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As sete solenidades do Senhor

e seu caráter profético visto em Levítico cap. 23


As sete solenidades do Senhor 2

Indice

Introdução .................................................................................................. 5
O contexto geral do livro ................................................................................. 6
Comparando Levítico e Deuteronômio............................................................................ 9
Contrastando Levítico e Deuteronômio......................................................................... 10
As divisões principais do livro ........................................................................................... 12
O contexto das solenidades ......................................................................... 19
Considerações gerais sobre as solenidades .............................................. 21
Três passagens .................................................................................................................... 23
Três palavras......................................................................................................................... 24
Três preposições ................................................................................................................. 26
Três propósitos .................................................................................................................... 27
Três princípios espirituais .................................................................................................. 28
Três formas de dividir esta lista......................................................................................... 29
Páscoa ...................................................................................................... 33
A cronologia — a prioridade da Páscoa ....................................................... 34
O Cordeiro — a perfeição de Cristo.............................................................. 37
O cumprimento — o poder de Deus............................................................. 39
Asmos ....................................................................................................... 42
Santidade ilustrada no VT ............................................................................. 43
Sem espera .......................................................................................................................... 43
Sem exceção (Êx 13:7) ...................................................................................................... 44
Sem esforço humano......................................................................................................... 46
Santidade explicada no NT ........................................................................... 47
Primícias ................................................................................................... 50
Ligação com Asmos e Pentecostes .............................................................. 53
Lições práticas do Velho Testamento .......................................................... 56
Primeiras menções em Levítico 23 .................................................................................. 56
Prioridade do Senhor......................................................................................................... 58
Paz com Deus ...................................................................................................................... 58
Lições do Novo Testamento ......................................................................... 59
Pentecostes ............................................................................................. 61
A ocasião — o caráter da Igreja (vs. 15-16) .................................................. 65
Os pães — a composição da Igreja (v. 17) ................................................... 67
As ofertas (vs. 18-20) ...................................................................................... 70
A sobra (v. 22) ................................................................................................. 72
Conclusão ........................................................................................................ 72
As sete solenidades do Senhor 3

O Dia das Trombetas ............................................................................. 74


As características do período ....................................................................... 76
As características da festa ............................................................................. 79
A cronologia do cumprimento ..................................................................... 80
As características do cumprimento .............................................................. 82
O Dia da Expiação .................................................................................. 86
Peculiaridades em Levítico 23 ...................................................................... 87
O nome da festa ................................................................................................................. 88
Três tríades ........................................................................................................................... 88
Cumprimento do Dia da Expiação ............................................................... 91
Aflição ................................................................................................................................... 91
Descanso .............................................................................................................................. 94
Expiação ............................................................................................................................... 95
Tabernáculos ........................................................................................... 98
Uma descrição dupla ..................................................................................... 98
A primeira descrição (vs. 33-36) ................................................................. 100
A segunda descrição (vs. 39-43) ................................................................ 101
O final do plano de redenção........................................................................................ 102
A felicidade do Milênio ................................................................................................... 104
O fim do Milênio .............................................................................................................. 105
Finalmente, o fim .......................................................................................... 107
Conclusão .............................................................................................. 109
Apêndices .............................................................................................. 111
a. O destaque de cada solenidade em Levítico 23 ................................. 111
b. A cronologia da morte e ressurreição do Senhor ............................... 112
c. Ritual de Arão no Dia da Expiação......................................................... 118
d. O calendário de Israel ............................................................................. 120
e. Tabelas de ocorrências das palavras relacionadas às festas ............. 122
Páscoa ................................................................................................................................. 122
Pães Asmos ........................................................................................................................ 124
Primícias .............................................................................................................................. 125
Pentecostes ........................................................................................................................ 125
Trombetas .......................................................................................................................... 125
Expiação ............................................................................................................................. 125
Tabernáculos ..................................................................................................................... 126
f. Tabela resumida das festas ...................................................................... 127
g. Palavras em Levítico................................................................................. 128
As sete solenidades do Senhor 4
As sete solenidades do Senhor 5

Introdução
Levítico cap. 23 começa com as seguintes palavras ditas pelo Senhor: “As
solenidades do Senhor, que convocareis, serão santas convocações; estas são as
Minhas solenidades”. Em seguida, após uma breve menção do sábado semanal,
são mencionadas sete solenidades que deveriam ser repetidas todo ano pelo povo
de Israel. Pode parecer apenas uma lista de festividades e rituais religiosos anti-
gos, que não tem nada a nos ensinar — na realidade, porém, temos aqui um
tesouro de ensino para os salvos hoje em dia.

Este capítulo faz parte de uma tríade de listas de sete coisas na Bíblia que
fornecem um panorama profético de acontecimentos futuros: Levítico 23, Ma-
teus 13 e Apocalipse 2 e 3. Aqui, perto do começo da Bíblia, temos sete convo-
cações que apresentam um esboço da história da salvação desde o Calvário até
o Milênio, e nos mostram a sequência cronológica dos planos e propósitos de
Deus. No início do Novo Testamento temos sete comparações (as parábolas do
Reino) que apresentam um esboço da história do Reino dos Céus desde os dias
do Senhor na Terra até o dia do Senhor, e nos revelam a oposição do inimigo
aos planos de Deus (semeando joio, colocando fermento, etc.). E no último
livro da Bíblia temos sete cartas às sete igrejas da Ásia, que apresentam um es-
boço profético da época da Igreja, e destacam as falhas das pessoas envolvidas
nos propósitos de Deus (as cartas destacam os diversos problemas existentes
naquelas igrejas locais).

Cada uma destas listas é mais limitada no seu alcance do que a anterior. A
última trata apenas da época da Igreja; a central trata do Reino dos Céus, que
inclui a Igreja, mas não se limita a ela. Mas é na primeira, no texto que está
diante de nós neste estudo, que temos uma visão completa do plano de reden-
ção. Aqui não há espaço para as falhas dos homens (como em Apocalipse 2 e 3)
nem para a perseguição de Satanás (como em Mateus 13) — é a perfeição do
plano de Deus que está em vista. Pela riqueza dos detalhes associados a cada
uma destas sete solenidades, pela grandeza dos acontecimentos que estas sole-
nidades prefiguram, pela forma impressionante com que os detalhes prefigura-
dos se encaixam nas solenidades que já se cumpriram, e principalmente por es-
tarmos diante do calendário de Deus, e não dos homens, esta parte das
As sete solenidades do Senhor 6

Escrituras merece muito mais atenção do que costuma receber.

Quatro vezes nos primeiros quatro versículos do capítulo encontramos uma


expressão cujo significado literal é “datas agendadas”, ou “compromissos assu-
midos”. Ou seja, o que temos aqui em Levítico 23 é o Altíssimo apresentando
as datas agendadas no calendário divino, revelando-nos em figura os sete passos
que Ele Se comprometia a cumprir para efetuar o plano de redenção, e devolver
à Terra o descanso que o pecado comprometera. Ele faz isto no começo da re-
velação da Bíblia, logo que Seu povo foi redimido e congregado em torno do
Tabernáculo. O capítulo começa com uma menção do sábado (v. 3), e termina
da mesma forma, com um sábado extra acrescentado aos sete dias da Festa dos
Tabernáculos (v. 39). O descanso precioso do Éden é prefigurado no início do
capítulo, o descanso eterno encerra o calendário de Deus, e entre estes dois sá-
bados as sete solenidades prefiguram como Deus irá agir para restaurar o des-
canso que o pecado comprometeu.

Estudemos, então, este trecho, começando com alguns detalhes sobre o livro
de Levítico em geral, e sobre as partes do livro onde encontramos este esboço
profético tão interessante. O objetivo deste estudo não é apresentar tudo que as
Escrituras falam sobre cada uma destas solenidades, mas sim focalizar neste ca-
pítulo, e no esboço profético apresentado nele.

O contexto geral do livro


O livro de Levítico é o livro central do Pentateuco, os cinco livros escritos
por Moisés e que contam a história de Israel desde seu surgimento como nação
até sua chegada à terra prometida. Em Gênesis temos a escolha divina dos pa-
triarcas que dariam origem à nação; em Êxodo, sua libertação do Egito e seu
nascimento como nação; em Levítico, a nação recebe instruções sobre como
viver na presença de Deus; em Números, temos detalhes da sua viagem pelo
deserto; e em Deuteronômio, a nação recebe instruções sobre como continuar
servindo a Deus. Podemos resumir os movimentos de Israel em cada livro da
seguinte forma:

• Gênesis — descendo (Jacó e seus filhos, a futura nação de Israel, descem ao


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Egito);

• Êxodo — saindo (as doze tribos saem do Egito pelo poder de Deus);

• Levítico — aproximando (a nação aprende sobre as exigências divinas para


que eles se aproximem do Senhor e entrem na Sua presença);

• Números — caminhando (a nação atravessa o deserto, rumo à terra prome-


tida);

• Deuteronômio — continuando (o povo é lembrado, por Moisés, sobre como


devem se portar para continuar desfrutando da presença de Deus quando
entrarem na terra prometida).

Levítico, bem no centro do Pentateuco, é o mais importante destes livros


(do ponto de vista espiritual). Em Gênesis e Êxodo a ênfase recai sobre a sin-
gularidade dos procedimentos de Deus (preparando a entrada deles no Egito
através de José, e a saída deles através de Moisés). Nestes dois livros o povo é
visto em relação ao Egito. Em Números e Deuteronômio é a seriedade dos
procedimentos do povo que se destaca (o que fizeram, em Números, e o que
deveriam fazer, em Deuteronômio). Nestes dois livros o povo é visto em relação
à terra prometida. E Levítico fornece a ponte entre estes dois aspectos da vida
do povo de Deus, enfatizando a solenidade da presença de Deus e a soberania
dos propósitos de Deus. O povo é visto não em relação ao Egito ou à Terra
Prometida, mas em relação ao Tabernáculo, que representa a presença do pró-
prio Deus. Temos uma demonstração desta ênfase do livro quando percebemos
que a expressão “Eu sou o Senhor” ocorre em Levítico quase o dobro das vezes
que ocorre nos outros quatro livros do Pentateuco, juntos — quarenta e nove
vezes aqui, vinte sete vezes nos outros quatro livros. Aqui não é Abraão que se
destaca, nem Moisés, mas o Senhor mesmo.

A Tabela abaixo sintetiza as principais diferenças entre Levítico e os demais


livros do Pentateuco:
As sete solenidades do Senhor 8

Levítico e o Pentateuco
Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio
Descendo ao Subindo do Entrando no Caminhando Continuando
Egito Egito Santuário para a terra na terra
Israel e
Israel e o Egito Israel e a terra prometida
o Senhor
Deus em comu-
Deus agindo por Israel Deus exigindo de Israel
nhão com Israel
A solenidade da
A singularidade dos A seriedade dos
presença de
procedimentos de Deus procedimentos do povo
Deus

Este livro tem duas características bem interessantes:

• Seu conteúdo — ele é praticamente todo composto das palavras que Deus
falou a Moisés. Sabemos que toda a Escritura é a Palavra de Deus; mas nor-
malmente esta Palavra é transmitida através da boca de servos de Deus, ou
através de narrativas históricas, etc. Levítico, porém, se assemelha mais aos
livros dos profetas. Só existem dois pequenos parênteses que são narrativos
(caps. 8 a 10, onde lemos da consagração de Arão e seus filhos e da morte de
Nadabe e Abiú, e quatorze versículos no cap. 24, onde lemos da morte do
filho de Selomite); todo o restante do livro contém as palavras que Deus
disse a Moisés (repare a repetição da expressão “Falou o Senhor”, e expres-
sões equivalentes1).

• Sua cronologia — tudo indica que o conteúdo deste livro foi ditado a Moisés
durante o espaço de um mês. O livro anterior termina no primeiro dia do
primeiro mês do segundo ano da saída do Egito (Êx 40:17), e o livro seguinte
começa no primeiro dia do segundo mês do segundo ano (Nm 1:1). Não há
nenhuma sugestão2 no livro que nos leve a duvidar que Levítico realmente

1
Na ACF a expressão “falou o Senhor” ocorre treze vezes (5:14; 7:22; 10:8; 11:1; 14:1;
16:1; 22:1; 23:1, 9, 23, 33; 24:1, 13); “falou mais o Senhor” ocorre vinte e uma vezes (4:1;
6:1, 8, 19, 24; 7:28; 8:1; 12:1; 13:1; 14:33; 15:1; 17:1; 18:1; 19:1; 20:1; 21:16; 22:17, 26;
23:26; 25:1; 27:1), num total de trinta e quatro ocorrências.
2
É verdade que em Números cap. 7 temos o relato de um evento que ocorreu “no dia em
Moisés acabou de levantar o Tabernáculo”, que seria o mesmo dia do término de Êxodo.
Isto parece indicar que a sequência cronológica desta parte da Bíblia não é absoluta. Mas
As sete solenidades do Senhor 9

tenha sido transmitido a Moisés nestes trinta dias de intervalo entre Êxodo
e Números.

Nos dois detalhes vistos acima, temos uma comparação e um contraste entre
Levítico e Deuteronômio.

Comparando Levítico e Deuteronômio


Quanto à cronologia, vemos que assim como Levítico, Deuteronômio tam-
bém ocupa um período de um mês. Ele começa com uma data muito clara (“No
ano quadragésimo, no mês undécimo, no primeiro dia do mês”; 1:3), e termina
com a morte de Moisés, que ocorreu, tudo indica, exatamente trinta dias 3

é coerente entender que o cap. 7 de Números foi incluído fora do seu contexto cronológico
(devido ao seu assunto), como também podemos entender a expressão “no dia em que
Moisés acabou” num sentido mais genérico, somente indicando que foi depois da conclu-
são do Tabernáculo (no comentário Ritchie sobre Números 7, J. Stubbs sugere isto).
3
A Bíblia não relata o dia exato da morte de Moisés, mas alguns fatos mencionados em
Deuteronômio e Josué nos permitem calcular a data, com um ou dois dias de dúvida. Po-
demos começar com a travessia do Jordão, e ir contando para trás até chegar à morte de
Moisés. Sabemos a data da travessia do rio Jordão: o décimo dia do primeiro mês do qua-
dragésimo primeiro ano da saída do Egito (Js 4:19). Também sabemos que, antes de atra-
vessarem o rio Jordão, o povo ficou três dias acampado às margens do Jordão (Js 3:2);
portanto, devem ter chegado ao Jordão no dia 7 do primeiro mês, permanecido acampa-
dos os dias 7, 8 e 9, e no dia 10 atravessaram o rio. Antes disto, porém, houve a missão
dos espias, mencionada no cap. 2 de Josué. Não sabemos exatamente quantos dias eles
gastaram na sua missão, mas há pelo menos quatro dias mencionados na Bíblia: uma noite
que dormiram em Jericó, escondidos (Js 2:1), e três dias que passaram escondidos nos
montes (Js 2:22). Isto quer dizer que os espias devem ter saído do arraial do povo de Israel
no segundo dia daquele mês, passado aquele noite em Jericó, fugido para os montes du-
rante a madrugada do dia 3, passado os dias 3, 4 e 5 escondidos nos montes, e retornado
ao arraial (dou outro lado do Jordão) no dia 6. Na manhã seguinte o povo poderia então
levantar acampamento, e chegar às margens do Jordão no dia 7.
Precisamos também lembrar dos trinta dias que o povo de Israel lamentou a morte de
Moisés (Dt 34:8). Ora, se o espias partiram para Jericó no primeiro ou segundo dia do ano,
e antes disto o povo passou um mês inteiro lamentando a morte de Moisés, chegamos à
conclusão que Moisés morreu no primeiro ou segundo dia do último mês do quadragé-
simo ano da saída do Egito — que é exatamente um mês depois da data mencionada no
início do livro (Dt 1:3). Ele não pode ter morrido depois do segundo dia do duodécimo
mês (pois se isto aconteceu, não haveria tempo para trinta dias de luto, mais quatro dias
dos espias, mais três dias acampados, e tudo isto antes de atravessar o Jordão no dia 10
do próximo ano). Vemos uma confirmação destes cálculos em Josefo, que afirma que a
As sete solenidades do Senhor 10

depois, no primeiro dia do duodécimo mês daquele mesmo ano. Os dois livros,
portanto, ocupam um período igual (trinta dias), e entre eles temos o livro de
Números, que se ocupa em descrever os trinta e nove anos que separam Levítico
de Deuteronômio. Em Levítico vemos Deus falando ao povo durante trinta
dias, antes de iniciarem a peregrinação pelo deserto; em Deuteronômio vemos
Deus falando ao povo durante trinta dias ao final desta peregrinação, antes de
iniciarem a conquista da Terra Prometida. Ou seja, assim que o povo foi resga-
tado do Egito e construiu a tenda que seria a casa de Deus (o Tabernáculo),
Deus os manteve acampados aos pés do Sinai durante um mês, transmitindo a
eles as Suas exigências para que Ele habitasse no meio deles. Uma geração de-
pois, às margens da terra prometida, Deus os manteve acampados durante um
mês, lembrando-lhes pelo Seu servo Moisés das suas responsabilidades para
com Deus. A longa travessia do deserto começou e se encerrou com Deus trans-
mitindo ao Seu povo a Sua palavra, ensinando-os como se comportar na Sua
casa (Levítico) e na terra que Deus lhes daria (Deuteronômio). Isto nos lembra
da importância da Palavra de Deus para a nossa caminhada aqui na Terra. Seja
para sabermos “como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus
vivo” (prefigurada no Tabernáculo), seja para podermos apreciar a extensão das
bênçãos espirituais que são nossas hoje, e vivermos desfrutando delas (prefigu-
radas nas bênçãos da Terra Prometida), é fundamental pararmos um pouco e
ouvirmos o que Deus tem a nos falar pela Sua Palavra.

Contrastando Levítico e Deuteronômio

Se a cronologia dos dois livros nos fornece uma comparação proveitosa, o


conteúdo dos dois livros apresenta um contraste. Assim como Levítico, Deu-
teronômio é quase que totalmente formado por palavras dirigidas ao povo de
Israel; mas se em Levítico lemos dezenas de vezes: “Falou o Senhor”, em Deu-
teronômio esta expressão quase não aparece 4 . Se Levítico termina com as

morte de Moisés foi no primeiro dia do último mês do último ano no deserto. Obviamente,
as palavras dele não são inspiradas, mas nos mostram o entendimento dos judeus antigos
(veja o último parágrafo do quarto livro das Antiguidades dos Judeus). Portanto, podemos
afirmar, com um ou dois dias de dúvida, que foi realmente esta a data da morte de Moisés.
4
Se em Levítico (na ACF) encontramos as expressões “Falou o Senhor” e “Falou mais o
As sete solenidades do Senhor 11

palavras: “Estes são os mandamentos que o Senhor ordenou a Moisés para os


filhos de Israel” (Lv 27:34), Deuteronômio começa dizendo: “Estas são as pa-
lavras que Moisés falou a todo o Israel” (Dt 1:1). É claro que as palavras que
Moisés falou ao povo foram registradas para nós pela inspiração do próprio
Deus, e em muitas partes deste livro Moisés está repetindo ao povo as palavras
que Deus falou a ele. Não estou sugerindo que as palavras de Levítico são mais
importantes do que as de Deuteronômio — mas quero enfatizar o destaque di-
ferente nestes dois livros. Em ambos os livros temos a mensagem de Deus para
o Seu povo, mas em Levítico é enfatizada a fonte desta mensagem (Deus), en-
quanto que em Deuteronômio a ênfase cai sobre o transmissor desta mensagem
(Moisés). Em Levítico, Deus fala diretamente da Tenda da Congregação, mas
em Deuteronômio Ele fala por intermédio de Moisés. É como se em Deutero-
nômio houvesse uma diminuição do privilégio de Israel em relação a Levítico;
Deus está mostrando-nos que eles estão mais longe dEle em Deuteronômio do
que em Levítico5.

Se isto é verdade, devemos perguntar: o que explica esta mudança? Entre


Levítico e Deuteronômio está apenas o livro de Números, um livro que relata a
triste escolha de Israel em Cades-Barneia, quando tiveram medo de entrar na
Terra Prometida. Por causa daquela incredulidade, andaram trinta e oito anos
vagando pelo deserto, até que toda aquela geração morresse. Foi um erro sério
que trouxe consequências sérias. E creio que as consequências da sua escolha
errada lançam sua sombra sobre Deuteronômio: se antes de Cades-Barneia
Deus falava da Tenda da Congregação, agora Deus fala através de Seu servo.
Ainda é um grande privilégio — mas não é um privilégio tão elevado quanto o
que tiveram no passado. Quando deixaram de crer em Deus em Cades-Barneia,

Senhor” trinta e quatro vezes, (veja nota anterior) em Deuteronômio estas expressões
ocorrem somente quatro vezes (na ACF — 1:21; 5:22; 27:3; 32:48), sendo que três destas
ocorrências são ocasiões em que Moisés simplesmente está dizendo ao povo o que Deus
falou em outra ocasião. A única vez que a expressão é usada diretamente é em 32:48,
quando Deus diz a Moisés que ele deve subir ao monte e morrer.
5
Vemos outro exemplo desta diminuição do privilégio espiritual de Israel quando compa-
ramos as duas vezes em que Moisés desceu com as tábuas da Lei do Monte Sinai. Na pri-
meira ocasião, ele trouxe duas tábuas que Deus mesmo havia lavrado, e nas quais Deus
havia escrito com o Seu dedo (Êx 32:16), mas na segunda vez ele trouxe tábuas que, ape-
sar de conterem as mesmas palavras e de terem sido escritas pelo mesmo dedo de Deus,
eram tábuas que ele, Moisés, havia lavrado (Êx 34:1). Por causa do pecado vergonhoso
em torno do bezerro de ouro, Israel perdeu algo que nunca mais recuperou.
As sete solenidades do Senhor 12

perderam algo que nunca mais poderiam recuperar.

Nossas escolhas erradas podem, muitas vezes, ser consertadas, e podemos


(devemos!) restaurar nossa comunhão com o Senhor. Mas sempre haverá con-
sequências e perdas, e algumas destas consequências podem nos acompanhar
pelo resto das nossas vidas! Há tantos exemplos deste princípio na Bíblia: Moi-
sés impedido de entrar na Terra prometida, Davi vendo seu filho recém-nascido
morrer, etc. A lição é solene e atual.

As divisões principais do livro


Tendo pensado em como o livro de Levítico se relaciona com os livros ao
seu redor, podemos chegar um pouco mais perto do trecho que estamos consi-
derando, e procurar ver como o assunto de Levítico (como um povo resgatado
da escravidão deve se comportar na presença do Deus eterno) é desenvolvido no
decorrer do livro.

Quero sugerir que podemos dividir o livro de Levítico em três partes princi-
pais, nas quais Deus trata dos três empecilhos à comunhão entre Ele e Seu povo.
Como vimos acima, neste livro lemos de Israel em relação ao Senhor (não ao
Egito nem à terra prometida). O livro anterior (Êxodo) terminou com o Taber-
náculo erguido, e a glória do Senhor enchendo aquele Tabernáculo. Deus está
entre eles — que privilégio! Sim — mas que responsabilidade! Não era pouca
coisa saber que o Deus eterno habitava entre eles. Nenhuma nação da Terra
(naquela época, ou em qualquer outra) tinha este privilégio.

Mas para que Deus habite entre eles, algumas coisas precisam ser corrigidas.
Destaquei acima que este livro irá enfatizar a solenidade da presença de Deus e
a soberania dos propósitos de Deus. Devido à solenidade da presença de Deus
certas coisas precisavam mudar, pois Deus é infinitamente mais santo que Seu
povo. Devido à soberania dos Seus propósitos, Deus exige que os israelitas mu-
dem, pois Deus é imutável. Não temos neste livro sugestões para serem avalia-
das pelo povo, mas mandamentos para serem obedecidos.

Se os filhos de Israel querem desfrutar da presença de Deus no seu meio,


precisarão se preocupar com a sua condição (eles são, por natureza, pecadores),
As sete solenidades do Senhor 13

suas circunstâncias (eles vivem num mundo contaminado, por isso estão sujei-
tos à imundícia), e seu comportamento (eles têm a tendência de seguir o seu
próprio caminho, e profanar o nome do Senhor). Se fizermos uma análise das
palavras mais frequentemente usadas em cada parte do livro (veja algumas ta-
belas nos Apêndices), veremos como Levítico trata destes três problemas con-
secutivamente, dedicando os primeiros dez capítulos ao problema da sua con-
dição, os sete capítulos do meio às suas circunstâncias, enquanto os últimos dez
capítulos falam sobre o seu comportamento.

Palavras e suas ocorrências

Os primeiros dez capítulos falam repetidamente sobre sacrifícios e sacerdo-


tes. De 1:1 até 6:7 temos a descrição detalhada dos cinco tipos de sacrifício
(holocausto, oferta de alimentos, oferta pacífica, expiação do pecado e expiação
da culpa), e de 6:8 até 7:21 temos as leis referentes a cada um desses sacrifícios.
O restante do cap. 7 apresenta alguns outros detalhes sobre os sacrifícios, e ter-
mina com esse resumo: “Esta é a lei do holocausto, da oferta de alimentos, e da
expiação do pecado, e da expiação da culpa, e da oferta das consagrações, e do
sacrifício pacífico” (7:37). Os próximos três capítulos descrevem a consagração
de Arão e seus filhos para este ofício tão importante do sacerdócio. Nesta pri-
meira parte do livro, três palavras hebraicas para “pecado”, e diversas palavras
relacionadas aos sacrifícios (altar, sangue, etc.), ocorrem, juntas, mais do que o
dobro de vezes6 do restante do livro todo. “Pecado”, por exemplo, ocorre setenta
e oito vezes nestes dez capítulos, e só vinte e cinco vezes na parte do meio e
treze vezes na parte final. As ocorrências de “altar” são ainda mais impressio-
nantes: setenta e seis vezes nesta parte, e nas próximas duas partes do livro so-
mente nove e duas vezes, respectivamente. O uso frequente destas palavras nes-
tes capítulos confirma que este é o assunto destacado aqui: um povo pecador
não pode se aproximar de Deus a não ser através do altar e dos sacrifícios.

Nos capítulos 11 a 17, porém, será destacado outro problema — não mais o
pecado, mas agora a imundícia. Três palavras hebraicas traduzidas “imundo”,

6
Para ver como é impressionante a diferença entre a frequência do uso de algumas palavras
nas diversas partes de Levítico, consulte as várias tabelas no final deste estudo, que mos-
tram mais detalhes sobre as palavras mais usadas em cada parte do livro.
As sete solenidades do Senhor 14

que só ocorrem dez vezes nos primeiros dez capítulos e vinte e quatro vezes nos
últimos dez, ocorrem trinta e quatro vezes só no cap. 11, e ocorrerão mais ses-
senta e três vezes até chegarmos no final do cap. 17 (ou seja, noventa e sete vezes
nestes sete capítulos!). A questão tratada aqui não é tanto o pecado que todo ser
humano possui por natureza, mas a contaminação cerimonial a que o povo es-
tava sujeito, e que atrapalharia seu relacionamento com um Deus puro. Entre
as coisas que poderiam contaminá-los são mencionadas coisas que não são, em
si mesmas, pecaminosas (como alimentos imundos no cap. 11, e o parto7 no
cap. 12), e outras coisas nas quais o israelita muitas vezes não teria culpa (como
a lepra dos caps. 13 e 14). Aqui vemos que além do problema interno (o pecado
no coração) existia o problema externo: este povo vivia cercado por alimentos
imundos (cap. 11), sujeitos a doenças imundas (caps. 13 e 14) e outras conta-
minações. Por isto expressões relacionadas com a purificação da imundícia
(como “água”, “lavar”, “limpar”) serão mencionadas nestes capítulos centrais
mais vezes do que em todo o restante do livro. A palavra hebraica traduzida
“limpar”, por exemplo, não ocorre nenhuma vez nos primeiros dez capítulos, e
somente duas nos últimos dez; mas nestes sete capítulos centrais, ocorre qua-
renta e uma vezes! Considerando as palavras que são mais comuns nesta parte
do livro, percebemos qual é o assunto destacado aqui: um povo constantemente
sujeito a contaminação não pode se aproximar de Deus sem primeiro se lavar
(cerimonialmente).

Quanto chegamos nos últimos dez capítulos (18 a 27), novamente veremos
uma mudança nas palavras que são usadas com mais frequência. Lemos menos
do pecado e da imundícia, mas a palavra “profanar”, que não foi usada nenhuma
vez até este ponto do livro, é usada dezesseis vezes nestes dez capítulos! Não
está sendo apresentado tanto a condição essencial do israelita (contaminado
pelo pecado), nem a contaminação externa a que ele estava sujeito na sua vida
cotidiana, mas o comportamento errado do povo de Deus, deliberadamente de-
sobedecendo ao Senhor. E as palavras que apresentam a solução para um com-
portamento profano (como “juízos” e “estatutos”, que apresentam o caminho

7
Pode parecer estranho que uma mulher seria imunda após dar a luz, e precisasse de um
sacrifício para a sua purificação. É errado dar a luz? Certamente que não; mas desde a
Queda no jardim do Éden há uma maldição associada a este acontecimento tão lindo, pois
no parto é gerada uma vida (pela graça de Deus), mas uma vida pecadora (por causa da
Queda).
As sete solenidades do Senhor 15

correto, ou “fazer” e “andar”, que mostram ao israelita a sua responsabilidade),


são muito mais frequentes nestes últimos capítulos do que no restante do livro.
A palavra “andar”, por exemplo, não foi usada nenhuma vez nas primeiras duas
partes do livro, mas aparece oito vezes nesta parte. As palavras que se destacam
nestes capítulos apontam para o assunto principal desta parte: um povo que tem
a tendência a se rebelar contra Deus precisa reconhecer a soberania dEle, an-
dando nos Seus caminhos e seguindo os Seus juízos.

Percebemos, portanto, que três aspectos prejudiciais à comunhão são apre-


sentados: o pecado (caps. 1 a 10), a contaminação (caps. 11 a 17) e a desobedi-
ência (caps. 18 a 27). Se continuarmos a pesquisar a frequência relativa das pa-
lavras em Levítico, veremos que cada uma das três partes do livro apresenta
também (além de um problema e sua solução) uma condição essencial para ha-
ver comunhão entre o povo e Deus.

Os caps. 1 a 10 destacam o pecado — mas graças a Deus, o pecado pode ser


perdoado pelo sangue do sacrifício do Senhor Jesus, para o qual os sacrifícios de
Levítico apontavam. Assim, encontraremos a palavra “perdoado” nove vezes
nestes capítulos, e somente mais uma vez no restante do livro. Da mesma forma
nos caps. 11 a 17 veremos que a contaminação cerimonial, se tratada conforme
Deus exigia, poderia ser limpa. As palavras “limpo”, “limpar” e “purificação”
(literalmente, “limpeza”), que só ocorrem cinco vezes na primeira parte do livro
e seis na última, são vistas aqui cinquenta e cinco vezes. E chegando à última
parte, onde a desobediência do povo é tratada, encontramos a palavra “perdo-
ado” só uma vez, e “limpo” apenas seis vezes; mas “santo” é usada setenta e nove
vezes nestes dez capítulos!

Assim vemos que o povo pecador pode ser perdoado (caps. 1 a 10), o povo
imundo pode ser limpo (caps. 11 a 17), e o povo profano pode ser santo (caps.
18 a 27). Levítico está ensinando que, se Deus irá habitar entre eles, é necessário
que sejam perdoados, purificados e santificados.

Outra diferença interessante entre as três partes do livro é que nos primeiros
dez capítulos muito destaque é dado a Arão, que será mencionado por nome
cinquenta e seis vezes (e só quinze vezes na segunda parte, e nove na última). Já
na segunda parte, o nome de Arão é mencionado muito menos, mas a palavra
As sete solenidades do Senhor 16

“sacerdote” é encontrada cento e sete vezes (comparado com sessenta e duas


vezes na primeira parte e vinte e cinco na última). E os últimos dez capítulos
apresentam ainda outra ênfase: o nome de Arão e a palavra “sacerdote” são me-
nos frequentes, mas a expressão “Eu sou o Senhor”, que só aparece duas vezes
antes destes capítulos, ocorre quarenta e sete vezes!

Sintetizando estas diferenças, chegamos à tabela8 abaixo:

Principais divisões de Levítico


Caps. 1 a 10 Caps. 11 a 17 Caps. 18 a 27
Purificação — Procedimento —
Ensino Perdão — acesso à
aprendizado da aceitação da priori-
principal presença de Deus
pureza de Deus dade de Deus.
Pecado (condição Imundícia (conta- Profanação (com-
Problema
essencial) minação externa) portamento errado)
Posição Perdoado Limpo Santo
Personagem Arão Sacerdote Eu sou o Senhor

Três relacionamentos

Percorrendo o livro de Levítico encontramos uma expressão sendo repetida


com ligeiras modificações, e analisando estas ocorrências veremos uma confir-
mação da divisão apresentada acima. É como olhar para o mesmo assunto, de
outro ponto de vista.

A expressão a que me refiro é: “Eu sou o Senhor … que vos tirei da terra do
Egito”. Esta expressão ocorre quatro vezes9 no livro, sempre na última parte, e

8
Gostaria de ressaltar que esta é uma divisão possível do livro. Dada, porém, a riqueza de
detalhes da Palavra de Deus, é possível dividir seus livros de diversas formas, dependendo
da maneira como nos aproximamos do livro. Tom Bentley sugere (comparando com Hb
10:19-25): A lei das ofertas — nossa apreciação de Cristo (caps. 1 a 7); A lei do sacerdócio
— nossa consagração a Cristo (caps. 8 a 10); A lei das purificações — nossa santificação a
Cristo (caps. 11 a 22); A lei dos períodos — nossa adoração de Cristo (caps. 23 a 27).
9
O Egito é mencionado onze vezes neste livro. Em 11:45 está associado com outra palavra
hebraica (“subir”, e não “tirei”); em 18:3 e 19:34 não lemos deles sendo tirados do Egito;
em 25:42 não temos a expressão “Eu sou o Senhor”; e em outras três referências (23:43,
25:55 e 26:45) o Senhor não fala diretamente a eles (“… vos tirei …”), mas fala de como
As sete solenidades do Senhor 17

cada ocorrência acrescenta mais um detalhe sobre a sua libertação:

i) 19:36 — “Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito” — o
fato da sua libertação;

ii) 22:32-33 — “Eu sou o Senhor que vos santifico, que vos tirei da terra do
Egito para ser o vosso Deus” — um novo Deus;

iii) 25:38 — “Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito, para
vos dar a terra de Canaã, para ser o vosso Deus” — uma nova pátria;

iv) 26:13 — “Eu sou o Senhor vosso Deus, que vos tirei da terra do Egito [ape-
sar de ser traduzido “dos egípcios” por algumas versões, no hebraico é a
mesma palavra dos versículos acima], para que não fôsseis seus escravos; e
quebrei os timões do vosso jugo, e vos fiz andar eretos” — uma nova forma
de servir.

