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PALHOÇA, SC
2024
SAMIRA BIRCK DE MENEZES
Palhoça, SC
2024
Samira Birck de Menezes
_____________________________________________________
Professor Orientador Dr. Nei Antonio Nunes
Universidade do Sul de Santa Catarina
_____________________________________________________
Professora Dra. Anelise Leal Vieira Cubas
Universidade do Sul de Santa Catarina
_____________________________________________________
Professora Dra. Ivone Junges
Universidade Federal de Santa Catarina
_____________________________________________________
Professor Dr. Andre Luis da Silva Leite
Universidade do Sul de Santa Catarina
As luzes que descobriram as liberdades inventaram
também as disciplinas.
(Michel Foucault)
RESUMO
This study addresses the challenges and strategies related to the normalization processes of
inmates in a specific socio-educational unit, the Socio-Educational Care Center (CASE) of
São José. The importance of these processes lies in the need for critical studies to achieve a
better construction of the socio-educational system. This dissertation aims to analyze the
normalization processes of young people from Santa Catarina interned at the Socio-
Educational Care Center (CASE) of São José. Methodologically, this is a single case study, of
an interpretative paradigm, employing an inductive method, a qualitative approach, with a
cross-sectional design. Data collection combines the use of theoretical frameworks, available
documents, semistructured interviews conducted with twelve professionals from the
institution, including technical staff, socio-educational security agents, and managerial
personnel, as well as direct observation of the daily activities of the inmates, collected
between December 2023 and January 2024. Triangulation is employed in the analysis of the
collected data. The research object is the CASE of São José, located in the state of Santa
Catarina, in the municipality of São José, which houses young people serving internment
measures between the ages of 12 and 21, due to offenses committed until they were 18 years
old. The institution's capacity is 70 inmates in definitive internment measures, and the
multidisciplinary team has direct contact with these young people. Throughout the study, the
following categories, based on Michel Foucault's writings on the genealogy of power, were
used: the microphysics of power, power-knowledge relations, the positivity of power, power-
resistance, and normalization. Additionally, the following were identified as key elements in
the normalization processes of the inmates in this institution: disciplinary power, subjugation
practices, constant surveillance, control of space and time, normalizing sanction, examination,
pedagogical action, stigmatization, socio-educational security agents, and counter-conducts.
The results indicate that normalization processes were indeed identified within the CASE of
São José; however, there are still some differing elements, such as the care provided by some
professionals for the individualization of the inmates. However, challenges persist, such as the
need to adapt institutional programs to the different needs of the inmates. This study
contributes to the understanding of the challenges associated with normalization processes in
the CASE of São José, providing critical elements to problematize perpetuated practices, with
the aim of reconsidering the perpetuated system, suggesting new research in other socio-
educational units. It is concluded that there are elements related to the normalization
processes of the inmates of the CASE of São José, which occur due to various perpetuated
practices within the unit. However, due to the absence of studies directly involving the
inmates, it was not possible to delve into how the internalization of these processes occurs,
suggesting new studies addressing this topic.
FIGURAS
QUADROS
IMAGENS
Imagem 8 - Escolarização………………………………………………………….. 92
1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………….. 13
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E PROBLEMATIZAÇÃO......................... 13
1.2 OBJETIVOS………................................................................................................ 16
1.2.1 Objetivo geral…………………………………………………….…….………... 16
1.2.2 Objetivos específicos……….................................................................................. 16
1.3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÃO DO ESTUDO.......................................... 16
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................................ 20
2.1 SISTEMA SOCIOEDUCATIVO............................................................................ 20
2.1.1 Sistema socioeducativo no mundo....................................................................... 21
2.1.2 Sistema socioeducativo no Brasil ………............................................................. 25
2.1.3 Sistema socioeducativo em Santa Catarina......................................................... 27
2.2 GENEALOGIA DO PODER................................................................................... 31
2.2.1 A microfísica do poder…………........................................................................... 32
2.2.2 A relação poder-saber……………........................................................................ 35
2.2.3 A positividade do poder…………......................................................................... 37
2.2.4 A relação poder-resistência………………........................................................... 38
2.2.5 A normalização…………………………………………………………………... 40
2.3 A NORMALIZAÇÃO E O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO................................ 42
2.3.1 O poder disciplinar................................................................................................ 43
2.3.2 O controle do espaço e do tempo.......................................................................... 45
2.3.3 A sanção normalizadora e o exame...................................................................... 47
2.3.4 As políticas de atendimento e as ações pedagógicas........................................... 49
2.3.5 A estigmatização e os agentes de segurança socioeducativos............................. 51
2.3.6 As contracondutas.................................................................................................. 52
2.3.7 Conceitos abordados.............................................................................................. 54
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................ 57
3.1 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA........................................................................... 57
3.2 OBJETO DA PESQUISA........................................................................................ 59
3.3 COLETA DE DADOS............................................................................................. 63
3.3.1 Dados primários..................................................................................................... 63
3.3.2 Dados secundários.................................................................................................. 66
3.4 TRATAMENTO E ANÁLISE DE DADOS............................................................ 67
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS.................................................. 71
4.1 REALIZAÇÃO DE ENTREVISTAS…………………………………………….. 71
4.2 OBSERVAÇÃO DIRETA, ANÁLISE DE DOCUMENTOS E IMAGENS…...... 72
4.3 OS ELEMENTOS IDENTIFICADOS DE NORMALIZAÇÃO….……………... 73
4.3.1 Poder disciplinar………………………………………………………………… 74
4.3.2 Práticas de sujeição e estigmatização…………………………………………... 77
4.3.3 Vigilância constante……………………………………………………………... 79
4.3.4 Controle do espaço e do tempo………....……...……………………………….. 82
4.3.5 Sanção normalizadora e exame………………………………………………… 87
4.3.6 Ação pedagógica…………………………………………………………………. 90
4.3.7 Agentes de segurança socioeducativos…………………………………………. 93
4.3.8 Contracondutas………………………………………………………………….. 96
4.3.9 Normalização.......................................................................................................... 98
4.3.10 Perspectivas............................................................................................................ 101
4.4 DISCUSSÃO GERAL DOS RESULTADOS……..………….......……………… 103
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS………..………………………………………….. 110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 115
1 INTRODUÇÃO
1.2 OBJETIVOS
Fonte: Elaboração da autora, com base no site do Ministério Público do Paraná (2023).
Fonte: Elaboração da autora (2022), com base em informações do IBGE e nos dados recebidos do Gabinete do
Diretor do DEASE (2022).
No entanto, de acordo com dados fornecidos para a pesquisadora, provenientes do
Gabinete do Diretor do DEASE, há 338 vagas disponíveis para o cumprimento de medidas de
internação definitivas no estado de Santa Catarina, mas apenas 255 estão sendo efetivamente
ocupadas. Essa situação é reflexo, de acordo com os dados apresentados, de embargos
judiciais decorrentes de ações promovidas pelo Poder Judiciário, que impedem a ocupação de
todas as vagas construídas e disponibilizadas pelo estado, resultando em uma distribuição
desigual das vagas entre as regiões.
Neste caso, embora o CASE de São José e de Joinville representem cada um 21%
(vinte e um por cento) das vagas estaduais, estão ocupadas apenas 18% (dezoito por cento),
em cada uma dessas unidades. Já o CASE de Criciúma, embora possua 19% (dezenove por
cento) da capacidade de vagas, possui a maior ocupação em comparação às outras unidades,
qual seja, 24% (vinte e quatro por cento). Para fins de tornar claras essas informações, foram
elaboradas as figuras 3 e 4, comparativas, que seguem:
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados coletados do Gabinete do DEASE (2022).
Figura 4 - Ocupação Efetiva das Vagas
Fonte: Elaboração da autora com base nos dados coletados do Gabinete do DEASE (2022).
1 As categorias foucaultianas aqui indicadas são fundamentais para a compreensão dos dispositivos de poder
(como a normalização) presentes no sistema socioeducativo. Embora o poder disciplinar faça parte da genealogia
foucaultiana do poder, como veremos, optamos por explicitá-lo no tópico 2.3 (A Normalização e o Sistema
Socioeducativo). O motivo é que, uma vez apresentada a normalização na caracterização dos traços genealógicos
do poder, é possível melhor explorar a capilaridade do poder na analítica das disciplinas no campo relacional de
forças que compõe o sistema socioeducativo.
