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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO

SAMIRA BIRCK DE MENEZES

PROCESSOS DE NORMALIZAÇÃO DOS INTERNOS DE UMA INSTITUIÇÃO DE


SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVA: UM ESTUDO DO CENTRO DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE SÃO JOSÉ

PALHOÇA, SC
2024
SAMIRA BIRCK DE MENEZES

PROCESSOS DE NORMALIZAÇÃO DOS INTERNOS DE UMA INSTITUIÇÃO DE


SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVA: UM ESTUDO DO CENTRO DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE SÃO JOSÉ

Dissertação submetida ao Programa de Pós-


Graduação em Administração (PPGA) da
Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL), como requisito para obtenção do
título de Mestrado em Administração.

Professor Orientador: Prof. Dr. Nei Antônio Nunes

Palhoça, SC
2024
Samira Birck de Menezes

PROCESSOS DE NORMALIZAÇÃO DOS INTERNOS DE UMA INSTITUIÇÃO DE


SEGURANÇA SOCIOEDUCATIVA: UM ESTUDO DO CENTRO DE
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO DE SÃO JOSÉ

Esta Dissertação foi julgada adequada à obtenção


do título de Mestre em Administração e aprovada
em sua forma final pelo Curso de Mestrado em
Administração da Universidade do Sul de Santa
Catarina.

Florianópolis, 23 de fevereiro de 2024.

_____________________________________________________
Professor Orientador Dr. Nei Antonio Nunes
Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________________
Professora Dra. Anelise Leal Vieira Cubas
Universidade do Sul de Santa Catarina

_____________________________________________________
Professora Dra. Ivone Junges
Universidade Federal de Santa Catarina

_____________________________________________________
Professor Dr. Andre Luis da Silva Leite
Universidade do Sul de Santa Catarina
As luzes que descobriram as liberdades inventaram
também as disciplinas.
(Michel Foucault)
RESUMO

Este estudo aborda os desafios e as estratégias relacionadas aos processos de normalização


dos internos em uma unidade socioeducativa específica, o Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) de São José. A importância desses processos reside na necessidade de
estudos críticos para realizar uma melhor construção do sistema socioeducativo. Esta
dissertação tem como objetivo geral analisar os processos de normalização dos jovens
catarinenses internados no Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José.
Trata-se este, metodologicamente, de um estudo de caso único, de paradigma interpretativista,
método indutivo, de abordagem qualitativa, com um corte transversal. A coleta de dados
combina a utilização de base teórica, documentos disponíveis, entrevistas semiestruturadas
realizadas com doze profissionais da instituição, dentre servidores do corpo técnico, agentes
de segurança socioeducativos e pessoas em cargos de chefia, além de observação direta das
atividades diárias dos internos, coletados entre os meses de dezembro de 2023 e janeiro de
2024. A triangulação é utilizada na análise dos dados coletados. O objeto da pesquisa é o
CASE de São José, que está localizado no estado de Santa Catarina, no município de São
José, e abriga jovens que cumprem medidas de internação entre 12 e 21 anos, em decorrência
de atos infracionais que cometeram até os 18 anos de idade. A capacidade da instituição é de
70 internos em medida de internação definitiva, e a equipe multidisciplinar possui contato
direto com esses jovens. No decorrer do estudo, foram utilizados, tendo como base teórica
principal os escritos de Michel Foucault sobre a genealogia do poder, as categorias:
microfísica do poder, relações de poder-saber, positividade do poder, poder-resistência e
normalização. Ainda, foram identificados como elementos-chave nos processos de
normalização dos internos desta instituição, os seguintes: o poder disciplinar, as práticas de
sujeição, a vigilância constante, o controle do espaço e do tempo, a sanção normalizadora, o
exame, a ação pedagógica, a estigmatização, os agentes de segurança socioeducativos e, por
fim, as contracondutas. Os resultados indicam que efetivamente foram constatados processos
de normalização dentro do CASE de São José, todavia, há ainda alguns elementos que
diferem, como o cuidado de alguns profissionais com a individualização dos internos.
Entretanto, desafios persistem, como a necessidade de adaptar os programas institucionais às
diferentes necessidades dos internos. Este estudo contribui para a compreensão dos desafios
associados aos processos de normalização no CASE de São José, fornecendo elementos
críticos para fins de problematizar as práticas perpetuadas, com o intuito de repensar o sistema
perpetuado, sugerindo-se novas pesquisas em outras unidades socioeducativas. Conclui-se,
assim, pela presença de elementos referentes aos processos de normalização dos internos do
CASE de São José, que acontecem devido a várias práticas perpetuadas dentro da unidade.
Todavia, em face da ausência de estudos diretamente com os internos, não foi possível
aprofundar como acontece a internalização desses processos, sugerindo-se novos estudos
abordando esse tema.

Palavras-chave: Sistema Socioeducativo. Processos de Normalização. Relações de Poder.


ABSTRACT

This study addresses the challenges and strategies related to the normalization processes of
inmates in a specific socio-educational unit, the Socio-Educational Care Center (CASE) of
São José. The importance of these processes lies in the need for critical studies to achieve a
better construction of the socio-educational system. This dissertation aims to analyze the
normalization processes of young people from Santa Catarina interned at the Socio-
Educational Care Center (CASE) of São José. Methodologically, this is a single case study, of
an interpretative paradigm, employing an inductive method, a qualitative approach, with a
cross-sectional design. Data collection combines the use of theoretical frameworks, available
documents, semistructured interviews conducted with twelve professionals from the
institution, including technical staff, socio-educational security agents, and managerial
personnel, as well as direct observation of the daily activities of the inmates, collected
between December 2023 and January 2024. Triangulation is employed in the analysis of the
collected data. The research object is the CASE of São José, located in the state of Santa
Catarina, in the municipality of São José, which houses young people serving internment
measures between the ages of 12 and 21, due to offenses committed until they were 18 years
old. The institution's capacity is 70 inmates in definitive internment measures, and the
multidisciplinary team has direct contact with these young people. Throughout the study, the
following categories, based on Michel Foucault's writings on the genealogy of power, were
used: the microphysics of power, power-knowledge relations, the positivity of power, power-
resistance, and normalization. Additionally, the following were identified as key elements in
the normalization processes of the inmates in this institution: disciplinary power, subjugation
practices, constant surveillance, control of space and time, normalizing sanction, examination,
pedagogical action, stigmatization, socio-educational security agents, and counter-conducts.
The results indicate that normalization processes were indeed identified within the CASE of
São José; however, there are still some differing elements, such as the care provided by some
professionals for the individualization of the inmates. However, challenges persist, such as the
need to adapt institutional programs to the different needs of the inmates. This study
contributes to the understanding of the challenges associated with normalization processes in
the CASE of São José, providing critical elements to problematize perpetuated practices, with
the aim of reconsidering the perpetuated system, suggesting new research in other socio-
educational units. It is concluded that there are elements related to the normalization
processes of the inmates of the CASE of São José, which occur due to various perpetuated
practices within the unit. However, due to the absence of studies directly involving the
inmates, it was not possible to delve into how the internalization of these processes occurs,
suggesting new studies addressing this topic.

Keywords: Socio-educational System. Normalization Processes. Power Relations.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1 - Principais reuniões ONU que influenciaram o sistema socioeducativo…. 21

Figura 2 - Organização regional das vagas no sistema socioeducativo catarinense.... 28

Figura 3 - Capacidade de vagas ……………………………………………………. 29

Figura 4 - Ocupação efetiva das vagas ……………………………………………... 30

Figura 5 - Esquema coleta de dados ………………………………………………... 66

Figura 6 - Ciclo da análise de dados …………………………………….......……… 68

Figura 7 - Triangulação de dados …………………………………………....……... 69

Figura 8 - Organização da delimitação do tema ……………………………....……. 70

QUADROS

Quadro 1 - Relação de limite de vagas, ocupação e interdição………………......... 30


Quadro 2 - Relações entre dispositivos saber-poder e sujeição…………….…….... 37
Quadro 3 - Quadro de conceitos…………………………………………….……… 54
Quadro 4 - Características da pesquisa qualitativa………………………….……… 58
Quadro 5 - Semiestrutura da entrevista…………………………………………..…. 64
Quadro 6 - Esquematização dos resultados................................................................. 116
Quadro 7 - Quadro 7 - Análise final da proposta de estudo........................................ 120

IMAGENS

Imagem 1 - Vista aérea CASE de São José…………………………………..…….. 61

Imagem 2 - Corredor de um dos módulos…………...…………………...………… 62

Imagem 3 - Alojamento de interno………………….……………………………… 62

Imagem 4 - Visual da muralha……………………………………………………... 81

Imagem 5 - Tela inicial SISE………………………………………………………. 84


Imagem 6 - Atividade extracurricular……………………………………………… 86

Imagem 7 - Oficina de marcenaria…………………………………………………. 86

Imagem 8 - Escolarização………………………………………………………….. 92

Imagem 9 - Unidade é alvo de tiros…..…………….……………………………… 95


LISTA DE ABREVIATURAS

Ageseg - Agente de Segurança Socioeducativo


CASE - Centro de Atendimento Socioeducativo
DEASE - Departamento de Administração Socioeducativa
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
ONU - Organização das Nações Unidas
PIA - Plano Individual de Atendimento
POP - Procedimento Operacional Padrão
SAP - Secretaria de Estado de Administração Prisional e Socioeducativa
SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SGP-E - Sistema de Gestão de Processos Eletrônicos
SISE - Sistema de Informação Socioeducativo
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………….. 13
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E PROBLEMATIZAÇÃO......................... 13
1.2 OBJETIVOS………................................................................................................ 16
1.2.1 Objetivo geral…………………………………………………….…….………... 16
1.2.2 Objetivos específicos……….................................................................................. 16
1.3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO.......................................... 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................................ 20
2.1 SISTEMA SOCIOEDUCATIVO............................................................................ 20
2.1.1 Sistema socioeducativo no mundo....................................................................... 21
2.1.2 Sistema socioeducativo no Brasil ………............................................................. 25
2.1.3 Sistema socioeducativo em Santa Catarina......................................................... 27
2.2 GENEALOGIA DO PODER................................................................................... 31
2.2.1 A microfísica do poder…………........................................................................... 32
2.2.2 A relação poder-saber……………........................................................................ 35
2.2.3 A positividade do poder…………......................................................................... 37
2.2.4 A relação poder-resistência………………........................................................... 38
2.2.5 A normalização…………………………………………………………………... 40
2.3 A NORMALIZAÇÃO E O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO................................ 42
2.3.1 O poder disciplinar................................................................................................ 43
2.3.2 O controle do espaço e do tempo.......................................................................... 45
2.3.3 A sanção normalizadora e o exame...................................................................... 47
2.3.4 As políticas de atendimento e as ações pedagógicas........................................... 49
2.3.5 A estigmatização e os agentes de segurança socioeducativos............................. 51
2.3.6 As contracondutas.................................................................................................. 52
2.3.7 Conceitos abordados.............................................................................................. 54
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................ 57
3.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA........................................................................... 57
3.2 OBJETO DA PESQUISA........................................................................................ 59
3.3 COLETA DE DADOS............................................................................................. 63
3.3.1 Dados primários..................................................................................................... 63
3.3.2 Dados secundários.................................................................................................. 66
3.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS............................................................ 67
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS.................................................. 71
4.1 REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS…………………………………………….. 71
4.2 OBSERVAÇÃO DIRETA, ANÁLISE DE DOCUMENTOS E IMAGENS…...... 72
4.3 OS ELEMENTOS IDENTIFICADOS DE NORMALIZAÇÃO….……………... 73
4.3.1 Poder disciplinar………………………………………………………………… 74
4.3.2 Práticas de sujeição e estigmatização…………………………………………... 77
4.3.3 Vigilância constante……………………………………………………………... 79
4.3.4 Controle do espaço e do tempo………....……...……………………………….. 82
4.3.5 Sanção normalizadora e exame………………………………………………… 87
4.3.6 Ação pedagógica…………………………………………………………………. 90
4.3.7 Agentes de segurança socioeducativos…………………………………………. 93
4.3.8 Contracondutas………………………………………………………………….. 96
4.3.9 Normalização.......................................................................................................... 98
4.3.10 Perspectivas............................................................................................................ 101
4.4 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS……..………….......……………… 103
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS………..………………………………………….. 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 115
1 INTRODUÇÃO

Esta seção introduz o tema central da pesquisa, que aborda os processos de


normalização dos internos em uma instituição de segurança socioeducativa. Ela apresenta e
explora os seguintes tópicos: contextualização do tema e sua problematização, dando início
aos debates e apresentando os principais pontos analisados; formulação da pergunta de
pesquisa, que serviu como orientação para toda a dissertação; definição do objetivo geral e
dos objetivos específicos, delineando os propósitos da pesquisa; e justificativa, que explica as
razões subjacentes à pesquisa e suas implicações teóricas e práticas em relação ao tema
discutido.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E PROBLEMATIZAÇÃO

A criminalidade tem desempenhado um papel constante na história humana, e ao


longo dos séculos, a sociedade tem enfrentado esse fenômeno de maneiras variadas. Desde
formas de retribuição individual, exemplificadas pelo Código de Hamurabi e sua premissa de
"olho por olho, dente por dente", até abordagens diversas na antiguidade e na Idade Média,
caracterizadas por punições e sentenças de morte. Mais tarde, chegou-se ao desenvolvimento
do sistema de encarceramento como resposta ao crime na Idade Moderna (Santos; Alchieri;
Flores Filho; 2019).
Até o momento, na perspectiva da sociedade em geral, esse sistema não encontrou um
substituto alternativo. Muitos sustentam que a ameaça de prisão e confinamento é essencial
para desencorajar indivíduos de cometerem delitos graves e para salvaguardar a comunidade
de elementos que possam representar riscos à segurança pública, concebendo poucas
alternativas além do isolamento. Curiosamente, várias abordagens das atuais políticas de
segurança institucional reforçam a exclusão de grupos marginalizados, alinhando-se
perfeitamente ao sistema prisional segregador já estabelecido (Krzyzanowski, 2020; Beugnet,
2022).
Essas instituições, frequentemente denominadas "totais", abrigam um grande número
de indivíduos em circunstâncias semelhantes, isolando-os da sociedade e confinando-os em
um ambiente fechado (Goffman, 1974). Tal descrição é igualmente aplicável às instituições
socioeducativas que recebem jovens sob medidas de internação. Esses centros partilham
características de normalização e controle, influenciando e orientando os indivíduos de forma
exemplar (Foucault, 1987; Candiotto, 2012).
As formas de dominação e exploração dos indivíduos sempre estiveram presentes na
história e, dentre essas formas, a normalização dos indivíduos mantidos em instituições
totalitárias, inerentemente opressivas, independentemente das supostas aspirações
benevolentes, foram invariavelmente reprodutoras de violência e sujeição. (Nogueira, 2021;
Jouet, 2022). O poder normalizador, com alcance maior que a própria lei (embora não abra
mão do ordenamento jurídico), objetiva a produção de um comportamento moralmente
institucionalizado, visando a produção de uma subjetividade dócil (Candiotto, 2012).
Instituições disciplinares fechadas, como as unidades socioeducativas de internação,
empregam microtécnicas para criar e governar indivíduos, utilizando o poder disciplinar para
intervir nos comportamentos transgressores dos jovens com um foco político intenso, no
intuito de prepará-los para a reintegração social (Fraser, 1981; Oliveira e Marques, 2016).
Esse sistema repousa em estruturas específicas e tem o propósito de gerar indivíduos que se
alinhem aos padrões normativos. Mesmo que esses jovens tenham demonstrado
comportamentos tidos como indisciplinados ou perigosos antes da internação, dentro dessas
instituições eles são reconfigurados para se conformar ao que é tido como "normal" (Foucault,
1987; Armstrong, 2020).
A abordagem de Michel Foucault em sua análise do poder recorre ao conceito de
normalização para elucidar um conjunto intrincado de práticas institucionais de poder (Kelly,
2019). De acordo com Foucault (2008), o poder normalizador não emana de um titular
específico e não deve ser reduzido a normatividade presente na lei. Com efeito, a
normalização difere das diretrizes usuais do sistema legal, uma vez que implica uma
normalização peculiar à segurança. Embora – como dito – a normalização não prescinda da
lei.
A escolha de Foucault como referência nessa pesquisa se dá em virtude das ricas
possibilidades analíticas e empíricas presentes em seus conceitos para os estudos
organizacionais, focando nas genealogias das relações de poder e dos processos histórico-
sociais objetivantes e subjetivantes (Schutijser, 2019; Villadsen, 2021). Suas obras diversas
(livros, cursos e variados ditos e escritos menores) são incansavelmente exploradas em muitas
áreas do conhecimento e vertentes teóricas, sendo aplicadas também ao contexto
socioeducativo, ressaltando conceitos particularmente pertinentes, como norma,
normatividade e normalização, e enriquecendo a compreensão de como o poder opera nesses
espaços de reclusão (Spade; Willse, 2016).
Embora as contribuições de Foucault versem sobre vários temas, sua relevância na
pesquisa ora apresentada está centrada na analítica dos efeitos do sistema penal sobre os
sujeitos. Aliás, a prisão mantém essencialmente os mesmos esquemas gerenciais e logísticos
explorados pelo teórico em suas investigações sobre o nascimento do presídio na
modernidade. O encarceramento continua como prática predominante, agora reforçado pela
incorporação de automação e tecnologias atuais de controle (Beugner, 2022). Além disso,
como crítico do sistema carcerário Foucault é associado ao movimento de transformação das
prisões e à proposição de métodos mais humanizados, tornando sua análise crucial em nosso
estudo (Jouet; 2022).
No âmbito do sistema socioeducativo, é importante destacar que, de acordo com o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), indivíduos com idades entre doze e vinte e um
anos, ao cometerem atos infracionais análogos a crimes tiverem a dezoito anos de idade, na
data do cometimento do ato, são sujeitos a medidas adotadas por autoridades competentes.
Muitas vezes, essa medida resulta em internação, ou seja, privação de liberdade. Em Santa
Catarina, por exemplo, tais adolescentes podem ser encaminhados a um Centro de
Atendimento Socioeducativo (CASE) sob a supervisão do Departamento de Atendimento
Socioeducativo (DEASE). Entre esses centros, destaca-se o Centro de Atendimento
Socioeducativo de São José, localizado no município de São José, Estado de Santa Catarina
(Brasil, 1990).
Quando se consideram as práticas institucionais dos atuais locais de reclusão,
inclusive para adolescentes, observa-se que a figura tradicional do carrasco, responsável pelo
sofrimento físico dos delinquentes, cedeu lugar a um conjunto de especialistas e de novas
técnicas de vigilância e controle espacial e comportamental (Tichonov; Ponomarev, 2022).
Nos Centros de Atendimento Socioeducativo, uma equipe técnica multidisciplinar assume a
responsabilidade de atender os adolescentes sob medida socioeducativa. Além desses
profissionais, cada unidade de internação conta com gestores, colaboradores, corpo técnico e
agentes de segurança socioeducativos. Cada um desses indivíduos, dentro de suas funções
designadas, desempenha um papel na ressocialização – ou normalização? – dos internos.
Consequentemente, ouvir esses atores é de extrema importância para compreender o sistema,
suas nuances e, em coerência com Foucault, procurar inventariar as múltiplas produtividades
geradas no sistema (Brasil, 2012).
Em face do exposto, cabe a seguinte pergunta de pesquisa: Como se constituem os
processos de normalização dos internos de uma instituição de segurança socioeducativa?

1.2 OBJETIVOS

1.2.1. Objetivo geral

Analisar os processos de normalização dos jovens catarinenses internados no Centro


de Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José.

1.2.2 Objetivos específicos

a) Verificar a presença e analisar como acontecem os processos de normalização


das atividades dos internos quando atendidos no sistema socioeducativo;
b) Constatar barreiras e facilitadores no sistema socioeducativo em relação aos
processos de normalização;
c) Identificar a existência de contracondutas, por parte dos internos, como forma
de resistência aos processos de normalização;
d) Discutir alternativas aos processos institucionais de normalização.

1.3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO

Foucault aborda em seus escritos o surgimento das prisões e sistemas de reabilitação


como formas de controle social repressivo sobre classes vulneráveis, justificando sua
segregação em nome do próprio benefício (Jouet, 2022). Entretanto, não existe embasamento
científico que sustente efetivamente a ideia de que o encarceramento contribua para a
superação da segregação e exclusão dos infratores. Um dos motivos para esse fracasso reside
nas condições das prisões e na falta de investimento nesse setor. Estudos demonstram
inclusive o quadro de deterioração psicológica entre os detentos, com alterações em sua
psique, perda de habilidades comunicativas e gradual declínio emocional e mental. São esses
internos que também perdem autonomia e segurança, ficando submetidos aos sistemas de
segurança institucionalizados (Santos; Alchieri; Flores, 2009; Schliehe et al., 2022; Tikhonov;
Ponomarev, 2022).
A complexidade do sistema socioeducativo demanda uma análise minuciosa de seus
mecanismos de controle, especialmente considerando a singularidade dos sujeitos em
formação que cumprem medidas restritivas de liberdade. Esses adolescentes, frequentemente
impactados pelas disparidades sociais e pelo aparato burocrático, podem inadvertidamente ser
normalizados pelos atores que interagem com eles. A sociedade civil estigmatiza esses jovens,
e, em muitos casos, os próprios mecanismos de controle fazem parte desse processo. Essa
normalização é erigida sobre as inclinações das organizações burocráticas em determinar o
que é considerado "normal" em um ser humano, rotulando esses jovens não como diferentes,
mas, em vez disso, como desviantes, perigosos, improdutivos, etc (Goffman, 1988; Schutijser,
2019; Caruso et al., 2020). Assim, essa problemática social, intrincada na gestão de espaços
institucionais de segurança, ganha urgência e complexidade devido à associação com uma
população altamente vulnerável, constituindo um dos pilares centrais que embasam esta
pesquisa.
Para a construção das bases teóricas, Santos, Alchieri e Flores Filho (2009) salientam
a escassez de conhecimento sobre uma organização penitenciária, instando os pesquisadores a
atuarem como verdadeiros “arqueólogos” para impulsionar o avanço científico. A partir dessa
premissa, ao investigar o sistema socioeducativo e sua relação com a normalização, ao
conduzir uma abrangente busca em fontes teóricas disponíveis, como Scopus, Web of
Science, Science Direct, Scielo, Spell, periódicos da Capes, DOAJ e bases de dissertações e
teses, é notável a carência de produção qualificada sobre o tema. Diante desse panorama,
torna-se imperativo empregar temáticas correlatas e analogias para sustentar o arcabouço
teórico.
Busca-se, como contribuição teórica, compreender melhor as questões que abrangem
esta organização de segurança, a saber, o sistema socioeducativo, trazendo à tona os processos
de normalização que o envolvem, permeando a interpretação dos agentes de segurança
socioeducativos, psicólogos, assistentes sociais, coordenadores e dirigentes nesse meio. As
entrevistas semiestruturadas e a observação direta, como fontes de dados, servirão para
analisar o entendimento dos distintos atores sobre o que ocorre (as
“positividades/produtividades”) na unidade em que trabalham. Dito de outro modo, o
escrutínio da organização microfísica da unidade socioeducativa delineada no cotidiano, ou
seja, a constituição de práticas diárias de poder e seus efeitos normalizadores, caracteriza o
cerne da pesquisa.
Argumenta Foucault (1987) que a rede carcerária constitui um terreno privilegiado
para o poder normalizador, ao introduzir mecanismos microfísicos de controle que
disseminam poder, veiculam saberes, moldam comportamentos e aplicam vigilância. Essa
perspectiva torna crucial situar o sistema socioeducativo, que compartilha muitos dos
elementos do cárcere. Com características similares, como arquitetura de controle, poder
disciplinador e sanções normalizadoras, é possível aplicar as considerações desse autor, bem
como outras referências teóricas, ao contexto do sistema socioeducativo catarinense.
Além disso, serão abordados os horários designados e as atividades disponíveis para
os adolescentes em processo de ressocialização, tais como educação formal, atendimento de
equipes especializadas, cursos de capacitação profissional, visitas e interações externas. No
decorrer dessa rotina, diversas instituições participam do processo de socioeducação,
colaborando com os centros de atendimento e mantendo contato com os adolescentes sob
medida. Entre essas instituições, merecem destaque as escolas regulares de ensino
fundamental e médio, Escolas de Jovens e Adultos, Sistema Único de Saúde, Sistema Único
de Assistência Social, Secretaria dos Direitos Humanos e instituições religiosas.
Quanto aos propósitos do estudo, cabe enfatizar que uma perspectiva crítica do
sistema, se efetivamente implementada, poderia fornecer uma contribuição prática substancial
para o projeto de ressocialização. Nessa perspectiva, o estudo visa esclarecer pontos e
momentos nos quais a normalização é mais evidente, identificando suas possíveis implicações
e desdobramentos sobre os sujeitos. O objetivo da análise é, sobretudo, abrir um espaço para a
discussão das relações intrínsecas a esse sistema, permitindo oportunidades de
autodesenvolvimento e um horizonte a autonomia não seja integralmente negada.
Por meio de um exame crítico das práticas inicialmente consideradas como normais e
necessárias no ambiente socioeducativo, busca-se questionar de forma crítica as realidades
preestabelecidas e estabilizadas, permitindo uma compreensão maior da gestão da vida num
ambiente de reclusão de jovens (Ball, 2019; Schutijser, 2019). Dessa maneira, por meio do
fomento a um pensamento crítico sobre o funcionamento das unidades socioeducativas
procura-se contribuir com o debate (dentro e fora da academia) sobre os efeitos das práticas
institucionais de poder e os limites da ressocialização.
Em particular, o enfoque da pesquisa recai sobre o Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) situado no município de São José, no Estado de Santa Catarina. A
escolha dessa unidade deriva da relação da autora com a mesma, vez que é agente de
segurança socioeducativo lotada no local desde o ano de 2018, e de sua importância no
contexto estadual, com uma capacidade de abrigar até 70 (setenta) adolescentes em regime de
internação. A análise das práticas institucionais de normalização pode contribuir também para
a formulação de alternativas (políticas públicas e institucionais) ante processos de sujeição
aos quais os adolescentes frequentemente são submetidos.
Como o principal teórico a embasar o estudo sobre o tema, Foucault (2006) esclarece
que seu foco de análise, quando se trata das prisões, são as práticas concretas de poder.
Consequentemente, esses aspectos precisam ser questionados, compreendidos e investigados
no cotidiano da organização (Thiry-Cherques, 2010). Nesse contexto, serão apresentadas e
analisadas entrevistas realizadas com servidores, tanto do corpo técnico quanto da gestão e
dos agentes de segurança socioeducativos do Centro de Atendimento Socioeducativo de São
José. Esses profissionais contribuíram com seus pontos de vista sobre os processos de
normalização. Além disso, foi conduzida uma observação direta do local, fundamentada no
arcabouço teórico estudado, analisando sua estrutura, elementos e rotinas presentes na
unidade.
Por ter como centro da investigação o multifacetado campo que caracteriza a
organização do tempo, do espaço e das produtividades do poder normalizador de uma
instituição socioeducativa fechada, esta dissertação está intrinsecamente vinculado aos
estudos organizacionais, mais precisamente ao espectro que compõe a área dos estudos
críticos em Administração. Isso ocorre porque engloba uma investigação, tanto teórica quanto
prática, sobre práticas de poder que incidem sobre sujeitos no sistema socioeducativo
catarinense, com foco especial no Centro de Atendimento Socioeducativo de São José-SC. O
intuito é sobretudo, como dito, compreender como essa organização opera e quais efeitos de
poder gera sobre os jovens apenados.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta dissertação inicialmente abordará o sistema socioeducativo, tanto no mundo,


quanto no Brasil e, também, em Santa Catarina. Posteriormente, com o fim de adentrar no
entendimento sobre os processos de normalização, se desenvolverão estudos sobre a
genealogia do poder, observando noções como a microfísica do poder, a relação poder-saber,
a positividade do poder, a relação poder-resistência para, enfim, poder melhor compreender a
normalização e seus efeitos. Ultrapassada esta etapa, e com o conceito de normalização
presente, com o intuito de finalizar o tópico de fundamentação teórica, trabalhar-se-á os dois
temas interligados, quais sejam, a normalização e o sistema socioeducativo, apontando esses
processos normalizantes nas questões de enclausuramento e nas atividades atribuídas aos
internos.

2.1 SISTEMA SOCIOEDUCATIVO

As instituições totais em nossa sociedade podem ser divididas em cinco grupamentos:


para abrigar pessoas incapazes e inofensivas - asilos; para cuidar de pessoas incapazes de
cuidar de si e que são também consideradas uma ameaça à comunidade - manicômios; para
servir de refúgio do mundo - monastérios; para realizar adequadamente um trabalho -
quarteis; e, por fim, para proteger a comunidade contra perigos intencionais (Goffman, 1974).
Neste último grupo, encaixa-se o sistema socioeducativo, que se configura como uma resposta
do Estado à criminalidade juvenil.
A fim de explicar a situação do enclausuramento Foucault propõe a decifração das
regras que regem discursos e práticas efetivas. (Thiry-Cherques, 2010; Foucault, 1987). O
intuito de uma instituição, e dentre elas o sistema socioeducativo, é moldar os sujeitos
desviantes, também chamados de delinquentes, examinando seus comportamentos e
mantendo-os sob constante vigilância. Os atores institucionais, neste contexto, para Benelli
(2004), têm sua ação "historicamente condicionada e determinada pelas condições sociais
gerais de produção e reprodução da existência", sendo eles também objeto de normalização.
A decisão judicial, que separa o indivíduo do seu ambiente social habitual, envolve
uma avaliação da normalidade e prescrição de normalização. O aparelho desenvolvido para a
tutela penal não se limita à sentença em si, mas envolve tanto o funcionamento quanto a base
em torno da necessidade de aplicação de penas e ajuste de indivíduos, alcançando elementos
extrajurídicos. O indivíduo privado de liberdade mantém-se constantemente sob a influência
das relações de poder, saber e, cabe refletir também sobre a possibilidade da existência de
resistências nesses espaços institucionais (Foucault, 1987; Tikhonov; Ponomarev, 2022).
Será analisado, neste momento, o sistema socioeducativo. Primeiramente, serão
apresentadas as diretrizes internacionais, pincelados aspectos presentes em outros países,
quais sejam, Estados Unidos, Noruega, Holanda, França, Reino Unido, México, e,
posteriormente, apresentado como opera o sistema socioeducativo no Brasil. Após, estará em
pauta o sistema socioeducativo no Estado de Santa Catarina.

