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20º Congresso Brasileiro de Sociologia

12 a 17 de julho de 2021

UFPA – Belém, PA

CP21 - Sociedade e universidade

Desafios no Ingresso e Permanência de Indígenas na Graduação da Universidade


Federal do Pará (UFPA): 10 Anos de uma Política de Ação Afirmativa

Denise Machado Cardoso – Universidade Federal do Pará


Andreici Marcela Araújo de Oliveira - Universidade Federal do Pará
Desafios no Ingresso e Permanência de Indígenas na Graduação da
Universidade Federal do Pará (UFPA): 10 Anos de uma Política de Ação
Afirmativa

Introdução
O ingresso de indígenas nas universidades ainda ocorre em passos curtos,
em locais isolados, pois ainda são poucas as Instituições de Ensino Superior (IES)
que ofertam políticas voltadas para a inclusão de indígenas como estudantes de
graduação e de pós-graduação. Dentre estas universidades destacam-se na região
Norte, por exemplo, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Universidade
Federal do Pará. Diante disso, buscamos compreender a partir da realização de
entrevistas e conversas informais, agregar ao estudo da bibliografia pertinente,
como se dá o processo de inserção destes e destas estudantes via Processo
Seletivo Especial na UFPA.
Além de investigar quais são os desafios que enfrentam ao longo do curso
de graduação e como os enfrentam, intencionamos estabelecer o diálogo a fim de
reconhecer quais os procedimentos e estratégias que acionam para superam tais
desafios. Devido ao contexto da pandemia da Covid-19, utilizamos o uso da
etnografia no ciberespaço para realizar as conversas e entrevistas. Procuramos
compreender como pensam, vivenciam e dizem a respeito destes impasses na
universidade e também nos seus cursos. Vale salientar que, apesar de as políticas
afirmativas para acesso de povos indígenas, quilombolas, pobres e negros terem
se afirmado e serem uma realidade, a lógica elitista é estrutural nesse espaço de
convivência. Portanto, silêncios são constantes, o que nos leva à utilização de
maior tempo para estabelecimento de confiança para que o diálogo se coloque
como a forma de mediação desta interlocução.
Nestes tempos de pandemia, o diálogo passou a ser mediado via redes
sociais, aplicativos de aparelhos celulares e, raramente, entrevistas presenciais
com indígenas estudantes que permaneceram no município de Belém.
Evidenciou-se neste estudo que vários são os desafios enfrentados por
indígenas estudantes na UFPA. Desde o racismo decorrente das estruturas sociais
desiguais do Brasil, passando pelo racismo em suas várias manifestações no
contexto dos cursos de graduação. Dificuldades econômicas para a permanência
nos cursos são superadas diante do movimento indígena organizado em formato
de associação estudantil. Além disso, as estratégias contam com a adesão
institucional da administração superior e de algumas docentes que organizam
projetos e ações para dar suporte a estes estudantes. Ao longo deste artigo, serão
apresentados os resultados deste estudo que está em curso, trazendo os
elementos que contribuem para conclusões parciais acerca da trajetória desta
política de ação afirmativa.

O movimento indígena e a luta pelo acesso à educação escolar universitária.


