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NARRATIVAS DE VIDA EM AMBIENTES

TRANSMEDIAIS E MULTIVERSOS / LIFE


NARRATIVES IN TRANSMEDIAL AND
MULTIVERSE ENVIRONMENTS
Paulo da Silva Quadros
Universidade Paulista
(pós-doutorando USP)
psquadro@gmail.com

Resumo tico, humanizador, libertário e solidário.

A pesquisa em questão tem teor documental- Palavras-chave: Narrativas. Narrativas de


-bibliográfico e descritivo, uma vez que se propõe vida. Transmedialidade. Multiversos. Teoria dos
a levantar conceitos, ideias e valores relacionados Mundos Possíveis.
ao campo de uso frequente das narrativas, con-
siderando sua complexidade nocional, seu teor Abstract
sociocultural e epistemológico, bem como o pro-
cesso de transformação de uso para abarcar ou- The research in question has documentary-bi-
tros objetivos prementes, como aqueles definidos bliographical and descriptive content, since it is
pelas narativas de vida. Contemporanemente, as proposed to lift concepts, ideas and values related
narrativas têm sido transformadas com o uso de to the frequent use of the field of narrative, consi-
diversos meios expressivos, como a oralidade, a dering its notional complexity, its socio-cultural
escrita e o digital, que enriquecem amplamente and epistemological content as well as the trans-
as formas de contar relatos históricos ou histórias formation process used to encompass other pres-
imaginárias. Muitas perspectivas narratológicas sing objectives, such as those defined by life nar-
têm sido disseminadas para se compreender a ratives. From a contemporary point of view, the
dinâmica das narrativas no mundo contemporâ- narratives have been transformed with the use of
neo, a partir da profusão de avançados meios tec- several expressive media such as orality, writing
nológicos de comunicação e expressão, que as re- and digital, which enrich widely the means to tell
vitalizam e as transfiguram em formas de gêneros historic reports or imaginary stories. Many nar-
cada vez mais elásticos e complexos. Trasmedia- ratological perspectives have been disseminated
lidade, Teoria dos Mundos Possíveis e ambien- to understand the dynamics of the narratives in
tes multiversos, entre outros termos, têm sido the modern world, from the profusion of high-
apontados como enfoques transdisciplinares que -technological communication and expression
tentam compreender as estratégias de discursos e media, which revitalized and transfigured them
linguagens empregadas. As narrativas de vida, em in forms of genres increasingly elastic and com-
especial, têm se destacado como modo particular plex. Transmediality, possible world theories and
não só de criação para entreter, mas sobretudo de multiverse environments, among other terms,
impregnação para o fomento do pensamento crí- have been described as transdisciplinary approa-

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ches in order to understand the strategies of used Bruner (2004), no entanto, atribui à narra-
speeches and languages. The life-writings, parti- ção uma ideia de natureza do pensamento que
cularly, have emerged not only as a creation with se distancia inteiramente enquanto instrumento
the aim of entertaining, but with the proposal for racional. Para ele, o pensamento lógico está bem
encouraging the critical, humanizing, libertarian além de ser considerado o modo mais ubíquo de
and solidary thinking. pensamento, mesmo com o advento das tecnolo-
gias digitais, as quais distribuem o conhecimento
Keywords: Narratives. Life-writings. Trans- em rede e trazem a visão de um pensamento que
mediality. Multiverses. Possible World Theory. também possa ser distribuído em rede e compar-
tilhado coletivamente.
Introdução
Seu intuito é investigar um pensamento dis-
Segundo Ryan (2004, p. 415), os teóricos me- tinto da ótica racional, que supere a visão orien-
diáticos dividem a história da escrita em quatro tada por argumentos lógicos e indutivos, e que se
períodos de desenvolvimento das inovações tec- concentre na experiência singular relacionada à
nológicas, a saber: idade da escrita, quirografia construção de estórias (ficcionalidades) e narra-
(escrita de manuscritos), imprensa e era digital. tivas que digam respeito ao interesse relevante
Durante cada período existente, o suporte tecno- pelos acontecimentos vinculados às nossas vidas:
lógico da linguagem sofreu diversas transforma- as autobiografias, por assim dizer.
ções semióticas. Primeiro, a linguagem passou
de um suporte comunicacional único para a no- De um ponto de vista filosófico, Bruner
ção da liberdade de cópia, ou seja, de um con- (2004, p. 691) acredita que a abordagem ade-
texto restrito de uso para o acesso a um público quada para se compreender a relevância da nar-
ao vivo, e mais tarde para a distribuição ampla rativa como processo cognitivo seja a construti-
de seu conteúdo produzido. Finalmente, de um vista, pois, para ele, essa é uma visão que toma
modo efêmero para um estilo mais durável de su- como premissa central a ideia de que “construir
porte, implicando o retorno a uma combinação mundos” seja a função principal da mente, tanto
estranha que incorporasse tanto a evanescência nas ciências quanto nas artes. O autor (2004, p.
quanto a durabilidade, para que os textos digitais 696) também crê que a mímesis da vida cotidia-
pudessem ser armazenados em uma gama variá- na e o processo de narração sejam uma via de
vel de dispositivos de memória tecnológica. Isso mão dupla, pois assim como a arte imita a vida,
fez determinados sistemas computacionais se nos fundamentos de Aristóteles, em outro viés,
tornarem rapidamente obsoletos, e seus arquivos a vida imita a arte, lembrando-se Oscar Wilde.
digitais, completamente ilegíveis. Em outras palavras, nos argumentos dele (2004,
p. 696), a vida não passa de uma construção da
Ryan (2004, p. 415) ainda salienta que a in- imaginação humana, assim como a narrativa o
venção da escrita e da imprensa certamente é, e o faz, incansavelmente, pois ela é fruto da
trouxe grandes consequências para a questão da construção da racionalização ativa, e é justa-
textualidade e da narratividade, refletindo siste- mente por meio desse tipo de racionalização
maticamente nos dispositivos de transmissão de que nós construímos as narrativas.
conhecimentos e impulsionando o desenvolvi-
mento de novos gêneros expressivos da escrita Em contrapartida, Cremilda Medina (2006,
impressa, como no romance, uma forma narra- p. 67) salienta que a narrativa é a assinatura pes-
tiva sem restrições cujo enredo possuía níveis soal do ser humano, pela qual ele identifica a sua
precedentes de complexidade. personalidade particular e conta a sua história
social da atualidade, desfazendo os fragmentos