Quando acontece, a aquiescência do interno a lógica normalizadora da instituição é a
materialização da produtividade do poder (Armstrong, 2020).
Uma compreensão limitada do poder como exclusivamente um exercício de coerção
pode levar a interpretações que negligenciam traços significativos do poder em nossa
sociedade atual (Han, 2021). Nessa perspectiva, o exercício de poder, ao invés de limitado
pela imposição verticalizada a partir de um ponto fixo (Estado, soberano...) que dominaria
integralmente seus súditos, é um constitutivo sobretudo das correlações de força sociais. E
mais, o poder funciona não apenas limitando e constrangendo sujeitos, mas, de forma sutil e
calculada, em tantos momentos, os encoraja e incita modos específicos do ser, ver e fazer
(Raffnsoe; Mennicken; Miller, 2019). Além disso, Sauvetre (2009) argumenta que não raro o
ordenamento jurídico ganha o status de causa das grandes expressões de poder nos Estado
democráticos. Sem negar sua expressiva relevância, em nosso tempo nem todas as práticas de
poder disseminadas pela espessura do corpo social são efeitos do Estado ou da lei. A
microfísica do poder radica o multifacetado campo de forças sociais que compõe o poder em
nossos dias.
Na visão de Nogueira (2021), para Foucault, o conceito de poder é frequentemente
mal interpretado em três aspectos: sua identidade, forma e unidade. Ele argumenta que o
poder não pode ser entendido como um conjunto de instituições ou aparelhos, mas sim como
uma prática social. Além disso, o poder não deve ser visto como um modo de sujeição que se
opõe à violência, mas sim como uma rede de relações de força. Por fim, o poder não se
apresenta como um sistema geral de dominação, mas sim como formas díspares, em constante
transformação. Todavia, o que importa aqui é questionar não o que é a microfísica, mas sim
quais são suas capacidades e quais efeitos ela gera nos indivíduos e nos grupos sociais
(Cassiano, 2022).
O poder moderno não se limita às formas de poder soberano e à execução de castigos
espetaculares e torturas. Pelo contrário, o poder moderno é mais eficaz e penetrante, pois é
baseado em micropráticas disciplinares que controlam os sujeitos de forma suave e
econômica. Essas micropráticas permitem uma análise do corpo social e circulam por toda
parte, tornando o poder moderno capilar e molecular. Assim, o poder não está concentrado em
instituições específicas, mas é disseminado por toda a sociedade, caracterizando sua
onipresença, vez que se encontra em todos os relacionamentos humanos (Fraser, 1981;
Foucault, 1987; Schutijser, 2019).
A microfísica pode ter um caráter descendente, isto é, partir do Estado e procura seus
prolongamentos. Contudo, isto não deve ser universalizado, pois a práticas microfísicas do
poder que não são determinadas pela força estatal Num certo sentido, a pretensão da
genealogia era se insurgir da ideia universalizante de um Estado como ponto de partida
necessário, como órgão único e central de poder. Surge em Foucault, então, a ideia de que não
existe "o" poder, existem antes práticas ou relações de poder (Machado, 1979). A partir da
perspectiva da microfísica do poder, torna-se possível, muitas vezes, compreender a
discrepância entre a lógica expressa pelo discurso institucional sobre si próprio e o que se
materializa como correlações de poder. Nesse sentido, a partir da microfísica não se busca
analisar a instituição como campo único e causa de todo o poder, mas sim como um horizonte
que permite identificar as dinâmicas do poder que permeiam as práticas cotidianas da
organização nas quais há expressivo peso dos seus discursos e ações. (Sauvetre, 2009).
Ao analisar especificamente as questões do aprisionamento, Foucault argumenta que o
poder é uma relação circulante, relacional e não se localiza necessariamente em nenhum
ponto fixo da estrutura social, não sendo exclusivo de nenhuma classe social ou do Estado; o
teórico se detém sobretudo sobre a gestão, a organização, a administração de vidas nesse
espaço (Thiry-Cherques, 2010; Raffnsoe; Mennicken; Miller, 2019). Embora exista
dominação, o poder não se limita a esta prática (Foucault, 999). Em outras palavras, o poder
pode ser exercido de formas diversas. Nos espaços microfísicos, pode significar práticas de
liberdade ou mesmo de sujeição de indivíduos e grupos sociais.
Não há, nesta concepção, os “donos absolutos do poder”, sendo este exercido em
qualquer relação desigual e movível e, embora as relações se modifiquem, o poder nunca se
extingue. Na análise das relações de poder, não se identifica uma matriz geral que se baseie
numa distinção entre dominantes e dominados. Ao contrário, o poder emerge de forma difusa
e complexa, oriunda das camadas mais profundas da sociedade, sendo atravessada por
diversos cálculos e estratégias que caracterizam um planejamento estratégico (Nogueira,
2021).
Nessa perspectiva, o poder é considerado como estratégico e anônimo, agindo de
forma imediata e direta sobre as pessoas, atuando em níveis locais de forma estrutural,
dinâmica e temporalmente tensa. Ao contrário da visão tradicional, o poder microfísico não
nega o macropoder, tampouco as forças opostas em atrito, mas as utiliza e as liga,
reformulando-se constantemente conforme as circunstâncias. (Fraser, 1981; Stevenson;
Cutcliffe, 2006; Portschy, 2020). Em outras palavras, o poder é capaz de cooptar ou
incorporar resistências e oposições em sua própria lógica, tornando-se mais complexo e
adaptativo às mudanças do ambiente em que está inserido. Os próximos tópicos apresentados
observam bem essa perspectiva.
A sujeição aqui é vista como algo que é produzido e mantido pelas relações de poder e
de saber que se estabelecem na sociedade. Assim, a intersecção entre saber e poder possibilita
um governo condutas que se materializa no contexto de dispositivos, como a “disciplina” e a
“segurança”, inerentes ao sistema de aprisionamento (Portschy, 2020). O poder, aqui, é visto
como um produtor de subjetividades, um motor no processo de subjugação do interno
(Shutijser, 2019).
Como dito, o poder-saber de Foucault (1999) refere-se à interconexão entre o poder e
o conhecimento. Isto é, o poder não opera apenas através da repressão e do controle físico,
mas também por meio da produção, disseminação e controle do conhecimento. Aliás, o poder-
saber não é simplesmente uma entidade coercitiva exercida por instituições governamentais
ou indivíduos, pois é também um dispositivo produtor de conhecimento, sensações,
comportamentos, valores etc., dentro e fora de organizações diversas.
2.2.3. A positividade do poder
Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele
“exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”. Na
verdade o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da
verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa
produção (Foucault, 1987).
Neste trecho, fica claro o entendimento de Foucault sobre o caráter produtivo do poder
que, em suas correlações, produz conhecimentos, estados de realidade que, por sua vez,
moldam subjetividades (Spade; Willse, 2016; Nogueira, 2021). Portanto, a "positividade do
poder" em Foucault ressalta que o poder não é unidimensional, mas complexo e
multifacetado. Ele pode criar oportunidades, discursos e formas de ser, ao mesmo tempo em
que impõe restrições e limites. Isso implica que as relações de poder não podem ser reduzidas
apenas à repressão, mas também devem ser compreendidas em termos de produção, criação e
configuração da realidade social.
2.2.5 A normalização
2 O "Panóptico" é um conceito arquitetônico e social introduzido pelo filósofo e teórico social Jeremy Bentham
no final do século XVIII e ampliado por Michel Foucault. Ele descreve um modelo de prisão onde os detentos
estão dispostos em celas ao redor de uma torre central de vigilância, de modo que possam ser observados
constantemente, mas não podem ver o observador (Foucault; 1987).
sedimentação de relações de controle geral, mas que objetiva todos individualmente (processo
de objetificar o sujeito) (Machado; Neto; Dinu, 2016; Schliehe et al., 2022).