2.1.1 Sistema Socioeducativo no mundo

A regulamentação internacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes é


composta por um conjunto de acordos internacionais realizados no âmbito das Organizações
das Nações Unidas (ONU), que influenciaram as diretrizes adotadas por diversos países
quanto ao tratamento dispensado aos jovens infratores. Tais acordos incluem regras gerais,
convenções, declarações e diretrizes, que objetivam garantir a proteção integral e o pleno
desenvolvimento dos jovens, bem como promover a aplicação de medidas socioeducativas
que favoreçam sua ressocialização e reinserção social.
Estes regramentos, de modo geral, declaram a necessidade de assegurar direitos a
crianças e adolescentes, que necessitam de cuidados e assistência específicos, pela sua
condição de sujeitos em desenvolvimento (Vinuto; Bugnon, 2022). Nesse sentido, foi
elaborada uma representação visual (Figura 1) com base nos regulamentos disponibilizados
pelo Ministério Público do Paraná, a qual apresenta os aspectos mais relevantes discutidos em
reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas e congressos acerca do assunto em questão.
Figura 1 - Principais reuniões ONU que influenciaram o sistema socioeducativo

Fonte: Elaboração da autora, com base no site do Ministério Público do Paraná (2023).

Conforme evidenciado, sobretudo entre as décadas de 1980 e 1990, a preocupação


com a proteção dos direitos das crianças e adolescentes refletiu uma tendência global,
notadamente no tocante aos jovens em conflito com a lei. Nesse contexto, no Brasil, estava
em processo de elaboração o Estatuto da Criança e do Adolescente, publicado em 1989, que
instituiu princípios como a Proteção Integral e o reconhecimento da criança e do adolescente
como sujeitos de direitos. Ademais, a legislação internacional exerceu influência sobre o
ordenamento jurídico brasileiro no que se refere a esse tema.
A respeito dos regulamentos expostos, mencione-se que as Regras Mínimas das
Nações Unidas para Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, embora não tendo se
internalizado nas normativas brasileiras, possui uma estrutura que se assemelha aos princípios
norteadores da Lei do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e do ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente). O regramento menciona que são jovens pessoas com
idade inferior a 18 (dezoito) anos, e entende a privação da liberdade como um último recurso
e especificamente para graves delitos, sendo que as medidas devem objetivar a reintegração
do interno à sociedade. Tal ponto já havia sido mencionado nas Regras de Beijing, ao apontar
a necessidade de uma ampla variedade de medidas, para evitar tão somente a aplicação da
restrição de liberdade (ONU, 1990; Brasil, 1990; Brasil, 2012; Vinuto; Bugnon, 2022).
A indistinção entre carência, abandono e infração é percebida durante quase todo o
século XX, dentro do Modelo Tutelar de Justiça Juvenil, que, influenciado pelo legalismo,
vigorou nos Estados Unidos, Europa e América Latina. A proposta deste modelo era
responder à possibilidade da infração, identificando quem fosse propenso a cometer um
crime, calculado por sinais como desgarramento familiar, vida nas ruas, pobreza e abandono;
e neutralizando-o (Jimenez; Frassetto, 2015).
O mundo possui diferenças em relação aos índices de criminalidade entre jovens, mas
todos os países possuem o interesse em reduzi-las. Geralmente, a resposta aos crimes é o
encarceramento, embora sem evidências de sua eficácia (Ochoa e Roberts; 2021). Caruso et
al. (2020) conduziram um estudo bibliométrico comparando Estados Unidos, Brasil,
Inglaterra, França e México, a fim de investigar a delinquência juvenil. A pesquisa destacou
que na França e na Inglaterra a questão da imigração e a estigmatização dos jovens imigrantes
estavam presentes, já que esses jovens são frequentemente alvo de preocupação por parte das
autoridades, embora não existam estatísticas que confirmem tal associação com a
criminalidade.
O mesmo levantamento, de Caruso et al. (2020), também apontou que no Brasil,
Estados Unidos e México, foi percebido o encarceramento em massa, habitualmente de jovens
negros e pobres das periferias, condenados em geral por tráfico de drogas ou crimes contra o
patrimônio. No México foi constatado que as atividades criminosas, embora ilegais, são
alternativas para as populações mais vulneráveis, em face do aumento da desigualdade social,
empobrecimento e desemprego. Nos Estados Unidos, as relações conflituosas são atribuídas
às tensões raciais e às violências de gangues.
Segundo Kokkalera, Tallas e Goggin (2021), a questão da delinquência juvenil nos
Estados Unidos é marcada pela fundação dos tribunais juvenis na doutrina do parens patriae,
que tem como objetivo recolocar o indivíduo no "caminho da justiça". No entanto, os autores
observam que não há uniformidade quanto ao tratamento dos menores em relação aos seus
estados, vez que cada um possui seu próprio regramento, e nem em relação aos seus direitos,
como a renúncia ao processo com a assistência de um advogado. Além disso, Ochoa e Roberts
(2021) apontam que os jovens confinados são tratados com severidade e impessoalidade na
maioria dos casos.
Tanto no Brasil quanto na França, conforme Vinuto e Bugnon (2022), existe uma
preocupação em se articular processos educativos durante a privação de liberdade do
adolescente. Distinguindo-se o sistema francês pelo fato da execução das medidas ser de
competência nacional, com a atuação da Protection Judiciaire de la Jeunesse, divisão
administrativa vinculada ao Ministério da Justiça, que atua tanto em relação às medidas de
meio fechado, quanto de meio aberto. Um ponto assinalado pelos autores é a existência de
duas instituições francesas que são, efetivamente, unidades prisionais: a Etáblissement
Penitenciaire pour les Mineurs, uma unidade penitenciária destinada apenas a adolescentes,
coordenada pelo Departamento Nacional de Administração Penitenciária e a Quartier Mineur,
que são espaços definidos para adolescentes dentro de unidades para adultos.
Em países como a Noruega, destoando da tendência punitiva, tem evidenciado uma
abordagem reabilitadora, tal como adotada com os adultos. Todavia, muitas vezes os atores do
sistema não estão preparados para os comportamentos negativos dos jovens. Ademais, o
sistema de bem-estar infantil presente no país, onde geralmente os jovens que infringem a lei
estão inseridos, é considerado desregulado e oculto, não oferecendo atenção às necessidades
particulares de cada participante (Ochoa; Roberts, 2021).
Foi desenvolvido na Holanda o ProKid SI12, um sistema digital que registra o perfil
de risco de menores, a fim de monitorar os crimes cometidos tanto contra quanto por eles,
com o intuito de prever possíveis problemas futuros e prevenir a delinquência. No entanto, o
sistema tem sido criticado por sua falta de privacidade para os indivíduos afetados e a
rotulagem destes como "em risco" de delinquir, classificando-os como potenciais agressores
antes mesmo da ocorrência de qualquer ato infracional (Fors-Owcynik, 2015).
Com base nessas informações, percebe-se que, embora haja tratados e regramentos
internacionais que reconhecem os adolescentes como sujeitos em desenvolvimento,
asseverando-se como postulado a medida de privação de liberdade como último recurso
(ONU, 1990), em países como Estados Unidos, Brasil, México e França ainda é possível
constatar que o encarceramento tornou-se uma medida vastamente utilizada e que, em grande
parte das nações estudadas, há uma percepção social de que o sistema de aprisionamento é a
solução mais eficaz no combate ao crime, inclusive aquele cometido por menores de dezoito
anos (Ochoa; Roberts, 2021).
No entanto, uma análise crítica acerca do sistema prisional revela justamente o
fracasso dessas medidas de privação de liberdade, sobretudo no que tange ao tratamento de
jovens em conflito com a lei. Tais instituições, ao invés de reabilitar, têm se mostrado como
verdadeiras produtoras de delinquência, uma vez que monitoram e controlam populações
vulneráveis, enquanto garantem a impunidade daqueles que detêm o poder econômico e
político. Ademais, esse sistema fomenta a criação de “corpos úteis” para atender aos
interesses daqueles que controlam a sociedade. É válido salientar que, enquanto as nações
continuarem a manter estruturas de encarceramento em massa, em desacordo com os acordos
internacionais, as resistências continuarão a se manifestar das mais diferentes formas
(Sauvetre, 2009).

2.1.2 Sistema Socioeducativo no Brasil

Embora o Código Penal de 1890 tenha incorporado a disposição para a criação de


prisões especiais voltadas para crianças e adolescentes, tais estabelecimentos jamais foram
efetivamente estabelecidos ou postos em funcionamento na prática, de acordo com o que
havia sido planejado. Como resultado, entre os anos de 1927 e 1979, o Brasil adotou o Código
de Menores, também conhecido como Código de Melo Mattos, que estabeleceu a doutrina da
"situação irregular" e conferiu legitimidade ao poder estatal sobre os indivíduos denominados
"menores em perigo material ou moral", sem fazer distinção entre carência e delinquência.
Esse código determinava que todas as crianças consideradas em situação "irregular" fossem
removidas de seus lares e acolhidas em orfanatos e abrigos (Jimenez; Frassetto, 2015).
O Estatuto da Criança e do Adolescente apresentou mudanças em relação ao antigo
Código de Menores. Elaborado em conjunto com a Constituição Federal de 1988, a
denominada “Constituição Cidadã”, muitos aspectos se assemelham entre uma e outra, como
a preocupação com a educação, cidadania, garantias e direitos humanos. Se outrora a
preocupação circundava os aparatos jurídicos, pelo legalismo, atualmente estabelece o direito
à educação como elemento para o pleno desenvolvimento da pessoa em condição de vida
irregular. (Brasil, 1990; Aguiar, Freitas; Ramos, 2020).
Conforme artigo 88, V, do ECA, o sistema socioeducativo apresenta uma articulação
entre instituições estaduais - Ministério Público, Poder Judiciário, Segurança Pública,
Defensoria Pública e executores das medidas socioeducativas - e políticas setoriais dos
municípios. Pressupõe-se, ali, um agir sistemático de diversos agentes públicos, visando o
mesmo objetivo (Brasil, 1990; Francisco; Lopes, 2020).
Com a leitura do artigo 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente fica clara a
ruptura em relação ao antigo Código de Menores, vez que, entendendo o adolescente como
sujeito de direitos, assegura a este garantias específicas do processo legal, como defesa por
advogado, igualdade na relação processual, assistência judiciária; diferente da doutrina
positivista anterior, que não possuía essas prerrogativas, bastando a situação irregular para
isolar o adolescente (Brasil, 1990; Jimenez; Frassetto, 2015).
As medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes que cometem atos infracionais
são previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Dentre essas
medidas, a mais grave é a medida de internação, conforme estabelecido no inciso VI do
referido artigo. O presente estudo aborda essa medida, pois é a medida aplicada no CASE de
São José (Brasil, 1990).
A Lei nº 12.594 de 2012, conhecida como Lei do SINASE (Sistema Nacional e
Medidas Socioeducativas) trata dos objetivos das medidas socioeducativas em seu artigo 1º,
parágrafo 2º, sendo os seguintes:

I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato


infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação;
II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e
sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e
III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença
como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos,
observados os limites previstos em lei (Brasil, 2012).

Compreender esses objetivos é fundamental para uma avaliação crítica do sistema


socioeducativo e sua organização. Nota-se que, dentre os objetivos, as medidas podem conter
aspectos tanto coercitivos quanto educativos, mais ou menos normalizadores (Jimenez;
Frassetto, 2015). Todavia, embora trabalhando com estes propósitos, a estrutura que engloba
o sistema socioeducativo, converge para a própria violência, gestada historicamente por uma
dinâmica das sociedades capitalistas, que excluem aqueles que são tidos como perigosos,
indesejáveis e improdutivos (Lopes; Francisco; 2020).

2.1.3 Sistema Socioeducativo em Santa Catarina

No Estado de Santa Catarina, o sistema socioeducativo teve sua origem no ano de


1992, com a fundação do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente. O Departamento
de Administração Socioeducativa (DEASE), responsável pelo sistema socioeducativo no
estado, está atualmente subordinado à Secretaria de Administração Prisional e Socioeducativa
(SAP). No entanto, somente em 2004, com a criação do Departamento de Justiça e Cidadania,
o DEASE recebeu a atenção necessária do Estado em relação às medidas de privação de
liberdade.
A organização do DEASE é regulada pelo Decreto Estadual nº 1778, de 2022,
constando neste decreto a regulamentação da estrutura do Departamento, suas secretarias e
setores, cargos e atribuições de cada carreira. Já a carreira de agente de segurança
socioeducativo, profissional que lida diretamente com o menor, está regulada, atualmente,
pela Lei Estadual nº 777, do ano de 2021. Nesta legislação constam suas atribuições,
responsabilidades e plano de carreira, assim como outras disposições. Sobre este dispositivo
legal, importante situar o papel desempenhado pelo Agente de Segurança Socioeducativo, que
possui a seguinte descrição sumária de suas atividades profissionais:

DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Executar atividades relacionadas com a gestão do


Sistema Socioeducativo. Desenvolver ações relacionadas com o atendimento de
adolescentes do sistema estadual de medidas socioeducativas, sendo corresponsável
pela ressocialização, atuando diretamente na segurança de adolescentes em
cumprimento de medidas socioeducativas de internação, bem como na segurança
das unidades de internação, observando-se a legislação correlata (Santa Catarina,
2021).

A partir da descrição sumária das atividades desempenhadas pelos agentes, se percebe


o importante papel dentro do sistema socioeducativo, vez que estes profissionais são
corresponsáveis tanto pela ressocialização quanto pela segurança dos internos e das unidades
de internação. Atuam, desta forma, duplamente, em tarefas distintas, tornando essa profissão
desafiadora pelo acúmulo de demandas (Santa Catarina, 2021).
Ademais, com o intuito de explicitar a organização de vagas dos Centros de
Atendimento Socioeducativos, foram solicitados e recebidos formalmente via SGP-E
(Sistema de Gestão de Processos Eletrônicos) ao Gabinete do Diretor do Departamento de
Administração Socioeducativa. Com base nas informações recebidas, conclui-se que o Estado
possui a capacidade de manter 593 (quinhentos e noventa e três) adolescentes tanto em regime
de internação definitiva ou provisória quanto semiliberdade e, aos 21 de junho de 2022,
estavam ocupadas 365 (trezenta e sessenta e cinco) vagas.
Destas vagas disponíveis nas medidas de internação, conforme informações recebidas
do Gabinete do Diretor do DEASE, como explicitado no parágrafo antecedente, 338
(trezentos e trinta e oito) são reservados aos CASEs, Centros de Atendimento
Socioeducativos, para execução das medidas de restrição de liberdades determinadas
judicialmente, sendo estabelecimentos de competência estadual, vinculados e subordinados ao
DEASE. Estas medidas, de fato, são objeto do presente estudo, vez que são os
estabelecimentos de internação que promovem o encarceramento do interno (Santa Catarina,
2022).
A organização e distribuição das vagas, conforme as informações apresentadas, no
Estado de Santa Catarina conta com sete estabelecimentos, situados em todas as
mesorregiões, conforme a Figura 2: Grande Florianópolis - unidades de Florianópolis e São
José -, Vale do Itajaí - unidade de Itajaí -, Norte Catarinense - unidade de Joinville -, Serrana -
unidade de Lages -, Oeste Catarinense - unidade de Chapecó. Para melhor elucidação, segue o
mapa com a organização das vagas, de acordo com os municípios supracitados:

Figura 2 - Organização regional das vagas no sistema socioeducativo catarinense

Fonte: Elaboração da autora (2022), com base em informações do IBGE e nos dados recebidos do Gabinete do
Diretor do DEASE (2022).
No entanto, de acordo com dados fornecidos para a pesquisadora, provenientes do
Gabinete do Diretor do DEASE, há 338 vagas disponíveis para o cumprimento de medidas de
internação definitivas no estado de Santa Catarina, mas apenas 255 estão sendo efetivamente
ocupadas. Essa situação é reflexo, de acordo com os dados apresentados, de embargos
judiciais decorrentes de ações promovidas pelo Poder Judiciário, que impedem a ocupação de
todas as vagas construídas e disponibilizadas pelo estado, resultando em uma distribuição
desigual das vagas entre as regiões.
Neste caso, embora o CASE de São José e de Joinville representem cada um 21%
(vinte e um por cento) das vagas estaduais, estão ocupadas apenas 18% (dezoito por cento),
em cada uma dessas unidades. Já o CASE de Criciúma, embora possua 19% (dezenove por
cento) da capacidade de vagas, possui a maior ocupação em comparação às outras unidades,
qual seja, 24% (vinte e quatro por cento). Para fins de tornar claras essas informações, foram
elaboradas as figuras 3 e 4, comparativas, que seguem:

Figura 3 - Capacidade de Vagas

Fonte: Elaboração da autora com base nos dados coletados do Gabinete do DEASE (2022).
Figura 4 - Ocupação Efetiva das Vagas

Fonte: Elaboração da autora com base nos dados coletados do Gabinete do DEASE (2022).

Ao analisarmos as figuras acima, é evidente a maneira como as vagas estão


organizadas nos Centros de Atendimento Socioeducativos Catarinenses, especialmente no
contexto das medidas de internação definitivas. É importante notar que essas informações
excluem as medidas de internação provisórias e de liberdade assistida, uma vez que não são
parte do escopo deste estudo. A distinção entre a Figura 3 e a Figura 4 se torna crucial, uma
vez que a primeira retrata a capacidade de ocupação, enquanto a segunda representa a situação
na data em que foram coletadas as informações. Isso destaca que o CASE de São José, bem
como outras unidades em Santa Catarina, estão claramente sujeitos a um processo de
judicialização no que diz respeito ao preenchimento das vagas. Para tanto, a partir dos
elementos apresentados, elabora-se o seguinte Quadro:

Quadro 1 - Relação de Limite de Vagas, Ocupação e Interdição


Local Limite máximo de Vagas ocupadas em 2022 Vagas interditadas
ocupação (Judiciário)
Case São José 70 internos 47 internos 20
Case Joinville 70 internos 45 internos 15
Case Criciúma 64 internos 62 internos Nenhuma
Case Chapecó 54 internos 35 internos Nenhuma
Case Lages 47 internos 33 internos Nenhuma
Case Itajaí 21 internos 21 internos Nenhuma
Case Florianópolis 12 internos 12 internos Nenhuma
Estado de Santa Catarina 593 365 45
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados coletados do Gabinete do DEASE (2023).

Depois de apresentar a estrutura do sistema socioeducativo catarinense, serão


explicitadas a seguir as categorias de análise dessa investigação com base na genealogia
foucaultiana do poder.

2.2 GENEALOGIA DO PODER

Foucault analisou formas historicamente constituídas do poder sob uma perspectiva


analítica complexa e interessante (Portschy, 2020). Em termos didáticos, o percurso teórico
deste autor pode ser dividido em três posições analíticas: a primeira, análise de instituições e
práticas discursivas, como sistemas de saúde, sexualidade e governança; a segunda, uma
arqueologia que tenta se distanciar da verdade e do sentido, descrever enunciados, analisando
a produção de conhecimento e discursos, e, por fim, a genealogia, como uma visão de cima
pra baixo, um meio de explorar como uma prática foi criada ou desenvolvida, analisando a
estrutura interna de conhecimento e discursos em termos dos processos de relações de poder e
seus impactos nos indivíduos e na sociedade (Stevenson; Cutcliffe, 2006; Khan; MacEachen,
2021).
Representa, a genealogia, a extensão da análise do discurso, para uma real
investigação do conhecimento e do poder, estruturando o comportamento e a
autocompreensão dos sujeitos de acordo com a lógica funcional (Portschy; 2020). A
genealogia não pode neste caso ser confundida com a hermenêutica tradicional, uma vez que a
genealogia toma como axiomático que tudo é interpretação (Fraser; 1981). A genealogia do
poder trabalha de forma diferenciada em face das teorias universalizantes (metanarrativas),
que serviriam para explicar, em sua totalidade, os fenômenos sociais (Assmann; Nunes,
2007).
Especialmente no livro Vigiar e Punir, que foi publicado em sua primeira edição no
ano de 1975, têm-se o início do ciclo genealógico de Michel Foucault, em que as suas análises
avançam em relação à antiga concepção de poder, formulando novos postulados em termos de
disciplinas. Trata-se Vigiar e Punir de uma obra de genealogia do confinamento, onde o
aprisionamento, pela vigilância contínua e os sistemas de punição e recompensa, se presta ao
desenvolvimento da normalização como uma forma de controle e sujeição. Nesta obra,
Foucault foca seus estudos em direção a práticas com implicações no presente, visando
diagnosticar as relações de poder-saber, que agem sobre corpos e comportamentos,
concentrando-se no impacto da disciplina e das técnicas de vigilância e subjugação nas
práticas institucionais e organizacionais. A análise nesta obra, assim como as outras que a
seguem, como é o caso de História da sexualidade: a vontade de saber, onde ele se preocupa
com funções de poder e descreve uma “história do presente”, além de demais palestras e
ensaios, ajudam a mapear e analisar o campo de poder e, mais especificamente, do poder
disciplinar, que é construído em seus próprios processos institucionais disciplinares (Foucault,
1987; Thiry-Cherques, 2010; Raffnsoe; Mennicken; Miller, 2019; Khan; Maceachen, 2021;
Nogueira, 2021).
Esta fase de estudos de Foucault denominada como genealogia do poder que, após a
trajetória metodológica denominada ciclo de arqueologia, analisou a “verdade” como
produção histórica e as formações dos discursos, descrevendo a constituição das ciências
humanas por uma interrelação entre os saberes e poderes. É dado ênfase a como se formam
domínios de saber em função de práticas políticas disciplinarizantes (Machado, 1979; Thiry-
Cherques, 2010; Schutijser, 2019). A crítica genealógica, nesta senda, busca acessar
determinada realidade social, sem se apoiar em um quadro teórico normativo e em teorias
clássicas do poder (Cassiano, 2022).
Por conta do objetivo do presente estudo, que resumidamente pode ser compreendido
como uma análise crítica dos processos de normalização dos internos de uma unidade
socioeducativa, dividiremos este subcapítulo em cinco subtópicos. Inicia-se estudando a
microfísica do poder, em seguida a relação do poder com o saber, e a positividade do poder,
posteriormente a relação do poder com a resistência para, então, adentrar na normalização.
Outrossim, em que pese, por questões de entendimento, estarem separados por tópicos, todas
essas categorias estão intimamente interligadas.1

2.2.1 A microfísica do poder

Seguindo as reflexões de Machado (1979), é importante salientar que a caracterização


do poder em Foucault se difere das concepções clássicas, vez que não há uma teoria geral do
poder no sentido tradicional, pois este não é um objeto natural, mas uma prática social,
baseada em estudos empíricos de diferentes formas de poder em contextos históricos e sociais
específicos. Jout (2022) aponta que Foucault não pretende em seus escritos universalizar seus
ensinamentos sobre o poder, ou apresentar uma interpretação geral, mas apresenta um convite
para fazer uma analítica do poder que discute a mecânica do poder, por exemplo, na justiça
criminal.
A microfísica do poder, assim, significa tanto a alteração do espaço em que é realizada
a análise quanto do nível em que esta se efetua. O poder não está ancorado em uma forma
única e essencial, mas sim ligado às relações sociais móveis e transitórias, visto no nível do
próprio corpo social, penetrando no cotidiano das pessoas, periférico e molecular, se
exercendo em níveis variados e em pontos diferentes, representando uma primazia das
práticas sociais sobre as instituições e organizações, mas sem negá-las no campo das forças
em atrito. Estes micropoderes não foram confiscados ou absorvidos totalmente pelo Estado,
possuindo uma relativa independência e autonomia (Machado, 1979; Nunes, 2008; Raffnsoe;
Mennicken; Miller, 2019; Portschy, 2020).
O poder é entendido como algo que perpassa todas as estruturas sociais e possui uma
produtividade em sua eficácia, sendo uma relação que se dá em diversos níveis e não em um
ponto fixo da estrutura social. Cabe ilustrar, no discurso de reabilitação de um interno em um
sistema socioeducativo, temos dois sujeitos distintos: o interno, responsabilizado pelo seu
fracasso, devendo aceitar a reabilitação na forma e no prazo oferecido pelas autoridades, e o
Estado, que, no seu sucesso, fornece a reabilitação, no sentido de normalizar o sujeito.

1 As categorias foucaultianas aqui indicadas são fundamentais para a compreensão dos dispositivos de poder
(como a normalização) presentes no sistema socioeducativo. Embora o poder disciplinar faça parte da genealogia
foucaultiana do poder, como veremos, optamos por explicitá-lo no tópico 2.3 (A Normalização e o Sistema
Socioeducativo). O motivo é que, uma vez apresentada a normalização na caracterização dos traços genealógicos
do poder, é possível melhor explorar a capilaridade do poder na analítica das disciplinas no campo relacional de
forças que compõe o sistema socioeducativo.
Quando acontece, a aquiescência do interno a lógica normalizadora da instituição é a
materialização da produtividade do poder (Armstrong, 2020).
Uma compreensão limitada do poder como exclusivamente um exercício de coerção
pode levar a interpretações que negligenciam traços significativos do poder em nossa
sociedade atual (Han, 2021). Nessa perspectiva, o exercício de poder, ao invés de limitado
pela imposição verticalizada a partir de um ponto fixo (Estado, soberano...) que dominaria
integralmente seus súditos, é um constitutivo sobretudo das correlações de força sociais. E
mais, o poder funciona não apenas limitando e constrangendo sujeitos, mas, de forma sutil e
calculada, em tantos momentos, os encoraja e incita modos específicos do ser, ver e fazer
(Raffnsoe; Mennicken; Miller, 2019). Além disso, Sauvetre (2009) argumenta que não raro o
ordenamento jurídico ganha o status de causa das grandes expressões de poder nos Estado
democráticos. Sem negar sua expressiva relevância, em nosso tempo nem todas as práticas de
poder disseminadas pela espessura do corpo social são efeitos do Estado ou da lei. A
microfísica do poder radica o multifacetado campo de forças sociais que compõe o poder em
nossos dias.
Na visão de Nogueira (2021), para Foucault, o conceito de poder é frequentemente
mal interpretado em três aspectos: sua identidade, forma e unidade. Ele argumenta que o
poder não pode ser entendido como um conjunto de instituições ou aparelhos, mas sim como
uma prática social. Além disso, o poder não deve ser visto como um modo de sujeição que se
opõe à violência, mas sim como uma rede de relações de força. Por fim, o poder não se
apresenta como um sistema geral de dominação, mas sim como formas díspares, em constante
transformação. Todavia, o que importa aqui é questionar não o que é a microfísica, mas sim
quais são suas capacidades e quais efeitos ela gera nos indivíduos e nos grupos sociais
(Cassiano, 2022).
O poder moderno não se limita às formas de poder soberano e à execução de castigos
espetaculares e torturas. Pelo contrário, o poder moderno é mais eficaz e penetrante, pois é
baseado em micropráticas disciplinares que controlam os sujeitos de forma suave e
econômica. Essas micropráticas permitem uma análise do corpo social e circulam por toda
parte, tornando o poder moderno capilar e molecular. Assim, o poder não está concentrado em
instituições específicas, mas é disseminado por toda a sociedade, caracterizando sua
onipresença, vez que se encontra em todos os relacionamentos humanos (Fraser, 1981;
Foucault, 1987; Schutijser, 2019).
A microfísica pode ter um caráter descendente, isto é, partir do Estado e procura seus
prolongamentos. Contudo, isto não deve ser universalizado, pois a práticas microfísicas do
poder que não são determinadas pela força estatal Num certo sentido, a pretensão da
genealogia era se insurgir da ideia universalizante de um Estado como ponto de partida
necessário, como órgão único e central de poder. Surge em Foucault, então, a ideia de que não
existe "o" poder, existem antes práticas ou relações de poder (Machado, 1979). A partir da
perspectiva da microfísica do poder, torna-se possível, muitas vezes, compreender a
discrepância entre a lógica expressa pelo discurso institucional sobre si próprio e o que se
materializa como correlações de poder. Nesse sentido, a partir da microfísica não se busca
analisar a instituição como campo único e causa de todo o poder, mas sim como um horizonte
que permite identificar as dinâmicas do poder que permeiam as práticas cotidianas da
organização nas quais há expressivo peso dos seus discursos e ações. (Sauvetre, 2009).
Ao analisar especificamente as questões do aprisionamento, Foucault argumenta que o
poder é uma relação circulante, relacional e não se localiza necessariamente em nenhum
ponto fixo da estrutura social, não sendo exclusivo de nenhuma classe social ou do Estado; o
teórico se detém sobretudo sobre a gestão, a organização, a administração de vidas nesse
espaço (Thiry-Cherques, 2010; Raffnsoe; Mennicken; Miller, 2019). Embora exista
dominação, o poder não se limita a esta prática (Foucault, 999). Em outras palavras, o poder
pode ser exercido de formas diversas. Nos espaços microfísicos, pode significar práticas de
liberdade ou mesmo de sujeição de indivíduos e grupos sociais.
Não há, nesta concepção, os “donos absolutos do poder”, sendo este exercido em
qualquer relação desigual e movível e, embora as relações se modifiquem, o poder nunca se
extingue. Na análise das relações de poder, não se identifica uma matriz geral que se baseie
numa distinção entre dominantes e dominados. Ao contrário, o poder emerge de forma difusa
e complexa, oriunda das camadas mais profundas da sociedade, sendo atravessada por
diversos cálculos e estratégias que caracterizam um planejamento estratégico (Nogueira,
2021).
Nessa perspectiva, o poder é considerado como estratégico e anônimo, agindo de
forma imediata e direta sobre as pessoas, atuando em níveis locais de forma estrutural,
dinâmica e temporalmente tensa. Ao contrário da visão tradicional, o poder microfísico não
nega o macropoder, tampouco as forças opostas em atrito, mas as utiliza e as liga,
reformulando-se constantemente conforme as circunstâncias. (Fraser, 1981; Stevenson;
Cutcliffe, 2006; Portschy, 2020). Em outras palavras, o poder é capaz de cooptar ou
incorporar resistências e oposições em sua própria lógica, tornando-se mais complexo e
adaptativo às mudanças do ambiente em que está inserido. Os próximos tópicos apresentados
observam bem essa perspectiva.