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dispersos, a partir do crivo de uma marca me- rar o mundo, organiza sistematicamente o caos
diadora e de uma poética intimista. Neste âm- (desordem) em cosmos (ordem), ou seja, “o que
bito, a produção simbólica “oxigena os impasses se diz da realidade constitui-se uma outra reali-
do caos, da entropia, das desesperanças e so- dade, a simbólica” (MEDINA, 2006, p. 67).
nha com um cosmos dinâmico, emancipatório”
(MEDINA, 2006, p. 68). Assim, ainda com base Já conforme Ryan aponta (2011, p. 22), nos
nos apontamentos de Medina (2006, p. 68), o últimos cinquenta anos, à medida que a revira-
exercício das narrativas perpassa pela trajetória volta da importância que as narrativas assumi-
humana, a partir dos esforços racionais, intui- ram no campo das humanidades deu lugar ao
tivos e operacionais, na tentativa de se tecer o amplo uso delas em todos os lugares inimagi-
cotidiano do tempo presente, na busca de um náveis – campo político, estudos científicos,
aprendizado dos sistemas narrativos, do enri- medicina e ciências cognitivas –, muitos termos
quecimento contínuo da sensibilidade e da ação foram intensamente utilizados, inclusive com
narradora dialógica e coletivizante. abuso referencial às narrativas, mediante seu si-
nônimo parcial de estórias.
As narrativas: elementos indiciários e
pressupostos Ainda, nas elucidações de Ryan (2011, p. 22),
há inúmeras concepções para se caracterizar o
Na visão de Sinval Medina (2016, p. 137), é fenômeno das narrativas contemporâneas em
possível claramente conceber as origens da nar- sua complexidade intrínseca. Por exemplo, o fi-
rativa em relação ao tempo em que nossos ances- lósofo francês Jean-François Lyotard evoca “As
trais principiaram seus modos interagentes por Grandes Narrativas” como modo de entendi-
meio da produção simbólica, portanto a partir mento da História do capitalismo moderno. Já o
do uso efetivo da linguagem. Ainda dentro des- psicólogo inglês Jerome Bruner utiliza o termo
sa vertente de pensamento, o autor frisa que o para fazer alusão à ideia de identidade, enquan-
surgimento da escrita vai tornar-se um grande to o filósofo americano das ciências cognitivas,
marco divisório no desenvolvimento da lingua- Daniel Dennett, emprega as narrativas para des-
gem, fazendo que ela atinja outro patamar evo- crever a atividade mental no campo neuronal,
lutivo, dando origem aos discursos, representa- como aspectos de emergência e ausência con-
dos essencialmente por duas vertentes principais tínua de conexões sinápticas, reveladoras de
de realização simbólica: as histórias imaginárias esboços narrativos cognitivos complexos. Não
e as crônicas históricas. No entanto, essas duas obstante, narrativas de etnia, classe e gênero tor-
vertentes servem mais para um sentido de com- naram-se também, em certa medida, um man-
preensão singela de como o pensamento humano tra dos estudos culturais recentes.
pode se estruturar para contar histórias do que
propriamente para aprisioná-las em categorias Por sua vez, o narratólogo americano Gerald
rigorosamente distintivas. J. Prince acresce que o uso contemporâneo do
termo narrativa corresponde a um dispositivo
Nos apontamentos de Cremilda Medina sutil de cobertura com a finalidade de evitar po-
(2006, p. 67), “uma definição simples de narra- sições conflitantes claramente fortes. Nesse sen-
tiva é aquela que a compreende como uma das tido, segundo Prince (apud RYAN, 2011, p. 22),
respostas humanas diante do caos”. Em outras diz-se narrativa em vez de explicação ou argu-
palavras, o ser humano, aparelhado da capacida- mentação, por ter um caráter mais experimen-
de extraordinária de produzir sentidos múltiplos tal; assim como se menciona narrativa em con-
aguçados (olfato, tato, paladar, visão sutil e pala- trapartida a teoria, hipótese ou evidência, uma
vra poética), no seu engenho imaginário de nar- vez que possui teor menos científico. Do mesmo