Dentro da disciplina, o tempo é utilizado como instrumento de controle e
coordenação/gestão. As rotinas estabelecidas dentro de uma unidade socioeducativa
representam uma prática de exercício do poder, uma vez que se apoderam da totalidade do
tempo dos internos, sendo um dos mecanismos presentes nos sistemas normalizadores. Tais
rotinas são consideradas tecnologias de objetivação/subjetivação, que moldam os corpos e
comportamentos dos indivíduos, seja quando estão sozinhos ou em grupo. Dessa forma, é
necessário evitar que o corpo fique ocioso ou inútil, por meio de uma rigorosa rotina que
intensifica a utilização do tempo e otimiza o aproveitamento dos corpos (Foucault, 1987;
Portschy, 2020; Nogueira, 2021).
Diversamente do que acontece com a sanção, que é efeito somente da lei, a sanção
normalizadora faz uso de pequenas correções e recompensas para normalizar o sujeito, como
uma espécie de pequeno sistema penal produtivo e eficiente. É um método de disciplinar
através de prêmios e castigos, como uma perspectiva de ressocializar. Atuando de forma
difusa e indireta, estabelecendo uma "infra-penalidade", a norma funciona como um padrão
cultural, construída internamente entre os indivíduos (Goffman, 1974; Foucault, 1987;
Candiotto, 2012).
Privados da sua autonomia pessoal, os indivíduos submetidos ao poder normalizador
são subjugados através de uma “microeconomia” que se baseia em um sistema de
gratificação-sanção. Esse sistema duplo possibilita a avaliação de comportamentos e
desempenhos com base no que é considerado institucionalmente como certo e no errado, e
estabelece uma contabilidade penal reduzida a números, com um balanço diário que se refere
ao comportamento dos indivíduos sob controle (Foucault, 1987; Benelli, 2004).
Os comportamentos objeto desta sanção normalizadora são aqueles não atendidos nos
grandes sistemas de castigo que, por suas condições particulares, sutis, não exigem grandes
punições e mesmo assim não podem ser ignorados dentro de uma instituição totalizante. É o
caso de micro-punições por pequenos atrasos, negligência, grosserias, sujeira ou indecência,
por exemplo (Foucault, 1987). Assim são mensurados os indivíduos por notas ou pontos, os
quantificando, entendendo que se faz funcionar uma oposição binária do permitido e do
proibido (Benelli, 2004).
Ao introduzir uma gradação das diferenças nas punições e recompensas esta
regulamentação normalizante mede desvios, integrando-os dentro de um mesmo grupo
homogêneo. O sujeito, tido como “não-normal” (delinquente, improdutivo, desobediente...),
não será considerado igual aos outros identificados pela instituição como normais. Assim, os
desvios e as diferenças devem ser submetidos a um padrão racional homogeneizante (Benelli,
2004; Candiotto, 2012). Foucault (1987) já apontava que esse aparelho de hierarquização
diferencia não somente os atos, mas também as virtualidades dos indivíduos, suas
competências e aptidões.
Outra consequência apontada por Foucault (1987) do exercício da sanção
normalizadora é o fato de ser exercido sobre os internos uma pressão constante, submetendo-
se ao modelo apontado pela instituição para obter as recompensas e ser valorizado dentro da
instituição em que está inserido. Desta forma, para o autor, todos os indivíduos são obrigados
a ser subordinados, dóceis, atentos aos estudos e aos exercícios, cumprindo seus deveres e
mantendo-se disciplinados.
Como uma combinação entre a vigilância e a sanção normalizadora, surge também o
exame, que torna os indivíduos objetos de um saber que deve ser extraído, identificado
decodificado. Ao analisar o delinquente, o exame define com base na normalização qual o
comportamento esperado do sujeito tido como normal (Candiotto, 2012). Ademais, em vista
do uso do poder normalizador, os sujeitos são sujeitados ao exame, captando-os em um
mecanismo de objetificação que os individualiza como efeito e objeto de poder e de saber. No
limite, é o exame que permite vigiar e punir (mesmo que utilizando recompensas) os menores
infratores numa instituição socioeducativa (Benelli, 2004).
É essencial destacar que o exame desempenha um papel fundamental na constituição
dos corpos como alvo e resultado do poder-saber, maximizando a extração de suas energias e
tempo (Nunes; Assmann, 2000). Dentro do contexto do sistema socioeducativo, o exame se
materializa através da vigilância constante sobre os internos e da imposição de normas e
rotinas que os compelirão a adotar um comportamento uniforme. Essas medidas visam tornar
os indivíduos mais maleáveis ao controle e a reduzir sua capacidade de se rebelarem.
Uma prática notável no exame de indivíduos aprisionados é a implementação de
estruturas de direitos que expandem os sistemas de controle sobre os detentos. Essas
estruturas, destacadas por Armstrong (2020), incorporam um conceito específico de
reabilitação que justifica práticas repressivas e intrusivas de confinamento. Nesse contexto, os
indivíduos, buscando certos privilégios dentro das instituições de aprisionamento, adotam
comportamentos específicos para cumprir os requisitos necessários.
O poder normalizador, permeando essas relações, cria os padrões, sanciona as
condutas adotadas e pune os desvios. Em que pese o ECA, em sua literatura, não tenha
referendado esses comportamentos, as instituições socioeducativas preservam as principais
características das instituições totais, dentre eles: arquitetura, vigilância, agrupamento de
corpos e uniformização (Aguiar; Freitas; Ramos, 2020).
Por muito tempo, a instituição prisional foi vista como determinante e inquestionável,
todavia, conforme os estudos sobre o tema foram se aprimorando, foi percebido que o sistema
como se encontra organizado não havia obtido êxito em atender às demandas sociais e,
portanto, foi necessário inverter a lógica de "instituição total" para o entendimento da
"incompletude institucional" (Garutti; Oliveira, 2017)3. Para Francisco e Lopes (2020) as
chances de êxito na ação socioeducativa aumentam com a construção de um espaço que, além
de reprovar as condutas, preze pela convivência e propicie alternativas e inovações que
foquem no fazer e no pensar.
A lógica da incompletude institucional, prevista na Lei do Sinase como um princípio
que objetiva a inter-relação entre os órgãos das políticas públicas, visa, teoricamente,
desinstitucionalizar o sujeito, através de possibilidades efetivas de emancipação.
Preconizando as articulações de políticas públicas em ações que integram o sistema de
garantia de direitos - são eles: Sistema Educacional, Sistema de Justiça e Segurança Pública,
Sistema Único de Saúde, Sistema Único de Assistência Social - a incompletude institucional
objetivou romper a lógica das instituições totais (Brasil, 2012; Garutti; Oliveira, 2017).
3 Os autores definem a instituição total como um estabelecimento fechado que funciona em regime de
internação, tendo moradia, lazer e outras atividades concentradas no interior da instituição. Já a incompletude
institucional é definida pelos autores como a noção de que nenhum programa ou serviço pode atender todas as
necessidades ou carências do meio, mas deve estar inserida numa rede de programas de serviços, com
articulações de políticas públicas (Garutti; Oliveira, 2017).
Em tese, esse sistema de redes de políticas públicas, exercida de forma policêntrica ou
compartilhada, envolve tanto organizações públicas - o Estado - quanto privadas - presentes
na Sociedade Civil. Assim, promoveria um fluxo de recursos, desenvolvendo um arranjo
econômico cooperativo, que romperia com os modelos hierarquizados e concretados,
tradicionais do Estado. O propósito seria fortalecer a participação de diversos sujeitos da
sociedade na reinserção do interno que cumpre medida socioeducativa (Garutti; Oliveira,
2017).
Todavia, inseridas no sistema socioeducativo, em que pese estranhas a eles, as
instituições parceiras não se distanciam das mais arcaicas formas de submeter e conduzir os
jovens, vez que são elas trabalhadas e estipuladas em um modelo normalizador. A
normalização apontada, ademais, se apresenta intimamente relacionada à padronização do
modo de produção industrial; podendo neste caso as instituições serem vistas apenas como o
prolongamento da medida normalizadora que produz em grande medida subjetividades
institucionalizadas. Seu fracasso acentua ainda mais o sentido punitivo da medida
generalizada de internação dos menores que cometeram atos infracionais (Machado; Neto;
Dinu, 2016; Kelly, 2019).