2.2.2 A relação poder-saber

Michel Foucault questiona a “hipótese de Platão”, que separava hierarquicamente o


conhecimento e o poder, para adotar a “hipótese de Nietzsche”, com o vínculo inseparável
entre o conhecimento e a moral. O autor, entretanto, deu ênfase num determinado momento
dos seus estudos sobre a formação histórica dos conhecimentos a sua relação com a
constituição do sujeito como objeto e alvo de condicionamento institucional. Em vista disso,
as correlações de forças que surgem em grupos restritos, como as instituições totais, que se
inter-relacionam, estabelecem conexões e possibilidades que moldam os indivíduos
determinando modos de pensar e comportamentos. Por ser muito mais geral e abrangente do
que a ideia de conhecimento, o teórico francês opta por utilizar o termo saber. Até porque, os
saberes compreendem o campo dos conhecimentos científicos, tecnológicos, religiosos,
institucionais diversos, etc. (Foucault, 1999; Villadsen, 2021; Meseguer, 2022).
Os saberes são interdependentes e produzidos na relação com as múltiplas técnicas de
poder. Assim sendo, são criados com o objetivo de gerenciar, modificar e prevenir
comportamentos desviantes que, porventura, possam ser considerados indesejáveis. Esse
processo é parte da dinâmica do regime de poder-saber, que se desenvolve em diversas
instituições disciplinares por meio de microtécnicas de controle em constante evolução e
aprimoramento (Stevenson; Cutcliffe, 2006; Spade; Willse, 2016).
Para entender essa relação, vale mencionar que o poder produzido sobre o sujeito, com
a ação sobre o corpo, a regulação de comportamentos, a interpretação dos seus discursos, a
hierarquização e comparação com outros, a separação e a avaliação, geram resultados/efeitos
– sujeito sujeitado: objeto do poder-saber. As técnicas disciplinares aplicadas, como técnicas
de individualização, revelam o estabelecimento de saberes institucionais sobre os seres
humanos articulados a práticas cotidianas de poder. O poder-saber se materializa, assim, como
uma espiral contínua de reforço mútuo. Um dando condições de possibilidade ao outro.
(Machado, 1979).
O saber é tanto resultado quanto instrumento do poder. O regime de poder-saber
emergiu gradualmente de práticas locais e fragmentadas dentro de instituições disciplinares.
As prisões representam um espaço de tecnologias de poder criadas como uma evolução aos
castigos corporais e execuções, outrora infligidos. Nesses locais, ainda, foram aprimoradas
diversas microtécnicas, incluindo sistemas de categorização de corpos e de vigilância cada
vez mais inovadores, para lidar com os desafios de organização e controle de grandes grupos
de pessoas (Fraser, 1981; Crawford, 2022; Jouet, 2022).
Cassiano (2022) estabelece a premissa de que a produção de um saber e o exercício do
poder formam uma interface. O autor resume as relações, apontadas nas obras de Foucault,
entre os dispositivos de saber e poder, assim como as práticas de sujeição, de forma bastante
esclarecedora. Para tanto, elaborou-se o seguinte quadro (Quadro 2), exemplificando as
relações entre o poder, o saber e a sujeição, atendendo à formulação trazida pelo autor:

Quadro 2 - Relações entre dispositivos saber-poder e sujeição


Saber Poder Sujeição
Anormal Psiquiatria Louco
Corpo Disciplina Delinquente
Sexo Biopolítica Homossexual
Fonte: Elaboração da autora, com base em Cassiano (2023).

A sujeição aqui é vista como algo que é produzido e mantido pelas relações de poder e
de saber que se estabelecem na sociedade. Assim, a intersecção entre saber e poder possibilita
um governo condutas que se materializa no contexto de dispositivos, como a “disciplina” e a
“segurança”, inerentes ao sistema de aprisionamento (Portschy, 2020). O poder, aqui, é visto
como um produtor de subjetividades, um motor no processo de subjugação do interno
(Shutijser, 2019).
Como dito, o poder-saber de Foucault (1999) refere-se à interconexão entre o poder e
o conhecimento. Isto é, o poder não opera apenas através da repressão e do controle físico,
mas também por meio da produção, disseminação e controle do conhecimento. Aliás, o poder-
saber não é simplesmente uma entidade coercitiva exercida por instituições governamentais
ou indivíduos, pois é também um dispositivo produtor de conhecimento, sensações,
comportamentos, valores etc., dentro e fora de organizações diversas.
2.2.3. A positividade do poder

Para Foucault (1999), o poder não é simplesmente opressivo ou negativo, devendo-se


romper com a visão jurídica do poder, mas também é produtivo e constitutivo. Entende o
autor que o exercício do poder possui como característica essencial a positividade. A
positividade não é um conceito moral. Ela indica a dimensão eminentemente produtivo do
poder. No limite, o poder pode produzir bem-estar, mas também sofrimento e sujeição (Nunes
e Assmann; 2000). O poder produz a maneira como construímos a nós mesmos e uns aos
outros na sociedade (Khan; MacEachen, 2021). As relações de poder, assim, não apenas
restringem ou reprimem, mas também criam normas, classificações hierárquicas e modos de
subjetividade. A respeito da compreensão positiva do poder, já em “Vigiar e Punir”, citava o
filósofo:

Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele
“exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”. Na
verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da
verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa
produção (Foucault, 1987).

Neste trecho, fica claro o entendimento de Foucault sobre o caráter produtivo do poder
que, em suas correlações, produz conhecimentos, estados de realidade que, por sua vez,
moldam subjetividades (Spade; Willse, 2016; Nogueira, 2021). Portanto, a "positividade do
poder" em Foucault ressalta que o poder não é unidimensional, mas complexo e
multifacetado. Ele pode criar oportunidades, discursos e formas de ser, ao mesmo tempo em
que impõe restrições e limites. Isso implica que as relações de poder não podem ser reduzidas
apenas à repressão, mas também devem ser compreendidas em termos de produção, criação e
configuração da realidade social.

2.2.4 A relação poder-resistência

Ao se colocar, no centro dos estudos, dinâmicas complexas de poder, saberes,


subjetividade, os cientistas sociais percebem que há nos espaços prisionais múltiplas
positividades, dentre elas estão as práticas opressivas (Portschy, 2020). Contudo, sempre é
possível a existência de resistências nos espaços de ação do poder. Num certo sentido, os
corpos são permeados tanto pelo poder quanto pela resistência, sendo ambos aspectos
intrínsecos à análise da constituição histórico-social dos sujeitos. É fundamental reconhecer
que essas forças coexistem em um complexo emaranhado, não se podendo reduzir a relação
entre poder e resistência a uma simples evocação de uma pela outra. Nesse sentido, a análise
da dinâmica entre poder e resistência requer uma compreensão mais ampla e complexa,
considerando a multiplicidade de forças que atuam, atravessam e atritam corpos e
comportamentos em espaços institucionais diversos (Baaz; Lilja, 2022).
Por conta das características moleculares do poder, não existe uma prática de poder
que não implique numa possibilidade de resistência. Assim, o poder funciona como uma
relação, o que implica em que as lutas não são feitas de fora, mas dentro da própria rede de
poder (poder-resistência). Desse modo, o poder está sempre presente, e se exerce como uma
relação de forças, um se sobrepondo ao outro, existindo em função das multiplicidades, dos
pontos de estratégia, objetivos, alvo. Se exercendo poder, se exerce também a resistência,
como um componente integrante das relações de poder, em pontos móveis e transitórios que
se alastram por toda a estrutura social (Machado, 1979; Khan; MacEachen, 2021; Nogueira,
2021).
Foucault (1999) discute o caráter relacional das correlações de poder e enfatiza que
elas não existem sem inúmeros pontos de resistência, que atuam como adversários em toda a
rede de poder. A lógica da dominação não explica integralmente a relação poder-resistência.
A relação poder-resistência indica que a liberdade não é construída na anulação completa do
poder. A liberdade humana pode ser construída nas relações de força sociais, com a presença
das resistências como elemento que força limites e reconfigurações no poder (Schutijser,
2019; Baaz; Lilja, 2022).
O poder é uma peça intrincada na engrenagem da máquina social, operando de
maneira interdependente com a resistência para se sustentar e se movimentar. Nesse sentido, a
resistência não é somente uma reação à presença do poder, mas também um elemento
essencial para a sua própria reconfiguração. Observa-se que a resistência ao poder permeia os
sistemas sociais de forma disseminada, manifestando-se em situações cotidianas e em lutas
localizadas. Essas lutas têm como objetivo desafiar as estruturas institucionais e as
normatizações vigentes, buscando transformar as dinâmicas de dominação e submissão
(Stevenson; Cutliffe, 2006; Khan; Maceachen, 2021). No limite, o próprio esforço do
exercício crítico por parte dos sujeitos em diferentes espaços de poder e saber possam revelar
atitudes de resistência ante os processos de poder que, em tantos momentos, acabam por
sujeitar indivíduos singularmente e até populações inteiras. Conforme indicado por Assmann
e Nunes (2007):

(...) talvez a posição do genealogista de questionar as formas de sujeição, que se


estabelecem a partir da concomitante “individualização” e “totalização”, através, por
exemplo, dos modos como em nossa cultura os seres humanos tornaram-se, ou
interiorizaram, identidades como a de “sujeito de uma sexualidade” – ou o binarismo
“louco” e “são” –, vislumbre novos caminhos para o estabelecimento da crítica como
exercício de liberdade e tarefa intelectual, ante as questões mais emergentes na
atualidade. Quem sabe ainda, a atitude de analisar criticamente a “normalização”, a
“disciplinarização” e a “subjetivação”, a que a pessoas são, muitas vezes, submetidas;
as regulações biopolíticas a que as comunidades se sujeitam; a injunção às
identificações a partir dos saberes e poderes – que ultrapassam os muros das mais
diferentes instituições – possa indicar uma possibilidade de práticas de resistência e
do exercício da liberdade por parte dos indivíduos (Assmann; Nunes, 2007).

Estudos críticos, ao analisar o elucidado por Assmann e Nunes (2007), podem


representar uma forma de resistência ao desafiar narrativas dominantes, revelar padrões de
poder ocultos e questionar normas estabelecidas. Através da desconstrução de discursos
hegemônicos, os estudos críticos expõem relações complexas entre conhecimento e poder,
muitas vezes desvelando práticas de marginalização e opressão. Ao propor objetos de
investigação inauditos e contra-discursos, estudos críticos contribuem para a diversificação
das perspectivas e para a promoção da resistência, incentivando uma análise mais profunda
das estruturas sociais e a busca por transformação social.

2.2.5 A normalização

A normalização é percebida como um procedimento para moldar indivíduos e grupos,


simbolizando o poder disciplinar disseminado em instituições diversas (Kryzanowski, 2020).
De certo modo, o poder normalizador se faz presente em diferentes níveis da sociedade,
obrigando-a a se conformar ao padrão (científico, social, tradicional, moral, institucional...)
considerado normal. A lei positivada (escrita) e as regras que dela emanam não são sinônimos
de normalização. Afinal, há distinções entre o que se considera normal e o legal. Contudo, o
âmbito da normatividade costuma compor forças com o campo da normalização. Ou seja, com
frequência o ordenamento jurídico reforça os padrões normalizantes e vice-versa (Kelly,
2019; Crawford, 2022).
Nessa perspectiva, alguns exemplos de poder normalizador incluem a legislação, as
políticas governamentais, as práticas empresariais, as regras sociais e culturais, entre outras
formas de controle e regulamentação que moldam o comportamento humano (individual e
social) e as relações sociais. Este é um dos aspectos emblemáticos da normalização, vez que
não age dentro de padrões positivados, como acontecem nos sistemas de direito codificados.
A normalização é, assim, um processo que introduz e ao mesmo tempo concretiza o critério
normalizador e seus efeitos. As normas, em conjunto com os padrões institucionais
normalizadores, podem ser consideradas saberes orientadores que legitimam racionalmente
processos de subjugação humana em vários níveis organizacionais (Malcher; Deluchey, 2018;
Krzyzanowski, 2020).
A normalização é uma peça central da estrutura de poder e saber, sendo definida como
um sistema de classificação, julgamento e punição. Esse sistema permite moldar determinadas
estruturas da sociedade (por exemplo, diversas organizações como: escolas, fábricas, quartéis,
indústrias, hospitais, presídios...), estabelecendo classificações, hierarquias e valores que
todos devem aceitar e criando um sistema de controle correspondente. Seguindo essa lógica, é
possível inferir que as instituições totais foram criadas pela interação entre poder e saber,
permitindo que o controle seja disseminado e perpetuado. Entretanto, é válido ressaltar que o
poder normalizador atua tanto por meio das diretrizes gerais das instituições quanto por
indivíduos inseridos em unidades específicas que reproduzem em suas ações no padrão
enformador (Spade; Wilse, 2016; Crawford, 2022).
Além disso, Foucault (1987) descreve a normalização como um processo onde os
sujeitos são diagnosticados, categorizados e avaliados, e aprendem a se adequar com medo da
reprovação social. Isso afeta seus corpos, pensamentos e comportamentos. No entanto,
qualquer discurso proveniente daqueles que foram docilizados acaba por intensificar e
reforçar as relações de poder existentes, perpetuando assim as formas de exploração e
sujeição (Spade; Willse, 2016; Han, 2021).
Conforme Kelly (2019), nas aulas ministradas por Foucault (2008) no Curso do
Collège de France em 1978, intituladas "Segurança, Território, População", ele descreve que
as técnicas de normalização surgem, historicamente, como uma resposta ao sistema normativo
de leis. Foucault argumenta que a disciplina estabelece métodos de "treinamento progressivo
e controle contínuo", definindo o que é considerado normal ou anormal e criando um modelo
em que a norma é central. Diferentemente de sua abordagem anterior nas obras como "Vigiar
e Punir", onde Foucault considerava a normalização como um aspecto unicamente disciplinar,
aqui ele a vê como um ideal a ser atingido independente da dimensão espacial fechado, pois a
normalização passa a ser alcançada também com o controle estatístico, demográfico. Essa
normalidade é moldada de acordo com o que os padrões de racionalização indicam ser mais
desejável e/ou toleráveis.
Sem negar os efeitos das disciplinas, esta abordagem da normalização aperfeiçoa o
controle e a produtividade do poder que visa moldar indivíduos e comunidades. Ou seja, a
normalização não passa a prescindir dos espaços individuais de reclusão, mas ampliar seu
campo de ação quando introduz dispositivos de controle sobre o “meio” (urbano, comunitário,
social...) utilizando saberes estatísticos e demográficos para o controle “ambiental”. O que se
busca é dar uma “direção da consciência” do indivíduo, que ultrapasse as instituições
fechadas. As novas tecnologias (virtuais ou não), massificantes e individualizantes do poder,
compõem o espectro dos dispositivos normalizadores em instituições e espaços sociais
diversos (Assmann; Nunes, 2007; Nunes, 2014).

2.3 A NORMALIZAÇÃO E O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO

No que tange a segurança, a imposição de valores normativos sobre os indivíduos, a


fim de que eles os aceitem em larga escala, frequentemente é acolhida pela sociedade sem
muitos questionamentos. No entanto, a aplicação das teorias de normalização ao sistema
socioeducativo demanda interpretação cuidadosa e crítica para avaliar seus efeitos sobre os
indivíduos que vivenciam o cotidiano desse espaço (Lianos, 2003).
A sociedade disciplinar, para Foucault, é a sociedade em que a disciplina não controla,
necessariamente, a vida dos sujeitos de modo absoluto e violento – mas isso não quer dizer
que não exista controle autoritário e até violento nesses espaços. De acordo com a
positividade do poder, dentro de instituições de controle, como o caso das prisões, a aplicação
da disciplina foi capaz de produzir sujeitos mentalmente normalizados (Lianos, 2003;
Raffnsoe; Mennicken; Miller, 2019).
Assim, os sujeitos docilizados são resultado de dispositivos de subjugação e
funcionam como uma multiplicidade corporal heterogênea que sustenta a norma,
identificando-a e simbolicamente homogeneizando-a, com a finalidade de controlar
comportamentos. O poder, nesse caso, é o que torna os internos quem são (classificando-os
hierarquicamente) através dos processos de normalização. Normas específicas, mas
generalizáveis, são produzidas para todo o corpo de delinquentes, aplicando-se dispositivos
institucionais singulares, como é o caso dos sistemas de vigilância que agem sobre as
singularidades (indivíduos) (Sauvêtre, 2009; Khan; MacEachen, 2021).
Adicionalmente, ao utilizar a tese da continuidade das instituições por meio do
continuum carcerário, Sauvetre (2009) argumenta que instituições correcionais, como o
sistema socioeducativo, seguem o padrão da prisão, expandindo os "círculos carcerários" e
formando um "sistema prisional". O autor defende que o sistema carcerário transplanta
tecnologias penitenciárias para outras instituições disciplinares, as quais Foucault chamou de
"prisões-forma", um conceito aplicável também ao sistema socioeducativo.
A perspectiva distinta de poder apresentada por Foucault possibilita a compreensão
das práticas em organizações diversas, incluindo o sistema socioeducativo, como locais em
que diferentes dispositivos produtivos interagem para formar e/ou moldar subjetividades
(Villadsen, 2021). Dessa forma, para uma compreensão mais completa da normalização nesse
sistema tão singular, a saber, o sistema socioeducativo, este tópico foi dividido em partes
interconectadas: o poder disciplinar, o controle de espaço e tempo, a sanção normalizadora e o
exame, as políticas de atendimento e as estratégias pedagógicas, a estigmatização e os agentes
de segurança socioeducativos e, por fim, as contracondutas. Cada uma dessas partes
desempenha um papel nos processos de normalização ou nas resistências aos seus efeitos.

2.3.1 O poder disciplinar

Nunes (2008) ressalta que Foucault, a quem denomina "genealogista-historiador" por


conta dos procedimentos investigativos utilizados pelo filósofo quando trata do poder, analisa
o aparecimento do dispositivo disciplinar considerando a dimensão microfísica do poder em
diferentes espaços institucionais. Como dito, ao realizar essas análises, Foucault empreende
uma crítica à sujeição dos corpos individuais e sociais às práticas de que os objetificam.
Ao realizar uma análise política do poder, com o objetivo de compreender sua
dinâmica e manifestações, Michel Foucault identificou três formas históricas de como o poder
é exercido sobre o corpo. A primeira dessas formas envolve o suplício, que inflige dor física e
causa mutilação corporal. A segunda forma é caracterizada pelo poder moderador, que busca
corrigir o corpo. Por fim, a terceira forma consiste no poder disciplinar, que treina e
condiciona o corpo. O poder disciplinar, amplamente estudado em contextos prisionais, não se
trata de uma dominação absoluta, mas sim da articulação de diversas técnicas, incluindo
avanços tecnológicos, em relação às práticas locais de controle (Cassiano, 2022; Schliehe et
al., 2022). Essas técnicas possibilitam o controle minucioso do corpo, influenciando seu
comportamento e assegurando a contínua submissão das forças corporais, estabelecendo uma
relação de docilidade-utilidade para o corpo (Nunes; Assmann, 2000).
De modo geral, em toda organização há uma disciplina presente, denominada de
disciplina de atividade. Entretanto, o foco aqui se volta para as disciplinas de ser, as quais
impõem ao interno a obrigação de adquirir determinado caráter e permanecer dentro do
mundo do qual faz parte - o mundo do internado. Essa forma de disciplina difere daquela
presente em uma fábrica, por exemplo. Qualquer indivíduo que atue no sistema pode impor
certa disciplina, em alguma escala, ao interno, aumentando assim as possibilidades de
controle e sanções. Essas disciplinas são aquelas baseadas na modelação do corpo individual,
permitindo a formação de saberes individualizantes, destinados ao conhecimento e controle de
cada sujeito dentro da instituição (Goffman, 1974; Meseguer, 2022).
O centro de atendimento socioeducativo, neste caso, se insere no contexto do poder
disciplinar, que busca produzir corpos dóceis, normais e normalizados. Essas práticas são
aplicadas sobre os infratores, com o objetivo de submetê-los e moldá-los conforme as normas
estabelecidas pela sociedade. Através da categorização e objetificação dos indivíduos, cria-se
uma identidade que os marca como diferentes ou desviantes, enquanto se estabelece o padrão
de normalidade (Malcher; Deluchey, 2018).
Ao exercer controle sobre os indivíduos em instituições de confinamento, com o
objetivo de alcançar a normalização, as pessoas que não se encaixam na norma são
identificadas e corrigidas. O aparelho criminal-punitivo desempenha um papel crucial na
normalização, utilizando a disciplina como meio de correção. As punições e recompensas são
frequentemente utilizadas como táticas políticas nesse processo. Dentro de um grupo, aqueles
que se destacam recebem melhores benefícios, e quando todos buscam se conformar a esse
padrão, com isso, é estabelecida a normalização (Malcher; Deluchey, 2018; Crawford, 2022).
Foucault (2008) afirma que a disciplina é sobretudo normalizadora. De acordo com o
autor, a disciplina desmembra elementos mínimos para entender e suficientes para modificar
os indivíduos; além disso, ela os identifica de acordo com os objetivos. As técnicas
disciplinares, como exames, exercícios, práticas e sanções, possibilitam que o poder alcance o
âmago do indivíduo, regulando a consciência individual, interiorizando o olhar normalizador
(Han, 2021; Villadsen, 2021)
A disciplina, com alvo nos indivíduos, é produtiva, ao fomentar e canalizar as
capacidades humanas. Ela estabelece normas de comportamento ideal, esperado pela
sociedade, por meio de técnicas que se enquadram no domínio da vigilância, diagnóstico e
possível transformação dos sujeitos (Villadsen; 2021). Embora as instituições fechadas do
sistema socioeducativo tenham como princípio a socialização, elas estão subordinadas ao
poder disciplinar, cuja expectativa é moldar o jovem à norma do "adolescente normal"
(Jimenez; Frassetto, 2015).
Considerado o poder responsável por criar uma sociedade disciplinar, o poder
disciplinar é capaz de produzir coletivamente corpos, capacidades e mentes individualizadas e
dóceis. Por meio do fracionamento desses elementos em espaços pré-determinados, esse
poder multiplica as forças produtivas e reduz as repressivas, tornando seu uso mais eficiente e
eficaz. A atuação do poder disciplinar promove a produção da subjetividade moderna,
caracterizada pela docilidade. Esse processo se dá por meio de diferenciações, categorizações,
e também exclusões e identificações, por meio dos quais o poder disciplinar impõe a
normalização e a vigilância constante sobre os indivíduos (Benelli, 2004; Candiotto, 2012;
Han, 2021).
O sucesso do poder disciplinar, para Foucault (1987) está relacionado ao uso, com
efetividade, de instrumentos que considera simples: o olhar hierárquico, a sanção
normalizadora e, quando combinados, o exame. Estes instrumentos microfísicos, assim como
outros, por fazerem parte dos processos de normalização, serão explicitados nas próximas
páginas e contextualizados ao sistema socioeducativo.

2.3.2 O controle do espaço e do tempo

Ao quadricular o espaço e controlar o tempo, se procura submeter o corpo, em cada


detalhe de sua vida, dispondo, por exemplo, em filas os indivíduos. Fica assim composta a
tecnologia política do corpo, composta por quatro momentos: a clausula, o controle do tempo
e avaliação de atividade, os exercícios e o efeito que torna cada corpo um elemento. O
primeiro, a clausura, delimita e separa os indivíduos do exterior, embora não seja esta a
característica mais importante, vez que os processos de normalização acontecem independente
de estarem os sujeitos em espaços fechados. Segundo, o controle do tempo e avaliação de
atividade, que objetiva o máximo de rapidez e eficácia das atividades, controlando todo o
desenvolvimento das atividades, e não apenas do resultado. Em um terceiro ponto, exercícios
para dividir cada atividade corporal, regulando seu comportamento, movimento e funções.
Por fim, o efeito que torna cada corpo um elemento, como uma peça de um complexo aparato,
uma composição de forças que reúne os corpos, os distribuindo e organizando (Foucault,
1987; Nunes; Assmann, 2000; Jimenez; Frassetto, 2015).
Rodeada por muralhas altas, vigilância física e câmeras, com portas de ferro e
aberturas gradeadas, a aparência de uma unidade socioeducativa inegavelmente assemelha-se
à de uma prisão. A gestão de recursos, a restrição de visitas conforme horários e indivíduos
específicos, o uso de uniformes, a imposição de horários rigorosos para atividades e o
controle das movimentações são todos elementos que fazem parte do cotidiano dos internos.
Os processos de normalização também se manifestam na forma como os internos são
contabilizados. De modo semelhante aos registros mantidos em instituições educacionais, os
internos possuem registros individuais, matrículas e são inscritos em um sistema de cadastro,
enquanto seus alojamentos são numerados, sendo um processo de quantificação característico
da contabilidade. Esses mecanismos, embora operem em diferentes contextos, têm uma
dimensão coercitiva que se manifesta de maneira marcante no sistema socioeducativo por
meio do controle minucioso do interno (Walker, 2010).
As atividades dos internos, bem como os eventos e acontecimentos, são
cuidadosamente registrados. Os exames que qualificam e classificam esses indivíduos,
juntamente com eventuais medidas disciplinares, são devidamente cadastrados. No cenário
brasileiro, o Plano Individual do Adolescente (PIA) surge como uma inovação que
exemplifica essa categorização, representando um instrumento que simboliza a autoridade da
instituição sobre o adolescente. Introduzido em 2012, o PIA é elaborado por uma equipe
multidisciplinar, assumindo a função de um dispositivo preditivo, de registro e gestão das
atividades do adolescente, abrangendo todas essas categorizações. Essa abordagem contábil
minuciosa pode ser vista, nesse contexto, como uma técnica inerente ao poder disciplinar
(Foucault, 1987; Walker, 2010; Brasil, 2012).
O poder disciplinar utiliza também, como um dos seus meios mais eficazes, a
visibilidade total e irrestrita como estratégia para controlar os corpos. Com o uso de uma
arquitetura em forma de observatório transforma-se o indivíduo, vez que este se torna
inteiramente visível àqueles que operam o sistema (Benelli, 2004; Candiotto, 2012). O
sistema panóptico2, considerado uma técnica da relação de poder-saber, foi desenvolvido para
permitir que os administradores pudessem organizar as populações de maneira a vigiá-las
constantemente e, assim, controlá-las.
Por meio desse sistema de vigilância constante, o olhar unidirecional dos guardas nega
visibilidade aos internos, fazendo com que eles internalizem o olhar e se vigiem a si mesmos,
sem saber quando ou se estão sendo observados (Fraser, 1981). De acordo com Foucault
(2008), o centro do panóptico é o conceito do “soberano perfeito”, cujo mecanismo gera um
efeito específico: a sensação de que os olhos do “soberano” estão presentes em todas as
atividades individuais.
Diante da persistência do regime de encarceramento instituído, esse tipo de vigilância
ainda é utilizado nos sistemas de encarceramento modernos e é objeto de constantes
inovações tecnológicas que aumentam a eficácia e a eficiência do controle exercido sobre as
populações. Assim, o “olhar sem rosto” do guarda da torre de vigia do panóptico encontrou
sua extensão natural no olhar da câmera de vigilância, com uma visão tecnológica que reforça
a onisciência do olhar vigilante (Beugnet, 2022).
Os efeitos do poder se manifestam através da constante sensação de vigilância
contínua, que é implementada em espaços especialmente designados para esse propósito.
Nessas áreas, não é estritamente necessário que haja um operador presente; muitas vezes,
basta a mera possibilidade de sua presença. Isso resulta na criação de um espaço de
visibilidade consciente e perpétua, garantindo seu funcionamento automático. Surge assim a
operação de um olhar anônimo, que motiva o indivíduo a se autodisciplinar, uma vez que a
mera suposição de estar sendo observado induz o sujeito a submeter-se ao poder (Nunes;
Assmann, 2000; Candiotto, 2012).
Todo este sistema instalado dentro da instituição só reforça ao sujeito o papel social de
internado, pertencente ao grupo de internos, e com o dever de exercer seu papel e sua rotina
dentro da instituição. Também se permite prevenir o contato físico, por meio de um
mecanismo fechado. Modela-se e aprisiona-se, assim, sua subjetividade, tornando possível a

2 O "Panóptico" é um conceito arquitetônico e social introduzido pelo filósofo e teórico social Jeremy Bentham
no final do século XVIII e ampliado por Michel Foucault. Ele descreve um modelo de prisão onde os detentos
estão dispostos em celas ao redor de uma torre central de vigilância, de modo que possam ser observados
constantemente, mas não podem ver o observador (Foucault; 1987).
sedimentação de relações de controle geral, mas que objetiva todos individualmente (processo
de objetificar o sujeito) (Machado; Neto; Dinu, 2016; Schliehe et al., 2022).
Dentro da disciplina, o tempo é utilizado como instrumento de controle e
coordenação/gestão. As rotinas estabelecidas dentro de uma unidade socioeducativa
representam uma prática de exercício do poder, uma vez que se apoderam da totalidade do
tempo dos internos, sendo um dos mecanismos presentes nos sistemas normalizadores. Tais
rotinas são consideradas tecnologias de objetivação/subjetivação, que moldam os corpos e
comportamentos dos indivíduos, seja quando estão sozinhos ou em grupo. Dessa forma, é
necessário evitar que o corpo fique ocioso ou inútil, por meio de uma rigorosa rotina que
intensifica a utilização do tempo e otimiza o aproveitamento dos corpos (Foucault, 1987;
Portschy, 2020; Nogueira, 2021).

