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educação médica

Ensino médico na graduação, faculdade


futurista (pós-moderna; contemporânea)
Medical teaching in graduation, futuristic college (post-
modern; contemporaneous)
Alcino Lázaro da Silva1

RESUMO

As áreas básicas, as disciplinas optativas, as disciplinas formadoras integrando-se às Professor Emérito da Faculdade de Medicina da
1

Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG.


áreas clínicas fundamentais por um tronco indispensável vão ao encontro do problema Belo Horizonte, MG – Brasil.
médico (o paciente), resultando uma relação médico-paciente sólida e indissociável.
Palavras-chave: Educação Médica; Educação de Graduação em Medicina; Escolas
Médicas; Currículo; Formação de Recursos Humanos; Relações Médico-Paciente.

ABSTRACT

Basic areas, the elective and forming subjects that are integrated to essential clinical
areas on a necessary trunk aim at the medical problem (the patient), resulting in a solid
and inseparable doctor-patient relation.
Key words: Education, Medical. Education, Medical, Undergraduate; Schools, Medical;
Curriculum; Human Resources Formation; Physician-Patient Relations.

introdução

A Faculdade de Medicina brasileira vive momento histórico de transformação im-


portante. Deixou o clássico. Não o tradicionalizou. Reformou o seu currículo, sem pre-
paro prévio do docente, fugindo de uma unidade ou um denominador comum nacional.

Informação

O professor não pode ter dificuldade no exercício da docência a partir do mo-


mento em que entende a necessidade de desdobrar os seus conhecimentos e experi-
ências. Na graduação, trabalhar com o geral e com princípios básicos; na residência Recebido em: 03/05/2012
Aprovado em: 15/11/2012
e na pós-graduação, com o que tem de mais forte e profundo que são os seus conhe-
Instituição:
cimentos especializados. Faculdade de Medicina da UFMG
Belo Horizonte, MG – Brasil
O mundo contemporâneo, ou pós-moderno, no entanto, gerou um sistema de
Endereço para correspondência:
informática (a ciência e a prática de organização e tratamento da informação) ágil, Departamento de Cirurgia da
conciso e objetivo. Qualquer pessoa, tendo à sua disposição o meio, informa-se so- Faculdade de Medicina da UFMG
Av. Alfredo Balena, 190
bre o que pretende, com rapidez que espanta aos que vivem em descompasso com Bairro: Santa Efigênia
CEP: 30130-100
os novos recursos. Um jovem, hoje, fechado no seu quarto, isolado do seu ambiente Belo Horizonte, MG – Brasil

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e do mundo, domina-o facilmente, se no seu quarto ■■ a etiologia (Microbiologia, Parasitologia, Viro-


instalar-se a Internet. Tudo o que quer saber, lá está. logia, Imunologia).
Basta acionar o comando.
Diante dessa realidade, a informação dada pelo São as raízes do conhecimento básico:
professor é atávica, desatualizada, incompleta e insu- ■■ a identificação (semântica ou semiologia);
ficiente. Dê ao estudante o tema e a palavra-chave. A ■■ o raciocínio (fisiopatologia);
resposta virá com todas as informações e com todos ■■ a comprovação (Patologia e Anatomia Patológi-
os últimos conhecimentos sobre o tema. ca, Ontoética Humana, Medicina-Legal);
Há, no entanto, um requisito vital a esse sistema ■■ o paciente como um todo (problema médico).
de informação: a base sólida para colocar em prática
e incorporar os dados coletados. Essa base se obtém, São o tronco:
na graduação, com o professor e os livros que tratam ■■ o diagnóstico (Clínica Médica, Pediatria, Saúde
da estrutura fundamental dos conhecimentos. Mental, Saúde Coletiva ou ações de saúde);
O que é fundamental? ■■ o ato ou a terapêutica (Cirurgia Geral, Ginecolo-
■■ o requisito (reciclagem de conceitos biológi- gia, Obstetrícia, Urgência).
cos e relacionamento humano cultural, am-
biental e etiqueta); São os galhos:
■■ a forma (Biomorfologia, Histologia, Embriologia, ■■ o conhecimento clínico básico, mais sob forma
Genética); de Internato.
■■ a função (Fisiologia, Fisicoquímica, Farma- As três partes compõem a árvore do ensino médi-
cologia); co indispensável. São obrigatórias (Figura 1).

Figura 1 - Árvore estilizada do ensino médico.