A ação pedagógica é vista, neste sistema, agravando o processo de normalização. Este
apenas se mascara em discursos pedagógicos, ofuscando as condições mais amplas inerentes
ao confinamento. O ideal de regeneração, integrado à educação e ao trabalho, contribui para a
manutenção de uma relação de domínio e obediência. Os internos estarão dependentes do
aparato institucional e em sua condição como sujeitos à margem da sociedade (Machado;
Neto; Dinu, 2016; Armstrong, 2020).
As políticas direcionadas ao atendimento dos jovens flutuam entre perspectivas
predominantemente compensatórias e salvacionistas, requerendo a cooperação interna para
assegurar a obtenção da libertação (Armstrong, 2020). Nesse contexto, a falta de abrangência
nas práticas institucionais pode fomentar a perpetuação das abordagens normalizadoras, uma
vez que os adolescentes podem ser sujeitos a medidas que buscam conformá-los aos padrões
sociais prevalentes, em detrimento de uma abordagem holística e respeitosa de suas
individualidades. Dessa maneira, tais políticas podem inadvertidamente marginalizar e
estigmatizar os jovens em processo de internação, aprofundando os processos de
normalização e seus efeitos mais nocivos.
2.3.5 A estigmatização e os agentes de segurança socioeducativos
2.3.6 Contracondutas
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Consistindo num estudo de caso único, limitado ao CASE de São José, escolheu-se
quanto à estratégia de pesquisa o estudo de caso, pois permitiu a construção de um
conhecimento amplo e detalhado. A complexidade dos vieses da normalização demonstrou
ser mais adequado o uso da estratégia de estudo de caso para trabalhar todos os seus múltiplos
aspectos, onde se investigou com maior precisão os processos de normalização, utilizando-se
o contexto, os vieses, os atores e a dinâmica estrutural (Gil, 2002; Prodanov; Freitas, 2013).
Yin (2018) pontua que o estudo de caso pode ser único ou múltiplo. Por se tratar de um único
objeto de pesquisa - o CASE de São José, classificou-se essa pesquisa como estudo de caso
único.
A pesquisa em questão teve como objetivo analisar as características de um grupo
específico, no caso, os internos de uma unidade socioeducativa. Para atender a esse objetivo, a
pesquisa foi do tipo descritiva, que buscou descrever os processos de normalização dos
internos, caracterizando-os e estabelecendo variáveis em relação a esses processos (Vergara,
2005; Kauak; Manhães; Medeiros, 2010).
Por questões de viabilidade e para fins de estudo, adotou-se a estratégia de corte
transversal. As técnicas empregadas, tais como o levantamento bibliográfico, as entrevistas e
a observação e análise das figuras investigadas, estão em conformidade com esse tipo de
abordagem (Gil, 2002; Prodanov; Freitas, 2013; Saunders; Lewis; Thornhill, 2019).
Por estas razões, se justifica também a escolha metodológica de um caso único, vez
que se refere a um caso revelador que, para atingir a profundidade necessária da pesquisa,
precisou ser analisado da forma mais aprofundada possível. Ademais, utilizar outras unidades
prejudicaria a coleta de dados, vez que não se atingiria a profundidade necessária em razão da
complexidade nos processos estudados e o pouco tempo para realização do estudo num curso
de mestrado (Yin, 2018).
Dando grande importância à descrição verbal dos informantes, os dados primários são
uma importante fonte de levantamento de informações (Prodanov; Freitas, 2013). Dentro
deste meio, as entrevistas semiestruturadas foram utilizadas como uma das técnicas de
pesquisa. Saunders, Lewis e Thornhill (2019) as definem pelo uso de temas pré-determinados
e algumas perguntas-chave para orientar a entrevista.
As entrevistas foram aplicadas presencialmente, em conversação da autora com
agentes que exercem cargos de chefia, como gerentes, coordenadores e supervisores, assim
como psicólogos, assistentes sociais, professores e instrutores que trabalham dentro do CASE
de São José, com o total de doze pessoas entrevistadas, selecionadas por se tratarem de
pessoas-chave na tomada de decisões da unidade (amostra intencional) (Yin, 2018), além de
agentes de segurança socioeducativos que atuam na atividade-fim, para fins de uma análise
aprofundada. Nos cargos de liderança em geral, conforme estabelecido pelo Decreto nº
1778/2022, são ocupações que implicam responsabilidades que impactam o funcionamento da
unidade e os procedimentos de padronização (Santa Catarina, 2022). O corpo técnico foi
escolhido pela atribuição legal, ditada na Lei do SINASE, de elaboração do PIA (Plano
Individual do Adolescente) e, portanto, tiveram um olhar diferenciado em relação aos
67
a observação como uma abordagem qualitativa da pesquisa. Conforme leciona Yin (2018), as
observações diretas tratam os acontecimentos em tempo real e o contexto do evento, embora
dependam da reflexão do observador para a análise - por isso, ela foi tratada em triangulação
com as demais fontes de dados.
Após a coleta de dados, foi iniciado o tratamento dos mesmos através de uma análise
de conteúdo, com o intuito de identificar o que coadunaria com o tema em questão. A análise
foi realizada para atender aos objetivos da pesquisa e responder ao questionamento que a
71
referendou, qual seja, verificar como se dão os processos de normalização dos internos,
comparando dados e provas para se compreender ou rejeitar os seus pressupostos (Prodanov;
Freitas, 2013).
O desafio no tratamento e análise de dados em uma pesquisa qualitativa, ainda mais
relacionada a diversas fontes, diz respeito ao fato de serem derivados de palavras e imagens, e
serão associados a implicações analíticas particulares (Saunders; Lewis; Thornhill, 2019).
Destarte, para analisar os dados coletados, foi utilizado um ciclo de cinco fases, não lineares,
tal como explicitado na Figura 6 e por Yin (2016).
Com base na Figura 6, foi realizada a análise dos dados coletados em momento
anterior. Primeiramente, foram organizados, e decompostos e recompostos conforme
necessidade. A interpretação foi realizada em diversos momentos, utilizando o material
coletado para criar a narrativa e, ao fim, extrair as conclusões a partir deste estudo (Yin,
2016).
72
A triangulação é um fator que reforça esse entendimento, vez que se utilizou todas as fontes
possíveis para encontrar os pontos de convergência (Yin, 2018).
Assim resta delimitada e explicitada a presente pesquisa, com as devidas escolhas
metodológicas que, de acordo com o esquema de Saunders, Lewis e Thornhill (2019) assim se
apresenta:
Fonte: Elaboração da autora (2023), com base em Saunders, Lewis e Thornhill (2019).
74
As entrevistas foram realizadas pela autora dentro das dependências do CASE de São
José e gravadas em aparelho eletrônico, que depois foram repassadas manualmente para
arquivo de formato escrito, para melhor análise e estudo. O tempo médio das entrevistas foi
de 20 (vinte) minutos, somando-se as explicações sobre o estudo e as orientações gerais,
assim como esclarecimentos a respeito da pesquisa e para sanar eventuais dúvidas dos
participantes. Foram realizadas ao todo com 12 (doze) profissionais que atuam no CASE de
São José, dentre eles, 04 (quatro) agentes de segurança socioeducativo que trabalham
diretamente com os adolescentes, 04 (quatro) com profissionais do corpo técnico e 04 (quatro)
agentes de segurança socioeducativo convocados para prestar serviços em cargos de gestão,
como supervisão, coordenação e direção da unidade.
Para melhor elucidação e tornar a leitura deste capítulo mais facilitada, cada
entrevistado foi nomeado da seguinte forma:
dos entrevistados. A análise dessas visões proporciona uma compreensão mais profunda dos
desafios e das práticas facilitadoras dentro desse contexto.