2.3.3 A sanção normalizadora e o exame

Diversamente do que acontece com a sanção, que é efeito somente da lei, a sanção
normalizadora faz uso de pequenas correções e recompensas para normalizar o sujeito, como
uma espécie de pequeno sistema penal produtivo e eficiente. É um método de disciplinar
através de prêmios e castigos, como uma perspectiva de ressocializar. Atuando de forma
difusa e indireta, estabelecendo uma "infra-penalidade", a norma funciona como um padrão
cultural, construída internamente entre os indivíduos (Goffman, 1974; Foucault, 1987;
Candiotto, 2012).
Privados da sua autonomia pessoal, os indivíduos submetidos ao poder normalizador
são subjugados através de uma “microeconomia” que se baseia em um sistema de
gratificação-sanção. Esse sistema duplo possibilita a avaliação de comportamentos e
desempenhos com base no que é considerado institucionalmente como certo e no errado, e
estabelece uma contabilidade penal reduzida a números, com um balanço diário que se refere
ao comportamento dos indivíduos sob controle (Foucault, 1987; Benelli, 2004).
Os comportamentos objeto desta sanção normalizadora são aqueles não atendidos nos
grandes sistemas de castigo que, por suas condições particulares, sutis, não exigem grandes
punições e mesmo assim não podem ser ignorados dentro de uma instituição totalizante. É o
caso de micro-punições por pequenos atrasos, negligência, grosserias, sujeira ou indecência,
por exemplo (Foucault, 1987). Assim são mensurados os indivíduos por notas ou pontos, os
quantificando, entendendo que se faz funcionar uma oposição binária do permitido e do
proibido (Benelli, 2004).
Ao introduzir uma gradação das diferenças nas punições e recompensas esta
regulamentação normalizante mede desvios, integrando-os dentro de um mesmo grupo
homogêneo. O sujeito, tido como “não-normal” (delinquente, improdutivo, desobediente...),
não será considerado igual aos outros identificados pela instituição como normais. Assim, os
desvios e as diferenças devem ser submetidos a um padrão racional homogeneizante (Benelli,
2004; Candiotto, 2012). Foucault (1987) já apontava que esse aparelho de hierarquização
diferencia não somente os atos, mas também as virtualidades dos indivíduos, suas
competências e aptidões.
Outra consequência apontada por Foucault (1987) do exercício da sanção
normalizadora é o fato de ser exercido sobre os internos uma pressão constante, submetendo-
se ao modelo apontado pela instituição para obter as recompensas e ser valorizado dentro da
instituição em que está inserido. Desta forma, para o autor, todos os indivíduos são obrigados
a ser subordinados, dóceis, atentos aos estudos e aos exercícios, cumprindo seus deveres e
mantendo-se disciplinados.
Como uma combinação entre a vigilância e a sanção normalizadora, surge também o
exame, que torna os indivíduos objetos de um saber que deve ser extraído, identificado
decodificado. Ao analisar o delinquente, o exame define com base na normalização qual o
comportamento esperado do sujeito tido como normal (Candiotto, 2012). Ademais, em vista
do uso do poder normalizador, os sujeitos são sujeitados ao exame, captando-os em um
mecanismo de objetificação que os individualiza como efeito e objeto de poder e de saber. No
limite, é o exame que permite vigiar e punir (mesmo que utilizando recompensas) os menores
infratores numa instituição socioeducativa (Benelli, 2004).
É essencial destacar que o exame desempenha um papel fundamental na constituição
dos corpos como alvo e resultado do poder-saber, maximizando a extração de suas energias e
tempo (Nunes; Assmann, 2000). Dentro do contexto do sistema socioeducativo, o exame se
materializa através da vigilância constante sobre os internos e da imposição de normas e
rotinas que os compelirão a adotar um comportamento uniforme. Essas medidas visam tornar
os indivíduos mais maleáveis ao controle e a reduzir sua capacidade de se rebelarem.
Uma prática notável no exame de indivíduos aprisionados é a implementação de
estruturas de direitos que expandem os sistemas de controle sobre os detentos. Essas
estruturas, destacadas por Armstrong (2020), incorporam um conceito específico de
reabilitação que justifica práticas repressivas e intrusivas de confinamento. Nesse contexto, os
indivíduos, buscando certos privilégios dentro das instituições de aprisionamento, adotam
comportamentos específicos para cumprir os requisitos necessários.
O poder normalizador, permeando essas relações, cria os padrões, sanciona as
condutas adotadas e pune os desvios. Em que pese o ECA, em sua literatura, não tenha
referendado esses comportamentos, as instituições socioeducativas preservam as principais
características das instituições totais, dentre eles: arquitetura, vigilância, agrupamento de
corpos e uniformização (Aguiar; Freitas; Ramos, 2020).

2.3.4 As políticas de atendimento e as ações pedagógicas

Por muito tempo, a instituição prisional foi vista como determinante e inquestionável,
todavia, conforme os estudos sobre o tema foram se aprimorando, foi percebido que o sistema
como se encontra organizado não havia obtido êxito em atender às demandas sociais e,
portanto, foi necessário inverter a lógica de "instituição total" para o entendimento da
"incompletude institucional" (Garutti; Oliveira, 2017)3. Para Francisco e Lopes (2020) as
chances de êxito na ação socioeducativa aumentam com a construção de um espaço que, além
de reprovar as condutas, preze pela convivência e propicie alternativas e inovações que
foquem no fazer e no pensar.
A lógica da incompletude institucional, prevista na Lei do Sinase como um princípio
que objetiva a inter-relação entre os órgãos das políticas públicas, visa, teoricamente,
desinstitucionalizar o sujeito, através de possibilidades efetivas de emancipação.
Preconizando as articulações de políticas públicas em ações que integram o sistema de
garantia de direitos - são eles: Sistema Educacional, Sistema de Justiça e Segurança Pública,
Sistema Único de Saúde, Sistema Único de Assistência Social - a incompletude institucional
objetivou romper a lógica das instituições totais (Brasil, 2012; Garutti; Oliveira, 2017).

3 Os autores definem a instituição total como um estabelecimento fechado que funciona em regime de
internação, tendo moradia, lazer e outras atividades concentradas no interior da instituição. Já a incompletude
institucional é definida pelos autores como a noção de que nenhum programa ou serviço pode atender todas as
necessidades ou carências do meio, mas deve estar inserida numa rede de programas de serviços, com
articulações de políticas públicas (Garutti; Oliveira, 2017).
Em tese, esse sistema de redes de políticas públicas, exercida de forma policêntrica ou
compartilhada, envolve tanto organizações públicas - o Estado - quanto privadas - presentes
na Sociedade Civil. Assim, promoveria um fluxo de recursos, desenvolvendo um arranjo
econômico cooperativo, que romperia com os modelos hierarquizados e concretados,
tradicionais do Estado. O propósito seria fortalecer a participação de diversos sujeitos da
sociedade na reinserção do interno que cumpre medida socioeducativa (Garutti; Oliveira,
2017).
Todavia, inseridas no sistema socioeducativo, em que pese estranhas a eles, as
instituições parceiras não se distanciam das mais arcaicas formas de submeter e conduzir os
jovens, vez que são elas trabalhadas e estipuladas em um modelo normalizador. A
normalização apontada, ademais, se apresenta intimamente relacionada à padronização do
modo de produção industrial; podendo neste caso as instituições serem vistas apenas como o
prolongamento da medida normalizadora que produz em grande medida subjetividades
institucionalizadas. Seu fracasso acentua ainda mais o sentido punitivo da medida
generalizada de internação dos menores que cometeram atos infracionais (Machado; Neto;
Dinu, 2016; Kelly, 2019).
A ação pedagógica é vista, neste sistema, agravando o processo de normalização. Este
apenas se mascara em discursos pedagógicos, ofuscando as condições mais amplas inerentes
ao confinamento. O ideal de regeneração, integrado à educação e ao trabalho, contribui para a
manutenção de uma relação de domínio e obediência. Os internos estarão dependentes do
aparato institucional e em sua condição como sujeitos à margem da sociedade (Machado;
Neto; Dinu, 2016; Armstrong, 2020).
As políticas direcionadas ao atendimento dos jovens flutuam entre perspectivas
predominantemente compensatórias e salvacionistas, requerendo a cooperação interna para
assegurar a obtenção da libertação (Armstrong, 2020). Nesse contexto, a falta de abrangência
nas práticas institucionais pode fomentar a perpetuação das abordagens normalizadoras, uma
vez que os adolescentes podem ser sujeitos a medidas que buscam conformá-los aos padrões
sociais prevalentes, em detrimento de uma abordagem holística e respeitosa de suas
individualidades. Dessa maneira, tais políticas podem inadvertidamente marginalizar e
estigmatizar os jovens em processo de internação, aprofundando os processos de
normalização e seus efeitos mais nocivos.
2.3.5 A estigmatização e os agentes de segurança socioeducativos

Um dos aspectos centrais da normalização é o de classificar e estigmatizar atores


sociais, processos ou práticas cotidianas diversas (Krzyzanowski, 2020). Invariavelmente, os
jovens são afetados por uma variedade de políticas, desempenhando simultaneamente papéis
institucionais, adaptando-se conforme as demandas do ambiente. A sensação de certa
flexibilidade é facilitada pela sobreposição e semelhanças entre os papéis estigmatizados e
normais, possibilitando o uso de táticas adaptativas. O estigma, portanto, é uma parte
integrante de uma estrutura de poder eficaz que regula e rotula os comportamentos dos jovens,
mas também de outros atores no interior da instituição (Goffman, 1988; Crawford, 2022).
Todavia, em que pese a tese jurídica de proteção integral, os mecanismos de exclusão
seguem fortalecidos e, dentre eles, os institutos em que os adolescentes respondem pelos atos
infracionais que cometem, vez que seguem estigmatizados em instituições totalizantes. No
Brasil, embora conste em legislação o propósito socioeducativo das instituições, ainda se
percebe o perfil punitivo e disciplinador (Aguiar; Freitas; Ramos, 2020).
Conforme Goffman (1988) destaca, a distinção entre o normal e o estigmatizado não
deriva de características inerentes às pessoas, mas é uma construção moldada pelas
circunstâncias sociais. A estigmatização de grupos específicos, como aqueles com histórico
criminal, pode ser entendida como um mecanismo de controle social. Para contornar essa
complexidade, é vital que as ações se orientem por parâmetros que facilitem oportunidades de
superação da exclusão enfrentada por esses indivíduos. Além disso, é necessário criar
condições que fomentem a formação de princípios ético-sociais, promovendo um equilíbrio
entre a dimensão jurídico-sancionatória e a dimensão ético-pedagógica (Garutti; Oliveira,
2017).
Dentro das instituições totais, a presença de uma equipe que mantém contato direto
com os internos é notória. No caso em questão, essa função é desempenhada pelos agentes de
segurança socioeducativos. Para Goffman (1974) a equipe que mantém contato com os
internos é responsável por estabelecer as normas e regras que regulam o comportamento dos
internos em uma instituição total. Esses profissionais exercem um papel de controle e
vigilância sobre os internos, monitorando suas atividades, disciplinando comportamentos
considerados inadequados e promovendo a conformidade aos padrões estabelecidos pela
instituição.
Devido a essas características, os agentes de segurança socioeducativos assumem a
tarefa de disciplinar os internos, protegendo assim as equipes de alta direção, que são
percebidas pelos internos como aqueles que podem oferecer-lhes benevolência e clemência.
Entretanto, ressalte-se que os agentes também estão sujeitos às pressões e contradições da
instituição, podendo, em alguns casos, ser afetados pelo estigma e desvalorização social
associados aos internos (Goffman, 1974).
Os agentes de segurança socioeducativos, inclusos neste sistema, se colocam em uma
posição desafiadora vez que, conforme enuncia Lopes e Francisco (2020), estes espaços são
suscetíveis à violência, em certos momentos, criada e reproduzida, por parte dos próprios
atendidos pela instituição que reagem aos processos identificados como de “ressocialização”.
No entender de Goffman (1988) os membros de uma determinada categoria, como
seria o caso dos agentes de segurança, podem apoiar um padrão de julgamento que a eles não
se aplica, mas aos internos. O autor percebe aqui uma distinção entre cumprir a norma e
simplesmente apoiá-la. Nesse contexto, os agentes de segurança socioeducativos se veem
envolvidos em um intricado processo de normalização, pois também podem ser
institucionalizados. Como participantes ativos do sistema, eles são simultaneamente moldados
pelas estruturas institucionais e contribuem para a manutenção dessas mesmas estruturas
normalizadoras.

2.3.6 Contracondutas

A análise no item 2.2.4 evidenciou a manifestação de resistências como reação à


imposição do poder (normalizador), uma vez que, de acordo com a visão de Foucault (1999),
o poder é intrinsecamente relacional. Ele se desenha como uma complexa rede interligada,
onde as interações entre poder, saber e resistência se entrelaçam de maneira intricada.
Foucault (1987) argumenta que as formas de resistência podem se manifestar como
contracondutas, desafiando a autoridade do Estado e abrindo caminho para novas formas de
subjetivação e construção de “identidades políticas”. As contracondutas dentro do sistema
socioeducativo podem envolver estratégias mais organizadas e conscientes dos internos para
desafiar e questionar as estruturas de poder e os processos de normalização A resistência,
dessa forma, está intrinsecamente ligada às dinâmicas das relações de poder. E como
contraconduta, a resistência permite a criação de inauditas coexistências com as práticas
institucionais de poder (Villadsen, 2021; Baaz; Lilja, 2022).
A delinquência pode ser vista como uma resposta natural à exclusão institucional dos
jovens do mercado de trabalho, representando, de certa forma, uma forma de resistência social
aos processos de exclusão. Inicialmente, esses jovens podem buscar oportunidades
convencionais, porém, em uma sociedade marcada pela exclusão e com escassas alternativas
de inserção social, o envolvimento em atividades criminosas pode ser visto como um último
recurso para garantir a sobrevivência. Nesse contexto, a resistência à normalização imposta
pelas instituições através de contracondutas não difere substancialmente do que esses jovens
já enfrentam fora das unidades. Num certo sentido, a resistência emerge como uma reação
natural para eles, representando um reflexo da sua realidade (Yu; Gao; Atkinson-Sheppard,
2019).
No âmbito desse sistema, uma vez que as instituições frequentemente não conseguem
efetuar a normalização de maneira completa, as contracondutas se tornam um fenômeno
presente em tantos momentos no sistema socioeducacional. Em certa medida, essas ações
contraditórias desafiam as estruturas de poder localmente estabelecidas, podendo até provocar
negociações, subversões ou modificações nos dispositivos de controle, embora nem sempre
conduzam a uma ruptura substantiva (Villadsen, 2021). Dessa forma, as contracondutas
continuamente apresentam um desafio às organizações de poder, mas não necessariamente
resultam em uma mudança estrutural no sistema de poder como um todo.
No que diz respeito às rebeliões, Foucault (1999) destaca que elas não são uma lei
revolucionária pura, mas sim casos únicos e irregulares de resistência, que acontecem em
momentos e locais diversos. Essas resistências não indicam necessariamente grandes rupturas
ou descontinuidades, mas podem ocorrer de forma gradual e sutil (Baaz; Lilja, 2022). Elas
não são subprodutos do poder, inferiores ou subjugadas a ele, mas sim o outro lado da relação
de poder. Podem significar um transbordamento da revolta ante a vida no cárcere, mas sem
significar uma alteração efetiva nas relações de força institucionais. A contraconduta, como
manifestação desafiadora da norma estabelecida, também pode ser considerada como parte
integrante de atos de resistência vivenciados no campo da estratégia e não do enfrentamento
direto.
Foucault (1987) destaca as contracondutas sutis que ocorrem no cotidiano da prisão,
como a criação de redes de solidariedade entre os detentos, a prática de pequenos atos de
desobediência e a subversão da autoridade dos guardas por meio de piadas, ironias e/ou
pequenos insultos. Em todas as situações, as contracondutas surgem como uma expressão de
resistência às práticas normatizadoras e disciplinares impostas pelos sistemas de poder. Elas
revelam a capacidade dos indivíduos de agir e criar identidades, forjando novas "práticas de
si" e estabelecendo diferentes formas de interação, principalmente por meio de uma
resistência contínua à dominação (Ball, 2019).

2.3.7 Conceitos abordados

Na presente fundamentação teórica, foram discutidos diversos conceitos e estudos


relacionados ao tema em questão. A fim de sistematizar os conceitos previamente elaborados
nos itens anteriores, que abordam os processos de normalização de internos em uma unidade
socioeducativa, optou-se por apresentar o Quadro 3, o qual sintetiza de maneira concisa os
elementos normalizantes e os autores que exploram esse tema.

Quadro 3 - Quadro de Conceitos


Elementos Descrição de como acontecem Autores que referenciam
identificados nos
processos de
Normalização
Poder Disciplinar Exercício de poder institucional Goffman (1974); Foucault
sobre os internos (1987, 2008); Nunes e Assmann
(2000); Benelli (2004);
Candiotto (2012); Jimenez e
Frasseto (2015); Han (2021),
Villadsen (2021); Mesenger
(2022).
Práticas de sujeição Reduzir o sujeito à condição de um Goffman (1974); Foucault
interno infrator (em tantos (1987); Garutti e Oliveira
momentos sujeitado) dentro da (2017); Jimenez e Frasseto
instituição. (2015)
Vigilância constante Organização da instituição com Fraser (1981); Foucault (1987,
meios e técnicas para favorecer a 2008); Nunes e Assmann
vigilância e o controle (2000); Candiotto (2012);
ininterruptos. Machado, Neto e Dinu (2016);
Garutti e Oliveira (2017);
Beugnet (2022); Schliehe et al.
(2022).
Controle do espaço e Organização da unidade de forma a Foucault (1987); Nunes e
do tempo manter as rotinas dos internos Assmann (2000); Machado,
organizadas/controladas no tempo. Neto e Dinu (2016); Portschy
(2020); Nogueira (2021)
Sanção Sistema de pequenas recompensas e Foucault (1987); Benelli (2004);
normalizadora punições não exclusivamente Machado, Neto e Denu (2016);
normatizadas que recai sobre os Candiotto (2012); Goffman
sujeitos visando moldá-los. (1974)
Exame Junção da sanção com a vigilância Foucault (1987); Nunes e
que permite vigiar e punir corpos e Assmann (2000); Benelli
comportamentos. (2004); Candiotto (2012)
Ação pedagógica Atividades aplicadas aos internos Garutti e Oliveira (2017);
por parte dos colaboradores das Machado, Neto e Dinu (2016);
redes de ensino Kelly (2019), Armstrong (2020)
Estigmatização Entender o interno apenas sob a Goffman (1988); Garutti e
perspectiva dos rótulos/estigmas Oliveira (2017); Aguiar, Freitas
disseminados na instituição. e Ramos (2020)
Agentes de Comportamento normalizante ou Goffman (1974); Goffman
segurança efeitos de normalização presente (1988); Lopes e Francisco
socioeducativos nos agentes de segurança (2020).
socioeducativos.
Contracondutas Resposta dos internos, como Focault (1987, 1999); Ball
resistência aos processos de (2019); Yu, Gao e Atkinson-
normalização. Sheppard (2019), Villadsen
(2021), Baaz e Lilja (2022).
Fonte: Elaboração da autora (2023).

Considerando o exposto, verifica-se que diversos elementos têm potencial para


efetivar os processos de normalização em uma unidade socioeducativa. Alguns desses
elementos incluem a presença constante de vigilância, o controle do tempo e os
comportamentos dos indivíduos envolvidos no ambiente. Os efeitos normalizantes são
resultantes dos exercícios de poder, mas podem ser dissonantes em relação às resistências
vivenciadas cotidianamente no espaço institucional.
O Quadro 3, denominado “Quadro de Conceitos”, desenvolvido com base nos
conceitos apresentados nos itens anteriores, tem como objetivo orientar e fornecer uma base
para a coleta de dados. Entretanto, é importante salientar que novos elementos podem ser
incluídos à medida que a análise dos dados avança durante o estudo. Desse modo, a coleta de
dados será analisada nos termos dos parâmetros metodológicos descritos abaixo, e as análises
subsequentes serão guiadas pelos fundamentos teóricos ora apresentados.
60

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Ao examinar a evolução da igreja, Kauak, Manhães e Medeiros (2010) observam que


um líder religioso poderia enfrentar desafios em manter uma análise imparcial sobre questões
religiosas ou um dogma. Entretanto, um pesquisador pode se envolver em tópicos afins à sua
vivência profissional, desde que esteja ciente de sua realidade e evite influenciar
excessivamente a pesquisa com seus próprios valores. Nesse sentido, a presente pesquisadora
adotou uma abordagem científica, não dogmática. E mais, esse enfoque visou minimizar a
influência da pessoa do pesquisador, suas preferências e aspirações pessoais, buscando
contribuir com o conhecimento que serve como alicerce na construção de trajetórias benéficas
para a sociedade (Kauak; Manhães; Medeiros, 2010; Severino, 2013).
O presente capítulo tem como objetivo expor os aspectos metodológicos da pesquisa,
incluindo suas abordagens e limitações, em linha com a perspectiva de Kauak, Manhães e
Medeiros (2010). Inicialmente, o primeiro ponto abordou a delimitação do estudo,
abrangendo o delineamento do raciocínio, da abordagem, da estratégia, dos objetivos, do
horizonte temporal e do foco da pesquisa. Em seguida, detalhou-se o processo de coleta de
dados, que compreendeu tanto fontes primárias quanto secundárias, juntamente com as
técnicas selecionadas para essa finalidade. Finalmente, este capítulo culminará com a
exploração do procedimento de tratamento e análise dos dados, que visa oferecer uma visão
completa das etapas que foram seguidas no decorrer da pesquisa.

3.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA

Voltados para a maneira como os pesquisadores coletam os dados, Saunders, Lewis e


Thornhill (2019) descrevem a pesquisa (analogia) como uma cebola, um diagrama que
descreve as questões subjacentes à coleta de dados e procedimentos de análise. Com o
propósito de delimitar o tema em questão, inicia-se o "descasque" da cebola, para apresentar
sua estrutura, produzindo ao fim o design do citado legume.
O paradigma de pesquisa é uma abordagem filosófica que molda a perspectiva do
pesquisador em relação à natureza e ao mundo estudado. Nesse contexto, a presente pesquisa
adotou uma ontologia interpretativista como base, a qual ressalta a relevância das
interpretações subjetivas, construções sociais e contextos culturais na compreensão da
61

realidade. De modo geral, isso resulta em uma epistemologia em determinados aspectos


construtivista, que reconhece o conhecimento como uma construção ativa influenciada pelas
interações e reflexões individuais. Essa abordagem é respaldada por autores como Creswell e
Creswell (2018), Saunders, Lewis e Thornhill (2019) e Saccol (2009).
Segundo Severino (2013), o raciocínio pode ser categorizado principalmente como
dedutivo ou indutivo. No âmbito desta proposta, optou-se pela abordagem indutiva, que se
caracteriza pela inferência de uma afirmação mais universal a partir de dados e fatos
particulares apresentados como antecedentes. Através da observação de situações particulares,
buscou-se compreender como se desenrolam os processos de normalização dos internos no
CASE de São José (Prodanov; Freitas, 2013).
A análise foucaultiana dos discursos e práticas é mais útil em estudos qualitativos, por
examinar a legitimidade social, analisando como as pessoas interpretam seu mundo social ou
realidade (Khan; Maceachen; 2021). Ainda, a escolha pela pesquisa qualitativa está
relacionada aos objetivos do presente estudo, que utilizou em seus verbos: analisar, verificar,
identificar, pesquisar e discutir; assim como a pergunta de pesquisa, que veio a questionar
como se constituem os processos de normalização dos internos. Com base nestes verbos, e a
associação clara com aspectos filosóficos, a partir da hermenêutica do pesquisador, incluindo-
se comentários do pesquisador sobre seu papel ou sua reflexividade, se permitiu a realização
de estudos aprofundados em inúmeros tópicos (Kauak; Manhães; Medeiros, 2010; Yin, 2016;
Creswell; Creswell, 2018).
A abordagem qualitativa, para Creswell e Creswell (2018), deve trazer na etapa
metodológica as intenções da pesquisa, que estão ligadas às suas características. Yin (2016),
inclusive, apresenta as cinco características da pesquisa qualitativa e, para isso, elaborou-se o
Quadro 4 com estes elementos, para apresentar como o presente estudo atendeu a todos os
itens assinalados:

Quadro 4 - Características da Pesquisa Qualitativa


Características da pesquisa qualitativa Caso concreto
Estudar o significado da vida das pessoas O objetivo de Yin (2016) neste ponto é compreender as
interações sociais, os papéis cotidianos das pessoas, sem
interferências, sendo esta uma das propostas deste estudo,
entender os processos de normalização sem interferir nele.
Representar opiniões e perspectivas das Os participantes foram estudados em relação aos processos
pessoas de normalização, analisando, com base nas entrevistas, suas
compreensões sobre o tema.
62

Abranger condições contextuais Ao trabalhar os aspectos das pessoas inseridas no sistema


socioeducativo, foram abordadas as condições do contexto
em que estão inseridos.
Contribuir com revelações sobre conceitos Com base nos estudos, a compreensão desses processos faz
para explicar comportamento social humano parte da contribuição desse estudo, pensando-se um sistema
com seus processos.
Esforçar-se por várias fontes Na fase de Coleta de Dados, buscou-se entrevistas, imagens,
observação e outras fontes disponíveis para melhor análise.
Fonte: Elaboração da autora (2023), com base em Yin (2016).

Consistindo num estudo de caso único, limitado ao CASE de São José, escolheu-se
quanto à estratégia de pesquisa o estudo de caso, pois permitiu a construção de um
conhecimento amplo e detalhado. A complexidade dos vieses da normalização demonstrou
ser mais adequado o uso da estratégia de estudo de caso para trabalhar todos os seus múltiplos
aspectos, onde se investigou com maior precisão os processos de normalização, utilizando-se
o contexto, os vieses, os atores e a dinâmica estrutural (Gil, 2002; Prodanov; Freitas, 2013).
Yin (2018) pontua que o estudo de caso pode ser único ou múltiplo. Por se tratar de um único
objeto de pesquisa - o CASE de São José, classificou-se essa pesquisa como estudo de caso
único.
A pesquisa em questão teve como objetivo analisar as características de um grupo
específico, no caso, os internos de uma unidade socioeducativa. Para atender a esse objetivo, a
pesquisa foi do tipo descritiva, que buscou descrever os processos de normalização dos
internos, caracterizando-os e estabelecendo variáveis em relação a esses processos (Vergara,
2005; Kauak; Manhães; Medeiros, 2010).
Por questões de viabilidade e para fins de estudo, adotou-se a estratégia de corte
transversal. As técnicas empregadas, tais como o levantamento bibliográfico, as entrevistas e
a observação e análise das figuras investigadas, estão em conformidade com esse tipo de
abordagem (Gil, 2002; Prodanov; Freitas, 2013; Saunders; Lewis; Thornhill, 2019).