A presença dos indígenas nas universidades foi garantida pelo seu
protagonismo nos movimentos de luta de onde emergiu uma intelectualidade
indígena disposta a participar dos espaços acadêmicos. A busca pela apropriação
dos conhecimentos científicos e técnicos torna as universidades como um espaço
estratégico para o movimento indígena. Investigar a inserção e os desafios para a
permanência de indígenas nos cursos de graduação é a proposta central deste
estudo que insere demandas por políticas de ações afirmativas nas instituições de
ensino superior num contexto mais amplo do próprio movimento indígena.
Sobre o Movimento Social Indígena no Brasil, registra-se que os primeiros
indícios do surgimento foram na década de 1970, onde esses povos começaram a
sistematizar suas lutas, com o objetivo de garantir, efetivar e defender seus direitos,
principalmente pelo contexto político que o país estava imerso, quando esse
movimento emerge como resposta dos povos indígenas à lógica do governo militar,
inspirada no modelo econômico vigente, cujas bases eram o desenvolvimento a
todo custo.
A partir da década de 1980, observou-se o fortalecimento dos movimentos
sociais a partir da nova conjuntura política (GOHN, 1991). A partir de então, o
ambiente de debate estava favorecido ao trato de questões mais específicas das
mobilizações, como era o caso do movimento indígena. Além da luta política pelo
fortalecimento das gestões territoriais e participação efetiva nas formulações de
políticas públicas nas aldeias indígenas (MUNDURUKU, 2012), buscava-se a
formação de novas lideranças indígenas formadas para atuar não só nas aldeias,
mas soma-se a este projeto uma educação formal com a incorporação de símbolos
da população não indígena. A educação escolar indígena era mantida como uma
demanda na agenda do movimento, do mesmo modo em que se mantinha a luta
pela saúde diferenciada.
A partir dos movimentos sociais indígenas as instituições de ensino superior
reconhecem seu papel fundamental para a efetivação de políticas públicas voltadas
para as minorias sociais, por isso investe em pesquisas e ações para a superação
da condição social excludente imposta a esses grupos. Um importante instrumento
para que haja de fato a realização de medidas que garantam o acesso de melhores
condições de vida a esses grupos são as ações afirmativas que se praticam em
várias esferas do poder público e privado.
O reconhecimento da interculturalidade e de uma educação diferenciada
também se mostra essencial nesse processo de autonomia dos povos indígenas,
uma vez que respeita seus saberes e particularidades distintas do mundo dos
brancos. Dessa forma, o acesso ao ensino superior caracterizou-se como
estratégico às lutas por direitos, uma vez que esta intelectualidade foi suscitada a
partir dos implementos das escolas indígenas, em que a demanda pelo ingresso no
ensino superior crescia gradativamente.
O acesso ao ensino superior cria nas universidades um espaço de
interetnicidade, ou seja, onde converge cultura, costumes, ideologia de indígenas
e não indígenas (RAMOS, 2007). As vozes indígenas nas universidades públicas e
privadas retoma a discussão sobre um espaço étnico nessas instituições e ressurge
no âmbito da sociedade nacional, nasce então um tipo de indigenismo interno no
espaço universitário multivocal, onde diversos atores sociais e políticos buscam
voz, seja indígenas estudantes, lideranças ou parceiros institucionais.
Os debates sobre o acesso desses estudantes foi se aprofundando a nível
nacional e também no Congresso brasileiro, o que resultou nos debates a respeito
da política afirmativa de reserva de vagas por meio das cotas. Além do debate
político em nível nacional os estudos sobre essa temática passaram a despertar o
interesse acadêmico em diversas áreas de conhecimento. Assim, tanto no
Congresso Nacional e nas universidades, as discussões a respeito da política
afirmativa de reserva de vagas por meio das cotas se tornou tema em vários
momentos. Segundo Pimentel (2019), foi aprovada em 2012 a Lei nº 12.711,
conhecida como “Lei de Cotas”, cuja meta era a reserva de 50% de vagas para
cursos de graduação para estudantes provenientes de escolas públicas, com renda
per capita de até 1,5 salário e para pretos, pardos e indígenas (BRASIL, 2012). O
objetivo desta medida foi acelerar o processo de igualdade social a partir deste
ingresso nas instituições federais de ensino superior.
Cabe mencionar que este tema gera debates porque a universidade foi
criada para atender uma parcela específica da sociedade, a qual sempre teve
acesso à educação de qualidade e recursos econômicos, ou seja, uma parcela
elitista; enquanto que à população pobre, os indígenas e quilombolas foi negado o
acesso a esse espaço privilegiado. Em 2012, conforme anteriormente citado, foi
graças aos movimentos sociais, em especial o movimento indígena juntamente com
o movimento negro, que se obtive a relevante vitória com a criação do Processo
Seletivo Especial na UFPA.
Segundo Pimentel (2019), a reserva de vagas para indígenas na UFPA foi
regulamentada através da Resolução Nº 3. 689, de 22 de junho de 2009, a qual
determinou a reserva de duas vagas por acréscimo a indígenas nos cursos de
graduação desta universidade. Esse processo, contudo, não foi uma concessão da
administração superior da UFPA, mas decorreu do resultado das lutas dos
movimentos sociais de pessoas negras e quilombolas, além dos movimentos
indígenas.
Mesmo com os mais diversos desafios, as estatísticas mostram um aumento
considerável de sujeitos indígenas nos cursos de graduação. De acordo com os
dados do Instituto Anísio Teixeira (INEP) entre os anos de 2011 a 2018 tivemos um
aumento de mais de 500% no número de matrículas de indígenas nos cursos de
graduação presenciais e à distância no país, saltando de 9.756 matrículas em 2011
para 57. 706 matriculas em 2018. De 2011 a 2018 tivemos o total de 251.453
matrícula de indígenas no nível superior. Devemos atentar que não,
necessariamente, é o número de alunos que foram matriculados, pois pode ocorrer
que o mesmo aluno tenha feito matrículas em universidades diferentes.
Após as leis das cotas, a partir de 2013, houve um aumento significativo de
alunos indígenas nas Regiões Norte, Nordeste e Sudeste. Em 2018, o número de
estudantes indígenas matriculados no Norte e Nordeste representavam quase 50%
dos números de matrículas no Brasil. Entre os anos de 2011 e 2018, a Região que
mais constatou matrículas de indígenas foi o Nordeste (85.872), seguida do
Sudeste (64.716) e do Norte (64.227). Esses dados nos fazem refletir a contradição
entre o número de matrículas no ensino básico e no ensino superior. Enquanto que,
no ensino básico, a Região Norte lidera o número de matriculas entre 2014 e 2019,
com 786.849, seguida da Região Nordeste e Centro Oeste, em segundo e terceiro
lugar, respectivamente, não temos o mesmo reflexo no nível superior, conforme
mostra o gráfico abaixo.

