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CUIABÁ-MT
2021
3
FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha catalográfica
1. Ensinoelaborada automaticamente
de História. de acordo
2. Histórias em com os3.dados
quadrinhos. fornecidos
Estudos de pelo(a)
Gênero. I.Título. autor(a).
RESUMO
Este estudo tem como objetivo contribuir com análises sobre o contexto do movimento
feminista nas décadas de 1960 e 1970 ao analisar quadrinhos da Marvel Comics, a saber
histórias cujos enredos trazem personagens femininas que se tornaram populares nos
últimos anos pela sua veiculação por mídias diversas como filmes e desenhos animados:
A Viúva-Negra, codinome de Natasha Romanoff, Miss Marvel conhecida atualmente
como Capitã Marvel, alcunha de Carol Danvers e Tempestade/ Ororo Munroe, da equipe
dos X-Men. Far-se-á uma pesquisa exploratória sobre os quadrinhos para estabelecer um
debate sobre a forma como essas narrativas podem ser utilizadas em sala de aula.
Procuramos examinar nessas histórias as relações de gênero que se estabelecem nessa
narrativa e a partir delas propor uma metodologia de ensino que possa ser desenvolvida
por professores do Ensino Médio para trabalhar os movimentos sociais com vistas a
romper com estereótipos ligados a eles, em especial o movimento feminista que foi e é
atacado continuamente por grupos conservadores. Para alcançar esse objetivo partimos
da premissa de que esses artefatos apresentam manifestações sexistas, uma vez que nesse
período elas estarem presente em diferentes veículos culturais, mas procuraremos avançar
nessa discussão ao questionar os espaços público/privado que são estipulados nesses
enredos para homens e mulheres procurando detectar avanços do debate feminista nesses
artefatos utilizando referências como Simone de Beauvoir e Judith Butler.
Palavras-chave: Ensino de História; Histórias em quadrinhos; Estudos de Gênero.
6
ABSTRACT
This study has as aim to contribute with analyzes about the context of the feminist
movement in the 1960s and 1970s. The Marvel Comics are analyzed, stories whose plots
present female characters that have become popular in recent years through their
dissemination through various media such as films and cartoons: The Black Widow, who
is called Natasha Romanoff, Captain Marvel but who initially had as nickname Miss
Marvel Carol Danvers and Storm/Ororo Munroe, the from the X-Men team. Exploratory
research on comics will also be carried out to promote a debate about the way these
narratives can be used in the classroom. We intend to examine in these stories the gender
relations that have been established in this narrative and from them we intend to propose
a teaching methodology that can be developed by high school teachers to work the social
movements with a perspective of breaking with stereotypes linked to them, especially the
feminist movement that has been attacked by conservative groups. To achieve this aim,
we start from the premise that these comics have sexist manifestations, since in this period
of time they have been presented in different cultural vehicles, but we intend to advance
in this discussion by questioning the public and private spaces that are stipulated in these
plots for men and women trying to understand the advances in the feminist debate. For
this, references such as Simone de Beauvoir and Judith Butler have been used.
Keywords: History teaching; Comics; Gender Studies.
7
AGRADECIMENTOS
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO
1
A mais recente tragédia envolvendo ataques armados em escolas brasileiras ocorreu na Escola Estadual
Professor Raul Brasil em Suzano (SP), tendo como saldo de 10 mortos e 11 feridos em 13 de março de
2019. Os autores do crime eram ex-alunos da unidade escolar e suicidaram-se após a chegada da polícia.
2
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio –
História. 1999.
11
Assim, procuramos com esse trabalho contribuir com análises sobre o contexto
dos movimentos sociais nas décadas de 1960 e 1970, período no qual ele se fortalece e se
expande, para que questionamentos possam ser respondidos e estereótipos sejam
desconstruídos pelos estudantes ao realizarem análises embasadas teoricamente sobre o
mesmo.
Além disso entende-se que esse trabalho proporciona formas de pensar a história
africana e a visão acerca da mulher negra o que se enquadra no que a lei 10.639/2003
aponta, ou seja, a obrigatoriedade do trabalho com a história e cultura africana.
Para tanto, buscaremos analisar esse contexto histórico, bem como os movimentos
sociais e a teoria de gênero a partir dos quadrinhos, um artefato cultural que é estudado
há algum tempo por profissionais das áreas da comunicação visual e educação, além de
3
Idem, Ibidem, p.12.
4
Brasil. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília:
MEC, SEB, DICEI, 2013.
12
historiadores que analisam o contexto histórico dessas produções e a forma como esse
contexto é apropriado por essas narrativas visuais, ou como coloca Will Eisner5, arte
sequencial.
Esse tipo de narrativa já foi alvo de desprezo, tida como produções de pouca
qualidade. Contudo esse gênero vem conquistando espaço nas discussões acerca das
metodologias de ensino de história, haja vista serem fontes que permitem o
questionamento da realidade. Além disso a sociedade tem valorizado muito as produções
icônicas, e isso faz com que as HQs sejam, também, muito apreciadas. Suas histórias
mostram, assim como outras formas de comunicação, a maneira como determinados
grupos são vistos, direcionam a opinião de seus leitores transformando-se também em um
meio de dominação política e social. Apesar de existirem divergências sobre quando esse
tipo de escrita surgiu, os primeiros exemplares do gênero de super-heróis foram
publicados em 1939 por Joe Shuster e Jerry Siegel. Eles traziam como personagem
principal Superman, um herói indestrutível, mas com uma única fraqueza, fragmentos de
seu planeta de origem denominados kriptonita. Na sequência dele vários outros
personagens masculinos foram instituídos, contudo poucas foram as heroínas criadas,
sendo a mulher relegada a um papel secundário em muitos dos roteiros apresentados –
corolário do que acontece no mundo real.
O que se verifica nesse tipo de narrativa é que ela se reflete o contexto histórico
no qual foi produzida, proporcionando ao jovem que compreende isso um ensejo em
buscar mais informações sobre o que é ensinado, engajando-o em análises e pesquisas
próprias. Nessa perspectiva as histórias em quadrinhos (HQ) proporcionam uma outra
forma de aprender, mais próxima da linguagem do cotidiano infanto-juvenil, sem deixar
de revelar temas sociais e históricos relevantes que podem ser utilizados por todas
disciplinas, em atividades planejadas ao longo do ano letivo. Como colocada Sobanski et
alii6: os quadrinhos promovem uma aprendizagem divertida e com facilidade de leitura.
As histórias em quadrinhos permitem a constituição de um sentido de identidade ligado a
cultura juvenil que auxilia na compreensão da relação passado/presente.
Explorar esse recurso e valorizar a empatia que as histórias em quadrinhos causam
nos jovens em relação ao conhecimento histórico torna-se essencial para que possamos
alcançar uma aprendizagem histórica significativa.
5
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes 2010, p.7.
6
SOBANSKI, Adriani de Quadros (et al). Ensinar e aprender História: histórias em quadrinhos e
canções. Curitiba: Base Editorial, 2009.
13
7
GUERRA, Fábio Vieira. Super heróis Marvel e os conflitos sociais e políticos nos E.U.A (1961-1981).
Dissertação de Mestrado em História Social. Universidade Federal Fluminense – RJ. 2011.
14
8
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. ed. Tradução Sergio Millliet. Volume único. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2009.
9
BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
10
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. 1 ed. Rio de Janeiro:
Cobogó, 2019. p.78-79.
11
QUINGALA, Anne Caroline. A fantasia deles sobre nós: a representação das heroínas negras nos
quadrinhos mainstream da Marvel. Dissertação de Mestrado em Literatura. Universidade de Brasília. DF,
2017.
12
HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça Interseccionalidade e consubstancialidade das relações
sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 61-73, june 2014. Disponível em:
<http://www.journals.usp.br/ts/article/view/84979/87743>. Acesso em: 20 jul. 2018.
13
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação
racial relativos ao gênero. In: Revista Estudos Feministas, 2002, v. 10, n. 1, p. 171-188. Disponível em:
<https://goo.gl/83tXV1>. Acesso em 14 jun. 2018.
15
14
Aqui o termo foi usado com o significado atribuído pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africanas
como “a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como
harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje
sobejamente superado.” (BRASIL, 2004).
15
FRONZA, Marcelo. A intersubjetividade e a verdade na aprendizagem histórica de jovens
estudantes a partir da histórias em quadrinho. 2012. Tese de Doutorado em Educação – Universidade
Federal do Paraná – Curitiba.
16
OLIVEIRA, Selma Regina Nunes. Mulher ao quadrado: as representações femininas nos quadrinhos
norte-americanos: permanências e ressonâncias (1895-1999). Brasilia: Editora UnB/Finatec, 2007.
17
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro.
Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.
16
discussão sobre o contexto histórico das décadas de 1960-70, com foco nos movimentos
sociais em especial o debate feminista que se fortalece nesse período.
O segundo capítulo fará uma análise das personagens elencadas para o estudo, a
partir da análise das HQs nas quais elas são apresentadas aos leitores. São elas: Tales of
Suspense #52 (1964) com Natasha Romanoff/Viúva-Negra, Miss Marvel V.1 #1 (1977)
com Carol Susan Jane Danvers e Ms Marvel v.3, #1, 2 e 3 (2014) com Kamala Khan e
por fim a Giant Size X-Men (1975) com Ororo Munroe (Tempestade). Procuramos com
essa investigação elucidar aspectos e características que foram incorporadas no nosso
produto final, as oficinas direcionadas para o Ensino Médio.
Por fim, no terceiro capítulo apresentamos uma breve caracterização do nosso
público alvo, jovens de 15 a 18 anos que estudam no Ensino Médio. Além disso, foram
elaboradas oficinas que podem ser utilizadas por professores em de História da rede
pública de ensino como novas abordagens para essa temática disponibilizada no apêndice
dessa dissertação.