3.2. OBJETO DA PESQUISA

A escolha pelo presente estudo de caso abranger o Centro de Atendimento


Socioeducativo de São José se deu pela relação da autora com a unidade, que viabilizou o
contato com os atores envolvidos e a relevância desta unidade no cenário estadual. Severino
63

(2013) releva a importância de identificar os problemas de digam respeito à comunidade


próxima, o que justifica a escolha desta unidade em específico.
A autora possui vínculo com a unidade socioeducativa em questão desde o ano de
2018, tendo atuado nesse local como agente de segurança socioeducativo. Por essa razão,
possui amplo contato e observação tanto dos profissionais quanto dos internos, o que permite
maior e mais rápido acesso aos entrevistados.
Assim, a observação direta é uma das fontes de pesquisa utilizadas na presente
investigação, a qual foi facilitada em razão do contato da autora com o CASE de São José.
Ademais, o acesso aos possíveis entrevistados foi obtido por meio de canais profissionais, tais
como o contato pessoal no ambiente de trabalho, o que ampliou as possibilidades de coleta
das informações necessárias.
Ainda, a unidade em comento é uma das maiores do Estado de Santa Catarina,
possuindo, conforme dados solicitados e recebidos formalmente via SGP-E (Sistema de
Gestão de Processos Eletrônicos) ao Gabinete do Diretor do Departamento de Administração
Socioeducativa, atualizada no dia 21 de junho de 2022, capacidade de abrigar 70 (setenta)
internos no regime de internação definitiva, embora destas, 20 (vinte) vagas estejam, na data
do recebimento da informação, interditadas judicialmente. Ademais, a interdição demonstra
que o CASE de São José possui intervenção judicial, o que a torna objeto de preocupação por
parte do DEASE e, inclusive, do Governo de Santa Catarina.
De acordo com informações veiculadas no Jornal ND, pelo repórter Marciano (2014),
o CASE de São José, inaugurado no ano de 2014, em sua construção teve um investimento de
aproximadamente R$14milhões de reais, oriundos do governo federal e do Estado de Santa
Catarina, contando com alojamentos, quadra de esportes, ginásio coberto, ambiente para
oficinas, anfiteatro, centro de saúde, sala de informática e espaço para cultivo de horta, e,
além de um muro com cinco metros de altura, o centro conta com quatro guaritas e um espaço
separado para a administração e controle de entrada das visitas. O local conta com 8.400 m²
de área construída em um terreno de 24mil m². Para elucidar, segue imagem com a vista aérea
do local.
64

Imagem 1 - Vista aérea CASE de São José

Fonte: Marco Santiago/ND, (2014)4.

A unidade possui a capacidade de acomodar até 70 (setenta) adolescentes em regime


de internação, distribuídos em sete módulos. Há também um módulo extra destinado a casos
específicos de internos que necessitam ser segregados dos demais, seja devido a rivalidades,
questões de convivência ou o cometimento de delitos que suscitam repúdio entre os demais
residentes.
Cada módulo comporta até dez internos e está equipado com celas individuais que
dispõem de instalações sanitárias, pia e cama. Além disso, o local é equipado com um sistema
de monitoramento por câmeras e áreas onde os agentes de segurança socioeducativos
garantem a segurança das instalações. Para fornecer uma perspectiva visual mais concreta,
estão anexadas Imagens 2 e 3 do local em análise, retiradas de veículos de comunicação de
ampla circulação.

4 Disponível em: <https://ndmais.com.br/noticias/amparo-social/>. Acesso em 25 de ago de 2023.


65

Imagem 2 - Corredor de um dos módulos

Fonte: Colombo de Souza/ND (2017)5.

Imagem 3 - Alojamento de interno

Fonte: Rosane Lima/CN (2014)6.

Por estas razões, se justifica também a escolha metodológica de um caso único, vez
que se refere a um caso revelador que, para atingir a profundidade necessária da pesquisa,

5 Disponível em: https://ndmais.com.br/seguranca/justica-impede-funcionamento-do-case-de-sao-jose-por-falta-


de-servidores/. Acesso em 25 ago 2023.
6 Disponível em: https://ndmais.com.br/seguranca/case-inaugurado-por-etapas/. Acesso em 25 ago 2023.
66

precisou ser analisado da forma mais aprofundada possível. Ademais, utilizar outras unidades
prejudicaria a coleta de dados, vez que não se atingiria a profundidade necessária em razão da
complexidade nos processos estudados e o pouco tempo para realização do estudo num curso
de mestrado (Yin, 2018).

3.3 COLETA DE DADOS

Visto como um projeto de investigação, envolvendo uma análise aprofundada, os


estudos de caso são limitados pelo tempo e atividade, onde se colhem informações detalhadas,
usando uma variedade de procedimentos de coleta (Creswell; Creswell, 2018). Assim, para
este tópico de coleta os dados, dividir-se-ão em dados primários – entrevistas e observação
direta - e dados secundários - fundamentação teórica e documentos - para melhor elucidação e
organização do tema.

3.3.1 Dados primários

Dando grande importância à descrição verbal dos informantes, os dados primários são
uma importante fonte de levantamento de informações (Prodanov; Freitas, 2013). Dentro
deste meio, as entrevistas semiestruturadas foram utilizadas como uma das técnicas de
pesquisa. Saunders, Lewis e Thornhill (2019) as definem pelo uso de temas pré-determinados
e algumas perguntas-chave para orientar a entrevista.
As entrevistas foram aplicadas presencialmente, em conversação da autora com
agentes que exercem cargos de chefia, como gerentes, coordenadores e supervisores, assim
como psicólogos, assistentes sociais, professores e instrutores que trabalham dentro do CASE
de São José, com o total de doze pessoas entrevistadas, selecionadas por se tratarem de
pessoas-chave na tomada de decisões da unidade (amostra intencional) (Yin, 2018), além de
agentes de segurança socioeducativos que atuam na atividade-fim, para fins de uma análise
aprofundada. Nos cargos de liderança em geral, conforme estabelecido pelo Decreto nº
1778/2022, são ocupações que implicam responsabilidades que impactam o funcionamento da
unidade e os procedimentos de padronização (Santa Catarina, 2022). O corpo técnico foi
escolhido pela atribuição legal, ditada na Lei do SINASE, de elaboração do PIA (Plano
Individual do Adolescente) e, portanto, tiveram um olhar diferenciado em relação aos
67

internos, em contraponto aos agentes de segurança, cujas atribuições constam em regramento


próprio (Brasil, 2012; Santa Catarina, 2021).
Foi solicitada autorização para a gravação da entrevista, posteriormente transcrita.
Caso a gravação não fosse permitida, seria feita uma tomada de notas durante a entrevista,
entretanto, não foi necessário vez que todos os participantes autorizaram a gravação. Para
preservar a identidade dos participantes, devido às particularidades de suas atividades e cargos
ocupados, foram adotadas medidas de sigilo, tudo realizado com anuência e ciência dos
participantes conforme orientação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
O roteiro da entrevista foi baseado no quadro de conceitos apresentados no Quadro 5, que
teve como objetivo de questionar sobre os tópicos pertinentes à pesquisa, quais sejam:

Quadro 5 - Semiestrutura da entrevista


Principal
Processos objetivo
Tópicos de Perguntas Objetivo do tópico Referências bibliográficas
identificados específico a ser
atendido7
Goffman (1974); Foucault (1987, “a”
A hierarquia e a disciplina
A pergunta procurou 2008); Nunes e Assmann (2000);
são elementos que você
Poder entender se na unidade está Benelli (2004); Candiotto (2012);
valoriza na unidade, no
Disciplinar presente o uso de elementos Jimenez e Frasseto (2015); Han
comportamento dos
do poder disciplinar (2021), Villadsen (2021);
internos?
Mesenger (2022).
Goffman (1974); Foucault “b”
Práticas de
(1987); Garutti e Oliveira (2017);
Sujeição Como o sistema lida com a
O que se buscou foi Jimenez e Frasseto (2015)
individualidade, as
entender se os internos são Goffman (1988); Garutti e “b”
características pessoais dos
vistos individualmente. Oliveira (2017); Aguiar, Freitas e
Estigmatização internos?
Ramos (2020)

Fraser (1981); Foucault (1987, “a”


2008); Nunes e Assmann (2000);
A vigilância é um dos
Existem sistemas de Candiotto (2012); Machado, Neto
Vigilância elementos alertados por
vigilância na unidade? Como e Dinu (2016); Garutti e Oliveira
Constante Foucault (1987) na
ocorrem? (2017); Beugnet (2022); Schliehe
normalização
et al. (2022).

O controle do espaço e do Foucault (1987); Nunes e “a”


Como acontecem as rotinas
Controle do tempo é um dos Assmann (2000); Machado, Neto
da unidade? Elas são
espaço e do mecanismos disciplinares e Dinu (2016); Portschy (2020);
determinadas com
tempo presentes nos processos de Nogueira (2021)
antecedência?
normalização

7 Para fins de explicitação, são os objetivos específicos:


a) Verificar a presença e analisar como acontecem os processos de normalização das atividades dos
internos quando atendidos no sistema socioeducativo;
b) Constatar barreiras e facilitadores no sistema socioeducativo em relação aos processos de normalização;
c) Identificar a existência de contracondutas, por parte dos internos, como forma de resistência aos
processos de normalização;
d) Discutir alternativas aos processos institucionais de normalização.
68

Foucault (1987); Benelli (2004); “a”


Machado, Neto e Denu (2016);
Sanção Candiotto (2012); Goffman
Há algum sistema de
Normalizadora Para fins de verificar a (1974)
recompensas para internos
existência desses elementos
com bom comportamento?
no CASE de São José.
Se houver, quem o avalia? Foucault (1987); Nunes e “a”
Exame Assmann (2000); Benelli (2004);
Candiotto (2012)
Existem atividades Garutti e Oliveira (2017); “b”
realizadas com cunho Machado, Neto e Dinu (2016);
Ação Entender as atividades
pedagógico da unidade? Kelly (2019), Armstrong (2020)
Pedagógica aplicadas aos internos
Como elas ocorrem? Os
internos aderem a elas?
Os agentes cooperam com as Goffman (1974); Goffman “a”
propostas da unidade para os (1988); Lopes e Francisco (2020).
Agentes de Verificar a existência de
internos? Qual a sua
Segurança elementos normalizantes
interpretação da influência
Socioeducativos em relação aos agentes
que eles possuem sobre os
internos?
Você percebe alguma ação, Focault (1987, 1999); Ball “c”
por parte dos internos, Verificar a existência de (2019); Yu, Gao e Atkinson-
Contracondutas mesmo que singela, em contracondutas e como elas Sheppard (2019), Villadsen
resposta aos processos de se apresentam. (2021), Baaz e Lilja (2022).
ressocialização?
Você acredita que o sistema
molda os internos? Se a O objetivo foi analisar o
resposta for positiva, você entendimento do
Normalização acredita que os internos entrevistado em relação à Todos os anteriores “d”
replicam os comportamentos normalização como um
aprendidos posteriormente, todo
no seu convívio social?
O que você acredita que Proposta de um fechamento
Finalização possa mudar no sistema? da entrevista, com abertura “d”
Quais suas sugestões? de reflexão ao entrevistado.

Fonte: Elaboração da autora (2023).

As perguntas se deram em forma de conversação, e os entrevistados poderiam se


abster de responder, sendo orientados a, se assim quisessem, abandonar a entrevista a
qualquer momento, todavia, os entrevistados se mostraram participativos e responderam aos
questionamentos, embora houvesse uma hesitação inicial, que foi imediatamente resolvida
com breves esclarecimentos. A depender das respostas, novas perguntas poderiam ser
elaboradas no momento da entrevista, para abranger melhor os objetivos propostos,
assinalados no quadro, porém, não foi necessário. A previsão de duração de cada entrevista
foi prevista de 20 (vinte) minutos, e poderia se estender, a depender da aderência do
entrevistado ao tema, outrossim, não houve um aumento considerável do tempo de entrevista
em nenhum caso. As entrevistas foram aplicadas conforme disponibilidade dos entrevistados,
no final do segundo semestre de 2023.
Ainda, em razão da atividade profissional da autora, que laborou na unidade objeto do
presente estudo, e da coleta das entrevistas que foi realizada junto à unidade, outro meio de
coleta de dados aplicado foi a observação direta. Saunders, Lewis e Thornhill (2019) definem
69

a observação como uma abordagem qualitativa da pesquisa. Conforme leciona Yin (2018), as
observações diretas tratam os acontecimentos em tempo real e o contexto do evento, embora
dependam da reflexão do observador para a análise - por isso, ela foi tratada em triangulação
com as demais fontes de dados.

3.3.2 Dados Secundários

Definem-se os dados secundários como aqueles já disponíveis, que podem ser


acessados mediante pesquisa tanto bibliográfica quanto documental. Para tanto, outra
importante fonte de dados está disponível em sites oficiais do governo, tanto estadual quanto
federal. Yin (2016) afirma que na internet, em virtude do grande volume de informações
disponíveis, foi possível obter dados relevantes.
Desta maneira, foram coletados dados provenientes de diversas fontes, tais como os
sítios eletrônicos da Secretaria de Estado de Administração Prisional e Socioeducativa e do
Departamento de Administração Socioeducativa, notícias veiculadas em jornais de grande
circulação e imagens de acesso público.
As informações coletadas por meio de pesquisa online, juntamente com a base teórica
apresentada anteriormente, foram consideradas como fontes de dados secundárias no presente
estudo de caso. Após serem tratadas e analisadas adequadamente, essas fontes de dados foram
utilizadas como base para a compreensão dos processos de normalização que possam existir
no CASE de São José.
Ademais, em face do estudo de caso utilizar uma gama de informações coletadas
(Creswell; Creswell, 2018), em convergência de várias fontes de evidências (Yin, 2018)
abordadas neste tópico, esquematiza-se, através da Figura 5, o seguinte:
70

Figura 5 - Esquema coleta de dados

Fonte: Elaboração da autora (2023), com base em Yin (2018).

O esquema de coleta de dados adotado, nos termos da Figura 5, compreende


entrevistas semiestruturadas, análise documental, observação direta e fundamentação teórica,
oferecendo uma abordagem abrangente e multidimensional para a pesquisa. As entrevistas
permitiram uma compreensão aprofundada das percepções e experiências dos participantes,
adicionando uma dimensão qualitativa valiosa. A análise documental, por sua vez,
proporcionou uma visão histórica e contextual, enriquecendo a pesquisa com dados tangíveis
e evidências pré-existentes. A observação direta contribuiu para uma compreensão mais
holística do fenômeno estudado, permitindo a captura de nuances e comportamentos não
foram totalmente comunicados por meio de entrevistas ou documentos. Por fim, a
fundamentação teórica estabeleceu o alicerce conceitual da pesquisa, conectando os dados
coletados a teorias existentes e oferecendo uma estrutura interpretativa. Essa abordagem
integrada, ao combinar métodos qualitativos e elementos teóricos, proporcionou uma
compreensão mais completa e robusta do objeto de estudo (Yin, 2018).

3.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS

Após a coleta de dados, foi iniciado o tratamento dos mesmos através de uma análise
de conteúdo, com o intuito de identificar o que coadunaria com o tema em questão. A análise
foi realizada para atender aos objetivos da pesquisa e responder ao questionamento que a
71

referendou, qual seja, verificar como se dão os processos de normalização dos internos,
comparando dados e provas para se compreender ou rejeitar os seus pressupostos (Prodanov;
Freitas, 2013).
O desafio no tratamento e análise de dados em uma pesquisa qualitativa, ainda mais
relacionada a diversas fontes, diz respeito ao fato de serem derivados de palavras e imagens, e
serão associados a implicações analíticas particulares (Saunders; Lewis; Thornhill, 2019).
Destarte, para analisar os dados coletados, foi utilizado um ciclo de cinco fases, não lineares,
tal como explicitado na Figura 6 e por Yin (2016).

Figura 6 - Ciclo da Análise de Dados

Fonte: Elaboração da autora (2023) com base em Yin (2016).

Com base na Figura 6, foi realizada a análise dos dados coletados em momento
anterior. Primeiramente, foram organizados, e decompostos e recompostos conforme
necessidade. A interpretação foi realizada em diversos momentos, utilizando o material
coletado para criar a narrativa e, ao fim, extrair as conclusões a partir deste estudo (Yin,
2016).
72

Assevera-se que as entrevistas foram organizadas de acordo com os pressupostos já


trabalhados no Quadro de Conceitos apresentado (Quadro 3), e, portanto, estão melhor
categorizados que as demais fontes de dados. A respeito das entrevistas, embora as questões
principais já estejam separadas em itens, algumas falas dos entrevistados se comunicaram
com os temas dos outros itens e, portanto, foi necessário aplicar a decomposição e
recomposição dos dados, que fica mais explícito na parte da discussão de resultados. Em
relação às demais fontes, foram todas categorizadas conforme a Figura 6.
Outrossim, Yin (2016) ressalta que a triangulação consiste em buscar ao menos três
fontes que corroborem com determinado estudo, no presente caso, conforme visto, foram
utilizadas como fonte de dados entrevistas, fundamentação teórica, observação participante e
documentos. Conforme visto, há diversas fontes disponíveis para pesquisa e, portanto, se
tornou possível adotar essa prática. A estratégia de triangulação de dados no estudo de caso
atentou-se para a convergência de diversas fontes de evidências, para oferecer um excelente
grau de confiabilidade do estudo e visando à melhor interpretação do fenômeno (Prodanov;
Freitas, 2013).
Vergara (2005) sugere uma abordagem interpretativa em relação à triangulação, vista
como uma estratégia tanto para a validade do estudo quanto para a obtenção de novas
perspectivas. Yin (2018) entende que, no desenvolvimento das linhas convergentes de
investigação tornam as conclusões mais convincentes e acuradas, corroborando com a
pesquisa. Para elucidar a triangulação de dados, apresenta-se neste momento a Figura 7:

Figura 7 - Triangulação de dados

Fonte: Elaboração da autora (2023).

Conforme a Figura 7, a triangulação de dados foi realizada por meio da coleta de


informações de variadas fontes, tanto primárias quanto secundárias. O presente estudo de caso
utilizou todos os elementos coletados para corroborar com a resposta à pergunta de pesquisa.
73

A triangulação é um fator que reforça esse entendimento, vez que se utilizou todas as fontes
possíveis para encontrar os pontos de convergência (Yin, 2018).
Assim resta delimitada e explicitada a presente pesquisa, com as devidas escolhas
metodológicas que, de acordo com o esquema de Saunders, Lewis e Thornhill (2019) assim se
apresenta:

Figura 8 - Organização da delimitação do tema

Fonte: Elaboração da autora (2023), com base em Saunders, Lewis e Thornhill (2019).
74

Com essas considerações, conclui-se a exposição da metodologia empregada neste


estudo de caso, cujo propósito foi abordar a indagação acerca dos processos de normalização
dos internos do Centro de Atendimento Socioeducativo de São José. Adotando os critérios
delineados, essa busca esteve voltada para a obtenção da base mais sólida possível para
fundamentar as reflexões a partir dos dados levantados.
75

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A compreensão profunda dos processos de normalização no Centro de Atendimento


Socioeducativo de São José é fundamental para avaliar a eficácia das estratégias adotadas e
proporcionar visões significativas para aprimorar as práticas existentes. Este capítulo
apresenta e analisa os resultados da pesquisa, utilizando uma abordagem abrangente baseada
na triangulação de fontes.
Antes de adentrar nos resultados específicos, é importante compreender a abordagem
metodológica utilizada para coleta e análise de dados. A triangulação de fontes foi adotada
como estratégia fundamental, combinando diferentes métodos para obter uma compreensão
mais completa e confiável dos processos de normalização (Prodanov; Freitas, 2013). A
triangulação, que no presente caso incorporará entrevistas, observação direta, análise de
documentos e fundamentação teórica, oferece uma perspectiva holística sobre os processos
em estudo.

4.1. REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS

As entrevistas proporcionaram uma visão diferenciada das percepções dos


profissionais envolvidos nos processos de normalização. Foram realizadas entrevistas
semiestruturadas, seguindo os moldes apresentados no Quadro 5, com membros da equipe
multidisciplinar, gestores e outros profissionais diretamente envolvidos como os internos do
Centro de Atendimento Socioeducativo de São José entre os meses de dezembro de 2023 e
janeiro de 2024.
76

As entrevistas foram realizadas pela autora dentro das dependências do CASE de São
José e gravadas em aparelho eletrônico, que depois foram repassadas manualmente para
arquivo de formato escrito, para melhor análise e estudo. O tempo médio das entrevistas foi
de 20 (vinte) minutos, somando-se as explicações sobre o estudo e as orientações gerais,
assim como esclarecimentos a respeito da pesquisa e para sanar eventuais dúvidas dos
participantes. Foram realizadas ao todo com 12 (doze) profissionais que atuam no CASE de
São José, dentre eles, 04 (quatro) agentes de segurança socioeducativo que trabalham
diretamente com os adolescentes, 04 (quatro) com profissionais do corpo técnico e 04 (quatro)
agentes de segurança socioeducativo convocados para prestar serviços em cargos de gestão,
como supervisão, coordenação e direção da unidade.
Para melhor elucidação e tornar a leitura deste capítulo mais facilitada, cada
entrevistado foi nomeado da seguinte forma:

1. Área de segurança, que abarca os agentes de segurança socioeducativos que


atuam no exercício da função fim: Age01, Age02, Age03 e Age04;
2. Área técnica, que é composta pelos membros do corpo técnico, que abarcam
assistentes sociais, psicólogas, membros da equipe de saúde e instrutores:
Tec01, Tec02, Tec03 e Tec04;
3. Área administrativa, que atinge os agentes que exercem cargos de gestão:
Ges01, Ges02, Ges03 e Ges04.

A participação no estudo revelou-se moderada, uma vez que vários servidores


hesitaram em abordar questões relacionadas à unidade, receando possíveis represálias ou mal-
entendidos. No entanto, devido ao estabelecimento de uma relação de confiança com a autora
e a garantia de anonimato dos participantes, foi viável obter respostas francas e honestas em
relação às suas opiniões.

4.2. OBSERVAÇÃO DIRETA, ANÁLISE DE DOCUMENTOS E IMAGENS


77

A observação direta permitiu uma compreensão contextualizada das práticas diárias no


CASE de São José. A autora, que exerce a função de agente de segurança socioeducativo,
porém atualmente atua em função administrativa, teve acesso a todos os ambientes sem
restrição, e, entre os meses de dezembro de 2023 e janeiro de 2024 pôde observar, sob a ótica
da teoria apresentada, a rotina dos adolescentes de forma plena, inclusive quando estes
estavam em contato com os profissionais que laboram na unidade. A presença constante no
ambiente facilitou a identificação de padrões comportamentais, dinâmicas grupais e a
interação entre os internos e os profissionais.
A análise de documentos, incluindo notícias midiáticas, regramentos e políticas
internas complementou as informações obtidas por meio das entrevistas e observações. As
imagens coletadas em sites de domínio público, ademais, serviram para proporcionar uma
nova dimensão ao texto. A integração dessas teorias, utilizando-se o ciclo de análise de dados
proposto por Yin (2016) enriqueceu a análise, permitindo a comparação dos achados
empíricos com os princípios teóricos subjacentes.
O capítulo, ademais, apresentara os resultados obtidos a partir dessa abordagem de
triangulação, organizados de acordo com os objetivos específicos da pesquisa. Foi realizada a
triangulação entre os dados provenientes das entrevistas, observação direta, análise de
documentos e embasamento teórico, proporcionando uma visão abrangente dos processos de
normalização no contexto do CASE de São José.

4.3. OS ELEMENTOS IDENTIFICADOS DE NORMALIZAÇÃO

A análise dos elementos identificados na presente pesquisa representa um ponto


central para compreender, interpretar e contextualizar os dados coletados. Neste momento
examinar-se-á cada componente identificado, proporcionando uma visão aprofundada sobre
sua relevância, interconexões e implicações para os processos de normalização no CASE de
São José.
Ao longo da presente pesquisa, diversos elementos emergiram como peças-chave no
que diz respeito aos processos de normalização, sendo amparados principalmente pelos
escritos apresentados por Michel Foucault, e nesta dissertação já amplamente citados. Os
elementos identificados nos processos de normalização, já abordados na análise teórica e que
serão aqui revisitados, são relevantes na formação do ambiente socioeducativo.
78

A decisão de analisar cada elemento individualmente se fundamenta na necessidade de


capturar a complexidade e a singularidade de cada aspecto identificado. Esta abordagem
permite uma análise aprofundada, revelando nuances, interações e impactos específicos que
podem ser obscurecidos em análises mais amplas, caracterizando-se, assim, o estudo de caso
(Gil, 2002; Prodanov; Freitas, 2013 e Yin, 2018).
A metodologia adotada, com a triangulação de dados nos termos de Yin (2018), utiliza
os dados coletados por meio de entrevistas, observação direta e análise de documentos.
Ademais, a parte teórica, outrora estudada, também foi relembrada neste momento. Cada
elemento identificado é analisado considerando suas implicações nas práticas de normalização
e nas experiências dos internos.
Deste modo, a análise dos dados coletados é realizada de maneira a examinar
separadamente cada elemento identificado, para, ao final, apresentar-se as considerações
finais.

4.3.1 O poder disciplinar

O conceito de disciplina se manifesta em diferentes contextos institucionais. Enquanto


a disciplina de atividade é comum em organizações, foca-se aqui nas disciplinas de ser. Estas
disciplinas moldam o caráter do indivíduo e são fundamentadas na modelação do corpo,
permitindo o controle individualizado dentro da instituição (Goffman, 1974; Meseguer, 2022).
Em centros socioeducativos, vinculados à segurança, o poder disciplinar visa produzir corpos
que se conformem às normas sociais. Através da categorização e objetificação, os infratores
são submetidos a práticas disciplinares para moldá-los conforme os padrões estabelecidos
(Malcher; Deluchey, 2018).
Durante a coleta de dados, foram questionados os entrevistados se a hierarquia e a
disciplina são elementos que eles valorizam na unidade, no comportamento dos internos. A
análise das respostas das entrevistas revela uma convergência geral na valorização da
hierarquia e disciplina na unidade socioeducativa. Todos os entrevistados destacam a
importância desses elementos, a hierarquia e a disciplina, como fundamentais para manter a
ordem e promover o desenvolvimento eficaz das atividades socioeducativas.
79

Há uma percepção comum de que a hierarquia e a disciplina desempenham papéis


cruciais na normalização das atividades dos internos. As respostas sugerem que esses
elementos do poder disciplinar são considerados essenciais para estabelecer regras claras,
garantir o cumprimento das normas e promover um ambiente seguro. Ges01, por exemplo,
destaca a relevância da hierarquia e disciplina na manutenção de regras e convivência
harmoniosa na unidade, assim como foi dito por Ges02 e Age03, este último ainda acrescenta
que são “dois elementos que remetem à condição de respeito, limites, algo essencial para os
adolescentes e jovens que cumprem medida socioeducativa”.
Age01, de fato, concorda com a essencialidade da disciplina e hierarquia, apontando
que “sem disciplina não há segurança e consequentemente não se é possível exercer qualquer
outro trabalho em unidades de privação de liberdade”. Age02, de maneira semelhante, ressalta
a indispensabilidade desses elementos para o bom andamento da instituição e o
desenvolvimento das atividades socioeducativas, cita, também, que “Os internos precisam de
figuras que representem uma referência de “poder” e precisam obedecê-la para que as regras
sejam cumpridas e a disciplina esteja estabelecida”. Diante das considerações de Age02, é
pertinente observar que Machado (1979) afirmou que o poder é uma prática social, uma
perspectiva que se evidencia nas reflexões do entrevistado.
Um entrevistado, Tec01, destaca não apenas a importância da hierarquia e disciplina,
mas também a necessidade de uma abordagem menos rígida, favorecendo momentos de
convívio leve entre agentes, funcionários e internos. Cita que “a hora de conversar sério
existe, mas também há os momentos de descontração”. Essa perspectiva indicaria uma
possível flexibilidade na aplicação do poder disciplinar, na visão de um profissional que atua
na equipe técnica, composta por profissionais como assistentes sociais e psicólogos, além de
instrutores e membros da equipe de saúde. Todavia, conforme leciona Fraser (1981), o poder
se reformula conforme as circunstâncias e, neste caso, os ditos momentos de desconcentração
podem também ser vistos como oportunidades para exercer o poder sob os internos, mas de
forma mais sutil e mais voltadas para as particularidades da adolescência.
80

Outra resposta, vinda de Tec04, enfatiza o papel fundamental da hierarquia e


disciplina na preparação dos egressos para a reintegração na sociedade, sugerindo uma
continuidade desses elementos mesmo após a liberação. Tec02, outrossim, amplia a visão
sobre a hierarquia e a disciplina, ao destacar a importância de um ambiente seguro e ordenado
para todos os envolvidos. Tec03, ainda aponta que a hierarquia e disciplina são importantes
no desempenho das rotinas cotidianas.
Em resumo, as respostas apontam para a consciência compartilhada sobre a relevância
da hierarquia e disciplina na unidade socioeducativa, indicando que esses elementos do poder
disciplinar desempenham um papel crucial na normalização das atividades, na manutenção da
ordem e na promoção do desenvolvimento dos internos.
Observando as atividades da unidade, pode-se ver o uso da disciplina em diversos
momentos. Perfilados e utilizando uniformes azuis, fornecidos pela instituição, os internos
atendem às ordens dos agentes, engajando-se em uma variedade de atividades que abrangem
desde o processo educacional até a organização e limpeza de seus espaços individuais. Os
deslocamentos dentro da unidade são realizados em fila, com um agente em frente guiando os
internos, e os demais agentes ao lado e ao fim da fila de internos, para acompanhá-los em
todas as atividades.
Os procedimentos são organizados, e cada um dos atores tem conhecimento do seu
papel. Dentro da área de convívio de cada módulo, que na maior parte do tempo estão
presentes apenas os internos, várias vezes ao dia os agentes precisam se fazer presentes para
algum procedimento. Quando os agentes estão presentes nesta área, o interno deve aguardar
sentado a hora de ser chamado, com as mãos para trás e a cabeça baixa. Neste momento, o
agente realiza as orientações, seja em face de algum comportamento inapropriado, ou a
respeito da rotina do dia. Sendo chamado seu nome, o interno imediatamente se levanta e
segue as orientações do agente que o chamou.
Os agentes, ademais, buscam atingir em todos os momentos esse comportamento
ordenado, sempre mantendo postura de ordem, voz firme e corrigindo qualquer tipo de deslize
que o interno cometa durante os procedimentos. O uso da linguagem, tanto verbal quanto não
verbal, fica clara nesta interação.
81

As respostas obtidas, assim como as observações realizadas, indicam que a hierarquia


e disciplina são consideradas fundamentais para o bom funcionamento da unidade,
estabelecendo regras, e contribuindo para o desenvolvimento das atividades e o cumprimento
da medida socioeducativa. Além disso, destaca-se a ênfase na necessidade de representação
de "poder" como uma referência para os internos, sugerindo a aplicação do poder disciplinar
como parte integrante do sistema. Mas há, contudo, nas falas, a referência ao caráter limitador
das disciplinas.
A disciplina, outrossim, resulta na produção de sujeitos normalizados, submetidos a
dispositivos de sujeição que hierarquizam e controlam comportamentos (Raffnsoe;
Mennicken; Miller, 2019). Essa afirmação destaca a interseção entre o poder disciplinar e a
formação de identidades. A disciplina, nesse contexto, não é apenas um meio de punição, mas
um instrumento mais amplo de moldagem e controle. A noção de docilização por meio desses
dispositivos evidencia a busca por conformidade e obediência, contribuindo para a criação de
sujeitos alinhados às normas estabelecidas. A hierarquização e o controle comportamental,
como resultados desse processo disciplinar, demonstram a complexa relação entre poder,
vigilância e normalização na configuração desses sujeitos.

