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PONTO

Ano XVII, n° DE VISTA


24, Junho/2005 97

Motrivivência Ano XVII, Nº 24, P. 97-105 Jun./2005

ENTRE O BIOLÓGICO E O SOCIAL.


TENSÕES NO DEBATE TEÓRICO ACERCA DA
SAÚDE NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Yara M. Carvalho1

Resumo Abstract
A saúde como campo de investigação ou Health as a field of investigation or as an
como objeto de estudo não é obediente area of study is not obedient to the
às determinações da predição, das determinations of prediction, of precise
antecipações rigorosas e precisas; ao and necessary anticipations; on the
contrário, é de natureza imprecisa e contrary, it is of inexact and non-lineal
não-linear. Essa complexidade resulta na nature. That complexity results in the
necessidade de diálogo entre áreas e need for dialogue between areas and
subáreas. Pesquisadores latino-america- sub-areas. Latin-American researchers,
nos, especialmente brasileiros, na especially Brazilians, in the 1970’s
década de 1970, formularam novas formulated new theories, concepts,
teorias, conceitos, categorias analíticas e analytical categories and methodologies
metodologias em saúde, a partir das in health from Social Sciences, which
Ciências Humanas e Sociais, que acabou delimited a new academic-scientific field
delimitando um novo campo acadêmico- named Collective Health. Therefore,
científico denominado Saúde Coletiva. attention is called for professionals,

1
Docente vinculada à Universidade de São Paulo (USP), onde coordena o Grupo de Estudos de
Educação Física e Saúde Coletiva. Mestre em Educação Física e doutora em Saúde Coletiva pela
Unicamp, com pós-doutoramento em “Ciências Humanas e Saúde” no Instituto de Medicina Social
da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
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Nesse sentido, chamo a atenção dos students, teaching and services


profissionais, estudantes, gestores do managers as well as researchers in
ensino e do serviço e pesquisadores da Physical education for other forms of
Educação Física para outras formas de thinking, teaching and intervening in
se pensar, ensinar e intervir em saúde - health - with emphasis on collective,
com ênfase no coletivo, no público e no public and social aspects, without
social –, sem romper com o que já temos neglecting what has been already
de acumulado de saberes e práticas, de accumulated of knowledge and
modo que quaisquer tensões sejam practices, so that any tensions are
saudáveis à medida que os “encontros” healthy as “the meeting on the borders”
entre as fronteiras do conhecimento of knowledge produces better health
produzam condições de saúde e de vida and life conditions for populations.
melhores para as populações. Key words: Collective Health; Social
Palavras-chave: Saúde Coletiva; Ciências sciences; Physical education
Sociais; Educação Física

1. Introdução em que pese a Educação Física vin-


cular-se predominantemente às Ci-
O campo de produção de ências Biológicas ou ainda às Ciên-
conhecimento, formação e interven- cias da Saúde, especialmente junto
ção profissional denominado Educa- às agências de fomento - CAPES,
ção Física, é marcado pelas relações CNPq -, várias instituições de nível
que estabeleceu com outras áreas do superior remanejaram seus cursos
conhecimento, ao longo de sua de formação para os Centros, Insti-
constituição e consolidação, e para tutos e Departamentos vinculados
este texto vou me ater ao tema En- às Ciências Humanas, vários colegas
tre o biológico e o social: tensões no da Educação Física têm optado pe-
debate teórico acerca da saúde na Edu- las Ciências Humanas para desenvol-
cação Física 2 a partir das Grandes ver suas linhas de pesquisa e as
Áreas, as Ciências Biológicas, as Ci- subáreas sociocultural e pedagógi-
ências da Saúde e as Ciências Hu- ca na área específica, demarcam cla-
manas e Sociais. ramente a necessidade de ampliar-
Essa opção de recorte fun- mos as formas de interpretação e
damenta-se no seguinte argumento: explicação dos fenômenos relativos