Essa análise vem do encontro dos interesses de vários professores e em especial
do nosso, uma vez que em diferentes momentos da vida escolar foram essas fontes, os
quadrinhos que permaneceram no imaginário da criança e da jovem, desde os primeiros
quadrinhos da “turma da Mônica” de Maurício de Souza, passando pelas histórias dos X-
Men e chegando aos mangás japoneses. Todas elas mostravam um mundo diverso,
interessante, que a criança/jovem sentia vontade de explorar.
Nesse sentido ao percebermos a possibilidade de explorar esse universo, agora de
uma maneira teórica, analisando personagens caras à nossa memória, foi um elemento
importante para a pesquisa. Além de tudo isso ainda trouxemos um elemento a mais nessa
investigação, as personagens femininas, mostrando como uma professora ou professor
pode utilizar-se desse artefato em diferentes salas de aula para analisar um período que
teve um impacto significativo, política, economicamente e culturalmente. Esses
elementos trazidos à tona suscitaram possibilidades e considerações importantes durante
a pesquisa.
17
Esse tipo de produto cultural tem seu início envolto em controvérsias, haja vista
alguns autores identificarem essa forma de narrativa desde a pré-história, enquanto outros
a situam num período mais recente (século XIX). Contudo, é inegável que elas geram um
mercado que movimenta milhões com as revistas, filmes, peças de vestuário, e outros
produtos.
Limitaremos seu início à indústria de massas19 do século XIX que traz no seu
escopo uma possibilidade rica de interpretação do período em que foram criadas. É
possível perceber, em especial nas revistas de super-heróis, que esses traduzem para o
universo do imaginário, elementos importantes para pensar os movimentos sociais,
políticos e culturais dos períodos em que foram criados e até mesmo a maneira como
esses movimentos foram traduzidos e incorporados a essas narrativas.
De acordo com Edgar Morin20 essa indústria cultural atingiu o ser humano de
maneira distinta, chegando ao seu espaço íntimo. Essa segunda industrialização, como o
18
Comics é o termo utilizado nos Estados Unidos para sequências narrativas com personagens fixos
publicadas em gibis ou comic books que permitem uma condução narrativa maior e mais detalhadas que as
tiras. (XAVIER, Glayci Kelli Reis da Silva. Histórias em quadrinhos: panorama histórico, características e
verbo-visualidade. In: Darandina: Revista Eletrônica. V.10, n.2., dezembro de 2017, p.9.
19
Usamos a definição de Edgar Morin sobre cultura de massas que o autor afirma ser aquela “produzida
segundo as normas maciças de fabricação industrial; propagada pelas técnicas de difusão maciça (que um
estranho neologismo anglo-latino chama de mass media); destinado a uma massa social, isto é, um
aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade
(classes, família, etc.). (MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997, p.14)
20
MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997,
p.13.
18
21
Idem, Ibidem, p. 14-15.
22
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQS no ensino. In: RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro
(orgs). Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. 4.ed., São Paulo: Contexto, 2018, p.10.
19
Segundo Álvaro Moya23 The Yellow Kid, criado em 1895 por Richard Felton
Outcault é considerado a primeira história em quadrinhos continuada com um
personagem fixo, publicada no New York World, jornal de propriedade de Joseph Pulitzer.
O personagem principal, um menino de baixa estatura, com feições de chinês, uma cabeça
grande e totalmente sem cabelo, com um sorriso zombeteiro e um eterno camisolão,
morador dos cortiços de New York do período, tinha em sua roupa que recebeu a
pigmentação amarela em 1896, um instrumento que exibia frases mordazes que faziam
alusão à fatos políticos.
Fonte: http://giscreatio.blogspot.com/2012/05/richard-f-outcault-e-o-menino-amarelo.html.
Acesso em: 20 jun 2019.
23
MOYA, Alvaro. Historia das Histórias em Quadrinhos. Porto Alegre: L&PM editores, 1986, p. 23.
20
Rapidamente essas histórias puderam ser vistas com maior frequência entre as
páginas de jornais, e uma disputa judicial levou ao acirramento de conflitos entre Pulitzer
e Hearst pelo direito sobre a autoria do personagem. Isso porque Willian Randolph Hearst,
contratara Outcault para o New York Journal em 1897, após o sucesso do personagem.
Em uma decisão inédita da corte americana que decidiu que o autor poderia usar os
personagens, mas não o nome deles, o Journal pode manter as histórias, mas o nome só
podia ser usado pelo World de Pulitzer.
Várias narrativas sucederam-se às do Menino Amarelo, sendo as primeiras nas
quais aparecerem o conjunto de super-heróis que conhecemos hoje introduzidas com a
criação do personagem Superman em 1938, que, juntamente com o um novo formato de
impressão, os chamados comic books, passaram a se tornar populares junto aos leitores
mais jovens24. O contexto da Segunda Guerra Mundial contribuiu na difusão desse tipo
de narrativa, haja vista os enredos engajarem seus personagens na luta armada, como é o
caso do próprio Capitão América, mas além desse aspecto é pertinente atentar para o fato
de que estes heróis funcionam como um tipo de arquétipo “um conteúdo inconsciente, o
qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que
variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta”25.
Figura 2 – Action Comics #1, Jerry Siegel e Joe Shuster
24
ROXO, Lais Coitinho. Girl Power: a representação do Feminino nos Quadrinhos. 2018. Dissertação
(Mestrado em Comunicação) Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora-MG. 2018.
25
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p.17.
21
Ou seja, os quadrinhos desse período criaram no herói, uma figura comum nas
cosmogonias de diferentes culturas e também algo que faz parte do imaginário coletivo,
uma imagem primordial, uma espécie de figurino-modelo do espírito humano que
organizam a imaginação e é facilmente reconhecível. Esse ser que pode ser descrito como
alguém comum, um ser humano que sacrificou-se para ajudar o outro, alguém
sobrenatural, um deus ou semideus ou ainda alguém escolhido para guiar o grupo em
direção a um futuro melhor tornou-se a concretização da figura do “bem”, na sociedade
maniqueísta ocidental.26
Jung27 aponta ainda que todo acontecimento mitologizado da natureza é, na
verdade, uma expressão simbólica daquilo que a consciência humana consegue aprender
através da projeção, ou seja espelhada nos fenômenos da natureza. Logo esses heróis
cumpriam ainda outra função, ensinar ao público quais deveriam ser as características
cultivadas, numa espécie de sacralização do divertimento.
Vemos assim que dentro do mundo dos quadrinhos a repetição de características,
comportamentos e até mesmo atribuições de deuses e heróis de antigas mitologias e isso
se evidencia com força entre os super-heróis, um tipo específico de projeção dos valores
que devem ser perseguidos pela humanidade.
Em 1954, a compreensão sobre os quadrinhos e o seu papel junto a crianças e
jovens sofreu uma importante alteração com a publicação do clássico The Seduction of
the Innocent, escrito por Dr Frederic Werthan que apontava a leitura dessas histórias
como o principal fator para o aumento da delinquência nos Estados Unidos. De acordo
com Vilela (2012) essa crítica alastrou-se para outras partes do mundo de modo que no
Brasil ganhou projeção na figura de Carlos Lacerda, que através dela procurava atingir
Roberto Marinho, proprietário do jornal O Globo e também da RGE, principal editora de
publicações voltadas para o público infantil.
Para diminuir a guerra contra os quadrinhos em 1960 foi criado o Código de Ética
para essas revistas de maneira que o editor Adolfo Aizen, da EBAL, passou a promover
almoços para políticos e educadores a fim de minimizar os efeitos que a “cruzada” teve
sobre esse tipo de publicação. Além disso, ele ainda passou a investir em HQs que traziam
biografias de santos e “heróis da Pátria”.
26
VIEIRA, Marcos Fábio. Mito e herói na contemporaneidade: as histórias em quadrinhos como
instrumento de crítica social. Contemporânea (Título não-corrente), [S.l.], v. 5, n. 1, p. 78-90, nov. 2015.
ISSN 1806-0498. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/contemporanea/article/view/17197/12630>. Acesso em: 24 junho 2020.
27
Idem, Ibidem. P.18
22
28
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQS no ensino. In: RAMA, Angela; VERGUEIRO, Waldomiro
(orgs). Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. 4.ed., São Paulo: Contexto, 2018, p.48.
29
ECO, Umberto. Apocalipticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970, p.46-57.
23
Nesse sentido quando Will Eisner define o que são os quadrinhos32, identificando-
os como uma forma de arte sequencial, ele tenta ressignificar essa narrativa ao estabelecer
uma nova categoria para os quadrinhos, retirando-os de um modelo de classificação
inferior, primário ou como então era tido, uma forma de arte menor. Ao estabelecê-lo
como um tipo de arte alça-o a um estatuto superior de método e comunicação.
30
WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1979
31
OLIVEIRA, Selma Regina Nunes. Mulher ao quadrado: as representações femininas nos quadrinhos
norte-americanos: permanências e ressonâncias (1895-1990). Brasília: Editora da Universidade de Brasília;
Finatec, 2007. p.23
32
[...] os quadrinhos empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis. Quando são
usados vezes e vezes para expressar ideias similares, tornam-se uma linguagem – uma forma literária, se
quiserem. E é essa aplicação disciplinada que cria a ‘gramática’ da Arte Sequencial. EISNER, Will.
Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes 2010. p. 7
24
Ele ainda completa que mesmo que o texto seja lido, esse tipo de narrativa exige
um tipo de leitura que vai além da decodificação de palavras, mas faz parte de uma
percepção estética e de esforço intelectual. Em suas palavras “O letreiramento, tratado
‘graficamente’ e a serviço da História, funciona como uma extensão da imagem. Nesse
contexto, ele fornece o clima emocional, uma ponte narrativa, e a sugestão de som”33.
Eisner ainda ressalta que não é necessário que haja algum tipo de palavra escrita no
quadrinho para que ele possa ser decodificado, apesar de uma exigência maior do leitor,
é possível que ele seja lido sem prejuízos a sua compreensão.