4.3.2 Práticas de sujeição e estigmatização

O processo de normalização, que envolve a classificação e estigmatização de atores


sociais, é central na regulação dos comportamentos dos jovens em instituições
(Krzyzanowski, 2020). Em âmbito nacional, todos os internos que adentram no sistema
socioeducativo, após a decisão judicial de internação por conta de lhe ser atribuída conduta
correspondente a um ato infracional, são cadastrados no Sistema de Informações sobre
Atendimento Socioeducativo. Neste banco de dados se faz constar informações sobre a vida
destes dentro do Sistema Socioeducativo, integrando todos os Estados do Brasil, sendo
obrigatório a cada unidade aderir e alimentar este sistema (BRASIL, 2012).
Para a coleta de entrevistas, os participantes foram questionados sobre como o sistema
lida com a individualidade, as características pessoais dos internos. Outrossim, a abordagem
do sistema socioeducativo em relação à individualidade (subjetividade) e características
pessoais dos internos reflete uma diversidade de perspectivas, como revelado pelas respostas
82

dos entrevistados. A análise dessas visões proporciona uma compreensão mais profunda dos
desafios e das práticas facilitadoras dentro desse contexto.
Ges01 aponta para a necessidade de uma análise mais aprofundada das
individualidades dos internos, especialmente quando o número de recolhidos não é
significativo em comparação com a expressiva presença do corpo técnico. Sua observação,
além de compreender o corpo técnico como o responsável pela individualização, destaca uma
possível lacuna na atenção dada às particularidades de cada indivíduo, sugerindo a
importância de uma análise mais detalhada nesse aspecto.
Age01 aponta que as individualidades e características pessoais podem ser trabalhadas
tanto nas atividades sociopedagógicas quanto no acompanhamento de saúde psicológica.
Tec03, da mesma forma, também leva a responsabilidade de trabalhar com a individualidade à
equipe técnica, ao afirmar que os membros da equipe técnica “são responsáveis pelos
atendimentos individuais, confeccionando os relatórios com as características de cada
interno”. Entretanto, ao se concentrar exclusivamente na equipe técnica a responsabilidade de
lidar com as individualidades, há o risco de limitar a compreensão e intervenção mais ampla.
A centralização pode resultar em uma visão restrita, carecendo da colaboração de outras
disciplinas e perspectivas, o que pode comprometer a abordagem holística necessária para
lidar efetivamente com as características individuais.
Age02, por sua vez, destaca que, “a individualidade na maioria das vezes não é um
fator considerado no sistema” e, embora em algumas situações as características individuais
sejam consideradas, a atenção dedicada a elas é inferior ao necessário. Age03, por outro lado,
destaca que a individualidade é respeitada, porém, “na medida que não afete a segurança,
saúde e bom andamento dos trabalhos na unidade – a exemplo do uniforme e corte de cabelo”.
Essa percepção destaca uma limitação em relação ao reconhecimento das individualidades.
Contrastando com essas visões, Tec01 entende que “no momento que conhecemos o
interno aprendemos a lidar com ele”. Tec02 enfatiza a importância de levar em consideração a
individualidade e características pessoais dos internos. Essas abordagens destacam uma busca
por visões personalizadas nos processos de ressocialização, reconhecendo a singularidade de
cada indivíduo.
Tec04, outrossim, reconhece a premissa central da valorização da individualidade dos
assistidos. No entanto, ressalta que “a personalização total pode ser difícil em um sistema com
restrições e normas padronizadas”. A abordagem mencionada procura se adaptar à
83

singularidade de cada assistido, ajustando-se às suas necessidades específicas dentro das


limitações impostas pelo ambiente socioeducativo.
Observa-se que, a imposição de uniformes e cortes de cabelo padronizados, como
asseverado também pelo Age03, suscita reflexões sobre a possível uniformização que pode
resultar na eliminação da expressão individual, contribuindo para dinâmicas de sujeição e
estigmatização. A exigência de determinados comportamentos, como a forma de caminhar e
se portar, é aplicada sob a justificativa de se manter a ordem.
Todavia, a tentativa de implementar abordagens personalizadas, conforme dito pela
equipe técnica durante as entrevistas, demonstra uma conscientização sobre a diversidade dos
indivíduos na unidade. Esta prática, ao adaptar abordagens de acordo com as necessidades
específicas de cada interno, busca mitigar a estigmatização associada a intervenções
uniformes próprias da instituição.
Em suma, as respostas dos entrevistados refletem uma variedade de posições sobre
como o sistema socioeducativo lida com a individualidade dos internos. A análise dessas
perspectivas destaca a complexidade e a importância de encontrar um equilíbrio entre a
necessidade de padronização para manter a ordem e a valorização da individualidade para
promover processos de ressocialização mais eficazes. As possíveis incongruências entre
padronização e valoração das subjetividades pouco aparecem nas entrevistas. A possibilidade
de estigmatização e seus efeitos não ganham relevo nas falas dos entrevistados.
Observa-se uma distinção clara entre os distintos atores que compõem cada grupo
dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo de São José. Além da distinção óbvia no
uso de uniformes, percebe-se que os modos de comportamento, a linguagem empregada e os
espaços designados para trabalho, refeições e lazer são nitidamente diferentes para cada
categoria. Enquanto os internos concentram suas atividades nos módulos e salas de atividades,
os agentes permanecem predominantemente nas áreas de segurança, e a equipe técnica,
juntamente com os gestores, ocupa a área administrativa. A linguagem dos internos,
caracterizada por gírias e, em algumas situações, até mesmo pelo uso de linguagem de sinais
para comunicação, mesmo em assuntos triviais como a troca de alimentos, constitui uma
manifestação distintiva. Opiniões discrepantes entre os grupos a respeito de condutas
contribuem para essa diferenciação. Em suma, os comportamentos são estigmatizados
internamente, e qualquer indivíduo que busca integração ao grupo acaba adotando
comportamentos semelhantes aos demais (Goffmann, 1988).
84

De acordo com o regramento que baseia o sistema socioeducativo catarinense, e que


abarca, também o CASE de São José, o torna-se fundamental promover abordagens mais
abrangentes para compreender a demanda de adolescentes em conflito com a lei,
considerando seus contextos sócio-históricos, a fim de viabilizar a alteração de suas trajetórias
de vida. A complexidade dos diversos elementos que compõem a identidade desses
adolescentes, como saúde, educação, profissionalização e convivência familiar e comunitária,
deve ser explorada para compreender o contexto em que estão inseridos. Isso exige uma
abordagem integrada, articulada, complementar e interdisciplinar (SANTA CATARINA,
2013).

4.3.3 Vigilância constante

O poder disciplinar, conforme leciona Foucault (1987), ao ser exercido mediante a


total e irrestrita visibilidade, como exemplificado no modelo do sistema panóptico, é
instrumentalizado para controlar os corpos dos internos. A implementação desse sistema de
vigilância constante, onde a presença do operador não é necessariamente física, mas
potencialmente onipresente, visa induzir os internos a internalizarem mecanismos de
autodisciplina. A mera possibilidade de serem observados a qualquer momento instiga os
sujeitos a regular seus próprios comportamentos, moldando-se às normas estabelecidas
(Benelli, 2004; Candiotto, 2012). Nesse contexto, o ambiente do Centro de Atendimento
Socioeducativo de São José, caracterizado por práticas disciplinares e mecanismos de
vigilância, incorpora elementos do panoptismo que transcendem a mera observação física,
contribuindo para a internalização da disciplina pelos internos.
Assim, foram questionados os participantes se existem sistemas de vigilância na
unidade e como eles ocorrem. Como destacado nas respostas, a presença de sistemas de
vigilância na unidade socioeducativa é um componente crucial. A análise dessas informações
revela a diversidade de abordagens implementadas para garantir a vigilância e, por extensão, a
segurança no ambiente socioeducativo.
Ges01 e Tec01 indicam a existência de monitoramento tanto presencial quanto
eletrônico. Este método abrange uma abordagem ampla, combinando a observação direta dos
agentes com o apoio de tecnologias de vigilância. Age02 oferece uma visão abrangente dos
sistemas de vigilância, incluindo vigilância humana contínua, vigilância terceirizada nos
85

acessos e muralhas, e videomonitoramento com cobertura abrangente “espalhadas por toda a


unidade, podendo ser feito o acompanhamento e gravação de tudo que acontece”. A
capacidade de acompanhar e gravar eventos em toda a unidade sugere um forte controle sobre
todas as atividades executadas.
Ges02 reforça a presença de sistemas de CFTV (Circuito Fechado de Televisão) para
monitorar todos os módulos, complementado por vigilantes terceirizados, que desempenham
funções cruciais nas entradas das unidades. Essa estratégia destaca a importância atribuída à
vigilância em diferentes áreas do complexo.
Ger04 destaca uma abordagem dual, onde agentes de segurança e vigilantes
desempenham papéis distintos. Os agentes realizam a vigilância interna, enquanto os
vigilantes se concentram na segurança externa, conforme dito, “estes, realizam a segurança
externa (muralha e acesso à unidade), aqueles realizam a vigilância interna, em contato direto
com os internos”. A diferenciação nas funções, bem como o porte de armas pelos vigilantes,
indica uma estratégia que combina vigilância com medidas de segurança mais robustas.
Para elucidar essa vigilância em diferentes áreas, note-se que a muralha que circunda a
unidade, oferecendo uma visão privilegiada de todo o espaço, e conta com acompanhamento
de vigilante, conforme imagem:

Imagem 4 - Visual da muralha


86

Fonte: Flávio Tin/ND (2014).8

Age04 destaca a vigilância constante realizada pelos agentes, tanto presencialmente


quanto por meio de sistemas de monitoramento. Isso ressalta a combinação de métodos
tradicionais com tecnologias avançadas para assegurar a supervisão contínua. Tal
entendimento também é reforçado por Age03, que cita ainda o uso de rádios HT por parte dos
agentes para um melhor desempenho do trabalho.
Age01, Tec03 e Tec04 enfatizam a presença de câmeras nos ambientes comuns. Essas
câmeras funcionam 24 (vinte e quatro) horas por dia, durante o ano todo, acompanhadas por
agentes, indicando que a vigilância é realizada por meio de uma combinação de tecnologia e
observação presencial dos agentes.
A vigilância na unidade assemelha-se ao panoptismo. Nos alojamentos, semelhantes a
celas, a visibilidade total controla sem violência, influenciando diretamente os
comportamentos (Benelli, 2004). Nas áreas de convívio e salas de aula, câmeras são
instaladas, sob monitoramento por agentes que, protegidos por um acrílico com película,
podem ou não estar presentes fisicamente. Adicionalmente, os internos não possuem controle
sobre as lâmpadas de luz, sendo manipuladas a partir dos postos de monitoramento dos
agentes.
Nesse contexto, o panoptismo, manifestando-se de forma visível e inverificável,
desempenha com eficácia sua função: os internos, na maior parte do tempo, permanecem
desconhecidos quanto ao momento e à identidade da observação, criando a percepção de uma
vigilância constante, mesmo na ausência de agentes observando nas monitorias ou atrás das
câmeras. Por meio desses mecanismos de vigilância, com base no que leciona Foucault
(1987), intensifica-se o controle sobre os internos, fortalecendo as estruturas de poder, mesmo
em situações em que a quantidade de agentes pode ser inferior ao contingente de internos .
Em resumo, indica-se que os sistemas de vigilância na unidade socioeducativa são
abrangentes, incorporando vigilância presencial, tecnologia de videomonitoramento e a
presença de vigilantes terceirizados. Essas estratégias visam garantir a segurança e,
consequentemente, contribuem para a normalização das atividades dos internos, embora a
presença de vigilância também demande uma análise crítica à luz das preocupações
levantadas por Foucault (1987) sobre os elementos de normalização. Cabe ressaltar que não
8 Disponível em: https://ndmais.com.br/noticias/inauguracao-de-novo-centro-para-jovens-infratores-em-sao-
jose-e-adiada-mais-uma-vez/. Acesso em 05 jan. 2024.
87

são indicados nas entrevistas o caráter contraditório da vigilância ininterrupta que pode
comprometer aspectos essenciais na ressocialização.

4.3.4 Controle do espaço e do tempo

Restringir os internos a espaços delimitados é, conforme destacado por Walker (2010),


um componente crucial para efetuar o controle sobre eles. Nesse contexto, as Normas
Complementares que orientam o sistema socioeducativo em Santa Catarina explicitam que os
ambientes das unidades devem ser integralmente adequados para a realização de todas as
atividades pelos internos, ao afirmar que:

A estrutura física deve ser orientada pela proposta socioeducativa da Unidade de


Atendimento, a fim de contemplar o desenvolvimento de todas as atividades
pedagógicas com segurança e qualidade. Desta forma, em unidades de internação e
internação provisória é esperado ambiente adequado para a realização de:
escolarização, oficinas profissionalizantes, visitas familiares, visitas íntimas,
atividades desportivas, dentre outras atividades. No espaço deve estar prevista a
construção de quadra poliesportiva coberta, campo de futebol, auditório e espaço
ecumênico. O setor administrativo deverá conter salas para os coordenadores, equipe
técnica, setor de saúde, cozinha, refeitório, depósito, banheiros, salas de
atendimento, lavanderia, almoxarifado e secretaria do adolescente. As instalações
sanitárias e elétricas devem ser constantemente revisadas primando pela conservação
da estrutura física da unidade. (SANTA CATARINA, 2013).

O CASE de São José, de fato, abriga todos esses locais dentro de seus limites, que são
utilizados pelos internos para uma variedade de atividades, como ginásio de esportes, salas de
aula, salas de oficina equipados com maquinários específicos, espaços destinados ao cultivo
de hortaliças, sala de atendimento à saúde, contendo inclusive com cadeira para tratamento
odontológico. Os prestadores de serviço, neste caso, que se deslocam até as dependências do
CASE de São José para realizar as atividades, como consultas e oficinas. Assim, elimina-se a
necessidade de recorrer a espaços externos à unidade nos processos de ressocialização.
Nos termos de Foucault (1987), a tecnologia política do corpo se manifesta em quatro
etapas distintas em instituições como unidades socioeducativas:
(a) Clausura: Este estágio não apenas delimita e separa os indivíduos do exterior, mas
também instaura processos de normalização que ocorrem independentemente do espaço
físico, conforme destacado por Foucault (1987).
88

(b) Controle do tempo e avaliação de atividade: Como mencionado por Portschy


(2020) e Nogueira (2021), essa etapa visa a maximizar a rapidez e eficácia das atividades,
controlando não apenas os resultados, mas também o processo.
(c) Exercícios: Conforme Foucault (1987), Nunes e Assmann (2000) e Candiotto
(2012), os exercícios servem para dividir e regular cada atividade corporal, moldando
comportamentos, movimentos e funções dos indivíduos.
(d) Efeito que torna cada corpo um elemento: Segundo Machado, Neto e Dinu (2016)
e Schliehe et al. (2022), esse estágio trata cada corpo como uma peça dentro de um complexo
sistema, organizando e distribuindo os indivíduos de acordo com as normas institucionais.
A análise das respostas dos entrevistados ao questionamento de como acontecem as
rotinas da unidade e se elas são determinadas com antecedência revela que as rotinas na
unidade socioeducativa são predominantemente determinadas previamente. Essa condição
visa a organização eficaz das atividades diárias e ao estabelecimento de uma estrutura que
contribua para a disciplina e controle, em consonância com os mecanismos disciplinares
destacados por Foucault (1987).
Ges01 descreve uma rotina prévia com horários específicos para diversas atividades,
como despertar, alimentação, banho e escolarização. Complementa que “as demais atividades
são repassadas conforme equipe pedagógica”, demonstrando um planejamento estruturado. O
pré-estabelecimento da rotina também é apontado pelo Age01, apontando os instrumentos
utilizados nesta previsão, quais sejam, os Procedimentos Padrão Operacionais (POPs) e o
Sistema de Informação Socioeducativo (SISE).
O Procedimento Operacional Padrão (POP) do CASE de São José é um documento
interno que fornece uma descrição minuciosa das etapas e instruções essenciais para a
execução de procedimentos específicos. Sua finalidade primordial é padronizar as práticas,
assegurando consistência e previsibilidade nas operações da instituição. O POP abrange uma
diversidade de situações, incluindo visitações, eventos excepcionais como motins ou
rebeliões, e o acompanhamento de internos em atividades rotineiras.
Já o SISE (Sistema de Informação Socioeducativo) é uma plataforma dedicada,
acessível de qualquer computador com conexão à internet mediante senha e usuário
previamente cadastrados. Essa ferramenta abrangente é empregada por todos os servidores do
sistema socioeducativo catarinense, consolidando informações cruciais para a rotina da
instituição, como agendamentos de atendimentos, oferta de cursos e registros de visitas.
89

Destaca-se a capacidade de contribuição por parte de todos os usuários, configurando-se como


uma fonte dinâmica e amplamente utilizada para consultas. Essa abordagem visa proporcionar
a todos os servidores um entendimento abrangente das atividades cotidianas de cada interno.
Seu acesso se inicia conforme imagem abaixo:

Imagem 5 - Tela inicial SISE

Fonte: Captura de tela (2024)9.

Tec01 menciona que as rotinas são repassadas aos internos no momento de sua entrada
na unidade, reforçando a importância da previsibilidade para os indivíduos recém-chegados.
Ges02 destaca a prévia ajustagem das rotinas com as coordenações pedagógicas e de
segurança, evidenciando um planejamento colaborativo para concluir o cronograma semanal.
Ges04 fornece uma visão detalhada das atividades programadas, destacando a variação
da rotina conforme os dias úteis, sábados, domingos e feriados. Reforça que “os internos
possuem um horário fixo de alimentação, e a liberação para o espaço de convívio, lazer e
solário ocorrem conforme a rotina do dia, considerando que eles possuem ao menos 2 horas
de solário”. Destaca a organização da equipe pedagógica e técnica para coordenar as aulas,
oficinas, atendimentos e visitas.
Age03 e Age04 concordam que a rotina é organizada com antecedência,
proporcionando previsibilidade e mantendo um ambiente controlado. Age03 ainda acrescenta
que o “planejamento de atividades através dos cronogramas, que são repassados com

9 Disponível em: http://sise.sap.sc.gov.br/sise/login.php. Acesso em 06 jan. 2024.


90

antecedência aos supervisores de plantão e assim, aos Agentes de Segurança do sistema


socioeducativo”.
Age02 confirma que, via de regra, as rotinas são pré-programadas, abrangendo
atendimentos técnicos e de saúde, atividades pedagógicas, recreativas, religiosas e de
profissionalização. Destaca, no entanto, que “existem situações que são necessárias alterações
nas rotinas ou exceções de acordo com as necessidades.”. Tec03 e Tec04, no mesmo ponto,
reconhecem que as atividades são planejadas com antecedência, mas reconhecem a
flexibilidade para ajustes conforme necessidades emergentes.
Os internos participam de diversas atividades extracurriculares no CASE de São José,
as quais seguem um cronograma preestabelecido. O Sistema de Informação Socioeducativo
(SISE), acessado diariamente pelo agente responsável pelas atividades de cada módulo,
registra todas as oficinas, palestras e eventos planejados para cada interno ao longo do dia.
Essas informações incluem horários de início e término, bem como o local dentro da unidade
onde ocorrerão, salvo exceções. Em geral, observa-se que as atividades são cumpridas
conforme programado. No entanto, caso surjam conflitos de horários ou se um interno estiver
agitado a ponto de comprometer sua participação, o agente, ao julgar que não é seguro, pode
resolver a situação em conjunto com o Supervisor de Plantão do dia. Este supervisor entra em
contato com os setores responsáveis pelos agendamentos para mediar eventuais alterações
necessárias.
Uma dessas atividades consiste no cultivo de hortaliças, conforme ilustrado na
imagem a seguir:
Imagem 6 - Atividade extracurricular
91

Fonte: Divulgação SAP (2022)10.

Além disso, os internos participam de outras atividades, como a oficina de marcenaria,


conforme evidenciado na imagem:

Imagem 7 - Oficina de marcenaria

Fonte: Divulgação SAP (2023)11

10 Disponível em: https://www.sap.sc.gov.br/index.php/noticias/todas-as-noticias/9550-socioeducandos-do-


case-sao-jose-doam-producao-de-hidroponicos-para-escola-municipal. Acesso em 06 jan. 2024.
11 Disponível em: https://www.dease.sc.gov.br/noticias/964-case-regional-de-sao-jose-promove-acao-solidaria-
de-natal. Acesso em 07 jan. 2024.
92

Em resumo, a antecipação das rotinas é considerada uma prática essencial na unidade


socioeducativa, conforme destacado por Portschy (2020). Essa abordagem proporciona
previsibilidade, organização e controle, elementos fundamentais para os processos de
normalização e disciplina, especialmente no que diz respeito ao gerenciamento do tempo dos
internos.
Note-se que a elaboração do cronograma de atividades deve garantir, no mínimo, a
inclusão das práticas preconizadas pelo artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente
(BRASIL, 1990). Tais práticas englobam não apenas a escolarização, mas também abrangem
oficinas pedagógicas e profissionalizantes, atividades culturais, esportivas e de lazer, bem
como atividades religiosas e espirituais. Além disso, são contempladas atividades voltadas
para o autocuidado, a preservação ambiental, as refeições, atendimentos psicossociais e
cuidados de saúde, conforme as oficinas anteriormente explicitadas. Conforme os
entrevistados, percebe-se o caráter positivo das rotinas. Na verdade, a ação nociva habita no
seu excesso que compromete dimensões importantes da subjetividade do interno.

4.3.5 Sanção normalizadora e exame

O sistema criminal-punitivo desempenha um papel crucial na normalização, utilizando


punições e recompensas como táticas políticas (Crawford, 2022). A sanção normalizadora
utiliza pequenas correções e recompensas para disciplinar o comportamento. Funciona como
um sistema penal produtivo, utilizando normas culturais internalizadas (Goffman, 1974;
Foucault, 1987; Candiotto, 2012).
Questionados sobre a existência de algum sistema de recompensas para os internos
com bom comportamento e, havendo, quem o avalia, as respostas dos entrevistados no
contexto do CASE de São José revelam uma perspectiva compartilhada sobre a existência de
sistemas de recompensas para internos com bom comportamento.
Neste contexto, Age02 destaca a presença de um sistema de progressão, embora
Age01 reconheça que este sistema não é pré-definido, onde os internos avançam de módulo
com base em seu comportamento, e a avaliação é conduzida pelos agentes de segurança e pela
gestão da unidade, acrescenta ainda que “módulos para internos com melhor comportamento
geralmente tem um número maior de atividades a serem realizadas”, mesma questão
apresentada por Age01, demonstrando os benefícios relacionados ao bom comportamento.
93

Ges03 reforça a existência de um sistema de progressão de módulo, com a avaliação a


cargo do setor de segurança. Age04 aponta que “a avaliação é feita pelos próprios agentes e
repassadas ao coordenador de segurança, que irá avaliar se existe ou não a possibilidade de
progressão”. Essa avalição, todavia, acaba por compreender os internos como objetos de
observação e qualificação (Benelli, 2004). Tec03, ainda, explica como são organizados os
módulos:

Nos módulos da ala A (01,02,03,04) estão os internos de bom comportamento (e


precisam manter o bom comportamento para não regredir). Tem no convívio TV,
rádio. Os adolescentes da Ala B, precisam conquistar esses benefícios. As avaliações
dos internos são feitas, principalmente, pelos agesegs que atuam nos módulos.

Esse sistema de recompensas, instituído pela organização, embora não formalmente


normatizado, vincula o comportamento do interno à sua inserção em diferentes módulos. Tal
abordagem, notada por Foucault (1987), submete os indivíduos a um modelo que favorece um
comportamento considerado mais adequado, proporcionando maior acesso a diversas
atividades, o que inclui oportunidades de profissionalização. Aqueles que não atendem aos
critérios de comportamento considerado "bom" pelos agentes são destinados a permanecer em
locais que oferecem menos oportunidades de profissionalização, ou mesmo em ambientes que
limitam as possibilidades de distração durante o período de confinamento. Essa dinâmica
evidencia a interseção entre o controle disciplinar e a estruturação de oportunidades,
influenciando diretamente a vivência dos internos no ambiente socioeducativo.
Tec02, em contraponto, menciona a presença de sistemas de recompensas e a
avaliação realizada por uma equipe multidisciplinar, incluindo psicólogos e educadores, e não
apenas os agentes. Além disso, Ges04 destaca que “após relatório dos agentes e da equipe
técnica o interno pode evoluir de módulo, com mais benefícios, além de ter muito mais
chances de ser liberado na sua avaliação de medida”. Tec04 contribui para a compreensão,
mencionando uma equipe multidisciplinar responsável pela avaliação do progresso do interno
e pela oportunidade de avançar para módulos subsequentes.
Para complementar, Age03 menciona que há um sistema de progressão em que uma
equipe multidisciplinar avalia o comportamento dos internos, decidindo se os socioeducandos
devem avançar para os módulos que oferecem benefícios como, também citados pelo Tec03,
94

acesso a rádio, televisão, pen drive com músicas e filmes, além da participação em atividades
extras, entre outras vantagens.
Ao analisar as respostas das entrevistas no contexto dos processos de normalização no
CASE de São José, é possível identificar uma tendência para a utilização de sistemas de
recompensas e punições como ferramentas centrais na gestão do comportamento dos internos.
A ênfase na progressão de módulo como um sistema de recompensa pode ser interpretada
como uma forma de normalização baseada em conformidade com as normas preestabelecidas
pela instituição.
A divergência nas respostas sobre quem realiza as avaliações, se é o setor de
segurança ou uma avaliação multidisciplinar, adiciona uma camada de complexidade à
compreensão dos processos de normalização no CASE de São José. A falta de consenso entre
os entrevistados sobre quem realiza as avaliações destaca a necessidade de uma definição
clara e transparente desses processos no contexto da instituição. Essa falta de consenso é
percebida na fase de observação, vez que as alterações de módulos são realizadas sem
critérios muito bem delineados pela gestão.
Contudo, com base na literatura, fica evidente que o sistema de recompensas pode ser
ambíguo nas suas positividades/produtividades: podem gerar algum nível de capacitação e
organização ou anulação, conformidade e sujeição.
O sistema de recompensas para o bom comportamento dos internos está explícito nas
Normas Complementares que norteiam o sistema socioeducativo, onde consta que a estrutura
física nos Centros de Atendimento Socioeducativo (CASEs) deve ser projetada para acomodar
as transições de fases da medida socioeducativa, alinhadas ao desenvolvimento do
adolescente. Essas transições devem ser realizadas por meio de mudanças de ambientes,
sendo que a avaliação do progresso será fundamentada no acompanhamento das metas
estabelecidas e acordadas no Plano Individual de Atendimento (PIA) (SANTA CATARINA,
2013).
Este PIA é de fato um exame, desta vez normatizado, do interno quando em
cumprimento de medida, vez que este, elaborado pela equipe técnica, avalia o
desenvolvimento pessoal e social desse (SANTA CATARINA, 2013). Ges02 destacou a
vinculação do sistema de recompensa à elaboração do PIA, ao citar que “o sistema de
recompensa seja com a própria elaboração do PIA (Plano Individual de Atendimento), que
95

cuida justamente de anotar o crescimento e o desenvolvimento ou não no cumprimento da


medida de cada adolescente”.
Ainda, o acesso dos internos a cursos profissionalizantes (Imagens 6 e 7) está sujeito à
avaliação do setor pedagógico, com base em critérios elaborados pelo setor, conforme consta
nas Normas Complementares, diferente do alegado pela maioria dos participantes da
entrevista, que alegam ser a avaliação realizada pelos próprios agentes. Essas atividades
devem ser viabilizadas por meio de parcerias com a Secretaria Estadual de Assistência Social,
Trabalho e Habitação, além de outros órgãos governamentais e empresas privadas. Tal
colaboração proporciona oficinas profissionalizantes conduzidas por instrutores devidamente
contratados e capacitados. Esses cursos, com certificação reconhecida, devem estar alinhados
ao Plano Individual de Atendimento e às aspirações dos adolescentes (SANTA CATARINA,
2013).