Ges01 aponta para a necessidade de uma análise mais aprofundada das
individualidades dos internos, especialmente quando o número de recolhidos não é
significativo em comparação com a expressiva presença do corpo técnico. Sua observação,
além de compreender o corpo técnico como o responsável pela individualização, destaca uma
possível lacuna na atenção dada às particularidades de cada indivíduo, sugerindo a
importância de uma análise mais detalhada nesse aspecto.
Age01 aponta que as individualidades e características pessoais podem ser trabalhadas
tanto nas atividades sociopedagógicas quanto no acompanhamento de saúde psicológica.
Tec03, da mesma forma, também leva a responsabilidade de trabalhar com a individualidade à
equipe técnica, ao afirmar que os membros da equipe técnica “são responsáveis pelos
atendimentos individuais, confeccionando os relatórios com as características de cada
interno”. Entretanto, ao se concentrar exclusivamente na equipe técnica a responsabilidade de
lidar com as individualidades, há o risco de limitar a compreensão e intervenção mais ampla.
A centralização pode resultar em uma visão restrita, carecendo da colaboração de outras
disciplinas e perspectivas, o que pode comprometer a abordagem holística necessária para
lidar efetivamente com as características individuais.
Age02, por sua vez, destaca que, “a individualidade na maioria das vezes não é um
fator considerado no sistema” e, embora em algumas situações as características individuais
sejam consideradas, a atenção dedicada a elas é inferior ao necessário. Age03, por outro lado,
destaca que a individualidade é respeitada, porém, “na medida que não afete a segurança,
saúde e bom andamento dos trabalhos na unidade – a exemplo do uniforme e corte de cabelo”.
Essa percepção destaca uma limitação em relação ao reconhecimento das individualidades.
Contrastando com essas visões, Tec01 entende que “no momento que conhecemos o
interno aprendemos a lidar com ele”. Tec02 enfatiza a importância de levar em consideração a
individualidade e características pessoais dos internos. Essas abordagens destacam uma busca
por visões personalizadas nos processos de ressocialização, reconhecendo a singularidade de
cada indivíduo.
Tec04, outrossim, reconhece a premissa central da valorização da individualidade dos
assistidos. No entanto, ressalta que “a personalização total pode ser difícil em um sistema com
restrições e normas padronizadas”. A abordagem mencionada procura se adaptar à
83
são indicados nas entrevistas o caráter contraditório da vigilância ininterrupta que pode
comprometer aspectos essenciais na ressocialização.
O CASE de São José, de fato, abriga todos esses locais dentro de seus limites, que são
utilizados pelos internos para uma variedade de atividades, como ginásio de esportes, salas de
aula, salas de oficina equipados com maquinários específicos, espaços destinados ao cultivo
de hortaliças, sala de atendimento à saúde, contendo inclusive com cadeira para tratamento
odontológico. Os prestadores de serviço, neste caso, que se deslocam até as dependências do
CASE de São José para realizar as atividades, como consultas e oficinas. Assim, elimina-se a
necessidade de recorrer a espaços externos à unidade nos processos de ressocialização.
Nos termos de Foucault (1987), a tecnologia política do corpo se manifesta em quatro
etapas distintas em instituições como unidades socioeducativas:
(a) Clausura: Este estágio não apenas delimita e separa os indivíduos do exterior, mas
também instaura processos de normalização que ocorrem independentemente do espaço
físico, conforme destacado por Foucault (1987).
88
Tec01 menciona que as rotinas são repassadas aos internos no momento de sua entrada
na unidade, reforçando a importância da previsibilidade para os indivíduos recém-chegados.
Ges02 destaca a prévia ajustagem das rotinas com as coordenações pedagógicas e de
segurança, evidenciando um planejamento colaborativo para concluir o cronograma semanal.
Ges04 fornece uma visão detalhada das atividades programadas, destacando a variação
da rotina conforme os dias úteis, sábados, domingos e feriados. Reforça que “os internos
possuem um horário fixo de alimentação, e a liberação para o espaço de convívio, lazer e
solário ocorrem conforme a rotina do dia, considerando que eles possuem ao menos 2 horas
de solário”. Destaca a organização da equipe pedagógica e técnica para coordenar as aulas,
oficinas, atendimentos e visitas.
Age03 e Age04 concordam que a rotina é organizada com antecedência,
proporcionando previsibilidade e mantendo um ambiente controlado. Age03 ainda acrescenta
que o “planejamento de atividades através dos cronogramas, que são repassados com
acesso a rádio, televisão, pen drive com músicas e filmes, além da participação em atividades
extras, entre outras vantagens.
Ao analisar as respostas das entrevistas no contexto dos processos de normalização no
CASE de São José, é possível identificar uma tendência para a utilização de sistemas de
recompensas e punições como ferramentas centrais na gestão do comportamento dos internos.
A ênfase na progressão de módulo como um sistema de recompensa pode ser interpretada
como uma forma de normalização baseada em conformidade com as normas preestabelecidas
pela instituição.
A divergência nas respostas sobre quem realiza as avaliações, se é o setor de
segurança ou uma avaliação multidisciplinar, adiciona uma camada de complexidade à
compreensão dos processos de normalização no CASE de São José. A falta de consenso entre
os entrevistados sobre quem realiza as avaliações destaca a necessidade de uma definição
clara e transparente desses processos no contexto da instituição. Essa falta de consenso é
percebida na fase de observação, vez que as alterações de módulos são realizadas sem
critérios muito bem delineados pela gestão.
Contudo, com base na literatura, fica evidente que o sistema de recompensas pode ser
ambíguo nas suas positividades/produtividades: podem gerar algum nível de capacitação e
organização ou anulação, conformidade e sujeição.
O sistema de recompensas para o bom comportamento dos internos está explícito nas
Normas Complementares que norteiam o sistema socioeducativo, onde consta que a estrutura
física nos Centros de Atendimento Socioeducativo (CASEs) deve ser projetada para acomodar
as transições de fases da medida socioeducativa, alinhadas ao desenvolvimento do
adolescente. Essas transições devem ser realizadas por meio de mudanças de ambientes,
sendo que a avaliação do progresso será fundamentada no acompanhamento das metas
estabelecidas e acordadas no Plano Individual de Atendimento (PIA) (SANTA CATARINA,
2013).
Este PIA é de fato um exame, desta vez normatizado, do interno quando em
cumprimento de medida, vez que este, elaborado pela equipe técnica, avalia o
desenvolvimento pessoal e social desse (SANTA CATARINA, 2013). Ges02 destacou a
vinculação do sistema de recompensa à elaboração do PIA, ao citar que “o sistema de
recompensa seja com a própria elaboração do PIA (Plano Individual de Atendimento), que
95
atividades, de acordo com Age01, podem ser, entre outras, literatura, palestras educacionais,
jardinagem, palestras religiosas e olericultura.
Age02, ao ressaltar a elaboração centralizada dessas atividades aos setores técnicos e
pedagógicos, destacando que “internos aderem as atividades que são obrigatórias e que sabem
que vão trazer algum tipo de retorno a eles ou que a não realização pode acarretar algum tipo
de prejuízo”. Questionado sobre o tipo de prejuízo que poderia causar, citou que seria a
possibilidade da exclusão em outras atividades a que esteja integrado, em face da não adesão
do interno ao sistema proposto. Neste ponto, já se percebe a presença também do sistema de
recompensas percebido na discussão do ponto 4.3.5, que trata da sanção normalizadora e do
exame.
Quando questionado, Age03 informou que dentro do contexto socioeducativo, são
oferecidas diversas atividades de cunho pedagógico, sendo a escola, como um direito
fundamental, a principal delas. Além disso, na biblioteca, os internos participam de leituras,
elaboração de fichamentos e seleção de filmes que abordam questões do cotidiano.
Adicionalmente, há visitas de entidades voltadas à espiritualidade, muitas vezes conduzidas
por pastores. A maioria dos internos demonstra adesão a essas atividades, possivelmente
impulsionada pela preferência em sair dos módulos.
Tec01 destaca a diversidade das atividades, como escolarização, oficinas
profissionalizantes, voluntários e parcerias com o SENAC. Ges04 destaca a adaptação das
atividades conforme o perfil do interno, e, também, a diferenciação entre oficinas para
diferentes comportamentos, alegando que oficinas onde o interno possui acesso a ferramentas
é reservada àqueles com melhor comportamento, como é o caso da marcenaria.
