por Matemática e qual o objeto de seu
estudo. Isto é, uma reflexão sobre a Filosofia da Matemática. E não se pode negar que a
História da Matemática está atrelada à Filosofia da Matemática

2. História

A história tem servido das mais diversas maneiras a grupos sociais, desde família, tribos
e comunidades, até nações e civilizações. Mas sobretudo tem servido como afirmação
de identidade. Em qualquer área do conhecimento, uma vez identificados os objetos do
seu estudo, a relação de fatos, datas e nomes depende de registros, que podem ser de
natureza muito diversa: memórias, práticas, monumentos e artefatos, escritos e
documentos. Essas são as chamadas fontes históricas. E a interpretação depende de
ideologia, na forma de uma filosofia da história. Esse depender é a essência do que se
chama historiografia.

A História da Matemática tem sido muito afetada pelas considerações acima. É


interessante notar o que o historiador soviético Konstantín Ribnikov diz no capítulo
introdutório de seu livro:

No estrangeiro [Ribnikov vivia na então União Soviética] se dedica


grande atenção à história das matemáticas. A ela está dedicado um
conjunto de livros e artigos. Nem tudo neles é, porém, fidedigno. Às
vezes os autores de obras sobre história da ciência subordinam seu
trabalho a fins distantes da objetividade e do caráter científico.”
(RIBNIKOV, 1987, p. 19).

E depois de vários parágrafos de crítica à orientação idealista e reacionária desses livros


e artigos, Ribnikov conclui:

A luta entre as forças progressistas e reacionárias na ciência


matemática, que é uma das formas da luta de classes, se revela de
forma mais intensa nas questões históricas e filosóficas das

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matemáticas....Ela [a história da ciência] deve estar bem organizada
como parte da educação ideológica do estudantado e dos trabalhadores
científicos.

A última frase da citação deixa claro que não há como escapar do caráter ideológico da
História da Matemática, assim como de reconhecer que a ação educativa é uma ação
política.

Ao filósofo das ciências e da tecnologia cabe entender as tramas conceituais que


permitem reconhecer, identificar e valorizar formas de explicações e de ações
classificadas como científicas e tecnológicas.

Isso é particularmente importante se atentarmos para os descobrimentos e os processos


de conquista e colonização. Distorções que deram como resultado a angustiante situação
atual de coexistirem um mundo de fartura e prosperidade com um mundo de miséria e
desumanidade, e a aterrorizadora perspectiva de extinção da civilização no planeta.

Poderíamos sintetizar essas prioridades perguntando história de quem, do ponto de vista


de quem, com que intenções?

Devemos reconhecer que as nações periféricas são não mais que afluentes do curso
principal do atual do desenvolvimento científico e tecnológico das nações centrais.
Refiro-me a nações periféricas e nações centrais como aquelas que participaram e
participam do processo de globalização do planeta que se iniciou no final do século XV
na condição de colônia ou nação politicamente independente, mas economicamente
dependente, e nações centrais aquelas que foram ou são metrópoles coloniais ou
detentoras dos meios e controle de produção e comércio. Em momentos variados as
nações periféricas foram chamadas Terceiro Mundo, subdesenvolvidas, em
desenvolvimento, emergentes e outros eufemismos.

A contribuição dada pelas nações periféricas ao avanço da ciência e da tecnologia das


nações centrais é, como um todo, trivial e marginal. Mas é inegável que, embora
quantitativa e qualitativamente diferenciada, a produção científica e tecnológica dessas
nações relativamente a seu próprio curso histórico tem sido não menos que essencial. O
objetivo desta proposta é estudar a historicidade, muitas vezes negada, dessa produção.

Como tive oportunidade de discutir em uma conferência internacional há alguns anos


(D’AMBROSIO, 1979), o que se passa nos países periféricos é o mesmo se passa com
as populações marginalizadas dos países centrais. Com a globalização, a atenção dada às

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contribuições dos locais tem sido quase nenhuma. Hoje, começa-se a reconhecer a
importância das contribuições locais e reflexões da contribuição local tem se
incorporado a um enfoque teórico denominado “glocalização” (ROBERTSON, 1994).

Embora a produção dos locais tenha sido muitas vezes insignificante, defasada e até
mesmo equivocada quando comparada com aquela dos países centrais e das classes
dominantes, é importante estimular pesquisa sobre fatos e personagens que tiveram, num
certo momento, grande importância e repercussão entre seus pares e sua comunidade.
Assim como as ações do presente, em particular a pesquisa científica e tecnológica,
devem focalizar prioridades locais, mesmo que muitas vezes essas prioridades não se
situem nas fronteiras do conhecimento, a pesquisa histórica também deve ser dirigida a
coisas de interesse local.

Reconheço quão perigosa é essa proposta e o risco de cair no ufanismo que, tanto do
ponto de vista histórico quanto para ações no presente, contribui para mascarar a
verdade histórica e pode abrir espaço para um desenvolvimento equivocado. Essa é a
razão do grande conflito que se manifesta hoje com relação ao “Afrocentrismo”, uma
proposta de revisão da história que privilegia a participação africana na construção do
conhecimento grego. Os historiadores Mary R. Lefkowitz and Guy MacLean Rogers
editaram uma coleção de artigos (LEFKOWITZ, 1996) que mostram muito bem a
intensidade dessas discussões. Mas risco não pode ser justificativa para inação.

Ao historiador das ciências e da tecnologia cabe, não apenas, o relato dos grandiosos
antecedentes e consequentes das grandes descobertas científicas e tecnológicas, mas
sobretudo a análise crítica que revelará acertos e distorções nas fases que prepararam os
elementos essenciais para essas descobertas e para sua expropriação e utilização pelo
poder estabelecido.

Embora seja uma tendência da historiografia atual encarar o conhecimento científico e


tecnológico sob esse prisma, a matemática e a sua história têm sido imunes a essas
reflexões. Ainda se tenta justificar o conhecimento matemático por si próprio, e os
avanços da matemática são muitas vezes atribuídos somente à dinâmica interna desse
conhecimento. Em grande parte isso se deve a quão pouco se sabe sobre a natureza do
conhecimento matemático. Num trabalho recente, o matemático Barry Mazur diz:

Como toda História Intelectual, muito da História da Matemática


simplesmente nunca é captada: seus principais artefatos são idéias que
passam a maior parte de sua vida em um estado volátil, não registrado.

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Sua eventual distilação como registro escrito ocorre muito tempo
depois de seu descobrimento inicial (MAZUR, 1997).

A História da Matemática, que se firmou como uma ciência somente no século passado,
tem como grande preocupação o rigor da identificação de fontes que permitem
identificar as etapas desse avanço. Isso afeta não só a história da matemática nas nações
e populações periféricas, mas igualmente causa distorções na visão de prioridades
científicas das nações dominantes.

Creio que é hora de adotarmos novas propostas historiográficas e epistemológicas que


permitem lidar com a difícil tarefa de recuperar, na história das ciências e da tecnologia,
o equilíbrio triangular que deve resultar da mescla de tradições indígenas, européias e
africanas na cultura latino-americana, adotando a metáfora de Momigliano (1975).

A busca de alternativas historiográficas que conduzam a uma história que não venha
embebida de um determinismo eurocêntrico, favorecendo a manutenção do status quo e
desencorajando a superação da desvantagem atual, é essencial neste momento de
questionamento da atual ordem internacional.

3. O Programa Etnomatemática

O Programa Etnomatemática teve sua origem na busca de entender o fazer e o saber


matemático de culturas marginalizadas. Intrínseco a ele há uma proposta historiográfica
que remete à dinâmica da evolução de fazeres e saberes que resultam da exposição
mútua de culturas. Em todos os tempos, a cultura do conquistador e do colonizador
evolui a partir da dinâmica do encontro. Como diz Boyer (1900, p. 9):

[A ciência helênica] teve seu nascimento na terra dos Faraós de onde


os filósofos, que ali iam se instruir com os sacerdotes egípcios,
trouxeram os princípios elementares.

O encontro cultural assim reconhecido, que é essencial na evolução do conhecimento,


não estava subordinado a prioridades coloniais como aquelas que estabeleceram
posteriormente.

O Programa Etnomatemática não se esgota no entender o conhecimento [saber e fazer]


matemático das culturas periféricas. Procura entender o ciclo da geração, organização
intelectual, organização social e difusão desse conhecimento. Naturalmente, no encontro
de culturas há uma importante dinâmica de adaptação e reformulação acompanhando

342 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012
todo esse ciclo, inclusive a dinâmica cultural de encontros [de indivíduos e de grupos].
Para uma discussão mais ampla sobre o Programa Etnomatemática, ver
(D’AMBROSIO, 1990) e (D’AMBROSIO, 2001).

Por que Etnomatemática? Poderíamos falar em Etnociência, um campo muito intenso e


fértil de estudos, ou mesmo Etnofilosofia.

A melhor explicação para adotar o Programa Etnomatemática como central para um


enfoque mais abrangente aos estudos de história e filosofia está na própria construção do
termo. Embora haja uma vertente da etnomatemática que busca identificar
manifestações matemáticas nas culturas periféricas tomando como referência a
matemática ocidental, o Programa Etnomatemática tem como referências categorias
próprias de cada cultura, reconhecendo que é próprio da espécie humana a satisfação de
pulsões de sobrevivência e transcendência, absolutamente integrados, como numa
relação de simbiose.

A satisfação da pulsão integrada de sobrevivência e transcendência leva o ser humano a


desenvolver modos, maneiras, estilos de explicar, de entender e aprender, e de lidar com
a realidade perceptível. Um abuso etimológico levou-me a utilizar, respectivamente, tica
[de techné], matema e etno para essas ações e compor a palavra etno-matema-tica.