4.3.6 Ação pedagógica

O Centro de Atendimento Socioeducativo de São José está estruturado com


profissionais devidamente habilitados no âmbito pedagógico, incumbidos de prover suporte às
demandas atinentes ao planejamento, coordenação e execução de ações concernentes às
atividades escolares e pedagógicas. Possui, ademais, uma coordenação pedagógica específica
para este fim.
Destaca-se, neste contexto, a celebração do Termo de Cooperação Técnica nº
2018/TN1692, firmado em colaboração com a Secretaria Estadual de Educação e a Secretaria
de Estado da Justiça e Cidadania, que atualmente é denominada Secretaria de Estado de
Administração Prisional e Socioeducativa, com a intervenção do Departamento de
Administração Socioeducativa (Dease). Este instrumento tem como escopo principal a
viabilização da implementação e manutenção da Educação Básica, abarcando os níveis
fundamental e médio, nas Unidades Socioeducativas do Estado.
Foi perguntado aos participantes se existem atividades realizadas com cunho
pedagógico da unidade, como elas ocorrem e se internos aderem a elas. A esse respeito, as
respostas dos entrevistados proporcionam uma visão abrangente das atividades pedagógicas
na unidade socioeducativa. Ges01 sublinha a presença da escolarização, um componente
essencial, e que “demais atividades decorrem do perfil e adesão dos internos”. Essas
96

atividades, de acordo com Age01, podem ser, entre outras, literatura, palestras educacionais,
jardinagem, palestras religiosas e olericultura.
Age02, ao ressaltar a elaboração centralizada dessas atividades aos setores técnicos e
pedagógicos, destacando que “internos aderem as atividades que são obrigatórias e que sabem
que vão trazer algum tipo de retorno a eles ou que a não realização pode acarretar algum tipo
de prejuízo”. Questionado sobre o tipo de prejuízo que poderia causar, citou que seria a
possibilidade da exclusão em outras atividades a que esteja integrado, em face da não adesão
do interno ao sistema proposto. Neste ponto, já se percebe a presença também do sistema de
recompensas percebido na discussão do ponto 4.3.5, que trata da sanção normalizadora e do
exame.
Quando questionado, Age03 informou que dentro do contexto socioeducativo, são
oferecidas diversas atividades de cunho pedagógico, sendo a escola, como um direito
fundamental, a principal delas. Além disso, na biblioteca, os internos participam de leituras,
elaboração de fichamentos e seleção de filmes que abordam questões do cotidiano.
Adicionalmente, há visitas de entidades voltadas à espiritualidade, muitas vezes conduzidas
por pastores. A maioria dos internos demonstra adesão a essas atividades, possivelmente
impulsionada pela preferência em sair dos módulos.
Tec01 destaca a diversidade das atividades, como escolarização, oficinas
profissionalizantes, voluntários e parcerias com o SENAC. Ges04 destaca a adaptação das
atividades conforme o perfil do interno, e, também, a diferenciação entre oficinas para
diferentes comportamentos, alegando que oficinas onde o interno possui acesso a ferramentas
é reservada àqueles com melhor comportamento, como é o caso da marcenaria.
A lógica da incompletude institucional, um princípio da Lei do Sinase, busca
desinstitucionalizar o sujeito, promovendo a inter-relação entre órgãos das políticas públicas,
como é o caso da parceria com o SENAC citada (Brasil, 2012; Garutti; Oliveira, 2017). No
entanto, as instituições parceiras no sistema socioeducativo muitas vezes seguem uma lógica
normalizadora, distante do ideal proposto, relacionando-se à padronização do modo de
produção industrial (Machado; Neto; Dinu, 2016; Kelly, 2019).
Tec02 e Tec04, outrossim, ressaltam que a adesão varia, porém, se percebe uma busca
por tornar as atividades interessantes aos internos. Tec03, ainda, reforça que as atividades são
rotineiras e que grande parte dos internos aderem, sem causar transtornos e complementa que
97

as atividades são uma maneira de “os adolescentes perceberem que toda atividade é necessária
e benéfica a todos”.
Sobre as atividades escolares, Age04 informa que “todos os internos devem ter aulas
todos os dias, exceto nos finais de semana, conforme seus respectivos níveis de escolaridade”.
Ao citar o dever de participar da escolarização, se percebe que não há como precisar sobre a
adesão dos internos às atividades pedagógicas, visto que a escolarização se apresenta como
uma obrigatoriedade dentro da unidade. Nota-se, ainda, que as aulas são realizadas
normalmente, através de escola regular, conforme imagem:

Imagem 8 - Escolarização

Fonte: Eduardo Valente/ND (2015)12.

Ao observar as rotinas da unidade, é possível verificar que, efetivamente, a


escolarização acontece diariamente, com professores de ensino regular. Há salas de aula
destinadas tanto à alfabetização quanto àqueles que já estão finalizando o ensino regular. Os
internos estão devidamente matriculados, e no seu histórico escolar consta registrada escola
pública regular, sem mencionar que as aulas ocorreram dentro de um Centro Socioeducativo.
Os internos efetivamente participam das aulas, e, como as aulas são em turmas de tamanho
reduzido, de no máximo 06 (seis) estudantes, a comunicação entre aluno e professor é
próxima. Vale ressaltar que os agentes não entram nas salas de aula, argumentando que, nesse

12 Disponível em: https://ndmais.com.br/seguranca/santa-catarina-tem-627-jovens-infratores-na-fila-para-


cumprir-medidas-socioeducativas/. Acesso em 05 jan. 2024.
98

ambiente, os adolescentes são considerados alunos e não internos, estabelecendo assim uma
sutil distinção em relação à realidade do encarceramento. No entanto, é importante notar a
presença de câmeras, grades e portas trancadas.
Ressalte-se que atuação pedagógica no contexto socioeducativo desempenha um papel
crucial no processo de normalização, influenciando diretamente a percepção dos internos
sobre as amplas condições de confinamento. Este aspecto é destacado por Machado, Neto e
Dinu (2016) e Armstrong (2020), que ressaltam como a prática pedagógica contribui para
ocultar, de certa forma, as complexidades do ambiente confinado. Ao fazê-lo, ela perpetua
uma dinâmica de domínio e obediência, essencial para a manutenção da ordem na instituição.
Nesse sentido, as estratégias pedagógicas adotadas não apenas moldam a experiência
educacional dos internos, mas também desempenham um papel na construção da dinâmica de
poder que permeia o sistema socioeducativo. Por fim, a pedagogia pode influenciar
capacitação e reflexão ou diversamente, os efeitos mais nocivos da normalização, como a
sujeição física e psicológica.

4.3.7 Agentes de segurança socioeducativos

Nas instituições totais, a exemplo das socioeducativas, os agentes de segurança


socioeducativos desempenham um papel fundamental na imposição de normas,
disciplinamento de comportamentos e monitoramento das atividades dos internos. Esses
profissionais enfrentam uma série de desafios, sujeitos a pressões e contradições inerentes ao
ambiente socioeducativo. Além disso, estão susceptíveis a serem impactados pelo estigma
associado aos internos, uma vez que a natureza do trabalho envolve a gestão e controle de
indivíduos em processo de ressocialização, o que pode influenciar sua percepção e interação
com os jovens sob sua supervisão (Goffman, 1974).
A colaboração dos agentes com as propostas da unidade no Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) de São José revela-se como um elemento crucial para o
funcionamento eficaz das atividades destinadas aos internos. Assim, questionando-se os
participantes se os agentes cooperam com as propostas da unidade para os internos e qual
interpretação dos entrevistados da influência que os agentes possuem sobre os internos, foi
compreendido que os agentes desempenham um papel multifacetado, indo além de meros
executores de tarefas de segurança, conforme apontado por Age02, ao citar que “agentes
99

exercem influência sobre os internos, uma vez que são o papel de referência de autoridade
dentro da unidade”.
A colaboração dos agentes abrange desde a facilitação de deslocamentos até a
promoção de atividades, como destacado por Tec01. Uma atuação mais próxima, que
transcende as barreiras tradicionais entre segurança e socioeducação, resulta em relações mais
amenas e respeitosas, atenuando possíveis tensões. Tensões estas que podem ser alimentadas
pelas estigmatizações.
Ges03 ressalta que a influência dos agentes se manifesta principalmente na correção e
cobrança de disciplina, resguardando os direitos dos internos. Esse equilíbrio delicado entre
manter a ordem e garantir os direitos individuais representa de fato um desafio constante.
Assim, a colaboração dos agentes emerge não apenas como uma questão operacional, mas
como um fator crucial para moldar o ambiente socioeducativo, influenciando diretamente a
dinâmica de poder, as relações interpessoais e, por conseguinte, os processos de normalização
dentro da instituição.
Age03, complementa dizendo que os agentes cumprem suas atribuições, trazendo aos
internos as propostas da unidade. No entanto, algumas exceções surgem devido a
comportamentos disruptivos dos internos, causando transtornos, seja por indisciplina ou por
questões psicológicas, como doenças mentais. Finaliza informando que “a abordagem e
postura do profissional faz muita diferença na forma como o interno recebe os comandos para
realização de atividades”.
Todavia, a percepção sobre o papel e influência dos agentes no Centro de
Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José revela divergências significativas entre os
entrevistados. Enquanto Tec03 e Age02 destacam a influência sutil e inerente dos agentes
como referências de autoridade, Ges04, que entende que a função dos agentes é basicamente
realizar o deslocamento dos internos, e, conforme Age01, não há influência dos agentes sobre
os internos. Age04, neste mesmo ponto, cita que “a obrigação do agente de segurança
socioeducativo é manter a ordem e a segurança na unidade, fazendo o cronograma da unidade
funcionar da forma mais segura possível e sem erros”. Tais compreensões distanciam o
interno do agente.
Ao realizar uma análise das dinâmicas observadas na referida unidade, torna-se
patente a diversidade nas interações entre os agentes de segurança socioeducativos e os
internos. Nesse contexto, embora predomine a opção de distanciamento adotada pela maioria
100

dos servidores em relação aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa,


justificada pela necessidade de hierarquia e disciplina, nota-se a emergência de relações mais
próximas, nas quais alguns agentes estabelecem vínculos que transcendem as fronteiras
institucionais, abordando temáticas alheias ao ambiente da unidade. Contudo, é relevante
assinalar que tais relações, especialmente quando caracterizadas por uma maior proximidade,
suscitam avaliações desfavoráveis por parte de outros agentes, que interpretam tais interações
como demonstrações de fragilidade por parte daqueles que as estabelecem.
Essa percepção negativa entre os pares revela dinâmicas complexas de poder e
estigmatização dentro do contexto socioeducativo. Os agentes, enquanto participantes ativos
desse contexto, desempenham um papel na dinâmica de normalização, sendo moldados pelas
estruturas institucionais e, simultaneamente, contribuindo para a sua manutenção, conforme
abordado por Goffman (1988). No limite, os agentes normalizam e são, ao mesmo tempo,
normalizados. Além disso, contribuem para os efeitos (positividades) mais positivos
normalização, ao mesmo tempo que são peças-chave para os processos de sujeição.
Ponto importante apontado por Tec03, ademais, é que alguns agentes fornecem
resistência às propostas da unidade, e realizam questionamentos a esse respeito. Essa
resistência evidencia a complexidade das relações de poder e a interação entre os agentes e a
administração, e não só os internos. A abordagem de questionamento por parte desses agentes
sugere a existência de vozes críticas e reflexivas no contexto institucional, indicando a
necessidade de considerar diversas perspectivas e a dinâmica das relações de poder na
implementação de propostas e práticas dentro da unidade.
Ao analisar as relações presentes no CASE de São José, observa-se que os agentes,
por vezes, questionam os procedimentos estabelecidos, resistindo às diretrizes impostas pela
gestão, chegando até mesmo a deixar de cumprir determinadas ordens. A questão do uso dos
uniformes por parte dos servidores é um exemplo, sendo necessário um esforço contínuo para
garantir sua utilização por todos. A existência, ademais, de uma Corregedoria instaurada e
encarregada de apurar e tratar infrações funcionais cometidas pelos servidores destaca a
necessidade de monitoramento e regulação interna.
Essas distintas perspectivas refletem uma complexidade intrínseca à atuação dos
agentes socioeducativos, destacando uma aparente dicotomia entre as funções práticas de
segurança e a influência subjetiva na dinâmica socioeducativa. Enquanto alguns entrevistados
enfatizam o papel desses profissionais como elementos de disciplina e segurança, outros
101

reconhecem nuances na relação entre agentes e internos, sublinhando a importância das


interações interpessoais e da construção de um ambiente mais harmonioso.

4.3.8 Contracondutas

As contracondutas desafiam localmente as estruturas de poder no sistema


socioeducacional, podendo provocar negociações, subversões, mas nem sempre levam a
mudanças estruturais significativas (Villadsen, 2021). Enquanto expressão desafiadora das
normas estabelecidas, as contracondutas compõem uma faceta essencial dos atos de
resistência, adotando frequentemente uma abordagem estratégica, nem sempre caracterizada
pelo confronto direto (Baaz; Lilja, 2022).
Um exemplo recorrente de desafio enfrentado pelo Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) de São José emerge em situações impactantes, como ataques armados
à unidade. Nestas circunstâncias, os suspeitos muitas vezes são identificados como ex-
internos, reagindo de maneira hostil aos processos socieducativos nos quais estiveram
envolvidos, conforme amplamente divulgado pela mídia, ilustrado na imagem a seguir:

Imagem 9 - Unidade é alvo de tiros

Fonte: ND Mais (2023).13

13 Disponível em: https://ndmais.com.br/seguranca/centro-de-atendimento-socioeducativo-de-sao-jose-e-alvo-


de-disparos-de-arma-de-fogo/. Acesso em 06/01/2024.
102

De acordo com a notícia veiculada pelo canal de notícias ND Mais (2023), o Centro de
Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José já foi alvo de disparos de armas de fogo
nos anos de 2019, 2020, 2022 e 2023. Este cenário revela uma série de desafios enfrentados
pela instituição, que são nada mais que respostas dos ex-internos. Todavia, percebe-se que o
ataque a tiros não é direcionado aos servidores, ou com o intuito de destruir o local, mas é um
ataque dirigido às paredes, como forma de demonstrar seu inconformismo com a existência
deste espaço físico.
Já no cotidiano do encarceramento, contracondutas sutis, como redes de solidariedade
e pequenos atos de desobediência, expressam resistência às práticas normatizadoras e
disciplinares, revelando a capacidade dos indivíduos de criar identidades e forjar novas
práticas de si (Foucault, 1987; Ball, 2019). Esse processo não é unidimensional. Foucault
(1999) nos alerta para as resistências que surgem como contracondutas dentro dessas
instituições. A resistência, manifestada como desafio e questionamento das estruturas de
poder, cria oportunidades para novas formas de subjetivação. Dentro do sistema
socioeducativo, as contracondutas podem se apresentar como estratégias organizadas dos
internos para desafiar as normas estabelecidas, representando uma reação natural à exclusão
institucional.
Foram questionados os participantes se é percebida alguma ação, mesmo que singela,
em resposta aos processos de ressocialização. Ao se analisar as possíveis ações dos internos
em resposta aos processos de ressocialização, emergem perspectivas diversas. Ges01, por
exemplo, destaca que alguns internos buscam "educação mínima e básica que não tiveram em
casa" como uma forma de resistência em relação à processos externos ao CASE, revelando
uma tentativa de suprir lacunas educacionais.
No entanto, a visão mais cética de Age02 destaca que poucos internos estão "dispostos
e/ou abertos aos estímulos provocados pelos processos de ressocialização". Age01,
corroborando, não vê nenhuma resposta positiva por parte dos internos, o que pode indicar
que os internos possuem apenas respostas negativas aos processos institucionais. Já Tec01, ao
caracterizar o trabalho como uma ação de "redução de danos", sugere a complexidade da
tarefa ao suprir necessidades muitas vezes não atendidas no âmbito familiar.
Age03, igualmente, não entende que exista uma resposta dos internos aos processos de
normalização, reforçando que “ao que vejo, e pelo número de vezes que acabam por retornar à
Unidade Socioeducativa, as mudanças apresentadas são apenas para obter reavaliação de
103

medida e conseguir liberação ou progressão de medida”. A resposta sugere que existe uma
possível instrumentalização do comportamento para atender a requisitos formais do sistema
socioeducativo.
Contrastando com essa perspectiva, Tec02 e Tec03 observam, de maneira mais
otimista, mudanças, ainda que pequenas, por parte dos internos. Tec02 ressalta que essas
mudanças podem ocorrer "gradualmente", enquanto Tec03 destaca que a maioria, ao retornar
às origens, se “perde novamente”.
No entanto, a incerteza apontada por Age04, que menciona a falta de informações
sobre o destino dos internos após a liberação, destaca a necessidade de uma abordagem mais
abrangente e integrada. Isso realça a importância de um acompanhamento pós-liberação para
assegurar uma efetiva reinserção na sociedade, para efetivamente ter conhecimento se o
processo aplicado obteve sucesso.
Todavia, avaliando as respostas dos entrevistados, percebe-se que não há menção
direta às pequenas transgressões, o que sugere que esses participantes não percebem as
contracondutas como componentes integrantes do processo de normalização dos internos
enquanto submetidos às medidas de internação.
Durante o período de observação, foi evidente que pequenas transgressões são
prontamente percebidas, sendo a maioria delas abordada pelos agentes de forma verbal. Em
sala de aula, a presença de um interno mais agitado leva o agente de plantão a exigir silêncio,
uma solicitação que, na maioria das vezes, é prontamente atendida. Caso o comportamento
agitado persista, o interno é removido da aula e excluído da atividade, resultando na rápida
coibição de pequenas transgressões que ocorrem com frequência.
Outros casos de maior impacto são referidos como "pedalação". Esse termo é
empregado quando os internos chutam repetidamente as portas de ferro de seus alojamentos,
gerando um ruído ensurdecedor, para chamar a atenção para uma questão específica, como
solicitar a troca de módulo. Em resposta a essa prática, os agentes retiram todos os internos
envolvidos na "pedalação" de seus alojamentos, implementando um procedimento de
contenção que inclui imobilização e algemação do interno. Posteriormente, todos são
encaminhados para perícia a fim de verificar se houve algum dano físico decorrente da ação.
É possível inferir que neste sistema, em que a normalização é excessiva, os obstáculos às
contracondutas são muito grandes.
Outrossim, toda a conduta que seja considerada uma pequena transgressão,
104

classificando-se inclusive o uso de palavrões, é relatada pelos agentes por meio do Relato de
Transgressão Disciplinar, disponível para preenchimento no SISE. Este Relato em tese seria
encaminhado para uma Comissão Disciplinar, constituída por servidores tanto da equipe
técnica quando por agentes, que teria, teoricamente, a capacidade de aplicar pequenas
punições em face de determinadas condutas, como o corte de entrada de alimentos, limitação
de visitas ou suspensão de atividades. Todavia, em face da discordância do Poder Judiciário e
da Defensoria Pública, tais punições hodiernamente não são aplicadas no CASE de São José,
sendo utilizadas essas transgressões apenas como parâmetro para definir se determinado
interno pode progredir de uma medida de internação para uma medida de liberdade provisória
ou para a mudança de módulo.

4.3.9 Normalização

Conforme destacado por Foucault (1987), ao abordar o Sistema Prisional por meio da
metáfora do tripé (cela, oficina e hospital), a proposta é empregar ferramentas de controle
social e repressão, com a finalidade exclusiva de punir e controlar a vontade dos indivíduos. A
intenção é subjugar a natureza humana, relegando-a ao status de "coisa" e impedindo a
autonomia no protagonismo de sua própria história.
A discussão acerca da normalização ganha relevância, especialmente quando aplicada
ao contexto socioeducativo, onde se delineiam complexas dinâmicas de poder e resistência.
Esse debate questiona não apenas o papel da normalização, mas também seus efeitos sobre os
indivíduos que atravessam o cotidiano desses espaços. Apesar da tese jurídica de proteção
integral, as instituições socioeducativas no Brasil frequentemente mantêm uma abordagem
punitiva e disciplinadora, perpetuando mecanismos de exclusão (Aguiar, Freitas e Ramos;
2020).
Ao examinar as respostas dos entrevistados ao questionamento se estes acreditam que
o sistema molda os internos e, acaso respondessem positivamente, se os internos replicam os
comportamentos aprendidos posteriormente, no seu convívio social, emergem diferentes
perspectivas sobre o impacto do sistema socioeducativo na moldagem dos internos. Ges01,
adotando uma visão matizada, afirma que acredita na influência do sistema "em partes",
indicando uma compreensão equilibrada da situação. Já Age01, de maneira mais cética,
declara enfaticamente que não acredita, explicando que a maioria absoluta dos internos
105

comete inúmeros atos infracionais antes de ser internado no CASE de São José. Sugere
também que esses internos estão totalmente inseridos no mundo da criminalidade e
“recrutados por facções criminais”.
Age02 aponta para a influência negativa do sistema, destacando que “o sistema molda
os internos geralmente para o lado negativo, pois acabam convivendo com muitos outros que
trazem uma bagagem grande de coisas ruins e isso é compartilhado”. Tec01, reconhecendo a
capacidade do sistema de moldar durante a medida socioeducativa, ressalta a falta de controle
sobre as ações dos internos após o retorno ao convívio social.
Ges02 adota uma abordagem crítica em relação à eficácia do sistema socioeducativo,
asseverando que:

O sistema, como está posto não molda, acredito que o processo de mudança no
processo da criminalidade do adolescente encontra-se fracassado no formato em que
se encontra, onde o adolescente com 14, 15, 18 anos, já se encontra completamente
envolvido com o crime, mudar isso, eu diria que é quase impossível, enquanto não
houver investimento na estrutura da sociedade, com educação básica de qualidade,
esse cenário é fadado ao ciclo vicioso que já temos há alguns anos.

Ges03 nega que o sistema exerça uma influência significativa na moldagem dos
internos, enquanto Ges04 reconhece a contribuição do sistema, mas alerta para a brevidade do
período de medida socioeducativa, que é o período de 06 (seis) meses dentro do CASE de São
José, “necessitando de ao menos um ano para haver uma mudança de comportamento, um
trabalho psicológico, para o interno aprender novas atividades laborais e vislumbrar outras
possibilidades para sua vida”.
Esse mesmo tempo exíguo é citado por Age03, ressaltando que não há como moldar
um terno no tempo médio de internação de São José-SC, que é de 03 a 05 meses. De acordo
com o entrevistado, “o adolescente passou parte da sua vida inserido num meio de
criminalidade, e magistrados e sonhadores querem que uma equipe realize um milagre na
internação”. O trabalho a ser realizado, para este agente, exige um tempo consideravelmente
mais extenso.
Tec02 acredita que o sistema tem um papel na moldagem dos internos, e “podem
influenciar as interações sociais” dos internos posteriormente. Age04 destaca que os internos
replicam os comportamentos aprendidos na unidade apenas "enquanto são cobrados", pois há
uma exigência a esse respeito, indicando que essa replicação pode não ocorrer fora da
unidade, em face da ausência de cobranças.
106

Tec03 acredita que o sistema oportuniza condições de mudança, porém, os internos


não valorizam. Tec04 reconhece as imperfeições do sistema, mas destaca sua relevância no
processo de ressocialização, ao acreditar que “os egressos internalizam os aprendizados
adquiridos durante o período de internação e procuram aplicá-los”.
Ao finalizar a análise das respostas sobre a influência do sistema socioeducativo na
moldagem dos internos e na possível replicação de comportamentos após a liberação,
emergem perspectivas diversas. As opiniões variam desde reconhecimento parcial da
influência do sistema até posições mais céticas que questionam a eficácia do processo,
destacando a pré-existência de atos infracionais por parte da maioria dos internos.
A crítica à falta de investimento na estrutura social, especialmente na educação básica,
aponta para a necessidade de uma abordagem mais abrangente na transformação do
comportamento dos adolescentes. A brevidade do período de medida socioeducativa é
questionada por alguns, levantando dúvidas sobre a possibilidade de mudanças significativas
nesse curto intervalo de tempo atribuído às medidas de internação. Enquanto alguns dos
participantes acreditam no papel do sistema na influência das interações sociais dos internos,
outros sugerem que a replicação dos comportamentos aprendidos pode estar condicionada à
presença de cobranças.
Ademais, ao observar a dinâmica da entrada dos internos na unidade, percebe-se um
padrão interessante relacionado à moldagem de comportamento em resposta às expectativas e
cobranças do ambiente socioeducativo. Nota-se que, diante da pressão para se adequarem a
determinados padrões de conduta, os internos demonstram uma capacidade de adaptação
momentânea, obedecendo às orientações dos agentes de segurança socioeducativos. A
necessidade de tornar a experiência mais amena e evitar conflitos aparenta motivar essa
conformidade temporária. Essa observação sugere que a pressão do ambiente poderia
influenciar a manifestação de comportamentos específicos por parte dos internos, visando a
facilitar sua integração inicial e minimizar conflitos durante o período inicial de sua
permanência na unidade.

4.3.10 Perspectivas

A perspectiva de poder de Foucault (2006) oferece uma compreensão profunda dessas


práticas em organizações diversas. Ela nos faz enxergar esses espaços como locais onde
107

diferentes dispositivos produtivos interagem para formar e moldar subjetividades. Essa visão
crítica nos leva a questionar não apenas a validade da normalização, mas também a
necessidade de repensar as estruturas institucionais que perpetuam esse padrão. Assim, com
o objetivo de instigar uma reflexão profunda sobre alternativas para o sistema socioeducativo,
foi conduzido o questionamento sobre o que poderia ser mudado no sistema socioeducativo,
que gerou uma variedade de perspectivas entre os participantes.
Os participantes da pesquisa ofereceram visões diversas em relação a potenciais
mudanças no sistema socioeducativo. Ges01 ressalta a importância de implementar atividades
pedagógicas e profissionalizantes como parte integrante do processo de ressocialização. Por
sua vez, Age01, alude à necessidade de alterações nas legislações correlatas à temática.
Age02, apesar de admitir a ausência de propostas claras, enfatiza a complexidade e desafios
subjacentes ao processo.
Tec01 destaca a necessidade de um enfoque mais saudável no relacionamento entre
agentes e internos, sugerindo que a qualidade das interações pode impactar significativamente
o processo socioeducativo. Em contrapartida, Ges02 propõe uma abordagem preventiva,
enfatizando a relevância de investimentos em educação básica e políticas públicas antes
mesmo da inserção dos adolescentes no sistema socioeducativo.
As sugestões apresentadas por Ges03 concentram-se na elevação do nível de
profissionalização dos servidores por meio de cursos e palestras. Ges04, por sua vez, propõe
uma revisão da maioridade penal, direcionando esforços específicos aos adolescentes mais
jovens e delineando com maior clareza as funções dos agentes socioeducativos.
Tec02 ressalta a importância de capacitar os agentes, aprimorar as atividades
pedagógicas e adotar abordagens centradas no indivíduo como meio de promover uma
mudança mais efetiva. Age03 destaca a revisão da legislação que trata sobre o tema,
adaptando-se à realidade e ao perfil do adolescente que comete ato infracional atualmente,
também, que instituições como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Judiciário
concentrem esforços na melhoria efetiva dos espaços e das comunidades onde esses
adolescentes estão inseridos, “com certeza teriam efeitos positivos- bem mais do que ficar só
caçando problema na execução da medida socioeducativa com relação aos Agentes de
Segurança”.
Age04 sugere a implementação de atividades mais atrativas aos adolescentes como
meio de envolvê-los de maneira mais efetiva. Tec03 ressalta que é difícil acreditar em
108

mudanças no sistema, por conta da legislação muito conivente, enquanto Tec04 destaca a
relevância do suporte pós-unidade, uma ampla gama de oportunidades educacionais e de
treinamento, e o fortalecimento dos programas de transição como elementos essenciais para a
reintegração bem-sucedida dos egressos à sociedade.
Com base nas respostas, note-se que houve destaque para a importância de atividades
pedagógicas e profissionalizantes no processo de ressocialização, bem como a necessidade de
alterações nas legislações relacionadas ao tema. Algumas sugestões abordaram a
complexidade subjacente ao processo, enquanto outras enfatizaram a importância de um
relacionamento saudável entre agentes e internos. Propostas incluíram abordagens
preventivas, como investimentos em educação básica antes da entrada no sistema, e a
elevação do nível de profissionalização dos servidores.
Além disso, sugestões envolveram revisões na maioridade penal, esforços específicos
para adolescentes mais jovens e foco na melhoria efetiva dos espaços e comunidades onde
esses adolescentes estão inseridos. A importância de capacitar os agentes, adotar abordagens
centradas no indivíduo e revisar a legislação também foram mencionadas. Algumas sugestões
abordaram a criação de atividades mais atrativas para os adolescentes, enquanto outras
expressaram ceticismo quanto às mudanças devido à legislação conivente. O suporte pós-
unidade, oportunidades educacionais e o fortalecimento dos programas de transição foram
ressaltados como elementos essenciais para a reintegração bem-sucedida dos egressos à
sociedade.
Essas perspectivas abrem espaço para discussões mais aprofundadas sobre as reformas
necessárias no sistema socioeducativo, em que a maioria das sugestões retira o foco das
estruturas de poder que estão atualmente institucionalizadas e das medidas unicamente
punitivas, buscando abordagens além da repressão. As contribuições dos entrevistados ficam
nesta dissertação registradas, enfatizando a complexidade e a diversidade de desafios
enfrentados por esse contexto.