25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
-
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Norte 2.042 2.320 3.836 4.885 8.315 12.747 15.509 14.573
Nordeste 2.762 2.864 3.558 4.765 9.307 19.360 21.673 21.583
Centro- Oeste 815 918 1.454 2.612 3.279 3.884 4.241 5.096
Sul 777 814 931 1.623 1.974 2.354 2.624 3.151
Sudeste 3.360 3.366 3.908 8.124 9.272 10.681 12.703 13.302

Norte Nordeste Centro- Oeste Sul Sudeste

Gráfico - Matrículas de indígenas nos Cursos de Graduação Presenciais e


à Distância, por Região (2011-2018) - Fonte: INEP

De forma mais específica, na Região Norte, o Pará lidera o ranking de


matrícula desde 2015, seguido do Amazonas e Roraima. Chama atenção a
disparidade do número de matrículas de 2014 e 2015, um aumento de 700%, o que
equivale a 3.483 matrículas a mais, no Pará.
Desafios e Estratégias de enfrentamento às dificuldades de permanência na
UFPA
O ingresso de indígenas discentes na graduação iniciou, precisamente, em
2010 na UFPA por meio do Processo Seletivo Especial e completou 10 anos de
ingresso em 2020, tornando-se um marco extremamente importante para as
políticas de inclusão na universidade. A Resolução que estabeleceu regras para o
ingresso de estudantes indígenas e quilombolas, a partir de processo diferenciado,
atendendo à lei de cotas é datada de 2012, mas o ingresso com este formato já
havia sido iniciado em 2010. E vem ganhando adesão numérica e de diferentes
grupos indígenas, pois se na entrada contavam-se 35 pessoas, atualmente,
contam-se 413 indígenas de diferentes grupos étnicos, conforme se observa no
quadro a seguir.