O pensamento abstrato, próprio de cada indivíduo, é uma elaboração de representações


da realidade e é compartilhado graças à comunicação, dando origem ao que chamamos
cultura. Os instrumentos [materiais e intelectuais] essenciais para essa elaboração
incluem, dentre outros, sistemas de quantificação, comparação, classificação, ordenação
e linguagem. O Programa Etnomatemática tem como objetivo entender o ciclo do
conhecimento em distintos ambientes.

A exposição acima sintetiza a motivação teórica que serve de base a um programa de


pesquisa sobre a geração, organização intelectual, organização social e difusão do
conhecimento. Na linguagem acadêmica, poder-se-ia dizer que se trata de um programa
interdisciplinar, abarcando o que constitui o domínio das chamadas ciências da
cognição, da epistemologia, da história, da sociologia e da difusão.

Metodologicamente, esse programa reconhece que na sua aventura enquanto espécie


planetária, o homem (espécie homo sapiens sapiens), bem como as demais espécies que
a precederam, os vários hominídeos reconhecidos desde há 4.5 milhões de anos antes do
presente, tem seu comportamento alimentado pela aquisição de conhecimento, de

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fazer(es) e de saber(es) que lhes permitem sobreviver e transcender através de maneiras,
de modos, de técnicas ou mesmo de artes [techné ou tica] de explicar, de conhecer, de
entender, de lidar com, de conviver com [matema] a realidade natural e sociocultural
[etno] na qual ele, homem, está inserido. Ao utilizar, num verdadeiro abuso etimológico,
as raízes tica, matema e etno, dei origem à minha conceituação de etnomatemática.

Naturalmente, em todas as culturas e em todos os tempos, o conhecimento, que é gerado


pela necessidade de uma resposta a problemas e situações distintas, está subordinado a
um contexto natural, social e cultural.

Indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da história, criado e


desenvolvido técnicas de reflexão, de observação, e habilidades (artes, técnicas, techné,
ticas) para explicar, entender, conhecer, aprender para saber e fazer como resposta a
necessidades de sobrevivência e de transcendência (matema), em ambientes naturais,
sociais e culturais (etnos) os mais diversos. Desenvolveu, simultaneamente, os
instrumentos teóricos associados a essas técnicas e habilidades. Daí chamarmos o
exposto acima de Programa Etnomatemática.

O nome sugere o corpus de conhecimento reconhecido academicamente como


Matemática. De fato, em todas as culturas encontramos manifestações relacionadas e
mesmo identificadas com o que hoje se chama Matemática (processos de organização,
classificação, contagem, medição, inferência), geralmente mescladas ou dificilmente
distinguíveis de outras formas, hoje identificadas como Arte, Religião, Música,
Técnicas, Ciências. Em todos os tempos e em todas as culturas, Matemática, Artes,
Religião, Música, Técnicas, Ciências foram desenvolvidas com a finalidade de explicar,
de conhecer, de aprender, de saber/fazer e de predizer (artes divinatórias) o futuro.
Todas, que aparecem, num primeiro estágio da história da humanidade e da vida de cada
um de nós, são indistinguíveis, na verdade mescladas, como formas de conhecimento.
Uma síntese da História da Matemática evidenciando esses fatos está em
(D’AMBROSIO, 2011a).

À guisa de conclusão

Estamos vivendo um período em que os meios de captar informação e o processamento


da informação de cada indivíduo encontram nas comunicações e na informática
instrumentos auxiliares de alcance inimaginável em outros tempos. A interação entre

344 Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012
indivíduos também encontra, na teleinformática, um grande potencial, ainda difícil de se
aquilatar, de gerar ações comuns. Nota-se em alguns casos o predomínio de uma forma
sobre outra, algumas vezes a substituição de uma forma por outra e mesmo a supressão
e a eliminação total de alguma forma, mas na maioria dos casos o resultado é a geração
de novas formas culturais, identificadas com a modernidade. Ainda dominadas pelas
tensões emocionais, as relações entre indivíduos de uma mesma cultura (intraculturais)
e, sobretudo, as relações entre indivíduos de culturas distintas (interculturais)
representam o potencial criativo da espécie. Assim como a biodiversidade representa o
caminho para o surgimento de novas espécies, na diversidade cultural reside o potencial
criativo da humanidade. As conseqüências dessas mudanças na formação de novas
gerações exige reconceituar a educação. Para uma discussão detalhada, ver
(D’AMBROSIO, 2011b).

A pluralidade dos meios de comunicação de massa, facilitada pelos transportes, levou as


relações interculturais a dimensões verdadeiramente planetárias. Inicia-se assim uma
nova era, que abre enormes possibilidades de comportamento e de conhecimento
planetários, com resultados sem precedentes para o entendimento e harmonia de toda a
humanidade.

Tem havido o reconhecimento da importância das relações interculturais. Mas


lamentavelmente ainda há relutância no reconhecimento das relações intraculturais na
educação. Ainda se insiste em colocar crianças em séries de acordo com idade, em
oferecer o mesmo currículo numa mesma série, chegando ao absurdo de se propor
currículos nacionais. E ainda maior absurdo de se avaliar grupos de indivíduos com
testes padronizados.

Não se pretende a homogeneização biológica ou cultural da espécie, mas sim a


convivência harmoniosa dos diferentes, através de uma ética de respeito mútuo,
solidariedade e cooperação.

Naturalmente, sempre existiram maneiras diferentes de explicar e de entender, de lidar e


conviver com a realidade. Agora, graças aos novos meios de comunicação e transporte,
essas diferenças serão notadas com maior evidência, criando a necessidade de um
comportamento que transcenda mesmo as novas formas culturais. Eventualmente, o tão
desejado livre arbítrio, próprio de ser [verbo] humano, poderá se manifestar num
modelo de transculturalidade que permitirá que cada ser [substantivo] humano atinja a

Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012 345
sua plenitude.

Um modelo adequado para se facilitar esse novo estágio na evolução da nossa espécie é
a chamada Educação Multicultural, que vem se impondo nos sistemas educacionais de
todo o mundo.

Dentre os vários questionamentos que levam à preservação de identidades nacionais,


muitas se referem ao conceito de conhecimento e às práticas associadas a ele. Talvez a
mais importante a se destacar seja a percepção de uma dicotomia entre saber e fazer,
própria dos paradigmas da ciência moderna iniciada por Galileu, Descartes, Newton e
outros, e que prevalece no mundo chamado "civilizado".

A ciência moderna surgiu, praticamente, ao mesmo tempo em que se deram as grandes


navegações, que resultaram na conquista e na colonização, e na imposição do
cristianismo a todo o planeta. A ciência moderna, originada das culturas mediterrâneas e
substrato da eficiente e fascinante tecnologia moderna, foi logo identificada como
protótipo de uma forma de conhecimento racional. Definiram-se, assim, a partir das
nações centrais, conceituações estruturadas e a dicotômicas do saber [conhecimento] e
do fazer [habilidades].

Essencialmente, essas considerações deixam claro o reconhecimento da subordinação


dos conteúdos programáticos à diversidade cultural. Igualmente, o reconhecimento de
uma variedade de estilos de aprendizagem está implícito no apelo ao desenvolvimento
de novas metodologias. Resumindo, deve haver uma enorme flexibilidade tanto na
seleção de conteúdos quanto na metodologia. Um dos principais objetivos do Programa
Etnomatemática é atingir essa flexibilidade.

Referências

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Artigo recebido em 28 de maio de 2012

Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.14, n.3, pp.336-347, 2012 347
Matemática
História & Educação Matemática, v. 1, n. 1, pp. 11-21, jan/jul 2001.

Matemática e História*

Autor: W. S. Anglin**
Tradução: Carlos Roberto Vianna***
Revisão: Maria Laura M. Gomes****

Começo com uma caricatura – na verdade uma paródia – do livro típico de História
da Matemática. Essa caricatura chamará a atenção para algumas das pressuposições
filosóficas que freqüentemente estão subjacentes nesses livros. Discutirei, também,
alternativas para essas pressuposições.
A matemática representa a síntese da Razão. Ela originou-se no Egito e na Meso-
potâmia. Contudo, começou realmente na Grécia, porque foi lá que surgiu a matemática
pura, e a matemática pura é melhor do que a matemática aplicada, porque a Razão pura é
melhor do que a Razão impura.
Os matemáticos gregos mais notáveis foram Eudoxo, Apolônio, Arquimedes, e
Hipácia. Hipácia fez muito pouco comparado a Arquimedes, porém foi a única mulher que
estudou matemática; assim, podemos ficar certos de que sua real importância foi ocultada
pelo chauvinismo machista.
Os gregos foram simplesmente esplêndidos, apesar de preferirem a geometria e
rejeitarem o movimento na matemática. Infelizmente, a superstição e a ignorância foram
responsáveis por um retrocesso quando Cirilo, o bispo cristão, mandou matar Hipácia (em
415 d. C.). Por cerca de mil anos, ninguém na Europa Ocidental produziu qualquer
matemática.
Enquanto isso, os árabes estavam desenvolvendo a álgebra. Embora Alkhwarizmi
não tivesse conseguido provar o teorema de Pitágoras para triângulos retângulos não-
isósceles, foi um algebrista magnífico. Uma vez, ele descobriu duas soluções para uma
equação quadrática, e usou três diferentes valores para π .
No século XVI, a Europa se rebelou contra a Igreja, e a Razão (e a felicidade)
voltaram. Continuando de onde Hipácia havia parado, Newton e Leibniz inventaram o
Cálculo e introduziram o movimento na matemática. O estranho foi que Newton e Leibniz
trabalharam independentemente um do outro. Por isso, ambos são merecedores do louvor e
da glória pela criação do Cálculo.
No século XIX, a Razão realmente atingiu o seu apogeu. Antes disso, o Cálculo não
era muito rigoroso (em parte, porque o Cálculo lida com movimento). Hoje, contudo, o
Cálculo é a coisa mais racional e rigorosa possível. Infelizmente, não podemos dizer-lhes
muito a respeito da matemática dessa época, porque ocuparíamos todo o nosso tempo e

*
A versão original em inglês deste artigo foi publicada na Revista "The Mathematical Intelligen-
cer", v. 14, n. 4, 1992, p. 6-12, sob o título Mathematics and History. Agradecemos a autorização
dada pelo Sr. Chandler Davis – diretor da Springer-Verlag, editora responsável pela publicação
deste periódico – para a realização desa tradução e publicação nesta revista.
**
Professor do Departamento de Matemática e Estatística da Universidade McGill – Montreal –
Canadá.
***
Professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal do Paraná e Doutor em
Educação Matemática pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
****
Professora do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais e
doutoranda em Educação Matemática pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de
Campinas.