A primeira vez que a expressão é usada apenas temos o fato: o Senhor os


tirou do Egito.

Na segunda vez vemos uma mudança espiritual que esta libertação provocou:
agora Deus é o Deus deles. Os primeiros dez capítulos de Levítico mostram o
meio de acesso a este Deus, e as responsabilidades específicas que o povo teria
pelo fato de agora estarem num relacionamento com Deus.

Na terceira referência vemos uma mudança material: eles receberam de Deus


a terra de Canaã. A segunda parte do livro (caps. 11 a 17) trata de questões
principalmente cerimoniais relacionadas à sua vida na nova terra.

Na quarta referência, temos uma ilustração que resume de forma muito pre-
ciosa o conteúdo da última parte do livro (caps. 18 a 27). Antes de ser liberto
do Egito, Israel andava encurvado pelo peso do jugo, sem poder erguer a cabeça.
Mas Deus quebrou os timões do seu jugo, e os fez andar de cabeça erguida. A
última parte do livro trata justamente de como Israel, agora livre da escravidão
opressora do Egito, poderia andar dignamente diante de Deus na sua própria

geração futuras saberão que o Senhor tirou Israel do Egito. Restam as quatro referências
consideradas no texto, onde temos esta fórmula exata: “Eu sou o Senhor … que vos tirei
da terra do Egito”.
As sete solenidades do Senhor 18

terra.

Em 22:32 vemos o novo relacionamento deles com Deus; em 25:38, seu re-
lacionamento com uma terra nova; em 26:13 a ênfase recai no seu relaciona-
mento pessoal, não mais envergonhados pelos timões do jugo do Egito, mas
livres pela graça de Deus.

Três problemas

Os três problemas (e suas soluções) apresentados nas três partes do livro de


Levítico tem um paralelo com a nossa experiência.

A primeira parte do livro trata do problema da nossa condição: somos, por


natureza, pecadores, e é somente o sacrifício do Senhor Jesus na cruz do Calvá-
rio que pode resolver este problema e nos dar o perdão.

Tendo sido perdoados, ainda precisamos nos preocupar com as nossas cir-
cunstâncias. Temos a carne habitando em nós, e vivemos num mundo conta-
minado e contaminador. Estamos constantemente precisando da purificação da
Palavra de Deus, como o Senhor Jesus ensinou a Pedro na noite da Sua traição
(Jo 13:10). Tendo sido salvos, não precisamos mais do perdão dos pecados no
sentido judicial para remover nossa condenação, mas ainda precisamos confessar
os pecados para restaurar nossa comunhão com Deus (“Aquele que está lavado
[conversão dos salvos] não necessita de lavar senão os pés [confissão para co-
munhão], pois no mais todo está limpo”.

Mas a salvação e a santificação não nos levam ao fim da nossa experiência


aqui na Terra; falta ainda a consagração, a sujeição total à soberania de Deus. É
possível o cristão viver alegre na certeza da sua salvação, e cuidadosamente pro-
curando manter sua comunhão com Deus, evitando a contaminação diária, mas
nunca se consagrar completamente ao Senhor. Ele não pode ser condenado
(pois é salvo), não pode ser difamado (pois mantém um bom testemunho), mas
sua vida é fria e superficial. A última parte do livro de Levítico mostra-nos como
o Senhor quer interferir em todas as áreas da nossa vida.
As sete solenidades do Senhor 19

O contexto das solenidades


As sete solenidades do Senhor se encontram na última destas três partes do
livro de Levítico, onde é apresentado o procedimento esperado daqueles que,
tendo tido acesso à presença de Deus na base dos sacrifícios (caps. 1-10) e tendo
aprendido sobre as exigências elevadas da pureza de Deus (caps. 11-17), estão
procurando viver à luz da verdade preciosa de que são propriedade de Deus.

Oito vezes nestes capítulos o Senhor é apresentado como aquele que os tirou
do Egito10, e sete vezes como aquele que os santifica (nenhuma outra ocorrência
no livro), enfatizando assim a prioridade que Ele merece ter nas vidas deles, que
foram comprados e santificados por aquele que diz: “Eu sou o Senhor”.

É apenas nesta seção que encontramos a expressão exata: “Eu sou o Senhor
que vos tirei da terra do Egito”, que já consideramos acima (“Três relaciona-
mentos”). Também é apenas aqui que encontramos a expressão: “Eu sou o Se-
nhor que vos santifica” (sete vezes: 20:8; 21:8, 15, 23; 22:9, 16, 32). A expressão
“Eu sou o Senhor” (seguida ou não de algum qualificativo) só apareceu duas
vezes antes desta parte do livro, mas aqui é encontrada quarenta e sete vezes! A
palavra “andar”, que não foi usada nenhuma vez antes do cap. 18, é usada oito
vezes nestes últimos capítulos. Nesta parte do livro, portanto, o Senhor está
enfatizando a Sua autoridade sobre eles e a santidade que Ele espera no seu
andar. Deus quebrou os timões do jugo que os egípcios colocaram sobre eles e
os redimiu para serem o povo dEle, e agora espera que eles andem dignamente
diante dEle (26:13).

Este novo andar afetaria a vida do povo de Israel de uma forma completa,
abrangendo todas as áreas das suas vidas. Esta parte do livro se divide em quatro
partes menores, cada uma das quais contém, somente uma vez, aquela expressão
que destaquei anteriormente: “Eu sou o Senhor que vos tirei da terra do Egito”
(19:36, 22:33, 25:38, 26:13), e enfatizando a prioridade absoluta do Senhor so-
bre eles em tudo:

10
As ocorrências são: 19:36; 22:33; 23:43; 25:38, 42, 55; 26:13, 45. Destas oito, sete contém
também a expressão “Eu sou o Senhor” (menos 25:42). A única outra ocorrência a tirar do
Egito no livro é em 11:45, onde uma outra palavra hebraica é usada.
As sete solenidades do Senhor 20

i) Caps. 18 a 20 — O Senhor tem prioridade nas casas. Nestes capítulos lemos


principalmente sobre a vida familiar do povo de Israel: relacionamentos e
práticas que deveriam evitar (caps. 18 e 19), e as penas por desobedecer a
estas instruções (cap. 20).

ii) Caps. 21 e 22 — O Senhor tem prioridade na congregação. Estes dois capí-


tulos são dirigidos aos sacerdotes, falando da santidade deles e do serviço
deles ao oferecerem sacrifícios, representando a congregação diante do Se-
nhor.

iii) Caps. 23 a 25 — O Senhor tem prioridade no calendário. Estes capítulos


tratam principalmente de datas especificamente separadas para o Senhor: as
sete solenidades (cap. 23), procedimentos diários e semanais no Tabernáculo
(cap. 24), e os anos sabáticos e do jubileu (cap. 25).

iv) Caps. 26 e 27 — O Senhor tem prioridade na consagração. Os dois últimos


capítulos são uma conclusão muito adequada ao livro, mostrando a preemi-
nência absoluta do Senhor. No cap. 26 lemos das bênçãos para os consagra-
dos e das maldições para os rebeldes, e no último capítulo temos instruções
detalhadas sobre os votos e as coisas consagradas ao Senhor.

É sobre este pano de fundo que devemos olhar para estas solenidades. Não
eram festas comuns que os gentios também celebravam — eram exclusividade
do povo de Deus. Foram estabelecidas por Deus, não por eles, e deveriam ser
uma demonstração da prioridade do Senhor na vida deles. Duas coisas são des-
tacadas:

i) A interferência divina no calendário de Israel. As sete datas foram escolhidas


unicamente pelo Senhor, conforme Ele quis. Aliás, todo o calendário judaico
tem o selo de autenticidade divino através do uso repetido do número sete:
havia sete dias na semana11, o sétimo dia era especial, o sétimo ano era um

11
A quantidade de dias no ano, e de dias no mês, está relacionado com o tempo que a Terra
leva para girar em torno do Sol (para o ano) e a Lua em torno da Terra (para o mês), mas
os dias da semana não tem nenhuma relação com o Sol ou com a Lua; foi o Senhor quem
decidiu criar a Terra em seis dias e descansar no sétimo, dividindo assim a semana em sete
dias.
As sete solenidades do Senhor 21

ano sabático, a cada sete vezes sete anos havia um ano de jubileu, havia sete
festas no ano (três delas no sétimo mês do calendário religioso12, e três no
sétimo mês do calendário civil), havia sete semanas entre Primícias e Pente-
costes, o sétimo mês do calendário civil era o primeiro do calendário religi-
oso, e o sétimo do religioso era o primeiro do civil, havia sete dias especial-
mente santos dentre as solenidades — dias que em Levítico 23 seriam con-
siderados como o sábado, onde nenhum trabalho poderia ser feito: o pri-
meiro (v. 7) e último (v. 8) dia dos Pães Asmos, Pentecostes (v. 21), Trom-
betas (v. 25), Expiação (vs. 28, 30, 31), e o primeiro (v. 35) e último (v. 36)
dos Tabernáculos — e assim por diante.

ii) Antes de falar sobre estas congregações do Seu povo, o Senhor ocupou muito
espaço neste livro falando sobre a necessidade de serem santos, enfatizando
assim o que veremos logo adiante: que aqueles que congregam na presença
de Deus precisam se preocupar com a sua condição. “Guarda o teu pé quando
entrares na casa de Deus”, disse alguém mais sábio do que eu e você (Ec 5:1),
e temos aqui uma ilustração deste princípio.

Considerações gerais sobre as solenidades


O capítulo começa com uma repetição dupla interessante, separada pela
menção do sábado (vs. 2-4). Os vs. 2 e 4 são quase idênticos, cada um contendo
duas vezes cada a palavra “festa” (mowed) e a palavra “convocação” (qara, na
forma de verbo ou substantivo). Reproduzo essa introdução abaixo numa tra-
dução livre, para destacar mais a relação entre os termos:
As datas agendadas do Senhor,

12
Israel hoje segue, oficialmente, dois calendários diferentes: o calendário gregoriano (o
mesmo que usamos no Brasil) e o calendário judaico (o mesmo apresentado na Bíblia). O
calendário judaico segue duas contagens diferentes dos meses, devido à mudança institu-
ída quando Deus os tirou do Egito. A saída do Egito ocorreu no sétimo mês do antigo
calendário judaico, mas Deus disse: “Este mês vos será o princípio dos meses; este vos será
o primeiro dos meses do ano” (Êx 12:2). Assim o sétimo mês do calendário civil passou a
ser o primeiro mês do calendário religioso, e os dois “calendários” (realmente, duas formas
diferentes de contar os meses no mesmo calendário) continuam sendo usados até o dia de
hoje. O calendário religioso é usado para as festas e as formalidades do Templo, e o ca-
lendário civil é usado para todas as outras finalidades (em termos gerais).
As sete solenidades do Senhor 22

que convocareis,
serão santas convocações;
são as Minhas datas agendadas.
Seis dias trabalho se fará, mas o sétimo dia será um sábado sabático,
santa convocação;
nenhum trabalho fareis; sábado do Senhor é em todas as vossas habitações.
Estas são as datas agendadas do Senhor,
as santas convocações
que convocareis
nas suas datas agendadas.

Vemos assim enfatizado o fato de que as solenidades eram do Senhor, e não


deles, e também a responsabilidade que eles tinham de convocar estas solenida-
des nas datas que Deus agendou. Ele decidiu; agora Ele espera que eles cum-
pram.

O mais impressionante é perceber que, no início da Bíblia, Deus já resume


os pontos principais do plano de redenção, conduzindo-nos até o estado eterno.
Havia cinco solenidades que duravam um dia (representando eventos no calen-
dário divino) e duas solenidades que duravam uma semana (destacando carac-
terísticas de um período). Podemos resumir o significado profético destas sete
solenidades assim:

i) Páscoa — a morte do Senhor no Calvário (Ele morreu no mesmo dia em


que os judeus celebravam a Páscoa);

ii) Pães Asmos — a vida de santificação que resulta desta morte (uma semana
de duração);

iii) Primícias — a ressurreição de Cristo (Ele ressuscitou no dia das Primícias);

iv) Pentecostes — a formação da Igreja, o corpo de Cristo (que ocorreu exata-


mente neste dia no calendário judaico);

v) Trombetas — o ajuntamento futuro de Israel na vinda de Cristo;

vi) Expiação — a purificação nacional de Israel na vinda de Cristo;


As sete solenidades do Senhor 23

vii) Tabernáculos — o descanso do Milênio, conduzindo ao descanso eterno


(uma semana de duração).

No decorrer do estudo tentarei apresentar os detalhes que comprovam o es-


boço acima, na esperança de que, ao meditar sobre estas sete solenidades e na
riqueza de detalhes que este capítulo apresenta, sejamos levados a glorificar o
Senhor pela Sua soberania e presciência, revelando-nos, em figura, o Seu plano
de redenção séculos antes dele ser cumprido.

Comecemos, porém, olhando para as solenidades como um todo, e desta-


cando alguns grupos de três coisas relacionadas a este calendário divino.

Três passagens
Esta é a única passagem que menciona todas as sete solenidades com suas
datas, mas não é a única menção destas solenidades na Bíblia. Além de duas
referências resumidas e passageiras em Êxodo (onde somente são mencionadas
Asmos, Pentecostes e Tabernáculos, sem maiores detalhes — Êx 23:14-17 e
34:18 e 22), temos mais duas passagens que tratam detalhadamente destas so-
lenidades. Unindo-as com Levítico 23, temos o seguinte esboço:

i) Em Levítico 23 todas as sete são apresentadas, e a ênfase recai sobre as suas


datas. O contexto geral confirma isto (como visto acima), e também o uso
repetido13 da palavra mowed (que quer dizer, literalmente, “datas agendadas”
— datas que o Senhor escolheu). Ali Deus usa a expressão: “… as Minhas
solenidades” (Lv 23:2). Um dos erros de Jeroboão foi estabelecer um dia
santo numa data que ele “imaginou em seu coração” (I Rs 12:33). Estas sete
solenidades não poderiam ser celebradas em qualquer dia — Deus escolheu
as datas de cada uma delas.

ii) Em Números 28 e 29 temos uma lista quase completa (falta apenas Primí-
cias). A lista faz parte de uma série de instruções sobre ofertas: temos

13
A palavra mowed ocorre seis vezes nesse capítulo (duas vezes no v. 2, duas vezes no v. 4,
e uma vez cada nos vs. 37 e 44), apenas uma vez no trecho de Números (29:39 — ocorre
também em 28:2, mas referindo-se ao holocausto diário) e apenas uma vez no trecho de
Deuteronômio (16:6).
As sete solenidades do Senhor 24

detalhes sobre as ofertas diárias, as ofertas dos sábados, e as ofertas das sole-
nidades também são detalhadas. Ali é enfatizado que as solenidades não po-
deriam ser celebradas de qualquer forma — Deus deu detalhes bem especí-
ficos sobre o que deveria ser feito em cada uma delas. Se em Levítico 23
lemos das solenidades do Senhor, aqui o Senhor diz: “Da Minha oferta, do
Meu alimento para as minhas ofertas queimadas, do Meu cheiro suave, te-
reis cuidado” (Nm 28:2).

iii) Em Deuteronômio 16 são mencionadas quatro das festas (Páscoa, Asmos,


Pentecostes e Tabernáculos — sendo que estas englobam todo o calendário
anual, no 1º, 3º e 7º mês), novamente com uma ênfase diferente: seis vezes
naquele trecho lemos a expressão: “… no lugar que o Senhor teu Deus esco-
lher …” Aqui aprendemos que as solenidades não poderiam ser celebradas
em qualquer lugar, mas somente no lugar que o Senhor Deus escolher para
ali fazer habitar o Seu nome. A ênfase não recai sobre as solenidades do
Senhor (como em Levítico 23), nem sobre os sacrifícios do Senhor (Núme-
ros 28 e 29), mas sobre o santuário do Senhor.

Ou seja, Levítico cap. 23 apresenta as datas quando estas solenidades deve-


riam ser celebradas, Números caps. 28 e 29 mostram os detalhes de como de-
veriam ser estas celebrações, e Deuteronômio cap. 16 fala sobre o lugar onde
celebrá-las. Tudo era estabelecido e determinado por Deus.

É proveitoso lembrar que a Ceia do Senhor (a única solenidade fixa do Se-


nhor que as igrejas observam) também segue o “quando” estabelecido por Deus
(no primeiro dia da semana), o “como” (com um pão e um cálice), e o “onde”
(com uma igreja local).

Levítico cap. 23, portanto, vai enfatizar principalmente a sequência crono-


lógica das solenidades, e ao fazer isto, vai nos fornecer um panorama profético
do plano de redenção.

Três palavras
Temos três palavras diferentes em Levítico cap. 23 para descrever as soleni-
dades:
As sete solenidades do Senhor 25

i) Solenidades (04150, mowed), que traz a ideia de uma data agendada, algo
previamente determinado, um ajuntamento não casual ou acidental, mas for-
malmente combinado e marcado. A palavra ocorre seis vezes neste capítulo:
duas vezes no v. 2, duas vezes no v. 4 (a segunda traduzida “tempo determi-
nado”), e uma vez cada nos vs. 37 e 44. Este termo é usado apenas das sete
solenidades em geral; não é aplicado individualmente a nenhuma delas.

ii) Convocações (04744, miqra), que traz a ideia de uma reunião ou ajunta-
mento. É derivada de uma palavra que sugere um convite ou chamado. “So-
lenidade” enfatiza mais a data do ajuntamento, “convocação” o convite para
o ajuntamento. Ocorre onze vezes neste capítulo: v. 2, 3, 4, 7, 8, 21, 24, 27,
35, 36, 37. Este termo é aplicado individualmente a cinco das sete solenida-
des num quiasma interessante: duas vezes dos Asmos (vs. 7 e 8), depois Pen-
tecostes (v. 21), Trombetas (v. 24) e Expiação (v. 27), terminando como
começou, com uma referência dupla (duas vezes dos Tabernáculos: vs. 34 e
36). Somente as solenidades da Páscoa e das Primícias não são descritas por
este termo14.

iii) Festa (02282, chag), que traz a ideia de alegria e festividade (a raiz da palavra
está associada com danças e feriados). Esta palavra ocorre somente quatro
vezes neste capítulo, descrevendo apenas os Asmos (v. 6) e os Tabernáculos
(v. 34, 39, 41), as únicas duas festas que duravam uma semana. Nem todas
as solenidades eram ocasiões de alegria (v. 29).

Juntando os três títulos usados aqui, fica claro que o assunto deste capítulo
são datas especificamente agendadas pelo Senhor, onde Seu povo era convidado
(“convocado” seria melhor) para comparecer perante o Senhor. Algumas destas
datas seriam festivas, mas não todas; mas todas eram “solenidades do Senhor”.

Num sentido prático, como seria bom se tratássemos as reuniões da igreja


local da qual somos membros, o corpo onde Deus nos colocou, com a mesma
seriedade que estas solenidades mereciam. É verdade que aqui temos apenas
sete datas por ano (as reuniões duma igreja local são mais frequentes), que estas

14
Por quê? Talvez porque são as duas solenidades que descrevem acontecimentos onde o
Senhor é visto sozinho (Sua morte e Sua ressurreição), onde ninguém pode ser “convo-
cado” para auxiliá-lO.
As sete solenidades do Senhor 26

datas foram estabelecidas pelo Senhor (os dias e horários das reuniões numa
igreja são estabelecidas pelos presbíteros), e que não estamos mais debaixo da
Lei. Mas, guardadas as devidas proporções e distinções, devemos lembrar que o
Novo Testamento nos exorta a não deixarmos a nossa congregação, e que a
reunião da Ceia foi estabelecida pelo Senhor mesmo, para ser celebrada todo
primeiro dia da semana. O cristão que trata as reuniões da sua igreja local como
encontros opcionais não está contribuindo para o crescimento do corpo como
deveria.

Três preposições

Além de termos três títulos diferentes, o capítulo usa três preposições15 re-
lacionadas ao Senhor, destacando três relacionamentos dEle com estas soleni-
dades:

i) O autor — nove vezes16 lemos “do Senhor” (“… a páscoa do Senhor”, v. 5,


etc.), que fala dEle como sendo aquele que instituiu estas solenidades, por
iniciativa dEle;

ii) O alvo — dezesseis vezes lemos “ao Senhor” (“… festa dos tabernáculos ao
Senhor”, v. 34, etc.), destacando o fato de que estas solenidades, mesmo que
trouxessem muitos benefícios ao povo, eram em primeiro lugar para Ele;

iii) O ambiente — Também lemos quatro vezes “perante o Senhor” (“ele mo-
verá o molho perante o Senhor”, v. 11, etc.), lembrando-nos que é na pre-
sença dEle que estas solenidades eram observadas.

Ao subir a Jerusalém nestas datas especiais, um judeu consciente saberia que


fazia aquilo porque o Senhor instituiu estas solenidades, porque o Senhor tinha
prazer nelas, e que elas seriam celebradas na própria presença dEle, o Criador
dos Céus e da Terra.

15
Como não conheço a língua hebraica, e a questão das preposições no hebraico é com-
plexa, os comentários acima são baseados na tradução em português.
16
Na versão ACF.
As sete solenidades do Senhor 27

Procurando mais uma vez uma aplicação prática, seria conveniente pergun-
tar: temos esta atitude em relação às reuniões da igreja local? Teríamos coragem
de mudar o que o Novo Testamento instituiu, como se as reuniões fossem nossa
ideia, e não “do Senhor”? Seríamos tão carnais e egoístas a ponto de querer que
as reuniões sejam primeiramente para o nosso proveito, e não “ao Senhor”? E
seríamos tão loucos a ponto de chegarmos de qualquer forma, como se estivés-
semos apenas nos encontrando socialmente com outros cristãos, esquecendo
que nos reunimos “perante o Senhor”?

Três propósitos

Também seria proveitoso perguntar: por que Deus instituiu estas solenida-
des? Qual era a finalidade e propósito delas? Creio que podemos apresentar três
respostas a esta pergunta:

i) Prático. Havia um benefício prático e social desses ajuntamentos anuais —


manter o povo unido em torno de Deus. As festas deveriam ser dias de co-
munhão e confraternização. Os judeus que moravam longe de Jerusalém te-
riam essa responsabilidade, pelo menos três vezes por ano, de reunirem-se
no lugar que Deus escolheu. Três vezes o VT nos lembra (Êx 23:14-17;
34:18-24; Dt 16:16-17) que todo homem judeu acima de vinte anos preci-
sava subir a Jerusalém três vezes por ano: para a festa dos Asmos, a festa de
Pentecostes, e a festa dos Tabernáculos. Devido aos dias que Deus escolheu
para as Festas, os que moravam longe de Jerusalém poderiam, com essas três
viagens, participar das sete Festas. Se no VT havia um lugar que Deus esco-
lheu para as congregações do Seu povo (Jerusalém), no NT há uma Pessoa,
Cristo. Também há muitos benefícios práticos e sociais para aqueles que va-
lorizam as congregações dos santos! Veja Hebreus 10:25.

ii) Histórico. Além do aspecto prático, as solenidades tinham uma função his-
tórica também, de lembrar o povo de Israel de acontecimentos importantes
do seu passado. Em Êxodo caps. 12 e 13 é bem destacado que a Páscoa servia
para lembrar o povo de que haviam sido escravos no Egito. Também em Lv
23:43 lemos que a festa de Tabernáculos serviria para lembrá-los de que ha-
viam habitado em tendas. Como salvos, também precisamos estar sempre
As sete solenidades do Senhor 28

lembrando de como a graça de Deus nos transformou. Veja Efésios 2:11.

iii) Profético. Hoje, com a Bíblia completa, podemos ver que estas sete soleni-
dades apresentam um quadro profético da história da redenção. É este as-
pecto que pretendemos desenvolver neste estudo.

Novamente podemos ver estes três aspectos em relação à Ceia do Senhor.


Quando reunimos todo primeiro dia da semana, que bênçãos práticas recebe-
mos! Também fazemos isto “em memória” do Senhor (I Co 11:24; um aspecto
histórico), e anunciamos a morte do Senhor até que Ele venha (I Co 11:26;
profético). Que valorizemos mais e mais esta ocasião preciosa.

Três princípios espirituais


Ao examinarmos as subidas do povo de Israel para Jerusalém nestas sete so-
lenidades, cada ano, veremos também Deus enfatizando três princípios espiri-
tuais para eles (que podemos aplicar de forma bem prática para nós no dia de
hoje):

i) Presença obrigatória (Êx 23:17, 34:23; Dt 16:16) — todo varão capaz deve-
ria subir a Jerusalém para as solenidades do Senhor;

ii) Preparação para o Senhor (Êx 23:15; Dt 16:16) — “Ninguém apareça vazio
perante Mim”. Não apenas subir, mas subir com as mãos cheias de ofertas
para o Senhor.

iii) Proteção do Senhor (Êx 34:24) — o Senhor prometeu proteger as proprie-


dades e pessoas (mulheres, crianças e idosos) que ficassem para trás.

Aqueles que valorizam as reuniões das igrejas locais hoje em dia sentem a
responsabilidade de estar presentes em todas as reuniões, e de irem às reuniões
preparados em seu espírito. E mesmo que precisem sacrificar alguma coisa para
estar presentes nas reuniões, confiam em Deus que Ele suprirá aquilo que lhes
falte, baseado nas Suas promessas (Mt 6:33, etc.).
As sete solenidades do Senhor 29

Três formas de dividir esta lista

Há pelo menos três formas diferentes de dividir estas solenidades:

A ordem prática

A forma mais simples é seguir o uso da expressão “falou o Senhor a Moisés”,


que ocorre nos vs. 1, 9, 23, 26 e 33, e que divide esta lista em cinco parágrafos.
Nesta divisão a Páscoa e os Asmos estão juntas (vs. 1-8), Primícias e Pentecostes
formam um segundo par (vs. 9-22), enquanto que as últimas três solenidades
permanecem sozinhas, separadas uma das outras: Trombetas (vs. 23-25), Expi-
ação (vs. 26-32) e Tabernáculos (vs. 33-44).

O que esta divisão destaca?

Ela inicia com um par que tem, como ponto em comum, o assunto da re-
denção (a Páscoa apresenta o sacrifício pelo pecado, e Asmos a vida santa que é
consequência disto). Em seguida temos outro par, e o ponto em comum agora
é a questão de resultados, fruto (em Primícias havia gratidão pela colheita no
campo, e em Pentecostes gratidão pela colheita nos celeiros).

Depois de um intervalo encontramos mais três solenidades que, nesta forma


de dividir as sete, estão separadas uma da outra. Se as primeiras quatro mostra-
ram que eu só posso produzir fruto para Deus depois de ser resgatado e santifi-
cado (resultado sempre vem depois de redenção), estas três me conduzem ao
descanso (terminam com Tabernáculos). Os três passos nessa caminhada são:
primeiro, o despertamento quanto à necessidade de buscar a Deus de maneira
prática (Trombetas); segundo a aflição de alma pelo reconhecimento da nossa
condição indigna, e a solução deste problema (Dia da Expiação), e finalmente
o descanso eterno (Tabernáculos).

Vemos assim duas sequências distintas nesta divisão, a primeira ilustrada por
dois pares de festas, a segunda por três festas individuais. Na primeira temos:
redenção, depois resultado; na segunda: despertamento — expiação — des-
canso.

Chamei esta divisão de “ordem prática” pois ela apresenta verdades na ordem
As sete solenidades do Senhor 30

em que nós as praticamos (nossa experiência), não necessariamente na ordem


em que as aprendemos (teoria). Um incrédulo pode até aprender a teoria sobre
como produzir fruto para Deus, mas só quem foi resgatado pode efetivamente
produzir tal fruto. Um incrédulo pode aprender, na teoria, sobre o descanso que
Deus dá — mas só o salvo que é despertado para buscar a Deus com aflição de
alma saberá, na prática, quão doce e perene é este descanso.

A ordem profética

Outra divisão no texto deste capítulo aparece quando destacamos a expressão


“Eu sou o Senhor”, que só ocorre nos vs. 22 e 43, dividindo a lista em duas
partes: Páscoa, Asmos, Primícias e Pentecostes no primeiro grupo, e Trombe-
tas, Expiação e Tabernáculos no segundo grupo. Podemos chamar esta divisão
de “ordem profética” pois ela separa as solenidades de acordo com o seu cum-
primento profético: as quatro solenidades no primeiro grupo (que aconteciam
no começo do ano) já foram cumpridas no primeiro advento do Senhor Jesus
Cristo, enquanto que as três solenidades do segundo grupo (todas no sétimo
mês) serão cumpridas no Seu segundo advento. É este o aspecto que é mais
destacado neste pequeno estudo.

A ordem dispensacional

Quando pensamos no que estas solenidades representam, profeticamente,


percebemos também uma diferença dispensacional.

As três primeiras festas falam principalmente do relacionamento entre


Cristo e o indivíduo, mostrando como a morte (Páscoa) e ressurreição (Primí-
cias) de Cristo dão ao pecador as condições de viver uma vida de santidade (As-
mos). Elas representam acontecimentos que são a base da salvação de todo in-
divíduo, em qualquer Dispensação.

Pentecostes, a festa central, fala do mistério do relacionamento entre Cristo


e a Igreja, Seu Corpo. Foi com este acontecimento que a presente Dispensação
teve início.

Já as últimas três solenidades falam de eventos direcionados principalmente


As sete solenidades do Senhor 31

a Israel17, mostrando como Deus irá despertar e reunir Israel na sua terra (Trom-
betas), trazendo arrependimento à nação no final da Tribulação (Expiação), e
estabelecendo o reino de paz e justiça do Milênio (Tabernáculos). Os aconteci-
mentos relacionados com isto afetam a Criação toda, seja no sofrimento da Tri-
bulação ou (principalmente) na paz mundial do Milênio.

Resumo

A tabela abaixo procura sintetizar estas diferentes formas de dividir as sete


solenidades.

Ordem
Ordem moral Ordem profética
dispensacional
Páscoa Eliminação Cristo Antes
Asmos do pecado eo desta
Primícias Produção indivíduo dispensação
de fruto da graça
Pentecostes Cristo e a Igreja
Trombetas Despertamento Cristo Depois desta
Expiação Aflição e dispensação
Tabernáculos Descanso Israel da graça

Como foi dito acima, neste estudo estarei pensando principalmente na or-
dem profética. Deste ponto de vista, estas sete solenidades se dividem em dois
grupos, um com quatro e outro com três elementos (como é normal18 em grupos
de “sete” na Bíblia). As primeiras quatro festas falam de coisas que já foram
cumpridas em relação a Israel, as últimas três falam de acontecimentos ainda
futuros.

17
Podemos aplicá-los à Igreja também, mas parece que a ênfase principal é com o povo de
Deus aqui na Terra.
18
Por exemplo, as duas listas de sete coisas que complementam Levítico 23 (Mateus 13 e
Apocalipse 2 e 3) apresentam a mesma característica. Nas sete cartas de Apocalipse 2 e 3,
as primeiras três terminam com a promessa ao vencedor, as últimas quatro terminam com
a frase: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”. Nas sete parábolas do
Reino em Mateus 13, as primeiras quatro foram ditas à multidão, e a últimas três em parti-
cular.
As sete solenidades do Senhor 32

Duas delas duravam uma semana (representando condições que caracterizam


um determinado período), enquanto que as outras cinco eram de um dia apenas
(indicando um acontecimento nos planos de Deus). É interessante ver que as
duas solenidades com duração maior do que um dia vinham imediatamente após
as duas solenidades que falam mais diretamente sobre a morte de Cristo. A se-
mana dos Asmos, com sua ênfase na santificação, vinha logo depois da Páscoa
(que tipifica a morte de Cristo no Calvário), e a semana dos Tabernáculos, com
sua ênfase no descanso, seguia o Dia da Expiação (que tipifica a apreciação final
da morte de Cristo por Israel). É o valor da morte de Cristo que produz santi-
dade, e é a apreciação da morte de Cristo que produz descanso. Tanto minha
salvação, efetivamente, quanto o gozo desta salvação, experimentalmente, de-
pendem da morte redentora de Cristo.

Com estas coisas como pano de fundo, olhemos mais de perto para cada uma
destas sete solenidades.
As sete solenidades do Senhor 33

Páscoa
A Páscoa era a primeira solenidade no ano, celebrada no meio do primeiro
mês. Tem como singularidade o fato de ser a única destas solenidades a ser ce-
lebrada no Egito.

Era a festa da primavera. A primavera (especialmente em países onde o in-


verno é rigoroso) é a estação do novo nascimento. Árvores que perderam suas
folhas no outono se tornam verdes novamente; flores que passaram o inverno se
protegendo da neve floreiam novamente; animais que passaram os meses gela-
dos escondidos, hibernando, aparecem novamente. Por todos os lados há sinais
de vida, vigor e variedade.

Para Israel era, inicialmente, o sétimo mês; mas no calendário religioso, mo-
dificado pelo Senhor, tornou-se o primeiro dos meses. Em Êxodo 12:1 o Senhor
usa duas palavras diferentes para destacar esta mudança: “Este mês vos será o
princípio [rosh; “cabeça”, “topo”, “principal”] dos meses; este vos será o primeiro
[rishown, “começo”, “início”] dos meses do ano”.