A lógica da incompletude institucional, um princípio da Lei do Sinase, busca
desinstitucionalizar o sujeito, promovendo a inter-relação entre órgãos das políticas públicas,
como é o caso da parceria com o SENAC citada (Brasil, 2012; Garutti; Oliveira, 2017). No
entanto, as instituições parceiras no sistema socioeducativo muitas vezes seguem uma lógica
normalizadora, distante do ideal proposto, relacionando-se à padronização do modo de
produção industrial (Machado; Neto; Dinu, 2016; Kelly, 2019).
Tec02 e Tec04, outrossim, ressaltam que a adesão varia, porém, se percebe uma busca
por tornar as atividades interessantes aos internos. Tec03, ainda, reforça que as atividades são
rotineiras e que grande parte dos internos aderem, sem causar transtornos e complementa que
97
as atividades são uma maneira de “os adolescentes perceberem que toda atividade é necessária
e benéfica a todos”.
Sobre as atividades escolares, Age04 informa que “todos os internos devem ter aulas
todos os dias, exceto nos finais de semana, conforme seus respectivos níveis de escolaridade”.
Ao citar o dever de participar da escolarização, se percebe que não há como precisar sobre a
adesão dos internos às atividades pedagógicas, visto que a escolarização se apresenta como
uma obrigatoriedade dentro da unidade. Nota-se, ainda, que as aulas são realizadas
normalmente, através de escola regular, conforme imagem:
Imagem 8 - Escolarização
ambiente, os adolescentes são considerados alunos e não internos, estabelecendo assim uma
sutil distinção em relação à realidade do encarceramento. No entanto, é importante notar a
presença de câmeras, grades e portas trancadas.
Ressalte-se que atuação pedagógica no contexto socioeducativo desempenha um papel
crucial no processo de normalização, influenciando diretamente a percepção dos internos
sobre as amplas condições de confinamento. Este aspecto é destacado por Machado, Neto e
Dinu (2016) e Armstrong (2020), que ressaltam como a prática pedagógica contribui para
ocultar, de certa forma, as complexidades do ambiente confinado. Ao fazê-lo, ela perpetua
uma dinâmica de domínio e obediência, essencial para a manutenção da ordem na instituição.
Nesse sentido, as estratégias pedagógicas adotadas não apenas moldam a experiência
educacional dos internos, mas também desempenham um papel na construção da dinâmica de
poder que permeia o sistema socioeducativo. Por fim, a pedagogia pode influenciar
capacitação e reflexão ou diversamente, os efeitos mais nocivos da normalização, como a
sujeição física e psicológica.
exercem influência sobre os internos, uma vez que são o papel de referência de autoridade
dentro da unidade”.
A colaboração dos agentes abrange desde a facilitação de deslocamentos até a
promoção de atividades, como destacado por Tec01. Uma atuação mais próxima, que
transcende as barreiras tradicionais entre segurança e socioeducação, resulta em relações mais
amenas e respeitosas, atenuando possíveis tensões. Tensões estas que podem ser alimentadas
pelas estigmatizações.
Ges03 ressalta que a influência dos agentes se manifesta principalmente na correção e
cobrança de disciplina, resguardando os direitos dos internos. Esse equilíbrio delicado entre
manter a ordem e garantir os direitos individuais representa de fato um desafio constante.
Assim, a colaboração dos agentes emerge não apenas como uma questão operacional, mas
como um fator crucial para moldar o ambiente socioeducativo, influenciando diretamente a
dinâmica de poder, as relações interpessoais e, por conseguinte, os processos de normalização
dentro da instituição.
Age03, complementa dizendo que os agentes cumprem suas atribuições, trazendo aos
internos as propostas da unidade. No entanto, algumas exceções surgem devido a
comportamentos disruptivos dos internos, causando transtornos, seja por indisciplina ou por
questões psicológicas, como doenças mentais. Finaliza informando que “a abordagem e
postura do profissional faz muita diferença na forma como o interno recebe os comandos para
realização de atividades”.
Todavia, a percepção sobre o papel e influência dos agentes no Centro de
Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José revela divergências significativas entre os
entrevistados. Enquanto Tec03 e Age02 destacam a influência sutil e inerente dos agentes
como referências de autoridade, Ges04, que entende que a função dos agentes é basicamente
realizar o deslocamento dos internos, e, conforme Age01, não há influência dos agentes sobre
os internos. Age04, neste mesmo ponto, cita que “a obrigação do agente de segurança
socioeducativo é manter a ordem e a segurança na unidade, fazendo o cronograma da unidade
funcionar da forma mais segura possível e sem erros”. Tais compreensões distanciam o
interno do agente.
Ao realizar uma análise das dinâmicas observadas na referida unidade, torna-se
patente a diversidade nas interações entre os agentes de segurança socioeducativos e os
internos. Nesse contexto, embora predomine a opção de distanciamento adotada pela maioria
100
4.3.8 Contracondutas
De acordo com a notícia veiculada pelo canal de notícias ND Mais (2023), o Centro de
Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José já foi alvo de disparos de armas de fogo
nos anos de 2019, 2020, 2022 e 2023. Este cenário revela uma série de desafios enfrentados
pela instituição, que são nada mais que respostas dos ex-internos. Todavia, percebe-se que o
ataque a tiros não é direcionado aos servidores, ou com o intuito de destruir o local, mas é um
ataque dirigido às paredes, como forma de demonstrar seu inconformismo com a existência
deste espaço físico.
Já no cotidiano do encarceramento, contracondutas sutis, como redes de solidariedade
e pequenos atos de desobediência, expressam resistência às práticas normatizadoras e
disciplinares, revelando a capacidade dos indivíduos de criar identidades e forjar novas
práticas de si (Foucault, 1987; Ball, 2019). Esse processo não é unidimensional. Foucault
(1999) nos alerta para as resistências que surgem como contracondutas dentro dessas
instituições. A resistência, manifestada como desafio e questionamento das estruturas de
poder, cria oportunidades para novas formas de subjetivação. Dentro do sistema
socioeducativo, as contracondutas podem se apresentar como estratégias organizadas dos
internos para desafiar as normas estabelecidas, representando uma reação natural à exclusão
institucional.
Foram questionados os participantes se é percebida alguma ação, mesmo que singela,
em resposta aos processos de ressocialização. Ao se analisar as possíveis ações dos internos
em resposta aos processos de ressocialização, emergem perspectivas diversas. Ges01, por
exemplo, destaca que alguns internos buscam "educação mínima e básica que não tiveram em
casa" como uma forma de resistência em relação à processos externos ao CASE, revelando
uma tentativa de suprir lacunas educacionais.
No entanto, a visão mais cética de Age02 destaca que poucos internos estão "dispostos
e/ou abertos aos estímulos provocados pelos processos de ressocialização". Age01,
corroborando, não vê nenhuma resposta positiva por parte dos internos, o que pode indicar
que os internos possuem apenas respostas negativas aos processos institucionais. Já Tec01, ao
caracterizar o trabalho como uma ação de "redução de danos", sugere a complexidade da
tarefa ao suprir necessidades muitas vezes não atendidas no âmbito familiar.
Age03, igualmente, não entende que exista uma resposta dos internos aos processos de
normalização, reforçando que “ao que vejo, e pelo número de vezes que acabam por retornar à
Unidade Socioeducativa, as mudanças apresentadas são apenas para obter reavaliação de
103
medida e conseguir liberação ou progressão de medida”. A resposta sugere que existe uma
possível instrumentalização do comportamento para atender a requisitos formais do sistema
socioeducativo.
Contrastando com essa perspectiva, Tec02 e Tec03 observam, de maneira mais
otimista, mudanças, ainda que pequenas, por parte dos internos. Tec02 ressalta que essas
mudanças podem ocorrer "gradualmente", enquanto Tec03 destaca que a maioria, ao retornar
às origens, se “perde novamente”.