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energia apenas para descobrir o que está acontecendo. Sabemos, contudo, que ela é
maravilhosa.
Nesse tempo havia o extraordinário matemático "X". Ele nasceu na Ruritânia e
todos os ruritanos verdadeiramente patriotas evidentemente estavam muito orgulhosos
dele. Um dos pais de "X" morreu quando ele era muito jovem, e "X" demonstrou
habilidades maravilhosas aos três anos de idade. O familiar de "X" que sobreviveu queria
que ele fosse um encanador, mas ele persistiu em suas pesquisas matemáticas até que ficou
arruinado e desempregado. Ninguém ofereceu a "X" um emprego em uma Universidade,
porque não havia quem fosse capaz de entender sua demonstração do teorema central que
diz não existir quadrado mágico 4x4 cujas entradas são os quadrados dos primeiros
dezesseis números inteiros positivos.
Assim termina a caricatura. O objetivo foi levantar algumas questões sobre a
natureza da história da matemática. No que vem a seguir, ocupamo-nos com dez dessas
questões, e sugerimos algumas novas maneiras de escrever uma história da matemática.

1. O HISTORIADOR DEVERIA ESCREVER COMO SE A MATEMÁTICA


FOSSE SEMPRE UMA COISA BOA?
Freqüentemente uma pessoa escreve uma história da matemática porque ama a
matemática. William Dunham, por exemplo, não esconde seu entusiasmo. Sua obra
"Jornada através do Gênio" começa nos dizendo que o desejo de Bertrand Russell de
saber mais matemática, foi forte o suficiente para impedi-lo de cometer suicídio [4, p. v].
Dunham, então, compara os grandes teoremas às peças de Shakespeare e às pinturas de
Van Gogh. Aqui está a beleza pela qual vale a pena viver!
Uma história da matemática escrita por alguém que odeie o tema tornará a leitura
da mesma enfadonha. Junto às várias vantagens de um autor entusiasta, porém, devemos
colocar uma das desvantagens. Pode-se comparar um escritor pró-Católicos que enfrenta
problemas com uma narrativa imparcial sobre Lutero a um historiador pró-Matemática que
enfrenta dificuldades com uma narrativa imparcial sobre, digamos, a escassez, em um
determinado século, de posições universitárias para matemáticos. O autor pró-Católicos
terá tendência a criar vítimas que sofreram nas mãos de Protestantes, enquanto o autor pró-
Matemática terá tendência a glorificar ou a sentir pena dos matemáticos que não
conseguiram emprego.
De acordo com Aristóteles, os humanos são caracterizados pela racionalidade. A
partir dessa hipótese não é difícil construir-se um argumento para a conclusão de que
qualquer avanço no racionalismo é muito bom para a humanidade. Essa conclusão,
todavia, não fica longe das religiões neo-platônicas para as quais o racionalismo é um deus
e a atividade matemática uma liturgia.
Este não é o lugar para decidir sobre a importância e a bondade relativas à
matemática, mas é o lugar para se observar um exemplo onde a exaltação da matemática
introduz com freqüência tendências nos livros- texto de História da Matemática. É o caso
de Hipácia, uma matemática do século V que foi assassinada por uma quadrilha de rua na
Alexandria. Hipácia era uma pagã, e alguns membros da quadrilha eram "cristãos". Um
historiador anti-Matemática poderia descrever a morte de Hipácia como a remoção de uma
reacionária arrogante que estava no caminho da nova sociedade cristã. Contudo, o
historiador pró-Matemática, invariavelmente, beatifica Hipácia lamentando sua morte
como um sinal do declínio da Razão no Ocidente. Quer se concorde ou não com a interpre-
tação pró-Matemática a respeito da morte de Hipácia, penso ser necessário que o estudante
da História da Matemática perceba que há um julgamento de valor oculto por detrás dessa
história. Hipácia foi uma mártir da ciência, mas foi também uma politeísta ignorante e uma
elitista de torre de marfim. Os crentes da Razão sentem, certamente, que o trabalho de

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Hipácia (um tanto sem originalidade) sobre as equações de Diofanto foi mais importante
do que a necessidade dos alexandrinos de rejeitarem o paganismo, porém esse
“sentimento” não é um fato objetivo no que diz respeito ao século V.
Aqueles que depositam um alto valor na matemática são tentados a julgar uma
cultura em termos do número de teoremas que ela provou. Isso conduz a uma visão
irrealista das culturas, como por exemplo, a antiga cultura chinesa, que não produziu
muitos teoremas, mas que produziu algumas poesias e filosofias excelentes. Um livro-
texto sobre a História da Matemática, devidamente equilibrado, reconheceria a importância
das muitas formas de atividade intelectual – incluindo as investigações teológicas pró-
monoteísticas da Alexandria do século V .

2. UMA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DEVERIA GIRAR AO REDOR DE


INDIVÍDUOS E DE SUAS VIDAS PRIVADAS?
Na obra de Boyer e Merzbach "História da Matemática", dez entre os vinte e oito
capítulos foram nomeados em homenagem a matemáticos. Em "Uma Introdução à
História da Matemática" (5ª edição), Howard Eves acha uma boa idéia incluir ilustrações
de Pitágoras e Arquimedes, apesar de não sabermos qual era sua verdadeira aparência. No
prefácio de "Jornada através dos Gênios", Dunham declara que uma compreensão das
vidas privadas de matemáticos "só pode intensificar uma apreciação dos seus trabalhos".
No prefácio de "História da Matemática", Burton [3] escreve:

Uma considerável importância tem sido atribuída às vidas daqueles


que são responsáveis pelo progresso do empreendimento da matemática.
Dando ênfase ao elemento biográfico, posso dizer apenas que não há esfera
na qual indivíduos contem mais do que na vida intelectual.

A maioria das histórias da matemática são individualistas (as que se opõem a essa
perspectiva são ditas marxistas). O historiador organiza o material em termos de indivíduos
e enfrenta muitos problemas para garantir que a pessoa certa obtenha a quantidade exata de
elogios para o teorema correto. Historiadores individualistas tendem a se desestruturar
quando um teorema não possui um único e nomeável primeiro descobridor.
Contudo, é digno de nota que existam alternativas. Não há razão pela qual não se
possa escrever uma história da matemática de um ponto de vista exclusivamente comuni-
tário. Ao invés de selecionar um único indivíduo para o teorema, o historiador poderia
assinalar as capacidades tecnológicas ou as necessidades sociais que foram responsáveis
pelo fato. Ao invés de glorificar a pessoa de sorte que conseguiu ser a primeira a realizar a
descoberta, o historiador poderia exaltar as idéias éticas da comunidade que a conduziram
a educar as pessoas de modo que chegassem inevitavelmente a essa descoberta.
Os historiadores individualistas de matemática contarão uma anedota sobre
Euclides (veja o item 7) - apesar de saberem que não há praticamente qualquer base factual
para essa anedota. Eles não dirão a vocês se “Os Elementos” são uma expressão do
elitismo da aristocracia o qual podemos detectar nos diálogos de Platão, e não abordarão a
questão sobre se a pureza e a precisão das demonstrações de Euclides atestam um desprezo
pelo trabalho manual cotidiano (executado pelos escravos). Meu objetivo aqui não é o de
defender uma teoria particular a respeito do contexto social dos "Elementos", ou da
natureza da história. Eu simplesmente desejo sugerir que, em muitos casos, pode ser mais
esclarecedor relacionar um trabalho de matemática a seu ambiente social do que a uma
anedota fictícia sobre a vida particular do autor daquele trabalho de matemática.

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3. DEVERIA UMA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA SER ORGANIZADA EM
TERMOS DE NAÇÕES OU DE RAÇAS?

D. E. Smith divide o primeiro volume de sua "História da Matemática" em dez


capítulos cronologicamente determinados. Estes capítulos estão subdivididos em 67
sessões, e 32 delas são nomeadas para homenagear nações (exemplo: Egito, Inglaterra).
Smith segue assim, a prática costumeira de organizar a história da matemática por naciona-
lidade. Em seu prefácio declara: [10]

"Embora seja evidente que nenhuma raça ou país tem qualquer tipo
de monopólio de gênio, e apesar de as fronteiras dos países vizinhos serem
apenas divisas artificiais, sem nenhum significado na criação das obras
primas da ciência, ainda assim as influências raciais e lingüísticas tendem
a desenvolver preferências na matemática, como fazem nas artes e nas
letras."
Ele continua:
"Nesta abordagem do assunto é feita uma tentativa de procurar as
causas do avanço ou do atraso da matemática em diferentes países e com
diferentes raças".

Um exemplo da análise nacionalista de Smith ocorre no começo da seção


"Alemanha" no capítulo sobre o século XVI:

"A matemática da Alemanha era gótica, grosseira, porém viril; a


matemática da França era renascentista, educada, mas geralmente fraca."