A Páscoa (geralmente associada à festa dos Asmos) representava para Israel


a libertação do Egito (Êx 12:17); o dia quando Deus os tirou da terra da escra-
vidão, preservando a vida dos seus primogênitos através do sangue do cordeiro
pascal.

De acordo com Josefo, a população de Jerusalém durante a Páscoa (na época


do Senhor Jesus) subia a quase três milhões19 de pessoas.

Não há dúvida que a Páscoa representa a morte do Senhor Jesus Cristo no


Calvário. I Coríntios 5:7 diz: “Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado por nós”.
Esta é a única vez no NT que a palavra “sacrificado” (no grego, thuo) é aplicada
à morte do Senhor Jesus.

No capítulo que serve de base para este estudo temos apenas a data da Páscoa

19
JOSEPHUS, Flavius. The complete Works of Josephus. Michigan: Kregel Publications,
1987. Pág. 588.
As sete solenidades do Senhor 34

(Lv 23:5). Os detalhes não são apresentados20 aqui, pois já haviam sido menci-
onados em Êxodo cap. 12, quando a Páscoa foi instituída. Apesar do nosso ob-
jetivo neste estudo ser uma consideração das Solenidades em Levítico 23, creio
ser necessário abrir uma exceção em relação à Páscoa e considerar alguns deta-
lhes de Êxodo 12, dada a importância da Páscoa nesta Agenda Divina.

A cronologia — a
prioridade da Páscoa
Lendo Levítico cap. 23 poderíamos pensar que a Páscoa é a menos impor-
tante destas solenidades — afinal, ela ocupa apenas um versículo!

Espaço ocupado pelas festas em Levítico 23


Festa Páscoa Asmos Prim. Pent. Trom. Exp. Tab.
Versículos 1 3 5 8 2 6 8
Linhas 2 10 26 43 8 25 37

Olhando para a Bíblia toda, porém, veremos que a realidade é exatamente o


oposto, pois todas as outras solenidades dependem desta para o seu cumpri-
mento. A Páscoa precisava ser a primeira das solenidades, no primeiro mês do
ano, pois sem ela seria impossível existir redenção.

Quando chegamos no Novo Testamento vemos claramente a prioridade da


morte de Cristo (aquilo que a Páscoa representa), mas ainda no Velho Testa-
mento descobrimos, em figura, a prioridade desta solenidade sobre as demais.
Não só por ser a primeira, mas por um fato inusitado: ao instituir esta festa, o
Senhor mudou o calendário de Israel, dizendo que aquele mês (que era, até en-
tão, o sétimo) seria o princípio (primeiro em importância) e o primeiro (pri-
meiro em ordem numérica) dos meses do ano (Êx 12:2)!

20
Por que Deus omite os detalhes da Páscoa desta lista? Uma possível sugestão é que a Pás-
coa (que serve de base para todas as demais solenidades) precisava preceder (como pre-
cedeu) a própria publicação da Agenda Divina. Somente uma nação já resgatada do pe-
cado poderia entender sobre redenção. A Páscoa é parte deste Calendário, mas é também
a experiência anterior de quem aprecia as verdades aqui contidas. Além disto, ela foi ins-
tituída antes da instituição do sacerdócio levítico — veja abaixo em “vi) O sacrifício do cor-
deiro”.
As sete solenidades do Senhor 35

Para entender o que isto deve ter representado para Israel, precisamos lem-
brar do que já foi dito acima: o calendário civil de Israel é diferente do calendário
religioso. Quando Deus lhes disse: “Este vos será o primeiro dos meses do ano”,
Ele não estava simplesmente lembrando-os de que aquele era o primeiro mês
(era o sétimo), mas estava afirmando que aquele seria o primeiro mês do ano —
em outras palavras, Deus estava efetivamente mudando o calendário deles! O
mundo comemorava o Ano Novo no final do verão (quando o ano está mor-
rendo) — Israel esperava mais sete meses, e quando a Primavera anunciava o
ressurgimento da vida, então eles (e somente eles) iniciavam a contagem dos
meses!

Veja algumas verdades que este fato ilustra:

i) A salvação do pecador. Ao chegar no meio do ano, Deus de repente lhe


anuncia: “Eis um novo começo. Esqueçam os primeiros seis meses do ano
— foi tempo perdido. Pra vocês o ano começa agora!” Não é assim com a
vida de cada um dos salvos? Todos nós podemos usar duas contagens dife-
rentes em relação à nossa vida: podemos contar o tempo desde o nosso nas-
cimento físico, e podemos contar o tempo (sempre menor) desde quando
nascemos de novo. E se formos sinceros na presença de Deus, sem dúvida
diremos: “Aqueles primeiros anos, vividos na incredulidade, foram tempo
perdido. Foi só depois que Cristo me salvou que realmente comecei a viver!”
Todos nós podemos dizer que o tempo antes da conversão foi sem proveito!
Mas será que podemos dizer que todo o tempo depois da conversão tem sido
proveitosamente usado? Infelizmente, precisamos confessar que não. Ouça-
mos a exortação de Pedro: “Já que Cristo padeceu por nós na carne, armai-
vos também vós com este mesmo pensamento, que aquele que padeceu na
carne já cessou do pecado; para que, no tempo que vos resta na carne, não
vivais mais segundo as concupiscências dos homens, mas segundo a vontade
de Deus. Porque nos basta que no tempo passado da vida fizéssemos a von-
tade dos gentios” (I Pe 4:1-3).

ii) A separação dos salvos. Também é importante destacar que este novo ca-
lendário era só para o povo de Deus, tornando-os assim diferentes de todas
as nações ao seu redor (aliás, era apenas mais um detalhe que manifestava a
sua separação destas nações). Desde quando saíram do Egito, e até o dia de
As sete solenidades do Senhor 36

hoje, o povo de Israel usa dois calendários diferentes no seu dia a dia: o ca-
lendário civil começa em 1º de Tisri (set/out), e o calendário religioso co-
meça em 1º de Nisã (mar/abr). Eles contam os anos a partir de Tisri, mas
contam os meses a partir de Nisã. Até hoje a maioria dos países muçulmanos,
mesmo aqueles que oficialmente usam o calendário gregoriano, ainda se-
guem um calendário lunar para suas datas religiosas, e assim iniciam um
novo ano na mesma época (este ano, será 10 de setembro em Israel, e 12 de
setembro na Síria, por exemplo) mas Israel deve ser o único povo que inicia
uma nova contagem no sétimo mês do ano! E por que esta diferença? Porque
Deus mudou o calendário deles! Por que nós nos comportamos diferente-
mente daqueles que não são salvos? Porque Deus mudou a nossa vida — ela
tem um novo começo que eles desconhecem!

iii) A sublimidade do Calvário. Talvez a lição mais preciosa que esta mudança
do calendário ilustra é a prioridade sublime do Calvário na História do
mundo. Quando Deus mudou o calendário de Israel, o sétimo mês tornou-
se o primeiro. É interessante a ocorrência do número sete no calendário ju-
daico, como já destaquei na introdução — o número da perfeição está es-
tampado neste calendário. Em relação à Páscoa vemos que, ao iniciar o sé-
timo mês, Deus declara que aquele sétimo agora será o primeiro mês, e ainda
afirma que ele seria o principal (literalmente, “cabeça”), e logo em seguida
Ele institui a solenidade que prefigura a cruz de Cristo. Que forma linda de
dizer: “Parem tudo! Esqueçam tudo que já passou! O que acontecerá agora
é o mais importante acontecimento do ano! Neste sétimo mês, o mês da
perfeição, veremos a verdadeira perfeição, e começaremos a contar os meses
do começo novamente!” Isto nos faz lembrar de expressões no NT que des-
tacam a prioridade do Calvário: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus en-
viou Seu Filho … para remir os que estavam debaixo da lei” (Gl 4:4); “Mas
agora, na consumação dos séculos, uma vez Se manifestou para aniquilar o
pecado pelo sacrifício de Si mesmo” (Hb 9:26). No sétimo mês, quando em
figura o tempo da perfeição chegou, Cristo foi enviado (Gálatas) e Se mani-
festou (Hebreus), cumprindo a solenidade da Páscoa. Como escreveu Jim
Flanigan: “A vinda do Salvador para tirar o pecado foi o clímax da História.
Os séculos passados e os séculos futuros se encontram na Sua cruz. Todos os
séculos passados aguardavam ansiosamente o Calvário — todo o futuro re-
lembra a cruz. Os séculos se encontram no Gólgota” (Comentário Ritchie
As sete solenidades do Senhor 37

vol. 13). Não é à toa que Paulo escreveu: “Longe esteja de mim gloriar-me,
a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6:14). A Sua ressurreição
é inacreditável (para a racionalidade humana); a Sua ascensão é gloriosa; mas
há glórias na cruz que superam todos estes eventos! “Na cruz eu vejo a prova
da compaixão de Deus, e vejo ali aberto caminho para os Céus!” (W. An-
glin).

O Cordeiro — a perfeição de Cristo


O cordeiro da Páscoa, obviamente, fala-nos do Senhor Jesus Cristo, e apre-
senta Suas perfeições de diversas formas. Considere:

i) A separação do cordeiro (Êx 12:3, 6). O cordeiro deveria ser escolhido no


dia dez e guardado por quatro dias antes de ser oferecido. Haveria assim
tempo suficiente para ver se haveria nele alguma falha ou defeito. Podemos
comparar isto com o ministério público do Senhor Jesus, exposto aos olhos
de pessoas que O odiavam e procuraram, com todo zelo, alguma coisa de
que O acusar, mas não puderam, devido à Sua perfeição absoluta. Alguns
sugerem que estes quatro anos podem nos lembrar dos quatro milênios no
VT (demonstrando a necessidade absoluta de um remidor), ou os quatro
evangelhos (declarando claramente a santidade absoluta do Senhor), ou até
os três anos e meio do Seu ministério público. Até além disto, podemos lem-
brar que o Cordeiro foi “conhecido ainda antes da fundação do mundo” (I
Pe 2:20). Nos propósitos eternos de Deus, Cristo foi escolhido como “a
nossa Páscoa” ainda antes da criação do Universo.

ii) A suficiência do cordeiro (Êx 12:3). Está escrito: “… um cordeiro por famí-
lia. Mas se a família for pequena para um cordeiro …” Deus contempla a
possibilidade de uma família ser pequena para um cordeiro, mas não a pos-
sibilidade de um cordeiro ser pequeno para uma família.21 Desta forma a
suficiência do Senhor Jesus Cristo é ilustrada; Ele pode salvar perfeitamente
todos aqueles que nEle confiam. Existe a possibilidade da minha fé ser

21
Na prática, ambas as situações certamente ocorreriam, mas a Bíblia apenas apresenta a
primeira. Os judeus estabelecem um limite de 10 a 20 pessoas por cordeiro.
As sete solenidades do Senhor 38

pequena demais em relação ao que Ele merece, mas nunca existe a possibi-
lidade da minha fé superar o que Ele pode fazer por mim.

iii) A santidade do cordeiro (Êx 12:5). O cordeiro deveria ser “sem mácula”, um
lembrete muito claro da santidade absoluta do nosso Salvador, que nunca
pecou e nunca poderia pecar.

iv) O sofrimento do cordeiro (Êx 12:5). O cordeiro deveria ser “macho, de um


ano”, falando de força (a figura do macho) ainda a ser desenvolvida plena-
mente (ainda é novo, um ano apenas). O profeta perguntou: “Quem contará
o tempo da Sua vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes” (Is 53:8).
Pouco mais de trinta anos ele viveu aqui na Terra; cedo demais Ele foi cor-
tado, no vigor da Sua força, pelos nossos pecados! A vida dEle aqui na Terra
foi o dia mais curto que a humanidade conheceu.

v) O sangue do cordeiro (Êx 12:7, 13, 23). Era o sangue aplicado nas portas
das casas que protegia o povo, lembrando-nos que não foram simplesmente
os sofrimentos do Senhor que nos salvaram, mas sim o Seu sangue derra-
mado por nós (I Pe 1:18-19). A perfeição do cordeiro não trazia segurança;
a morte do cordeiro não livrava da condenação; mas o sangue aplicado na
porta da casa era a garantia de vida! “Que preço amargo, ó meu Senhor,
pagaste em meu favor; Teu Filho amado, singular, deitaste sobre o altar!”

vi) O sacrifício do cordeiro (Êx 12:8-10). É impressionante ver como o cordeiro


da Páscoa é tão apropriado para representar a morte de Cristo no Calvário.
A Páscoa é a única destas sete solenidades onde Deus não pediu algum dos
sacrifícios associados ao sacerdócio segundo a ordem de Arão. Lendo Leví-
tico 23 e Números 28 e 29 veremos que em todas as outras solenidades Deus
exigiu que fossem oferecidos holocaustos e ofertas de manjares, além de ou-
tros sacrifícios (variando de festa para festa). Menos na Páscoa! Naquele dia
seria oferecido normalmente o holocausto contínuo (mas isto não fazia parte
da solenidade da Páscoa), e havia, obviamente, o sacrifício do cordeiro da
Páscoa, mas este sacrifício é diferente de todos os sacrifícios apresentados
em Levítico (não é propriamente um holocausto, nem uma oferta pacífica,
nem uma oferta de manjares, nem uma oferta pelo pecado ou pela culpa).
Na verdade, esta solenidade, diferentemente das demais, foi instituída e
As sete solenidades do Senhor 39

celebrada antes de Deus instituir o sacerdócio levítico segundo a ordem de


Arão. Em outras palavras, o sacrifício do cordeiro da Páscoa é um sacrifício
que realmente antecede a consagração do sacerdócio de Arão, lembrando-
nos de que nosso Senhor é um Sumo-Sacerdote segundo a ordem de
Melquisedeque, anterior e superior ao sacerdócio de Arão — um assunto
precioso que é sugerido em Hebreus cap. 5 em diante, e que poderemos
apreciar melhor na eternidade.

O cordeiro da Páscoa manifesta, assim, algumas das perfeições do “Cordeiro


de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29).

O cumprimento — o poder de Deus


Lemos que a Páscoa era celebrada no dia catorze “pela tarde” (Lv 23:5). A
única outra ocorrência desta palavra em Levítico 23 é no v. 32, em relação ao
dia da Expiação. Alguns sugerem que o cordeiro da Páscoa era morto quando o
Sol começava a se esconder no horizonte, mas Edersheim afirma que, nos dias
do Senhor Jesus, o sacrifício ocorria em três turnos diferentes22 devido à quan-
tidade de cordeiros a serem mortos. Os representantes das famílias escolhidas
levavam seus cordeiros ao Templo na tarde do dia 14, e ali cada representante
matava o seu cordeiro, dando o sangue aos levitas para ser derramado na base
do altar do Templo, depois levando seu cordeiro para ser comido em casa com
sua família. O primeiro turno de devotos entrava no Templo aproximadamente
às 14h30, para que tudo estivesse completo antes do final da tarde.

Naquele ano memorável — na plenitude dos tempos e na consumação dos


séculos — a celebração da Páscoa deve ter causado um impacto tremendo sobre

22
Josefo (Jewish Wars 6.9.3) afirma que 256,600 cordeiros pascais foram sacrificados num
determinado ano em Jerusalém — mas isso parece ser impossível de se realizar numa só
tarde. Realmente há detalhes difíceis de entender em relação a isso, mas devemos lembrar
que: (i) vários sacerdotes trabalhavam durantes os dias de festa; (ii) apesar das instruções
iniciais sobre a Páscoa determinarem que o cordeiro deveria ser sacrificado e comido no
Templo, e não em casa (Dt 16:5-7), sabemos que nos dias do Senhor o cordeiro era comido
nas casas, o que nos leva a supor que muitos também o matariam em particular (visto que
ele não era sacrificado sobre o altar). Sendo assim, é possível que apenas alguns escolhi-
dos teriam o privilégio de ter seus cordeiros pascais mortos no Templo; o restante do povo
teria que fazer tudo em casa.
As sete solenidades do Senhor 40

todos os poucos judeus privilegiados que foram ao Templo com seus cordeiros.
Por volta das 15:00, enquanto lá no Templo a primeira turma de devotos estava
cumprindo todo o ritual associado à Páscoa (certamente assustados e inseguros
devido às trevas que cobriam a cidade desde o meio dia), o Senhor bradou em
alta voz da cruz: “Está consumado!” (será que ouviram Seu brado lá no Tem-
plo?). Enquanto os primeiros cordeiros da Páscoa, escolhidos pelas famílias ali
representadas quatro dias antes, estavam sendo mortos no Templo, o verdadeiro
Cordeiro da páscoa, escolhido por Deus antes da fundação do mundo, era sa-
crificado naquele mesmo23 monte! Enquanto o sangue daqueles cordeiros re-
presentativos era derramado à base do altar, o véu do Templo se rasgou de alto
a baixo, um terremoto assustou ainda mais os devotos no Templo, e a Páscoa
foi finalmente cumprida, de uma vez por todas. “Cristo, a nossa páscoa, foi sa-
crificado por nós”.

Muitos irmãos que respeito seguem uma cronologia diferente para a morte
do Senhor (trato disto num dos Apêndices) — mas qualquer que fosse o dia e
horário exatos da morte do Senhor Jesus, certamente foi “por ocasião da Pás-
coa”; e pela preciosidade da figura da Páscoa, não me surpreenderia chegar na
eternidade e descobrir que foi exatamente na mesma hora! Esta cronologia dos
eventos é mais impressionante ainda quando lembramos de Mateus 26:2-5,
onde lemos que o Senhor afirmou claramente: “Daqui a dois dias é a Páscoa, e
o Filho do Homem será entregue para ser crucificado”. O mesmo trecho nos
informa que os príncipes dos sacerdotes, e os escribas, e os anciãos do povo,
reuniram-se e concluíram: “Vamos matá-lO, mas não durante a festa”. A Pás-
coa claramente apontava para a morte do Cordeiro, e Cristo veio cumprir a
Páscoa. Os líderes dos judeus claramente afirmaram que não iriam matá-lO
durante a festa (não porque entendiam sobre o cumprimento da festa, mas de-
vido ao grande número de pessoas que havia em Jerusalém naquela época do
ano — era mais sábio para eles esperar uma ou duas semanas, e depois agir). Os
homens deram o seu veredito, mas a data que Deus escolheu antes da fundação
do mundo, e que Ele revelou por intermédio de Moisés séculos antes, precisava
ser cumprida. Deus é pontual, e aquilo que Ele determinou será (e foi)

23
Não posso provar, mas tenho convicção que o Calvário ficava no Monte Moriá, o monte do
Templo, o mesmo monte onde Abraão ofereceu Isaque. Se não foi no mesmo monte, pelo
menos foi bem próximo a ele.
As sete solenidades do Senhor 41

cumprido, independentemente da vontade dos homens.

O poder que controlou todos os acontecimentos para que o cumprimento da


Páscoa se encaixasse tão bem com a figura, é o mesmo poder que o Senhor tem
até hoje. Lembremos desse fato, para nosso conforto e segurança.
As sete solenidades do Senhor 42

Asmos
É importante enfatizar que a festa dos pães asmos era intimamente associada
com a festa da Páscoa. Em Ezequiel 45:21 a Páscoa é descrita como uma “festa
de sete dias” em que “pão ázimo se comerá”. Em Lucas 22:1 lemos: “Estava,
pois, perto a festa dos ázimos, chamada a Páscoa” (veja também Mt 26:13 e Mc
14:12). Com o passar do tempo, parece que a festa passou a ser considerada
pelos judeus como uma só, às vezes chamada de Páscoa, às vezes de Asmos. Em
Levítico 23, porém, vemos claramente que, aos olhos de Deus, eram duas sole-
nidades separadas: a Páscoa falando da morte do Senhor, e os Asmos das con-
sequências desta morte (tendo sido resgatados pelo Senhor, podemos viver sem
o fermento da maldade e do pecado). Pensando nisto, é interessante ver que,
naquilo que chamei de “Ordem prática” das festas, Páscoa e Asmos formam um
par, ambas tratando da questão da remoção do pecado: a Páscoa apresenta a
forma como o pecado seria removido, Asmos representa as consequências desta
remoção.

Sendo uma festa de uma semana, ela representa no calendário divino as ca-
racterísticas de um período mais do que um evento, e fala da santidade que deve
caracterizar aqueles que Deus redimiu. Historicamente, isto se refere ao povo
resgatado da corrupção do Egito, separado das nações ao seu redor — espiritu-
almente, refere-se a nós que somos salvos hoje. I Coríntios 5 deixa isto claro:
tendo Cristo, a nossa Páscoa, já sido sacrificado, nós então devemos guardar a
festa dos pães asmos.

Com duração de uma semana, ela representa um período completo (sete é o


número da perfeição) — a vida toda do salvo, desde quando nasceu de novo.

Como já foi destacado no Resumo da Introdução, cinco destas solenidades


duravam um dia (simbolizando eventos no calendário divino), e outras duas
(Asmos e Tabernáculos) duravam uma semana (simbolizando características de
um período). No início e no final do ano havia uma festa mais longa (Asmos e
Tabernáculos), cada uma seguindo logo após uma festa que fala diretamente da
morte de Cristo (Páscoa e Expiação). As duas últimas solenidades eram o Dia
da Expiação e a Festa dos Tabernáculos — lembrando-nos de que a apreciação
final, por parte da nação de Israel, do valor da morte de Cristo precede o
As sete solenidades do Senhor 43

descanso maravilhoso do Milênio. Mas as duas primeiras solenidades do ano


(Páscoa e Asmos) apresentam uma verdade paralela: o valor da morte de Cristo
produz uma vida de santidade na presença de Deus. Posso viver uma vida santa
porque Cristo morreu em meu lugar (Páscoa/Asmos); posso descansar por toda
a eternidade porque Cristo morreu em meu lugar (Expiação/Tabernáculos).

Como em todas as outras festas deste calendário divino, os detalhes têm


muito a nos ensinar. Quanto à aplicação geral, não há dúvida: “Alimpai-vos,
pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem
fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Por isso façamos
a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malí-
cia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade” (I Co 5:7-8). Ou seja:
tendo sido resgatados do mal, devemos viver separados do mal. O fermento na
Bíblia é sempre usado como figura do mal — especificamente daquilo que pro-
duz um inchaço que pode ser confundido com crescimento, mas que é falso (as
parábolas de Mateus 13 deixam isso bem claro). Devemos viver sem fermento
— devemos viver vidas de santidade e sinceridade na presença de Deus.

Nos detalhes da Festa apresentados no Velho Testamento temos vários de-


talhes que ilustram aspectos desta santidade exigida de nós. E examinando o
que o Novo Testamento fala sobre o fermento, teremos uma compreensão me-
lhor sobre a fonte deste problema.

Santidade ilustrada no VT
No VT há pelo menos três detalhes sobre a festa dos Asmos que ilustram
aspectos da nossa santidade que devem ser destacados.

Sem espera

A Festa dos Asmos começava imediatamente depois da Páscoa, sem nenhum


intervalo. Assim a vida de santificação do salvo deve começar imediatamente
depois que ele passa pelo Calvário. A mudança deve ser percebida pelo mundo
ao nosso redor, sem demora.
As sete solenidades do Senhor 44

Contraste isto com o intervalo pequeno de cinco dias (cinco é o número da


graça de Deus e da responsabilidade do homem) entre o Dia da Expiação e a
outra Festa de sete dias, Tabernáculos. Entre o reconhecimento do valor da
morte de Cristo por parte de Israel, coletivamente (o Dia da Expiação), e o
início do Milênio (Tabernáculos), algumas coisas precisam ser colocadas em
ordem. As nações precisarão ser julgadas (Mt 25), os destroços da batalha de
Armagedom precisarão ser removidos (Ez 39:12), etc. Daniel fala de dois perí-
odos que ultrapassam os mil duzentos e sessenta dias da Grande Tribulação: mil
duzentos e noventa dias, e mil trezentos e trinta e cinco dias. Estes dois períodos
extras (um de trinta dias, o outro de quarenta e cinco dias) estão prefigurados
no pequeno intervalo entre o Dia da Expiação e Tabernáculos.

Mas se na esfera terrestre é necessário um pequeno tempo até que a paz atinja
todas as nações após a sua libertação, na esfera espiritual não há intervalo entre
a salvação e a santificação. Tendo sido purificados posicionalmente, deveríamos
purificar nossa prática imediatamente.

Como está nossa vida em relação a este detalhe?

Sem exceção (Êx 13:7)


Este pequeno versículo enfatiza o quão cuidadosos os Israelitas deveriam ser
em relação ao fermento durante estes sete dias, e a forma como esta festa é ce-
lebrada por eles até hoje confirma que eles entenderam isto. Nos dias que ante-
cedem a Páscoa, suas casas são cuidadosamente limpas, e todo tipo de fermento
(ou de produto fermentado) é tirado. Todo prato, travessa ou talher que teve
contato com fermento é cuidadosamente limpo, ou então guardado durante os
sete dias. Na noite do dia 13 do primeiro mês, uma cerimônia interessante é
observada. Algumas migalhas de fermento (ou de pão fermentado) são previa-
mente espalhadas pela casa. Há pequenas divergências na prática entre os isra-
elitas religiosos hoje: alguns entendem que devem ser escondidas dez porções
(simbolizando as dez pragas), outros entendem que deve haver um pouco de
fermento em cada cômodo da casa num local bem visível (sobre a mesa, etc.).
De qualquer forma, o fermento é espalhado, e depois a família toda segue o
chefe da casa, à luz de vela, de cômodo em cômodo, procurando e recolhendo
As sete solenidades do Senhor 45

todo o fermento que ainda resta. Este resultado da busca simbólica é guardado
cuidadosamente, e queimado no dia seguinte (dia 14), antes da hora em que
deveria ser sacrificado o cordeiro da Páscoa.

É assim que os judeus procuram obedecer às instruções tão abrangentes con-


tidas neste pequeno versículo. Mas e nós: o que podemos aprender destas ins-
truções?

Repare que são usadas três palavras diferentes (“pães asmos”, “levedado”,
“fermento”) para descrever o que deveria ser evitado, e três palavras diferentes
descrevem três formas diferentes em que o fermento deveria ser evitado (“co-
merá”, “verá contigo”, “visto em todos os teus termos”) durante estes sete dias:

i) Comer. “Sete dias se comerá pães ázimos” — a palavra traduzida “pães ázi-
mos” é matstsa, “pão [ou bolo] sem fermento” — isto é o que poderia ser
comido. Vemos a mesma ênfase sobre o “comer” no cap. 12. Nos primeiros
quatorze versículos, que descrevem a Páscoa, sete vezes temos o verbo “co-
mer” associado à Páscoa. Nos vs. 13-20 novamente temos sete vezes o verbo
“comer”, mas agora relacionado à Festa dos Asmos: três vezes falando que
poderiam comer pães asmos, três vezes falando que não poderiam comer pão
levedado, e uma vez falando de comida em geral. A ênfase nesta primeira
parte do versículo é na assimilação — “comer” indica assimilação completa
do fermento, que entra no organismo de quem come.

ii) Carregar. “O levedado não se verá contigo” — aqui é usada outra palavra
hebraica (chametz), que indica o contrário da anterior: algo feito com fer-
mento. E a ação descrita não é mais “comer”, mas simplesmente “se verá
contigo”! Além de não poderem comer pão com fermento, nem poderiam
ter em sua posse um pão (ou outro alimento) com fermento! A ênfase aqui é
em associação.

iii) Possuir. “Nem ainda fermento será visto em todos os teus termos”. Nova-
mente outra palavra é usada — seore, que indica o fermento em si; não a
massa fermentada, mas aquilo que fermentará a massa — e outra exigência
é apresentada. Novamente está associado com o ato de “ser visto”, mas com
uma diferença: além de coisas fermentadas não poderem ser vistas na com-
panhia do Israelita, nenhum fermento (aquilo que poderia, potencialmente,
As sete solenidades do Senhor 46

causar fermentação) poderia ser visto “em todos os teus termos”, isto é, em
qualquer parte da(s) sua(s) propriedade(s)! A ênfase agora é apropriação.

Unindo estas três coisas, temos uma ideia de como era abrangente a instru-
ção do Senhor para estes sete dias. Era errado comer algo fermentado; era errado
carregar algo fermentado; era até errado ter o fermento (mesmo que ainda não
tivesse sido usado para a fermentação de nada) em qualquer parte da sua pro-
priedade, mesmo que trancado dentro do armário! Seu pão, suas pessoas e suas
propriedades deveriam estar completamente livres de qualquer forma de fer-
mento.

Devemos tentar aplicar isto a nós. Obviamente é errado assimilarmos o mal,


permitindo que nossa vida inteira seja contaminada pelo fermento do pecado.
Mas devemos ir um passo além, e evitar também a associação com aquilo que
está relacionado ao pecado. E a purificação completa exige também que não
haja apropriação de fermento — que não permitamos em nossas casas aquilo
que ainda não produziu fermentação, mas que tem o potencial para isto.

Alguém que pensa de forma prática poderá dizer: “Então preciso sair do
mundo, pois há contaminação em todo canto!” Sim, parece impossível — mas
Deus pode nos ajudar a viver de uma forma que O agrade, mesmo estando cer-
cados pelo mal!

Sem esforço humano

A semana começava e terminava com uma santa convocação, em que ne-


nhum trabalho servil poderia ser feito, mas durante toda a semana, holocaustos
eram oferecidos cada dia. Que ilustração preciosa do meio pelo qual podemos
atingir a perfeição: não pelo nosso esforço, mas confiando no sacrifício do Se-
nhor no Calvário.

Na nossa luta por uma vida mais santificada, lutamos contra a nossa própria
carne. Se depender somente de nós, seremos completamente derrotados. Mas
temos o Espírito Santo em nós, e se nos submetermos a Ele, jamais satisfaremos
as concupiscências da carne. Quando Pedro confiou na sua coragem, ele foi avi-
sado pelo Senhor de que cairia — e caiu (Lc 22:33-34). Nas suas epístolas,
As sete solenidades do Senhor 47

porém, ele nos exorta repetidamente a buscarmos a santificação — não confi-


ando em nossa santidade pessoal, mas no poder que vem de Deus (veja I Pe
1:13-16; 22; 4:1-3; etc.).

Santidade explicada no NT
O VT, portanto, ilustra alguns detalhes sobre nossa atitude em relação à
santidade. Mas talvez ainda tenhamos dúvida sobre o que é que o fermento
representa. Representa o “mal”, sem dúvida — mas podemos ser mais específi-
cos?

Examinando o NT, vamos perceber que Deus usou a figura do fermento de


forma muito interessante, mostrando-nos detalhadamente como é que o erro
pode se propagar entre os salvos na sua vida coletiva. Além de destacar o perigo
do fermento, Ele nos mostra que este fermento não é só o pecado na vida indi-
vidual do salvo, mas algo que afeta as igrejas locais também.

Além das parábolas contadas pelo Senhor Jesus, temos referências ao fer-
mento em três contextos diferentes no NT:

i) Nos evangelhos o Senhor Jesus alertou Seus discípulos quanto ao fermento


dos fariseus, dos saduceus e de Herodes (Mt 16:6, 11-12; Mc 8:15; Lc 12:1).
Em Mateus aprendemos que isso se refere à doutrina dos fariseus, e Lucas
liga isto com a sua hipocrisia. Juntando estas três referências vemos que o
Senhor estava avisando sobre o perigo de doutrinas hipócritas — doutrinas
que parecem ter um fundo de verdade e uma capa de espiritualidade, mas
que nasceram de um desejo de se autopromover, e não de um desejo de agra-
dar a Deus. O Senhor usou palavras extremamente duras para condenar estes
falsos ensinadores: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais
aos homens o reino dos Céus; e nem vós entrais, nem deixais entrar aos que
estão entrando” (Mt 23:13). Pelas suas palavras eles impediam outros de se-
rem salvos. A ênfase recai sobre aquilo que é ensinado — a pregação.

ii) Em I Coríntios 5:1-8 lemos de um pecado horrível entre os salvos em Co-


rinto — um ato de imoralidade que até os gentios condenariam. Diante desta
prática tão vergonhosa, a palavra de Deus alerta que “um pouco de fermento
As sete solenidades do Senhor 48

faz levedar toda a massa” — isto é, uma prática errada cometida por uma
pessoa, e tolerada entre o povo de Deus, tem a tendência de se espalhar e
contaminar a igreja toda. Por isso Paulo é levado a exortá-los a tirar do seu
meio o fermento velho (provavelmente uma referência à imoralidade, às prá-
ticas da sua vida antes da conversão) e o fermento da maldade e da malícia.
Creio que estas duas palavras não descrevem dois tipos de fermento, mas
dois aspectos do mesmo problema (a primeira delas enfatizando o senti-
mento, a segunda o ato praticado). Em contraste com maldade e malícia,
eles deveriam usar aquilo que é descrito como “sem fermento”, os “asmos”
da sinceridade e verdade. A ênfase nesse trecho não é tanto sobre a argu-
mentação que justifica o erro, como no caso dos fariseus, mas sobre a prática
errada em si.

iii) Em Gálatas 5:7-12 novamente são citadas aquelas palavras que já encontra-
mos em I Coríntios: “Um pouco de fermento leveda toda a massa” (v. 9).
Examinando o contexto, porém, parece que aqui se refere a uma pessoa —
uma pessoa com práticas erradas baseadas numa pregação errada, é verdade,
mas o principal problema destacado neste contexto é o indivíduo. Lemos de
alguém que impediu os gálatas de obedecer a verdade (v. 7), que os persuadia
(v. 8), que os inquietava (v. 10), e que tinha alguns auxiliadores (v. 12: “aque-
les que vos andam inquietando”). Parece que alguns estavam querendo sub-
jugar os gálatas debaixo do jugo da circuncisão, e Paulo exorta os gálatas a
não darem ouvidos a essas pessoas.

Quero sugerir que estes três contextos não apresentam três problemas isola-
dos, mas um problema em três etapas: pessoas contaminadas apresentam dou-
trina (pregação) contaminada que produz comportamento (prática) contami-
nado. Como se fosse uma corrente com três elos, cada elo ligado ao anterior.
Quando pensamos em práticas erradas entre o povo de Deus (não simplesmente
as falhas individuais produzidas pela nossa carne, mas a conduta coletiva do
povo de Deus), percebemos que estas práticas não surgem do nada — são base-
ados em doutrinas falsas, em entendimentos deturpados das Escrituras. E estas
doutrinas não são carregadas pelo vento — são espalhadas entre as igrejas por
falsos ensinadores.