Ainda na década de 1970 tivemos uma expressiva oferta de HQ’s com intuito de
ensinar aos jovens brasileiros os conteúdos históricos. Nesse período houve ênfase na
educação moral e cívica proporcionada por esse instrumento. Temas nacionalistas foram
33
Idem, ibidem, p.10.
34
MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 14.
35
VILELA, Marco Tulio Rodrigues. A utilização dos quadrinhos no ensino de História: avanços,
desafios e limites. 2012. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Metodista de São Paulo –
São Bernardo do Campo. p. 89
25
36
DUTRA, A. A. C. Quadrinhos de não-ficção. In: INTERCOM – CONGRESSO BRASILEIRO DE
CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 26, 2003, Belo Horizonte. Relação de Trabalhos. Belo Horizonte,
2003. p.1-17. 1 CD-ROM.
37
Selma de Fátima Bonifácio e Luís Fernando Cerri. Histórias em quadrinhos: conhecimento histórico
e comunicação de massa no espaço escolar. In: ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA – Londrina, 2005.
38
BONIFÁCIO, Selma de Fátima. HISTÓRIA E(M) QUADRINHOS: análises sobre a História ensinada
na arte sequencial. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná –
Curitiba. p. 85.
26
O mundo após 1945 não seria mais o mesmo, após uma guerra que provocou a
destruição e o colapso de economias no mundo todo, os Estados Unidos (doravante EUA)
e a União Das Repúblicas Socialistas Soviéticas (doravante URSS) conquistaram a
hegemonia econômica mundial sendo referenciados em obras que analisam esse época
como líderes dos blocos dos países capitalistas e socialistas até 199139, período conhecido
como a Guerra Fria.
A Segunda Guerra Mundial foi um divisor para o mundo após seu encerramento,
uma vez que, após a derrota dos regimes nazista e fascista, EUA e URSS dividiram entre
si suas áreas de influência criando dois grandes blocos. Esses blocos que se alicerçavam
em questões operacionais e tático-militares, haja vista manterem seus aliados a partir da
OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, capitalista) e do Pacto de Varsóvia
(no qual estavam circunscritos os países influenciados pela URSS, socialista), passaram
a disputar ainda áreas de influência, que resultaram em conflitos indiretos em alguns
territórios mundiais, vide Guerra do Vietnã e o conflito no Afeganistão.
Em 1945, com o final do conflito na Europa percebe-se ainda o início da Era
Nuclear com os ataques a Hiroshima e Nagasaki (respectivamente em 06 e 09 de agosto),
ataques estes que foram justificados pelo governo estadunidense como forma de eliminar
qualquer resistência à assinatura do acordo de rendição dessa nação. Nesse mesmo ano
os líderes britânico (Winston Churchill), soviético (Josef Stálin) e estadunidense (Harry
Truman) reuniram-se para discutir a nova geopolítica mundial, no que ficou conhecido
como conferência de Potsdam.
39
Adotamos aqui como data limite da Guerra Fria a desintegração da União Soviética em várias repúblicas,
apesar do conhecimento que a queda do muro de Berlim em 1989 que reunificou da Alemanha e é tido
como uma metáfora para o desmantelamento do sistema socialista.
27
40
HOBSBAW, Eric. Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991).2 ed; São Paulo: Companhia das
Letras,2005, p. 224.
41
VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Da Guerra Fria à Crise. Porto Alegre: Editora da Universidade
(UFRGS), 1990, p.13.
28
seguido, duas políticas para entender essa expansão são a Doutrina Truman e o Plano
Marshall.
A Doutrina Truman foi uma política norte-americana lançada em março de 1947.
De acordo com ela os EUA mantinham uma força militar pronta para agir em caso de um
ataque externo (da URSS) a algum de seus aliados, ou mesmo interferir caso houvesse a
ameaça de um levante interno que pudesse ser desencadeada pelo movimento comunista
interno.
Aliada a essa doutrina o Plano Marshall, que tinha por objetivo auxiliar na
reconstrução da Europa destruída pela guerra com a concessão de empréstimos, garantia
ainda uma relativa estabilidade para o regime capitalista, haja vista estabelecer uma dívida
entre os governos desses países com os EUA que então detinham o controle sobre a
produção de seus aliados europeus.
Nesse sentido, aliados dos blocos capitalista e socialista mantinham uma paz
relativa que se manteve até meados da década de 1970, quando o sistema econômico
social em atuação entrou em crise. É perceptível que para manter essa espécie de paz
armada ambos, URSS e EUA, ignoraram determinadas ações dos seus exércitos desde
que os mesmos não se aproximassem de áreas consideradas de domínio de uma ou outra.
Hobsbawm42 acrescenta que não foi o confronto militar e a corrida armamentista
no Ocidente o impacto principal da Guerra Fria no mundo, mas sim as consequências
políticas desse conflito como a polarização dos países em comunistas e capitalistas e a
criação da Comunidade Europeia, que era então uma forma nova de organização que
integrava economias e até mesmo os sistemas legais de diversos Estados-Nação
independentes.
Essa relação não era percebida apenas nas searas política e econômica, mas
também na organização social dessas nações, como coloca Guerra43
42
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991).2 ed; São Paulo: Companhia
das Letras,2005, passim.
43
GUERRA, Fábio Vieira. Super heróis Marvel e os conflitos sociais e políticos nos E.U.A (1961-1981).
Dissertação de Mestrado em História. Rio de Janeiro: UFF, 2011. p.30.
29
44
HOBSBAW, Eric. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991).2 ed; São Paulo: Companhia
das Letras,2005 319-321
45
PECEQUILO, Cristina S. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre. UFRGS, 2003, p.163.
30
46
PEDRO, Joana Maria. Relações de gênero como categoria transversal na historiografia contemporânea.
Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 12, n. 22, p. 270-283, 2011, p.270. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-
101X2011000100270&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 13 mar. 2018.
47
MARQUES, Ana Maria. Feminismo e gênero: uma abordagem histórica. In: Revista Trilhas da
História, v. 4, n° 8 jan-jun, 2015, p. 13.
31
Segundo Nicholson48
48
NICHOLSON, Linda et al. Interpretando o Gênero. Estudos Feministas, v. 8,, n. 2, 2000. P. 9-41.
JSTOR, p.10. Disponível em: <www.jstor.org/stable/43596547>. Acesso em: 13 jul. 2018.
49
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista Educação & Realidade. Porto
Alegre, v. 2, n. 20, p. 71-99, jul./dez. 1995. p. 3.
32
Apesar desse avanço, verifica-se que ainda persistem grupos que não
reconhecem todas as lutas envolvidas nesses direitos, isso implica ainda nos discursos
sobre a culpabilização da vítima em crimes sexuais ou violência doméstica que
encontraram em veículos de informação espaço privilegiado para desqualificar o Outro
seja ele mulher, negro ou LGBTs.
Nesse período intensificam-se também as discussões sobre os direitos de
afrodescendentes nos EUA. Esse país, claramente separado por leis raciais que
inferiorizavam esse grupo, destinando a eles espaços específicos no ambiente público,
começam a ser questionados. Desenvolveram-se várias lutas alicerçadas no movimento
pelos direitos civis que obtiveram vitórias importantes, como o sufrágio através do Ato
dos Direitos de voto de 1965, além de políticas de ação afirmativa que visavam combater
o racismo.51
O estopim para que a mobilização acontecesse deu-se em Montgomery, cidade
do Alabama, um dos estados do sul dos Estados Unidos, no qual o racismo era eminente.
Em 1° de dezembro, uma mulher negra, Rosa Parks, após um dia de trabalho como
costureira pegou um ônibus para voltar para casa. Ela estava sentada quando exigiram
50
PATEMAN, Carole apud COSTA, Ana Alice Alcantara. O movimento feminista no Brasil: dinâmicas
de uma intervenção política. In: Revista Gênero, v.5, n.2, 2005, p.2.
51
ANDREWS, George Reid. O negro no Brasil e nos Estados Unidos. Lua Nova, São Paulo , v. 2, n. 1, p.
52-56, June 1985 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64451985000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 13 jun. 2019.
33
que ela se levantasse para dar lugar a um homem branco como mandava a legislação 52,
mas ela se recusou a levantar. Parks foi presa por desobedecer a lei, sendo julgada e
condenada. Após esse acontecimento, a comunidade negra, liderados pelo pastor Martin
Luther King Jr decidiu fazer um boicote aos ônibus da cidade. Após mais de 300 dias de
protesto nos quais prisões e atentados da Ku Klux Klan53 tiveram efeito, a Suprema Corte
em 1956, declarou que as leis segregacionistas de Montgomery eram inconstitucionais.
Essa vitória estimulou outras manifestações em estados norte-americanos.
Segundo Purdy54 essas primeiras mobilizações baseavam-se na “desobediência
civil”, um tipo de resistência pacifista usada por Mahatma Gandhi na Índia. Além disso
Luther King imprimiria nessas manifestações uma política moral e religiosa,
transformando as igrejas negras em pontos estratégicos para a mobilização ideológica e
prática do movimento.
Nesse sentido é importante lembrar que várias falas de King Jr mostravam
elementos das lutas pela igualdade, poder, reconhecimento e direitos e oportunidades que
eram almejados não apenas nos estados do Sul, mas também no Norte. Dessa maneira
não demorou para que essas mobilizações também fossem realizadas por estudantes
nesses locais e coordenados pelo Comitê Sulista de Coordenação Não Violenta (Student
Non-violent Coordinating Committee SNCC, em inglês) e pelo Congresso da Igualdade
Racial ( Congress for Racial Equality CORE em inglês), que lutava contra a
discriminação racial no norte. Esses grupos organizaram e ajudaram a forjar um
sentimento de comunidade a partir de suas políticas inclusivas e democráticas, sendo
descrito como uma renovada forma de patriotismo.55
Angela Davis, uma das grandes representantes do movimento pelos direitos civis
nos Estados Unidos, faz referência às lutas encabeçadas por Martin Luther King, mas de
maneira franca aponta para o caráter incompleto da mesma. Ela afirma ainda para os
enfrentamentos que mostram que o cerceamento à direitos, em especial ligados ao
52
De acordo com a política de segregação racial, que foi legitimada pelas leis Jim Crow, haviam espaços
separados para brancos e negros nos ambientes públicos.