2
O tema do texto foi sugerido pelo Comitê Editorial da Revista Motrivivência.
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à cultura corporal, na dimensão da cas e seguiam o percurso dos mes-


pesquisa, do ensino e da interven- tres, atuando nos laboratórios de
ção, com o respaldo das Ciências fisiologia, ou aperfeiçoando-se nas
Humanas e Sociais. universidades americanas voltadas
É importante ressaltar ain- para o treinamento esportivo, entre
da que não estamos propondo um outras possibilidades.
texto concluído, mas que pretende Nesse período, portanto,
levantar questões de natureza observa-se uma migração de interes-
propositiva em relação ao tema. ses e gostos no âmbito da formação -
Decorre dessa opção que não desen- dos autores, das leituras e das idéias -
volveremos uma análise “partida” e, conseqüentemente, as questões, os
do biológico e do social, ou a defe- problemas e as soluções também
sa de um ou outro enfoque3 , mas mudam, exigindo outros modelos
apresentaremos parte do que tem explicativos e categorias analíticas,
sido nossa opção, tanto do ponto com o respaldo das Ciências Huma-
de vista epistemológico quanto no nas e Sociais, para interpretar e dis-
âmbito da intervenção em saúde, na correr a respeito do corpo, da comu-
Educação Física, para a Educação nidade, da memória, da cultura e da
Física e com a Educação Física. sociedade, entre outros temas.
No que se refere à saúde,
A Educação Física e as gran- ela sempre foi objeto de discussão
e investigação na Educação Física,
des áreas
marcadamente a partir da década de
1970 no Brasil, com a organização
Foi na década de 1980,
da comunidade científica em labo-
particularmente na segunda meta-
ratórios de pesquisa, especialmen-
de dela, que os docentes da Educa-
te os de fisiologia do exercício, den-
ção Física começaram a sentir neces-
tro e fora das universidades, com
sidade de enveredar por campos de
apoio de órgãos de fomento à pes-
conhecimento distintos do das Ci-
quisa, nacionais e internacionais.
ências Naturais. Até então, os pro-
Entretanto, as atenções da
fissionais eram formados por médi-
Educação Física estiveram voltadas
cos, fisiologistas, pedagogos e pro-
para uma determinada saúde!
fessores de Educação Física com for-
te orientação das Ciências Biológi-

3
Recomendo o livro de C.P.Snow, As duas culturas e uma segunda leitura, que inaugura o debate a
respeito do distanciamento entre as ciências naturais e as humanas. São Paulo: EDUSP, 1995.
100

A Educação Física e as Ciên- Ao longo da história da


humanidade é possível identificar-
cias da Saúde
mos diferentes concepções de ho-
mem, natureza, corpo e sociedade
Hoje a Educação Física si-
que determinaram formas diversas
tua-se na denominada Ciências da
de intervir sobre essas dimensões.
Saúde4 que agrega mais de duas de-
zenas de áreas e subáreas: Medici- A partir do momento em que houve
nas 5 , Terapia Ocupacional, Saúde uma valorização das artes mecâni-
Pública, Fisioterapia, Fonoaudiologia, cas, uma aproximação entre ciência
Saúde Coletiva, Medicina Preventiva, e técnica e uma compreensão dos
Enfermagens6 e Educação Física, en- objetos como manifestação da rea-
tre outras. As Ciências Biológicas, por lidade “natural” o conceito de co-
sua vez, reúne: Biologia Geral, Ana- nhecimento também muda. No mun-
tomia Humana, Fisiologia Geral, Fi- do moderno é nas partes que se re-
siologia Cardiovascular, Cinesiologia, conhece o universo, a verdade en-
Fisiologia do Esforço, para citar as contra-se no procedimento técnico
que ao longo da constituição da Edu- e se investiga com base na dicotomia
cação Física estiveram - e continuam sujeito-objeto, de modo que o co-
até hoje - muito presentes dire- nhecimento passa a se situar na dis-
cionando os rumos da pesquisa, do tância entre esses extremos e na
ensino e da intervenção. negação da subjetividade.
Acreditamos e defendemos De um lado, os símbolos,
a comunicação, o diálogo entre cam- a linguagem, a imaginação, as opi-
pos. No entanto, o que temos ob- niões, a fé, enfim, tudo o que passa
servado é que algumas aproxima- a se associar à arte, à política, à reli-
ções são incentivadas, estimuladas gião e à ética circulam apenas no
e outras não são valorizadas. Obvi- campo da comunicação humana,
amente há interpretações diversas a permeado por ambigüidades e su-
respeito, mas para este texto fare- jeito a múltiplas interpretações; de
mos apenas breve referência ao que outro, o campo da natureza, que
entendemos como origem dessa comporta-se de acordo com leis rí-
problemática, anterior à própria gidas e sua verdade, pré-fixada, é
Educação Física. indiferente à capacidade do homem
4
Essa classificação de área é a mais recente e tem sido adotada pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e estaremos
desenvolvendo os argumentos a partir dela.
5
Não há uma medicina mas várias: Clínica Médica, Cirurgia, Psiquiatria, Medicina Legal, entre outras.
6
A enfermagem também subdividi-se em: obstétrica, pediátrica, etc.
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de compreendê-la. O sucesso dessas cíproca numa espécie de campo glo-


