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QUARESMA:

APROFUNDAR A CONVERSÃO AOS MOLDES DO CARISMA


(Pregação de Alessandra Freitas)

INTRODUÇÃO

Uma vez que todos os anos falamos de quaresma, nós não temos dificuldade
nenhuma de entender que a espiritualidade que a Igreja nos propõe, a partir dos seus
tempos litúrgicos, é como que cíclica: ao longo de um ano fazemos um percurso e isso
nos traz uma riqueza que é muito proveitosa, porque a intenção da Igreja com essa
metodologia não é outra senão fazer com que a gente percorra o mistério redentor, o
grande mistério do Deus amor que se revelou para nós. Por isso que todos os anos
vivenciamos esse ciclo: Quaresma, Semana Santa, Páscoa, Advento, Natal e tantas
outras festas que nos remetem a aspectos do grande mistério de Cristo.
Sabemos que nesse tempo de quaresma nós somos exortados a rever e dar
passos na nossa vida de conversão (não sei vocês, mas eu me pego pensando que
durante o ano a gente se “desconverte”, para na quaresma se converter novamente). Se
vocês tem essa impressão, como às vezes eu tenho, então precisamos vigiar muito,
porque essa impressão é equivocada. A quaresma não está para que a gente volte de
novo e se converta. Não! Por que embora nós tenhamos uma espiritualidade que nos
faz passar pelo mistério de cristo, numa metodologia cíclica, a nossa caminhada não é
em círculo. A nossa caminhada é prosseguir, é ir adiante, sempre se lançando ao que
ainda resta. Nós vivemos a vida passando pelo grande mistério da vida de Cristo, mas
a nossa direção, a nossa meta, o nosso rumo é ir adiante e caminhar com um olhar fixo
naquilo que está faltando. Assim deve ser por nós vivenciada e aproveitada a
quaresma.
E esse tempo espiritual da quaresma é extremamente oportuno para que a
gente possa, cada vez mais, viver o processo de continuidade da nossa conversão de
uma forma madura. A quaresma, assim como a páscoa e qualquer outro tempo
litúrgico que se atualiza a cada ano para nós, coloca-nos esse questionamento acerca da
medida do nosso amadurecimento, que não pode ser em círculo; que não existe um
“até aqui” ou “já está bom”. Nós sabemos que a medida de maturidade oferecida para
nós é a estatura de Cristo.
Desse modo, tem algumas questões que precisamos observar e considerar no
modo como atualizamos a cada ano a vivência quaresmal.

I - DESCER MAIS PROFUNDAMENTE NA VIDA DE CONVERSÃO

Observem que a nossa tendência é mais de repetir do que de avançar. Repetir


as mesmas práticas (fazer jejum, não comer doce, não comer carne, promessa
monástica, etc). De maneira automática, tendemos mais a uma repetição do que a um
aprofundamento. Se eu só repito, isso sinaliza que a minha estatura de
amadurecimento está estacionada. Se eu me aprofundo a cada nova experiência, a cada
novo ano, isso vai sinalizar que o meu processo de amadurecimento e de conversão
está em movimento. Eu vivo, de fato, uma dinâmica: a de descer mais profundamente
na vida de conversão.

II - CONSIDERAR O CONTEXTO EM QUE NOS ENCONTRAMOS: COMO


PESSOA, COMO COMUNIDADE E COMO HUMANIDADE

Começou a quaresma para mim, a direção é que eu ponha mais força, que eu
aprofunde e me volte mais urgentemente para a conversão. Então o que eu penso: “eu
estou mais preguiçoso, eu preciso ler mais a bíblia”. Mas isso é muito superficial e
insuficiente para a medida que nos foi dada e para a identidade que nós portamos. Eu
preciso, de fato, fazer um reconhecimento de modo pessoal, como estou. Aqui não é
assim: “eu tô mais cansado, ou sem gosto”. Não é nomear as sensações, condição ou
reações. Nós estamos falando de um aprofundamento. Se eu estou sem gosto, o que me
fez ficar assim? Porque que eu estou sem gosto? Ou o que é que na verdade está tendo
mais gosto para mim? O que é que está sendo para mim mais interessante do que
passar mais tempo na Adoração, na Palavra, na presença do Senhor?
Preciso me perceber e me reconhecer, mas eu também preciso - por um dever de
responsabilidade, de caridade e de zelo - lançar um olhar sobre a comunidade e vê qual
a sua necessidade, qual a sua ferida. Que perigo lhe ameaça, que risco ela está
correndo. Porque eu preciso, no meu processo de aprofundamento da conversão, tocar
nessa realidade. Não somos chamados a ser produtivos na quaresma, nem produtivos
enquanto conversão. Nós somos chamados de fato a nos aprofundarmos e nos
aproximarmos ainda mais da medida estabelecida que é Cristo.