53
O grupo segregacionista conhecido como Ku Klux Kan surgiu após a criação da primeira lei “Jim Crow”.
Seu nome provem do termo kylos que em grego significa “círculo”. A Klan estava presentes em vários
estados no Sul dos Estados Unidos e tinham como como mote a defesa da honra, dos costumes e da moral
cristã, contudo para isso realizavam perseguições e linchamentos de negros, chineses, judeus e outras etnias
consideradas inferiores.
54
PURDY, Sean. O século Americano. In: KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das
origens ao século XXI. São Paulo: Contexto, 2007.
55
Idem, ibidem, p. 274.
34
56 DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. 1 ed., São Paulo: Boitempo, 2018, p.35
57
Ollie A. Johnson. Explicando a extinção do Partido dos Panteras Negras: o papel dos fatores internos,
Caderno CRH, 36 (2002), p. 97, disponível em: http://www.cadernocrh.ufba.br/
include/getdoc.php?id=957&article=160&mode=pdf, acesso em 10/06/2019.
58
Idem, Ibidem. p. 98.
35
59
Usamos aqui o conceito de não lugar de Marc Augé que o define como um espaço não identitário, não
relacional e não histórico. AUGÉ, Marc. Não Lugares – introdução a uma antropologia da
sobremodernidade. Lisboa: editora 90°, 2009.
60
DAVIS, Angela. Idem, p.35
61
BILGE, Sirma apud HIRATA, Helena. Gênero, Classe e Raça Interseccionalidade e consubstancialidade
das relações sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 61-73, june 2014. Disponível em:
<http://www.journals.usp.br/ts/article/view/84979/87743>. Acesso em: 20 jul. 2018.
36
62
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
63
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Belo Horizonte: Letramento. 2017.
64
HOCKS, Bell. Olhar Posicional. In: BRANDÃO, Izabel (org.). Traduções da cultura: perspectivas
Críticas feministas (1970-2010). Florianópolis: EDUFAL; Editora da UFSC, 2017. p. 495.
37
65
BARRE, Poulain de la, apud BEAUVOIR, Simone de. O segundo Sexo. s/p.
66
CHICO, Márcia Tavares. “Aos amigos ausentes, amores perdidos e velhos deuses”: considerações
sobre o feminino em Sandman de Neil Gaiman. 2017. Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada) –
Universidade Federal de Pelotas – Pelotas, RS.
67
SENNA, Nadia da Cruz. Deusas de Papel – a trajetória feminina na HQ do Ocidente, 1999.
Dissertação (mestrado em Multimeios) – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas,SP.
39
objetivos, seduzindo, são as femme fatales, que exercem atração e repulsa com a mesma
intensidade.
Dentre essas personagens Natasha Romanoff, também chamada de Natasha
Romanova, Natalia Shostakova, Yelena Belova ou Natalia Romanoff é uma personagem
criada por Stan Lee, Don Rico e Don Heck que apareceu pela primeira vez na revista
Tales of Suspense #52 em 1964. Nessa história ela é uma superespiã, aprimorada
geneticamente para lutar pela União Soviética e estreou ao lado do herói Homem de Ferro,
quando foi enviada para assassinar Anton Vanko, missão concluída com sucesso, mas
que resultou na morte se seu colega Boris Turgenov. Para tentar recuperar a confiança da
KGB, Natasha ficou na América tentando seduzir Tony Stark68.
Percebe-se que a vilã mostrava, inicialmente, dois elementos importantes para o
contexto das HQs do período: primeiro era uma espiã soviética no período em que EUA
e URSS mantinham uma política de não-enfrentamento direto pelos riscos inerentes de
um conflito nuclear, mas que tinham nas suas redes de inteligência constantes tentativas
de obter segredos tecnológicos que as alicerçassem a uma posição superior a outra. Além
disso, enquanto vilã trazia característica de sensualidade que faziam parte do imaginário
masculino.
Foi entre as décadas de 1990 e 2000 que ela passa a ocupar uma posição mais
ativa nos Vingadores, quando esse grupo de heróis consegue evitar que ela sofresse novas
lavagens cerebrais e Natasha aproxima-se do lado da Lei e do Estado.
Além dela, outra personagem feminina criada no período pesquisado, foi Carol
Danvers. Conhecida inicialmente como Miss Marvel, ela fazia parte da Força Aérea
Americana e teria sido exposta à radiação de um aparelho alienígena que fez com que ela
“desenvolvesse uma grande força, um sétimo sentido de premonição e ganhasse um
uniforme”, assim nascia esta personagem no final da década de 1970, que receberá a
alcunha de capitã após a morte do Capitão Marvel em 2012.
Stan Lee inseriu vários personagens mais humanizados, ao longo do período em
que permaneceu a frente da Marvel Comics, mostrando-os em situações que envolviam
possíveis conflitos pessoais e amorosos. Um dos destaques de sua liderança foi a criação
do grupo de mutantes chamado X-Men, cujo desafio dos personagens era ser aceitos pela
sociedade com suas diferenças, numa analogia as lutas pelo movimento dos direitos civis.
68
PANINI ComicsGroup. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015.
40
2.1 Viúva-Negra
69
MARTINS, Jotapê; CARVALHO, Helcio. Dicionário Marvel. São Paulo: Editora Abril. 1985, p.145.
41
Figura 3 – Tales of Suspense #52, Stan Lee, Don Rico e Don Heck 1964.
Fonte: PANINI Comics Group. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015
Nessa revista, a história se inicia nas instalações das Empresas Stark, chefiada
por Tony Stark, o Homem de Ferro. Lá tanto ele, quanto Anton Vanko, antigo cientista
soviético e alter-ego do Dínamo Escarlate, trabalhavam na criação de uma nova arma de
raios laser que ainda se revelava ineficiente. Após essas vinhetas aparece um novo
cenário, Moscou, onde o então presidente Nikita Krushev, convoca dois de seus agentes
secretos, Viúva-Negra e Boris para a missão de viajarem para os Estados Unidos e
eliminarem Anton Vanko, Tony Stark e, o próprio Homem de Ferro.
42
Fonte: PANINI Comics Group. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015
Essas características eram comuns em vilãs dos anos 1950 e 60, mesmo que elas
não tivessem um papel de destaque na narrativa e faziam um contraponto às heroínas
apresentadas de forma a não chamarem atenção para a sua forma física.
De acordo com Oliveira70,
Nem sempre louras, mas sempre transgressoras, as vilãs eram donas de
uma beleza exótica e, na maior parte das vezes, possuíam olhos
levemente amendoados. [...] A beleza da vilã não é angelical; não é
envolta por uma aura infantil, mas sim pelo mistério.
Esse mistério que seduz o herói é utilizado pela personagem com maestria, sendo
mostrado pelas curvas e também pelos cabelos. Como verifica-se ainda hoje, os cabelos
femininos são vistos como fonte de volúpia e afirmação da sexualidade; nos quadrinhos
eles ainda assumem um outro papel, eles determinam se aquela personagem é boa ou má.
Não só o comprimento, mas a cor deles podem mostrar-se imbuídos de um significado
maior dentro da narrativa. No período em que as mocinhas e vilãs não eram identificadas
70
OLIVEIRA, Selma Regina Nunes. Mulher ao quadrado: as representações femininas nos quadrinhos
norte-americanos: permanências e ressonâncias (1895-1999). Brasília: Editora UnB/Finatec, 2007.
43
pela forma de seus corpos, a cor do cabelo podia ser uma distinção clara de seu papel na
história. Primeiramente, convencionou-se adotar os cabelos escuros às mocinhas, pois
essa cor era considerada uma cor sóbria, enquanto o louro associado ao fogo, ao perigo e
ao pecado era definido para as vilãs. Apenas a partir da Segunda Guerra Mundial que esse
padrão se desloca, motivado entre outros, pela emancipação feminina, devido a sua
atuação no mercado de trabalho. Entre os anos de 1950 e 1960 o cabelo louro começou a
ser característico das mocinhas, geralmente apresentado em penteados comportados e os
cabelos escuros fez parte de características físicas de vilãs e adversárias das namoradas
de heróis, logo associavam-se cores escuras, em especial o preto ao conceito de escuridão
e dissimulação71.
Verifica-se assim que os quadrinhos não apenas abordam elementos sociais e
culturais do período no qual foi escrito, mas que causam um impacto social e cultural
grande, pois apesar de suas especificidades, ao serem pensados como uma mídia de
grande alcance público, se tornam um instrumento de construção do imaginário coletivo.
Eco72 afirma isso ao colocar que
Existe assim uma preocupação em pensar que não apenas os quadrinhos refletem
uma sociedade pontuada por valores de seu período, mas que além disso, ao serem um
produto da indústria cultural, carregam em seu escopo uma série de subjetividades, no
que Eco sinaliza, tornam-se elementos de persuasão que se mostram implicitamente como
um sistema que reforça os mitos e valores vigentes.
Douglas Kellner corrobora com isso ao afirmar que
71
ROXO, Lais Coitinho. Girl Power: a representação do Feminino nos Quadrinhos. 2018. Dissertação de
Mestrado em Comunicação. Universidade Federal de Juiz de Fora-MG. 2018, p.41.