determinações ônticas da moder- bal é o que se denomina “ciência”,
nidade só foi assegurado no momen- de acordo com Foucault, e essa ciên-
to da “descoberta” da linguagem cia “não existia antes do século XVIII.
através da qual a natureza se orga- Existiam ciências, existiam saberes...”
niza. Se a linguagem humana de- (FOUCAULT, 1999, p. 217)7 .
nuncia o caráter subjetivo, ambíguo Voltando para a Educação
e multidimensional da cultura, a Física, a busca por outros rumos na
natureza só poderia firmar-se como década de 1980 esteve acompanha-
lugar da necessidade da objetivida- da pela necessidade de legitimação
de, univocidade e unidimensio- da Educação Física perante outras
nalidade. Quando isso ocorreu, já áreas e perante si mesma. A questão
estavam estabelecidas as bases para “ser ou não ser ciência” ocupou lu-
a redefinição das disciplinas cientí- gar central nos debates, encontros e
ficas, classificadas em humanas e seminários da comunidade científica
naturais. naquele momento, com a participa-
“O século XVIII foi o sécu- ção, inclusive, de pesquisadores es-
lo do disciplinamento dos saberes, trangeiros8 , e uma das saídas que a
ou seja, da organização interna de comunidade científica encontrou na
cada saber como uma disciplina ten- busca de legitimidade para a Educa-
do, em seu campo próprio, a um só ção Física foi defendê-la no campo da
tempo critérios de seleção que per- saúde. Disso decorre que para mantê-
mitem descartar o falso saber o não- la nesse campo há que adequar os
saber, formas de normalização e de pesquisadores a produzir com base
homogeneização dos conteúdos, nas regras e normas do campo.
formas de hierarquização e, enfim, Nesse sentido, é a biome-
uma organização interna de centra- dicina que determina os caminhos
lização desses saberes em torno de da produção científica na Educação
um tipo de axiomatização...”. A or- Física e de todas as demais áreas e
ganização de cada saber como disci- subáreas, é ela que estabelece os
plina e o “escalonamento” desses critérios de avaliação do conheci-
saberes, sua intercomunicação, sua mento, é ela que seleciona, norma-
distribuição, sua hierarquização re- liza, hierarquiza e centraliza os sa-

7
Para aprofundamento desse tema recomendo a leitura de Foucault: os livros Vigiar e Punir e o As
palavras e as coisas.
8
Cabe menção especial à vinda do Professor Manuel Sérgio ao Brasil, a primeira vez em 1983, e à sua
contribuição na discussão de natureza epistemológica relativa a pertinência ou não de a Educação
Física vincular-se às ciências biológicas.
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beres por meio do “poder discipli- desconsideram a história da socie-


nar” (FOUCAULT, 1999). dade, e que tendem a responsabili-
Ainda que as subáreas zar, única e exclusivamente, o indi-
sociocultural e pedagógica, no caso víduo pela sua condição de vida.
da Educação Física, estejam se con- Assim, a pesquisa, o ensino
solidando, o diálogo no campo é e intervenção dirigida a pessoas e co-
ainda muito difícil9 . munidades à margem do acesso ao
Entretanto, o biomepo da trabalho, ao lazer, à educação e à saú-
saúde agrega áreas e subáreas que de não tem sido priorizada, ainda que
investigam a partir das ciências hu- esses grupos sejam os com maiores
manas e sociais, como exemplos, dificuldades de atingir condições
Educação Física e Saúde Coletiva. No satisfatórias de saúde e de vida.
caso da Educação Física, as subáreas
sociocultural e pedagógica estão em A Educação Física e a Saúde
fase de consolidação e, na Saúde Co- Coletiva
letiva há uma relação bem mais pró-
xima entre esses campos, com cen- Diante desse quadro e
tenas de pesquisadores de diferentes como pesquisadores das ciências da
origens: história, filosofia, sociologia saúde, preocupados com a ciência
e antropologia atuando – na pesqui- e, sobretudo, com sua dimensão éti-
sa e no ensino – na saúde. ca, é estratégica a possibilidade da
A complexidade do campo Educação Física comunicar-se com
exige análises a partir de diferentes outras áreas. Partimos do pressupos-
olhares, não só o das Ciências Bio- to que o profissional da saúde pre-
lógicas. A saúde como objeto não é cisa estar atento ao fato de que para
obediente às determinações da pre- que as populações alcancem níveis
dição, aquela das antecipações rigo- adequados de saúde é necessário ir
rosas e precisas. No entanto, os sa- além do acesso a serviços médico-
beres e práticas em saúde que pre- assistenciais ou da prática de ativi-
valecem na Educação Física são ain- dade física. Implica em enfrentar a
da os que se fixam em dados esta- questão da produção de conheci-
tísticos, que reduzem o processo mento dirigida às pessoas e coleti-
saúde-doença a uma relação causal vos sem acesso à informação e ao
determinada biologicamente, que conhecimento relativos aos cuida-