Deixo para o leitor decidir o que isso significa, se é que existe algum significado.
Existem duas razões para pedir aos historiadores que parem de organizar histórias
de matemática segundo linhas nacionalistas ou raciais. A primeira é ética. Patriotismo e
racismo geram a gerra. Não é benéfico aos leitores terem o sangue patriótico esquentado
com o fato de que, por exemplo, os alemães derrotaram os franceses “mais fracos” na
descoberta da geometria não-euclidiana.
A segunda razão para pedir aos historiadores que parem de descrever a atividade
matemática em termos de nações é que a matemática é uma iniciativa universal, com
intelectuais de todas as nações buscando uma meta em comum, uma meta que transcenda
os limites políticos e genéticos. Reconhecidamente algumas pesquisas matemáticas (por
exemplo: em criptanálise), estão atreladas às ambições militares de algumas nações em
particular; em tais casos pode ser historicamente importante se um país, ao invés de outro,
foi o primeiro a descobrir algum teorema; contudo, na maioria das vezes não é assim. Pelo
contrário, a pesquisa típica em matemática fornece um dos melhores exemplos de
cooperação internacional.
O tratamento dado por Smith a Fibonacci (1170-1250) é interessante para
exemplificar. A análise nacionalista de Smith o conduz a observar que o trabalho de Fibo-
nacci (um italiano) estava além da competência de qualquer professor em Paris.
O que deve ser dito, todavia, é totalmente diferente. Os estudiosos e pesquisadores
da Europa medieval não estavam presos a seus países de origem. Eles falavam uma língua
comum (latim), e viajavam por todo o continente. Naquele tempo, as fronteiras sociais
distinguíveis não eram de nacionalidades ou raciais, mas sim econômicas ou religiosas. O
ponto que o nacionalismo de Smith obscurece é que Fibonacci foi o melhor matemático,
não apenas na Itália ou na França, mas em toda a comunidade erudita européia.

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4. COMO O HISTORIADOR DEVERIA ABORDAR A ESCASSEZ DE


MULHERES MATEMÁTICAS ?

Homens e mulheres são intelectualmente iguais. Diferenças aparentes entre as


habilidades matemáticas masculinas e femininas são devidas a fatores sociais tais como
sistemas culturais, nos quais é o homem que obtém todas as oportunidades educacionais.
Contudo, qualquer que seja a razão, permanece o fato de que antes de 1900 havia menos de
uma dúzia de mulheres matemáticas famosas.
O que os historiadores deveriam fazer a respeito desse fato? Há no mínimo três
coisas a serem feitas, e uma a ser evitada. O que deve ser evitado é um falso exagero do
papel de mulheres na matemática.
Sem dúvida é com a melhor das intenções que David Burton exagera a importância
de certas mulheres matemáticas. Na sua "História da Matemática", ele nos conta que
Theano, a esposa de Pitágoras, foi"uma matemática notável, que não apenas o inspirou
durante os últimos dias de sua vida, mas que também continuou a divulgar o seu sistema
de pensamento após sua morte." [3, p. 98]
Não há evidências para todas essas declarações. Sabemos que Theano era ela
própria uma pitagórica, mas não temos qualquer testemunho a respeito de suas habilidades
matemáticas, ou de sua influência sobre Pitágoras. Na verdade, não sabemos nem se o
próprio Pitágoras foi um matemático notável. (Até no que diz respeito ao Teorema de
Pitágoras, não sabemos se foi o primeiro a prová-lo, e sabemos que não foi o primeiro a
descobri-lo).
Burton também exagera a importância de Hipácia. Ele nos afirma que "com a morte
de Hipácia, a longa e gloriosa história da matemática grega chegou ao seu fim". Isso é ir
longe demais: o último matemático grego de primeira linha foi Pappus, que viveu um sécu-
lo antes de Hipácia. O último matemático grego de segunda linha foi Proclus, que morreu
setenta anos após Hipácia. Dependendo do que se adote como padrão para o que seja a
glória, a "longa e gloriosa história da matemática grega" acaba com Pappus ou com Pro-
clus - mas não com Hipácia.
Tentativas de destacar o papel das mulheres na matemática distorcem a história e
protegem as mulheres. Contudo, se o historiador não falsificar a importância das poucas
mulheres matemáticas, haveria algum outro modo de lutar contra os maus resultados do
chauvinismo masculino? Há no mínimo três maneiras.
Primeiro, o historiador pode escrever de modo que o sexo do indivíduo não seja
enfatizado. Em vez de se dizer "John Kepler", pode-se dizer "J. Kepler". Em vez de "ele",
passa-se a dizer "matemático".1
Segundo, o historiador pode contestar a veneração que as histórias da matemática
geralmente concedem ao tema. Talvez a razão pela qual mesmo nos dias de hoje tão
poucas mulheres se infiltrem na matemática pura seja o fato de as mulheres perceberem
que a mesma é estressante, mal-paga e socialmente sem uso. Apenas um homem seria es-
túpido o suficiente para desejar uma tal carreira. Ao descrever a escolha de Gauss, que
preferiu a matemática à filologia, o historiador poderia escrever: "esta escolha infeliz tirou
do mundo alguns trabalhos importantes de lingüística, e só pode ser atribuída ao fato de
que Gauss não era uma mulher".
Finalmente, o historiador pode repudiar o individualismo tão prevalecente nas
histórias da matemática. Por que o elogio é dado apenas àquele que realmente resolve o

1
Nota do tradutor: Na língua inglesa a palavra “mathematician” não tem gênero.

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problema matemático? Ele poderia tê-lo resolvido se não tivesse uma mãe? Ele o teria
resolvido sem o apoio de sua esposa ou amante? A produção cultural de uma sociedade
depende do esforço e criatividade de toda a população, e é incorreto atribuir essa produção
aos poucos indivíduos que apenas adicionam os toques finais.

5. A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DEVERIA SER CONTADA EM TERMOS


DE PERÍODOS CRONOLÓGICOS?

W. W. Rouse Ball organiza "Um breve Relato da História da Matemática" (Dover


Publications, Nova Yorque) em termos de três segmentos cronológicos: o período grego
(600 a.C. - 641 d.C.), o período medieval e renascentista (641 - 1637), e o período
moderno (Os árabes capturaram Alexandria em 641, e Descartes publicou seu trabalho
sobre geometria analítica em 1637). Uma divisão cronológica similar é encontrada em
muitas histórias da matemática - embora algumas concedam um período aos egípcios e
mesopotâmicos, e algumas separem o período da Renascença da Idade Média.
De fato, alguns autores fazem uma divisão bem nítida entre a matemática medieval
e a matemática de outros períodos. Para alguns autores, nada aconteceu na matemática
entre 641 e, digamos, 1545. Hollingdale [8, p. 92] intitula o seu curto capítulo sobre mate-
mática medieval "O Longo Interlúdio".
Pró-medievalistas, por outro lado, argumentam que os períodos renascentista e
moderno não teriam existido sem os avanços da Idade Média. Em “História da
Matemática", Boyer e Merzbach [2] dão numerosos exemplos de realizações medievais
fundamentais. Algumas delas são as seguintes:

• Os chineses desenvolveram o "método de Horner", tornando possível computar


raízes cúbicas de números arbitrários, dando assim a Cardano uma base numérica para a
sua suposição não verificada de que todos os números possuem raízes cúbicas.

• Os matemáticos indianos desenvolveram um eficiente algoritmo longo para a divi-


são e introduziram os números negativos.

• Fibonacci desenvolveu técnicas sofisticadas para lidar com equações diofantinas.


Ele foi capaz de encontrar soluções em números inteiros para o sistema [6]:

X + Y + Z + X² = W²
W² + Y² = U²
U² + Z² = V²

• Enquanto os antigos matemáticos gregos não conseguiram enfrentar o infinito com


sucesso, os medievais investigavam-no regularmente e davam as diretrizes para os
fundamentos do Cálculo. Oresme, por exemplo, somou a série
1/4 + 2/4² + 3/43 + . . . e forneceu a primeira prova da di-
vergência das séries harmônicas. Como outro exemplo, Albert de Saxony antecipou a
descoberta de Galileu de que os elementos de um conjunto infinito podem ser postos em
correspondência um-a-um com os elementos de um subconjunto próprio.[5, pp. 355-6]
Daqui a mil anos (se o mundo não tiver terminado), os historiadores poderão
reconhecer o ano de 1950 como o fim do "Período de Cálculo Europeu" e o início do
"Período Internacional do Computador". Esperançosamente, os estudantes não pensarão
que em 1950, o computador de repente assumiu o controle. É natural dividir a história em
períodos cronológicos, mas não é tão simples. É preciso ter cuidado para não induzir o

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leitor a concluir que os gregos foram os primeiros verdadeiros matemáticos, que os
medievais foram completamente ignorantes, e que nós, os modernos, somos simplesmente
perfeitos.

6. QUAL É A RELAÇÃO ENTRE A MATEMÁTICA PURA E OS DISPOSITIVOS


DE CÁLCULO?

Por "Dispositivos de Cálculo", refiro-me aos algoritmos para cálculo, bem como às
máquinas usadas para implementá-los. Desse modo, os dispositivos de cálculo incluem o
ábaco, o método de Horner, os procedimentos da aritmética decimal, réguas de cálculo,
redes de computadores, e calculadoras de bolso.
Mesmo na matemática pura, o progresso está freqüentemente preso ao cálculo.
Muitas vezes, a razão pela qual um problema não pode ser resolvido é que o equipamento
de computação é demasiado primitivo. Historiadores de matemática às vezes negligenciam
essa característica prática do desenvolvimento matemático, e pode ser proveitoso listar
algumas formas em que os dispositivos de cálculo se provaram essenciais.

• Na falta de qualquer equivalente à expansão decimal infinita, os gregos antigos


tiveram que usar a geometria para dar um tratamento rigoroso aos irracionais. Eles viam
os números como segmentos de reta ou distâncias. Uma vez que não há segmentos de
reta ou distâncias negativas, essa abordagem os impediu de descobrir os números
negativos.

• Na criação do Cálculo, foi necessário comparar um vasto número de funções, áreas,


e inclinações (declividades). Isso requeria o cálculo de muitas tabelas de valores, um
trabalho que não teria sido possível sem o sistema decimal, e o uso de logaritmos.