72
ECO, Umberto. Apocalipticos e integrados. São Paulo: perspectiva, 1970; p. 59
44
Fonte: PANINI Comics Group. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015
73
KELLNER, Douglas. A cultura da Mídia. São Paulo: Edusc. 2001, p.11
45
Fonte: PANINI Comics Group. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015
Nota-se que é explorada nessa vinheta o heroísmo de Stark, que como cavalheiro
não poderia deixar uma mulher em perigo. Esse elemento ressalta qualidades desse
personagem que inspirariam possíveis leitores da HQ. O que teríamos então é uma
abertura para que os leitores possam projetar suas aspirações. Como afirma Eco74 “trata-
se da identificação privada e subjetiva, na origem, entre um objeto, ou uma imagem, e
uma soma de finalidades, ora cônscias ora incônscias, de maneira a realizar-se uma
unidade entre a imagem e aspirações”
74
ECO, Idem Ibidem, p.242
46
Outro elemento que permeia a narrativa é o sacrifício de Vanko que para evitar
que sua arma caísse nas mãos dos soviéticos a destrói causando sua morte e a de Boris.
Em meio à confusão Natasha consegue escapar, mas está assustada pelas possíveis
consequências de seu fracasso.
Fonte: PANINI Comics Group. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015
A personagem consegue ter uma boa aceitação pelo público, tornando-se parte de
várias aventuras do Homem de Ferro e com o passar do tempo exilou-se da União
Soviética deixando de ser uma vilã e uniu-se aos Vingadores. Sua história foi sendo
revelada ao longo de publicações de heróis das quais fez parte, até suas revistas próprias.
Ela faria parte da família Romanov, os últimos czares da Rússia, nascida em 1928 e teria
escapado de um ataque nazista que vitimou toda a sua família sendo criada por Ivan
Petrovich, seu salvador.
De acordo com a Panini75, teria crescido, estudando balé e tinha como objetivo
ser instruída no Bolshoi. Era uma estudante que se destacava em todas as atividades as
quais se dedicava: ginástica, dança, artes marciais, atletismo, estudo de línguas, entre
outros. Quando seu grande amor, Alexi Shostakov, aparentemente morre ao testar um
75
PANINI Comics Group. Viúva-Negra. São Paulo: Salvat do Brasil LTDA. 2015.
47
foguete experimental, Natasha torna-se uma operativa da KGB. Lá ela foi treinada na
Academia da Sala Vermelha e tornou-se uma das suas agentes mais habilidosas. Foi ali
que ela recebeu o codinome Viúva-Negra.
Em várias histórias ela passou por lavagem cerebral e acabou lutando ao lado de
“heróis” e “vilões”. Nessa perspectiva verifica-se a fragilidade feminina sendo enfatizada
pelos roteiristas, pois ela necessitaria de um outro herói para conseguir recobrar sua
memória.
76
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2. ed. Tradução Sergio Millliet. Volume único. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2009.
77
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009, p. 17-25,
48
encontram-se imersos em seu tempo não conseguem interpretar criticamente o que vivem,
não podendo assim serem identificados como “contemporâneos”. É justamente do
estranhamento, da criticidade acerca do que vivem, do apontar para os problemas
políticos e sociais que podemos identificar o ser contemporâneo. Assim percebemos que
nas lutas pelos movimentos sociais encontramos o cerne do estranhamento que pontua a
contemporaneidade.
Entre as diferentes respostas encontradas por ela o que se torna claro é que a
mulher se constitui como o “Outro” do homem, que se mantem como a regra básica e
universal dentro da sociedade. Nesse sentido a mulher foi imiscuída de completa
alteridade, cerceada por mistérios não descobertos e por esse motivo temida em diferentes
contextos históricos.
Campbell78 corrobora com isso ao apontar sua dificuldade de escrever seu livro
“O herói de Mil faces”, haja vista seu problema em encontrar heroínas femininas. Ele
aponta que o herói encontrado em diferentes culturas como um dos arquétipos analisados
por Jung é sempre masculino e que recorreu à análise dos contos de fadas, pois estes
tinham em suas narradoras mulheres que influenciavam na construção desses enredos.
Como ele coloca “Todas as grandes mitologias e boa parte das narrativas míticas do
mundo tem um ponto de vista masculino.”79
Essa ainda é uma das inquietações de Michelle Perrot, que verifica a dificuldade
de investigar a história das mulheres e dos gêneros a partir das fontes históricas, pois elas
trazem uma visão masculina escrita para homens. Como ela aponta:
Logo, evidencia-se uma das dificuldades que foram encontradas por muitos
pesquisadores: qual foi o papel desempenhado pelo feminino na história e assim
conseguir compreender as diferenças de gênero que fazem parte de nossa sociedade.
78
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, [1948] 1989.
79
Idem, Ibidem, p.167.
80
Perrot. Michelle. 2006, p. 185.
49
81
BEAUVOIR, 2009, p.882.
82
BUTLER, Judith P. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
83
Idem, Ibidem, p.18.
50
restrições é que se compreende que essa linguagem e política auxilia àquilo contra o qual
se luta.
Ao argumentar isso Butler se aproxima de Foucault quando esse diz
Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas
não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente,
muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um
sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber.
Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura,
mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a
trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte deste sistema
de poder, a ideia de que eles são agentes da "consciência" e do discurso
também faz parte desse sistema. O papel do intelectual não é mais o de
se colocar "um pouco na frente ou um pouco de lado" para dizer a muda
verdade de todos; é antes o de lutar contra as formas de poder
exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento: na
ordem do saber, da "verdade", da "consciência", do discurso.84
84
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. 71
85
Butler, 2014, p.23.
86
BARCELLOS, Janice Primo. O feminino nas histórias em quadrinhos. Disponível em:
http://www.eca.usp.br/nucleos/nphqeca/agaque/ano2/numero4/artigosn4_1v2.htm. Acesso em: 06 abr.
2020.
87
Aline foi criada por Adão Iturrusgarai em 1996 e conta a história da personagem principal e seu
relacionamento poliamoroso.
51
Quando vemos essas super-heroínas, verificamos que muitas vezes seus corpos
são recorrentemente estereotipados e sexualizados. Segundo Melo e Ribeiro muitas
mulheres representadas nos quadrinhos preenchem três perfis diferentes
Aparecem como mocinhas indefesas à espera de seu herói, ou são as
vilãs sem escrúpulos que tentam a masculinidade dos heróis com seu
traje minúsculo e sua falta de moral, ou ainda a heroína com superpoder
ou não, que geralmente é jovem e bela, desenhada em 42 posições
sensuais que enfatizam seus atributos físicos.88
Ora esse elemento aparece claramente na capa da primeira versão de Miss Marvel,
nela vemos claramente como o corpo feminino é importante para que a personagem atraia
a atenção de seus leitores.
Fonte: CONWAY, Gerry e BUSCEMA, John. Ms. Marvel v. 1, #1. 1977. Arquivo PDF.
88
MELLO, Kelli Carvalho; RIBEIRO, Maria Ivanilse. Vilãs, mocinhas ou heroínas: linguagem do corpo
feminino nos quadrinhos. Revista Latino-americana de Geografia e Gênero. Ponta Grossa, v. 6, n. 2,
ago. / dez. 2015. p. 106.
52
Portanto vemos como as ideias dessas pesquisadoras, de que o corpo feminino foi
construído sócio-culturalmente, são mostradas nesses quadrinhos. As imagens presentes
não apenas nos quadrinhos, mas em toda a cultura popular, de maneira geral mostram-se
como um ciclo no qual se repetem, naturalizando valores e influenciando a maneira na
qual os consumidores percebem o mundo. Elas afirmam que “[a] imagem idealizada da
mulher, ou melhor, do seu corpo, normatizadas nas HQs são na verdade representações
de desejos e fetiches do imaginário masculino”.89
Esse discurso acerca do corpo feminino foi construído historicamente, em especial
no que vemos acerca da sexualidade. Logo ao verificarmos como esses elementos visuais
são construídos ao apresentar uma possível leitura de padrões sócio históricos, torna-se
possível realizar uma análise do discurso que eles apresentam de maneira implícita.
Os corpos femininos nos quadrinhos foram usados por décadas como um meio de
controle acerca da sexualidade feminina e também da masculina. Não é um acaso que
personagens femininas apresentam curvas idealizadas que apontam para os padrões da
cultura de massa. Logo o que vemos é uma forma de leitura que busca que o leitor
decodifique seus significados, no que Foucault90 chamou de dispositivo de sexualidade
89
Idem, Ibidem, p. 108.
90
Foucault, 1979, p.43.
53
uniforme vestido por ela lembrava as cores do então Capitão Marvel, mas sexualizado. O
que temos é uma espécie de maiô com recortes na barriga, pouco prático para suas
missões, mas que realça o corpo da heroína, outra característica é seu cabelo relativamente
longo e loiro. Podemos perceber que esses elementos são a primeira forma de contato
com o consumidor, o que chama sua atenção ao se deparar com essa revista nas bancas
tornando-o um possível leitor, ou seja, é a imagem que primeiro o seduz, só depois ele se
rende ou não à narrativa, assim, uma imagem que identifica uma personagem feminina
com muitos dos fetiches masculinos é consumida por esse público com rapidez.
Os quadrinhos mostram muito mais do que apenas uma imagem, mas sim um
modelo dos valores presentes em determinada época. Portanto, os quadrinhos se tornam
formas de reiteração de valores, sejam eles positivos ou não.
De acordo com Nogueira
91
NOGUEIRA, 2010, p.14.
54
Figura 9 – Discussão entre Carol Danvers e John Jameson sobre a edição de revista
feminina
Fonte: CONWAY, Gerry e BUSCEMA, John. Ms. Marvel v. 1, #1. 1977. Arquivo PDF.
Ao ser contratada como editora de uma nova revista feminina, uma das questões
que são retratadas é a dificuldade de ser levada a sério enquanto profissional, pois seu
chefe John Jonah Jameson ou "JJJ"92, indica a necessidade de trazer um conteúdo
interessante, no caso a aparição de uma nova e misteriosa heroína, identificada no 1°
quadro da narrativa como Miss Marvel. Através do comentário feito por ele e a respostas
dada por ela vemos outro elemento pertinente dessa análise.