9
A respeito desse tema, escrevemos o artigo A avaliação da Educação Física em debate: implicações para
a subárea pedagógica e sociocultura, publicado na Revista Brasileira de Pós-Graduação, v.1, n.2, p.183-
194, nov.2004.
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dos com o corpo e produzir políti- são da metrópole, mas tem um


cas públicas comprometidas com as modo singular de compreender e ex-
repercussões na saúde. Não conse- perimentar a vida e que, por meio
guiremos interferir no processo saú- da festa, da comemoração – come-
de-doença se a Educação Física não morar no sentido de “trazer à me-
ouvir, estudar, analisar e avaliar o mória” – expressa a força que move
que se pensa e se faz em saúde hoje, cada uma das pessoas na busca de
do ponto de vista coletivo, público realizar sonhos e, portanto, de fa-
e social. Escrevemos, falamos e en- zer a vida melhor11 .
sinamos chamando a atenção para A dificuldade de construir-
a saúde, para a qualidade de vida e mos diálogo com outras áreas da
saúde pode ser devida a “imagem”
para o bem-estar mas nesses anos
que ainda muitos profissionais da
todos não construímos vínculos com
Educação Física tem das ciências
o serviço público de saúde.
médicas associando-as às técnicas
A Saúde Coletiva é um cam- medicamentosas, cirúrgicas e eletrô-
po de saberes e práticas que toma nicas que interferem no corpo bio-
como objeto as necessidades soci- lógico e na manifestação e enfren-
ais de saúde com intuito de cons- tamento da doença como processo
truir possibilidades interpretativas e isolado da vida, do cotidiano das
explicativas dos fenômenos relati- pessoas. A Saúde Coletiva, por exem-
vos ao processo saúde-doença, vi- plo, rompe com esse padrão.
sando a ampliar significados e for- Há que se fazer pesquisa
mas de intervenção. Uma experiên- voltada para a atenção primária,
cia de diálogo entre Educação Físi- direcionada ao serviço básico, de
ca e Saúde Coletiva pode ser a tese atendimento à população, no âmbi-
de doutoramento que defendemos to da prevenção, da educação em
na área Saúde Coletiva10 , intitulada saúde, não só para a pessoa mas
A arte de fazer a vida melhor: narrati- também para a comunidade, para a
vas dos que fazem a festa de Achiropita, família. E, nesse sentido, construir
um estudo a respeito das pessoas parceria, trabalho interdisciplinar
responsáveis por uma festa do povo pode ser um caminho rico na dire-
(imigrantes italianos, negros e nor- ção da população, das políticas so-
destinos), gente que vive a opres- ciais e das políticas públicas.

10
Do ponto de vista acadêmico e administrativo a área Saúde Coletiva, está alocada no Departamento
de Medicina Preventiva, na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
11
A respeito desse trabalho ver o artigo “Lazer, cultura e sociedade: a festa, um caminho que pode nos
levar à vida do outro” publicado na Impulso, uma Revista de Ciências Sociais e Humanas, v.16, jan.-
abr., 2005.
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A ciência moderna, uma pronto. Esse princípio remete à ne-