Etnias - Indígenas Discentes da UFPA


(2010-2020)

82

27 30
21
1 3 1 1 6 3 9 1 2 2 1 12 4 8 1 2 1 3 3 2 3 3 1 14 1 3 2
XYKRIN
HEXKARIANA

KURUAYA
BANIWA
ARARA

KARAJÁ

PIRATAPUIA

XAKANYWA
TAPAJÓS
TEMBÉ

XERENTE
TUKANO
BARÉ

KARIPUNA

PARKATÊJÊ
KAXYUANÃ
GUAJAJARA
AMANAYÉ

ARAPASSO

GUARANY
ASSURINI

MANOKI-IRANTXE

WAIANA APALAÍ
ANAMBÉ

GAVIÃO DO MARANHÃO

KYIKATÊJÊ

WAI-WAI

XIPAYA
JURUNA
JERIPANKÓ

MUNDURUKU

Quadro de distribuição de estudantes segundo etnia - Fonte: Gabriel Braga, 2020.

De acordo com o gráfico, percebe-se a maior presença do povo Tembé com


82 pessoas entre a população de indígenas discentes na UFPA, seguido dos
Kuruaya com 30 indígenas, os Guajajara com 27 e dos Xipaya com 21 indígenas
discentes. Em contrapartida, os Amanayé, Arapasso, Arara, Gavião do Maranhão,
Jeripankó, Kaxyuanã, Manoki-Irantxe, Waiana Apalaí e os Xakanywa possuem 01
discente entre o público total de 413 indígenas que entraram na graduação nestes
10 anos.
Vários são os aspectos referentes às dificuldades dos indígenas discentes
para o ingresso e permanência na universidade. Dentre estes desafios, destaca-
se: o racismo institucional, expresso na burocracia exagerada acerca de
documentos, editais e outros processos. O racismo também é expressado na
exclusão por parte de alunos e professores nas atividades de classe, somados aos
comentários racistas em relação à sua cultura.
As dificuldades financeiras se apresentam com maior ou menor intensidade
porque se diferenciam de acordo com as demandas do curso. Além das medidas
institucionais, de docentes aliados em projetos acadêmicos, a organização destes
discentes de forma coletiva é importantíssima para a garantia de direitos, bem como
o enfretamento a estas adversidades vivenciadas durante o ensino superior.
Nesse sentido, uma das maneiras encontradas por estes estudantes para
superar esses impasses foi a organização coletiva em Centros Acadêmicos, a
criação da Associação dos Povos Indígenas Estudantes da UFPA (APYEUFPA), o
companheirismo e a articulação entre setores da universidade (movimento
estudantil, reitoria, conselho universitário, faculdades, pós-graduação, quilombolas
e imigrantes).
Esta luta organizada foi responsável por conquistas significativas para o bem
viver destes discentes nos espaços da UFPA, como: a coordenação geral do
Diretório Central dos Estudantes (DCE) ser representada por Tel Guajajara
(indígena) e Ana Cláudia (quilombola); no âmbito institucional, os indígenas
discentes possuem cadeira no Conselho Universitário (CONSUN); a construção do
Bloco da Diversidade (bloco D) em que estão as Associações Estudantis da UFPA:
APYEUFPA, Associação dos Discentes Quilombolas (ADQ-UFPA), Associação dos
Discentes com Deficiência (ADD-UFPA) e a Associação dos Estudantes
Estrangeiros (AEE-UFPA); ademais, existem processos seletivos diferenciados
para povos indígenas na pós-graduação, a exemplo do Programa de Pós-
Graduação de Sociologia e Antropologia (PPGSA/IFCH), e reserva de vagas, como
ocorre na Programa de Pós-Graduação de Antropologia (PPGA/IFCH) e no
Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/ICJ). Outrossim, em consonância
com os aspectos mencionados, a maior participação dos povos indígenas e aliados
durante as seleções do PSE, bem como a construção deste processo com
lideranças e representantes da APYEUFPA é um dos motivos para o sucesso da
prova.
Compreende-se que um dos elementos que vem fortalecendo o movimento
indígena é o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). No caso de
estudantes da UFPA é possível que esse quadro se repita, pois é comum que as
pessoas se conectem em redes sociais virtuais a partir de afinidade de agendas.
Buscamos compreender como se insere o desafio para data literacy
Até décadas recentes passou a ser valorizado o domínio de outra língua,
onde se buscava aprender um segundo, ou terceiro, idioma para melhor adequação
ao mundo do trabalho e em outros ambientes sociais. Na atualidade, percebe-se
que a incorporação de outras linguagens se dá via alfabetização em dados. Assim,
aprender a lidar com dados nesses tempos em que as relações sociais são
mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação, tornou-se quase uma
imposição. A coerção social indicada por Émile Durkheim (1972) parece ser uma
das regras sociais relevantes no que concerne à utilização de mídias sociais,