92
Conhecido anteriormente pelo seu desempenho em revistas anteriores do Homem-Aranha, como o dono
do Clarim Diário.
55
Fonte: CONWAY, Gerry e BUSCEMA, John. Ms. Marvel v. 1, #1. 1977. Arquivo PDF.
O que fica implícito na questão da remuneração é que uma mulher deve lutar e se
posicionar frente a uma figura de autoridade caso queira ser levada a sério e ter suas
reivindicações atendidas. Isso aconteceria
93
BARCELLOS, 1995, s/p.
94
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicilio (Pnad), divulgado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativa ao quarto trimestre de 2018, o mercado de trabalho
brasileiro mostra-se abusivo com as mulheres em relação as vagas disponíveis e aos salários pagos. As
informações mostram que a taxa de desemprego nesse período foi de 11,6%, dos quais homens representam
10,1% e as mulheres 13,5%. Além disso, as mulheres recebem 70% dos rendimentos dos homens. (RITA,
56
Vê-se que o foco no olhar é feito por meio da figura humana, assim, essa figura
deve exibir-se em posições ou mesmo situações dispensáveis na trama, ou seja, desde que
consiga prender o leitor utilizam-se de artimanhas como posições impossíveis ou ainda
em uniformes que não estão em acordo com as ações que a personagem desempenha na
trama.
Bruno Santa. Diferença de salário entre homens e mulheres atinge todas as classes sociais. In: Correio
Brasiliense; Brasília;08 mar. 2018; seção economia. Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/03/08/internas_economia,741635/difer
enca-salarial-homens-e-mulheres-atinge-todas-as-classes-sociais.shtml. Acesso em 08 dez.2020
95
Roxo, 2018, p.46.
57
Assim, o que vemos em 1977 na primeira edição de Miss Marvel é uma heroína
habilidosa apesar de jovem e uma escritora confiante em sua capacidade enquanto
jornalista. Contudo a narrativa não consegue ser tão atrativa ao leitor pois a trama se torna
frágil com a amnésia seletiva que acomete a personagens em momentos convenientes,
pois não causa nela angústia e sim uma certa curiosidade.
Esses elementos causam estranheza quando nos deparamos com o fato de que ela
não sabe quem é, mas tem certeza que é uma guerreira Kree, assim como sabe que seus
conhecidos estão em perigo. Algumas perguntas são jogadas no ar, pois ao desmaiar
quando se transforma em Miss Marvel, qual é o momento e lugar onde ela se troca? como
a troca da identidade de uma heroína para uma civil ocorre. Apesar de algumas respostas
aparecerem em edições posteriores, todos esses elementos não tornam esse um enredo tão
atrativo.
Fonte - CONWAY, Gerry e BUSCEMA, John. Ms. Marvel, v. 1, #1. 1977. Arquivo PDF.
Vemos em Carol uma mulher madura, decidida e confiante, ela se apresenta como
uma profissional centrada, mas também aberta e agradável como se vê quando ela e Mary
Jane96 conversando, quando ela menciona ter trabalhado anteriormente como escritora. Já
como Miss Marvel suas lutas resolvem-se facilmente, pois ela é forte e ágil, lutar mostra-
se como algo natural. São nesses momentos em que percebemos como são enfatizadas
96
Personagem feminina reconhecida como a namorada de Peter Parker nos quadrinhos do Homem-
Aranha.
58
suas características físicas, os enquadramentos dão destaque aos seus quadris, peito e
barriga o que é feito de maneira proposital para enfatizar o corpo feminino de uma
maneira sexual. A personagem mantem-se assim em uma dualidade entre dois
estereótipos utilizados anteriormente nos quadrinhos a mocinha recatada e a sensual
heroína.
Fonte: CONWAY, Gerry e BUSCEMA, John. Ms. Marvel, v.1 #1. 1977. Arquivo PDF.
Fonte - CONWAY, Gerry e BUSCEMA, John. Ms. Marvel v.1 #20. 1978. Disponível em
<https://www.vulture.com/2019/03/carol-danvers-journey-to-captain-marvel-in-costumes.html>. Acesso em: 20
jan. 2020
97
MELO, G. B. F. de. Kamala e o caminho da empatia para a aceitação da alteridade nos
comics. Literartes, [S. l.], v. 1, n. 8, 2018. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/literartes/article/view/137811. Acesso em: 11 dez. 2020.
60
98
MARVEL WIKI. Kamala Khan. Disponível : https://marvel.fandom.com/pt-
br/wiki/Kamala_Khan_(Terra-616). Acesso em: 29 out. 2020.
99
A exposição a névoa terrígena ou Terrigênese (às vezes chamada de “T-Gen”, Terrigenisis ou
Terrigenação) é uma processo que permite que os Inumanos da Terra, seres de uma espécie humanoide,
descendentes de humanos normais, que há muitos séculos foram modificados em experiências realizadas
pelos alienígenas conhecidos como Kree, inalam o gás obtido com o uso dos Cristais de Terrrigênese, para
ativar seus genes desumanos e ascender como meta-humanos.
61
100
Fonte - WILSON, G. Willow; ALPHONA, Adrian e HERRING, Ian .Ms. Marvel v.3, #1. 2014. Arquivo PDF.
A partir de então, ela mantém o codinome de Miss Marvel, uma vez que Danvers
já havia assumido o título de Capitã Marvel e começa sua jornada como heroína,
mostrando conflitos próprios de jovens do século XXI, como o desejo de fazer parte, de
se enquadrar na sociedade. Ao mesmo tempo que ela tenta se adaptar, o que se percebe é
que ela se sente cada vez mais infeliz, pois em sua jornada de autoconhecimento ela
começa a compreender que o que faz dela diferente é também o que a define como
especial e única.
O ponto de vista de uma jovem paquistanesa vivendo dentro da comunidade
estadunidense e cercada de conflitos entre a pressão familiar pela manutenção de
tradições e o anseio de experimentar todas as coisas novas que aquela sociedade poderia
oferecer é uma constante nessa narrativa. Isso é um momento de reflexão importante, pois
100
No balão lê-se :Hmmmm...é muito tarde para mudar de ideia?
62
Fonte - WILSON, G. Willow; ALPHONA, Adrian e HERRING, Ian .Ms. Marvel v. 3, #2. 2014. Arquivo PDF
101
Um editor de quadrinhos é responsável pela discussão com o roteirista acerca da história, mostrando-lhe
quais os possíveis caminhos que o argumento deverá seguir; verifica com o desenhista se a anatomia do
personagem está com problemas ou se o cenário está de acordo; é ele quem direciona a trama para o seu
público-alvo e acompanha a colorização dos desenhos. GUSMAN, Sidney. A diferença entre editor e editor.
2009. Disponível em: <http://universohq.com/beco-das-hqs/a-diferenca-entre-editor-e-
editor/#:~:text=informativa%20faz%20no%20seu%20dia,aplicado%20%C3%A0s%20hist%C3%B3rias%
20em%20quadrinhos.&text=estrangeira%2C%20o%20que%20impossibilita%20essa,termo%20apropriad
o%20para%20a%20fun%C3%A7%C3%A3o.>. Acesso em 10 jan. 2021.
102
PAIS, José Machado. As correntes teóricas da sociologia da juventude. In: Culturas Juvenis. Lisboa:
Imprensa Nacional, 1996. P. 54
63
103
Mais importante prêmio de ficção científica do mundo.
104
Prêmiação canadense entregue anualmente, desde 2005, pela realização de destaques na criação de
histórias em quadrinhos, graphicnovels, webcomics e quadrinhos varejistas e editores.
105
Maior festival de quadrinhos da Europa, considerado por muitos como o “Cannes” dos quadrinhos. É
realizado anualmente desde 1974 em Angoulême na França.
106
TORO, Fernando de. El desplazamiento de la literatura, la literatura del desplazamiento y la
problemática de la identidad. Extravío:Revista electrónica de literatura comparada, núm.5. Universitat
deValència, 2010. Disponível em: <http://www.uv.es/extravio>. Acesso em: 05 jan.. 2021.
107
HALL, Stuart, Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG;
Brasilia: Repressentação da Unesco no Brasil, 2003. p.44
64
108
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 36. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2009.
109
ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas
relacionadas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.
65
2.3 Tempestade
110
LAURETIS, Tereza de. A Tecnologia do Gênero. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
66
governo em 1965 que teve como resultado o Relatório Moynihan, que relacionava vários
dos problemas sociais e econômicos da comunidade negra com a estrutura familiar
matriarcal predominante nela.111
Esse relatório enfatizava que além de vários outros problemas provenientes da
escravidão, o cerne que impedia essa parcela da população a se estruturar estava na
ausência de autoridade masculina. Assim, identificamos nesse estudo um problema
recorrente na sociedade branca e patriarcal, a culpabilização de pessoas que não tinham
condições de uma defesa efetiva sobre os estereótipos e falácias que eram registrados
sobre si.
Quando olhamos o primeiro aparecimento dessa personagem verificamos que o
visual dado a ela foi criado num contexto de modificações dos traços dos grandes heróis
da Marvel. De acordo com Lima112 a personagem Tempestade surgiu da fusão de outras
duas personagens de Outsiders: Quetzal e Typhoon, mas após seu ingresso na equipe dos
X-Men ela adquiriu os poderes conhecidos atualmente e que fizeram com que os
brasileiros, muitos dos quais se identificam com origens africanas, reconhecessem nela a
orixá Iansã113. Ela se destacou entre os personagens desse período, pois era negra, mulher
e uma das principais lideranças de uma das grandes equipes de quadrinhos da década de
1970 e das posteriores.114
Segundo Quiangala115
Considerando esse racismo engendrado (COLLINS, 2000), isto é, a
interseccionalidade entre raça e gênero, comparar mulheres de forma
generalizante decorre de uma falsa simetria analítica que visibiliza a
experiência e visão de mundo de mulheres brancas e silencia
experiências de mulheres racializadas e/ou que performem feminilidade
de forma diferente da prescrição hegemônica.