Creio que esta não é a única vez que encontramos esta figura de como o erro
As sete solenidades do Senhor 49

se propaga. As três menções de fermento que consideramos pertencem, crono-


logicamente, ao início desta era, estando relacionadas com o ministério do Se-
nhor aqui na Terra, e com duas das primeiras epístolas a serem escritas. Mas
cerca de dez anos após escrever aos coríntios e aos gálatas, Paulo, inspirado pelo
Espírito Santo, escreveu a Timóteo descrevendo os últimos dias, e naquela epís-
tola ele apresenta a mesma sequência que acabamos de considerar: “O Espírito
expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé [pratica do
erro], dando ouvidos a espíritos enganadores [pregadores do erro], e a doutrinas
de demônios [doutrinas erradas], pela hipocrisia [prática errada] de homens
[pregadores do erro] que falam mentiras [doutrinas erradas], tendo cauterizada
a sua própria consciência” (I Tm 4:1-2).

Convém pensar nesta corrente do erro e seus três elos. Há muita “doutrina
fermentada” sendo divulgada hoje em dia. Se permitirmos que “pessoas fermen-
tadas” ensinem estas doutrinas entre nós, logo perceberemos que, realmente,
um pouco de fermento leveda a massa toda. Precisamos estar preocupados com
quem nos influencia; precisamos estar preocupados com aquilo que nos influ-
encia; e precisamos estar preocupados com o que praticamos como consequên-
cia destas influências.

Ou seja, o correto cumprimento da Festa dos Asmos hoje em dia não se


limita a evitar o pecado na minha vida individual; precisamos pensar também
em termos coletivos. O assunto é muito solene. Entender o princípio geral (tirar
o fermento = evitar o mal) é muito simples, mas aplicá-lo de uma forma coerente
e espiritual é extremamente complexo. Há dois extremos: aceitar tudo e todos
em nome do amor, não importa o que preguem ou o que pratiquem, ou rejeitar
tudo e todos que diferem de nós.

Ambos os extremos, porém, estão errados — como em tudo, o equilíbrio é


o desafio!
As sete solenidades do Senhor 50

Primícias
A festa das Primícias somente poderia ser celebrada depois que o povo en-
trasse na terra prometida. Quando plantassem seus campos e a colheita estivesse
pronta, um molho das primícias (ou seja, a primeira parte) deveria ser oferecido
ao Senhor antes deles participarem da colheita. Assim eles reconheciam a prio-
ridade do Senhor nas suas vidas e consagravam a Ele as “primícias” (a primeira
parte) da sua colheita. Que princípio precioso para observarmos ainda hoje: a
primeira parte é do Senhor!

Em I Coríntios cap. 15 aprendemos que a ressurreição de Cristo é a realidade


para a qual a festa das primícias apontava. Assim como a semente lançada ao
solo morre para depois frutificar (Jo 12:24), assim o Senhor morreu mas ressus-
citou, produzindo muito fruto. Assim como aquele primeiro feixe apresentado
ao Senhor era o penhor e garantia de uma colheita farta, prestes a ser colhida e
desfrutada, assim a ressurreição do Senhor é a garantia da nossa ressurreição,
conforme I Coríntios 15.

Lendo Levítico cap. 23 ficamos com um pouco de dúvida sobre o dia exato
em que esta festa deveria ser celebrada, devido ao sentido duplo da palavra “sá-
bado”. “Sábado” quer dizer, literalmente, “descanso”, e a palavra é usada de duas
formas na Bíblia: para descrever o sétimo dia da semana (que sempre era um
“descanso”), e também para descrever outros dias especialmente separados para
descanso (veja, por exemplo, Lv 23:32, onde o 10º dia do 10º mês é definido
como um “sábado de descanso”, independentemente do dia da semana em que
caísse). Sendo que o primeiro e o último dia dos Pães Asmos eram dias de des-
canso, fica um pouco de dúvida se o correto seria celebrar Primícias no primeiro
dia após o Sábado semanal durante os Pães Asmos, ou no 2º dia dos Pães Asmos
(já que o 1º dia era sempre um “sábado”). Nos dias do Senhor Jesus Cristo, os
saduceus defendiam que deveria ser sempre no primeiro dia da semana, inde-
pendentemente do dia do mês, enquanto os fariseus defendiam que deveria ser
sempre no dia 16, independentemente do dia da semana. Edersheim escreve
com convicção:
O testemunho de Josefo, de Philo, e da tradição judaica não deixam margem para
dúvidas de que, neste ponto, devemos entender por “Sábado” o dia 15 de Nisan,
As sete solenidades do Senhor 51

independentemente do dia da semana em que caísse.24

Visto que, nos dias do Senhor Jesus, eram os fariseus, e não os saduceus, que
tinham mais força política e controlavam as cerimônias de Israel, certamente
esta seria a prática do povo naqueles dias, celebrando a Festa das Primícias ofi-
cialmente no dia 16 do 1º mês, independentemente do dia da semana. De tem-
pos em tempos o dia 14 do 1º mês cairia numa sexta-feira, portanto o dia 15 (o
1º dia dos Asmos) seria um sábado e o dia 16, quando era celebrada a Festa das
Primícias, cairia num domingo, satisfazendo assim fariseus e saduceus. Nos de-
mais anos, a Festa seria celebrada em outro dia da semana, conforme a convicção
dos fariseus (e para desgosto dos saduceus).

O mais impressionante, porém, é que Deus escolheu cuidadosamente o ano


da morte do Senhor Jesus para que, naquele ano, as duas convicções diferentes
dos judeus coincidissem na prática. O relato dos evangelhos deixa claro que o
Senhor Jesus morreu no dia da Páscoa (14 do 1º mês), e que o dia seguinte era
o Sábado (Mc 15:42) — isto é, no ano da morte do Senhor Jesus, a Páscoa caiu
numa sexta-feira. Portanto o sábado seria dia 15, e o domingo dia 16. Como
sabemos que Ele ressuscitou no primeiro dia da semana, vemos que, naquele
ano específico, a Festa das Primícias caiu no dia que agradava tanto os saduceus
quanto os fariseus.

Naquele ano, a ordem dos acontecimentos provavelmente foi como segue:

i) Na tarde da quinta-feira, dia 13 — quando o Sol estava quase se pondo para


dar início ao dia 14 — alguns membros do Sinédrio, previamente escolhidos
para esse fim, saíram de Jerusalém, atravessaram o ribeiro de Cedrom, e di-
rigiram-se a um campo cheio de cevada pronta para ser colhida. Esse campo
era cultivado especificamente para ser usado na cerimônia da Festa das Pri-
mícias. Ali eles amarravam alguns ramos de cevada, sem cortá-los — indi-
cando que estes seriam os ramos cortados depois da Páscoa. Poucas horas
depois disto o Senhor, acompanhado de onze dos Seus discípulos, saiu de
Jerusalém pelo mesmo caminho, atravessou o mesmo ribeiro de Cedrom (Jo
18:1), e logo desviou do caminho para entrar num jardim. Depois deles, um

24
EDERSHEIM, A. The Temple, it's ministry and services at the time of Jesus Christ. The Reli-
gious Tract Society, London, 1874. Pág. 223.
As sete solenidades do Senhor 52

terceiro grupo percorreu o mesmo caminho, guiados por Judas, perseguindo


o Senhor. Naquela mesma noite, soldados amarraram o Senhor Jesus (Jo
18:12). Os ramos de cevada amarrados no campo ali perto eram os feixes
escolhidos pelos judeus para serem apresentados perante Deus — aquele
Homem amarrado no jardim era o escolhido por Deus para ser apresentado
a Si mesmo como um sacrifício pelos nossos pecados.

ii) No dia seguinte (sexta-feira, dia 14) o Senhor foi crucificado, e antes do por
do Sol mãos carinhosas O puseram num sepulcro fora de Jerusalém. Não
sabemos a localização exata da crucificação nem do sepulcro, mas sabemos
que o sepulcro era perto do Calvário (Jo 18:42), e ambos estavam fora da
cidade de Jerusalém, como o campo de cevada. Se o Senhor foi crucificado
no Monte Moriá, como afirmei acima, provavelmente o campo com os feixes
de cevada amarrados poderia ser visto da cruz, do outro lado do ribeiro de
Cedrom.

iii) Ao por do Sol naquele dia começava, para os judeus, o sábado dia 15. Na-
quele ano aquele sábado foi um sábado especial, chamado em João 19:31 de
“grande”, pois o sábado semanal (que era um dia especial de descanso) coin-
cidiu com o 1º dia dos Asmos (que também era um dia de descanso). Na-
quele dia, portanto, o corpo do Senhor descansou no túmulo enquanto os
judeus celebravam o 1º dia dos Asmos.

iv) Pouco antes do Sol se por naquele sábado (isto é, pouco antes de começar o
domingo dia 16, o Dia das Primícias), uma multidão atravessou mais uma
vez o ribeiro de Cedrom, acompanhando os enviados do Sinédrio. Foram ao
mesmo campo onde estiveram na quinta-feira, e quando o Sol se pôs (isto é,
logo no início do domingo) eles cortaram os ramos que haviam sido previa-
mente escolhidos. Estes ramos ficariam25 no Templo até na manhã seguinte.
Poucas horas depois disto (não sabemos exatamente quanto tempo — mas
não deve ter sido muito) o Senhor saiu do sepulcro lacrado, vitorioso sobre
a morte. Deixou para trás os lençóis com que O envolveram, o lenço que
cobrira Sua cabeça dobrado ordeiramente à parte. A grande pedra

25
Segundo a instituição original de Deus os ramos inteiros seriam apresentados diante do
Senhor. Os judeus haviam trocado a cerimônia original, e nos dias do Senhor a cevada era
debulhada e a farinha resultante era apresentada ao Senhor.
As sete solenidades do Senhor 53

permaneceu no lugar, e os soldados permaneceram do lado de fora — guar-


dando um sepulcro vazio!

v) Antes do Sol raiar naquele domingo houve um terremoto (Já houvera um na


sexta-feira quando o Senhor morreu), e um anjo revolveu a pedra da boca do
sepulcro — não para deixar o Senhor sair, mas para mostrar a todos o sepul-
cro vazio. Quando as mulheres chegaram, encontraram a pedra revolvida e
o sepulcro vazio.

vi) Por volta das 09h00 da manhã naquele domingo, multidões chegavam no
Templo para a Festa das Primícias. Os Levitas entoavam26 naquela ocasião
o Salmo 30, um Salmo que fala da glória da ressurreição — e enquanto o
sacerdote apresentava o molho das Primícias perante o Senhor (figura de
ressurreição) e os Levitas cantavam: “Senhor, fizeste subir a minha alma da
sepultura”, as mulheres certamente já teriam voltado do sepulcro, e a notícia
já corria pelas ruas de Jerusalém: “O Senhor ressuscitou!” Provavelmente
nesta hora aqueles “santos que dormiam”, cujos sepulcros foram abertos
quando o Senhor morreu (Mt 27:52-53) “entraram na cidade santa e apare-
ceram a muitos.” Que sinal impressionante para o povo duro e incrédulo de
Jerusalém!

Séculos antes deste dia memorável, Deus instituiu esta Festa para indicar o
Seu compromisso de ressuscitar Seu Filho ao terceiro dia, no primeiro dia da
semana! Como é impressionante a autoridade e perfeição das Escrituras, cum-
pridas pelas próprias pessoas que crucificaram o Senhor! Nosso Senhor morreu
numa sexta-feira dia 14 (na hora em que o cordeiro da Páscoa estava sendo
sacrificado), e ressuscitou no domingo dia 16, cumprindo assim perfeitamente
a profecia do dia das Primícias.

Com isto em mente, vejamos alguns detalhes revelados no VT.

Ligação com Asmos e Pentecostes


Um detalhe interessante sobre a festa das Primícias, da forma como é

26
Veja Mishna Bikurim 3:4.
As sete solenidades do Senhor 54

relatada em Levítico, é sua ligação íntima com as duas festas que a cercavam,
Asmos e Pentecostes.

Quanto à festa anterior (Asmos), a ligação é cronológica, pois a Festa das


Primícias era celebrada durante a Festa dos Pães Asmos. Na verdade, as três
festas do primeiro mês eram muito mais próximas do que as três do sétimo mês,
pois naquelas havia intervalos entre cada festa (1º dia, 10º dia e 15º dia), en-
quanto que Páscoa e Asmos seguiam uma imediatamente após à outra, e Pri-
mícias ocorria durante Asmos. Assim, Asmos e Primícias estão inseparavel-
mente ligadas em Levítico 23.

Quanto à ligação entre Primícias e Pentecostes, Levítico 23 apresenta pelo


menos três aspectos:

i) Incerteza quanto às datas. Usando apenas as informações apresentadas em


Levítico 23, veremos que estas duas festas são as únicas que não tem suas
datas definidas. A Páscoa era “no mês primeiro, aos catorze do mês” (v. 5),
Asmos “aos quinze deste mês” (v. 6), Trombetas “no mês sétimo, ao primeiro
do mês” (v. 24), Expiação “aos dez dias desse sétimo mês” (v. 27), e Trom-
betas “aos quinze dias deste mês sétimo” (v. 34). Mas Primícias é apresentada
assim: “no dia seguinte ao sábado” (v. 11), e Pentecostes é datada a partir de
Primícias: “contareis cinquenta dias; então oferecereis nova oferta de alimen-
tos ao Senhor” (v. 16). Era possível calcular (até com facilidade) a data exata
das duas festas em qualquer ano; mas Levítico 23 deixa estas datas um pouco
incertas, e deixa claro que a data de Pentecostes dependia da data de Primí-
cias.

ii) Indefinição quanto aos nomes. Neste capítulo, as primeiras duas festas do
ano (Páscoa e Asmos) e as últimas duas (Expiação e Tabernáculos) tem seu
título oficial claramente destacado no texto, mas as três 27 festas centrais

27
Creio que não é coincidência que estas três tenham uma indefinição neste capítulo quanto
ao seu nome e quanto à sua data. É verdade que a data da festa das Trombetas é apresen-
tada — sétimo mês, ao primeiro do mês — mas devido ao calendário judaico ser baseado
na Lua, o intervalo entre Pentecostes e Trombetas seria diferente a cada ano (mais detalhes
sobre isto na parte que trata da festa das Trombetas). Se Pentecostes marca o início do
período da Igreja, e Trombetas marca o seu fim (no Arrebatamento), a maneira como os
As sete solenidades do Senhor 55

(Primícias, Pentecostes e Trombetas) não tem um nome claramente atribu-


ído. Novamente percebemos a ligação entre Primícias e Pentecostes, que
também neste detalhe são semelhantes.

iii) Interligação no assunto. A ligação principal entre as duas festas, porém, é


no seu assunto — naquilo que representavam historicamente, e naquilo que
prefiguram tipologicamente. Primícias abria o período da colheita da cevada,
e quando chegava Pentecostes (que é chamada de “festa das primícias da sega
do trigo”; Êx 34:22), a colheita (tanto da cevada quanto do trigo) já estava
chegando ao fim28. Por isso na primeira festa era apresentado um molho (re-
presentando os grãos ainda no campo), mas na segunda eram apresentados
dois pães (alimento preparado dos grãos colhidos). Em Primícias havia gra-
tidão a Deus pelo fruto nos campos; em Pentecostes, pelo fruto nos celeiros.
É como se Primícias fosse um penhor de Pentecostes. Os judeus, diz Eders-
heim29, iniciavam sua dedicação da colheita de grãos com Primícias, e a com-
pletavam com Pentecostes. Uma marcava o início da colheita, outra o seu
final30. Além disto, os judeus também faziam uma ligação espiritual entre as
duas festas — eles ligavam Pentecostes com a entrega da Lei31, e diziam que
assim como Pentecostes dependia de Primícias, assim a Lei dependia do
Êxodo.

É inegável a estreita ligação que estas duas festas, Asmos e Pentecostes, ti-
nham com a Festa das Primícias. Quando pensamos no significado espiritual
destas três festas é fácil entender o por quê disto.

Quanto aos Asmos, que falam da vida de santidade que Deus espera ver no
Seu povo, vemos claramente a sua ligação com Primícias, que fala da ressurrei-
ção de Cristo. Vários textos no NT (Romanos cap. 6, Colossenses cap. 3, etc.)

fatos são relatados aqui em Levítico indica que nós não temos condições de calcular o dia
do Arrebatamento.
28
Edersheim afirma: “A maior parte da colheita, em todas as partes do país, já havia sido
colhida” (The Temple, pág. 127).
29
Ibid., pág. 225-226.
30
Não o final de todo o serviço relacionado à colheita — todo o serviço de debulhar e estocar
a colheita ainda precisava ser feito — mas o final da colheita propriamente dita.
31
Mais detalhes abaixo, ao considerarmos a Festa de Pentecostes.
As sete solenidades do Senhor 56

nos incentivam a viver uma vida de santidade devido ao fato da ressurreição de


Cristo, e da nossa ressurreição espiritual com Ele para andar em novidade de
vida.

Quanto à Pentecostes, que fala da formação da Igreja, sabemos que se o Se-


nhor não tivesse ressuscitado não seria possível haver Igreja. A Páscoa (a morte
de Cristo) tem, obviamente, a preeminência, mas não podemos esquecer que
Primícias (a ressurreição de Cristo) é essencial para todo o plano de redenção.
Se Cristo não tivesse ressuscitado, toda a nossa fé e pregação seriam em vão (I
Co 15:14)!

Lições práticas do Velho Testamento


Pensado especificamente no relato de Levítico 23, podemos aprender algu-
mas lições importantes.

Primeiras menções em Levítico 23

Em relação à Festa das Primícias — a terceira festa do ano — há diversas


coisas mencionadas pela primeira vez em Levítico 23. Quero destacar três32 de-
las, juntamente com suas lições espirituais:

i) O sacerdócio de Cristo na ressurreição. Temos aqui a primeira menção no


capítulo da palavra “sacerdote”. Este pequeno detalhe destaca a perfeição das
Escrituras, e reforça a nossa confiança neste livro perfeito. Se os sacerdotes
em Israel participavam das cerimônias da primeira e segunda solenidade
(Páscoa e Asmos, Nm 28:16-25), por que só são mencionados aqui em rela-
ção à terceira solenidade, Primícias? A resposta está na epístola aos Hebreus,
que destaca que o Sacerdócio de Cristo depende da Sua ressurreição. “Temos
um grande Sumo Sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos Céus”
(Hb 4:14). Em contraste com o sacerdócio de Arão, Cristo foi feito sacer-
dote “segundo o poder da vida incorruptível” (Hb 7:16). Aqueles sacerdotes

32
Além destas, temos aqui a primeira menção da terra que o Senhor daria ao Seu povo, da
“sua” colheita, de uma oferta movida, etc.
As sete solenidades do Senhor 57

“pela morte foram impedidos de permanecer; mas este, porque permanece


eternamente, tem um sacerdócio perpétuo” (Hb 7:23-24). Certamente ve-
mos Seu sacerdócio em ação no Calvário, mas a ligação que a Bíblia destaca
não é entre Seu sacerdócio e Sua morte, mas entre Seu sacerdócio e Sua
ressurreição. E aqui em Levítico 23 vemos que até neste livro, o livro do
sacerdócio de Arão, essa verdade já foi sugerida por este detalhe destacado
aqui!

ii) A satisfação de Deus na ressurreição. Aqui temos a primeira menção de uma


libação no livro. A libação era uma quantidade de vinho (equivalente a quase
um litro) que era derramado perante o Senhor. A oferta de alimentos tinha
uma parte oferecida ao Senhor sobre o altar, e o restante era do sacerdote,
mas a libação era inteiramente derramada perante o Senhor (Nm 28:7). Re-
presenta a alegria que o Senhor desfrutava relacionado aos sacrifícios. Quão
impressionante que este livro, que fala em tantos detalhes sobre os sacrifícios,
só vai falar deste aspecto no cap. 23, no contexto da ressurreição de Cristo.
Isto nos faz perceber que a alegria e a glória da morte de Cristo dependem
da Sua ressurreição. O Salmo 30, mencionado acima, já destacou isto. Em
Isaías 53 lemos muito dos Seus sofrimentos, mas o final daquele Cântico
destaca a Sua ressurreição (“prolongará os Seus dias”) e a Sua alegria (“o bom
prazer do Senhor prosperará na Sua mão. Ele verá o fruto do trabalho da Sua
alma, e ficará satisfeito”).

iii) “Dia seguinte ao sábado” — a primeira menção na Bíblia. Aliás, este capí-
tulo contém as únicas três menções desta expressão em todo o VT (v. 11, 15,
16 — há uma expressão semelhante em Neemias 13:19, mas diferente no
original). Esta Festa era celebrada no 1º dia da semana, mas o Senhor enfa-
tiza que era o dia seguinte ao sábado. Esta forma diferente de se referir a este
dia talvez seja uma indicação de que um dia o sábado, como dia santo a ser
observado, seria colocado de lado — e sabemos que a ressurreição de Cristo
deu ao primeiro dia da semana uma nova importância nesta presente dispen-
sação. Obviamente não podemos considerá-lo como um dia santo, como na
dispensação da Lei — mas convém lembrar que as únicas duas atividades das
igrejas locais associadas a algum dia da semana estão associadas ao primeiro
dia (At 20:7; I Co 16:1). O domingo, hoje, não é um dia santo, mas é um
dia especial — nele nosso Senhor ressuscitou, e nele celebramos a Ceia
As sete solenidades do Senhor 58

semanalmente, seguindo o exemplo bíblico.

Prioridade do Senhor

O povo de Israel não poderia provar nada da colheita até que apresentassem
as primícias ao Senhor (Lv 23:14). Não é que jejuariam até a Festa das Primí-
cias, mas não podiam participar de nada daquela colheita até apresentar as pri-
mícias ao Senhor.

Foi Ele mesmo quem disse: “Buscai primeiro o reino de Deus, e a Sua jus-
tiça” (Mt 6:33). Estamos vivendo assim? I Coríntios 16:1 enfatiza que no pri-
meiro dia da semana devemos contribuir para o Senhor por intermédio da igreja
local. O meu tempo, os meus recursos, o tempo da minha vida — o Senhor
merece as primícias.

Paz com Deus


“… para que sejais aceitos”. Agradecendo assim com a primeira parte do que
receberam, Deus lhes abençoaria com uma abundante colheita. É o mesmo
princípio visto em II Coríntios 9:7-12. Não devemos servi-lO por motivos ga-
nanciosos — mas é um fato que o Senhor não é devedor de ninguém, e que
aquele que sacrifica alguma coisa por Ele receberá “cem vezes tanto, e herdará a
vida eterna” (Mt 19:29).

E há algo maior ainda aqui, em relação a Cristo. Assim como o sacerdote


movia o molho das primícias perante o Senhor para que eles fossem aceitos,
assim é a presença de Cristo perante Deus, como nosso Sacerdote e Precursor,
que garante que nós somos aceitos no Céu. “Jesus, nosso precursor, entrou por
nós” (Hb 6:20) — entrou para garantir que nós somos aceitos ali. Temos paz
com Deus hoje porque Cristo morreu e ressuscitou — Ele morreu por causa da
culpa dos meus pecados, e ressuscitou para que eu tenha comunhão com Deus
(Rm 4:25),
As sete solenidades do Senhor 59

Lições do Novo Testamento


Olhando para a ressurreição de Cristo no NT e sua relação com a Festa das
Primícias, vemos algumas lições interessantes:

i) O fato da ressurreição. Em I Coríntios 15:3-4 Paulo escreve que Cristo “res-


suscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. Mas, que Escrituras?
Quando Paulo escreveu I Coríntios (cerca de 55 a.D.), provavelmente os
únicos livros do NT que já estavam escritos eram Tiago e as duas epístolas
aos Tessalonicenses. Os evangelhos seriam escritos só na década seguinte
(cerca de 63 a.D.). Paulo está realmente afirmando que as Escrituras do Ve-
lho Testamento indicavam que Cristo ressuscitaria ao terceiro dia; e no de-
correr do capítulo, ele cita a festa das Primícias como a prova do fato da
ressurreição. Em outras palavras, quero sugerir que a Escritura do VT que
foi cumprida na ressurreição de Cristo é Levítico 23:9-14 — a Festa das
Primícias.

ii) A força da ressurreição. Assim como aconteceu com o cumprimento da Pás-


coa, também no cumprimento de Primícias a força dos homens foi vista
como sendo nada diante da força de Deus. Os judeus guardaram o sepulcro
com toda segurança (Mt 27:63-66), mas assim como era impossível que Ele
fosse retido pelos grilhões da morte (At 2:24), também não era possível que
Ele fosse retido pelo selo e pelas sentinelas de Pilatos! Quantos soldados?
Certamente não dois ou quatro, como muitas ilustrações mostram. Em Atos
12:4 foram destacados dezesseis soldados para guardar um homem (Pedro)
dentro de uma prisão — quantos seriam destacados para guardar um sepul-
cro do possível ataque de onze discípulos? O grande número de pessoas vi-
giando o local; o grande peso da pedra bloqueando o acesso; a grande auto-
ridade do selo do Império Romano — nada disto poderia prender o Autor
da Vida!

iii) O fruto da ressurreição. Assim como o feixe movido perante o Senhor re-
presentava a colheita que viria, assim I Coríntios 15 ensina que a ressurreição
de Cristo é o penhor da nossa ressurreição: “… todos serão vivificados em
Cristo” (v. 22). O Senhor já havia indicado isto mesmo antes da Sua morte
(Jo 5:28-29), e na Sua ressurreição cumpriu-se a parábola do grão de trigo
As sete solenidades do Senhor 60

(Jo 12:24). Todos irão ressuscitar (nem todos na mesma ocasião) devido à
vitória de Cristo sobre a morte. Vemos isto aqui em Levítico: o molho das
primícias era movido perante o Senhor “para que sejais aceitos”.

iv) A frequência da menção. Olhando as sete solenidades do Senhor no con-


texto geral do VT (sem considerar Levítico 23) veremos que algumas se des-
tacam mais do que outras — Trombetas e Primícias sendo as duas menos
destacas no restante do VT. Em Números 28 e 29, por exemplo, onde temos
as instruções sobre os sacrifícios para cada festa, Primícias é a única das sete
não mencionadas. Aqui em Levítico 23, porém, acontece o contrário: ela é
uma das que ocupa mais espaço no capítulo! Assim também a ressurreição
de Cristo passou largamente despercebida pelo povo de Israel, mas é menci-
onada com muita frequência no NT, e em relação a todas as áreas da nossa
vida. Temos o fato da ressurreição registrado nos evangelhos, os frutos desta
ressurreição em Atos, a doutrina fundamental nas epístolas. Era um assunto
constante nas pregações do Evangelho mencionadas em Atos. Em relação à
Pessoa do Senhor Jesus, lemos da ressurreição associada à sua condição es-
sencial ( “declarado Filho de Deus em poder … pela ressurreição dos mor-
tos”, Rm 1:4; a ênfase está no fato de que ressuscitou); à Sua pureza eterna
(“Aquele a quem Deus ressuscitou nenhuma corrupção viu”, At 13:37; a ên-
fase é sobre quem O ressuscitou); ao fato de ser o escolhido de Deus para
julgar a todos (“e disso deu certeza, ressuscitando-O dentre os mortos”, At
17:31; a ênfase é que ressuscitou de entre os mortos). Em relação a nós, le-
mos em Romanos da ressurreição de Cristo relacionada ao início da nossa
caminhada cristã (“Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu
coração creres que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”, Rm
10:9); à nossa condição presente (“Como Cristo foi ressuscitado dentre os
mortos … assim andemos nós em novidade de vida”, Rm 6:4); e ao nosso
futuro (“Aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará
os vossos corpos mortais”, Rm 8:11).

Que possamos erguer os olhos ao Céu e ver ali, entronizado em glória e


honra, aquele que morreu por nossos pecados segundo as Escrituras, e que foi
sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras!
As sete solenidades do Senhor 61

Pentecostes
A festa de Pentecostes era celebrada cinquenta dias depois do dia das Primí-
cias, e era a única festa “avulsa” no calendário divino. O ano começava com três
festas da Primavera no primeiro mês (Páscoa, Asmos e Primícias), e terminava
com três festas do Outono no sétimo mês (Trombetas, Expiação e Tabernácu-
los). Entre elas (mais perto das primeiras três, e ligada a elas; também ocorria
durante a Primavera), havia a festa de Pentecostes.

Não pode haver dúvida que o dia de Pentecostes foi cumprido em Atos cap.
2, quando a Igreja foi batizada no Espírito Santo. Ali lemos: “Cumprindo-se33
o dia de pentecostes”. Naquele dia histórico uma promessa foi cumprida (At
1:4-5, etc.), uma Pessoa foi enviada (o Espírito Santo), poder foi demonstrado
(som, línguas como que de fogo, dom de línguas), e um projeto foi iniciado
(criação da Igreja). Ali a Igreja foi, posicionalmente, batizada no Espírito Santo
(não “com”, mas “no”: ela é quem foi batizada; Cristo é quem efetuou o batismo;
o Espírito é o elemento onde o batismo ocorreu).

No ano em que o Senhor morreu a Páscoa caiu numa sexta-feira (como já


vimos ao estudar sobre o Dia das Primícias). Sendo assim, o Dia das Primícias
foi um domingo (16 de Nisan), e o dia de Pentecostes, celebrado cinquenta dias
depois, também foi um domingo. Naquele dia específico, bem cedo de manhã
foi oferecido o holocausto contínuo no Templo (aquele que era observado toda
manhã, sem exceção). Logo depois foram oferecidos os sacrifícios especiais do
Dia de Pentecostes (relatados em Números cap. 28), e em seguida34 os sacrifí-
cios especiais (descritos em Levítico 23) que acompanhavam os dois pães. Mais
ou menos nessa mesma hora — por volta das nove horas da manhã (At 2:15)
— um grupo de quase cento e vinte discípulos (irmãos e irmãs, At 1:15) estava

33
A palavra grega traduzida “cumprindo-se” aparece só três vezes no NT, e indica algo ple-
namente completo — não é usada de nenhuma outra destas solenidades no NT.
34
Estou entendendo que os sacrifícios do Dia de Pentecostes relatados em Números 28 são
adicionais aos apresentados em Levítico 23. Aqueles eram sacrifícios especiais pelo dia
santo, enquanto que os de Levítico 23 eram sacrifícios especiais acompanhando o pão
santo. Creio que esta é a solução mais simples para as diferenças entre os dois trechos.
As sete solenidades do Senhor 62

reunido, provavelmente em algum alpendre35 do próprio Templo. De repente


“veio do Céu um som, como de um vento veemente e impetuoso.” Não houve
vento — apenas um som como de um terrível vento, e eles começaram a falar
àquele povo (judeus de “todas as nações que estão debaixo do Céu” — pelo me-
nos quinze povos diferentes são mencionados em Atos 2) nas línguas naturais
deles. Como deve ter sido surpreendente aquele acontecimento. Os sinais im-
pressionantes vistos na Páscoa, menos de dois meses atrás (as trevas, o terre-
moto, os santos ressuscitados), certamente ainda não haviam sido esquecidos —
e agora, na próxima data do calendário divino, outro sinal do Céu! Não é à toa
que a multidão “ajuntou-se … e estava confusa … E todos pasmavam e se ma-
ravilhavam … e estavam perplexos” (At 2:6, 7, 12). Não é de se admirar que
“quase três mil almas” creram naquele dia (2:41), o número logo subindo para
“quase cinco mil” (4:4), inclusive “grande parte dos sacerdotes” (6:7). Para os
que conheciam o ritual de Israel, Deus agiu naquele ano de forma irrefutável.
Pena que muitos endureceram o seu coração!

A tradição judaica afirma que Moisés recebeu os Dez Mandamentos pelos


primeira vez neste exato dia. O livro de Êxodo não nos permite calcular esta
data com exatidão, mas sugere que, se não foi exatamente neste dia, foi bem
próximo dele. De Êxodo caps. 19 e 20 podemos montar a seguinte sequência
(só como sugestão):

i) O povo de Israel chegou ao deserto de Sinai no terceiro mês (Sivã) da saída


do Egito (19:1);

ii) Parece que Moisés subiu logo em seguida ao monte (v. 3) — possivelmente
no 2º dia de Sivã;

iii) Moisés transmite ao povo o que Deus lhe falou, e sobe novamente ao monte
(provavelmente no 3º dia) com a resposta do povo ao Senhor (vs. 7-9);

iv) Durante os próximos dois dias (4º e 5º) o povo se santifica (vs. 10-11);

35
A área do Templo era enorme, e possuía muitos alpendres próprios para reuniões ao redor
da Corte dos Gentios, com espaço suficiente para os discípulos reunirem. Eles poderiam
estar na área comum (onde todos, inclusive gentios, poderiam entrar, e que media 480 x
300 metros, com alpendres em seu redor), ou na parte destinada exclusivamente aos ju-
deus. Sabemos que eles costumavam reunir ali depois de Pentecostes (At 2:46).
As sete solenidades do Senhor 63

v) No 6º dia de Sivã Moisés sobe ao monte novamente (vs. 16-20), e desce com
instruções para que o povo se mantenha distante (vs. 21-25);

vi) Finalmente, no 7º dia de Sivã, Deus lhe deu os dez mandamentos (cap. 20).

Se tomarmos como data das Primícias o dia 16 de Nisã (conforme o que


vimos no capítulo anterior), e incluindo o dia 16 na contagem dos dias (pois as
sete semanas são equiparadas, na Bíblia, a cinquenta dias, e não quarenta e nove)
teríamos então:

i) Mais quatorze ou quinze dias em Nisã (dependendo se aquele mês teve vinte
e nove ou trinta dias);

ii) Vinte nove ou trinta dias no mês de Zive;

iii) Sete dias em Sivã.