das formas de expressão de sentidos, cessidade de “pensar que o plural
valores e significados de parte ex- de ‘eu’ nem sempre é o ‘nós’ das
pressiva da humanidade, até hoje comunidades ou do ‘coletivo’, mas
tenta nos desorientar para uma ver- também pode ser ‘eus’. O plural ‘eus’
dade, para a neutralidade, para a referido a um único sujeito, signifi-
racionalidade e para uma inven- ca que não há um só modo de pen-
tividade. Não podemos esquecer, en- sar, de sentir, e de acionar um obje-
tretanto, que a ciência é um construto to ou um modelo cultural. Multipli-
social, e como construto social está car subjetividades do pesquisador
associada a “idéia de progresso line- significa que emoção e razão, poé-
ar e contínuo rumo ao melhor; senti- tica e cientificidade, gênero e núme-
mento de superioridade do presente ro, não se confundem, mas se dila-
com relação ao passado, tomando- ceram, se acrescentam, se diferenci-
se o novo como ontologicamente am” (CANEVACCI, 1996, p. 43).
bom; adesão ao redimensionamento Produzir conhecimento na
da racionalidade em sentido Educação Física com base nas Ciên-
tecnológico, abrangendo a economia cias Humanas e Sociais é, sobretudo,
e a política (tudo passa por ‘decisão expressar desdobramentos de um
técnica’); abandono do ideal de refle- pensar e agir que não desvincula o
xão, contemplação e autarquia do pesquisador da situação de sujeito
pensamento; exaltação do mercado que observa, que intervém, que in-
como sucedâneo da busca da felici- terpreta, que toma partido e, portan-
dade” (MATOS, 2001, p. 114). to, que aprende a discernir o que é
Há, no entanto, outras for- interpretação sua e o que é a do ou-
mas de fazer pesquisa, também le- tro, de um sujeito que pensa, realiza
gítimas, que não buscam confirmar e também sente e que, portanto, não
a evolução ou não da ciência mas deixa de lado os interesses, as neces-
consideram as incoerências da vida, sidades e os desejos do outro.
o inacabado, o incompleto e o nô-
made como parte do processo de Para finalizar...
produção do conhecimento. A ten-
são irredutível entre pontos de vis- Há várias formas de fazer
ta divergentes, considerando, ao ciência!
mesmo tempo, as inquietudes e ins- O que possibilita a multi-
tabilidades compõem com esse pro- plicidade é justamente o encontro
cesso à medida que o sujeito que entre as diferentes fronteiras do co-
pesquisa não é um sujeito acabado, nhecimento, entre aquelas que já
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existem, que já estão definidas mas que pode nos levar à vida do
também entre as que estão por se outro. Impulso, v.16, jan.-abr.,
constituir. No entanto, a lógica do 2005.
universo acadêmico ainda predomi- FOUCAULT, M. Vigiar e Punir:
nante, postula o inverso disso: a ci- nascimento da prisão .9ª.ed.
ência busca a verdade; busca a rup- Petrópolis: Vozes, 1987.
tura com o senso comum e com as ______ As palavras e as coisas: uma
primeiras impressões; ordena os sa- arqueologia das ciências humanas.
beres e práticas por meio de precei- São Paulo: Martins Fontes, 2002.
tos lógicos, entendidos como regras, MATOS, O. As humanidades e sua
no sentido de “captar” os sinais ex- crítica à razão abstrata. IN:
teriores aos indivíduos, aqueles que RIBEIRO, R.J. (org.) Humanidades:
exercem influência sobre eles; e, de- um novo curso na USP. São Paulo:
fende o distanciamento como ga- EDUSP, 2001
rantia de objetividade na relação SNOW, C.P. As duas culturas e uma
pesquisador e objeto, tanto nos li- segunda leitura. São Paulo: EDUSP,
mites e possibilidades do biológico 1995.
como no do social.
Romper com esse modelo Contatos: yaramc@usp.br
é compreendê-lo a fim de que o diá-
logo seja possível e as tensões se- Recebido em: abr/2005
jam saudáveis à medida que provo- Aprovado em: maio/2005
quem formas de pensar, sentir e agir
mais próximas do humano.

Referências
CANEVACCI, M. Sincretismos: uma
exploração das hibridações culturais.
São Paulo: Studio Nobel, 1996.
CARVALHO, Y.M. et al. A avaliação da
Educação Física em debate:
implicações para a subárea
pedagógica e sociocultura. Revista
Brasileira de Pós-Graduação, v.1,
n.2, p.183-194, nov.2004.
CARVALHO, Y.M. Lazer, cultura e
sociedade: a festa, um caminho

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