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modo, fala-se de narrativa no lugar de ideologia, Contudo, Medina (2006), em seus argumen-
por ser considerada uma análise menos crítica, tos sobre a narrativa como produção simbólica,
além de se substituir finalmente o termo narra- expõe que sem
tiva por mensagem, porque se acredita que seja
mais indeterminado. [...] essa produção cultural – a narrativa –
o ser humano não se expressa, não se afirma
perante a desorganização e as inviabilidades
No entanto, outro narratólogo americano, Pe- da vida. Mais do que talento de alguns, poder
ter Brooks, atribui uma razão mais positiva ao narrar é uma necessidade vital (MEDINA,
uso popular crescente do termo narrativas. 2006, p. 67).

Do mesmo modo que eu penso que o ter- Complementarmente, Barthes (1971, p. 18


mo tenha se trivializado pelo excesso de seu apud Santaella, 2005, p. 316) assinala como o
uso, eu creio também que o excesso de uso
corresponde ao reconhecimento de que a nar- campo de aplicação das narrativas é bastante vas-
rativa é um dos principais modos que temos to como meio interpretante do mundo vivencial.
de organizar a nossa experiência do mundo
– uma parte do nosso conjunto de ferramen- Há, em primeiro lugar, uma variedade
tas cognitivas que tem sido por muito tempo prodigiosa de gêneros, distribuídos entre
negligenciado pelos psicólogos e filósofos substâncias diferentes, como se toda matéria
(RYAN, 2011, p. 22, tradução nossa). fosse boa para que o homem lhe confiasse
suas narrativas: a narrativa pode ser susten-
Ainda de acordo com Ryan (2011, p. 22), entre tada pela linguagem articulada, oral ou es-
crita, pela imagem fixa ou móvel, pelo ges-
tantas razões, seja pela perda na crença da pos- to ou pela mistura ordenada de todas estas
sibilidade de se chegar à verdade ou ao conhe- substâncias; está presente no mito, na lenda,
cimento, seja devido ao interesse corrente em na fábula, no conto, na novela, na epopeia,
relação ao funcionamento da mente, a tendência na história, na tragédia, no drama, na co-
atual de dissolver a ideia de narrativa em outros média, na pantomima, na pintura, no vitral,
no cinema, nas histórias em quadrinhos, no
elementos, como crença, valor, experiência, inter- fait divers, na conversação. Além disso, sob
pretação, pensamento, explicação, representação estas formas quase infinitas, a narrativa está
ou simplesmente “conteúdo” torna-se um desafio presente em todos os tempos, em todos os
para os narratologistas enfrentarem, na tentativa lugares, em todas as sociedades; a narrativa
de se propor uma definição que se distinga de um começa com a própria história da humani-
dade; não há, em parte alguma povo algum
modo literal dos usos metafóricos frequentes. sem narrativa: todas as classes, todos os
grupos humanos têm suas narrativas, e fre-
Desta maneira, argumenta a autora (2011, quentemente estas narrativas são apreciadas
p. 22) que, evitando seguir os modismos atuais em comum por homens de cultura diferen-
e ao mesmo tempo adotando um policiamento te, e mesmo oposta: a narrativa ridiculariza
a boa e má literatura: internacional, trans-
semântico, é possível, no entremeio de tais posi- -histórica, transcultural, a narrativa está aí,
ções, buscar alguma definição que evite o cres- como a vida (BARTHES, 1971, p. 18 apud
cimento exagerado de certos termos nocionais, SANTAELLA, 2005, p. 316).
cuja consequência seja a total perda do controle
significativo do real sentido de narrativa. Con- No que concerne a Nöth (1990, p. 368-373
tudo, deve-se também levar em conta a impor- apud SANTAELLA, 2005, p. 317), a essência da
tância do entendimento de tais mecanismos de- narrativa está relacionada às várias formas de re-
sencadeadores desta inflação terminológica para presentação do discurso, o que pressupõe a dis-
nos revelar a genealogia de usos metafóricos da tinção necessária entre “eventos narrados e dis-
noção de narrativa em contínua ascensão. curso narrativo”. Nesse princípio interpretativo, a
narrativa conjuga-se como uma ação linguística