Ou seja, dependendo das variações mencionadas acima, e se não houve in-


tervalos maiores entre as etapas mencionadas no cap. 19, o intervalo entre o 16º
dia de Nisã e a entrega da Lei, naquele ano, foi de 50, 51 ou 52 dias. Não po-
demos afirmar que Pentecostes coincidia exatamente com a entrega da Lei, mas
podemos ver que a sugestão dos judeus não é absurda, e bem pode ser verdade.
Mas é uma questão de tradição, e não está registrado na Bíblia.

Para os judeus, a dedicação da sega ao Senhor (Primícias) era complemen-


tada pelo agradecimento pelo fim da sega (Pentecostes); assim também a liber-
tação do Egito (Páscoa) foi complementada pela entrega da Lei (que coincidia
com Pentecostes). Semelhantemente, podemos afirmar que o sacrifício do Se-
nhor na cruz (Páscoa) foi complementado quando o Espírito desceu e formou
a Igreja (Pentecostes). Em outras palavras: a colheita que começou no Dia das
Primícias se consumava no dia de Pentecostes, assim como o processo que co-
meçou no Êxodo foi consumado no Sinai (com a entrega da Lei e a formação
da nação), e a ressurreição de Cristo foi consumada, de certa forma, com a for-
mação da Igreja no dia de Pentecostes.

Como já foi destacado ao estudarmos a Festa das Primícias, as primeiras três


festas estavam relacionadas ao início da sega da cevada, enquanto que Pente-
costes estava ligada com o fim da sega do trigo. Veremos a aplicação espiritual
As sete solenidades do Senhor 64

desta verdade abaixo.

É interessante ver quantos nomes diferentes esta Festa recebe nas Escrituras:

i) Festa da Sega dos Primeiros Frutos (bikkuwr, Êx 23:16);

ii) Festa das Semanas (Êx 34:22);

iii) Festa das Primícias da Sega do Trigo (bikkuwr, Êx 34:22);

iv) Dia das Primícias (bikkuwr, Nm 28:26);

v) Dia de Pentecostes (At 2:1).

Edersheim afirma que cada pão tinha aproximadamente 40 cm de largura,


70 de comprimento e 7 de altura, e que na tradição dos judeus os dois pães
deveriam ser preparados completamente separados: a farinha deveria vir de ra-
mos de trigo diferentes, as duas massas deveriam ser amassadas separadamente,
e os dois pães assados separadamente36.

Entre outros detalhes interessantes que a tradição judaica liga com o dia de
Pentecostes (mas que são difíceis de comprovar pelas Escrituras), menciono os
seguintes:

i) As alianças com Noé, Moisés e Abraão teriam sido ratificadas neste dia;
ii) Davi teria morrido neste dia;
iii) O tempo entre a Páscoa e Pentecostes era chamado por eles de “dias do noi-
vado de Israel com a Torá” (o Pentateuco). A aplicação a Cristo e Sua Noiva,
a Igreja, é interessante.

Pensando no grande evento da formação da Igreja por intermédio do Espí-


rito Santo como sendo o cumprimento de Levítico 23:15-22, podemos ver al-
guns paralelos interessantes.

36
EDERSHEIM, A. The Temple, it's ministry and services at the time of Jesus Christ. The Reli-
gious Tract Society, London, 1874. Pág. 229.
As sete solenidades do Senhor 65

A ocasião — o caráter da Igreja (vs. 15-16)


Ao pensar nos detalhes sobre a ocasião desta festa, vemos ilustrados alguns
princípios sobre o caráter da Igreja:

i) Uma data incerta — a Igreja é um mistério no VT. Já foi destacada a inter-


ligação entre Pentecostes e Primícias, e como ambas (aqui em Levítico 23)
tem alguma incerteza relacionada à sua data. O início de Pentecostes depen-
dia da festa das Primícias (um fato bem destacado em Lv 23:15-16), e o
intervalo até a próxima Festa (Trombetas) era incerto37. Isto combina com o
caráter da Igreja: um mistério “que desde os séculos esteve oculto em Deus”
(Ef 3:9). A Igreja é algo que não foi revelado no VT. Paulo fala do “mistério
de Cristo, o qual noutros século não foi manifestado aos filhos dos homens,
mas agora tem sido revelado pelo Espírito” (Ef 3:4-5). Hoje, sabendo da
existência da Igreja, podemos ler o VT e ver muitas figuras dela, que com-
provam que ela sempre esteve na mente de Deus — mas ela não foi apresen-
tada claramente no VT. Pensando nisto, não é coincidência que a Festa de
Pentecostes, que recebe pelo menos cinco nomes diferentes nas Escrituras,
não recebe nenhum nome em Levítico 23. Ou seja, quando Deus apresenta
o Seu plano de redenção completo, a Igreja está lá — mas de forma anônima,
pois ainda era um mistério.

ii) Uma festa isolada — a Igreja é diferente de Israel. Já foi destacado acima
que a festa de Pentecostes era isolada das demais no calendário de Israel. Isto
ilustra o fato que, com o cumprimento de Pentecostes em Atos cap. 2, Deus
iniciou uma nova etapa do Seu plano de redenção. A Igreja não é a continu-
ação de Israel, mas é algo novo. Ao estudarmos a Bíblia, é fundamental dis-
tinguirmos entre estes dois povos divinos. Como vimos na divisão dispensa-
cional das sete solenidades, as três primeiras destacam o plano de Deus e
como ele afeta o indivíduo; as três últimas, o plano de Deus em relação a
Israel; mas nesta festa central vemos algo que, no VT, era ainda um mistério
não revelado: o plano de Deus em relação à Igreja. Em relação a isto, é inte-
ressante ver que não há nenhum relato do dia de Pentecostes sendo guardado
no VT (a festa deve ter sido celebrada, mas é interessante que Deus não

37
Mais detalhes sobre isto ao considerarmos a Festa das Trombetas.
As sete solenidades do Senhor 66

registra este fato nenhuma vez, preservando assim o detalhe da figura: a


Igreja é algo novo).

iii) Um intervalo perfeito — a Igreja é o Corpo de Cristo. O texto apresenta


duas formas de contar os dias até o início de Pentecostes: cinquenta dias (o
significado da palavra grega pentecostes é “quinquagésimo”), e “sete semanas
inteiras … até o dia seguinte ao sétimo sábado”. Quanto aos cinquenta dias,
nunca mais na Bíblia encontramos um período descrito com sendo de cin-
quenta dias — mas se estivermos dispostos a fazer cálculos, é possível en-
contrar eventos separados por este período38. Este número pode nos falar da
perfeição da graça de Deus vista na Igreja (5x10), e da liberdade associada
ao ano do Jubileu (que ocorria a cada cinquenta anos). Quanto às sete sema-
nas, vemos enfatizada a importância da data, devido à importância do nú-
mero sete no calendário judaico (o sábado semanal, os anos sabático, o ano
de jubileu, etc., etc.). Pentecostes era celebrada um ciclo de tempo perfeito
(7 x 7) depois de Primícias. Aplicando isto à Igreja, podemos ver claramente
a importância que ela tem nos propósitos de Deus. O Senhor Jesus Cristo
cumpriu a festa da Páscoa ao morrer no Calvário; o Pai cumpriu a festa das
Primícias ao ressuscitá-lO dentre os mortos; e o Espírito Santo cumpriu a
festa de Pentecostes ao formar o Corpo de Cristo pelo batismo no Espírito
Santo (I Co 12:13). Este evento é único e, como o Calvário e a Ressurreição,
jamais será repetido. Este corpo que foi formado, diz a Bíblia, é “a plenitude
daquele que cumpre tudo em todos” (Ef 1:23). Como compreender a gran-
deza destas palavras? Como é possível que a Igreja seja a plenitude do Se-
nhor? Como podemos ser o Corpo que O completa? Foi “na Sua carne” que
Ele desfez as inimizades e criou um novo homem “em Si mesmo” (Ef 2:15),
diz a Bíblia. Entendemos realmente isto? Também podemos ver nesta men-
ção do “sétimo sábado” (sendo 7= “perfeição”), uma referência dispensacio-
nal, como se Deus já estivesse indicando que quando o sábado (e tudo que
pertence a Lei) tivesse cumprido o seu ciclo completo, daria lugar à época da
Igreja.

38
Por exemplo, o Tabernáculo foi levantado pela primeira vez aos pés do Sinai no 1º dia do
1º mês do 2º ano da saída no Egito, e permaneceu montado até o 20º dia do 2º mês do 2º
ano — exatamente cinquenta dias.
As sete solenidades do Senhor 67

iv) Uma nova oferta de alimentos — a Igreja é a Noiva do Cordeiro. Este capí-
tulo menciona apenas duas ofertas de alimentos: uma no Dia das Primícias,
e outra em Pentecostes. Em Números caps. 28 e 29 aprendemos que, com a
possível exceção do dia da Páscoa, havia ofertas de alimentos associadas a
todas as solenidades. Por que será que Levítico, então, só as menciona nestas
duas ocasiões? Possivelmente para realçar a ligação entre estas duas festas, e,
portanto, a estreita ligação que existe entre a vida do Noivo, Cristo (Primí-
cias) e a vida da Noiva, a Igreja (Pentecostes). Devemos lembrar que a oferta
de alimentos era normalmente oferecida juntamente com o holocausto: este
falava da morte perfeita do Senhor Jesus, enquanto que a oferta de alimentos
falava da Sua vida perfeita. Ou seja, estas duas ofertas de alimentos aqui em
Levítico 23 falam de vida, não de morte — mas duas vidas diferentes! A
oferta de alimentos do Dia das Primícias fala do “poder da vida incorruptí-
vel” de Cristo na Sua ressurreição (Hb 7:16); no dia de Pentecostes, a nova
oferta de alimentos fala da vida dEle manifestada na Sua Noiva, ou da nossa
vida desfrutada nEle. Ao usar a figura da Noiva para descrever a Igreja, Deus
está nos dando uma ideia de algo que realmente não conseguimos compre-
ender plenamente: a união íntima que existe entre Cristo e a Igreja, Sua
Noiva. Efésios, ao citar as palavras de Deus no primeiro casamento (“… se-
rão dois numa carne”), logo acrescenta: “Grande é este mistério; digo-o, po-
rém, a respeito de Cristo e da Igreja” (Ef 5:31-32). Será que percebemos
quão grande é o privilégio que temos nesta Dispensação? Unidos a Cristo
não só como servos a um Senhor, ou discípulos a um Mestre, mas como
Corpo a um Cabeça, e — mistério dos mistérios — como Noiva a um Noivo!
Preferiríamos voltar à Dispensação antiga? Mil vezes “Não!”

Os pães — a composição da Igreja (v. 17)


Pensando nos detalhes desta “nova oferta de alimentos”, há muito que apren-
der sobre as pessoas que compõe a Igreja:

i) “Das vossas habitações” — pessoas terrenas. Eis um detalhe único desta


festa: é destacado que os pães deveriam vir “das suas habitações” — isto é,
preparados nas suas casas, não no Templo. Ao celebrar esta festa os judeus
não cumpriam este detalhe (pois nos dias de Cristo os dois pães eram assados
As sete solenidades do Senhor 68

no Templo), mas Deus destaca este detalhe ao estabelecer o ritual do Dia de


Pentecostes. Assim Ele liga os pães com a casa deles, e não com a santidade
da Sua casa. Este detalhe nos lembra que a Igreja não é composta de anjos,
mas de “filhos de Adão” — pessoas fracas e indignas, salvas pela graça de
Deus.

ii) “Trareis dois pães” — povos distintos. No dia das Primícias era trazido um
molho de cevada, mas agora eram dois pães. Independentemente do que Is-
rael entendia com isso, podemos ver aqui prefigurada a verdade de Efésios
2:14-16: “De ambos os povos fez um … para criar em si mesmo dos dois um
novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em
um corpo” — judeus e gentios unidos, não mais como judeus nem como
gentios, mas como filhos de Deus, um “novo homem”. Por isso lemos aqui
de dois pães, mas uma nova oferta de alimentos (v. 16), e “o pão” (vs. 18,
20). Como já vimos acima, a tradição dos judeus afirma que os dois pães
deveriam ser preparados completamente separados um do outro. Não sei de
onde tiraram esta ideia (não foi de Levítico 23!), mas a prática deles ilustra
perfeitamente o que é verdade da Igreja: dois povos distintos que antes eram
inimigos, mas agora são um corpo, um novo homem (Ef 2:15).

iii) “De duas dízimas de farinha” — pessoas exaltadas. Pelo contexto, sabemos
que esta farinha seria proveniente do trigo — o Dia das Primícias celebrava
a sega da cevada, mas Pentecostes é associado com a sega do trigo. Uma
diferença interessante entre os a cevada e o trigo é que a cevada está pronta
para ser colhida quando curva sua cabeça, mas o trigo permanece “em pé”.
Por isso, a cevada na Bíblia nos fala do Senhor na Sua encarnação e humi-
lhação, enquanto o trigo fala dEle na Sua exaltação, ressurreto. Veja, por
exemplo, a sétima praga no Egito, a saraiva: Deus Se preocupa em registrar
que a cevada foi ferida, mas o trigo não — ilustrando que Cristo padeceu
uma vez (cevada ferida), mas agora, já ressurreto, Ele nunca mais será afli-
gido ou maltratado pelos homens (trigo preservado). Estes dois pães, sendo
de trigo, destacam o caráter celestial e glorioso da Igreja, associada com
Cristo na Sua exaltação, composta de pessoas que já estão assentadas nos
lugares celestiais (Ef 2:6, etc.). Terrenos, sim, mas agora transportados para
o reino do Filho do Seu amor (Cl 1:13).
As sete solenidades do Senhor 69

iv) “Levedados se cozerão” — pessoas corrompidas. É uma surpresa ler que es-
tes dois pães eram levedados. Nenhuma oferta de alimentos queimada ao
Senhor poderia conter fermento (Lv 2:11), pois fermento representa o mal,
e as ofertas de alimento queimadas ao Senhor representam a vida perfeita do
nosso Senhor, em quem nunca houve defeito algum. Mas esta nova oferta
de alimentos, oferecida no dia de Pentecostes, não era queimada — era uma
oferta movida (por isso o fermento era permitido, sem ferir a proibição clara
de Levítico 2:11). E estes pães não representam a vida perfeita de Cristo,
mas a vida imperfeita da Sua Igreja — lembram-nos da nossa fraqueza e
condição indigna. A Igreja é gloriosa, mas é feita a partir de elementos fa-
lhos!

v) “Primícias são ao Senhor” — pessoas transformadas. Há um detalhe inte-


ressante aqui que não aparece nas versões em português: no Dia das Primí-
cias a oferta movida continha “um molho das primícias” (v. 10), e no Dia de
Pentecostes havia “o pão das primícias” (vs. 17, 20) — mas são usadas duas
palavras diferentes para “primícias”. Além disto, uma delas ocorre no singu-
lar, outra no plural. Em relação ao Dia das Primícias, a palavra é usada no
singular, e é derivada da palavra39 “cabeça”. Vemos nisto uma referência a
Cristo na glória da Sua ressurreição, constituído Cabeça da Igreja “para que
em tudo tenha a preeminência” (Cl 1:18). A palavra está no singular porque
Ele está sozinho nesta posição de Cabeça. Já em relação ao Dia de Pente-
costes a palavra usada está no plural, e é derivada da palavra40 “primogênito”.
Aqui a palavra, no plural, refere-se não a Cristo, mas a nós, a Igreja dos
Primogênitos (Hb 12:23). Assim o Dia das Primícias seria, literalmente, o
“Dia do Primeiro” (primeiro molho colhido — ênfase no ato de colher, no
único Cabeça da Igreja); o Dia de Pentecostes, porém, poderia ser traduzido
“Dia dos Primeiros Nascidos” (primeiro fruto nascido — ênfase no fruto que
brotou, nós que compomos a Igreja). A ligação desta segunda palavra com o

39
Reshiyth, 07225; ocorre cinquenta e uma vezes no VT, e é a palavra traduzida “princípio”
em Gênesis 1:1.
40
Bikkuwr, 01061; ocorre dezoito vezes no VT, e sempre é usada nas Escrituras para falar
dos primeiros frutos a amadurecerem; a raiz da palavra significa, literalmente, “que abre a
madre”.
As sete solenidades do Senhor 70

nascimento pode nos lembrar que aqueles que compõe a Igreja são, todos
eles, nascidos de novo41.

Se a ocasião desta Festa destaca o caráter glorioso da Igreja, os detalhes


acerca dos pães falam-nos da composição da Igreja — composta de elementos
fracos e limitados, mas glorificados pela graça de Deus.

As ofertas (vs. 18-20)


Pentecostes se destaca das demais festas neste capítulo pelos detalhes dos
sacrifícios. Números caps. 28 e 29 apresentam diversos sacrifícios que deveriam
ser oferecidos em cada um destes dias de festa (o Dia das Primícias é a única
exceção lá em Números). Mas aqui em Levítico, a vasta maioria dos sacrifícios
mencionados lá em Números é omitida. Lemos aqui que em diversas festas de-
veria haver “oferta queimada ao Senhor” — mas estas ofertas não são detalhadas
(cordeiro, novilho, cabra, etc.). As únicas duas exceções são o Dia das Primícias
(sobre o qual lemos de um cordeiro sendo oferecido em holocausto, com sua
oferta de alimentos e sua libação), e o Dia de Pentecostes. Aqui a lista é grande:

i) Holocaustos: sete cordeiros, um novilho e dois carneiros (com suas ofertas


de alimento e libações);
ii) Expiação: um bode;
iii) Oferta pacífica: dois cordeiros.

Esta diferença é interessante, e destaca mais uma vez aquilo que já vimos em
relação a esta Festa: há um elemento de fraqueza claramente destacado. Os dois
pães (que representam a Igreja) só podem ser aceitos pelo Senhor (movidos

41
Neste contexto, é interessante observar que no cumprimento de Pentecostes é aplicada à
ressurreição do Senhor Jesus uma palavra diferente das normalmente usadas: “Ao qual
Deus ressuscitou, desfazendo as ânsias da morte” (At 2:24). A palavra traduzida “ânsias”
ali é odin; só ocorre quatro vezes no NT, e quer dizer, literalmente, “dores de parto” (é
traduzida assim em I Ts 5:3 nas versões em português). Esta é a única vez que a palavra é
aplicada à ressurreição. Não pode ser coincidência que a ideia de “dar à luz” esteja asso-
ciada tanto com a palavra especialmente usada do pão de Pentecostes, quanto com a pa-
lavra que só é aplicada à ressurreição de Cristo no dia em que Pentecostes se cumpriu. É
mais uma confirmação que a Igreja é composta exclusivamente por pessoas que nasceram
de novo.
As sete solenidades do Senhor 71

diante dEle) se estiverem acompanhados destes muitos sacrifícios que falam de


Cristo (os dois cordeiros da oferta pacífica deveriam, inclusive, ser movidos pe-
rante o Senhor juntamente com os dois pães — provavelmente um cordeiro para
cada pão). Ou seja: só somos aceitos por causa dEle! Isto é enfatizado pela or-
dem diferente vista aqui: quando o VT fala de ofertas de alimentos, elas sempre
estão acompanhando algum sacrifício — mas esta nova oferta de alimentos no
Dia de Pentecostes deveria vir acompanhada de (e não acompanhar) um sacri-
fício de dois cordeiros de um ano (vs. 19-20). A ordem normal é: traga um
sacrifício, e traga também a sua oferta de alimentos (“sua” — a oferta de ali-
mentos daquele holocausto). Mas aqui é: traga uma nova oferta de alimentos, e
traga também o seu sacrifício. As ofertas de alimento normalmente oferecidas
falam da vida perfeita de Cristo, como já vimos — um acompanhamento per-
feito e lindo para a Sua morte. O valor da Sua morte é realçado pela perfeição
da Sua vida. Mas esta nova oferta de alimentos representa a Igreja — nós — e
aqui a ordem precisa ser invertida. Esta oferta não pode acompanhar nenhum
sacrifício, pois a nossa vida não acrescenta nada à morte de Cristo — mas ela
precisa vir acompanhada de um sacrifício, pois sem a morte de Cristo, nossa
vida não vale nada!

Os cordeiros oferecidos em holocausto lembram-nos do sacrifício perfeito


do Cordeiro de Deus. Sendo sete em número, esta perfeição é enfatizada. O
novilho destaca mais o poder (força) deste sacrifício, e os dois carneiros (cordei-
ros adultos) não apresentam a Sua submissão no altar, como os cordeiros, mas
a Sua consagração, oferecendo-Se de livre e espontânea vontade, na plenitude
da Sua força.

O bode para expiação do pecado fala-nos da necessidade de outro sofrer em


nosso lugar. Aqui em Levítico 23 esta é a única festa onde lemos de um sacrifício
para expiação42 dos pecados.

E temos também uma oferta pacífica, falando-nos da paz e comunhão que


podemos desfrutar com Deus por causa da morte do Senhor Jesus Cristo.

42
Obviamente, este era o grande assunto do dia da expiação, mas neste capítulo lemos da-
quela festa como sendo um “dia de expiação, para fazer expiação por vós”, mas não lemos
de nenhum sacrifício para expiação do pecado relacionado com ela.
As sete solenidades do Senhor 72

E tudo isto, diz Levítico, será “para uso do sacerdote” (v. 20). O sacrifício
foi dEle — as bênçãos são nossas.

Pense na razão disto: porque esta descrição detalhada das ofertas somente
em relação a esta Festa? Lembrando que Pentecostes introduz a Igreja e a dis-
pensação em que vivemos, seria mais uma indicação divina da singularidade
desta dispensação? Uma indicação de que a Igreja tem condições de compreen-
der melhor as diferentes glórias de Cristo reveladas nas diferentes ofertas —
melhor até do que Israel compreendia? Eles entendiam os detalhes acerca das
ofertas, mas não apreciavam como estas ofertas se cumpriram em Cristo; este é
o nosso privilégio hoje, tendo o NT completo. Será que estamos procuramos
compreender mais destas preciosidades da Bíblia?

A sobra (v. 22)


A descrição da Festa de Pentecostes tem um detalhe interessante no final:
uma instrução prática relacionada à colheita, e não à Festa de Pentecostes em
si. Obviamente há uma relação, pois Pentecostes é a Festa da Colheita — mas
é algo realmente diferente neste capítulo. É mais uma indicação do caráter único
desta dispensação da Igreja, ao lembrar-nos que não só quem plantava e quem
colhia desfrutariam da colheita, mas os pobres e os estrangeiros também. Só na
eternidade entenderemos quão extensivas foram as bênçãos que este mundo re-
cebeu durante esta dispensação única. Só no Milênio perceberemos como nos-
sos irmãos de outras dispensações serão abençoados pela grande colheita desta
dispensação presente.

Conclusão
A Festa de Pentecostes, então, prefigura um acontecimento glorioso, mas
caracterizado por fraqueza. A Igreja (que foi formada no dia de Pentecostes) é
a mais gloriosa das criações de Deus, a Noiva do Seu amado Filho. Sua forma-
ção, porém, manifesta a graça de Deus em salvar pecadores fracos e indignos. A
ocasião da festa (sozinha no calendário, e marcada pelo número sete) destaca a
grandeza da Igreja — as ofertas especificamente relacionadas a ela destacam a
As sete solenidades do Senhor 73

fraqueza e imperfeições daqueles que compõem a Igreja.

Os inúmeros grãos de farinha, divididos em dois grupos, transformaram-se


naquela festa em dois pães que constituíram uma oferta de alimentos, um pão
das primícias43. Cinquenta dias depois da Sua ressurreição, o Senhor Jesus, já
recebido acima na glória, enviou o Espírito Santo, e através do batismo no Es-
pírito Santo, naquele dia os cento e vinte irmãos e irmãs que já reuniam lá em
Jerusalém (e que até ali eram apenas discípulos individuais) foram transforma-
dos em um só Corpo — a Igreja. E todos os salvos desta dispensação foram
incluídos, posicionalmente, neste batismo (I Co 12:13).

43
Não ocorria uma fusão milagrosa dos dois pães em um só — mas aos olhos de Deus, os dois
eram um.
As sete solenidades do Senhor 74

O Dia das Trombetas


O 1º dia do 7º mês marca o início do fim de um ciclo. O número sete na
Bíblia fala de coisas perfeitas e completas (e está presente por todos os lados no
calendário judaico). Aqui estamos iniciando o sétimo mês, e o ciclo de sete festas
que começou na Páscoa está chegando ao seu fim. Após um longo intervalo
(quase quatro meses) Deus exige a presença deles novamente em Jerusalém para
a Festa dos Tabernáculos no meio do mês. Assim como o ano festivo começou
com uma festa que se estendia do 15º ao 21º dia, assim ele terminará com uma
festa nas mesmas datas.

Esta Festa das Trombetas era um despertamento para as últimas duas festas
(Expiação e Tabernáculos). Toda a colheita havia acabado: não só a sega dos
grãos feita na primavera (cevada e trigo), mas também a colheita das uvas, figos
e toda espécie de frutas. O inverno se aproximava, e o povo estava alegre pela
colheita feita, com seus celeiros e casas cheias de alimento. Tendo passado a
primavera e o verão no campo (primeiro na colheita dos grãos, depois das fru-
tas), estão agora prontos para voltar para suas casas para passarem o inverno
desfrutando daquilo que colheram.

Este quadro apresenta também um retrato dispensacional. Quando chegar a


ocasião do cumprimento desta festa, Israel estará “voltando para casa” após pas-
sar um longo período espalhado pelos campos do mundo.

Mas além de indicar o fim de um ciclo, esta data marca o início de outro,
pois o 1º dia de Tisri (o Dia das Trombetas) é o Ano Novo judaico (neste ano
de 2018 será celebrado em 10 de setembro). Como já vimos nestes estudos, os
judeus usam dois calendários: o religioso começa em Nisã (também chamado
Abibe) e o civil em Tisri (também chamado Etanim). O 7º mês do calendário
religioso é o 1º mês do calendário civil, e vice-versa. Esta festa, portanto, encerra
um ciclo (pois ela marca o início do sétimo mês deste calendário religioso com
suas sete solenidades) e inicia um ciclo (o ano civil). Aqui temos o primeiro
passo do fim do plano divino de redenção, e o início da futura restauração na-
cional de Israel como cabeça das nações, conforme descrito pelos profetas. O
futuro de Israel como nação começará quando esta festa for cumprida, pois Deus
estará finalizando aquilo que Ele começou quando a Páscoa foi cumprida na
As sete solenidades do Senhor 75

morte do Senhor Jesus Cristo.

Em Levítico 23 aprendemos que este dia era um dia de descanso com sonido
de trombetas. O sonido das trombetas servia para avisar os judeus para que se
preparassem para o grande Dia da Expiação (10º dia do mês).

A Festa das Trombetas terá seu cumprimento quando este período da Igreja
chegar ao seu fim e a Igreja for retirada da Terra. Então Israel, como nação, será
despertada para voltar à sua pátria, em antecipação à vinda do Senhor Jesus no
final da Tribulação. Ao estudar as profecias que falam deste evento veremos
como este despertamento será tão necessário e tão impressionante como foi o
Êxodo do Egito, logo antes da formação da nação.

Os judeus consideram este dia como o dia em que Deus criou Adão, e o dia
em que Abraão ofereceu Isaque sobre o monte Moriá. São detalhes da tradição
deles, não revelados na Bíblia. Como o 1º dia de todo mês, este também era
determinado pela observação da Lua. Lemos desta data (além de Levítico e Nú-
meros) em dois outros contextos, ambos nos dias de Esdras: oferecendo holo-
caustos ao Senhor (Ed 3:6) e aprendendo da Palavra do Senhor (Ne 8:2).

Esta festa é a única das sete celebrada no primeiro dia de um mês. Todo
primeiro dia do mês era um dia especial, em que as trombetas eram tocadas
(Nm 10:10) e alguns sacrifícios especiais eram celebrados (dois novilhos, um
carneiro e sete cordeiros em holocausto, com suas ofertas de alimentos e liba-
ções, além de um bode para expiação do pecado; Nm 28:11-14). Mas o primeiro
dia do sétimo mês — a Festa das Trombetas — era ainda mais destacado. Além
das trombetas soarem em Jerusalém durante todo o dia (provavelmente em in-
tervalos regulares), também havia uma lista de sacrifícios quase idêntica à dos
outros primeiros dias (um novilho, um carneiro e sete cordeiros em holocausto,
com suas ofertas de alimentos e libações, além de um bode para expiação do
pecado), mas Números 29:6 enfatiza que esta lista de sacrifícios era “além do
holocausto do mês” (Nm 28:11-1444) e do holocausto contínuo (Nm 28:3-8).
Neste dia (somando o holocausto contínuo, o holocausto do mês e os sacrifícios
especiais do Dia das Trombetas) eram oferecidos mais de vinte animais:

44
Provavelmente não incluindo o bode oferecido todo primeiro dia do mês.
As sete solenidades do Senhor 76

dezesseis cordeiros, três novilhos, dois carneiros e um bode.

As características do período
Precisamos destacar que, com a Festa das Trombetas, iniciamos uma nova
etapa no plano de redenção. As primeiras quatro festas, relacionadas ao início
do ano religioso de Israel, prefiguram eventos relacionados à vida espiritual do
indivíduo45, mas estas últimas três, ocorrendo todas no início do ano civil, falam
de acontecimentos que afetam a nação de Israel como nação. Estas duas etapas
deste calendário (a primeira na Primavera, a segunda no Outono) correspondem
às duas vindas de Cristo: Sua primeira vinda foi para resolver o problema do
pecado e mudar a vida individual de todos aqueles que nEle creem, em qualquer
dispensação, mas a Sua segunda vinda até a Terra está principalmente relacio-
nada com a situação da nação de Israel.

Nestas últimas três festas, então, o calendário divino está apresentando-nos


acontecimentos futuros. Obviamente todas as setes festas apontavam para um
cumprimento futuro quando Moisés escreveu Levítico — para nós, porém, que
vivemos no intervalo entre Pentecostes e Trombetas, as primeiras quatro já
forma cumpridas e são História, mas as últimas três são profecia. Portanto, não
estamos mais pensando em festas cujos detalhes irão se encaixar perfeitamente
em detalhes históricos, mas em festas cujos detalhes serão cumpridos historica-
mente num dia futuro. Podemos esperar, porém, a mesma perfeição nos deta-
lhes — o perfeito cumprimento das primeiras quatro festas nos dá confiança
quanto ao perfeito cumprimento das últimas três.

Devemos perguntar: quando é que estas três festas terão seu cumprimento?
Onde podemos encaixá-las nos planos proféticos de Deus? As primeiras quatro
não apresentam dificuldade alguma, pois a História mostra que Cristo morreu
no dia da Páscoa, ressuscitou no Dia das Primícias, e que a Igreja foi formada
no dia de Pentecostes. Tendo estes eventos acontecido exatamente nas datas em
que Israel celebrava estas festas, é impossível deixar de perceber que eles

45
A Páscoa fala da morte de Cristo (que traz salvação a todo indivíduo, independentemente
da dispensação em que vive), Primícias fala da Sua ressurreição (que garante a ressurreição
de todo indivíduo), e Pentecostes introduz o mistério da Igreja, algo oculto no VT.
As sete solenidades do Senhor 77

representam o cumprimento delas. Mas o que dizer destas últimas três festas?

Há três detalhes que nos ajudam a situar estas três festas cronologicamente:

i) Em primeiro lugar, elas estão situadas depois do intervalo longo entre Pen-
tecostes e Trombetas (o maior intervalo desde o começo das Festas, e um
intervalo que, como veremos adiante, é indeterminado). Se Pentecostes re-
presenta a formação da Igreja, o intervalo que segue deve representar o
tempo em que a Igreja está aqui na Terra. Como vimos ao estudar o Dia de
Pentecostes, esta época da Igreja é, na realidade, um mistério oculto no VT,
como se fosse um parêntese na história de Israel — o povo de Deus na Terra
hoje é a Igreja, e Israel está colocada de lado (como exposto em Romanos
caps. 9-11). Depois que a Igreja for arrebatada46 da Terra, porém, Deus vol-
tará a tratar com Israel, e estas últimas três festas terão então o seu cumpri-
mento. Vivemos hoje numa época em que profecias específicas não estão
sendo cumpridas. Como já foi dito, enquanto a Igreja está na Terra, o relógio
profético está parado.

ii) Outro detalhe é que estas três festas, como as três primeiras, estão juntas no
calendário divino, indicando que, assim como as primeiras três foram cum-
pridas em rápida sucessão, assim também estas três devem ter seu cumpri-
mento próximo um do outro. A ligação entre elas não é tão estreita quanto
com as primeiras quatro, principalmente em relação às datas. As primeiras
três eram praticamente uma festa só, sem intervalo, e a data da quarta de-
pendia da data da terceira, unindo-as cronologicamente. Já as últimas três
contém intervalos pequenos (dez dias entre Trombetas e Expiação, mais
cinco dias até Tabernáculos). São intervalos, mas são pequenos — fica muito
claro olhando o calendário anual que estas três últimas festas formam um
grupo, e o cumprimento de qualquer uma delas não deve ser considerado
isoladamente das demais.

iii) Além disto, estas três festas estão especialmente ligadas com a ideia de

46
É importante destacar que há um paralelo interessante entre estas últimas três festas e a
Igreja (Arrebatamento, Tribunal de Cristo e Milênio), e podemos estudá-las deste ponto
de vista também. Mas creio que o contexto de Levítico 23 sugere que esta é uma aplicação
secundária das Festas — uma aplicação interessante e proveitosa, mas secundária.
As sete solenidades do Senhor 78

“descanso”. Levítico 23 usa duas palavras semelhantes para falar do des-


canso: a palavra normal para “sábado” (shabat, que ocorre nove vezes neste
capítulo, cento e oito vezes no VT), e outra palavra semelhante: shabaton
(ocorre cinco vezes no capítulo, apenas onze vezes no VT). Esta segunda
palavra parece ser uma forma mais intensa da primeira. O interessante é que
esta segunda palavra só é usada no começo do capítulo ao falar do sábado
(“… o sétimo dia será o sábado do descanso”; literalmente, shabat shabaton,
v. 3) e no final, para descrever as últimas três festas (v. 24, 32 e 39). Este
descanso mais intenso é, portanto, especialmente associado a estas últimas
três festas. As primeiras quatro enfatizaram mais o que Deus fez para tornar
a redenção possível, enquanto que estas últimas três enfatizam mais o des-
canso e as bênçãos que são nossas como resultado desta redenção. É como
se as primeiras quatro estabelecessem o alicerce sobre o qual o descanso pode
ser desfrutado, e agora Deus soa a trombeta para avisar: “Estamos entrando
na última etapa — o trabalho foi feito, agora é hora de introduzir o des-
canso”.