4.4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Inicialmente, cumpre destacar que sujeitos docilizados resultam em uma


multiplicidade corporal heterogênea que sustenta a norma, identificando-a e homogeneizando-
109

a simbolicamente para controlar comportamentos. O poder, nesse contexto, classifica


hierarquicamente os internos por meio dos processos de normalização, aplicando normas
específicas, mas generalizáveis, por meio de dispositivos institucionais, como a vigilância
(Sauvêtre, 2009; Khan; MacEachen, 2021).
Assim, o quarto capítulo do presente estudo, voltando-se para estes dispositivos
institucionais, concentra-se na apresentação e análise dos dados coletados no âmbito do
Centro de Atendimento Socioeducativo de São José. Ressalte-se a relevância da compreensão
aprofundada dos processos de normalização. Adotando uma abordagem abrangente
respaldada na triangulação de fontes (Yin, 2018), o estudo integra entrevistas, observação
direta, análise de documentos e embasamento teórico.
Foi realizada a condução das entrevistas, explorada a observação direta, e feita a coleta
de documentos, notícias e imagens pertinentes. A análise dos elementos identificados de
normalização foi abordada se examinando cada componente de maneira individualizada. Este
enfoque metodológico, inerente à natureza do estudo de caso, proporciona uma compreensão
que culmina nesta discussão dos resultados obtidos no contexto específico do CASE de São
José.
A respeito do conceito de hierarquia e disciplina, os resultados das entrevistas indicam
uma convergência geral na apreciação da importância destes na unidade socioeducativa. A
maioria dos entrevistados sublinha a relevância desses elementos para a manutenção da
ordem, a promoção do desenvolvimento das atividades e a garantia da eficácia das medidas
socioeducativas.
As observações efetuadas denotam a aplicação da disciplina em diferentes contextos,
revelando a busca por comportamentos ordenados e enfatizando a necessidade de uma
representação de "poder" como referência para os internos. Nesse contexto, a disciplina
transcende a mera aplicação de penalidades, transformando-se em um instrumento abrangente
de modelagem e controle, contribuindo para a formação de sujeitos alinhados às normas
instituídas e sublinhando a intrincada relação entre poder, vigilância e normalização.
Em relação ao ponto referente à estigmatização e sujeição, a análise das entrevistas
revela uma diversidade de perspectivas sobre como o sistema lida com a individualidade e
características pessoais dos internos. Enquanto alguns entrevistados destacam a necessidade
de uma análise mais aprofundada das particularidades individuais, outros apontam para a
110

importância de abordagens personalizadas no âmbito das atividades sociopedagógicas e de


acompanhamento psicológico.
Contudo, há a observação de que, em alguns casos, a individualidade é
desconsiderada, indicando desafios na busca por um equilíbrio entre a padronização
necessária para manter a ordem e a valorização da singularidade, crucial para efetivos
processos de ressocialização. A imposição de uniformes e práticas uniformizadoras levanta
questões sobre a possível eliminação da expressão individual, enquanto as tentativas de
implementar abordagens personalizadas indicam uma conscientização sobre a diversidade dos
internos, buscando mitigar a estigmatização associada a intervenções uniformes dentro do
ambiente socioeducativo.
A dinâmica de vigilância da unidade reflete-se nas entrevistas e observações
realizadas. Os participantes, questionados sobre a presença de sistemas de vigilância na
unidade, destacaram a abrangência desses métodos, combinando monitoramento presencial,
tecnologia de videomonitoramento e a presença de vigilantes terceirizados. As respostas
apontam para uma estratégia multifacetada, onde os agentes realizam vigilância interna,
enquanto vigilantes focam na segurança externa.
A presença constante de câmeras, especialmente nos espaços comuns, evidencia a
implementação de mecanismos panópticos. A observação da estrutura arquitetônica, como a
muralha, complementa essas práticas. A combinação dessas estratégias visa garantir a
segurança, mas a constante vigilância também destaca a necessidade de uma análise crítica,
considerando os apontamentos de Foucault (1987) sobre os efeitos normalizadores desses
dispositivos de poder.
A delimitação e estruturação dos espaços no CASE de São José, em conformidade
com as Normas Complementares do sistema socioeducativo emerge como um componente
crucial para o exercício de controle sobre os internos (SANTA CATARINA, 2013). Ao
abrigar todas as instalações necessárias dentro de suas muralhas, elimina-se a dependência de
espaços externos, otimizando os processos de normalização. A antecipação das rotinas,
evidenciada nas entrevistas e nos documentos institucionais, desempenha um papel
fundamental na eficácia das atividades.
A utilização de instrumentos como Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) e o
Sistema de Informação Socioeducativo (SISE) contribui para a padronização e
previsibilidade, alinhando-se aos mecanismos disciplinares e normativas institucionais. A
111

flexibilidade reconhecida pelos entrevistados equilibra a previsibilidade com a capacidade de


adaptação, ressaltando a importância da determinação prévia das rotinas para a disciplina,
controle e eficiência nas práticas cotidianas da unidade socioeducativa.
Ademais, o sistema criminal-punitivo, desempenhando um papel central na
normalização, utiliza punições e recompensas como estratégias políticas, promovendo a
disciplina do comportamento por meio da sanção normalizadora (Crawford, 2022). As
respostas dos entrevistados no contexto do CASE de São José indicam uma visão
compartilhada sobre a existência de sistemas de recompensas para internos com bom
comportamento.
Destacam-se sistemas de progressão de módulo, nos quais o avanço é baseado no
comportamento avaliado pelos agentes de segurança e pela gestão da unidade. Esse sistema,
embora não formalmente normatizado, vincula o comportamento do interno à sua inserção em
diferentes módulos, favorecendo aqueles que são considerados mais adequados. A análise
revela uma interseção entre controle disciplinar e oportunidades estruturadas. A divergência
nas respostas sobre quem realiza as avaliações, se o setor de segurança ou uma avaliação
multidisciplinar, destaca a complexidade desses processos. A falta de consenso ressalta a
necessidade de definições claras e transparentes nesse contexto.
Ao examinar as rotinas do Centro de Atendimento Socioeducativo de São José,
destaca-se a efetiva implementação da escolarização, conduzida diariamente por professores
do ensino regular. É importante ressaltar que, apesar de os agentes não adentrarem as salas, a
presença de câmeras, grades e portas trancadas evidencia elementos de confinamento. As
entrevistas corroboram a importância da escolarização como componente central das
atividades pedagógicas, mencionando também outras práticas como literatura, palestras
educacionais, jardinagem, olericultura, entre outras.
A adesão dos internos às atividades pedagógicas, de acordo com os entrevistados, é
influenciada pelo entendimento de que participar delas pode resultar em benefícios ou evitar
prejuízos, revelando a interconexão entre o sistema de recompensas e a dinâmica de
normalização. Assim, a atuação pedagógica não apenas molda a experiência educacional, mas
também desempenha um papel crucial na construção da dinâmica de poder que permeia o
sistema socioeducativo.
Válido reafirmar que, conforme análise teórica já realizada, as políticas dirigidas aos
jovens no sistema socioeducativo oscilam entre abordagens compensatórias e salvacionistas,
112

muitas vezes carecendo de abrangência nas práticas institucionais. Essa falta de abordagem
holística pode marginalizar e estigmatizar os jovens em internação, intensificando os
processos de normalização e seus impactos negativos (Armstrong, 2020).
No contexto das instituições totais os agentes de segurança socioeducativos
desempenham um papel crucial na imposição de normas, disciplinamento de comportamentos
e monitoramento das atividades dos internos. Esses profissionais enfrentam desafios
significativos, sujeitos a pressões e contradições inerentes ao ambiente socioeducativo, além
de estarem susceptíveis ao estigma associado aos internos, dado o papel de gestão e controle
que desempenham sobre indivíduos em processo de ressocialização (Goffman, 1974).
A colaboração dos agentes com as propostas da unidade, no Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) de São José, emerge como elemento crucial para o funcionamento
eficaz das atividades destinadas aos internos. As percepções sobre o papel e influência dos
agentes, entretanto, revelam divergências entre os entrevistados. Enquanto alguns enfatizam a
influência sutil e inerente dos agentes como referências de autoridade, outros alegam que a
função principal é garantir a ordem e a segurança na unidade.
A análise das dinâmicas observadas evidencia uma diversidade nas interações entre os
agentes e os internos, com alguns estabelecendo vínculos mais próximos, o que, por vezes, é
mal-visto por colegas que interpretam tais relações como demonstrações de fragilidade. A
resistência e questionamentos por parte de alguns agentes às propostas da unidade indicam a
existência de vozes críticas no ambiente institucional, ressaltando a complexidade das
relações de poder.
As contracondutas são definidas como formas de resistência localizadas nas
instituições socioeducativas, podendo desafiar as estruturas de poder, mas nem sempre
resultando em mudanças significativas (Foucault, 1999). Exemplificando os desafios
enfrentados pelo Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José, situações como
ataques armados à unidade evidenciam que os egressos reagem aos processos por eles
enfrentados durante a internação.
Além disso, ao analisar a resposta dos internos aos processos de ressocialização,
observam-se perspectivas divergentes por parte dos entrevistados. Enquanto alguns destacam
mudanças graduais e a busca por educação como formas de resistência, outros expressam
ceticismo quanto às respostas positivas, indicando possível instrumentalização do
comportamento para atender requisitos formais do sistema. A ausência de menção direta às
113

pequenas transgressões pelos participantes sugere uma falta de percepção das contracondutas
como elementos do processo de normalização. Durante a observação, pequenas transgressões
foram prontamente identificadas e tratadas pelos agentes, evidenciando a dinâmica disciplinar
no ambiente socioeducativo.
O debate sobre a normalização, inspirado nas concepções de Foucault (1987; 1999),
destaca a aplicação de estratégias de controle social e repressão nas instituições
socioeducativas, frequentemente perpetuando práticas punitivas e disciplinadoras que
desafiam a tese jurídica de proteção integral. Ao examinar as opiniões dos entrevistados sobre
o impacto do sistema socioeducativo na moldagem dos internos e na possível replicação de
comportamentos após a liberação, surgem perspectivas variadas. Desde visões matizadas que
reconhecem parcialmente a influência do sistema até posturas mais céticas, questionando a
eficácia do processo, evidencia-se um espectro diversificado de interpretações. A brevidade
do período de medida socioeducativa é questionada por alguns, levantando dúvidas sobre a
possibilidade de mudanças significativas nesse curto intervalo de tempo atribuído às medidas
de internação.
Observa-se também um padrão interessante na entrada dos internos na unidade,
indicando uma conformidade temporária diante das expectativas do ambiente socioeducativo,
possivelmente motivada pela necessidade de tornar a experiência mais amena e evitar
conflitos iniciais. Essa dinâmica sugere que a pressão do ambiente pode influenciar a
manifestação de comportamentos específicos por parte dos internos, visando facilitar sua
integração inicial.
Em relação às perspectivas, as respostas dos participantes revelam uma diversidade de
sugestões de possíveis mudanças no sistema socioeducativo. Enquanto alguns enfatizam a
importância de atividades pedagógicas e profissionalizantes para promover a ressocialização,
outros apontam para a necessidade de alterações nas legislações correlatas ao tema. Sugestões
variam desde a promoção de um relacionamento mais saudável entre agentes e internos até
abordagens preventivas, como investimentos em educação básica. Há propostas direcionadas
à elevação do nível de profissionalização dos servidores, revisões na maioridade penal e
definições claras das funções dos agentes socioeducativos. Capacitar os agentes, adotar
abordagens centradas no indivíduo e revisar a legislação também emergem como pontos de
discussão. Alguns participantes ressaltam a importância de atividades atrativas aos
adolescentes, enquanto outros expressam ceticismo em relação às mudanças devido à
114

legislação conivente. O suporte pós-unidade é apontado como essencial para a reintegração


bem-sucedida dos egressos à sociedade. A maioria das sugestões busca de fato amenizar o
caráter repressivo e punitivo das medidas.
Contudo, ficou evidenciado nas entrevistas que tão reveladoras quando as falas são os
silêncios sobre aspectos fundamentais da normalização na vida cotidiana da instituição. Essa
ausência de menção a certos aspectos pode refletir a internalização das práticas institucionais
como parte integrante da rotina e da ordem estabelecida dentro da instituição. Nesse sentido,
os silêncios podem ser vistos como manifestações do poder disciplinar em ação, onde as
normas e práticas de controle se tornam tão naturalizadas que não são mais percebidas como
algo digno de menção ou reflexão crítica.
Assim, com base em todas essas questões, podemos formular o seguinte quadro,
apontando os principais pontos abordados e uma observação breve a respeito de cada um
deles:

Quadro 6 - Esquematização dos resultados


Ponto Principal Observação
Sujeitos docilizados e Os resultados revelam a multiplicidade corporal heterogênea que
dispositivos de sustenta a norma, identificando-a e homogeneizando-a
normalização simbolicamente para controlar comportamentos. Os processos de
normalização, hierarquização e disciplina são aplicados por meio
de dispositivos institucionais, como a vigilância, destacando a
complexa relação entre poder, vigilância e normalização.
Hierarquia, As entrevistas evidenciaram a convergência na apreciação da
disciplina e vigilância importância desses elementos para a manutenção da ordem na
unidade socioeducativa. A disciplina transcendeu a mera aplicação
de penalidades, transformando-se em um instrumento abrangente
de modelagem e controle.
Estigmatização e As perspectivas dos entrevistados revelaram uma diversidade de
sujeição opiniões sobre como o sistema lida com a individualidade dos
internos. A busca por um equilíbrio entre a padronização
necessária para manter a ordem e a valorização da singularidade
emerge como um desafio entre os entrevistados.
Estruturação dos A delimitação e estruturação dos espaços, aliadas aos
espaços e controle procedimentos operacionais padronizados, contribuem para o
exercício de controle sobre os internos. A presença constante de
câmeras e a aplicação de sistemas de recompensas revelam uma
interseção entre controle disciplinar e oportunidades estruturadas.
115

Atividades A implementação efetiva da escolarização e outras atividades


pedagógicas e pedagógicas desempenham um papel crucial na dinâmica de poder
escolarização e normalização. A interconexão entre o sistema de recompensas e
a participação dos internos nessas atividades destaca a influência
dessas práticas na construção da dinâmica socioeducativa.
Desafios e Embora nem sempre resultem em mudanças significativas, as
resistências contracondutas representam uma manifestação da resistência dos
internos aos processos de normalização. A superficialidade das
mudanças potencialmente alcançadas e a necessidade de uma
abordagem diferente das práticas atualmente adotadas são
questões cruciais a serem consideradas na busca por uma
transformação efetiva. Ficou evidenciado que, os silêncios nas
entrevistas sugerem uma internalização das práticas institucionais
e uma manifestação do poder disciplinar em ação, onde as normas
e práticas de controle se tornam tão naturalizadas que não são
percebidas como dignas de reflexão crítica.
Fonte: Elaboração da autora (2024).

Desta forma, ao adotar uma perspectiva crítica sobre os resultados provenientes do


Centro de Atendimento Socioeducativo de São José, sob a lente do arcabouço teórico outrora
estudado, é possível observar a perpetuação de práticas de normalização e controle que
desafiam os princípios de proteção integral propostos pelo sistema socioeducativo. A
convergência geral nas entrevistas sobre a importância de elementos disciplinares,
hierárquicos e de vigilância revela uma adesão substancial às estruturas de poder
institucionalizadas. Entretanto, as divergências quanto à eficácia do sistema e a variedade de
propostas de mudança sugerem uma complexidade nas interpretações dos entrevistados sobre
o sistema, a depender, principalmente, do grupo que atua (se agente de segurança
socioeducativo, se participante da equipe técnica ou se gestor).
A discussão em torno da brevidade do período de medida socioeducativa e da
conformidade temporária dos internos diante das expectativas do ambiente destaca a
superficialidade das mudanças potencialmente alcançadas no atual modelo. A resistência
presenciada, exemplificada por pequenas transgressões, ressalta que os internos respondem às
estruturas de poder apresentadas. As propostas de mudança, embora apontem na direção de
uma abordagem menos repressiva, também levantam questões sobre a efetividade das
medidas de internação.
116

Em última análise, uma visão crítica sobre os dados sugere a necessidade premente de
uma transformação estrutural mais profunda no sistema socioeducativo, indo além de ajustes
superficiais. Isso implica não apenas na revisão de práticas específicas, mas na reavaliação
fundamental das bases filosóficas e das estruturas de poder que permeiam esse contexto,
visando uma abordagem diferente das práticas atualmente adotadas em relação aos internos
do CASE de São José.
117

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao concluir esta jornada de pesquisa a respeito dos "Processos de Normalização dos


Internos de uma Instituição de Segurança Socioeducativa", a imersão ao Centro de
Atendimento Socioeducativo de São José proporcionou uma experiência reveladora. Ao
desvendar as intrincadas dinâmicas que regem a vida dos internos, percebeu-se um
entendimento sobre os desafios enfrentados e as oportunidades potenciais para a efetiva
ressocialização. Estas considerações finais buscam transmitir não apenas uma análise crítica,
mas também um vislumbre das complexidades subjacentes aos processos de normalização no
contexto socioeducativo.
A análise crítica das perspectivas sobre normalização, especialmente no contexto
socioeducativo, destaca a imposição de valores normativos que frequentemente são aceitos
pela sociedade sem questionamentos profundos. O que se buscou foi mostrar, com um olhar
crítico, conforme assevera Nunes (2014), uma investigação para revelar como as estruturas de
poder moldam a produção e disseminação do conhecimento, destacando os diferentes modos
como as relações de poder influenciam o que é considerado verdadeiro em determinado
contexto, no caso, uma unidade socioeducativa catarinense.
Ao analisar a imposição de valores normativos, torna-se evidente que assim como a
sociedade aceita essa prática sem graves reações de inconformismo, os agentes cumprem seus
deveres sem maiores questionamentos, embora seja possível perceber eventuais resistências.
Contudo, a aplicação dessas teorias ao sistema socioeducativo exige uma interpretação
cuidadosa. Foucault (1987) nos apresenta a ideia de uma sociedade disciplinar, na qual a
disciplina não controla de maneira absoluta e violenta, mas ainda assim exerce autoridade,
normalizando os sujeitos. Os sujeitos docilizados, resultantes desses processos, atuam como
uma multiplicidade corporal que sustenta e homogeneiza simbolicamente a norma para
controlar comportamentos.
A abordagem disciplinar comumente adotada nessas instituições reflete, muitas vezes,
uma rigidez que negligencia as nuances individuais e subjetivas dos internos. O foco na
imposição de padrões, tanto de comportamentos quanto de práticas, e a busca pela
conformidade, criando um sistema próprio em que o interno tenha que ter bom
comportamento (avaliado em geral pelos agentes) para obter determinados benefícios, podem
118

obscurecer as particularidades de cada história de vida, limitando o entendimento das


motivações por trás do comportamento desviante.
Diante das reflexões proporcionadas e através dos dados coletados no Centro de
Atendimento Socioeducativo de São José, permeadas pelo entendimento de Michel Foucault
sobre a sociedade disciplinar, emerge uma crítica contundente à rigidez e à predominância de
práticas normalizadoras nas instituições socioeducativas, em especial nesta que foi objeto do
presente estudo de caso. A imposição da disciplina, inerente a tais ambientes, revela uma
lógica que, embora alegue buscar a ressocialização, muitas vezes negligencia as nuances
subjetivas dos internos, os objetivando e docilizando.
A convergência geral nas entrevistas sobre a importância de elementos disciplinares,
hierárquicos e de vigilância evidencia uma adesão substantiva às estruturas de poder
institucionalizadas, refletindo a visão da sociedade disciplinar delineada e apresentada no
presente estudo. No entanto, as divergências quanto à eficácia do sistema e as variadas
propostas de mudança indicam a complexidade dos desafios enfrentados pelo ambiente
socioeducativo. Além disso, os silêncios nas falas sobre aspectos essenciais da normalização
na vida da instituição são profundamente relevadores de certo desconhecimento e/ou
negligência dos seus efeitos.
A brevidade do período de medida socioeducativa, a conformidade temporária dos
internos diante das expectativas trazidas pelo ambiente e a resistência pontual apontam para
lacunas significativas entre a retórica do sistema e sua implementação prática. A
instrumentalização do comportamento para atender aos requisitos formais do sistema revela
uma contradição subjacente, questionando a verdadeira efetividade das estratégias de
ressocialização.
Outrossim, é importante reconhecer que a resistência é apenas um dos elementos
intrínsecos ao fenômeno da normalização. As contracondutas, embora desafiadoras, fazem
parte do complexo jogo de poder-saber dentro das instituições. A resistência, ao manifestar-se
como uma resposta natural à imposição de normas, oferece oportunidades para novas formas
de subjetivação, mas, ao mesmo tempo, está integrada às dinâmicas das relações de poder.
Compreender essas nuances é crucial para uma análise abrangente da normalização,
questionando não apenas a validade das normas impostas, mas também buscando alternativas
que promovam ambientes mais justos e inclusivos.
119

O paradigma disciplinar, ao buscar a normalização dos sujeitos, pode comprometer a


identidade dos indivíduos envolvidos, evidenciando a necessidade de uma abordagem mais
holística e centrada na singularidade dos sujeitos. A punição, manifestada pela restrição de
liberdade e tempo, busca reconfigurar o adolescente, transformando-o de um sujeito associado
a uma narrativa desviante em um indivíduo produtivo, conforme apontado por Aguiar, Freitas
e Ramos (2020). A disciplina, quando excessivamente rígida, pode resultar em efeitos
contraproducentes, desafiando a proposta de transformação positiva almejada pelo sistema
socioeducativo, conforme constante em seus princípios e normas.
Entretanto, um dos maiores desafios é conceber um sistema socioeducativo diferente
daquele atualmente institucionalizado. Sobre isso já dizia Foucault (1987): "se há um desafio
político global em torno da prisão (...) está na alternativa prisão ou algo diferente de prisão. O
problema atualmente está mais no grande avanço desses dispositivos de normalização". A
complexidade do problema contemporâneo não está apenas no encarceramento em si, mas, de
forma mais ampla, na proliferação e avanço dos dispositivos de normalização. Estes
mecanismos, que moldam e regulam comportamentos, apresentam-se como uma força
significativa na configuração das estruturas socioeducativas.
Em última análise, a visão crítica proposta por Michel Foucault lança luz sobre as
contradições e desafios inerentes às práticas disciplinares nas instituições socioeducativas.
Uma abordagem mais humanizada e contextualizada, que reconheça a diversidade de
experiências e histórias individuais, pode representar um caminho mais efetivo para a
verdadeira ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei. A necessidade de uma
transformação estrutural profunda no sistema socioeducativo, com base na experiência
aprendida com o CASE de São José, é evidente, exigindo uma revisão não apenas de práticas
específicas, mas das bases filosóficas e estruturas de poder que fundamentam esse contexto.
Em conclusão, as perspectivas sobre a normalização no contexto socioeducativo
revelam a complexidade das relações de poder, saber e resistência. Questionar e compreender
esses processos é fundamental para promover uma abordagem mais humanizada e eficaz na
busca por alternativas que realmente possam contribuir para a construção de um ambiente que
respeite os indivíduos.
Para o fim de compreender, de forma esquemática, o atendimento aos
questionamentos apresentados inicialmente, elabora-se o seguinte quadro:
120

Quadro 7 - Análise final da proposta de estudo


Proposta Resposta
Objetivo Analisar os processos de Evidenciou-se que os processos de normalização
Principal normalização dos jovens exercem uma influência significativa sobre os jovens
catarinenses internados no CASE internados no CASE de São José, moldando não apenas
de São José seus comportamentos, mas também suas identidades e
subjetividades, destacando a complexidade e a
importância desses processos no contexto
socioeducativo.
Objetivos Verificar a presença e analisar Verificou-se que presença marcante dos processos de
Específicos como acontecem os processos de normalização no sistema socioeducativo, destacando
normalização das atividades dos sua influência sobre as atividades dos internos. A
internos quando atendidos no análise revelou que tais processos permeiam diversas
sistema socioeducativo dimensões das atividades dos jovens atendidos,
moldando suas rotinas, interações e comportamentos
dentro da instituição.
Constatar barreiras e facilitadores Constatou-se a existência de várias barreiras e
no sistema socioeducativo em facilitadores no sistema socioeducativo em relação aos
relação aos processos de processos de normalização. Identificou-se que fatores
normalização. como a estrutura física da instituição, o perfil dos
profissionais, as políticas internas e externas,
desempenham papéis significativos na promoção ou
obstáculo à efetiva normalização das atividades dos
internos.
Identificar a existência de Identificou-se a presença de contracondutas por parte
contracondutas, por parte dos dos internos como uma forma de resistência aos
internos, como forma de resistência processos de normalização. Foi constatado que os
aos processos de normalização jovens desenvolvem estratégias para desafiar ou
subverter as normas e regras impostas pelo sistema
socioeducativo, buscando preservar sua autonomia e
identidade dentro do ambiente institucional.
Discutir alternativas aos processos Neste estudo crítico, foi discutida a necessidade de
institucionais de normalização repensar e questionar os processos institucionais de
normalização no sistema socioeducativo. Buscou-se
identificar e analisar as limitações e os impactos
negativos desses processos sobre os jovens internos,
destacando a importância de promover práticas
diferentes das aplicadas na atualidade.
Pergunta de Como se constituem os processos A análise da pesquisa revelou que os processos de
Pesquisa de normalização dos internos de normalização dos internos em uma instituição de
uma instituição de segurança segurança socioeducativa se constituem através de
socioeducativa? práticas disciplinares, regulamentos rígidos e rotinas
padronizadas. Esses processos visam moldar o
comportamento dos jovens, estabelecendo normas e
valores específicos que devem ser seguidos. No entanto,
também foi observado que existem resistências por
parte dos internos e que existem silêncios por parte dos
participantes das entrevistas que revelam que estes
também estão sob os processos de normalização.
Fonte: Elaboração da autora (2024).
121

Assim, pode-se afirmar que o questionamento e os objetivos delineados foram


claramente abordados ao longo do estudo. A pergunta de pesquisa sobre como se constituem
os processos de normalização dos internos foi respondida de maneira abrangente, analisando
diversos elementos dentro do contexto do Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de
São José. Os objetivos específicos foram alcançados, destacando a presença dos processos de
normalização, identificando barreiras e facilitadores no sistema socioeducativo, analisando
como esses processos ocorrem nas atividades dos internos, reconhecendo a existência de
contracondutas como formas de resistência e, finalmente, promovendo uma discussão crítica
sobre alternativas aos processos institucionais de normalização. Assim, atingiu-se os
propósitos ao oferecer uma compreensão aprofundada dos mecanismos de normalização
presentes na instituição, abordando tanto as práticas disciplinares quanto as resistências e
propondo reflexões sobre possíveis transformações no sistema socioeducativo.
Entretando, esta dissertação, embora ofereça uma análise aprofundada do Centro de
Atendimento Socioeducativo de São José, apresenta algumas limitações que merecem
consideração. Primeiramente, a ausência de entrevistas diretas com os adolescentes em
processo socioeducativo limita a compreensão completa de suas perspectivas, experiências e
desafios enfrentados dentro da instituição. A inclusão desses relatos poderia enriquecer
significativamente a análise, proporcionando uma visão mais abrangente e multifacetada do
ambiente socioeducativo.
Além disso, o foco exclusivo em uma única unidade socioeducativa pode restringir a
generalização dos resultados para outras instituições semelhantes. Um novo estudo que
abrangesse múltiplas unidades permitiria uma análise comparativa mais robusta, identificando
variações e padrões que poderiam não ser completamente capturados neste contexto
específico. Por último, a falta de abordagem aos egressos do sistema socioeducativo impede
uma avaliação mais abrangente do impacto das medidas ressocializadoras a longo prazo.
Incluir a perspectiva dos egressos poderia oferecer informações valiosas sobre os desafios
enfrentados durante a reintegração à sociedade, contribuindo para uma compreensão mais
completa e crítica do processo de ressocialização.
Assim sendo, considerando a complexidade do tema abordado, sugere-se como uma
proposta promissora para futuras pesquisas a realização de estudos mais detalhados focados
nos adolescentes em conflito com a lei e suas famílias. Explorar mais a fundo as dinâmicas
122

familiares, compreender os impactos nas relações interpessoais e identificar os fatores que


influenciam o comportamento desses jovens pode fornecer informações valiosas para o
desenvolvimento de um maior estudo a respeito dos processos de normalização desses jovens.
Assim, destaca-se a importância de pesquisas futuras se concentrarem na compreensão mais
profunda das relações familiares como uma vertente essencial para a formulação de
estratégias abrangentes e voltadas a um maior entendimento da problemática nesta dissertação
apresentada.
Outra proposta para novos estudos seria a expansão da pesquisa para além do estudo
de caso do CASE de São José, abrangendo outros Centros de Atendimento Socioeducativo em
Santa Catarina. Essa abordagem mais ampla possibilitará uma análise comparativa, revelando
padrões e variações nas práticas socioeducativas. Além de fortalecer a generalização dos
resultados, essa expansão contribuirá para uma compreensão holística do sistema
socioeducativo estadual, fornecendo mais informações para possíveis melhorias nas políticas
e práticas.
123

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