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(modo discursivo de representação), com a inte- são da descrença), proposta pelo poeta e filóso-
ração envolvendo “um autor e um leitor, um nar- fo inglês Samuel Coleridge, durante o início do
rador e um ouvinte” (NÖTH, 1990, p. 368-373 século XIX. Isso porque essa ideia estabelece um
apud SANTAELLA, 2005, p. 317), ao passo que pacto entre narrador e receptor, presente tanto
os eventos narrados (a história em si) “nas histórias de ficção como nas de não ficção”
(MEDINA, S., 2016, p. 140). Isso implica dizer
[...] consistem nos acontecimentos que implicitamente que a história não tem compro-
geralmente precedem à ação narrativa, que misso necessário com a dita verdade factual pre-
acontecem simultaneamente, como na Tei-
chnoscópia clássica, ou mesmo que estão si- sente nas obras literárias, por exemplo, embora os
tuadas no futuro, como na ficção científica autores criem imaginários ficcionais que podem
(NÖTH, 2000, p. 400 apud SANTAELLA, ser habilidosamente transformados em probabi-
2005, p. 317). lidades virtuais do “acontecido”, pelo artifício en-
genhoso da verossimilhança. Esta é utilizada para
Não obstante, Santaella (2005, p. 322) define conotar a noção aproximada de semelhança, ou
a narração como “o universo da ação, do fazer: seja, com o aquilo que parece ser verdadeiro ou
ação que é narrada”. Em outras palavras, para a semelhante à ideia de verdade.
semioticista, a narrativa sob a ótica do discur-
so verbal tem como fonte de amparo o registro O pacto de suspensão permite criar um dis-
linguístico de eventos e situações. Sem ação não curso verossimilhante com o intuito de narrar
há narrativa, pois um elemento se integra ao ou- acontecimentos “como poderiam ter acontecido
tro no campo do discurso, e ação somente existe e não supostamente como aconteceram” (ME-
onde há conflito, já que “esforço e resistência entre DINA, S., 2016, p. 141) – ótica da obra ficcio-
duas coisas” estabelece uma ação que gera reação nal (busca da verossimilhança) –, assim como
e “dessa inter-ação germina o acontecimento, o “reportar os fatos como aconteceram, ou seja,
fato, a experiência” (SANTAELLA, 2005, p. 322). pretende ser um retrato fiel da realidade” (ME-
Assim, o próprio personagem de uma história só DINA, S., 2016, p. 141) – ótica da obra não fic-
se define em razão de fazer algo significativo em cional (busca da veracidade).
uma trama (SEGOLIN, 1978 apud SANTAELLA,
2005, 322). Contudo, esses fazeres enquanto mo- Em certa medida, as narrativas têm sido no-
vimentos tramados/narrados só se definem pelo toriamente recorrentes para dar fundo a muitas
confronto com ações antagônicas, que sugerem explicações em campos diversos do conheci-
resistências. Para SANTAELLA (2005), isto é o mento, rompendo barreiras epistemológicas,
que faz, portanto, a história, independentemente científicas e estéticas. Parece que narrar, não
da sua natureza de produção simbólica ser fac- importando a questão semântica nocional, revi-
tual, situacional, ficcional, entre outras. O que é gora o significado empírico do ser humano de
relevante constatar é o fato de haver sempre um se sentir presente no mundo e de tornar sua es-
elemento constante que subsidia o ato narrativo tória (narração de fatos inventados/imaginados)
do ser narrante: a relação entre conflito, coação e ou história (narração de fatos documentados/
confronto de forças, pois são estas três variáveis comprovados) pessoal tão relevante quanto a
que darão sustentação ao enredo narrativo, ou vastidão de inúmeras outras doravante contadas
seja, ao tema a ser contado. e recontadas. Talvez seja, pois, esta necessidade
de se expressar singularmente que enriqueça as
Sinval Medina (2016, p. 140), por sua vez, variações proposicionais de referências tão am-
considera fundamental no campo das narrativas plas à ideia de narrativa.
explorar a fronteira entre ficção e não ficcção a
partir da ideia de suspension of disbelief (suspen-