Vemos, então, que estas últimas três festas estão concluindo aquilo que foi
iniciado na Primavera com os acontecimentos relacionados à primeira vinda de
Cristo, e introduzindo o descanso eterno. A última destas três (Tabernáculos)
prefigura o descanso pleno do Milênio e do Estado Eterno; as duas anteriores
(Trombetas e Expiação) apresentam dois passos que são pré-requisitos para este
descanso. Deus já estabeleceu, na primeira parte do Seu calendário, a base moral
sobre a qual Ele pode dar descanso ao Seu povo — a base sobre a qual os indi-
víduos que compõem Israel (ou a Igreja) podem ter direito a desfrutar do des-
canso divino. Mas para introduzir este descanso aqui na Terra, com Israel e a
Terra Prometida como o centro terrestre do governo divino, é necessário que (i)
os indivíduos israelitas que estão dispersos por todas as nações do mundo sejam
reunidos mais uma vez na terra que Deus lhes deu em herança, e que (ii) a nação
como um todo, rebelde e endurecida, se arrependa e volte a servir a Deus. O
primeiro destes problemas será resolvido quando se cumprir o Dia das Trom-
betas, e o segundo no Dia da Expiação.
As sete solenidades do Senhor 79

As características da festa
Pensando no que vimos acima, entendemos que a Festa das Trombetas se
cumprirá após o Arrebatamento da Igreja, quando Deus agirá, através do Espí-
rito Santo, para trazer o remanescente de Israel de volta à sua terra. Isso é ne-
cessário para que quando Cristo voltar no final da Tribulação, Israel esteja na
sua terra para receber o seu Rei.

Na curta descrição desta festa em Levítico 23 é destacado o aspecto do des-


canso (como já vimos acima). Além disto, há duas palavras que são usadas ex-
clusivamente desta festa:

i) Sonido — A expressão: “sonido de trombetas” (ACF e ARA) traduz uma


única palavra. A descrição do uso das trombetas em Números cap. 10 ajuda-
nos a entender melhor o significado desta expressão. Lá lemos de pelo menos
quatro usos diferentes para as trombetas, divididos em dois pares. Quando
as duas trombetas tocassem um som uniforme, era o sinal para a congregação
se reunir diante do Tabernáculo; quando apenas uma tocasse de maneira
uniforme, era o sinal para que os príncipes se reunissem. Mas quando elas
tocassem “retinindo” (isto é, não um som contínuo, mas com intervalos rit-
mados), duas mensagens poderiam ser transmitidas: levantar acampamento
para marchar, ou marchar para guerra. Resumindo: “Retinindo as tocarão
para as suas partidas. Porém, ajuntando a congregação, as tocareis, mas sem
retinir” (Nm 10:6-7). Isto é, as trombetas tocadas de modo contínuo indica-
vam uma ordem para congregar (todos, ou os cabeças), tocadas retinindo era
para marchar (em viagem ou em guerra). A palavra hebraica que é traduzida
“retinindo” em Números cap. 10 pode ser traduzida “alarme”, “alarido”. É
esta palavra que é usada em Levítico 23, indicando que o som característico
desta Festa transmitiria uma ordem para marchar.47

47
Existe alguma dúvida sobre o tipo de instrumento tocado nesta festa. Edersheim (The Tem-
ple, it’s Ministry and Services,p. 259) afirma que não eram as trombetas (02689) de prata
de Números 10, mas aquela feita do chifre de carneiro (shofar, 07782). Esta segunda pa-
lavra é muito usada nos profetas em relação ao cumprimento do Dia das Trombetas, mas
baseado em Números 10:10 me parece mais provável que as trombetas eram tocadas pe-
los sacerdotes no Templo, e os shofares repetiriam o sonido por toda a terra de Israel. As
trombetas de prata são símbolo de redenção.
As sete solenidades do Senhor 80

ii) Memorial — Esta é a única das sete festas que, neste capítulo, é descrito pela
palavra “memorial” — algo feito para se lembrar de um evento, pessoa ou
compromisso. Convém perguntar: “A Festa das Trombetas era um memorial
de quê?” Talvez as instruções sobre o toque das trombetas em Números cap.
10 podem conter a resposta. Lá lemos que, quando o povo fosse à guerra,
deveriam tocar “as trombetas retinindo, e perante o Senhor haverá lem-
brança de vós, e sereis salvos de vossos inimigos” (Nm 10:9). A palavra tra-
duzida “retinindo” é a mesma usada em Levítico 23 sobre o Dia das Trom-
betas, e a palavra traduzida “lembrança” é a forma verbal da palavra “memo-
rial” usada em Levítico 23:24. Ou seja, Deus está dizendo para Seu povo que
quando eles tocassem as trombetas retinindo ao saírem para a guerra, Deus
se lembraria deles e os salvaria dos seus inimigos. Creio que é o mesmo que
temos aqui: o sonido das trombetas foi chamado de “memorial” não tanto
porque servia para despertar o povo quanto à solenidade do Dia da Expiação
que se aproximava (apesar de ter esta finalidade também), mas principal-
mente para indicar que Deus estava lembrando deles, e que estava aproxi-
mando-se o dia em que Deus iria agir a favor deles (o Dia da Expiação).

Reunindo tudo o que vimos até aqui, creio que podemos ver que a Festa das
Trombetas dava início ao último ciclo de festas do ano — era o começo do fim.
A repetição da palavra mais forte para “descanso” em relação a estas últimas três
festas destaca que o trabalho já foi feito, agora está para se iniciar a hora do
descanso (o que combinaria também com a época do ano em que estas festas
eram celebradas). Ao descrevê-la como um “memorial com sonido”, Deus está
afirmando que Ele não esquecerá de congregar Seu povo dos quatro cantos da
Terra, quando chegar a hora apropriada para isto.

E isto nos leva a outra pergunta: exatamente quando será esta hora?

A cronologia do cumprimento
A data do Dia das Trombetas é claramente assinalada no calendário de Le-
vítico 23: o 1º dia do 7º mês. Devido às peculiaridades de um calendário luniso-
lar, porém, nem tudo é tão claro como parece.
As sete solenidades do Senhor 81

O mês judaico depende da velocidade de rotação da Lua em torno da Terra,


e começa na Lua Nova48. Como o ciclo da Lua dura mais ou menos 29 dias e
meio, os meses lunares não podem ter todos a mesma duração — precisam va-
riar entre vinte e nove e trinta dias. Hoje a duração dos meses é calculada ante-
cipadamente baseado no movimento dos corpos celestes, mas na época da Bíblia
dependia da observação visual do primeiro crescente luminoso que segue a Lua
Nova. Quando o Sol estava para se pôr no dia 29 de qualquer mês, o povo na
região de Jerusalém era encorajado a procurar atentamente no Céu o sinal da
Lua Nova e, se a vissem, levar a notícia rapidamente ao Sinédrio (essas teste-
munhas tinham o privilégio de participar de um jantar oferecido pelos principais
do Sinédrio, como incentivo ao povo a procurar a Lua Nova no Céu). Se ela
fosse vista naquela noite, a notícia era rapidamente espalhada para toda a terra
de Israel (por intermédio de mensageiros, e de fogueiras acesas nos altos dos
montes — um sinal previamente combinado): “Começou um novo mês!” Mas
se não fosse possível ver a Lua Nova naquela noite (devido ao próprio ciclo da
Lua, ou a tempo nublado, etc.), o dia 30 era declarado o último do mês, e o
próximo dia seria o início do próximo mês. Isto quer dizer que não era possível
saber com antecedência se o mês em curso teria 29 ou 30 dias. Portanto, no Dia
de Pentecostes ninguém sabia 49 quantos dias ainda faltavam até o Dia das
Trombetas — faltava parte do mês de Sivã e mais três meses inteiros, mas nin-
guém sabia quantos destes quatro meses teriam vinte e nove dias, e quantos

48
O que eles entendiam por Lua Nova (a aparição do primeiro crescente luminoso da Lua) é
um pouco diferente do significado que o termo tem hoje (a fase em que a Lua se encontra
entre a Terra e o Sol, invisível para quem está na Terra). Na prática, isto não significa muito,
pois a diferença é de poucas horas.
49
Além disto, havia outra questão — o ano judaico é chamado lunissolar porque depende
tanto da Lua quando do Sol. Doze meses lunares correspondem somente a trezentos e
cinquenta e quatro dias, onze dias (e mais algumas horas) a menos que um ano solar. Se
Israel seguisse um ano rigidamente lunar, haveria problemas práticos muito sérios em re-
lação à celebração das Festas. Se hoje a Páscoa fosse celebrada na Primavera, daqui a dois
anos (seguindo o ano lunar de doze meses) esta mesma festa cairia no inverno. E como
apresentar o primeiro feixe da sega das cevadas em pleno inverno? Sendo assim, a cada
dois ou três anos era acrescentado um 13º mês no final do ano religioso (logo antes de
Nisã). Nós acrescentamos um dia a fevereiro de quatro em quatro anos — eles acrescenta-
vam um mês inteiro, a cada dois ou três anos. Este mês extra (Ve-Adar, ou “Segundo Adar”)
era acrescentado no final do ano religioso, entre Adar e Nisã, sempre que fosse necessário
sincronizar a Páscoa com a colheita das cevadas. Mesmo que a inclusão deste mês não
afetava o cálculo do intervalo entre Pentecostes e Trombetas, é mais um detalhe da incer-
teza do calendário judaico, que afetaria cálculos para anos futuros.
As sete solenidades do Senhor 82

teriam trinta dias.

Sendo que este intervalo representa, profeticamente, a Dispensação da


Graça, as Escrituras assim preservam o caráter misterioso desta dispensação (é
impossível calcular a data da volta de Cristo baseado na data do dia de Pente-
costes em Atos cap. 2). Repare que a Festa de Pentecostes ocorria numa data
variável (diferente a cada ano), mas baseada num intervalo fixo (cinquenta dias
após Primícias), mas a Festa das Trombetas ocorria numa data fixa (1º dia do
7º mês), mas após um intervalo indefinido.

Isto deixa claro que não é possível estabelecermos uma data para o Arreba-
tamento, ou para o início da Tribulação — a Festa das Trombetas está clara-
mente assinalada no calendário divino, mas está oculta ao nosso entendimento.
Devemos aprender a não tentar estabelecer datas para a Vinda de Cristo, pois
as profecias da Bíblia não nos foram dadas para que profetizemos!

Podemos definir que a Festa das Trombetas será cumprida durante o período
da Tribulação (e poderíamos sugerir que será durante a Grande Tribulação, os
últimos três anos e meio daqueles sete anos), mas não podemos ser mais espe-
cíficos do que isto.

As características do cumprimento
Quanto à data do cumprimento desta Festa não temos detalhes muito espe-
cíficos. Quanto à forma e finalidade do seu cumprimento, porém, há muitas
profecias no VT que falam sobre este acontecimento. Uma pequena seleção des-
tas profecias, tiradas só de Isaías e Ezequiel, apresentam alguns aspectos relaci-
onados ao cumprimento do Dia das Trombetas, mostrando-nos como será o
retorno de Israel à sua terra:

i) O povo — quem virá? Quem é que será trazido de volta à Terra Prometida?
Logo depois da morte de Salomão o povo de Israel se dividiu em dois: Judá
e Benjamin (além dos Levitas) ficaram com a casa de Davi, e as outras dez
tribos passaram a ser chamadas de “Efraim” (pois esta era a tribo dominante
entre estas dez). Hoje conhecemos o povo de Israel pelo nome “judeu” (da
tribo de Judá), e muito se fala sobre as dez tribos perdidas de Israel. Quando
As sete solenidades do Senhor 83

Deus cumprir o Dia das Trombetas, porém, Judá e Efraim serão trazidas de
volta como um povo só, sem divisão: “E deles farei uma nação … nunca mais
serão duas nações” (Ez 37:22).

ii) A paz — em que condição virão? Quando José mandou seus irmãos busca-
rem seu pai, ele despediu-os com este recado: “Não contendais pelo cami-
nho” (Gn 45:24). A triste realidade é que o povo de Deus sempre foi carac-
terizado por contendas e inveja (seja José com seus irmãos, Saul com Davi,
Judá com Efraim, ou a Igreja hoje). Quando Deus juntar o Seu povo nova-
mente, porém, a união externa será o reflexo de uma plena harmonia interna:
“Efraim não invejará Judá, e Judá não oprimirá a Efraim” (Is 11:13).

iii) O poder — como conseguirão vir? O Senhor disse a Ezequiel: “E porei em


vós o Meu Espírito, e vivereis, e vos porei na vossa terra; e sabereis que Eu,
o Senhor, disse isto, e o fiz, diz o Senhor” (Ez 37:14). O Espírito do Senhor
agirá, trazendo vida onde havia morte e sequidão, e trazendo-os de volta à
sua terra não só como pessoas, mas como pessoas vivificadas espiritualmente
(já antecipando o Dia da Expiação).

iv) O propósito — para que virão? Por que Deus os trará de volta à sua terra?
Em primeiro lugar, como já foi destacado, para aguardar a vinda do seu Rei
dos Céus; num sentido espiritual, porém, será para que eles possam adorar
ao Senhor. “E será naquele dia que se tocará uma grande trombeta, e os que
andavam perdidos pela terra da Assíria, e os que foram desterrados para a
terra do Egito, tornarão a vir, e adorarão ao Senhor no monte santo em Je-
rusalém” (Is 27:13). Este é o propósito final da reunião de Israel — um povo
unido, adorando a Deus em Jerusalém.

v) O período — por quanto tempo durará esta reunião? Israel já esteve na sua
terra antes, e já perdeu este direito — mais de uma vez. Desta vez, porém,
será para sempre! “E habitarão na terra que dei a Meu servo Jacó, em que
habitaram vossos pais; e habitarão nela, eles e seus filhos, e os filhos de seus
filhos, para sempre, e Davi, Meu servo, será seu príncipe eternamente” (Ez
37:25).

Há muitas outras profecias no VT que descrevem este grande evento, mas


estas servem para resumir o assunto. Deus prometeu espalhar Seu povo entre as
As sete solenidades do Senhor 84

nações como castigo pela rebeldia deles, e Ele cumpriu Sua promessa. Mas Ele
também prometeu trazê-los de volta à sua terra quando chegasse a ocasião opor-
tuna — e quando esta ocasião chegar, Ele certamente cumprirá Sua promessa.

É verdade que a criação do Estado de Israel em 14 de Maio de 1948 abriu


as portas para que milhões de judeus voltassem à sua terra, mas isto não é, ainda,
o cumprimento do Dia das Trombetas. Estima-se que ainda existem mais ju-
deus espalhados pelo mundo do que habitando na Terra Prometida. Dados de
Abril deste ano (2018) sugerem que entre a população de Israel existem cerca
de 6.5 milhões de judeus, e cerca de 8 milhões deles espalhados pelo mundo.
Durante a Tribulação o Espírito Santo agirá conforme o Seu poder em todos os
filhos de Israel, aonde quer que estejam espalhados no mundo, e todos serão
levados a deixar suas casas e rumarem em direção a Israel. O evento é tão im-
portante para o cumprimento dos propósitos eternos de Deus que o Senhor irá
interferir até na geografia para aplanar o caminho deles (Is 11:15-16). Como
houve o Êxodo do Egito séculos atrás, haverá um êxodo de todos os cantos da
Terra — judeus de todas as partes dirigindo-se a Israel. Como passaram a seco
o Mar Vermelho naquela época, fá-lo-ão novamente. Deus tem uma promessa
a cumprir, e nada — nem o mar do Egito — pode impedir a Sua fidelidade de
se manifestar!

Como Deus fará isto, na prática? Não sabemos — talvez Ele usará a perse-
guição da Besta para forçar muitos a fugir para Israel — talvez Ele colocará no
coração de muitos o desejo ardente de retornar à sua pátria. Não sabemos os
meios que Ele utilizará, mas sabemos que de todos os cantos da Terra eles virão.

Nem todos chegarão lá, porém, como veremos ao pensar sobre o Dia da
Expiação. Mas o cumprimento do Dia das Trombetas será este evento glorioso.
Ninguém ouvirá o som da trombeta, mas o mundo inteiro perceberá o resultado
disto naquele dia memorável.

Nas festas de um dia vemos destacados alguns atributos de Deus. A Páscoa


nos mostrou a Sua misericórdia, enviando-nos o Seu Filho para morrer em
nosso lugar. O Dia das Primícias manifestou o Seu poder, quando os grilhões
da morte foram rompidos, “pois não era possível que [Cristo] fosse retido por
ela” (At 2:24). O Dia de Pentecostes revelou-nos, “pela Igreja, a multiforme
As sete solenidades do Senhor 85

sabedoria de Deus” (Ef 3:10). Agora o Dia das Trombetas nos desperta para
pensarmos na fidelidade absoluta do Senhor — Ele prometeu trazer Seu povo
de volta à terra que Ele lhes deu, e apesar de todas as falhas e faltas deles, Ele
cumprirá Sua promessa. “Deus não é homem, para que minta; nem filho do
homem, para que Se arrependa; porventura diria Ele, e não o faria? Ou falaria,
e não o confirmaria?” (Nm 23:19).
As sete solenidades do Senhor 86

O Dia da Expiação
Como já tenho enfatizado neste pequeno estudo, estamos considerando estas
solenidades principalmente no seu caráter profético e dispensacional visto em
Levítico 23 — não estamos fazendo um estudo completo delas, e isto ficará mais
evidente ao estudarmos sobre o Dia da Expiação. Há muita informação sobre o
ritual deste dia em Levítico cap. 16, e sobre o significado espiritual deste ritual
em Hebreus cap. 9, que não teremos espaço para considerar aqui50. Estes trechos
deixam claro que o ritual do Dia da Expiação está mais relacionado com comu-
nhão do que com salvação.

É importante distinguirmos entre a Páscoa e o Dia da Expiação. Estas duas


solenidades falam sobre a morte de Cristo no Calvário e seus efeitos — mas
com uma diferença importante. Na Páscoa vemos a morte de Cristo no contexto
de redenção — ela foi instituída quando o povo de Israel foi libertado da escra-
vidão do Egito (Êxodo cap. 12). Ela é a base para todo o plano de redenção
apresentado por estas sete solenidades (por isso é a primeira das festas anuais),
mas ela pertence mais ao livro de Êxodo (que fala da redenção de um povo
escravizado) do que ao livro de Levítico (que apresenta a adoração de um povo
redimido), e por isso ela é mencionada só de passagem neste capítulo que esta-
mos estudando. Já o Dia da Expiação (literalmente, “o Dia das Expiações”) fala
sobre a purificação das nossas consciências para que possamos servir ao Deus
vivo (Hb 9:14). Por isso o ritual deste dia é destacado com tantos detalhes no
cap. 16 de Levítico, mostrando como o povo (que já foi resgatado em Êxodo)
agora podia desfrutar da presença de Deus no seu meio, baseado no sangue as-
pergido sobre o propiciatório.

Na Páscoa vemos como a morte de Cristo nos livra da escravidão do Egito;


no Dia da Expiação vemos como esta mesma morte nos dá liberdade de acesso
ao Pai na nossa vida diária.

Aqui em Levítico 23, porém, todo o ritual associado à expiação do povo não
é apresentado — e isto não é por acaso. Quando um bom fotógrafo trabalha,
ele se preocupa com luz, enquadramento e ângulo para que alguns detalhes da

50
Mas veja um resumo do ritual de Levítico cap. 16 nos Apêndices.
As sete solenidades do Senhor 87

cena fiquem escondidos enquanto outros sejam destacados. Por quê? Porque ele
não deseja simplesmente tirar um retrato de tudo que está à sua frente — ele
quer contar uma história com sua foto. Ao analisar esta foto não devemos ser
atraídos ao que o fotógrafo escondeu, mas sim admirar os detalhes que ele quis
captar.

Em relação à Palavra de Deus devemos também entender que cada trecho


das Escrituras foi cuidadosamente planejado, com perfeição divina, para trans-
mitir um retrato. É interessante (e muito proveitoso espiritualmente) tentar re-
unir tudo que a Bíblia fala sobre cada uma destas solenidades para termos um
entendimento completo sobre este assunto. Mas não podemos esquecer que
cada trecho apresenta um quadro diferente, e todo o ritual do cap. 16 não foi
apresentado aqui no cap. 23 porque não combinaria com a história contada
neste capítulo. Como já vimos, Levítico 23 apresenta as Solenidades principal-
mente no seu contexto cronológico e profético — apresenta uma sequência de
eventos no calendário divino. Aqui o Dia da Expiação não é visto relacionado
ao Calvário (como no cap. 16) mas relacionado ao dia da vinda de Cristo à
Terra.

Neste contexto, é interessante ver que não lemos no VT de nenhuma ocasião


quando esta festa foi celebrada pelos filhos de Israel. Certamente ela foi cele-
brada ano a ano, mas Deus não registrou nenhuma destas celebrações, enfati-
zando assim o cumprimento futuro desta solenidade uma única vez, em um
único dia.

Assim, para tentarmos focalizar no Dia da Expiação em relação ao calendá-


rio profético de Deus, não vamos entrar nos detalhes do cap. 16 neste estudo.

Peculiaridades em Levítico 23
Olhando para a descrição desta festa neste capítulo, percebemos alguns de-
talhes interessantes sobre o Dia da Expiação no calendário divino.
As sete solenidades do Senhor 88

O nome da festa

Esta é a única destas sete solenidades descrita pela expressão “dia de”. A
palavra “dia” ocorre trinta e duas vezes neste capítulo, mas não encontramos
aqui as expressões “Dia da Páscoa”, “Dias dos Pães Asmos”, “Dia das Primícias”,
“Dia de Pentecostes”, “Dia das Trombetas”, “Dias dos Tabernáculos” — porém
duas vezes esta festa é chamada “Dia da Expiação” (vs. 27 e 28 — esta mesma
expressão ocorre também em 25:9). A questão do nome das solenidades aqui
em Levítico 23 é interessante:

• As três festas centrais são anônimas, porque descrevem eventos onde Deus
agiu de forma mais oculta: ninguém viu a ressurreição de Cristo no Dia das
Primícias; ninguém viu a descida do Espírito Santo em Pentecostes; nin-
guém ouvirá a trombeta quando a Festa das Trombetas se cumprir. Os efei-
tos destes eventos são notórios, mas os eventos em si são feitos longe da visão
humana;

• As duas festas de uma semana são as únicas duas que recebem o nome de
“Festa” neste capítulo: “Festa dos Pães Ázimos” (v. 6) e “Festa dos Taberná-
culos” (v. 34). Como a palavra traduzida “festa” sugere a ideia de festividade
e alegria, e estas duas festas, por durarem uma semana, indicam mais efeitos
e resultados do que um evento específico no calendário divino, destaca-se
assim o alvo de Deus com estas sete solenidades: trazer verdadeira alegria e
gozo para o Seu povo;

• Estas duas festas semanais são precedidas pela “Páscoa do Senhor” e pelo
“Dia da Expiação”. As duas festas que falam mais diretamente sobre a morte
de Cristo recebem nomes diferentes das demais neste capítulo. A Páscoa do
Senhor fala da provisão de Deus para os nossos pecados, o Dia da Expiação
fala do dia no calendário profético quando Israel, como nação, provará dos
benefícios desta provisão.

Três tríades

Também encontramos neste trecho três expressões que se repetem três vezes
As sete solenidades do Senhor 89

cada uma:

i) Expiação. Neste pequeno parágrafo encontramos três vezes a palavra “expi-


ação” (duas vezes no plural, uma no singular — são as únicas ocorrências no
capítulo). O significado específico desta palavra será considerado abaixo, mas
seu uso repetido aqui, e exclusivo a esta festa, destaca uma das características
singulares deste dia. Não é um memorial (como Trombetas), mas um dia
para tratar do problema do pecado. Nas duas vezes que lemos o título “Dia
da Expiação” a palavra está no plural no hebraico, destacando que este dia
está mais relacionado com algo coletivo do que individual. Não é simples-
mente o dia em que a expiação, como princípio espiritual, foi efetuada, mas
o dia em que será feita expiação para muitas almas. Isto confirma aquilo que
temos destacado acima: que a expiação foi feita no Calvário de uma vez por
todas (quando a Páscoa foi cumprida), mas que a nação de Israel desfrutará
dos efeitos disto, coletivamente, no “Dia das Expiações”.

ii) Aflição. Se três vezes lemos de expiação neste trecho, também lemos três
vezes de aflição de alma. Em todo o livro de Levítico esta palavra é usada
somente cinco51 vezes, e sempre se referindo a este dia. Ao contrário dos sete
dias da Festa dos Tabernáculos, onde o povo foi instruído a se alegrar por
sete dias (v. 40), o Dia da Expiação era um dia de aflição e tristeza. O con-
ceito é tão importante que Deus afirma que “toda a alma que naquele mesmo
dia se não afligir será extirpada do seu povo”. Era um dia separado para la-
mentarem pelos seus pecados, prefigurando o dia solene quando a nação, em
arrependimento, será salva. Sentimos esta tristeza pelo pecado hoje? Deve-
ríamos lamentar e chorar pelo pecado na igreja local (I Co 5:2), na nossa
própria vida (I Co 11:28-34), e até na vida dos nossos irmãos e irmãs (II Co
12:20-21).

iii) Descanso. O Dia da Expiação é a única destas Sete Solenidades a ser cha-
mada de “sábado de descanso” (literalmente, “um sábado sabático” — shabat
shabaton). Esta expressão enfática ocorre sete vezes no VT: em quatro delas
refere-se ao sábado semanal (Êx 16:23; 31:15; 35:2 e Lv 23:3), uma vez

51
As outras duas ocorrências estão no cap. 16, onde o Dia da Expiação é descrito em mais
detalhes.
As sete solenidades do Senhor 90

refere-se ao ano sabático (Lv 25:4), e duas vezes refere-se ao dia da Expiação
(Lv 16:31 e 23:32). Se as últimas três festas estão especialmente ligadas à
ideia de descanso (pois somente elas neste capítulo são descritas pela palavra
mais intensa shabaton, como vimos ao considerar o Dia das Trombetas), este
Dia da Expiação é, de todo o calendário divino, aquele em que a ideia de
descanso é mais enfatizada — não é só um shabaton, é um shabat shabaton.
E para reforçar isto, Moisés foi inspirado pelo Espírito Santo a falar três
vezes sobre a proibição de trabalho neste dia (v. 28, 30, 31). Este capítulo
contém duas proibições diferentes em relação ao trabalho: “nenhum trabalho
servil fareis” (vs. 7, 8, 21, 25, 35, 36) indica abstinência de trabalho mais
pesado (mas o básico, como preparar alimentos, era permitido; Êx 12:16), e
“nenhum trabalho fareis” (até alimentos deveriam ser preparados anterior-
mente — vs. 3, 28, 30, 31). Lemos sobre proibição de trabalho servil em
relação aos Asmos, Pentecostes, Trombetas e Tabernáculos, mas somente
em relação ao Dia da Expiação (e ao sábado semanal) encontramos aqui a
proibição mais intensa de qualquer tipo de trabalho. Assim como vimos em
relação à aflição, este conceito de descanso neste dia também era tão impor-
tante que Deus afirma: “toda a alma que naquele mesmo dia fizer algum
trabalho, Eu destruirei aquela alma do meio do Meu povo”.

O que temos aqui não é ritualismo barato ou retórica boba, mas a perfeição
das Escrituras revelada nos pequenos detalhes. Três vezes este parágrafo fala de
“expiação” — o assunto deste dia era o problema do pecado. Três vezes ele fala
de “aflição” — tratar do pecado nunca é algo leve ou agradável. Três vezes o
parágrafo proíbe qualquer tipo de trabalho — o esforço humano nunca pode, e
nunca poderá, tratar a questão do pecado. De forma bem prática, temos aqui
uma ilustração do ensino claro do NT: expiação é o privilégio somente daqueles
que se arrependem dos seus pecados em verdadeira aflição de alma, e deixam de
lado a confiança nas suas obras de justiça, crendo no Senhor Jesus Cristo.

Num sentido profético e dispensacional Deus está mostrando uma obra fu-
tura que Ele fará — uma obra que hoje parece impossível, mas que Ele fará
sozinho, sem a participação humana. Durante séculos a história de Israel tem
mostrado que todo o seu zelo em tentar cumprir a Lei de Moisés é inútil, e Deus
diz deles: “Todo o dia estendi as Minhas mãos a um povo rebelde e contradi-
zente” (Rm 10:21). Por isso foram julgados tão severamente depois da morte de
As sete solenidades do Senhor 91

Cristo, e espalhados pelos quatro cantos da Terra. Isto quer dizer, pergunta
Paulo, que Deus então desistiu de ter um povo terrestre, e concentra todas as
Suas atenções agora no povo celestial, a Igreja (Rm 11:1)? De forma alguma:
“Não quero, irmãos, que ignoreis este segredo … que o endurecimento veio em
parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E assim todo o
Israel será salvo” (Rm 11:25-26). Os caps. 9 a 11 de Romanos deixam claro que,
após o Arrebatamento da Igreja, Deus voltará mais uma vez a tratar com Israel,
e fará com eles uma nova aliança — uma aliança espiritual com um povo terres-
tre. Esta nação pecadora e rebelde será convertida, e Deus nunca mais Se lem-
brará dos seus pecados (Jr 31:34). E a Bíblia mostra que não será uma conversão
gradual e lenta, mas num só dia (quando o Dia da Expiação se cumprir) “todo
o Israel será salvo” (Rm 11:26).

Mas como é possível que isto aconteça? Isaías perguntou: “Poder-se-ia fazer
nascer uma terra num só dia? Nasceria uma nação de uma só vez?” (Is 66:8).
Parece impossível — mas Deus prometeu a Zacarias: “Tirarei a iniquidade desta
terra num só dia” (Zc 3:9), e Ele cumprirá a Sua promessa. Com grande aflição
de alma para Israel, mas sem nenhuma participação deles, Deus fará expiação
pelas suas almas, e eles serão salvos num só dia.

Veremos a seguir alguns detalhes proféticos sobre este dia.

Cumprimento do Dia da Expiação


Quero destacar alguns detalhes sobre o cumprimento dos três pontos prin-
cipais mencionados em Levítico 23: “Mas aos dez dias deste sétimo mês será o
Dia das Expiações; tereis santa convocação, e afligireis as vossas almas; e ofere-
cereis oferta queimada ao Senhor. E naquele mesmo dia nenhum trabalho fa-
reis, porque é o Dia das Expiações, para fazer expiação por vós perante o Senhor
vosso Deus”

Aflição

Há pelo menos dois motivos destacados na Bíblia para esta aflição que
As sete solenidades do Senhor 92

atingirá toda a nação de Israel: retribuição divina e remorso humano.

Retribuição

Deus precisa julgar a humanidade pelo crime que cometeram contra Seu Fi-
lho ao crucificá-lO — a Sua justiça exige isto. Durante o período da Tribulação
isto será feito, culminando com a terrível batalha de Armagedom. Deus reunirá
todas as nações do mundo no grande vale de Jezreel, na região central de Israel.
Conta-se que Napoleão Bonaparte, ao tentar expandir seu império para o ori-
ente, chegou pela primeira vez a este vale, e exclamou: “Este é o mais perfeito
campo de batalha em todo o mundo”. Independentemente da veracidade ou
exatidão dos comentários de Napoleão, certamente haverá aqui a maior batalha
que este mundo já viu! Deus fará com que todas as nações da Terra enviem seus
exércitos para lá, e Ele julgará estas nações pelos seus crimes contra Israel (Jl
3:2). Antes disto Ele já terá congregado os judeus de todo o mundo em Jerusa-
lém, ao sul de Jezreel (no cumprimento do Dia das Trombetas). No Dia da
Expiação todos — judeus e gentios — estarão em Jerusalém e nos seus arredo-
res, e Deus os julgará.

Não temos como calcular o tamanho desses exércitos. Os juízos da Tribula-


ção terão reduzido drasticamente a população da Terra, e Deus terá reduzido a
população de Israel a um terço do que era (Zc 13:8). Quando o dia das Trom-
betas se cumprir todo israelita, em qualquer parte do mundo, será despertado a
voltar para Jerusalém, mas apenas um terço deles efetivamente chegará até lá
(Ez 20:38). Os “rebeldes e os que transgrediram” serão julgados pelo Senhor,
de sorte que, na ocasião daquela batalha final, Israel também terá uma popula-
ção muito inferior à atual. De qualquer forma, será uma multidão impressio-
nante.

Quando os exércitos inimigos chegarem até Jerusalém, acampar-se-ão ao re-


dor da cidade, que chegará a ser invadida. Metade da cidade será controlada, e
o inimigo terá tanta convicção da sua vitória completa que começará a repartir
o despojo dentro da cidade antes mesmo de completar a sua conquista (Zc 14:1-
2).

Tente imaginar a aflição de Israel naquele dia. Um remanescente de judeus,


As sete solenidades do Senhor 93

aterrorizados, estarão entrincheirados numa parte da cidade, aguardando o seu


fim, enquanto os exércitos das nações estão dentro da cidade, repartindo entre
si os despojos da cidade santa. Nesta hora de extrema aflição, o remanescente
de Israel será levado pelo Espírito Santo a agir como agiram os irmãos de José
na sua aflição no Egito (Gn 42:21) — confessarão a Deus a sua rebeldia contra
Ele, e reconhecerão que pecaram.

Mas ainda não terá chegado o fim da sua angústia.