aplicativos e outras maneiras de interação via smartphone e similares.
Nas leituras realizadas como parte da pesquisa bibliográfica deste estudo,
chamou-nos atenção o termo data literacy. Segundo Carla Mereles (2019), em
matéria divulgada pelo site Social Global Brasil (SGB), data literacy é uma maneira
de falar dados, ou aprender a falar dados. Precisamente, é o desenvolvimento da
competência de estabelecer significados a partir dos inúmeros dados disponíveis
na rede mundial de computadores. Assim, esta competência passou a ser relevante
em tempos recentes, pois à medida em que os usos da Internet só ampliaram para
diversos fins e setores, tornou-se quase imperativo lidar com dados que estão
disponibilizados em redes de computadores interligados em rede.
A Internet como a grande rede de conexão de computadores deixou de ser
restrita apenas ao âmbito da segurança de nações e passou a ser incorporada em
praticamente todos os contextos sociais. Tanto nas relações formais quanto na
informalidade, as pessoas estão mediando sua maneira de se comunicar a partir
das chamadas redes sociais.
Conectadas via aparelhos portáteis, as pessoas percebem ser
imprescindível conhecer essa linguagem marcada por códigos que estão para além
de sua língua nativa ou daquelas próprias de outros povos e nações. Não basta,
portanto, conhecer línguas como no passado recente, pois necessário se faz
alfabetizar-se em dados. Os dados por si só não têm significado, e para que haja
sua compreensão é necessário utilizar o raciocínio humano para que sejam
estabelecidas conexões e explicações coerentes. Essa perspectiva nos remete às
leituras de Durkhéim e Mauss (1990 [1903]) sobre as formas primitivas de
classificação e que foram fonte de inspiração para Claude Lévi-Strauss (1989
[1908]) elaborar sua obra “O Pensamento selvagem”, em particular o capítulo “A
Ciência do concreto” e quando trata das formas de classificação inerentes às
estruturas de parentesco (1982 [1908]). Nestas obras referenciais tanto da
Sociologia quanto da Antropologia, evidencia-se a tentativa dos seres humanos em
buscar classificações e sistematizações de práticas sociais em diversos contextos.
A partir dessa constatação é possível afirmar que data literacy seria uma
maneira de ler o mundo. As maneiras de sistematizar, organizar e classificar os
dados obtidos via aplicativos, plataformas e sites seria algo praticado pelos seres
humanos ao longo de sua trajetória, antes mesmo da vivencia das medias sociais,
tal como indicam autores da Sociologia Clássica.
Este processo de protagonismo de uma juventude indígena adequa-se
também à conjuntura política que os jovens estão em destaque no que refere à
reivindicação de direitos sociais. Este ingresso no ensino superior dialoga com a
preocupação dos quadros do Movimento Indígena para ensinar os mais novos
nesta prática militante (MUNDURUKU, 2012). Nesse sentido, este novo público
ingressante também se mostra determinado a se somar no Movimento Estudantil
das universidades, pois, neste cenário de retrocessos e cortes de verbas das
universidades, os indígenas discentes por meio da associação e ações mediadas
pelas tecnologias informacionais, também integram as lutas em defesa do direito
de concluir o ensino superior com qualidade.
Ações institucionais voltadas para ações afirmativas que envolvem indígenas
estudantes
A crescente inserção de indígenas nos cursos de graduação é resultante das
lutas dos povos originários para ocupar os espaços do ensino superior, garantindo
direitos e para tornar democráticos os espaços de ensino. O acesso de indígenas
na Universidade Federal do Pará (UFPA) por meio de Processo Seletivo Especial
(PSE) é resultante do movimento social, cuja pauta inclui a luta por território, saúde
e educação diferenciados, dentre outros. Esta pesquisa tem como objetivo analisar
o perfil socioeconômico de indígenas universitários da UFPA e identificar quais são
seus desafios e conquistas ao longo dos 10 anos desta política de ação afirmativa.
Haja vista o contexto pandêmico da Covid-19, enfatizamos nesta etapa de
investigação o uso da etnografia no ciberespaço para realizar as conversas e
entrevistas. Observamos que o vestibular para discentes indígenas e quilombolas
ocorre desde 2009 e vem sendo aperfeiçoado a cada ano com a participação
decisiva destes e destas estudantes de graduação.