• Muito da Teoria dos Números contemporânea é feito por meio da freqüente


interação com o computador. É interessante que, antes do computador de alta velo-
cidade, conhecíamos apenas 12 números perfeitos; agora conhecemos 31.

• Somente devido ao computador é que o teorema das quatro cores foi finalmente
demonstrado.

Há outros exemplos, e é estranho que um historiador de matemática não dê atenção


a esse aspecto do tema. O livro de Burton (A História da Matemática), por exemplo, está
incompleto pois, salvo alguns breves comentários sobre a máquina de cálculo de Pascal
(fabricada em 1642), Burton nada diz sobre computadores. A palavra "computador" não
aparece no índice de seu livro.

7. A MATEMÁTICA DEVERIA SER RETRATADA COMO TRANSCENDENTE?

Alguns historiadores exaltam a pureza, o rigor, ou a perfeição da matemática, e


apresentam o matemático puro como um místico sobrenatural.
Por exemplo ( aqui está a anedota mencionada na seção 2) em "A Matemática e Sua
História", John Stillwell repete a anedota sobre a resposta de Euclides a um estudante que
havia perguntado sobre o mercado de trabalho para graduados em matemática: Euclides

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chamou seu escravo e disse "Dê a ele uma moeda se ele tiver que lucrar sobre o que apren-
deu" [11, p. 25]. A idéia é que o matemático puro está acima do dinheiro.
Os historiadores de matemática às vezes levam essa anedota a sério. Se o
matemático famoso é pobre e desempregado, eles glorificam sua espiritualidade, mas se
ele é astuto e rico, os historiadores ficam embaraçados em mencioná-lo. Ouvimos a
respeito do pobre jovem Abel, mas não ouvimos sobre o rico e velho Gauss [5, p. 111]. Se
o matemático é devotado a algum tópico ultra-ocioso, os historiadores apressam-se em
revelar os detalhes, mas se o matemático tem um caráter sensível e trabalha em
contabilidade, então os historiadores o ignoram. A única matemática financeira alguma vez
mencionada consiste em alguns curiosos problemas medievais de herança.
A predileção de alguns historiadores pelo transcendente é demonstrada no
tratamento dado à cinemática. De acordo com Platão, o mundo transcendente é imutável, e
a matemática relacionada ao movimento não é a matemática real. Historiadores que
concordam com Platão apresentam a geometria mais do que a astronomia como o coração
da matemática grega (embora os próprios gregos possam não tê-la visto deste modo), e
explicam que Weierstrass e outros prestaram ao Cálculo um grande serviço ao purgá-lo do
conceito de movimento.

8. O HISTORIADOR DEVERIA IDOLATRAR O RIGOR?

As duas posições extremas a respeito do rigor podem ser descritas como a seguir.
A primeira é que o rigor é a essência da matemática. Se a matemática não for
rigorosa, não é matemática verdadeira, e portanto não tem lugar na história da matemática -
a menos que ela, talvez, possa ser apresentada como uma confusa primeira aproximação a
alguma matemática real. Esta posição é defendida por Hollingdale em seu "Produtores da
Matemática", quando ele cita G.H.Hardy:

Os gregos foram os primeiros matemáticos que são "reais" para nós


ainda hoje. Matemáticos orientais (isto é, os antigos egípcios e
mesopotâmicos) podem ser uma curiosidade interessante, mas a matemática
grega é a coisa real, é a matemática verdadeira. [8, p. 12].

Para Hollingdale, assim como para Ball, o período grego é de fato o primeiro
período da matemática.
A outra posição extrema é que o rigor é a fossilização da verdadeira matemática. A
matemática progride não via dedução, mas via ciência experimental e "percepção"
artística. A matemática não é uma marcha em segurança através de uma auto-estrada bem
iluminada, mas uma jornada em uma estranha imensidão, onde os exploradores fre-
qüentemente se perdem. O rigor poderia ser um aviso ao historiador de que mapas têm sido
feitos, e de que verdadeiros exploradores têm ido a todos os lugares.
Os historiadores que se prendem a alguma dessas posições extremas podem ajudar
seus leitores avisando-os a respeito. Pode causar confusão ler que "A matemática começou
com os gregos" se não se estiver consciente do julgamento de valor referente ao rigor que
se esconde por trás dessa afirmação.

9. A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA É UM ÉPICO OU UMA COMÉDIA?

Historiadores de matemática freqüentemente apresentam o progresso de seus temas


como uma marcha do conhecimento contra a ignorância nociva. Toda descoberta é um

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componente importante para a vitória global da Razão. Historiadores dessa família
raramente contam anedotas sobre o progresso da matemática.
No entanto, a História da Matemática é bastante humorística. Os matemáticos têm
reputação de inteligentes e racionais, mas seu trabalho está freqüentemente misturado ao
erro, à confusão, ou à superstição. Seria fácil escrever uma história da matemática que
fosse ao mesmo tempo exata e engraçada. A seguir estão alguns exemplos.
Em 1799, Gauss publicou uma prova do Teorema Fundamental da Álgebra. Ele
prefaciou essa prova com uma crítica penetrante às provas anteriores do mesmo teorema,
mostrando que todas elas estavam erradas. Alguns matemáticos anteriores, por exemplo,
tinham decidido chamar o Teorema Fundamental de "Teorema de D'Alembert" porque
enganosamente pensaram que D'Alembert o tinha provado em 1746. Evidentemente, esses
matemáticos mais antigos foram mais bem sucedidos em elogiar o trabalho de D'Alembert
do que em entendê-lo. (Ha! Ha!) A parte engraçada, contudo, é que a própria prova de
Gauss continha uma falha. [11, pp 195-200]
Os primeiros matemáticos a trabalhar com o Cálculo raciocinavam por analogia.
Eles tomavam princípios que eram aplicáveis a casos finitos, e aplicavam-nos em
exemplos que envolviam o infinito. George Berkeley (1685-1753) riu deles:

Aquele que pode digerir um segundo ou terceiro fluxo, uma segunda


ou terceira diferença, não precisa, parece-me, ser excessivamente
escrupuloso sobre qualquer ponto da Divindade.[2, p. 465]

No século dezenove, o Cálculo foi assentado em uma base rigorosa, e os


matemáticos se congratularam por estarem, finalmente, acima da zombaria de Berkeley. A
parte engraçada é que em 1966 Robinson mostrou que os cálculos com infinitésimos que
Berkeley tinha ridicularizado estavam basicamente corretos.
Euclides pretendia dar um tratamento rigoroso à geometria, mas foi ingênuo em sua
primeira demonstração. Ele esqueceu-se de adicionar um axioma para assegurar que as
circunferências de dois círculos sobrepostos simplesmente não passam uma pela outra sem
se tocarem, mas de fato se encontram em um ponto. Em 1899, Hilbert refez e apresentou
rigorosamente o trabalho de Euclides, mas cometeu o mesmo erro. Somente na tradução
francesa do livro de Hilbert é que ele, tardiamente, acrescentou o axioma necessário. [7, p.
25]
Em 1950, R. Kershner foi co-autor de um livro o qual observava que muitos
teoremas publicados eram mais tarde derrotados por contra-exemplos. Kershner não sabia
que ele mesmo ia fornecer um exemplo disso. Em 1968, Kershner afirmou que havia
estabelecido uma lista completa de todas as formas possíveis de ladrilhar um plano com
pentágonos convexos congruentes. Ele publicou o resultado em um periódico de prestígio.
De fato, em 1975, alguém apresentou um desenho de um ladrilhamento que Kershner tinha
esquecido por completo. A parte engraçada, contudo, é que a perita no assunto foi uma
dona-de-casa de San Diego, Marjorie Rice, que nunca havia freqüentado uma univer-
sidade, mas descobriu vários ladrilhamentos que tinham escapado a Kershner.([9], pp. 140-
166)
Há muitos outros exemplos: os infortúnios de Cauchy com a convergência
uniforme, a obstinação de Kronecker em rejeitar a teoria dos conjuntos infinitos, o fra-
casso de Lambert em perceber que havia descoberto uma geometria não-euclidiana, e
assim por diante. Geralmente esses exemplos são apresentados como descuidos que são,
mais tarde, corrigidos pelo aumento inevitável do rigor. Contudo, apresentados como os
lapsos ridículos que realmente foram, esses equívocos proporcionam uma divertida
instrução, e fornecem um caminho para a compreensão da natureza da atividade
matemática.

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História & Educação Matemática, v. 1, n. 1, pp. 11-21, jan/jul 2001.

10. COMO PODERIA UMA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA ESTAR


RELACIONADA À RELIGIÃO?