Remorso

Zacarias descreve como, naquele momento de maior desespero, o Senhor


voltará. Vários profetas descrevem as trevas que cobrirão a Terra imediatamente
antes da volta do Senhor (Is 13:10; Jl 2:31; Am 8:9-10; Sf 1:15; etc.), mas Za-
carias, falando do momento quando o Senhor volta, afirma: “Ao cair da tarde
haverá luz” (Zc 14:7). O contraste é solene e impressionante. Os juízos da Tri-
bulação trouxeram trevas e escuridão sobre a Terra, e de repente surge no Céu
escuro uma luz maior que a do Sol. Como disse o próprio Senhor: “O Sol se
escurecerá, e a Lua não dará a sua luz … então aparecerá no Céu o sinal do
Filho do Homem; e todas as tribos da Terra se lamentarão, e verão o Filho do
Homem, vindo sobre as nuvens do Céu, com poder e grande glória” (Mt 24:29-
30). Os pés do Senhor pousarão no Monte das Oliveiras (bem ao lado do antigo
Templo, o mesmo monte de onde Ele subiu aos Céus), que será fendido em
duas partes. Pelo vale que será formado por este terremoto, o remanescente de
Jerusalém poderá fugir dos seus inimigos. Não serão perseguidos, pois os exér-
citos inimigos serão destruídos pelo poder de Deus através de uma praga (Zc
14:12), e lutarão uns contra os outros (Zc 14:13).

Salvos da completa aniquilação no último instante, Israel teria todos os mo-


tivos para se alegrar. Mas a Bíblia afirma que lamentarão! Zacarias descreve a
intensidade da sua aflição, comparando-a com o choro audível pela morte de
um filho unigênito, ou à dor amarga pela morte do primogênito. Ele compara
esta lamentação com aquela feita no vale de Megido, quando Jeremias e “todos
os cantores e cantoras” lamentaram pela morte de Josias até depois do cativeiro
(II Cr 35:25). Ele mostra como famílias diferentes prantearão, e cada membro
destas famílias pranteará. Ele encerra de forma bem abrangente: “todas as mais
As sete solenidades do Senhor 94

famílias remanescentes, cada família à parte, e suas mulheres à parte” (Zc 12:10-
14).

Por quê? Porque “olharão para Mim, a quem traspassaram, e prantearão.”


Como Tomé ao ver os sinais do Calvário, eles imediatamente entenderão o hor-
ror do que fizeram, e exclamarão: “Senhor meu, e Deus meu!” (Jo 20:28). Tomé
deve ter sentido um remorso e vergonha muito forte naquele momento, ao per-
ceber que duvidou do seu Senhor. Para Israel, porém, será pior; o remorso será
por terem traspassado o Messias que veio salvá-los, o seu Senhor que agora os
livrou da destruição!

Não estarão lamentando pelo livramento que acabaram de receber — estarão


lamentando porque reconhecerão que não merecem aquele livramento. Final-
mente a nação toda entenderá aquilo que alguns indivíduos hoje entendem: eles
mataram o Autor da Vida. Ele veio para o que era Seu, e os Seus não O rece-
beram!

Descanso

Aquela aflição fará com que toda a confiança deles nas suas boas obras acabe
de uma vez por todas. Este povo orgulhoso dos seus privilégios espirituais confia
na sua posição como povo escolhido, como receptores da Lei e filhos de Abraão.
Josefo conta que quando Jerusalém foi destruída pelos romanos, a autoconfiança
dos judeus permaneceu firme até o fim durante os longos meses em que Jerusa-
lém esteve sitiada.

Mas quando o Dia da Expiação se cumprir Deus já terá agido de antemão,


retirando dentre eles os rebeldes (Ez 20:38), e o remanescente que permaneceu
estará pronto para crer. Abandonarão a sua confiança em si mesmos, e reconhe-
cerão a verdade do que Isaías escreveu: “Ele foi ferido pelas nossas transgressões,
e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele,
e pelas Suas pisaduras fomos sarados” (Is 53:5).
As sete solenidades do Senhor 95

Expiação

Como resultado de tudo isto, Israel será salva naquele dia memorável. A
pergunta de Isaías (“Nasceria uma nação de uma só vez?”) será respondida, e
“todo o Israel será salvo” (Rm 11:26). Naquele grande dia veremos o cumpri-
mento do Dia da Expiação.

Mas o que exatamente quer dizer “expiação”? A palavra hebraica traduzida


“expiação” aqui, e a palavra traduzida “propiciatório” vinte e sete vezes no VT,
são formas diferentes da mesma palavra no original (verbo e substantivo, res-
pectivamente). O significado básico destas palavras é “cobrir”. Examinando as
primeiras três ocorrências desta palavra na Bíblia, vemos ilustrada a função do
sangue da propiciação:

a) Em Gn 6:14 temos a primeira ocorrência da palavra: “Faze para ti uma arca


da madeira de gofer … e a betumarás por dentro e por fora”. Noé é instruído
a tornar a arca impermeável às águas do juízo divino, e é esta palavra que
Deus usa para descrever este processo de cobrir qualquer buraco por onde a
água poderia entrar.

b) Em Gn 32:20, Jacó está tentando acalmar a suposta ira do seu irmão Esaú.
Para isso ele envia diversos presentes, e diz: “Eu o aplacarei com o presente”.

c) A terceira ocorrência é em Êx 29:33, na consagração de Arão e seus filhos,


onde lemos que eles deveriam comer “as coisas com que for feita expiação”
(literalmente, “as coisas com que foram propiciados”).

Ou seja, antes de Arão e seus filhos poderem servir diante de Deus, eles
precisavam comer do carneiro da consagração. Repare que esta não era uma
cerimônia para ser repetida, mas algo feito de uma vez por todas, somente na
sua consagração. E este sacrifício teria duas finalidades: em relação a eles, pre-
servá-los do juízo divino contra os seus pecados (como ilustrado em Gn 6), e
em relação a Deus, aplacar a justa ira de Deus contra os seus pecados (como
ilustrado em Gn 32).

Isto é “expiação”, ou “propiciação”: o pagamento de um preço (o sangue do


Filho de Deus) para satisfazer as exigências da justiça de Deus e para me salvar
As sete solenidades do Senhor 96

do juízo de Deus.

Para encontrar a palavra correspondente no NT, usamos o propiciatório do


Tabernáculo como referência. No VT “propiciatório” é kaphoreth e “expiação” é
kaphar. No NT o propiciatório é mencionado apenas uma vez, e a palavra usada
é hilasterion. Este substantivo (e suas palavras cognatas) é usado no NT nas se-
guintes passagens: Lc 18:13; Rm 3:25; Hb 2:17; 9:5; I Jo 2:2; 4:10.

O contexto destas passagens mostra que estamos diante da salvação eterna


dos filhos de Israel. Não é simplesmente sua restauração à sua terra, como já
ocorreu outras vezes no passado. Nas outras vezes em que Israel possuiu a Terra
Prometida, habitaram ali ainda nos seus pecados. Eram um povo especial e pri-
vilegiado, mas ainda eram pecadores. Quando Deus cumprir o Dia da Expiação,
porém, a nação inteira de Israel, pela primeira vez, habitará na sua terra na con-
dição de salvos — serão filhos de Deus, e não simplesmente filhos de Abraão.
Naquele dia se cumprirá a profecia de Zacarias: “Ela [o remanescente de Israel]
invocará o Meu nome, e Eu a ouvirei; direi: É Meu povo; e ela dirá: O Senhor
é o meu Deus” (Zc 13:9).

Quando isto ocorrer, o cenário estará pronto para as bênçãos do Milênio


(que será o cumprimento da última solenidade, a Festa dos Tabernáculos). A
Terra terá sido purificada pelo fogo da Tribulação, e Israel, congregado dos
quatro cantos da Terra pelo Dia das Trombetas e purificado das suas imundícias
pelo Dia da Expiação, estará pronta para ser a sede do governo terrestre do Se-
nhor Jesus Cristo durante o Milênio.

A morte do Senhor no Calvário deu a Deus o direito de perdoar Seu povo,


mas a Sua justiça exige que o Seu povo clame por salvação. Ficamos impressio-
nados com o poder divino que faz esta obra tão impressionante, salvando uma
nação inteira num só dia. Mais ainda, ficamos impressionados com a profundi-
dade e complexidade dos caminhos de Deus. Que Ele fará esta obra em Israel é
impressionante — que Ele queira fazê-la é mais impressionante ainda! Não é à
toa que Paulo encerra a sua consideração sobre a salvação futura de Israel em
Romanos caps. 9 a 11 exclamando: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sa-
bedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os Seus juízos,
e quão inescrutáveis os Seus caminhos! … Glória, pois, a Ele eternamente.
As sete solenidades do Senhor 97

Amém.” (Rm 11:33-36).


As sete solenidades do Senhor 98

Tabernáculos
O cumprimento da Festa dos Tabernáculos será o Milênio, com uma indi-
cação clara do Estado Eterno: após o reagrupamento de Israel na sua terra
(Trombetas) e sua conversão em um dia (Dia da Expiação), haverá um tempo
de alegria e paz durante mil anos, cujas características principais continuarão
para sempre no Estado Eterno.

Como os meses judaicos eram baseados na Lua, podemos saber como estaria
este astro em cada uma das solenidades. As três primeiras festas acompanhavam
a semana da primeira Lua cheia do ano (de 14 de Nisan em diante); Pentecostes,
cinquenta dias depois, coincidiria com o primeiro quarto crescente da Lua (me-
tade dela estaria visível no Céu); Trombetas, no 1º dia do mês, era marcada pela
Lua nova (escondida); o Dia da Expiação, no 10º dia do mês, estaria entre o
primeiro quarto e a Lua cheia (três quartos da Lua visíveis no Céu); a Festa dos
Tabernáculos começaria como o ano começou: com a Lua cheia iluminando o
Céu, totalmente visível.

Uma descrição dupla


Cada uma das seis solenidades anteriores tem pelo menos uma característica
única aqui em Levítico 23, mostrando a ênfase especial de cada uma delas neste
capítulo. Com a Festa dos Tabernáculos as singularidades são muitas, mas tal-
vez a mais óbvia é o fato de termos uma descrição dupla desta Festa. Todas as
outras solenidades são descritas de forma contínua — até no caso da Festa dos
Pães Asmos, que tem o Dia das Primícias ocorrendo durante a sua semana,
temos primeiro a descrição completa da Festa dos Pães Asmos, e só depois vol-
tamos atrás, cronologicamente, para sermos apresentados ao Dia das Primícias.
Cada solenidade é apresentada num parágrafo contínuo. Mas aqui temos algo
diferente — e sem motivo aparente. Temos uma descrição, completa em si
mesma, da Festa dos Tabernáculos nos vs. 33-36, seguida de dois versículos que
concluem o assunto das sete solenidades (vs. 37-38) e, aparentemente, encerram
o assunto. Mas logo depois, como se fosse um adendo, os vs. 39-43 fornecem
outra descrição da mesma solenidade.
As sete solenidades do Senhor 99

Não é uma simples repetição — há pelo menos três diferenças importantes


entre as duas descrições:

i) Sobre as datas, ambos os trechos mencionam que a festa deve ser celebrada
aos quinze dias do mês sétimo por sete dias. No segundo trecho, porém, é
acrescentado que isto seria “quando tiverdes recolhido do fruto da terra”, si-
tuando a Festa não só no calendário, mas na vida cotidiana do povo — a
Festa seria celebrada quando terminasse o trabalho anual na lavoura.

ii) Quanto à denominação, o primeiro trecho chama a festa de “Festa dos Ta-
bernáculos ao Senhor”, enquanto o segundo trecho usa o título simples, po-
rém majestoso, “a Festa do Senhor”.

iii) Os detalhes da descrição também são diferente: o primeiro trecho destaca


que haveria “santa convocação” e “nenhum trabalho servil” no 1º e no 8º dia,
e destaca as ofertas queimadas oferecidas durante toda a semana; o segundo
trecho não fala nada sobre estas obrigações religiosas, mas fala que o 1º e 8º
dias seriam dias de descanso (shabaton52), instrui o povo a alegrar-se durante
os sete dias, e descreve a construção dos tabernáculos que dão nome à Festa.

Baseado nestas diferenças, podemos sugerir que a primeira descrição da


Festa destaca o compromisso do povo (suas obrigações espirituais — o que eles
deveriam fazer para o Senhor), enquanto que a segunda descrição enfatiza as
bênçãos do povo (o que eles desfrutariam durante aqueles dias — o que o Senhor
queria para eles).

Talvez Deus esteja indicando, com esta repetição, que o cumprimento desta
Festa será em duas etapas: primeiro o Milênio, depois o Estado Eterno.

Portanto, Tabernáculos é a única festa com descrição dupla. Não duas festas,
mas duas descrições apresentados dois aspectos da mesma festa: um afetando a
sua vida espiritual, outro sua vida cotidiana (até onde é possível separarmos estes
dois aspectos das nossas vidas).

52
A palavra mais intensa para “sábado”, que já destacamos ao estudar sobre o Dia das Trom-
betas.
As sete solenidades do Senhor 100

A primeira descrição (vs. 33-36)


Na primeira descrição da Festa temos um paralelo e um contraste com a
Festa dos Pães Asmos. Este primeiro parágrafo desta solenidade é quase idên-
tico ao parágrafo onde a Festa dos Pães Asmos é descrita, com três pontos em
comum:

i) O início — ambas as festas começavam com uma santa convocação, onde


nenhum trabalho servil poderia ser feito;

ii) O meio — em ambas, Deus exigiu que fossem oferecidas ofertas queimadas
ao Senhor durante os sete dias da Festa;

iii) O fim — ambas terminavam com mais uma santa convocação, com proibi-
ção de trabalho servil.

O final da Festa dos Tabernáculos, porém, apresenta um contraste impor-


tante com a Festa dos Pães Asmos — o acréscimo do 8º dia, que é chamado de
“dia de proibição” (ou “reunião solene”, ou “dia solene” nas outras versões —
única ocorrência desta palavra no livro de Levítico53). Pelas ocorrências desta
palavra no VT, creio que ela indica um ajuntamento de caráter solene (a ênfase
seria mais em “solenidade” do que em “proibição”). Independentemente do sen-
tido exato desta palavra, a importância deste “dia extra” é clara. É declarado que
a Festa seria por sete dias, e quando parece que tudo acabou — quando os ta-
bernáculos já não estão mais sendo usados (pois eram usados só por sete dias, v.
42) — ainda resta uma reunião extra. E não é uma reunião opcional ou sem
importância: é a reunião descrita de forma mais solene neste capítulo todo!

Compare isto com o que vimos na parte anterior: a Festa dos Tabernáculos
é a única destas sete solenidades que tem duas descrições distintas, e é também
a única delas que tem duas durações diferentes! O primeiro trecho afirma cla-
ramente: “Aos quinze dias deste mês sétimo será a Festa dos Tabernáculos ao
Senhor por sete dias … Sete dias oferecereis oferta queimada ao Senhor”. O
segundo trecho também destaca o número sete: “… celebrareis a Festa do

53
Esta mesma palavra é usada em Deuteronômio 16:8 para descrever o 7º dia dos Asmos,
mas aqui em Levítico 23 somente este último dia dos Tabernáculos é descrito desta forma.
As sete solenidades do Senhor 101

Senhor por sete dias … e vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus por sete
dias. E celebrareis esta festa ao Senhor por sete dias cada ano … Sete dias ha-
bitareis em tendas”. Por seis vezes é repetido que a festa duraria sete dias —
porém uma vez em cada uma das duas descrições da Festa lemos do oitavo dia!

Afinal, a Festa dos Tabernáculos durava sete ou oito dias? Na verdade, am-
bas as respostas estão corretas! Quando destaca os sete dias de duração Deus
está estabelecendo um paralelo entre a Festa dos Pães Asmos e esta. Assim
como aquela indicava que cada salvo, individualmente, deve procurar viver sua
vida inteira (ilustrado pelo ciclo perfeito de uma semana) sem a contaminação
do pecado (ilustrado pelos pães asmos), esta prefigura aquele período perfeito
quando Deus permitirá que a Criação toda experimente o que é viver livre54 da
escravidão do pecado durante o ciclo completo do Milênio. Mas quando destaca
o oitavo dia, Deus está nos lembrando que aquilo que será iniciado com a Festa
dos Tabernáculos continuará para sempre. O número oito na Bíblia representa
um novo começo — após o término do ciclo completo desta festa (sete dias), o
povo tinha ainda uma “assembleia solene” a ser observada, com as mesmas ca-
racterísticas básicas dos dias anteriores (mas algumas diferenças importantes).
Deus está indicando que o término do Seu plano de redenção iniciará um novo
período — o Estado Eterno. A Festa dos Pães Asmos indica um ciclo finito
(cada um de nós tem apenas uma vida durante a qual podemos buscar a santifi-
cação), mas a Festa dos Tabernáculos prefigura um ciclo finito (o Milênio) que
dará início a um período infinito, uma eternidade de alegria.

A segunda descrição (vs. 39-43)


A segunda descrição desta Festa é bem diferente da primeira. As datas são
repetidas (até a menção do oitavo dia), mas ao invés de lermos sobre as ofertas
queimadas que deveriam ser oferecidas, temos outras coisas mencionadas. Apli-
cando estes detalhes ao cumprimento profético da Festa dos Tabernáculos

54
O Milênio começa só com indivíduos salvos, mas aqueles que nascem durante os mil anos
nascem como nós nascemos hoje — pecadores. Portanto a liberdade que menciono aqui
não é no sentido individual, mas no sentido coletivo. A humanidade verá como é um go-
verno sem um mínimo de corrupção ou injustiça, e experimentará (pela primeira vez na
sua história) a liberdade de ser governada em perfeita justiça e santidade.
As sete solenidades do Senhor 102

vemos três características do Milênio.

O final do plano de redenção

Este segundo parágrafo descreve a data da Festa acrescentando um detalhe:


“… quando tiverdes recolhido do fruto da terra”. Esta expressão associa a Festa
dos Tabernáculos com o fim de todo o serviço relacionado à agricultura. Não só
os grãos (cevada e trigo), mas também as vinhas, os olivais — tudo havia sido
colhido. Nisto temos um contraste com o Dia das Primícias e o Dia de Pente-
costes, a dupla de festas relacionadas ao início da colheita. Elas celebravam o
começo do trabalho no campo, que continuava durante os seis meses de prima-
vera/verão. Em Êxodo 23:16 Pentecostes é descrita como “a festa da sega dos
primeiros frutos do teu trabalho”, e a Festa dos Tabernáculos é descrita como
“a festa da colheita, à saída do ano, quando tiverdes colhido do campo o teu
trabalho”. Em Primícias/Pentecostes era celebrado o início da colheita, em Ta-
bernáculos o seu fim. Em Primícias/Pentecostes a alegria era produzida pela
expectativa de colher, debulhar, processar e armazenar tudo que estava nos cam-
pos. Em Tabernáculos, porém, a alegria não era por aquilo que estava por vir,
mas por aquilo que já haviam alcançado. Todo o serviço de semeadura durante
o inverno, da colheita e processamento durante a primavera e verão, tudo tinha
como objetivo o que experimentavam agora. Esta festa, portanto, fala da con-
sumação dos sonhos, das expectativas, e do trabalho do ano inteiro.

Assim também será seu cumprimento, pois tanto a prévia no Milênio quanto
a bendita realidade no Estado Eterno representarão a consumação deste plano
de redenção. Por que Deus enviou Seu Filho para morrer em nosso lugar, como
o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Páscoa)? Por que a ressurrei-
ção de Cristo (Primícias) e a formação da Igreja (Pentecostes)? Por que, num
dia futuro, Deus Se preocupará em reunir Israel de todos os cantos da Terra
(Trombetas) e conduzi-los ao arrependimento e fé (Expiação) no Senhor Jesus
como o Messias prometido há séculos? Tudo que Deus Se comprometeu a fazer
neste Calendário Divino conduzia a este ponto55, e no Milênio Deus mostrará

55
Convém enfatizar que estou considerando apenas um aspecto deste maravilhoso plano de
As sete solenidades do Senhor 103

uma prévia da paz, justiça e alegria que existem quando o pecado é contido.
Então se cumprirá aquilo que foi profetizado no Velho Testamento, e resumido
tão bem em Romanos 8:19-22, onde lemos da ardente expectativa da Criação
de que será liberta da servidão da corrupção. Os espinhos e abrolhos associados
com a maldição do pecado (Gn 3:18), a “lei do mais forte” que impera na Cri-
ação desde os dias do Dilúvio56, as doenças e morte — tudo isto será removido
da Terra. É assim que termina a Agenda divina.

Quão glorioso pensar que os efeitos da morte de Cristo vão muito além da
salvação da minha alma. É correto dizer que o Senhor Jesus Cristo morreu para
me salvar — não é correto dizer que Ele morreu só para isto. Não podemos ser
mesquinhos ou egoístas em relação às nossas bênçãos, como se eu fosse o centro
e alvo dos planos de Deus. Isto diminui a glória que Cristo deveria receber, e
coloca o foco da atenção em nós, que menos merecemos atenção. Eu precisava
de um redentor, e Ele me amou a ponto de morrer por mim, sim — mas houve
muito mais na Sua morte! O pecado trouxe consequências terríveis para a raça
humana inteira, afetou a Criação como um todo, e fez com que as próprias coi-
sas celestiais precisassem de purificação57 (Hb 9:23). Mesmo que nem um pe-
cador fosse aceitar a salvação oferecida gratuitamente por Deus, ainda assim a
justiça perfeita de Deus exigia que todos os efeitos do pecado fossem tratados.
Quando o pecado entrou na Criação, Deus poderia simplesmente ter destruído
tudo que criou anteriormente (inclusive Suas criaturas), e fazer novos Céus e
nova Terra com criaturas sem livre-arbítrio. Mas o plano de redenção dEle é
mais glorioso do que isto — é redimir as criaturas e restaurar a Criação! O qua-
dro idílico apresentado nos profetas (por exemplo, Isaías 11:6-10) será

redenção. Uma obra tão grande e gloriosa quanto esta não pode ser plenamente compre-
endida por nós (pelo menos neste corpo). Quando soubermos todos os efeitos que o pe-
cado causou, teremos condições de definir todos os objetivos do plano de redenção.
56
Em Gênesis 1:30 lemos que toda a Criação alimentava-se de “erva verde”, inclusive o ho-
mem (mas este recebeu também o privilégio de alimentar-se do fruto das árvores; Gn
1:29), mas depois do Dilúvio o homem foi autorizado por Deus a comer carne (Gn 9:3), e
provavelmente esta mudança foi estendida aos animais também. As mudanças climáticas
produzidas pelo Dilúvio necessitavam (ou, pelo menos, permitiam) uma nova dieta.
57
Como entender isto? Será uma indicação de que a entrada de Satanás na presença de
Deus traz alguma contaminação àquele lugar? Mesmo sem sabermos os detalhes, este
versículo mostra que o resultado do pecado vai muito além daquilo que normalmente pen-
samos.
As sete solenidades do Senhor 104

cumprido literalmente durante o Milênio, e veremos os efeitos do Calvário não


só na vida de seres humanos salvos, mas até na Criação ao nosso redor. Não que
os animais serão salvos, mas muito do comportamento deles hoje, que é conse-
quência da maldição do pecado, será revertido às condições que existiam no
Éden. Em Ezequiel lemos que toda a terra de Israel será, naqueles dias, como o
Jardim do Éden (36:35).

E como tudo isto será possível? Será feito num passe de mágica? Não — as
condições tão gloriosas do Milênio serão o resultado de tudo que foi feito ante-
riormente durante o ano religioso de Israel.

A felicidade do Milênio

Há dois detalhes nesta segunda descrição que destacam a felicidade que de-
veria caracterizar esta festa, e que caracterizará o seu cumprimento. O primeiro
é a declaração do Senhor: “Vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus por sete
dias”. Aqui temos a única ocorrência desta palavra em todo o livro de Levítico,
e um contraste com o Dia da Expiação (onde todos deveriam, obrigatoriamente,
se afligir). Além disto, o Senhor disse: “E celebrareis esta festa ao Senhor por
sete dias … no mês sétimo a celebrareis” — literalmente, “festejareis esta festa”,
ou “celebrareis esta celebração”. O verbo traduzido “celebrar” aqui (a forma ver-
bal da palavra traduzida “festa”) só ocorre três vezes neste livro, todas referindo-
se à Festa dos Tabernáculos (23:39, e duas vezes no v. 41). Também traz a ideia
de alegria.

Estes dois verbos (“alegrareis” e “celebrareis”), que só ocorrem em Levítico


em referência à Festa dos Tabernáculos, ilustram a alegria verdadeira e profunda
que esta Terra conhecerá durante o Milênio. O início deste período vem logo
depois da Besta e do Falso Profeta serem “lançados vivos no Lago de Fogo” (Ap
19:20) e de Satanás ser preso “para que não mais engane as nações” (Ap 20:2).
Sem estes instigadores do mal, Deus contemplará com alegria a Sua Criação
vivendo em paz. Nós, os salvos, reinaremos “com Cristo durante mil anos” (Ap
20:4, 6), e é até difícil imaginar como será nossa alegria naqueles dias. Os ne-
cessitados e aflitos se alegrarão, recebendo alívio nas suas necessidades: “… li-
vrará ao necessitado quando clamar, como também ao aflito e ao que não tem
As sete solenidades do Senhor 105

quem o ajude” (Sl 72).

Será um período de alegria como o mundo nunca antes experimentou.

O fim do Milênio
Infelizmente, precisamos destacar que este período terminará, e seu fim
mostrará que o ser humano é mesmo incorrigível. Vemos isto ilustrado na Festa
dos Tabernáculos quando percebemos a natureza transitória das habitações ca-
racterísticas daquela festa: “No primeiro dia tomareis para vós ramos de formo-
sas árvores, ramos de palmeiras, ramos de árvores frondosas, e salgueiros de ri-
beiras … Sete dias [não oito] habitareis em tendas; todos os naturais em Israel
habitarão em tendas, para que saibam as vossas gerações que Eu fiz habitar os
filhos de Israel em tendas, quando os tirei da terra do Egito”. Durante os sete
dias iniciais da Festa dos Tabernáculos todo o povo deveria habitar nestes ta-
bernáculos58 — estruturas rústicas feitas de ramos frondosos59. Há um contraste
interessante na primeira menção desta palavra no VT, onde lemos que Jacó
“edificou para si uma casa, e fez cabanas [tabernáculos, sucote] para o seu gado;
por isso chamou aquele lugar Sucote” (Gn 33:17). A durabilidade e a dignidade
das duas construções são contrastadas: para Jacó e sua família, uma casa (con-
fortável e durável) — para o gado, tabernáculos (rústicos e temporários).

Em Levítico 23 os ramos são descritos de quatro formas diferentes. No texto


em português aparece três vezes (duas, na ARA) a palavra “ramos”, mas são
traduções de palavras diferentes no original. As quatro descrições que temos
aqui são todas diferentes uma das outras. Os tabernáculos deveriam ser cons-
truídos de:

58
É bom enfatizar que a palavra traduzida “tendas” três vezes nos vs.42 e 43 é sucote —a
mesma palavra traduzida “Tabernáculos” no titulo da festa (v. 34), e é diferente da palavra
usada no VT para descrever o Tabernáculo construído por Moisés e as tendas onde o povo
habitava (ohel).
59
Hoje em dia os tabernáculos (sucote) usados pelos israelitas são mais modernos (existem
até empresas que comercializam sucotes pré-fabricados). Pelos regulamentos atuais dos
judeus, os lados podem ser feitos de vários tipos de material, mas a cobertura precisa ser
de ramos frescos. A estrutura pode até permanecer de um ano para o outro, mas a cober-
tura precisa ser trocada para a Festa dos Tabernáculos.
As sete solenidades do Senhor 106

i) “ramos de formosas árvores” (literalmente, “frutos de formosas árvores”),


destacando a beleza dos ramos;

ii) “ramos de palmeiras” — talvez destacando o tamanho destas folhagens;

iii) “ramos de árvores frondosas” (literalmente, “galhos de árvores frondosas”),


destacando a quantidade de folhas nestes galhos;

iv) “salgueiros de ribeiros” — talvez destacando a fonte da vida, a água da qual


toda folhagem depende para sua vida e exuberância.

Mas ramos cortados logo murcham, e por mais belos, grandes ou espessos
que fossem, logo murchariam quando levados para longe da água e da árvore à
qual pertenciam. Após os sete dias iniciais da Festa dos Tabernáculos eles já não
teriam o mesmo frescor e exuberância do começo da Festa, deixando claro para
o povo o caráter transitório e passageiro daquelas habitações.

A forma como a palavra é usada no VT confirma esta ideia. A primeira men-


ção de sucote na Bíblia é o versículo citado acima, onde Jacó construiu taberná-
culos para seu gado (e por isso chamou aquele lugar Sucote). A segunda passa-
gem é no segundo livro da Bíblia, onde lemos que a primeira parada de Israel
ao sair do Egito foi em Sucote, antes mesmo de atravessar o Mar Vermelho, no
contexto da primeira celebração da Páscoa e dos Asmos (Êx 12 e 13). Não fica-
ram muito tempo lá — não sabemos quanto, mas pelo contexto sabemos que
foram poucos dias. Foi uma parada temporária. A terceira passagem se encontra
no terceiro livro: é o texto que estamos estudando em Levítico 23.

Em todas estas passagens está ilustrado o sentido da palavra: uma habitação


temporária. E isto realça o fato solene apresentado em relação ao cumprimento
da Festa dos Tabernáculos: o Milênio será glorioso, grande e impressionante,
mas é temporário — não é ainda o Estado Eterno. É verdade que mil anos é
muito tempo — mas Pedro nos lembra que para o Senhor mil anos são como
um dia (II Pe 3:8), e este longo período não é, ainda, o fim do plano de redenção
de Deus. Ainda falta mostrar à humanidade que a Queda no Jardim do Éden
não foi um acidente, mas algo que inevitavelmente aconteceria com qualquer
um de nós. Falta mostrar que o homem se rebela contra Deus mesmo quando
tudo ao seu redor é favorável — somos realmente “rebeldes sem causa”.
As sete solenidades do Senhor 107

Deus permitirá que aquela população inicial do Milênio (composta 100% de


pessoas redimidas, nascidas de novo) gere filhos e multiplique. Estes filhos, que
não conhecerão o novo nascimento, irão mostrando-se cada vez mais incomo-
dados com a santidade e justiça exigidas por Deus durante o Milênio. E final-
mente acontecerá o que parecia impossível — quando Satanás for solto no final
do Milênio, ele rapidamente ajuntará um exército “cujo número é como a areia
do mar”, e eles cercarão a cidade santa (Jerusalém) para destruí-la (Ap 20:7-10).
O assustador não é o perigo que eles representam, pois lemos que serão rapida-
mente derrotados por fogo descendo dos Céus, sem prejuízo algum aos santos
— mas como será possível para Satanás reunir tanta gente? Após mil anos onde
nunca houve uma injustiça cometida pelos que estão em autoridade — onde
tudo foi feito da melhor forma possível — o homem ainda está insatisfeito. Será
possível?

Infelizmente, sabemos que sim. E o Milênio terminará com os tabernáculos


murchando e sendo desmontados — o reino de paz e justiça, de perfeição e
alegria, termina em rebelião!

Finalmente, o fim
Graças a Deus, porém, pelo oitavo dia! Pela misericórdia dEle este Calen-
dário não termina com tabernáculos murchando, mas com uma reunião solene
— um dia extra, que pertence à Festa dos Tabernáculos (é apresentada como
parte dela nas duas descrições de Levítico 23, e na descrição dos sacrifícios em
Números 29:35-38), mas que tem um característica singular: é o único dia em
todo este calendário que é descrito como uma “reunião solene”.

Creio que podemos identificar este oitavo dia com aquilo que segue o Milê-
nio: o Estado Eterno. Há um pequeno intervalo entre os dois, pois alguns de-
talhes precisarão ser resolvidos antes, mas a Bíblia sugere que tudo acontecerá
rapidamente. Naquele ponto da história da redenção os planos de Deus estão
sendo finalizados, e não há motivos para demoras. A revolta de Satanás no final
do Milênio será esmagada sem demora e sem oposição, com o diabo sendo lan-
çado no Lago de Fogo (Ap 20:9-10). Acontecerá então o julgamento do Grande
Trono Branco, selando o destino eterno dos não salvos, e logo em seguida, diz
As sete solenidades do Senhor 108

João: “Vi um novo Céu e uma nova Terra” (Ap 21).

A partir da criação deste novo Céu e nova Terra, entramos no Estado


Eterno, onde nunca mais o pecado se manifestará, e onde Deus será tudo em
todos. Então experimentaremos o verdadeiro descanso, o descanso eterno — o
resultado deste glorioso plano de redenção. Tudo começou com a morte de
Cristo (Páscoa), que dá ao indivíduo o poder para viver uma vida santa (Asmos)
pela força da Sua ressurreição dentre os mortos (Primícias). A formação da
Igreja (Pentecostes), um mistério no VT, prefigura a glória de Cristo revelada
na Sua Noiva. Nas últimas três solenidades, Deus faz este descanso conquistado
no Calvário ser experimentado pela nação de Israel, e através dela todas as na-
ções da Terra são abençoadas. Eles são reunidos na sua terra (Trombetas), ar-
rependem-se e são salvos (Expiação), e então tudo está pronto para o descanso
eterno.
As sete solenidades do Senhor 109

Conclusão
Que trecho maravilhoso das Sagradas Escrituras!

Deus tirou Seu povo do Egito e trouxe-os até o monte Sinai, onde diversas
coisas aconteceram:

i) Uma nação foi formada — os descendentes de Jacó tornaram-se a nação de


Israel;

ii) Uma constituição foi promulgada — a recém-formada nação recebeu sua


“constituição” (a Lei dada por Deus);

iii) Uma religião foi estabelecida — com a construção do Tabernáculo e a con-


sagração de Arão e seus filhos como sacerdotes, agora havia, pela primeira
vez na história da humanidade, uma nação que podia agir como represen-
tante oficial de Deus aqui na Terra.

Assim que tudo isto foi feito, Deus rapidamente apresentou aos homens a
Sua agenda — os compromissos que Ele assumiu tendo em vista a redenção do
homem (e de toda a Criação). É verdade que já haviam passado dois milênios e
meio — mas ainda haveria aproximadamente mil e quinhentos anos antes de
chegar o tempo estabelecido desde a eternidade para dar início ao cumprimento
deste plano.