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Narrativas de vida: fundamentos filosóficos como uma teia de relações sociais complexas. O
autor transforma a investigação de fatos cien-
As narrativas de vida (life-writings) têm es- tíficos numa aventura do personagem-detetive
treita relação com o campo da biografia, mas vão Sherlock Holmes, do escritor inglês Arthur Co-
bem além dos territórios narrativos e descritivos nan Doyle, cujo intuito é revelar histórias de vi-
de sua imersão íntima, com objetivos pitorescos, das comuns que entrecruzam histórias de figuras
extravagantes, impressionistas e sensacionalistas. célebres, num feixe de relações sociais que dina-
Compreendem, portanto, tudo aquilo que diz mizam o processo de criação de novos inventos
respeito à vida em sua essência, vivências e expe- técnico-científicos. No contexto elucidado por
riências circunstanciais ou duradouras, ficcionais Burke, todo conhecimento novo é, em grande
ou fatuais, mas que reflete certo senso de aprendi- parte, fruto desses encontros sociais e afetivos
zado que merece ser compartilhado com outros entre figuras notórias da nossa história e pessoas
indivíduos, com o objetivo de trocar e enriquecer anônimas do mesmo tempo e lugar que, na parti-
experiências e conhecimentos. lha de conhecimentos cotidianos com cientistas e
inventores, fomentaram o surgimento de conhe-
Seu princípio envolve a partilha afetiva vi- cimentos inusitados, os quais revolucionaram a
vencial de objetos, lugares e relações humanas, vida da humanidade.
incluindo em seu bojo: autobiografia, memórias,
cartas, diários, registros biográficos, documen- As narrativas de vida contemplam também
tários, testemunhos orais, dados antropológicos, um caráter testemunhal relacionado ao relato de
fatos de testemunhos oculares, vídeos e filmes grandes tragédias e eventos históricos traumáti-
pessoais, registros em mídias analógicas e digi- cos, como o Holocausto, genocídios, questões de
tais, entre outros. gênero, apartheid, migrações, guerras, violência
urbana, violência sexual, perseguições religiosas,
Segundo o Centro de Estudos das Narrativas intolerância cultural, segregação étnica, racismo
de Vida de Oxford (Oxford Centre for Life-Wri- social, liberdade expressiva, processos de exclu-
ting) (OCLW, [s.d.]), embora as narrativas de são, preconceito linguístico, entre outros.
vida não se vinculem necessariamente ao cam-
po especializado de Literatura e História, elas se O escritor português José Saramago (2008),
tornam relevantes como linhas fundamentais de por exemplo, estabelece em seu texto um cam-
pesquisa nas áreas de Ciências e Humanidades, po reflexivo apurado no que concerne à “in-
para estudos filosóficos, antropológicos, socioló- tercasualidade” inevitável envolvendo (auto)
gicos, psicanalíticos, etnográficos, educacionais, biografia e educação, ou seja, como a narrativa
médicos, entre outros. de sua vida consubstanciou o espírito de sua
obstinação pela formação educacional, desde
Não obstante, outras áreas recentes de inte- cedo, no contato com os seus primeiros textos
resse para os estudos em narrativas de vida com- básicos de leitura.
preendem a relação de biografias para o enten-
dimento de descobertas científicas. Um exemplo
pioneiro é o trabalho desenvolvido pelo pesqui-
sador inglês James Burke,13 com seu projeto Teia
do Conhecimento. Nele, o conhecimento é visto

BURKE, J. The knowledge web: from electronic agents to Stonehenge and back – and other journey’s through knowledge.
New York: Touchstone, 1999.