Há conflito entre Razão e religião? O filósofo "positivista" Auguste Comte (1798-


1857) pensava assim, e certos historiadores de matemática concordam com ele. Por
exemplo, Burton escreve:

"...um novo movimento desenvolveu-se em Alexandria, e também em


muitas outras partes do império, que devia acelerar a morte do
conhecimento grego. Foi o desenvolvimento do Cristianismo." [3, pp. 234-
236]

Em uma disposição similar, E.T.Bell se mostra infeliz por Pascal desperdiçar seu
tempo trabalhando em filosofia da religião. Em "Homens da Matemática", Bell escreve:

"devemos considerar Pascal primeiramente como um matemático


altamente talentoso que permitiu que sua tendência masoquista para auto-
tortura e especulações inúteis sobre as controvérsias sectárias do seu tempo
o degradassem até fazer dele o que hoje seria chamado um neurótico
religioso." [1, p. 73]

Eves segue o processo. Em "Uma Introdução à História de Matemática" (5ª


edição), ele descreve Pascal como alguém que "poderia ter sido" e como um "religioso
neurótico". Mais recentemente, Hollingdale uniu-se ao ataque. Em “Produtores da
Matemática", lemos que os notáveis poderes intelectuais de Pascal foram exercidos
principalmente em estéreis especulações teológicas ocasionadas pelas sectárias
controvérsias religiosas de seu tempo. Acredite-se ou não, este é o mesmo Pascal que é
tema de bajulação em um capítulo no volume IV do livro muito aclamado de Frederik
Copleston "História da Filosofia Ocidental". Parece que as "especulações inúteis" de
Pascal estão classificadas pelos teólogos e filósofos de hoje como estando entre os
melhores trabalhos da área.
Felizmente, nem todo historiador de matemática se prende à visão fanática de que
qualquer pessoa que está interessada em religião esteja, na melhor das hipóteses, perdendo
seu tempo ou, na pior delas, esteja demente. D.E.Smith, por exemplo, compara Fibonacci a
seu contemporâneo São Francisco de Assis, louvando ambos por "trazerem nova luz às
almas dos Homens" [10, p. 217]. Para dar outro exemplo, Boyer e Merzbach observam que
as especulações dos escolásticos, como por exemplo São Tomás de Aquino, ajudaram a
conduzir à teoria cantoriana do infinito. [2, p. 294]
Para o teísta, a Razão não é um Deus, a matemática não é um caminho para a
salvação, e os matemáticos não são mais santos do que qualquer outra pessoa. Um teísta
não escreveria uma história da matemática que desse todos os créditos aos seres humanos e
nenhum a Deus. Contudo, um teísta pode dar as boas-vindas à matemática como uma
dádiva divina - do mesmo modo que um matemático pode dar boas-vindas à teologia
natural como uma dádiva da Razão. Historiadores da matemática poderiam considerar a
possibilidade de que o conflito apontado entre Razão e Religião seja um mito. Por último,
eles deveriam reconhecer que se um historiador injeta uma hostilidade anti-religiosa
pessoal em um livro, logo este livro de história deixa de ser objetivo e se torna desagrada-
velmente tendencioso.

10
História & Educação Matemática, v. 1, n. 1, pp. 11-21, jan/jul 2001.
Agradecimentos

Agradeço ao Consulado Canadense de Pesquisa em Humanidades e Ciências


Sociais por seu apoio financeiro durante o período de 1989 a 1991.

Bibliografia

1. Bell, E. T., Men of Mathematics, New York: Simon & Schuster (1937)
2. Boyer, C. B., and U. C. Merzbach, A History of Mathematics, 2nd edition, New
York: John Wiley (1989).
3. Burton, D. M., The History of Mathematics, Dubuque: Wm. C. Brown (1988)
4. Dunham, W., Journey through Genius, New York: John Wiley (1990)
5. Ebbinghaus, H-D., et al, Numbers, trans. H. L. S. Orde, New York: Springer
Verlag (1990)
6. Fibonacci, The Book of Squares, trans. L. E. Sigler, Boston: Academic Press
(1987), 107
7. Hilbert, D. Foundations of geometry, La Salle: Open Court (1950), 25
8. Hollingdale, S, Makers of mathematics, London: Penguin Books (1989)
9. Schattschneider, D., “In Praise of Amateurs”, The Mathematical Gardner (D, A,
Klarner, ed.), Boston: Prindle, Weber & Schmidt (1981)
10. Smith, D. E., History of Mathematics, vol I, New York: Dover (1958)
11. Stillwell, J., Mathematics and its History, New York: Springer Verlag (1989)

11
Matemática
109
Ana Carolina Costa Pereira e Fumikazu Saito
Os instrumentos matemáticos na interface entre história e ensino de matemática: compreendendo o
cenário nacional nos últimos 10 anos

OS INSTRUMENTOS MATEMÁTICOS NA INTERFACE ENTRE


HISTÓRIA E ENSINO DE MATEMÁTICA: COMPREENDENDO O CENÁRIO
NACIONAL NOS ÚLTIMOS 10 ANOS

THE MATHEMATICAL INSTRUMENTS IN THE INTERFACE BETWEEN


HISTORY AND MATH TEACHING: UNDERSTANDING THE NATIONAL
SCENARIO IN THE LAST 10 YEARS

Ana Carolina Costa Pereira1


Universidade Estadual do Ceará - UECE
Fumikazu Saito2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo– PUCSP

Resumo
Pesquisas pautadas no diálogo entre a história e o ensino de matemática estão em
expansão no Brasil, principalmente focalizando atividades didáticas, em particular, na
formação do professor de matemática. Dentre os diversos objetos que ajudam na
construção dessa interface, podem-se encontrar os instrumentos matemáticos antigos,
que proporcionam uma conexão entre a teoria e a prática da experimentação. Nesse
trabalho será apresentado um levantamento inicial de estudos envolvendo a construção
de interface entre história e ensino de matemática nos últimos 10 anos, cujo principal
foco é o instrumento matemático como articulador dos dois campos de conhecimentos
(história da matemática e educação matemática). Dessa maneira, realizou-se uma busca
no banco de teses da Capes, anais de eventos da área, livros e artigos em periódicos a
fim de compreender o cenário nacional e vislumbrar possíveis desdobramentos
didáticos do tema. Entretanto, nessa busca, apontou-se para diversos trabalhos cujos
autores faziam ou fizeram parte do Grupo de Estudo e Pesquisa, HEEMa (História e
Epistemologia na Educação Matemática) da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUCSP), criado 2008. Assim, optou-se por realizar uma breve análise dos 12
trabalhos produzidos no HEEMa, que versavam sobre a temática. Após a leitura,
percebeu-se que muitas publicações fazem somente o estudo do contexto no qual os
conhecimentos são mobilizados, deixando o movimento do pensamento, a elaboração
das atividades e a aplicação para uma próxima etapa.

Palavras-chave: Instrumentos Matemáticos; Interface; História da Matemática; Ensino


de matemática.

Abstract
Research based on the dialogue between history and the teaching of mathematics is
expanding in Brazil, mainly focusing on didactic activities, in particular, on the training
of the mathematics teacher. Among the various objects that help in the construction of

1
Endereço eletrônico: carolina.pereira@uece.br
2
Endereço eletrônico: fsaito@pucsp.br

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Ana Carolina Costa Pereira e Fumikazu Saito
Os instrumentos matemáticos na interface entre história e ensino de matemática: compreendendo o
cenário nacional nos últimos 10 anos

this interface, it is possible find the ancient mathematical instruments that provide a
connection between the theory and practice of experimentation. In this paper, it will be
presented an initial survey of studies involving the construction of an interface between
history and mathematics teaching in the last 10 years, whose main focus is the
mathematical instrument as an articulator of the two fields of knowledge (history of
mathematics and mathematics education). In this way, a search was made at the Capes
thesis bank, annals of events in the area, books and articles in periodicals in order to
understand the national scenario and to glimpse possible didactic developments of the
theme. However, in this search, it was pointed out to several papers whose authors were
or had been part of the Study Group and Research, HEEMa (History and Epistemology
in Mathematical Education) of the Pontifical Catholic University of São Paulo
(PUCSP), created in 2008. Thus, a brief analysis of the 12 works produced in HEEMa,
which dealt with the theme, was carried out. After reading, it was noticed that many
publications only study the context in which the knowledge is mobilized, leaving the
movement in thought, the elaboration of activities and the application to a next stage.

Keywords: Mathematical instruments; Interface; History of Mathematics; Mathematics


teaching.

Introdução
Propostas que articulam a história e o ensino de matemática podem ser
encontradas em trabalhos de pesquisadores nacionais e internacionais (TZANAKIS et
al, 2002, MIGUEL; MIORIN, 2004, BARONI; TEIXEIRA; NOBRE, 2004; MENDES,
2006, 2009)3, contudo, a viabilidade da construção de uma interface entre essas duas
áreas de conhecimento (história da matemática e educação matemática) remete a
considerar questões de natureza epistemológica e metodológica.
A incorporação da história da matemática no ensino, pode proporcionar um
entendimento que a Matemática não está pronta e acabada, assim como a sua história,
pois ela “é reinterpretada e rescrita de tempos em tempos” (SAITO, 2015, p.21). Isso
ocorre a medida que os “historiadores da matemática” descobrem novos documentos,
novas teorias, novos caminhos metodológicos em que os paradigmas vigentes são
transpostos.
Miguel e Miorim (2002, p. 186) ressalta a história da matemática como um
campo de investigação que inclui “todo estudo de natureza histórica que investiga,
diacrônica ou sincronicamente, todas as dimensões da atividade matemática na história
em todas as práticas sociais que participam e/ou participaram do processo de produção
3
Esses autores também fazem uma ampla discussão sobre os argumentos a favor e contra a incorporação
da História da Matemática no ensino, elencando potencialidades pedagógicas para seu uso em sala de
aula.

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Os instrumentos matemáticos na interface entre história e ensino de matemática: compreendendo o
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do conhecimento matemático”. Nesse ponto, produtores de conhecimentos, obras, e a


incorporação de objetos antigos ou novos que envolvem as atividades práticas podem
ajudar a compreender o porquê e o como do aparecimento de um objeto matemático.
Do ponto de vista do docente, a história pode ser considerada uma valiosa
ferramenta, visto que favorece uma interpretação mais crítica da matemática estudada e
a compreensão da própria construção do conhecimento matemático. Portanto,
estabelecer um diálogo entre a história e a matemática é estritamente relevante. Além de
permitir entender as mudanças e a preservação das práticas relativas a formação da
matemática, também possibilita a construção de versões sobre como os conceitos
matemáticos que foram se aprimorando e como a sociedade se organizavam para
produzir matemática partindo da necessidade de usar e compartilhar esses
conhecimentos.
Os estudos que apresentam uma interação desses dois campos, na sua maioria,
são relatos ou ensaios que propõem aplicações em sala de aula, pautadas em diferentes
correntes pedagógicas, que recaem, geralmente, numa perspectiva historiográfica
tradicional4, sem uma base teórica sólida. Entretanto, novos estudos pautados na
construção de uma interface entre história e ensino que tentar aproximar os dois campos
de investigação e discutir em um nível epistemológico, historiográfico e conceitual o
que elas têm em comum para posteriormente refletir sobre o processo de construção do
conhecimento está em expansão.
Essa articulação não tem a intenção de ensinar matemática por meio da história,
nem tão pouco repetir o processo histórico da construção do conhecimento matemático,
ou seja, reproduzir os mesmos passos históricos do desenvolvimento do conceito, mas
buscar no contexto em que foi desenvolvido o movimento do pensamento de sua
formulação (SAITO, 2016).
Dentre os vários recursos que possibilitem integrar a história no ensino de
matemática para a construção de uma interface, privilegiando a associação da teoria e da

4
Na vertente historiográfica tradicional, “o passado é visto com os olhos de hoje. Admite-se que a ciência
e a matemática teriam se desenvolvido progressivamente e linearmente” (SAITO, 2015, p. 22), ou seja, o
pensamento matemático é entendido como uma sucessão de descobertas que beneficiam exclusivamente
concepções internas a própria matemática. Dessa forma, o pesquisador está interessado nas narrativas do
presente.

