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O48c
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7934-307-0
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ISBN: 9
78-85-7934-307-0 (papel)
978-85-7934-308-7 (e-book)
© do texto: Luciano Amaral Oliveira, 2023.
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, 2023.
Então, temos um conceito muito em voga e, ao mesmo
tempo, extremamente incerto: difundido por todos os
cantos, mas de maneira muito superficial. Sendo céti-
cos mais uma vez, poderíamos dizer que o discurso é
algo sobre o qual todos estão falando, mas sem terem
nenhuma certeza, sem saberem exatamente o que ele
é: está em voga e é vago. A ignorância e o apelo popu-
lar sempre foram uma mistura inebriante e perigosa.
Henry Widdowson
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Sumário
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................. 10
CONCLUSÃO..............................................................................................................................120
REFERÊNCIAS............................................................................................................................124
ÍNDICE DE NOMES...................................................................................................................130
Sumário 9
Introdução
NO FINAL DE 2009, tive o primeiro contato — tardio, é verdade —
com as ideias dos proponentes da análise crítica do discurso. Uma delas,
de imediato, chamou minha atenção: a pesquisa politicamente engajada.
Segundo Ruth Wodak e Michael Meyer (2009), os pesquisadores des-
sa área de conhecimento tentam deixar claros seus próprios interesses
e posições políticas sem abandonar o rigor necessário à realização de
suas investigações.
Achei aquilo interessante e fiquei tentado a conhecer um pouco
mais da área por conta de seu engajamento político. Afinal, sempre
ouço falar da (suposta) não neutralidade nas pesquisas científicas, da
lenga-lenga positivista segundo a qual quem faz pesquisa é tão neutro
que se apaga, sendo uma evidência do apagamento o uso da 3ª pessoa
do discurso em artigos, dissertações e teses.
Fiquei curioso, e algumas questões começaram a vir à minha ca-
beça. Por exemplo, o engajamento político assumido em uma pesqui-
sa pode interferir não apenas na escolha dos objetos de investigação,
mas também em sua análise e interpretação? Qual a razão de chama-
rem essa forma de analisar o discurso de “crítica”? E, principalmente,
o que é discurso?
O nome da área de estudos causa certa dificuldade: no Brasil, há quem
prefira traduzir o termo critical discourse analysis como análise de discur-
so crítica e usar a sigla adc. Mas essa tradução não me parecia a mais ade-
quada pelo fato de o termo análise de discurso e sua sigla, ad, remeterem,
quase automaticamente, à análise de discurso francesa (pêcheuxtiana ou
de base materialista). Considerei mais adequado traduzir o termo oriundo do
inglês desta forma: análise crítica do discurso, à qual me referirei usando
o acrônimo acd. Resolvi seguir, assim, a mesma lógica de alguns grupos
bakhtinianos no Brasil, que nomearam seu campo de estudos de análise
dialógica do discurso em vez de análise do discurso dialógica.
Li a versão brasileira de Discourse and Social Change, de Norman
Fairclough, o único de seus livros traduzido para o português e fonte
da intensificação do interesse pela acd no Brasil. Fairclough é o mais
emblemático teórico dessa área de conhecimento, como lembra Edward
Haig (2011): quando os críticos comentam a acd, eles geralmente pare-
cem ter em mente o trabalho desse autor.
A leitura do livro me deixou com muitas dúvidas e inquietações.
Por isso, decidi ler também outros textos de Fairclough, inéditos em
Introdução 11
português, e de outros teóricos, como Teun A. Van Dijk, organizador de
três coletâneas traduzidas para o português; Wodak, que tem um artigo
em português publicado no Brasil; Meyer e Gunther Kress. Li também
livros e artigos com críticas duríssimas à acd.
A partir dessas leituras, com a perspectiva faircloughiana em men-
te e seguindo os princípios metodológicos apresentados por Van Dijk,
examinei alguns textos como o Gênesis, artigos de duas revistas se-
manais brasileiras de grande circulação e postagens em redes sociais.
Tinha como foco problematizar questões relacionadas a desigualdades
analisando o discurso patriarcal, o discurso heteronormativo, o discurso
racista e o discurso de ódio aos pobres. Essas foram minhas tentativas
de colocar a acd em prática. Meu engajamento político estava explícito
nas escolhas temáticas. No entanto, eu estava muito inseguro em rela-
ção a três coisas.
A primeira era exatamente esse engajamento: ele teria me leva-
do a escolher textos que, inconscientemente, eu já sabia de antemão
conterem discursos reforçadores de desigualdades e de preconceitos?
Afinal, o Gênesis é sabidamente atravessado pelo discurso patriarcal e
as revistas Veja e Época são notoriamente conservadoras e porta-vozes
dos grupos dominantes no Brasil. Eu teria escolhido os objetos de inves-
tigação de maneira tendenciosa apenas para confirmar minhas crenças
político-ideológicas?
A segunda era o fato de eu não ter feito uma pesquisa etnográfica.
Isso me levou a questionar: outras pessoas interpretariam os textos da
mesma forma que eu? Haveria outros sentidos possíveis ali, que eu não
vira ou ignorara? Informalmente, eu verificava isso levando os textos para
minhas aulas, a fim de analisá-los com os alunos. Mas não seriam suas
interpretações semelhantes às minhas, por influência de minha presença?
A terceira coisa era o conceito de discurso. Sim, discurso… Eu não
conseguia chegar a uma definição satisfatória desse conceito a partir
dos textos dos teóricos da acd que eu havia lido até então, embora con-
tinuasse a trabalhar com ele. O incômodo era grande.
A inquietação, o incômodo e a insegurança me travaram. Então, parei
tudo o que estava fazendo em torno da análise crítica do discurso para pen-
sar essas questões. A acd, definitivamente, não estava me convencendo.
Hoje, passados vários anos desde meu primeiro contato com a área,
sigo com algumas inquietações e poucas certezas. Por essa razão, escolhi
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Preferi consultar o texto original em inglês e fiz as traduções dos trechos citados ao longo
deste livro. Também são minhas as traduções dos trechos de outros livros e artigos citados.
Introdução 13
dados. Apresento as limitações encontradas pela acd para atingir os ob-
jetivos propostos na sua agenda emancipadora, mostrando as limitações
do seu engajamento político. Além disso, discuto o comportamento, tal-
vez autossuficiente, de teóricos da acd diante dos leitores não analistas
do discurso. Finalmente, abordo as desconfianças causadas pelo envie-
samento inevitável provocado pelo engajamento político quando se tra-
ta de teóricos.
No terceiro capítulo, “Três questões metodológicas incontorná-
veis”, discuto três pontos imprescindíveis para a pesquisa em acd. Uma
delas diz respeito à definição e à delimitação do contexto no qual se
inserem os textos analisados. Esse é um dos pontos metodológicos mais
vulneráveis, pois, geralmente, praticantes da acd tratam o contexto de
forma superficial, mesmo sendo ele importantíssimo para a interpreta-
ção textual. A segunda questão diz respeito ao aporte etnográfico ne-
cessário para a construção do contexto e, consequentemente, para a
interpretação textual. A interdisciplinaridade é o foco da última ques-
tão, pois ela é considerada essencial para a análise crítica do discurso.
Contudo, não há um consenso entre os teóricos quanto ao conceito de
interdisciplinaridade.
Deixo aqui meus agradecimentos a Marcos Marcionilo pela leitura
atenciosa, pela revisão rigorosa e pelos comentários valiosos.
Espero, com este livro, contribuir para as reflexões e discussões
sobre a análise crítica do discurso.
Luciano Amaral Oliveira
Salvador, setembro de 2023