111
Davies, Mulheres, raça e classe, p. 32
112
LIMA, Sávio Queiroz. Garra de Pantera: os negros nos quadrinhos de super-herói dos EUA. In:
Identidade!, São Leopoldo, v.18 n. 1, p. 90-102, jan.-jun. 2013.
113
Iansã é uma das orixás femininas mais cultuadas no Brasil dentro da religião de matriz africana chamada
de Candomblé. De acordo com as crenças de seus seguidores ela estaria ligada as forças da natureza como
os demais, sendo associada à figura de “Santa Bárbara” uma vez que é uma mulher guerreira que usa uma
espada na mão, além de ser a protetora das tempestades e possuir em suas vestes a cor vermelha. (DANTAS,
Rafael, Jesus da Silva. O poder feminino de Iansã e o esquecimento do negro no Museu. Anais do Seminário
Nacional de Sociologia da UFS. 25 a 27 de abr. 2018. Disponível em:
<ri.ufs.br/bitstream/riufs/12909/2/poderFemininoIansaEsquecimentoMuseu.pdf>. Acesso em 20 nov.
2020.
114
ROZ, Savio. Tempestade: a Iansã dos quadrinhos. Disponível em:
https://savioroz.wordpress.com/2018/07/16/tempestade-a-iansa-dos-quadrinhos/>. Acesso em 20 nov.
2020.
115
QUINGALA, Anne Caroline. A fantasia deles sobre nós: a representação das heroínas negras nos
quadrinhos mainstream da Marvel. Dissertação de Mestrado em Literatura. Universidade de Brasília. DF,
2017. P. 59.
67
Portanto verificamos como o racismo é abordado nesses comics como uma forma
de classificação no qual elementos mais desumanizantes são características de alguns
personagens e mostram de que forma o contexto histórico foi incorporado neles.
Podemos identificar esses elementos em personagens como Luke Cage que
apresenta uma versão estereotipada do modelo de masculinidade negra, ou seja, é
evidenciado a todo momento suas características físicas e sociais: grande, forte, ex-
membro de gangue cuja prisão injusta o submeteu a experimentos científicos que legou-
lhe superforça e pele invulnerável. Nota-se que mesmo essas características apontadas
como positivas são relacionadas em momentos de suas histórias com elementos
animalescos, além disso são evidenciados em suas narrativas muitos envolvimentos com
personagens femininas, mostrando-o como um objeto sexual.
Outro elemento para o qual se deve atentar são os discursos ideológicos que são
apresentados por meio dessa personagem. Pois a África apresentada nesse quadrinho era
uma África primitiva, na qual as crenças estavam acima da ciência, uma vez que a
personagem se apresenta como uma espécie de deusa. Então nos perguntamos: essa
construção foi feita para quem? Por que essa personagem feminina e negra, uma das
primeiras a compor uma equipe mainstream da Marvel, foi caracterizada assim? Ou seja,
verificamos que essa personagem não demonstra apenas o discurso sobre a África, mas
sim que ela reproduz um discurso colonialista acerca desse continente e sobre como uma
mulher negra se apresentaria.
68
Fonte- LEE, Stan; Wein, Len e Cockrum, Dave. Giant Size X-Men #1. 1975. Versão em PDF
É interessante, assim, verificar como essa personagem foi vista inicialmente para
os consumidores das HQ’s da Marvel, como foi a recepção dessa nova personagem num
contexto histórico-social de lutas e disputas da comunidade negra norte-americana.
Oliveira116 é uma das pesquisadoras que aponta para o fato de que
[...] a história em quadrinhos é um jogo de recriação no qual os autores
se reapropriam de representações para construir uma forma de discurso
aparentemente inédita, em que, a cada quadrinho, a interação da
imagem com o texto institui modos de ser e de estar no mundo.
116
OLIVEIRA, 2007, p. 141
69
Fonte1- LEE, Stan; Wein, Len e Cockrum, Dave. Giant Size X-Men #1. 1975. Versão em PDF
117
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. 1 ed. Rio de Janeiro:
Cobogó, 2019. p.78-79.
70
O que verificamos assim é que nesse momento, o sujeito Negro é visto como um
algo ruim, trazendo características que a sociedade branca, ocidental buscava reprimir,
chegando a transformá-lo em discussões proibitivas como a sexualidade e a
agressividade. Assim percebe-se que a branquitude consegue se ver como moralmente
superior, civilizada e livre de consequências trazidas pelos fatos históricos. Portanto, o
que se apresenta nessa personagem é a fantasia branca sobre como a Negritude Feminina
deveria ser.
O fato dela aparecer despida nessa vinheta mostra como os seus criadores
gostariam que seu público a compreendesse, ela ainda aparece em um plano total e de
ângulo de visão contre-plongé, ou seja, uma ação vista de cima para baixo que a mostra
muito forte em relação aos seus adoradores que a estão vendo de baixo e que é muito
comum nas histórias de super-herois.
Outro elemento dessa figura que contribui para uma distinção sexualizada da
personagem é o cabelo longo com o qual ela se apresenta. Segundo Oliveira118 os cabelos
femininos são utilizados como um símbolo sexual que alicerça a legitimidade ou
estigmatização de uma identidade. Para a classificação da fase etária feminina eles são
usados como referência, em especial a sua cor e seu comprimento, assim mulheres jovens
são ilustradas com cabelos longos e a partir da maturidade há um encurtamento de suas
madeixas. Logo, o que se observa é um simbolismo que associa sexualidade a esta
característica feminina. Isso fica ainda mais evidente quando ponderamos sobre
quadrinhos posteriores dessa personagem, no qual ela adota o corte de cabelo moicano.
Ao avaliar essa personagem, não pode-se furtar de analisá-la a luz da
interseccionalidade. Ao apontarmos para uma investigação de uma mulher negra,
percebe-se inicialmente que ela é vista primeiro como negra e em seguida como mulher,
esses dois fatores colocam a percepção dela em uma posição distinta das demais.
De acordo com Kilomba119
[...]“Raça” não pode ser separada do gênero nem o gênero pode ser
separado da “raça”. A experiência envolve ambos porque construções
racistas baseiam-se em papéis de gênero e vice-versa, e o gênero tem
um impacto na construção de “raça” e na experiência do racismo. O
mito da mulher negra disponível, o homem negro infantilizado, a
mulher muçulmana oprimida, o homem muçulmano agressivo, bem
como o mito da mulher branca emancipada ou do homem branco liberal
118
OLIVEIRA, 2007, p. 163-164
119
KILOMBA, 2019, P. 94
71
Fonte - LEE, Stan; Wein, Len e Cockrum, Dave. Giant Size X-Men #1. 1975. Versão em PDF
72
120
GALDIOLI, Andreza da Silva. A cultura norte-americana como um Instrumento de Soft Power dos
Estados Unidos: o caso do Brasil durante a Política de Boa Vizinhança. Dissertação de Mestrado
(Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, UNICAMP, PUC-SP). 2008, p.58.
Diponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/96282/galdioli_as_me_mar.pdf?sequence=1. Acesso
em: 06 dez. 2020.
121
Para tanto torna-se essencial analisar esses roteiros através de uma leitura específica como a proposta
por Eisner (...), Mccloud (...) e O’Neil (2005)
122
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016 [1982]
73
123
Charlie Brown Jr. Não é sério.
74
que passaram a abordar temas como cotidiano, família, cultura material e outros objetos
que não apenas a história política.124
As intensas discussões que levaram a formulação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) colocavam o ensino de História como veículo privilegiado para a
discussão das identidades, numa perspectiva multiculturalista, que associava-se também
com a formação de um cidadania crítica da realidade social. Nesse sentido verifica-se que
houveram momentos nos quais o contexto social influenciou na promoção de relações
entre as Universidades e o ensino de História nas escolas.
Contudo não existe consenso se essas alterações foram de todo benéficas uma vez
que como coloca Selva Fonseca125 teria ocorrido uma restrição do objeto da disciplina,
sendo uma reforma que primou pelo aspecto econômico que procurava formar indivíduos
aptos para atender as demandas da produção. O relativo esvaziamento político da história
ensinada então seria um dos elementos que contribuíram assim para um novo momento
de crise da disciplina.
Caimi126 aponta para uma dificuldade que aconteceu nas décadas de 1990 e 2000
em relação à ausência de uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nesse momento
o mercado editorial supriu essa lacuna transformando os livros didáticos numa espécie de
currículo mínimo, ou “currículo editado”127 que, criado por uma editora, é uma versão
impressa e simplificada para difundir os códigos fundadores da nação.
A construção da BNCC no Brasil ocorreu num momento de intensa polarização
política, e crise social e econômica. Essa situação impediu o debate necessário para que
a base fosse bem fundamentada. Percebemos isso quando lemos a primeira e a quarta
proposta da Base Nacional Comum Curricular e verificamos quão díspares são as duas
propostas.
O fragmento da 1ª versão da Base Nacional Comum Curricular propõe que
O componente curricular História tem por objetivo viabilizar a
compreensão e a problematização dos valores, dos saberes e dos
124
MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. O ensino de História no Brasil: contextualização e abordagem
historiográfica. História Unisinos, São Leopoldo, vol. 15, nº 1, janeiro/abril de 2011. p.47
125
FONSECA apud MATHIAS, 2011, p.47
126
CAIMI, Flávia Eloisa. A História na Base Nacional Comum Curricular pluralismo de ideias ou guerra
de narrativas? Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.4, vol.3, jan/jun. 2016, p. 86 – 92.