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Entre os pilares da formação do médico ela se lar). São disciplinas optativas, oferecidas a todos
destaca, sem fragmentos, pois o corpo é indivisível os alunos, em qualquer período ou ano, desde que
como a pessoa examinada. não haja requisito indispensável. O elenco será
Esses dados à luz da Fisiopatologia, da Anatomia variado e inumerável. Dependerá do objetivo do
Patológica, da Medicina-Legal, requintados por ações curso de graduação, da capacidade da escola, do
ontoéticas humanas e de saúde coletiva, fazem vín- número e qualidade de professores e da qualidade
culo perfeito entre o treinamento inicial na clínica e e preferência dos alunos. Carga horária e crédito
as cadeiras básicas. são pontos de importância secundária. Podem ter,
no entanto, a forma e a dinâmica que a matéria exi-
ge: curso, tópico, simpósio, exercício prático-oral,
Como caracterizar a reflexões sobre filosofia, erudição, religião, edu-
disciplina fisiopatológica cação... As optativas livres são disciplinas destina-
das a aumentar a flexibilização do curso. O aluno,
orientado, irá buscá-las fora da Faculdade ou da
Estimulando o raciocínio e a reflexão. Estes vêm Universidade, no sentido de enriquecer sua ânsia
do entendimento e da discussão conjunta (grupos de de melhor se formar.
discussão, painéis, sessões anatomoclínicas...) sobre Pode-se criar, também, mais fonte de aprendiza-
os aspectos morfoetiológicos, semânticos, patogêni- do. As raízes contrafortes ou a quinta parte da
cos, anatomopatológicos e clínicos. árvore. Se o aluno é bem aquinhoado, sedento de
Sobre o fundamental, reclamam-se várias áreas conhecimentos mais profundos e tem garra, poderá
que suprem, acrescentam ou enriquecem os conhe- desenvolver mais estudos nessas raízes. Elas se apli-
cimentos fundamentais. São as disciplinas optativas cam mais às áreas fundamentais. Podem ser optati-
e livres, representadas pelas raízes adventícias, ou a vas livres (Figura 2).
quarta parte da árvore. Ao lado do currículo mínimo (nuclear) poderá ha-
Raízes adventícias circundam o tronco e a copa ver duas possibilidades. Discussão com o orientador
para lhes dar sustentação. Nelas se incluem todas sobre a necessidade de cumprir rigorosamente o cur-
as disciplinas que vão completar o conhecimento rículo proposto ou acrescentar ou modificar discipli-
individual (cada um terá a sua preferência particu- nas que ele julgue necessário à formação do aluno.
Ações de

Áreas Básicas
Cir
urg

Saúde
ia

Clí
Ge

nic
aM
ral

éd
ica
Disciplinas Optativas Obste Paciente
trícia
Problemas Médicos

- Gine
colog
ia
ia
Patolog dica
m â n ti ca Mé
Se tologia
Disciplinas Formadoras Fisiopa ca Médico
Ontoéti gal
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Medicin
l
tria

enta
dia

de M

Optativas Livres
Pe

Urgência
Saú

Figura 2 - Toda a ação durante o curso devera ter um só objetivo: fazer do problema médico (paciente) uma
relação estreita de toques e cuidado.

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O Colegiado apreciará as propostas para adequar à mas desprovido de sentido humanitário. Neste, ele
exigência administrativa competente. caminha em busca mais de uma atitude de carinho,
Com isso ficam informados: o aluno de porte cuidado e toque físico do que da aplicação do mais
intelectual mediano, o de nível superior e o extra- requintado método propedêutico ou terapêutico.
ordinário ou superdotado. Teríamos, então, todos os Quando se trata de um ato médico, a técnica é
médicos aptos para o exercício clínico no sistema cumprida a rigor e o resultado é excelente. A Internet
de saúde para atender ao prevalente, ao comum e resolve esse problema. Ocorre que o sujeito da ação,
ao simples. Daqueles, teríamos moços mais bem- além de corpo, tem sensibilidade, afeição, mente e
-informados para seguirem na residência, na pós- alma. Essas características do ser humano não se sa-
-graduação senso estrito e nos voos mais altos do tisfazem com a máquina. Locupletam-se, isto sim, com
conhecimento médico. o toque físico do médico, sua palavra, seu cavalheiris-
E o paciente? Coloca-se nessa composição como mo, sua lhaneza, sua atenção, seu carinho, sua bonda-
o sujeito-alvo do esforço de todos. O que ele, real- de, seu desprendimento, sua disponibilidade e até, se
mente, nos pede? A resolução de seus problemas. me permitem, com sua caridade e postura sacerdotal.
Problemas sempre decorrentes de desordens físicas, São qualidades adquiridas em três fontes: no
mentais, espirituais e afetivas. berço paterno; no exemplo de superiores que são es-
Não adianta somente informar. Resolver-se-ia pe- pelhos humanos; e na convivência. O berço já está
quena parte da demanda dos pacientes. Às outras ne- estabelecido. Pode ser burilado. O exemplo se obtém
cessidades só se atende com a formação do médico. na enfermaria, no ambulatório, no laboratório e nas
O médico dotado de conhecimentos técnicos (currí- salas de aula e operatória.
culo), morais, éticos, bioéticos, filosóficos, religiosos A convivência exige três ramos indispensáveis:
e humanísticos (Figura 3). entre colegas, entre alunos-professores e entre alu-
nos-pacientes.
Integração Onde os dois primeiros poderiam participar, usu-
fruir e incorporar as qualidades para o exercício ple-
no da Medicina, ou seja, o técnico e o humanista?
Transformação