a. Política de Assistência Estudantil


Este aspecto refere-se à maneira que ocorrerá a formação dos discentes na
universidade. As políticas de inclusão no ensino superior são extremamente
importantes para tornar a universidade plural, destoante do padrão elitista que
estava no ensino superior. Nesse sentido, além do ingresso, é necessário discutir
os mecanismos de permanência estudantil, como a universidade e o Estado
garantem a conclusão dos discentes na graduação.
Em se tratando dos povos indígenas da UFPA, existem dois tipos distintos
de auxílios para suprir as necessidades financeiras: O ‘auxílio Moradia – Indígenas,
Quilombolas e Populações Tradicionais’ oferece R$ 400,00 ofertada pela própria
UFPA e o Ministério de Educação e Cultura (MEC) oferece um valor de R$ 900,00
pelo Programa Bolsa Permanência.

b. Assessoria, Projetos e Programas para Inclusão e Permanência


Além das iniciativas financeiras mencionadas anteriormente, a UFPA conta
com ações importantes para auxiliar a permanência estudantil destes discentes
durante sua jornada na graduação. Entre os projetos voltados para a comunidade
indígena e quilombola, destacam-se:

- Assessoria de Diversidade e Inclusão Social (ADIS): a ADIS foi criada em 2017


com o intuito de planejar, coordenar e acompanhar as políticas de ações afirmativas
da UFPA. Desde então, a ADIS promove discussões e incentiva ações voltadas
para a melhoria no acesso e efetiva permanência de indígenas no ensino superior.
Esta assessoria acompanha os processos seletivos diferenciados e atua nas
denúncias de descriminação ocorridas nos espaços da universidade.

- Oficina de Tecnologias de Informação-GEPI – WEB 2.0: com início em 2011 e


finalizado em 2012, o objetivo deste projeto de extensão, coordenado pelas
professoras Eneida Correa de Assis e Denise Machado Cardoso, era a
apresentação das novas formas de comunicação, interatividade e reconhecimento
de símbolos, linguagens da web 2.0 aos indígenas universitários. Em síntese,
tratava do conhecimento da cibercultura, das mídias sociais e dos artifícios das
tecnologias. Utilizava de oficinas e apresentação de palestras.

- Projeto de Extensão IQ – Conhecimento e Resistência: coordenado pela


professora Maria do Socorro Amoras, o projeto de extensão é destinado para o
público do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) o qual fornece auxílios de
tutoria, semelhante à proposta do PET-QI, além de promover uma educação de
intercultural por meio do apoio pedagógico.