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prática, numa esfera laboratorial ou experimental, encontra-se instrumentos históricos


matemáticos.
Saito (2016, p. 4) define o instrumento como “uma ferramenta ou aparato
utilizados em laboratório para realizar observações e experimentos; ou ainda, como uma
ferramenta que nos permite medir comprimento, peso, e outros fenômenos naturais, tais
como pressão, temperatura, força, etc”. Suas potencialidades didáticas emergem do
estudo contextualizado de seu lugar face a uma teoria e à experimentação propiciado
pela análise histórica. Os resultados desse estudo podem contribuir com uma formação
mais significativa de alguns conceitos matemáticos.
Dessa forma, esse trabalho apresentará um levantamento inicial de estudos
envolvendo interface entre história e ensino de matemática, sob uma perspectiva
atualizada, com o foco principal, o instrumento matemático, nas pesquisas
desenvolvidas nos últimos 10 anos.

Inserção da história da matemática no ensino: construindo uma interface


Para Saito e Dias (2013, p. 91) uma interface5 “é aquela que, embora tenha
alguns pressupostos e concepções sobre história e ensino, constrói-se no movimento da
pesquisa com a prática pedagógica”. Nesse sentido, a construção de uma interface visa
aproximar as duas áreas de conhecimento, a história da matemática e a educação
matemática, pois ambas têm objetos de investigação específico e bem definido, não
podendo sobrepô-los. Entretanto, um diálogo entre as duas áreas pode ser realizado para
a partir da construção de uma interface.
Entende-se por interface "o conjunto de ações e produções que provoca a
reflexão sobre o processo histórico da construção do conhecimento matemático para
elaborar atividades didáticas que busquem articular história e ensino de matemática”
(SAITO; DIAS, 2013 p. 92). A construção de interface é aqui proposta porque ao
articular história e ensino de matemática é preciso não só aproximar dois campos de
investigação distintos, mas também pretende discutir no nível epistemológico o que
ambas possuem em comum para assim, refletir sobre o processo histórico da construção
e formação do conhecimento matemático. No que diz respeito à história da matemática,

5
A ideia de interface voltada para a história da ciência e o ensino pode ser encontrada em Beltran (2009)
que apresenta diferentes tendências pedagógicas.

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essa proposta tem por base uma historiográfica atualizada6, que articulada às atuais
tendências da didática matemática, busca entender o processo de formação dos
conceitos matemáticos por meio de atividades focalizando não só conteúdo e método,
mas também os critérios e as razões, devidamente contextualizados, que estão por traz
da sua elaboração, por meio do estudo de documentos da época.
Ressalta-se que essa concepção tem que ser atrelada as propostas atuais que
estão relacionadas ao ensino e a aprendizagem da matemática. Dias e Saito (2014)
mencionam que o intuito não é desenvolver uma pesquisa histórica utilizando
documentos originais em que os discentes tenham que manipulá-los, mas revisá-los e
adaptá-los seguindo a proposta de articulação mantendo aspectos básicos que estão
vinculados a prática matemática de um determinado período.
Para a construção da interface é necessário que o pesquisador faça dois
movimentos. O primeiro está relacionado com o pensamento na formação do conceito
matemático. Trata-se de buscar no processo histórico o movimento do pensamento da
apreensão do objeto e, portanto, do desenvolvimento do conceito. Esse movimento, que
tem por pressuposto o objeto matemático em formação, permite que a formação de
ideias componha a lógica do movimento do pensamento. Contudo, para que o lógico
não prevaleça sobre o epistemológico e os fundamentos da matemática sobre a própria
matemática e suas aplicações, prima-se na construção da interface a busca pelo contexto
de formação desses objetos, evitando-se anacronismos e a sobreposição de temas
históricas aos propósitos do ensino.
Assim, o segundo movimento se refere ao contexto no qual os conhecimentos
matemáticos foram desenvolvidos, isto é, procura observar agora o conteúdo
matemático, método e os motivos por trás da escrita do documento, contextualizando na
época em que foi elaborado e, portanto, considerando todas as características de ordem
matemática, técnica e epistemológica como propõe uma historiografia contemporânea.
Dessa forma, na medida em que esse diálogo é promovido, propicia uma
reflexão do processo histórico da construção do conhecimento matemático e a

6
Na perspectiva historiográfica atualizada, a compreensão do processo de formação de conceitos
matemáticos é uma necessidade real. Nesse caso, não evidencia somente a técnica e o conteúdo interno à
própria matemática, mas também as causas pelas quais tais conceitos foram concebidos, privilegiando os
documentos da época e o contexto histórico, que não é necessariamente matemático, em que foram
desenvolvidos (PEREIRA; MARTINS, 2017).

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construção da interface, fazendo emergir diferentes questões, sejam elas didáticas,


conceituais (matemática), ou epistemológicas, promovendo uma rica articulação entre
história e ensino que conduz à elaboração de atividades. Ressaltamos que todas essas
ações já fazem parte da construção da interface e o produto final são as atividades
investigativas que são confeccionadas a partir desse diálogo.

Estudos envolvendo a construção de interface e instrumentos matemáticos


O estudo proposto está apoiado na metodologia qualitativa, centrada em buscar
um “estado da arte” do tema proposto, com a finalidade de realizar um levantamento
inicial das pesquisas brasileiras que versão sobre essa temática: a construção da
interface entre história e ensino de matemática e o instrumento matemático como
articulador dos dois campos de conhecimentos, nos últimos 10 anos.
Inicialmente realizou-se uma busca no banco de teses da Capes, anais de eventos
da área, livros e artigos em periódicos a fim de compreender o cenário nacional e
vislumbrar possíveis desdobramentos didáticos do tema. Entretanto, nessa busca,
apontou-se para diversos trabalhos cujos autores faziam ou fizeram parte do Grupo de
Estudo e Pesquisa, HEEMa (História e Epistemologia na Educação Matemática) da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).
O HEEMa é um dos primeiros grupos de pesquisa, que se tem notícia, que
discute amplamente esse tema7, resultando em diversas publicações. Criado em agosto
de 2008 e coordenado pelo Prof. Fumikazu Saito (PUC/SP) e pela Profa. Dra. Marisa da
Silva Dias (UNESP-Bauru) tem se preocupado em discutir sobre as potencialidades
pedagógicas da História da Matemática, aprofundando

o diálogo entre historiadores e educadores matemáticos para desta forma


propiciar a construção de interfaces entre história e ensino embasada nas
novas tendências historiográficas e metodológicas que buscam na escrita da
história não somente os resultados e sim o processo do qual emergiram
(CASTILLO; SAITO, 2014, p.8).

Dentre os projetos desenvolvidos pelo HEEMa encontra-se a “Construção de


interface entre história da matemática e ensino na perspectiva lógico-histórico” que teve

7
Os estudos do HEEMa utilizam as tendências historiográficas atualizadas para a construção da interface
entre história da matemática e ensino, diferindo de outros grupos que realizam pesquisas cujo tema
principal é a incorporação da história no ensino, entretanto direcionadas a vertentes tradicionais.

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início junto com a criação do grupo. Durante esses 10 anos, o HEEMa publicou
diversos trabalhos sobre a interface entre história e ensino de matemática e instrumentos
matemáticos (Quadro 1). Nesse período, foi encontrado 13 trabalhos que versão sobre o
assunto estudado, sendo categorizado a partir da leitura dos artigos e/ou análise dos
resumos e sumários (dissertações e teses).

Quadro 1 - Levantamento de publicações do HEEMa


Categoria Trabalhos
Instrumentos matemáticos 9
Trabalhos

Interface entre história e ensino de matemática 5


Interface entre história e ensino e instrumentos matemáticos 13
TOTAL 27
Fonte: https://heemaweb.wordpress.com/. Acesso em: 12 de fev. de 2018.

Para facilitar o tratamento dos dados, categorizou-se os artigos pela obra


estudada dos autores, isto é, Tratado Del modo de Mesurane (1564) do Cosimo de
Bartoli; A Boke Named Tectonicon (1605) de Leonard Digges; Trattato del Radio
Latino (1586) de Latino Orsini; The Trigonal Sector (1650) de John Chatfield8.

Bloco 1 - Tratado Del modo de Mesurane (1564) do Cosimo de Bartoli


Os primeiros trabalhos (P1 e P2) ligados a essa temática foram publicados em
2009 e 2010, como minicursos e workshop em eventos da área, entretanto, não há
muitos detalhes, nem quanto à forma que foi construída a interface, nem ao instrumento.
Na ocasião, eles utilizaram os instrumentos matemáticos (quadrante geométrico,
quadrante num quarto de círculo e um báculo) no século XV e XVI contidos na obra
Tratado Del modo de Mesurane (1564), do Cosimo de Bartoli.
Dentre as publicações que utilizaram essa fonte em seus estudos, percebeu-se
que a maioria são dos pesquisadores, Prof. Dr. Fumikazu Saito e a Profa. Dra. Marisa da
Silva Dias (P1, P2, P3, P4, P5 e P7), que propõem atividades e aplicam-na, elencando
algumas potencialidades didáticas dos instrumentos contidos na obra estudada (Quadro
2).