No entanto, a incerteza apontada por Age04, que menciona a falta de informações
sobre o destino dos internos após a liberação, destaca a necessidade de uma abordagem mais
abrangente e integrada. Isso realça a importância de um acompanhamento pós-liberação para
assegurar uma efetiva reinserção na sociedade, para efetivamente ter conhecimento se o
processo aplicado obteve sucesso.
Todavia, avaliando as respostas dos entrevistados, percebe-se que não há menção
direta às pequenas transgressões, o que sugere que esses participantes não percebem as
contracondutas como componentes integrantes do processo de normalização dos internos
enquanto submetidos às medidas de internação.
Durante o período de observação, foi evidente que pequenas transgressões são
prontamente percebidas, sendo a maioria delas abordada pelos agentes de forma verbal. Em
sala de aula, a presença de um interno mais agitado leva o agente de plantão a exigir silêncio,
uma solicitação que, na maioria das vezes, é prontamente atendida. Caso o comportamento
agitado persista, o interno é removido da aula e excluído da atividade, resultando na rápida
coibição de pequenas transgressões que ocorrem com frequência.
Outros casos de maior impacto são referidos como "pedalação". Esse termo é
empregado quando os internos chutam repetidamente as portas de ferro de seus alojamentos,
gerando um ruído ensurdecedor, para chamar a atenção para uma questão específica, como
solicitar a troca de módulo. Em resposta a essa prática, os agentes retiram todos os internos
envolvidos na "pedalação" de seus alojamentos, implementando um procedimento de
contenção que inclui imobilização e algemação do interno. Posteriormente, todos são
encaminhados para perícia a fim de verificar se houve algum dano físico decorrente da ação.
É possível inferir que neste sistema, em que a normalização é excessiva, os obstáculos às
contracondutas são muito grandes.
Outrossim, toda a conduta que seja considerada uma pequena transgressão,
104
classificando-se inclusive o uso de palavrões, é relatada pelos agentes por meio do Relato de
Transgressão Disciplinar, disponível para preenchimento no SISE. Este Relato em tese seria
encaminhado para uma Comissão Disciplinar, constituída por servidores tanto da equipe
técnica quando por agentes, que teria, teoricamente, a capacidade de aplicar pequenas
punições em face de determinadas condutas, como o corte de entrada de alimentos, limitação
de visitas ou suspensão de atividades. Todavia, em face da discordância do Poder Judiciário e
da Defensoria Pública, tais punições hodiernamente não são aplicadas no CASE de São José,
sendo utilizadas essas transgressões apenas como parâmetro para definir se determinado
interno pode progredir de uma medida de internação para uma medida de liberdade provisória
ou para a mudança de módulo.
4.3.9 Normalização
Conforme destacado por Foucault (1987), ao abordar o Sistema Prisional por meio da
metáfora do tripé (cela, oficina e hospital), a proposta é empregar ferramentas de controle
social e repressão, com a finalidade exclusiva de punir e controlar a vontade dos indivíduos. A
intenção é subjugar a natureza humana, relegando-a ao status de "coisa" e impedindo a
autonomia no protagonismo de sua própria história.
A discussão acerca da normalização ganha relevância, especialmente quando aplicada
ao contexto socioeducativo, onde se delineiam complexas dinâmicas de poder e resistência.
Esse debate questiona não apenas o papel da normalização, mas também seus efeitos sobre os
indivíduos que atravessam o cotidiano desses espaços. Apesar da tese jurídica de proteção
integral, as instituições socioeducativas no Brasil frequentemente mantêm uma abordagem
punitiva e disciplinadora, perpetuando mecanismos de exclusão (Aguiar, Freitas e Ramos;
2020).
Ao examinar as respostas dos entrevistados ao questionamento se estes acreditam que
o sistema molda os internos e, acaso respondessem positivamente, se os internos replicam os
comportamentos aprendidos posteriormente, no seu convívio social, emergem diferentes
perspectivas sobre o impacto do sistema socioeducativo na moldagem dos internos. Ges01,
adotando uma visão matizada, afirma que acredita na influência do sistema "em partes",
indicando uma compreensão equilibrada da situação. Já Age01, de maneira mais cética,
declara enfaticamente que não acredita, explicando que a maioria absoluta dos internos
105
comete inúmeros atos infracionais antes de ser internado no CASE de São José. Sugere
também que esses internos estão totalmente inseridos no mundo da criminalidade e
“recrutados por facções criminais”.
Age02 aponta para a influência negativa do sistema, destacando que “o sistema molda
os internos geralmente para o lado negativo, pois acabam convivendo com muitos outros que
trazem uma bagagem grande de coisas ruins e isso é compartilhado”. Tec01, reconhecendo a
capacidade do sistema de moldar durante a medida socioeducativa, ressalta a falta de controle
sobre as ações dos internos após o retorno ao convívio social.
Ges02 adota uma abordagem crítica em relação à eficácia do sistema socioeducativo,
asseverando que:
O sistema, como está posto não molda, acredito que o processo de mudança no
processo da criminalidade do adolescente encontra-se fracassado no formato em que
se encontra, onde o adolescente com 14, 15, 18 anos, já se encontra completamente
envolvido com o crime, mudar isso, eu diria que é quase impossível, enquanto não
houver investimento na estrutura da sociedade, com educação básica de qualidade,
esse cenário é fadado ao ciclo vicioso que já temos há alguns anos.
Ges03 nega que o sistema exerça uma influência significativa na moldagem dos
internos, enquanto Ges04 reconhece a contribuição do sistema, mas alerta para a brevidade do
período de medida socioeducativa, que é o período de 06 (seis) meses dentro do CASE de São
José, “necessitando de ao menos um ano para haver uma mudança de comportamento, um
trabalho psicológico, para o interno aprender novas atividades laborais e vislumbrar outras
possibilidades para sua vida”.
Esse mesmo tempo exíguo é citado por Age03, ressaltando que não há como moldar
um terno no tempo médio de internação de São José-SC, que é de 03 a 05 meses. De acordo
com o entrevistado, “o adolescente passou parte da sua vida inserido num meio de
criminalidade, e magistrados e sonhadores querem que uma equipe realize um milagre na
internação”. O trabalho a ser realizado, para este agente, exige um tempo consideravelmente
mais extenso.
Tec02 acredita que o sistema tem um papel na moldagem dos internos, e “podem
influenciar as interações sociais” dos internos posteriormente. Age04 destaca que os internos
replicam os comportamentos aprendidos na unidade apenas "enquanto são cobrados", pois há
uma exigência a esse respeito, indicando que essa replicação pode não ocorrer fora da
unidade, em face da ausência de cobranças.
106
4.3.10 Perspectivas
diferentes dispositivos produtivos interagem para formar e moldar subjetividades. Essa visão
crítica nos leva a questionar não apenas a validade da normalização, mas também a
necessidade de repensar as estruturas institucionais que perpetuam esse padrão. Assim, com
o objetivo de instigar uma reflexão profunda sobre alternativas para o sistema socioeducativo,
foi conduzido o questionamento sobre o que poderia ser mudado no sistema socioeducativo,
que gerou uma variedade de perspectivas entre os participantes.
Os participantes da pesquisa ofereceram visões diversas em relação a potenciais
mudanças no sistema socioeducativo. Ges01 ressalta a importância de implementar atividades
pedagógicas e profissionalizantes como parte integrante do processo de ressocialização. Por
sua vez, Age01, alude à necessidade de alterações nas legislações correlatas à temática.
Age02, apesar de admitir a ausência de propostas claras, enfatiza a complexidade e desafios
subjacentes ao processo.
Tec01 destaca a necessidade de um enfoque mais saudável no relacionamento entre
agentes e internos, sugerindo que a qualidade das interações pode impactar significativamente
o processo socioeducativo. Em contrapartida, Ges02 propõe uma abordagem preventiva,
enfatizando a relevância de investimentos em educação básica e políticas públicas antes
mesmo da inserção dos adolescentes no sistema socioeducativo.