- Programa de Tutoria para Indígenas e Quilombolas (PET-QI): funciona no


Instituto de Ciências Biológicas (ICB), sob a coordenação da professora Isabel
Cabral, cujo objetivo é o auxílio tecnológico e redação de textos acadêmicos. Além
disso, o PET-QI tem se mostrado como um espaço de aconselhamento e
acolhimento para diferentes demandas de indígenas universitários da área de
Ciências Biológicas.
Notas conclusivas
A presença de indígenas nas universidades significa um grande passo dado
na busca por formação e entendimento das políticas que afetam de forma direta ou
indireta os povos originários e, ultrapassando essa esfera, significa também uma
busca por maior participação e atuação direta em determinadas políticas, como a
de educação e saúde.
A pesquisa bibliográfica indicou que a partir de 1990, houve o incremento de
propostas de políticas afirmativas as quais foram aderidas tanto pelos governos,
quanto pelas redes de ensinos público e privado. Mas, estas políticas demandam
melhorias e aperfeiçoamentos.
Evidenciamos, a partir das entrevistas e conversas informais, que as
dificuldades se referem tanto às diferenças culturais, excessos burocráticos quanto
ao racismo. Para superar os obstáculos para a permanência nos cursos de
graduação, indígenas se articularam e fundaram a Associação dos Povos
Indígenas Estudantes da UFPA (APYEUFPA), a associação de povos indígenas
estudantes da UFPA, com isso enfrentam e superam obstáculos, articulam-se entre
si e com demais associações e coletivos de estudantes. A articulação se dá, em
parte, com os usos de aplicativos e outras maneiras de comunicação via Internet.
A UFPA, por seu turno contribui neste processo ao criar, em 2017, a
Assessoria da Diversidade e Inclusão Social (ADIS), cujas discussões e ações são
voltadas para a melhoria no acesso e efetiva permanência de indígenas no ensino
superior.
Ressalta-se que dentre os vários desafios apontados nesta pesquisa, as
dificuldades financeiras, as diferenças culturais (língua, costumes alimentares,
distância da família), as dificuldades devido à precariedade do ensino fundamental,
e a burocracia institucional somado ao racismo (estrutural e institucional) são
recorrentes nas falas de interlocutores e interlocutoras.
Embora tenham um cotidiano marcado por estes desafios, há que se
considerar as estratégias para a permanência e conclusão de seus cursos. Assim,
nota-se que além do associativismo expresso com a criação da APYEUFPA, a
própria UFPA contribui para que a evasão escolar (desistências de cursos) seja
superada.
Os intelectuais indígenas se mesclam ao círculo nacional e internacional,
graças ao papel exercido pela educação bilíngue e a busca pelo diálogo
intercultural que deve anular ou combater a dualidade sujeito-objeto. Mas, ao que
tudo indica, ainda há muito a ser realizado e superado nesta concepção dualista,
na qual não incorpora as formas de conhecimentos trazidos pelos indígenas
estudantes universitários.
A presença de indígenas nas universidades não é somente para engrossar
as estatísticas, mas significa um grande passo dado na busca por formação e
entendimento das políticas que afetam de forma direta ou indireta os Povos
Indígenas e, ultrapassando essa esfera, pode significar também uma busca por
maior participação e atuação direta em determinadas políticas, como a de
educação e saúde.

Referências:
ASSIS, Eneida Corrêa de. Direitos Indígenas num Contexto Interétnico: quando a
democracia importa. Tese de doutorado, IUPERJ: Rio de Janeiro. 2006.

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. Índio Brasileiro: o que você precisa saber
sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/LACED/Museu
Nacional. 2006.

BRAGA, Gabriel Silva. 10 anos do Processo Seletivo Especial: Conquistas do


movimento indígena e desafios para o futuro da inserção em espaços na UFPA.
Relatório de Pesquisa. UFPA, 2020.

BRASIL. LEI Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012. Dispõe sobre o ingresso


nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível
médio e dá outras providências.
CARDOSO, Denise Machado. Identidades indígenas no ciberespaço. Revista
Brasileira de Ciências Sociais (Impresso), v. 29, p. 146-149, 2014.

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na


era da internet. Tradução de Carlos A. Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

FERNANDES, E. A. Políticas Afirmativas para Povos Indígenas: sob o olhar dos


protagonistas. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém,
2018.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e luta por moradia. Editora Loyola,
São Paulo, 1991.

MERELES, Carla. O que é data literacy, ou alfabetização em dados? 23 de


setembro de 2019.
Disponível em <http://socialgoodbrasil.org.br/2019/09/23/o-que-e-data-literacy-ou-
alfabetizacao-em-dados/>. Acesso em: 05 de dezembro de 2019

MUNDURUKU, Daniel. O caráter educativo do Movimento indígena brasileiro


(1970-1990). São Paulo: Paulinas, 2012. Coleção Educação em foco.

PIMENTEL, Ana Carla Vieira. Ações afirmativas e os desafios de estudantes


quilombolas para sua permanência na Universidade Federal do Pará: o que dizem
os protagonistas. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
Cidades, Territórios e Identidades, Universidade Federal do Pará, Abaetetuba,
2019.

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