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Creio que todas as palavras que vamos Souza e Passeggi (2011, p. 327) reforçam os
pronunciando, todos os movimentos e ges- obstáculos enfrentados, ao longo do século XX,
tos, concluídos ou somente esboçados [...]
podem ser entendidos como peças soltas de
para fazer das autobiografias não intencionais um
uma autobiografia não intencional [...] Esta dispositivo autêntico de escritas de si, que reve-
convicção de que tudo quanto dizemos e fa- lassem memória e consciência crítica individual
zemos ao longo do tempo, mesmo parecen- e coletiva, a ser utilizadas como método de pes-
do desprovido de significado e importância, quisa em Ciências Humanas e Sociais, e também
é, e não pode impedir-se de o ser, expressão
biográfica, levou-me a sugerir um dia, com
como estratégia de formação educacional, princi-
mais seriedade do que à primeira vista possa palmente, de professores. Durante muito tempo,
parecer, que todos os seres humanos deve- as narrativas de vida foram vistas tanto com des-
riam deixar relatadas por escrito as suas vi- confiança intelectual quanto com alento a novas
das (SARAMAGO, 2008). perspectivas de interpretação no campo científi-
co, num eminente confronto entre posturas ideo-
Ao ler atentamente o texto, torna-se possível lógicas antagônicas, militantes e antimilitantes.
observar como Saramago considera inestimável
a relevância da expressão biográfica como espé- Nesse ponto, duas noções de narrativa esta-
cie de legado cultural e narrativa histórica. Para riam no centro de tais discussões acaloradas:
Souza e Passeggi (2011, p. 327), as ideias contidas aquela voltada à experiência existencial, referente
na epígrafe de Saramago (2008) servem para de- à “subjetividade de quem narra”; e aquela voltada
monstrar “o lugar que ocupam as escritas de si na à de interpretação, que leva em conta
modernidade avançada”.
[...] opiniões, crenças e valores na com-
As histórias de vida, narrativas literárias, preensão dos acontecimentos relatados,
relatos históricos, contados ou escritos, can- tanto por parte do sujeito que narra sua his-
tados ou videogravados, que constituem a tória quanto por parte do pesquisador que
desmesurada biblioteca da experiência hu- dá sentido a essas vidas para fazer história
mana, nos instigam a refletir, sem nenhuma (SOUZA; PASSEGGI, 2011, p. 327).
pretensão de lesgilar, sobre a intencionalidade
humana de deixar gravadas marcas do exis-
tir, desde breves epitáfios a diários íntimos
Um dos problemas científicos levantados é o
de inúmeras páginas (SOUZA; PASSEGGI, de que o método com base em narrativas de vida
2011, p, 327). propõe a construção de realidades a partir do
texto narrativo feito em primeira pessoa, o que
Nos fundamentos de Foucault (1992, p. 133), coloca em xeque a ótica de verdades universais,
a escrita de si corresponde a um exercício pessoal defendidas basicamente pelas Ciências Naturais
como arte de verdade contrastiva, ou seja, uma e por métodos positivistas. No entanto, há de se
forma reflexa de combinar o valor de autoridade considerar que as chamadas “escritas de si”, numa
de um discurso anterior com a singularidade de abordagem foucaultiana, aposta na perspectiva
verdade que se afirma a partir de circunstâncias histórica justamente dos seus interlocutores dire-
particularmente praticadas. Seria, ainda segundo tos, imersos em seus fatos e acontecimentos coti-
o filósofo francês (1992), um meio comunicativo dianos, ou seja, aqueles que efetivamente a cons-
de se colocar o seu “eu próprio” enquanto realiza- troem e a vivenciam, de maneira íntima.
ção idiossincrática de discurso e experiência sob
a perspectiva do olhar do outro, principalmente Do ponto de vista educacional, Goodson
na forma de relato escrito que ateste a sua própria (2007) propõe pensar o currículo escolar como
consciência diante de fatos cotidianos, observa- narrativa em que a aprendizagem torne-se uma
ções, sensações e sentimentos vivenciados em seu experiência rica de se narrar a relação com o
contexto cultural. conhecimento. Essa aprendizagem narrativa,