As sugestões apresentadas por Ges03 concentram-se na elevação do nível de
profissionalização dos servidores por meio de cursos e palestras. Ges04, por sua vez, propõe
uma revisão da maioridade penal, direcionando esforços específicos aos adolescentes mais
jovens e delineando com maior clareza as funções dos agentes socioeducativos.
Tec02 ressalta a importância de capacitar os agentes, aprimorar as atividades
pedagógicas e adotar abordagens centradas no indivíduo como meio de promover uma
mudança mais efetiva. Age03 destaca a revisão da legislação que trata sobre o tema,
adaptando-se à realidade e ao perfil do adolescente que comete ato infracional atualmente,
também, que instituições como o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Judiciário
concentrem esforços na melhoria efetiva dos espaços e das comunidades onde esses
adolescentes estão inseridos, “com certeza teriam efeitos positivos- bem mais do que ficar só
caçando problema na execução da medida socioeducativa com relação aos Agentes de
Segurança”.
Age04 sugere a implementação de atividades mais atrativas aos adolescentes como
meio de envolvê-los de maneira mais efetiva. Tec03 ressalta que é difícil acreditar em
108
mudanças no sistema, por conta da legislação muito conivente, enquanto Tec04 destaca a
relevância do suporte pós-unidade, uma ampla gama de oportunidades educacionais e de
treinamento, e o fortalecimento dos programas de transição como elementos essenciais para a
reintegração bem-sucedida dos egressos à sociedade.
Com base nas respostas, note-se que houve destaque para a importância de atividades
pedagógicas e profissionalizantes no processo de ressocialização, bem como a necessidade de
alterações nas legislações relacionadas ao tema. Algumas sugestões abordaram a
complexidade subjacente ao processo, enquanto outras enfatizaram a importância de um
relacionamento saudável entre agentes e internos. Propostas incluíram abordagens
preventivas, como investimentos em educação básica antes da entrada no sistema, e a
elevação do nível de profissionalização dos servidores.
Além disso, sugestões envolveram revisões na maioridade penal, esforços específicos
para adolescentes mais jovens e foco na melhoria efetiva dos espaços e comunidades onde
esses adolescentes estão inseridos. A importância de capacitar os agentes, adotar abordagens
centradas no indivíduo e revisar a legislação também foram mencionadas. Algumas sugestões
abordaram a criação de atividades mais atrativas para os adolescentes, enquanto outras
expressaram ceticismo quanto às mudanças devido à legislação conivente. O suporte pós-
unidade, oportunidades educacionais e o fortalecimento dos programas de transição foram
ressaltados como elementos essenciais para a reintegração bem-sucedida dos egressos à
sociedade.
Essas perspectivas abrem espaço para discussões mais aprofundadas sobre as reformas
necessárias no sistema socioeducativo, em que a maioria das sugestões retira o foco das
estruturas de poder que estão atualmente institucionalizadas e das medidas unicamente
punitivas, buscando abordagens além da repressão. As contribuições dos entrevistados ficam
nesta dissertação registradas, enfatizando a complexidade e a diversidade de desafios
enfrentados por esse contexto.
muitas vezes carecendo de abrangência nas práticas institucionais. Essa falta de abordagem
holística pode marginalizar e estigmatizar os jovens em internação, intensificando os
processos de normalização e seus impactos negativos (Armstrong, 2020).
No contexto das instituições totais os agentes de segurança socioeducativos
desempenham um papel crucial na imposição de normas, disciplinamento de comportamentos
e monitoramento das atividades dos internos. Esses profissionais enfrentam desafios
significativos, sujeitos a pressões e contradições inerentes ao ambiente socioeducativo, além
de estarem susceptíveis ao estigma associado aos internos, dado o papel de gestão e controle
que desempenham sobre indivíduos em processo de ressocialização (Goffman, 1974).
A colaboração dos agentes com as propostas da unidade, no Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) de São José, emerge como elemento crucial para o funcionamento
eficaz das atividades destinadas aos internos. As percepções sobre o papel e influência dos
agentes, entretanto, revelam divergências entre os entrevistados. Enquanto alguns enfatizam a
influência sutil e inerente dos agentes como referências de autoridade, outros alegam que a
função principal é garantir a ordem e a segurança na unidade.
A análise das dinâmicas observadas evidencia uma diversidade nas interações entre os
agentes e os internos, com alguns estabelecendo vínculos mais próximos, o que, por vezes, é
mal-visto por colegas que interpretam tais relações como demonstrações de fragilidade. A
resistência e questionamentos por parte de alguns agentes às propostas da unidade indicam a
existência de vozes críticas no ambiente institucional, ressaltando a complexidade das
relações de poder.
As contracondutas são definidas como formas de resistência localizadas nas
instituições socioeducativas, podendo desafiar as estruturas de poder, mas nem sempre
resultando em mudanças significativas (Foucault, 1999). Exemplificando os desafios
enfrentados pelo Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de São José, situações como
ataques armados à unidade evidenciam que os egressos reagem aos processos por eles
enfrentados durante a internação.
Além disso, ao analisar a resposta dos internos aos processos de ressocialização,
observam-se perspectivas divergentes por parte dos entrevistados. Enquanto alguns destacam
mudanças graduais e a busca por educação como formas de resistência, outros expressam
ceticismo quanto às respostas positivas, indicando possível instrumentalização do
comportamento para atender requisitos formais do sistema. A ausência de menção direta às
113
pequenas transgressões pelos participantes sugere uma falta de percepção das contracondutas
como elementos do processo de normalização. Durante a observação, pequenas transgressões
foram prontamente identificadas e tratadas pelos agentes, evidenciando a dinâmica disciplinar
no ambiente socioeducativo.
O debate sobre a normalização, inspirado nas concepções de Foucault (1987; 1999),
destaca a aplicação de estratégias de controle social e repressão nas instituições
socioeducativas, frequentemente perpetuando práticas punitivas e disciplinadoras que
desafiam a tese jurídica de proteção integral. Ao examinar as opiniões dos entrevistados sobre
o impacto do sistema socioeducativo na moldagem dos internos e na possível replicação de
comportamentos após a liberação, surgem perspectivas variadas. Desde visões matizadas que
reconhecem parcialmente a influência do sistema até posturas mais céticas, questionando a
eficácia do processo, evidencia-se um espectro diversificado de interpretações. A brevidade
do período de medida socioeducativa é questionada por alguns, levantando dúvidas sobre a
possibilidade de mudanças significativas nesse curto intervalo de tempo atribuído às medidas
de internação.
Observa-se também um padrão interessante na entrada dos internos na unidade,
indicando uma conformidade temporária diante das expectativas do ambiente socioeducativo,
possivelmente motivada pela necessidade de tornar a experiência mais amena e evitar
conflitos iniciais. Essa dinâmica sugere que a pressão do ambiente pode influenciar a
manifestação de comportamentos específicos por parte dos internos, visando facilitar sua
integração inicial.
Em relação às perspectivas, as respostas dos participantes revelam uma diversidade de
sugestões de possíveis mudanças no sistema socioeducativo. Enquanto alguns enfatizam a
importância de atividades pedagógicas e profissionalizantes para promover a ressocialização,
outros apontam para a necessidade de alterações nas legislações correlatas ao tema. Sugestões
variam desde a promoção de um relacionamento mais saudável entre agentes e internos até
abordagens preventivas, como investimentos em educação básica. Há propostas direcionadas
à elevação do nível de profissionalização dos servidores, revisões na maioridade penal e
definições claras das funções dos agentes socioeducativos. Capacitar os agentes, adotar
abordagens centradas no indivíduo e revisar a legislação também emergem como pontos de
discussão. Alguns participantes ressaltam a importância de atividades atrativas aos
adolescentes, enquanto outros expressam ceticismo em relação às mudanças devido à
114
Em última análise, uma visão crítica sobre os dados sugere a necessidade premente de
uma transformação estrutural mais profunda no sistema socioeducativo, indo além de ajustes
superficiais. Isso implica não apenas na revisão de práticas específicas, mas na reavaliação
fundamental das bases filosóficas e das estruturas de poder que permeiam esse contexto,
visando uma abordagem diferente das práticas atualmente adotadas em relação aos internos
do CASE de São José.
117
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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