8
Outras publicações de cunho mais teóricas também abordam essas fontes, contudo não apresentam como
proposta a construção de interface.

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Quadro 2 - Levantamento de trabalhos sobre a interface entre história e ensino de


matemática e instrumentos matemáticos no HEEMa
Título Autor(es) Ano
Saito e
P1 Instrumentos de medida no século XVI 2009
Dias
O ensino da matemática por meio de construção de Dias e
P2 2010
instrumentos de medida do século XVI Saito
A resolução de situações-problema a partir da construção e
Dias e
P3 uso de instrumentos de medida segundo o tratado Del modo di 2010
Saito
misurare (1564) de Cosimo Bartoli
Dias e
P4 História e ensino de matemática: o báculo e a geometria 2011
Saito
Articulação de entes matemáticos na construção e utilização Saito e
P5 2011
de instrumento de medida do século XVI Dias
Interface entre história da matemática e ensino: uma atividade Saito e
P6 2013
desenvolvida com base num documento do século XVI Dias
Algumas potencialidades didáticas do “setor trigonal” na Dias e
P7 2014
interface entre história e ensino de Matemática Saito
O estudo do Trattato del Radio Latino: Possíveis
Naci di
P8 contribuições para a articulação entre História da Matemática 2015
Beo
e ensino
Um estudo sobre os conhecimentos matemáticos incorporados
P9 e mobilizados na construção e no uso do báculo (cross-staff) Castillo 2016
em A Boke Named Tectonicon de Leonard Digges
Algumas considerações sobre o uso do báculo (baculum) na
Castillo e
P10 elaboração de atividades que articulam história e ensino de 2016
Saito
matemática
Dias,
O instrumento setor trigonal no ensino da matemática:
P11 Moraes e 2016
ângulos e triângulos
Moraes

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Setor trigonal: contribuições de uma atividade didática na


P12 formação de conceitos matemáticos na interface entre história Moraes 2017
e ensino de matemática
Número e grandeza: discutindo sobre a noção de medida por
P13 Saito 2017
meio de um instrumento matemático do século XVI
Fonte: Elaborado pelos autores.

Os trabalhos P3 e P4 são semelhantes, ambos apresentam algumas


“potencialidades pedagógicas de uma atividade que procurou construir e utilizar
instrumentos de medida” (DIAS; SAITO, 2010, p. 1)”, contidos na obra, entretanto o
primeiro estuda o quadrante geométrico, o quadrante num quarto de círculo e o báculo,
e o segundo somente o báculo. Embora haja uma discussão inicial sobre a fonte
estudada, esses trabalhos não apresentam de forma explícita o contexto, no qual os
conhecimentos matemáticos são mobilizados, nem o movimento do pensamento.
O livro P5 traz uma gama extensa de atividades envolvendo os três instrumentos,
trazendo uma contextualização mais sólida dos conhecimentos mobilizados, contudo
não trata do movimento do pensamento, nem apresenta as potencialidades didáticas dos
instrumentos.
O artigo P6 é teórico. Os autores fazem uma discussão sobre a construção da
interface entre história da matemática e ensino, explicando os passos, abordagens e as
três etapas de organização de uma atividade. Dentre os exemplos capaz de oferecer uma
aprendizagem interdisciplinar, eles mencionam o tratado Del modo di misurare.
As publicações P10 e P13, tratam da noção de medida por meio do uso do
báculo na obra Tratado Del modo de Mesurane. O primeiro apresenta uma
contextualização os conhecimentos matemáticos que são mobilizados pelo instrumento,
enquanto o segundo “teve por base uma situação-problema elaborada a partir de
questões de ordem epistemológica e matemática que emergiram da construção de uma
interface entre história e ensino de matemática” (SAITO, 2017, p. 917). O trabalho P13,
utiliza a TSD, Teoria das Situações Didáticas.

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Bloco 2 - The Trigonal Sector (1650) de John Chatfield


A proposta de incorporação da história no ensino de matemática foi tratada na
obra The Trigonal Sector (1650) de John Chatfield pelos autores, Dias e Saito (2014) e
Moraes (2017)9 nos trabalhos P7 e P12. No artigo de Dias e Saito (2014), os autores
elencam algumas potencialidades didáticas a partir do instrumento, principalmente
relacionada ao ensino de geometria, além de apresentarem o tratado e o instrumento,
bem como o contexto em que se inserem. Embora os dois aspectos da interface sejam
feitos parcialmente,

é preciso que tais potencialidades sejam exploradas tendo em vista uma


organização de ensino que procure articular o conhecimento matemático
incorporado no setor trigonal com o contexto histórico, o currículo escolar e
o público alvo, considerando a intencionalidade do professor de modo a gerar
uma profícua atividade matemática (DIAS; SAITO, 2014, p. 1250).

Partindo dessas potencialidades Dias, Moraes e Moraes (2016) propõem um


minicurso (P11) em evento, algumas atividades resultantes de reflexões e discussões de
conhecimentos matemáticos historicamente constituídos sobre “a quantidade de
qualquer ângulo, representar qualquer triângulo retângulo alinhado sendo dois de seus
ângulos conhecidos, representar qualquer triângulo retângulo, obtusângulo e acutângulo,
entre outras (DIAS; MORAES; MORAES, 2016, p. 4).
Já na dissertação de Moraes (2017, p.7), a P12, apresenta superficialmente o
contexto no qual os conhecimentos matemáticos são mobilizados, mas faz “movimento
do pensamento de estudantes do ensino médio na formação dos conceitos inerentes ao
uso do instrumento setor trigonal e seu respectivo tratado em uma atividade didática”
apresentando algumas potencialidades didáticas e atividades propostas.10

Bloco 3 - Trattato del Radio Latino (1586) de Latino Orsini


Na publicação (dissertação) P8, envolvendo o Trattato del Radio Latino
(1586) de Latino Orsini, a Beo (2015) perpassa por todas as etapas para a construção de
uma interface entre história e ensino: tratamento didático do documento, a

9
Foi encontrado um trabalho de Moraes e Dias (2017) relacionado a um produto educacional
desenvolvido como parte do mestrado profissional da primeira autora. Como o material já está contido na
dissertação de Moraes (2017), não contabilizamos para essa análise.
10
Percebe-se que outros trabalhos da autora e trabalhos teóricos publicados sobre o instrumento, fazem o
contexto histórico.

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intencionalidade, o plano de ação e o desenvolvimento (a tradução do Trattato, a


reconstrução da atividade do instrumento, a simulação de sua construção e uso);
propondo ao final duas atividades como produto dessa incorporação. Contudo, não há
uma aplicação dessas atividades associadas a ensino.

Bloco 4 - A Boke Named Tectonicon (1605) de Leonard Digges


A construção de uma interface utilizando o tratado A Boke Named Tectonicon
(1605) de Leonard Digges foi publicada na forma de tese em P9. Nela, Castillo (2016)
utiliza o báculo (cross-staff), para estudar os conhecimentos matemáticos incorporados
e mobilizados na sua construção e no seu uso, articulando as três dimensões: a
historiográfica, a contextual e a epistemológica. Neste trabalho não foi encontrado o
movimento do pensamento e as possíveis potencialidades didáticas, assim como não há
atividades.

Notas finais
Pesquisas que priorizam a incorporação da história da matemática no ensino têm
ganhado força no cenário nacional, principalmente atrelado ao uso de recursos didáticos
nas salas de aulas (educação básica e formação de professores). Nesse movimento, a
construção de uma interface se faz necessário à medida que, por meio do diálogo entre o
historiador e o educador matemático, surge possibilidades de atividades didáticas a
partir das três esferas: epistemológica, historiográfica e contextual, vislumbrando no
instrumento matemático um meio dessa inserção.
Estudos com instrumentos matemáticos estão em expansão, principalmente
voltado para seu uso didático na formação do professor de matemática, fato esse já
comprovado11. Entretanto, sua vinculação com a interface e a atual vertente
historiografia ainda precisa ser aprofundada e socializada no país, visto que sua
importância “pedagógica” está ligada principalmente em fornecer atividades
relacionadas ao conhecimento matemático incorporado no instrumento, em particular na
construção e utilização.

11
Ver Pereira (2016).

Boletim Cearense de Educação e História da Matemática - Volume 05, Número 14, 109 – 122 (2018)
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Ana Carolina Costa Pereira e Fumikazu Saito
Os instrumentos matemáticos na interface entre história e ensino de matemática: compreendendo o
cenário nacional nos últimos 10 anos

Pesquisas apontam a iniciativa do HEEMa em estudar essa temática,


especialmente focada na construção da interface com instrumentos matemáticos entre os
séculos XV a XVII, desde a criação do grupo. Ao todo foram 13 trabalhos publicados,
envolvendo as obras: Tratado Del modo de Mesurane (1564) do Cosimo de Bartoli; A
Boke Named Tectonicon (1605) de Leonard Digges; Trattato del Radio Latino (1586)
de Latino Orsini; The Trigonal Sector (1650) de John Chatfield, tenta, construir uma
interface.
Entretanto, foi percebido que alguns trabalhos, só faz o estudo do contexto no
qual os conhecimentos matemáticos são mobilizados, faltando o movimento do
pensamento. Para se construir interface é preciso articular esses dois aspectos e
encontrar as potencialidades didáticas, para posteriormente elaboração de atividades e
fazer um estudo dos resultados da aplicação.
Dessa forma, ainda são necessários estudos que gerem atividades com uma
intencionalidade e um plano de ação passível de ser aplicado na Educação Básica e na
Formação de professores. Contudo, esses trabalhos dão indícios e apontam várias
possibilidades de incorporação da história da matemática no ensino, em especial
utilizando a interface e os instrumentos.

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