Assim, com bastante antecedência, Deus separou um povo que, ano após
ano, representavam uma parábola viva do plano de redenção. Obedeciam ao que
Deus lhes ordenara, mas não entendiam tudo que estavam representando.

Começavam o ano celebrando a Páscoa, que representava a redenção por


meio do sangue do cordeiro. Fizeram isto inúmeras vezes, até que chegou o dia
do cumprimento. E num certo dia 14 de Nisan, enquanto eles celebravam a
Páscoa, Deus cumpriu o que aquela solenidade simbolizava, e o Cordeiro de
Deus foi sacrificado para a nossa redenção.

O dia da Páscoa introduzia a semana da Festa dos Pães Asmos, uma indica-
ção da santidade de vida que caracteriza todos aqueles que Deus resgatou.
As sete solenidades do Senhor 110

Durante aquela semana era celebrado o Dia das Primícias, que apontava para
a ressurreição de Cristo, as Primícias, e a ressurreição de todos nós. Não é sur-
presa descobrirmos que Deus também cumpriu este dia literalmente — nosso
Senhor saiu do túmulo e Se apresentou aos Seus discípulos no mesmo dia em
que a nação celebrava esta solenidade.

Isolado no meio do calendário havia o Dia de Pentecostes, cercado de mis-


tério. Exatamente neste dia Deus cumpriu aquilo que Ele havia mantido em
segredo durante toda a época do Velho Testamento, e a Igreja foi formada.

Depois vinha o longo intervalo do verão, que representa a época em que


vivemos, e depois as três solenidades do sétimo mês, que representam a consu-
mação deste plano divino. Israel será despertada a retornar à sua terra (o Dia
das Trombetas), o seu remanescente será restaurado e salvo pela graça de Deus
(o Dia da Expiação), e então a Criação desfrutará do verdadeiro descanso e paz
que só Deus pode proporcionar (a Festa dos Tabernáculos).

Ficamos maravilhados com o plano que só Deus poderia ter preparado; ana-
lisamos, impressionados, a perfeição dos detalhes que Ele quis nos revelar an-
tecipadamente; e adoramos, reverentes, ao ver a Sua fidelidade em cumprir
aquilo que Ele planejou e revelou.
As sete solenidades do Senhor 111

Apêndices

a. O destaque de cada solenidade em Levítico 23


Cada uma das sete solenidades, conforme apresentada neste capítulo, enfa-
tiza um aspecto principal do relacionamento de Deus com a humanidade:

i) A Páscoa se destaca pelo pouco espaço que ocupa neste capítulo — é a única
das festas sobre a qual não lemos de nenhum detalhe, a não ser a data. Isto
porque a Páscoa, como já vimos, realmente pertence ao livro de Êxodo, e já
foi descrita bem detalhadamente em Êxodo cap. 12. Ela é apresentada aqui
quase como se fosse uma introdução, pois ela forma a base de tudo que virá
depois. Ela não é descrita em detalhes neste capítulo, pois ela precisava ser
instituída e celebrada antes de Israel receber as demais solenidades, já que
somente um povo redimido poderia receber a revelação do calendário divino.
Assim também sabemos que se não houvesse o Calvário, nada do que vem
depois neste capítulo tão notável seria possível. Esta festa destaca a miseri-
córdia de Deus em preparar um meio de salvação.

ii) A Festa dos Pães Asmos era a única festa com uma restrição alimentar, en-
fatizando a questão da santidade que é característica desta solenidade. Fica
aqui destacada a santidade de Deus, que deve ser refletida em nós.

iii) A Festa das Primícias se destaca (aqui em Levítico 23) por diversos detalhes
singulares, que mencionei ao estudar esta solenidade. O poder de Deus em
ressuscitar Seu Filho vem à nossa mente quando pensamos no cumprimento
dela.

iv) O Dia de Pentecostes, sozinho no calendário judaico, apontava para a for-


mação da Igreja, a Noiva do Cordeiro. Nela “a multiforme sabedoria de
Deus” é revelada (Ef 3:10).

v) O Dia das Trombetas nos desperta para pensarmos na fidelidade de Deus


— Ele prometeu trazer Seu povo de volta à terra que Ele lhes deu, e apesar
As sete solenidades do Senhor 112

de todas as falhas e faltas deles, Ele cumprirá Sua promessa.

vi) O Dia da Expiação apresenta-nos a justiça de Deus, que precisa levar Seu
povo à aflição para que possa haver expiação.

vii) A Festa dos Tabernáculos resume tudo, e de certa forma destaca a sobe-
rania de Deus. O Seu calendário será cumprido, e o Seu plano será consu-
mado.

b. A cronologia da morte e ressurreição do Senhor


Observação: as considerações abaixo só farão sentido se lembrarmos que o “dia”
judaico começa com o pôr-do-sol. Assim o dia 14 de Nisan (dia da Páscoa) termina
quando o Sol se põe (18h00 mais ou menos), e aquela noite já é considerada o dia 15.

Se tivéssemos apenas os evangelhos sinópticos, entenderíamos que quando


a Ceia do Senhor foi instituída o Senhor Jesus participava da ceia da Páscoa
com Seus discípulos, na mesma noite em que todos os judeus estariam cele-
brando esta festa. O cordeiro da Páscoa teria sido morto na tarde do dia 14, e
naquela noite, 15 de Nisan, era celebrada a ceia da Páscoa; o Senhor seria cru-
cificado na tarde do dia 15.

Mas o evangelho de João deixa claro que na manhã seguinte à primeira Ceia
(na manhã em que o Senhor foi crucificado) os judeus ainda não haviam comido
a Páscoa (Jo 18:28) — pela cronologia de João, o Senhor teria sido crucificado
na tarde do dia 14, e a Ceia do Senhor teria sido instituída na noite anterior, 14
de Nisan. Como entender isto?

Antes de pensar nos detalhes desta questão, talvez seria bom enfatizar duas
coisas:

i) Não creio, de forma alguma, que um dos lados (nem João, nem os três si-
nópticos) esteja enganado. Entendo que há uma aparente contradição, mas
creio que é apenas aparente — principalmente porque creio na inspiração
As sete solenidades do Senhor 113

plena e absoluta da Palavra de Deus. Além do que, como diz Brown60, a


concordância entre os três primeiros evangelistas é muito clara para supor
que houve algum equívoco, e o fato de João escrever bem depois deles,
quando os outros três evangelhos já eram largamente circulados, e escrever
em plena harmonia com eles, não combina com a sugestão que João se pre-
ocupou em corrigir algum suposto erro deles. Analiso o assunto sob a pré-
suposição de que os quatro evangelhos estão corretos, e podem ser harmo-
nizados.

ii) Não vou entrar em todos os detalhes deste assunto neste estudo, nem tenho
pretensão de resolver a questão — páginas e páginas já foram escritas, por
pessoas bem mais eruditas e capacitadas do que eu, e ainda não há consenso
entre os estudantes da Bíblia quanto a este assunto. Apensa apresento os
argumentos que parecem ser mais convincentes para mim — cada um deve
procurar compreender este assunto à luz das Escrituras. O mais importante
é ter certeza que Cristo morreu para cumprir a Páscoa, e ressurgiu para cum-
prir Primícias. Os detalhes cronológicos, e seu significado, serão compreen-
didos plenamente quando estivermos com Ele, e qualquer dificuldade que
temos com estes detalhes hoje não nos impede de apreciar as verdades espi-
rituais por trás deles.

Isto posto, temos três opções quanto tentamos harmonizar o relato dos qua-
tro evangelhos:

i) A Ceia foi instituída durante uma refeição comum nas primeiras horas do
14º dia, cerca de 24 horas antes dos judeus comerem a ceia da Páscoa. Sendo
assim, o Senhor foi crucificado no dia 14, e as afirmações dos três sinópticos
devem ser interpretadas à luz de João;

ii) A Ceia foi instituída enquanto o Senhor e Seus discípulos celebravam a ceia
da Páscoa nas primeiras horas do 14º dia, cerca de 24 horas antes dos judeus
comerem a ceia da Páscoa “oficial” (isto é, o Senhor e os discípulos celebra-
ram a ceia da Páscoa antes dos judeus). Há evidências histórias confirmando
que diferentes calendários eram observados por diferentes grupos dentro do

60
BROWN, David. Comentário conhecido como JFB, vol. V, pág 324 (comentário sobre Lucas
22).
As sete solenidades do Senhor 114

judaísmo naqueles dias, e alguns sugerem que o Senhor teria seguido um


calendário usado na Galileia, e celebrado a Páscoa um dia antes dos judeus a
celebrarem (Bejon cita várias fontes para pesquisa sobre este assunto: Lich-
tenstein 1895:24-29, Strack & Billerbeck 1922-28:847-853, Zeitlin 1945-
46:403-414, etc.);

iii) A Ceia foi instituída durante a celebração tradicional da ceia da Páscoa, nas
primeiras horas do 15º dia (o cordeiro teria sido morto na tarde do dia 14, e
a ceia da Páscoa seria ao entardecer). Sendo assim, o Senhor foi crucificado
no dia 15, e as afirmações em João devem ser interpretadas à luz dos sinóp-
ticos.

Repare que a terceira alternativa coloca a morte do Senhor no dia 15 de Ni-


san, enquanto que as duas primeiras indicam que Sua morte foi no dia 14. Mi-
nha convicção pessoal é que a primeira sugestão é a mais provável, a segunda é
possível, e a terceira é altamente improvável (isto é, creio que a Ceia foi institu-
ída nas primeiras horas do 14º dia, e que meu Senhor foi crucificado durante
este mesmo dia).

Minhas razões para isto, em ordem de importância, são:

i) A harmonia tão perfeita com o VT que resulta de aceitarmos que o Senhor


foi crucificado na tarde do 14º dia, exatamente na hora em que os cordeiros
da Páscoa estariam sendo sacrificados no Templo. A figura do VT combina
de forma tão perfeita com a morte do Senhor Jesus que me parece inacredi-
tável que Ele tenha morrido vinte e quatro horas depois da morte do cordeiro
pascal (ainda mais levando-se em conta que a Sua ressurreição e a descida do
Espírito Santo combinaram tão perfeitamente com as datas de Primícias e
Pentecostes, respectivamente).

ii) Se aceitarmos a última sugestão (que Ele foi morto durante o 15º dia) tere-
mos muita dificuldade para explicar a atividade dos judeus durante a prisão
e morte do Senhor. Como reunir tanta gente na casa do sumo-sacerdote na
noite em que deveriam estar em casa comendo o cordeiro pascal? Como os
judeus teriam incentivado a morte do Senhor e dos dois malfeitores no pri-
meiro dia dos Pães Asmos, um dia de “santa convocação” em que “nenhum
trabalho servil” poderia ser feito (Lv 23:7)? Como José de Arimateia poderia
As sete solenidades do Senhor 115

ter achado algum comércio aberto para comprar o linho fino para sepultar o
Senhor (Mc 15:46)?

iii) Até os sinópticos (que a princípio parecem indicar que a Ceia e a Páscoa
foram na mesma noite) incluem algumas afirmações que sugerem que o Se-
nhor foi crucificado antes da ceia da Páscoa — por exemplo, se Pilatos tinha
o costume de soltar um preso por ocasião da Páscoa, seria de se esperar que
esse preso fosse solto em tempo de poder participar da ceia da Páscoa, o
grande símbolo do livramento de Israel da prisão do Egito. Soltá-lo no dia
seguinte, e fazer com que ele permanecesse preso durante aquela celebração,
tiraria deste gesto político toda a importância simbólica que tinha.

iv) Se a ceia da noite da traição foi a ceia pascal, é impressionante que nenhum
dos evangelistas menciona o cordeiro da páscoa, nem outros elementos tão
comuns àquela ceia (as ervas amargas, os rituais dos vários cálices, etc.).

v) Os escritos mais antigos dos cristãos concordam em afirmar que a Ceia do


Senhor não foi instituída durante a ceia da Páscoa. Farrar (pág. 559) cita
Apolinário, Clemente de Alexandria, Júlio Africano, Hipólito e Tertuliano
como fontes, e confirma que a ideia contrária (que a Ceia do Senhor foi
instituída durante a celebração da ceia da Páscoa) só aparece a partir de Cri-
sóstomo (347-407 a.D.).

vi) A literatura antiga secular e judaica também confirma que a morte do Senhor
foi na tarde do 14º dia — Bejon cita o Evangelho de Pedro e o Talmude
como fontes, e Farar cita Sanh. vi. 2., Salvador e Sepher Jesuah Hannotseri
(pág. 559).

Se aceitamos que a morte do Senhor ocorreu na mesma hora em que os cor-


deiros pascais começavam a ser mortos no Templo, a harmonia do cumpri-
mento desta solenidade antiga é impressionante, e a narrativa de João combina
perfeitamente com isto.

Mas algumas afirmações dos sinópticos não combinam com essa sequência
de eventos. O que fazer então? Creio que a única solução é reconhecer que a
interpretação prima facie — aquilo que parece ser verdadeiro à primeira vista —
está errada, e tentarmos interpretar as afirmações dos sinópticos dentro desta
As sete solenidades do Senhor 116

sequência cronológica. Visto que o relato deles é muito resumido e não sabemos
todos os detalhes, talvez seja difícil explicar todas as suas afirmações — mas
creio que é possível entender as afirmações deles sobre a Ceia e sobre a Páscoa
de forma a combinar com o relato de João.

Como exemplo do que proponho, olhe para o texto de Lucas 22:7-18 (o


texto mais complicado dos três sinópticos nesta questão). À primeira vista, não
resta dúvida, pelo seu relato, que a Ceia foi instituída durante a celebração da
Páscoa. Mas devemos lembrar que Lucas não apresenta os fatos no seu evange-
lho de forma estritamente cronológica (um dos exemplos mais claros disto está
em Lucas 3:19-22 — ele menciona a prisão de João Batista antes do batismo do
Senhor Jesus, invertendo a sequência normal dos eventos). Será que o mesmo
não pode ter acontecido aqui? Apresento abaixo uma narrativa que incorpora o
texto bíblico, e que acrescenta outros detalhes (em letras itálicas). O resultado
final é uma harmonia perfeita com o relato de João. Antes de ler esta sugestão,
porém, permita-me enfatizar que é apenas uma sugestão de como poderíamos
resolver o problema, se soubéssemos de todos os detalhes. Não estou afirmando
que aconteceu assim, mas apenas apresentando uma possível solução para uma
aparente contradição. A solução talvez seja outra.

Com esta ressalva em mente, considere o texto abaixo:

Entrou, porém, Satanás em Judas, que tinha por sobrenome Is-


cariotes, o qual era do número dos doze. E foi, e falou com os prin-
cipais dos sacerdotes, e com os capitães, de como lho entregaria; os
quais se alegraram, e convieram em lhe dar dinheiro. E ele concor-
dou; e buscava oportunidade para lho entregar sem alvoroço.

Chegou, porém, o dia dos ázimos, em que importava sacrificar


a páscoa, e ainda Judas não encontrara uma oportunidade para en-
trega-lO. No dia antes da festa, o Senhor mandou a Pedro e a João,
dizendo: “Ide, preparai-nos todas as coisas que precisamos para a pás-
coa, que começa amanhã e se estende pelos próximos oito dias — isto é,
a Páscoa e os Pães Asmos. Preparem tudo que precisaremos para que a
comamos”.

E eles lhe perguntaram: “Onde queres que a preparemos?”


As sete solenidades do Senhor 117

E Ele lhes disse: “Eis que, quando entrardes na cidade, encon-


trareis um homem, levando um cântaro de água; segui-o até à casa
em que ele entrar. E direis ao pai de família da casa: O Mestre te
diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os
Meus discípulos? Então ele vos mostrará um grande cenáculo mo-
bilado; aí fazei preparativos.”

E, indo eles, acharam como lhes havia sido dito; e prepararam


tudo para a páscoa, que seria celebrada no dia seguinte. Depois avisa-
ram ao Senhor que tudo já estava pronto, e o Senhor combinou que re-
uniriam ali já naquela noite, pois Ele tinha algumas coisas a lhes dizer.

E, chegada a hora, pôs-Se à mesa, e com Ele os doze apóstolos.


E disse-lhes: “Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes
que padeça; porque vos digo que não a comerei mais até que ela se
cumpra no reino de Deus.”

Os discípulos não entenderam, e Pedro perguntou: “Senhor, como as-


sim? O Senhor não vai comer está Páscoa conosco amanhã?”

Ele respondeu: “Não. Já participamos juntos da Páscoa em outras


ocasiões, e Eu desejei muito comer convosco ainda esta Páscoa — mas
Eu vou padecer, e ser oferecido para cumprir a Páscoa, e só comerei dela
novamente no Milênio.” Em seguida Ele tomou uma toalha, cingiu-Se,
e lavou os pés dos discípulos.

E, tomando o cálice, e havendo dado graças, disse: “Tomai-o,


e reparti-o entre vós; porque vos digo que já não beberei do fruto
da vide, até que venha o reino de Deus”. E, tomando o pão, e ha-
vendo dado graças, partiu-o, e deu-lho, dizendo: “Isto é o Meu
corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de Mim”. Seme-
lhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: “Este cálice
é o novo testamento no Meu sangue, que é derramado por vós.”

Tudo isto são apenas tentativas de resolver uma dificuldade que é real. Creio,
porém, que se soubéssemos todos os detalhes da tradição dos judeus, e do que
aconteceu naqueles dias, tudo se encaixaria perfeitamente. Por hora, temos que
As sete solenidades do Senhor 118

tentar entender os fatos com as informações que temos, e creio que o que melhor
satisfaz todas as informações disponíveis é o que tenho defendido neste estudo:
que o Senhor foi crucificado na sexta-feira quando os cordeiros pascais estavam
sendo mortos, e ressuscitou no domingo bem cedo, quando o dia das Primícias
era celebrado.

c. Ritual de Arão no Dia da Expiação


i) Banhar-se e vestir linho — “Vestirá ele a túnica santa de linho, e terá ceroulas
de linho sobre a sua carne, e cingir-se-á com um cinto de linho, e se cobrirá
com uma mitra de linho; estas são vestes santas; por isso banhará a sua carne
na água, e as vestirá.”

ii) Separar dois bodes e um carneiro — “E da congregação dos filhos de Israel


tomará dois bodes para expiação do pecado e um carneiro para holocausto.”

iii) Oferecer novilho para expiação por ele e sua casa — “Depois Arão oferecerá
o novilho da expiação, que será para ele; e fará expiação por si e pela sua
casa.”

iv) Colocar brasas do altar de holocausto sobre o incensário e encher a mão com
incenso — “Tomará também o incensário cheio de brasas de fogo do altar,
de diante do SENHOR, e os seus punhos cheios de incenso aromático mo-
ído”;

v) Entrar dentro do Santo dos Santos — “E o levará para dentro do véu.”

vi) Criar uma nuvem de incenso para esconder a arca — “E porá o incenso sobre
o fogo perante o SENHOR, e a nuvem do incenso cobrirá o propiciatório,
que está sobre o testemunho, para que não morra.”

vi) Sair do Santo dos Santos, pegar o sangue do novilho, entrar novamente no
Santo dos Santos e espargir sangue sobre o propiciatório — “E tomará do
sangue do novilho, e com o seu dedo espargirá sobre a face do propiciatório,
para o lado oriental; e perante o propiciatório espargirá sete vezes do sangue
com o seu dedo.”
As sete solenidades do Senhor 119

vii) Trazer bodes à porta do Tabernáculo e lançar sortes — “Também tomará


ambos os bodes, e os porá perante o SENHOR, à porta da tenda da congre-
gação. E Arão lançará sortes sobre os dois bodes; uma pelo SENHOR, e a
outra pelo bode emissário.”

v) Oferecer bode por expiação — “Então Arão fará chegar o bode, sobre o qual
cair a sorte pelo SENHOR, e o oferecerá para expiação do pecado.”

vi) Entrar novamente no Santo dos Santos e espargir sangue do bode no propi-
ciatório — “… trará o seu sangue para dentro do véu; e fará com o seu sangue
como fez com o sangue do novilho, e o espargirá sobre o propiciatório, e
perante a face do propiciatório.”

vii) “Assim fará expiação pelo santuário por causa das imundícias dos filhos
de Israel e das suas transgressões, e de todos os seus pecados; e assim fará
para a tenda da congregação que reside com eles no meio das suas imundí-
cias.”

viii) Espargir sangue do novilho (por Arão) e do bode (pela nação) e o aspergir
sobre as pontas do altar — “Então sairá ao altar, que está perante o SE-
NHOR, e fará expiação por ele; e tomará do sangue do novilho, e do sangue
do bode, e o porá sobre as pontas do altar ao redor. E daquele sangue espar-
girá sobre o altar, com o seu dedo, sete vezes, e o purificará das imundícias
dos filhos de Israel, e o santificará.”

ix) Confessar pecados de Israel sobre o bode vivo — “Havendo, pois, acabado
de fazer expiação pelo santuário, e pela tenda da congregação, e pelo altar,
então fará chegar o bode vivo. E Arão porá ambas as suas mãos sobre a ca-
beça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de
Israel, e todas as suas transgressões, e todos os seus pecados; e os porá sobre
a cabeça do bode”.

x) Enviar este bode ao deserto por um emissário e soltá-lo — “e enviá-lo-á ao


deserto, pela mão de um homem designado para isso. Assim aquele bode
levará sobre si todas as iniquidades deles à terra solitária; e deixará o bode no
deserto.
As sete solenidades do Senhor 120

xi) Tirar vestes de linho, banhar-se, e vestir vestes sacerdotais — “Depois Arão
virá à tenda da congregação, e despirá as vestes de linho, que havia vestido
quando entrara no santuário, e ali as deixará. E banhará a sua carne em água
no lugar santo, e vestirá as suas vestes”

xii) Terminar de oferecer os holocaustos (novilho e bode) — “então sairá e


preparará o seu holocausto, e o holocausto do povo, e fará expiação por si e
pelo povo. Também queimará a gordura da expiação do pecado sobre o al-
tar.”

xiii) Enviar para fora do arraial os restos dos holocaustos — “Mas o novilho da
expiação, e o bode da expiação do pecado, cujo sangue foi trazido para fazer
expiação no santuário, serão levados fora do arraial; porém as suas peles, a
sua carne, e o seu esterco queimarão com fogo.”

d. O calendário de Israel
Mês Corresponde a Referências
1 Abibe (ou Nisã) Março-Abril Êx 13:4; Et 3:7
2 Zive (ou Iyyar) Abril-Maio I Rs 6:1, 37
3 Sivã Maio-Junho Et 8:9
4 Tamuz Junho-Julho
5 Abe Julho-Agosto
6 Elul Agosto-Setembro Ne 6:15
7 Etanim (ou Tisri) Setembro-Outubro I Rs 8:2
Outubro-Novem-
8 Bul (ou Marchesvan) I Rs 6:38
bro
Novembro-Dezem-
9 Quisleu Ne 1:1
bro
10 Tebete Dezembro-Janeiro Et 2:16
11 Sebate Janeiro-Fevereiro Zc 1:7
12 Adar Fevereiro-Março Et 3:7

O calendário hebraico possuía, na verdade, quatro “começos” diferentes. O


Mishna diz:
As sete solenidades do Senhor 121

Os quatro inícios do ano [Rosh Hashanah] são: no primeiro de Nisã, Rosh Hashanah
para os reis e os festivais; no primeiro de Elul, Rosh Hashanah para os dízimos de animais;
no primeiro de Tisri, Rosh Hashanah para anos, para os anos sabáticos e os anos de Jubileu,
e para o plantio e vegetais; no primeiro de Sebate, Rosh Hashanah para as árvores”
(Mishna, Seder Moed, Tractate Rosh Hashanah: Chapter 1, Mishnah 1).

De maneira simplificada, podemos considerar Nisã como o início do ano


religioso (que marca o aniversário da formação da nação de Israel; Êx 12:1), e
Tisri como o início do ano civil (segundo a tradição judaica, o aniversário da
criação de Adão e Eva).

O ano judaico era lunar, e não solar (tecnicamente, lunissolar; veja a seguir);
isto é, um ano era considerado equivalente ao tempo levado pela Lua para com-
pletar doze ciclos em torno da Terra (o que equivale a pouco menos que 354
dias e 9 horas). As estações do ano, no entanto, dependem mais da posição da
Terra em relação ao Sol, e o tempo que a Terra leva para completar um ciclo
em torno do Sol é de quase 365 dias e 6 horas (uma diferença de cerca de 11
dias). Após três anos a contagem dos meses estaria defasada em 33 dias, e o ano
iniciaria quando a Terra já estivesse em outra posição na sua órbita, completa-
mente fora de sincronia em relação às estações. Ou seja, o calendário lunar pre-
cisava de algum mecanismo de correção para que as estações do ano (e as co-
lheitas) caíssem sempre na mesma época do ano. Por isso, a cada dois ou três
anos acrescentava-se um 13º mês, chamado de Ve-Adar (“segundo Adar”). A
decisão de quando acrescentar ou não este 13º mês era feita para que a Páscoa
sempre coincidisse com o início da colheita da cevada. Devido a esta correção
do calendário, talvez seja mais correto descrever o ano judaico como lunissolar
(pois os meses eram baseados no ciclo da Lua, mas os anos eram adaptados de
acordo com o ciclo solar). Desde o século IV os judeus usam um sistema fixo
para cálculo de datas futuras, mas na época da Bíblia (Velho e Novo Testa-
mento) o início do mês dependia da observação a olho nu da Lua Nova (real-
mente, do primeiro crescente luminoso que segue a Lua Nova).
As sete solenidades do Senhor 122

e. Tabelas de ocorrências das palavras relaciona-


das às festas

Páscoa
No Velho Testamento, encontramos a palavra hebraica traduzida “páscoa”
quarenta e nove vezes em quarenta e seis versículos: Êx 12:11, 21, 27, 43, 48;
34:25; Lv 23:5; Nm 9:2, 4, 5, 6, 10, 12, 13, 14; 28:16; 33:3; Dt 16:1, 2, 5, 6; Js
5:10, 11; II Rs 23:21, 22, 23; II Cr 30:1, 2, 5, 15, 17, 18; 35:1, 6, 7, 8, 9, 11,
13, 16, 17, 18, 19; Ed 6:19, 20; Ez 45:21. A tabela abaixo apresenta estas refe-
rências agrupadas cronologicamente.

“Páscoa” no VT
Referência Assunto
Êx 12:11-48 Instituição e primeira celebração
Êx 34:25 Um mandamento sobre a Páscoa
Lv 23:5 A Páscoa como parte das sete solenidades do Senhor
Nm 9:2-14 Segunda celebração na Bíblia, um ano após a primeira
Nm 28:16 Descrição das ofertas da Páscoa
Nm 33:3 Referência à primeira Páscoa
Dt 16:1-5 Mandamentos sobre a Páscoa
Js 5:10-11 Terceira celebração na Bíblia, nos dias de Josué
II Cr 30:1-18 Quarta celebração na Bíblia, nos dias de Ezequias
II Rs 23:21-23 e
Quinta celebração na Bíblia, nos dias de Josias
II Cr 35:1-19
Ed 6:19-20 Sexta celebração na Bíblia, nos dias de Zorobabel
Ez 45:21 A Páscoa será celebrada no Milênio

Já no Novo Testamento, palavra grega traduzida “páscoa” ocorre vinte e nove


vezes em vinte e sete versículos: Mt 26:2, 17, 18, 19; Mc 14:1, 12, 14, 16; Lc
As sete solenidades do Senhor 123

2:41; 22:1, 7, 8, 11, 13, 15; Jo 2:13, 23; 6:4; 11:55; 12:1; 13:1, 18:28, 39; 19:14;
At 12:4; I Co 5:7; Hb 11:28. Agrupando estas referências por assunto, temos:

“Páscoa” no NT
Referência Assunto
Lc 2:41 Páscoa celebrada na infância do Senhor
Páscoa celebrada no começo do ministé-
Jo 2:13-23
rio público do Senhor Jesus
Segunda (ou terceira) Páscoa do ministé-
Jo 6:4
rio público do Senhor Jesus
Terceira (ou quarta) Páscoa do ministério
Mt 26:2-19; Mc 14:1-16; Lc 22:1-15; Jo
público do Senhor Jesus, coincidindo
11:55; 12:1; 13:1, 18:28-39; 19:14;
com o dia da Sua morte
Páscoa em 44 a.D., cerca de quinze anos
At 12:4
após a morte do Senhor Jesus
I Co 5:7 Cristo é chamado “nossa páscoa”
Hb 11:28 Referência à primeira Páscoa, no Egito

Olhando a Tabela das ocorrências da palavra “Páscoa” no VT, percebemos


que há apenas seis celebrações históricas da Páscoa mencionadas no VT: a Pás-
coa no Egito (Êx 12), a Páscoa no deserto (Nm 9), a primeira Páscoa na Terra
Prometida (Js 5), uma nos dias de Ezequias (II Cr 30), outra nos dias de Josias
(II Rs 23 e II Cr 35), e uma depois do Cativeiro (Ed 6). As palavras que lemos
em II Rs 23:22 e II Cr 30:26 parecem indicar que o povo de Israel celebrou
poucas vezes a Páscoa. Ela deveria ter sido celebrada todo ano, mas parece que
foi negligenciada pelo povo depois da morte de Josué. Talvez não deixou de ser
celebrada completamente (veja II Cr 8:13), mas pelo menos não foi celebrada
como deveria ter sido.

Quando olhamos as ocorrências da palavra no NT, surge uma dúvida quanto


à duração do ministério público do Senhor Jesus Cristo e, consequentemente, a
quantidade de Páscoas que Ele teria celebrado. Temos três Páscoas claramente
identificadas, mas muitos entendem que a Festa mencionada em João 5:1 foi
outra Páscoa (a numeração na Tabela acima procura acomodar esta incerteza).
As sete solenidades do Senhor 124

Identificamos quatro festas da Páscoa especificamente mencionadas durante a


vida do Senhor Jesus: uma quando Ele tinha 12 anos de idade (Lc 2:41), e três61
durante Seu ministério público (Jo 2:13, 6:4, 11:55). Repare que João descreve
essas três Páscoas como sendo festas “dos judeus”. Também temos uma refe-
rência à Páscoa celebrada no Egito (Hb 11:28), e uma referência importante em
I Coríntios 5:7, que afirma claramente aquilo que todo cristão instintivamente
já sabe: Cristo é nossa Páscoa. O cordeiro de Páscoa é uma figura muito clara
do Senhor Jesus Cristo.

Pães Asmos
A palavra hebraica traduzida “pães asmos” ocorre cinquenta e três vezes em
quarenta e dois versículos no VT. Destes, dezenove referem-se à festa: Êx 12:15,
17, 18, 20, 39; 13:6, 7; 23:15; 34:18; Lv 23:6; Nm 28:17; Dt 16:3, 8, 16; II Cr
8:13; 30:13, 21; 35:17; Ed 6:22; Ez 45:21. A tabela abaixo organiza estas refe-
rências por assunto.

A Festa dos Pães Asmos no VT


Referência Assunto
Êx 12: 5, 17, 18, 20, 39; Instituição da festa
Êx 13:6; 23:15; 34:18; Lv 23:6;
Mandamento
Nm 28:17; Dt 16:3, 8, 16
II Cr 8:13 Referência geral nos dias de Salomão
II Cr 30:13, 21 Celebração nos dias de Ezequias
II Cr 35:17 Celebração nos dias de Josias
Ed 6:22 Celebração depois do Cativeiro
Ez 45:21 No Milênio

A palavra grega traduzida “pães asmos” ocorre nove vezes no NT: Mt 26:17;
Mc 14:1, 12; Lc 22:1, 7; At 12:3; 20:6; I Co 5:7, 8. Ordenando por assunto,
temos a seguinte tabela:

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Abrindo um parênteses, este detalhe é um dos principais meios usados para calcular o
tempo do Seu ministério público. Calculando as referências às solenidades que ocorreram
durante o Seu ministério público, chegamos à conclusão que Seu ministério público deve
ter durado em torno de três anos, mais ou menos.
As sete solenidades do Senhor 125

A Festa dos Pães Asmos no NT


Mt 26:17; Mc 14:1, 12; Lc 22:1, 7 Na morte do Senhor Jesus
At 12:3 Na morte de Tiago e prisão de Pedro
At 20:6 Durante a terceira viagem de Paulo
I Co 5:7, 8 Na igreja em Corinto

Primícias
A palavra hebraica traduzida “primícias” ocorre 51 vezes em 49 versículos no
VT. Destes, somente três referem-se claramente à festa: Êxodo 23:19; 34:26;
Levítico 23:10.

A palavra grega traduzida “primícias” ocorre 8 vezes no NT. Destas, somente


I Coríntios 15:20 e 23 parecem fazer referência clara à solenidade.

Pentecostes
As referências a seguir, no VT, referem-se à Festa de Pentecostes usando
diferentes nomes: Êx 34:22; Nm 28:26; Dt 16:9-16; II Cr 8:13. A palavra “pen-
tecostes” só é usada no NT, apenas três vezes: At 2:1; 20:16; I Co 16:8.

Trombetas

A palavra traduzida “sonido de trombetas” em Levítico 23 ocorre outras 33


vezes no VT. Refere-se a esta solenidade somente aqui e em Números 29:1.

No NT não lemos especificamente desta solenidade.

Expiação
O dia da expiação é descrito pela forma plural da palavra “expiação”. Esta
forma ocorre nos seguintes versículos: Êx 29:36; 30:10, 16; Lv 23:27, 28; 25:9;
Nm 5:8; 29:11.
As sete solenidades do Senhor 126

Tabernáculos

A palavra traduzida “tabernáculos” em Levítico cap. 23 ocorre 31 vezes no


VT. Destas, as seguintes ocorrências referem-se a esta solenidade: Dt 16:13, 16;
31:10; II Cr 8:13; Ed 3:4; Ne 8:14-17; Zc 14:16-19.

No NT, a única menção desta solenidade é João 7:2.


As sete solenidades do Senhor 127

f. Tabela resumida das festas


As sete solenidades do Senhor 128

g. Palavras em Levítico
As sete solenidades do Senhor 129

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