Disciplinas Disciplinas
das Áreas Optativas Num centro de convivência (Figura 4).
Básicas Livres
O curso de Medicina, então, teria a seguinte es-
Transformação Transformação
Informação Formação trutura:
■■ cadeiras básicas;
Transformação

■■ um tronco obrigatório contendo, e muito! Semân-


Disciplinas Disciplinas
Optativas Formadoras tica (Semiologia), Anatomia Patológica, Ontoé-
tica, Medicina-Legal, Fisiopatologia, problemas
Interação
médicos e disciplinas formadoras;
■■ os galhos com Clínica Médica, Pediatria, Saúde

Figura 3 - A informação e a formação (referências) Mental, Cirurgia, Trauma, Ginecologia, Obstetrí-


devem convergir para a transformação de um jovem cia e Ações de Saúde;
em médico.
■■ galhos adventícios e raízes contrafortes, em esco-

lha livre por parte dos alunos;


Formação ■■ o resto, o longo tempo, será reservado, à convi-

vência clínica, ética, moral, humanística, social...


Não se entende a existência de um médico do- (Figura 4).
tado de todas as qualidades técnicas e científicas,

Centro de Convivência: Despertar a sensibilidade e o interesse dos alunos nas áreas

Artes Cênicas Artes Plásticas Música Poesia Espiritualidade Partilha Atualidades, Realidade Social

Figura 4 - No centro de convivência as disciplinas de humanidades é que farão a transformação.

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Qualquer escola, por mais simples que seja, pode transferido para o aluno e professor para que, juntos
dedicar parte de seus recursos e de sua área para no ambulatório e na enfermaria, possam ouvir, exami-
um centro de convivência onde aluno e professor nar, observar e acompanhar o seu paciente. Sem horá-
tenham tempo para aprender, discutir ou sentir o as- rio. Sem correrias. Sem interrupções para cumprir es-
pecto mais nobre do médico, que é a atitude no re- calas de aulas que nada acrescentam ao exercício da
lacionamento humano. A técnica não propicia essa atitude, mas, repito, impõem ciência e conhecimento
oportunidade. A língua portuguesa, a literatura, a num só sentido. Do professor para o aluno. Nunca o
poesia, a arte plástica, a arte cênica, a música, a his- contrário. Muito menos para o paciente.
tória, a filosofia, a religião, a partilha, o esporte, outra Desse exercício nasce a convivência. A realizada
língua... dão aos convivas o desafio para crescerem a três, aluno-professor-paciente, ou a dois, aluno-pa-
no holicismo. Essa visão global nos levaria para o ciente, nos intervalos em que o professor não pode
transcendente, a imaginação, a criação e a heurística. ser definido e enquadrado. Não pode, no entanto, ser
Há que se reservar horário para esse investimento limitado ou contido quando se trata de formar uma
intelectual e espiritual. Ele será retirado da corrida consciência que maneja um ser humano. Exerce-se,
maluca em busca de créditos e de disciplinas que antes da técnica, a humanização das atitudes. Antes
assoberbam os alunos e os fazem mais tecnocratas. do eficaz uso da máquina, o esquadrinhamento da
As disciplinas, quanto mais desdobradas e mais pro- Ontoética. A ética do ser. O ser humano, vive, sen-
fundas, mais insaciáveis se tornam. O aluno é o alvo te, adoece, carece, solicita, espera o resultado no
porque tem campo fértil, está por conta, é crédulo, é atendimento, que não foge à regra da atitude sempre
receptivo e incorpora tudo com facilidade. superior ao ato. Este se exerce facilmente com con-
É preciso haver tempo de sobra, ocioso, sem dis- senso pleno, se aquela é bem-dirigida, bem-aplicada
ciplinas, sem créditos, sem avaliações, para que o e bem-aceita pelo ser humano. É a ética do ser.
aluno possa conviver, pensar, refletir, discutir e fazer A avaliação é feita pelo professor que observa o
lazer no ambiente da Faculdade desempenho e o progresso do aluno na formação
No centro de convivência não haveria ciência e na atitude. A avaliação é feita, sobretudo, pelo pa-
pura. Haveria ciência aplicada. O requinte seria o cul- ciente, que passa a reconhecer no aluno um aliado,
to à oportunidade para conversar, ouvir, sobretudo, e um amigo, um prosélito. A avaliação inicia-se com
raciocinar sobre os desafios do comportamento hu- um ponto positivo e sem retorno quando o pacien-
mano entre pacientes e médicos. te inicia o reconhecimento do aluno pelo seu nome.
Esse tempo precioso, retirado das salas de aula, Está estabelecido o pacto ou o contrato feito.
das demonstrações de experiências e de conheci- Daí em diante, a ciência poderá ser imposta sem li-
mentos, às vezes numa autoafirmação sem conta, será mites, até para obterem-se o diagnóstico e a terapêutica.

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