III - PERCORRER A “EXPERIÊNCIA FUNDANTE” PARA ATUALIZAR OS


MOLDES DA NOSSA CONVERSÃO

Devemos aprofundar as características do nosso ser convertido como um


Remido. Por que eu fui convertida numa Remida, vocacionalmente falando. A minha
vida não é simplesmente assim: conheci os valores evangélicos, conheci os dez
mandamentos e eu vivo uma conversão moral. Não! Eu fui convertida numa pessoa
Remida, num sentido muito específico, numa identidade e vocação Remida. Então, se
eu estou falando de aprofundar a minha conversão, eu tenho que percorrer essa
experiência fundante, porque eu preciso, no meu processo de aprofundamento da
conversão, está sempre atualizando os moldes dessa conversão, porque o nosso
carisma tem moldes de conversão, características de conversão e resultado. Isso precisa
ser atualizado. Se eu atualizar isso, eu também vou atualizar o gozo de uma vida nova,
que não é outra coisa senão uma vida convertida no amor e por amor.
Então, eu preciso descer mais profundamente na vida de conversão. Devo
considerar o contexto e a situação pessoal, comunitária e do mundo. E eu preciso
percorrer, ainda, a experiência fundacional do meu carisma para atualizar os moldes,
as características e o gozo da minha conversão.

a) “Em um forte momento de oração”…

“Molde” significa “a forma original, aquilo que é próprio”. Falando do molde


da experiência fundante como uma realidade que eu preciso considerar e atualizar, em
se tratando de aprofundamento da minha vida de conversão, notem que a experiência
de converter-se, do Remido, acontece num forte momento de oração. Para atualizar o
molde da minha conversão eu preciso examinar a minha vida de oração, porque na
experiência fundante a qualidade da oração foi forte. Qual está sendo a qualidade da
minha vida de oração?
Outro molde: “diante do Santíssimo”. Isso significa que é preciso examinar qual a
qualidade e a intensidade com que eu busco o Santíssimo Sacramento. Nós temos o
privilégio de ter nas nossas casas Jesus Sacramentado, mas que proveito eu faço disso?
Será que estar diante do santíssimo está reduzido a um horário disciplinar? Se eu só
busco o Santíssimo nos horários disciplinares, eu estou apenas no “piso” (o mínimo),
por que não pode ser menos que isso (o horário que a disciplina se propõe). Mas qual é
o “teto”? O teto é o meu máximo, o máximo que eu estabeleço, e não a disciplina e a
regra. Ele é um fruto pessoal, que vem na medida da minha gratidão e ao mesmo
tempo da minha necessidade.
“A dor ensina a gemer”, a necessidade gera a criatividade. Se a gente se fecha
nessa de “eu não posso”, “eu não tenho como”, não fizemos ainda a experiência da
necessidade, porque na necessidade a gente procura. Está diante do Santíssimo não
deve ser uma necessidade “arriscosa” (por causa de um sofrimento, problema ou
perigo), mas uma necessidade essencial, onde a alma suspira e a carne deseja o Deus
vivo, assim como a corsa tem necessidade de águas correntes. Não é de qualquer água,
eu tenho sede de Deus. No meu processo de aprofundamento da conversão aos moldes
da experiência fundante, eu preciso rever isso daqui. Porque se eu estiver cumprindo
todo o ritual penitenciário da quaresma monástica, mas se eu não vou aos moldes da
minha experiência fundante, eu não vou viver o processo de aprofundamento da
minha conversão.

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