127
O currículo editado é aquele presente em manuais didáticos utilizados por professores em suas aulas,
muitas vezes sendo o único instrumento que esse profissional tem a sua disposição para referencia-las. Di
FRANCO María Graciela; SIDERAC, Silvia; DI FRANCO, Norma. Del curriculum ensenado al
curriculum editado. In: Revista Praxis Educativa, v. 10 n.10, p. 81-87. Disponível em: <
https://cerac.unlpam.edu.ar/index.php/praxis/article/view/482/415>. Acesso em 15 de jan. 2021.
75
Assim essa primeira versão confrontava o ensino de história da forma como era e
é trabalhado nas escolas no qual o passado é visto como um processo factual de
conhecimento, centrado na história europeia.
Essa versão ainda trazia a centralidade da História do Brasil
[...] Assim, parte-se, nos anos iniciais, dos saberes necessários à
apropriação histórica do tempo e ao desenvolvimento de
conhecimentos para a compreensão contínua de processos
históricos cada vez mais complexos. Para tanto, enfatiza-se a
História do Brasil como alicerce a partir do qual tais
conhecimentos serão construídos ao longo da Educação
Básica.129
128
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 2016
129
Idem Ibidem
130
CAIMI, Flávia Eloisa. A História na Base Nacional Comum Curricular pluralismo de ideias ou guerra
de narrativas? Revista do Lhiste, Porto Alegre, num.4, vol.3, jan/jun. 2016, p.87
76
131
RODRIGUES JUNIOR, Osvaldo. A luta da memória contra o esquecimento: a reforma do Ensino Médio
e os (des)caminhos do ensino de História no Brasil. In: Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.7, nº13
jul-dez, 2017. p.3-22. P.15
77
132
SNYDERS, Georges. Feliz na Universidade: estudos a partir de algumas biografias. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1995.
133
O Ensino médio foi reconhecido como uma das etapas da educação básica através da emenda
constitucional 59 de 11 de novembro 2009, que alterou o art. 208 da Constituição Federal para incluir a
obrigatoriedade e gratuidade dessa etapa de ensino, bem como dispor de recursos para seu funcionamento.
134
PAIS, J. M. Correntes teóricas da sociologia da juventude. In: PAIS, J. M. Culturas juvenis. 2. ed.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2003, p. 47-82.
78
135
DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo. Juventude e Ensino Médio: quem é este aluno que chega à
escola. In: DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo e MAIA, Carla Linhares. Juventude e Ensino Médio.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014, p. 114.
136
Idem, ibidem.
79
137
Freire, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 78.
138
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2013. p. 35.
80
que mobilizam discursos políticos e sociais do período no qual foram escritos. Vamos
sensibilizar nossos alunos para uma leitura crítica acerca de diferentes momentos da nossa
história.
Quando lemos uma quadrinho como um documento histórico a primeira pergunta
a ser feita é: Quem são os autores?139 apesar de ser uma questão nova quando falamos de
um documento histórico, muitas vezes não nos atentamos para a importância de conhecer
os escritores, desenhistas e roteiristas dessas histórias, pois elementos de suas vidas
podem estar inseridos nos heróis e heroínas por eles criados. Nem sempre encontramos
tais informações disponíveis, pois esses profissionais geralmente não estão tão envoltos
com a publicização de sua figura. Mas, é relevante pontuar que essas investigações podem
resultar em informações valiosas acerca dos personagens por eles criados.
Além disso, devemos nos mobilizar ainda para identificar o período e o lugar no
qual foram produzidas essas histórias, pois os quadrinhos desenvolvidos na França e Itália
terão características distintas daqueles produzidos nos Estados Unidos por exemplo.
Mesmo o Brasil que durante as décadas de 1960, 1970 e 1980 inspiram-se em modelos
norte-americanos trouxeram para seus personagens como a “Turma do Pererê”, um
movimento que procurou ocupar seu espaço.140
Outro elemento, não menos importante é identificar ainda quais são os valores, as
ideologias que estão circunscritas nesse quadrinho, enfim que discursos permeiam as falas
dos personagens que foram apresentados, pois ao mesmo tempo que temos um autor que
expressa suas ideias elas estão entrelaçadas com o discurso daquela época, seja para
refutá-lo ou confirmá-lo.
Isso fica mais evidente quando analisamos os quadrinhos escritos por homens
sobre mulheres pois vemos que mesmo de maneira subjacente aparece a perspectiva
masculina sobre essa personagem, muitas vezes em uma posição inferior àquela ocupada
pelos homens, isso fica claro quando percebemos que muitas delas são objetificadas
mesmo quando são as personagens título dos quadrinhos.
139
As perguntas selecionadas nesse primeiro direcionamento aos colegas que utilizarão os quadrinhos
basearam-se na proposta de Tulio Vilela para a leitura de quadrinhos nas aulas de história, elas estão
presentes no na obra Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula organizado por Angela Rama
e Waldomiro Vergueiro. VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Angela;
VERGUEIRO, Waldomiro. Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula. São Paulo: Contexto,
2004.
140
GOMES, I. L. (2012). Quadrinhos e pensamento social brasileiro: mitos de origem em Pererê e a defesa dos
quadrinhos brasileiros. História Social, 1(20), 63-82. Disponível em: <
https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/418>. Acesso em: 17 dez. 2020
82
141
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes 2010.
142
MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books, 1995.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
acrítico, que pudesse aceitar com passividade as decisões de políticos que pouco se
interessavam com os brasileiros comuns. Nesse sentido, a educação auxiliou na
manutenção de realidades que quando questionadas posteriormente pela disciplina de
História, motivou sua crise enquanto código disciplinar que só conseguiu se reerguer no
fim da década de 1980. Nesse sentido, as Histórias em Quadrinhos (HQs) foram utilizadas
em diversos momentos, como meras reproduções de valores do Estado, procurando
inculcar na educação de crianças e jovens uma conduta passiva, norteada para a
valorização do trabalho como forma de ascensão social.
Nesse trabalho procuramos apresentar uma perspectiva diferente das Histórias em
Quadrinhos, como artefatos culturais importantes e passíveis de análise, não só por
docentes, mas também aos nossos discentes.
Assim, ao procurarmos maneiras distintas de construir aulas de história que
abarcassem a forma como os debates de gênero apareciam nos enredos de quadrinhos
produzidos pela Marvel Comics nas décadas de 1960 e 1970, no qual se inserem
personagens femininas, verificamos como essas HQs podem fornecer um sentido
histórico para os estudantes do ensino médio.
Ao evidenciarmos as personagens Viúva-Negra, Miss Marvel e Tempestade,
procuramos diferentes versões do feminino que se revelaram muito semelhantes nos
papéis desempenhados por essas heroínas nos enredos, mostrando-nos como o discurso
sobre as funções de mulheres eram similares nesse período, só sofrendo uma mudança
efetiva, recentemente, nos quadrinhos da Miss Marvel protagonizados por Kamala Khan.
Apesar dessas limitações ainda é possível entender e identificar em jovens do
Ensino Médio, assoberbadas por tarefas cotidianas, uma identificação com essas heroínas,
com personagens femininas que mostram características de heroísmo nessas narrações
fictícias cuja leitura pode tornar-se uma nova possibilidade de prazer.
Infelizmente, devido às dificuldades em 2019, somadas a outras provocadas pela
pandemia em 2020, não foi possível implementar as propostas sugeridas nesta dissertação
em prática com estudantes do Ensino Médio, como era a intenção inicial. Alguns
momentos de reflexão sobre quadrinhos enquanto produtos da indústria cultural, que
como tal são veículos de uma agenda própria, no entanto, já haviam sido realizadas com
turmas do 1° ano desse nível de ensino e revelaram que essas turmas conseguem
identificar a objetificação das personagens femininas nessas narrativas.
Alguns grupos ainda conseguiram compreender que muitas heroínas foram
criadas como uma resposta aos movimentos sociais. Portanto, entende-se que esses
86
estudantes devem ser estimulados com esse tipo de atividade até para que eles consigam
ter uma leitura crítica de sua realidade.
A oportunidade de levar outros documentos para que eles façam uma investigação
sobre fontes históricas, também é uma forma de que eles compreendam que o nosso
metier não se baseia em falácias, mas sim em pesquisas realizadas de maneira cuidadosa,
considerando toda uma metodologia própria.
A fundamentação teórica em leituras sobre os estudos de gênero foram
enriquecedoras para a proposta da pesquisa, uma vez que a partir delas foi possível uma
análise mais profícua das personagens. Aqueles personagens que não foram o alvo
principal das análises ainda proporcionaram questionamentos sobre a interseccionalidade
de gênero e raça, e até mesmo como o pensamento colonial se manifestava nesses enredos.
Além disso essas leituras ainda possibilitaram uma nova visão das possibilidades
que a sala de aula pode proporcionar, pois no produto final dessa dissertação procuramos
apresentar trabalhos de poderão ser realizados com estudantes de escolas públicas e
particulares brasileiras levando esses estudos em consideração.
Observa-se que em aulas tradicionais de história muitas vezes os estudantes
sentem-se tolhidos de se manifestarem, transformando-as em momentos monótonos,
apesar de termos manuais didáticos que colocam abordagens diferentes, não se limitando
a apresentar os marcos tradicionais da História, esses não devem se tornar o único recurso
na sala de aula. Assim, apresentamos neste trabalho uma proposta mais dinâmica de
ensino, transformando estudantes em pesquisadores e pesquisadoras, possibilitando o
desenvolvimento do seu senso crítico. A proposta apresentada trabalha com três oficinas,
que busca analisar dois movimentos sociais, feminista e negro, a partir de incorporações
de personagens dos quadrinhos, além proporcionar um questionamento acerca das ideias
femininas da Marvel Comics.
Espera-se que esta dissertação auxilie professores e professoras a trabalharem
essas temáticas em sala de aula, não com intuito de substituir suas metodologias, mas sim
como forma de complementação dos processos de construção do conhecimento.
87
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