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segundo ele, permitiria estabelecer o sentido do sofos da escola do pensamento analítico (Kripke,
“trajeto, a busca e o sonho – todos eles motivos Lewis, Rescher, Hintikka), como um modo ade-
centrais para a contínua elaboração de uma mis- quado para se solucionar problemas relacionados
são de vida” (GOODSON, 2007, p. 248), possibi- à Semântica Formal.
litando nossa compreensão a respeito do signi-
ficado da aprendizagem informal nas vidas dos Nos anos de 1970, de acordo com Ryan
alunos, para se refletir acerca de como as pessoas (2006), estudiosos em literatura, que aplicavam
aprendem ao longo da vida. métodos estruturalistas de autores como Eco
(universo de mundos possíveis), Pavel (mundos
Tal aprendizagem narrativa tornaria possível ficcionais) e Dolezel (ficção e mundos possíveis),
definir um conceito de capital narrativo para os descobriram o potencial explicativo do modelo
sujeitos imersos em contextos de aprendizagem, da Teoria dos Mundos Possíveis (PW – Possible
ao se desenvolver um currículo realmente com- Worlds), para se estudar teorias da narrativa e
prometido com “missões, paixões e propósitos que teorias literárias.
as pessoas articulam em suas vidas” (GOODSON,
2007, p. 251), em que se estabelecessem relações Nesse contexto, a ficção passou a ser pensada
entre a aprendizagem e o emprego de conheci- como capacidade criadora de mundos possíveis,
mentos em situações reais de vida. Isso porque sua ficcionais e fantásticos, sendo posteriormente
base de criação é a concepção educacional dialógi- aproveitada como meio de compreensão da im-
ca, o projeto curricular identitário e a prática par- portância crescente que as narrativas vieram a
ticipativa e emancipatória. assumir na arte contemporânea, em geral, e nos
meios digitais, posteriormente. A base da Teoria
Nesse contexto, as narrativas elucidam a com- dos Mundos Possíveis pressupõe transferências
plexidade das relações humanas, com implica- metafóricas entre diversas áreas de conhecimen-
ções no campo das ações educativas e de políticas to, assim como define a ideia de que a realidade
voltadas à educação. As pesquisas (auto)biográ- corresponde a uma variedade de imagináveis, ou
ficas de educadores, professores em formação e seja, um universo composto pela pluralidade de
educandos em geral traduzem-se em princípios elementos distintos.
epistemológicos com base em abordagens qua-
litativas, que, por sua vez, revelam questões de Todavia esse universo é estruturado hierar-
resistência a cenários de instabilidades e incerte- quicamente a partir da oposição de um elemen-
zas, que se mostram refletidas em suas vivências to que opera como centro de todo o sistema
e angústias profissionais. Isso permite desenvol- e que, segundo Ryan (2006), seria o “mundo
ver uma acuidade no olhar para repensar modos atual” (real); outros mundos satélites/orbitais
de educar e formar num contexto de autonomia, seriam meramente mundos possíveis (imaginá-
emancipação, pluralidade de visões e necessida- veis/virtuais).
des culturais diferenciadas.
Eco (1989, p. 166) explica que ao imergir-
A Teoria dos Mundos Possíveis: ampliando mos em um dado universo ficcional, entramos
as perspectivas de narrativas em contato com outro tipo de realidade, mes-
mo por meio de uma narrativa textual, uma vez
Conforme as elucidações de Ryan (2006), a que essa sintonia entre leitor, obra e autor cria
Teoria dos Mundos Possíveis corresponde a uma em nosso imaginário criativo a ideia visual de
adaptação moderna do conceito de Leibniz, a um mundo possível.
partir de sua tese dos melhores mundos possí-
veis, que foi amplamente desenvolvido por filó-

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Naturalmente cada obra narrativa – até a Em outras palavras, todos os outros mundos
mais realística – delineia um mundo possí- são considerados como produtos de uma ativida-
vel enquanto este apresenta uma população
de indivíduos e uma sequência de estados
de mental, desenvolvida a partir de sonhos, ima-
de fato que não correspondem aos do mun- ginação, predição, promessa ou narrativa. Con-
do da nossa experiência. [...] chamaremos tudo, a lógica primária desta proposta é formular
“mundo real” ou “mundo normal” o mundo a semântica entre operadores modulares que de-
no qual vivemos ou supomos viver (ECO, signam necessidade e possibilidade. O campo da
1989, p. 166).
necessidade seria definido a partir da verificação
de verdade presente em todos os mundos narra-
Ainda nessa visão, Ryan (2006) atesta que para
dos, ao passo que o campo da possibilidade seria
um mundo ser possível, de fato, ele precisa estar
definido a partir da verificação de não verdade
vinculado ao seu principal centro de referência
presente em todos os mundos narrados. Nessa
(o mundo atual), por intermédio de uma relação
linha de raciocínio, isso serviria também para se
de acessibilidade, que definirá a fronteira entre
estabelecer a distinção entre intenção e extensão
mundos possíveis e impossíveis. Disso advém a
(senso ou campo de referência).
necessidade de leis lógicas consistentes, pois cada
mundo precisará respeitar os princípios que re-
De acordo com a tese mentalista (RYAN,
gem a não contradição de elementos, e o meio ex-
2006), porém, o que distingue o mundo atual
cluído desta relação entre elementos será sempre
de outros mundos seria o fato de ele existir, em
um mundo possível (imaginável). No entanto, é
absoluto, sem o artifício da imaginação. Não
bastante controverso o problema referente à na-
obstante, do ponto de vista do realismo modal
tureza que designa um mundo como atual.
– proposto por David Lewis (1978), todos os
mundos seriam reais, existindo de modo obje-
Para elucidar esse ponto de vista, a autora
tivo, e a semântica do referente e do referencial
apresenta duas teorias da atualidade entre diver-
é que determinaria a qualidade real de mundo:
sas propostas cogitadas.
eu, você, aqui, amanhã, agora.
A primeira, com base nas elucidações de David
Ryan (2006) conclui que a noção de mundos
Lewis (1978), considera mundo atual uma noção
possíveis tem levado a várias interpretações, des-
indicial, em que as referências mudam de acor-
tinadas a diferentes fins. Contudo, a autora re-
do com a fala do narrador. Significa supor que o
força que há um ponto comum dessas diversas
mundo atual seja “o mundo em que estou aloca-
aplicações de usos, que diz respeito à noção que
do/residente/presente”, e os mundos possíveis se-
expressa nossa capacidade intuitiva de “perceber
jam, em essência, aqueles do ponto de vista dos
como as coisas poderiam ser eventualmente di-
que representam os habitantes que se correlacio-
ferentes” ou ainda “como nossas vidas poderiam
nam com a fala do narrador.
evoluir distintamente”.
A segunda proposta, mediante as elucidações
Narrativas em mundos transmediais: as mi-
de Nicholas Rescher (1979), estabelece que o
mundo atual se diferencia, em termos ontológi- grações midiáticas
cos, de mundos meramente possíveis, uma vez
que este mundo, sozinho, apresenta um nível de A ideia de narrativas transmediais, ou seja,
existência autônoma em relação a outros mun- narrativas que são incorporadas perpassando por
dos narrados. diversos meios expressivos ao mesmo tempo, tem
sido destaque frequente nas discussões sobre for-
mas distintas de recriação de histórias ficcionais.

Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016 87


Jenkins (2007) apresenta diversos modos de são de veracidade ao mito de ficção engendrado.
se compreender efetivamente como as narrativas Não obstante, projetos paralelos de cocriação
transmediais ocorrem e os motivos pelos quais narrativa acabam por expandir os universos al-
elas se justificam no mundo atual. Para ele, as ternativos de histórias recontadas, muitas vezes,
narrativas transmediais representam um proces- desenvolvidas para revelar outros detalhes da
so em que elementos integrais de uma ficção tor- vida cotidiana dos personagens.
nam-se dispersos, perfazendo múltiplos canais
receptivos, com o objetivo de se criar uma expe- Klastrup e Tosca (2004, p. 409) definem os
riência de entretenimento unificada e coordena- mundos transmediais como sistemas de conteú-
da. Para elucidar tal fenômeno, ele exemplifica dos abstratos, por meio dos quais determinado
o caso de filmes de longa-metragem de sucesso, repertório de histórias de ficção e personagens
que tiveram continuações, formando trilogias, pode ser continuamente atualizado, a partir de
quadrilogias, como Matrix, Star Wars, Game of variedades significativas de mídias, ou seja, su-
Thrones, entre tantas outras histórias que reto- portes tecnológicos voltados para customização e
mam um eixo central de abordagem narrativa, adaptabilidade de cenários de recriação.
constantemente reconfigurada.
Segundo as autoras, o que caracteriza espe-
As narrativas transmediais, segundo ele apon- cificamente um mundo transmedial é o desejo
ta, também refletem a economia de consolidação contínuo do público e dos desenhistas, arquite-
dos meios tecnológicos digitais, no que se con- tos, roteiristas e autores de conteúdo de compar-
vencionou como sinergia de elementos que inte- tilhar uma imagem mental de mundo abstrato/
gram diferentes plataformas de uso, expandindo conceitual (worldness), que possui uma série de
as abordagens interpretativas por diversas fran- características distintas do seu universo enquan-
quias do mesmo produto original. Isso ocasiona to realidade física e sensória.
a criação de muitas histórias ficcionais em alta
complexidade de expansão e em modos imersi- A noção de worldness (mundidade) corres-
vos de reapropriação narrativa. ponde em grande parte à ideia da primeira ver-
tente ou versão de mundo apresentada como
Um aspecto levantado pelo autor diz respei- um espectro original da narrativa, mas que
to ao fato de que as histórias transmediais têm pode ser virtualmente reelaborada, mudando
base não apenas em personagens individuais continuamente ao longo do tempo, como cos-
ou enredos específicos, mas também em mun- tuma acontecer em histórias recontadas e refil-
dos ficcionais complexos, cujo objetivo é prover madas, por diversos autores, coautores, cineas-
sustentação narrativa a múltiplos personagens tas, roteiristas, produtores etc.
inter-relacionados, sejam principais ou periféri-
cos, cujos papéis podem ser mutuamente recon- Dada a repercussão do mundo criado origi-
figurados em novos desígnios narrativos. Outro nalmente ou recriado de diversas versões, mui-
ponto se refere ao grau de extensão narrativa tas vezes ocorre um culto de fãs que o segue, de
mediante diversos critérios de funcionalidade maneira contínua, interagindo e redimensionan-
da trama remodelada, o que serve para acrescer do-o em novas versões particulares de narrativas
maior grau de realismo à ficção. Em alguns ca- em expansão de fluxos.
sos, como descreve Jenkins (2007), são produzi-
dos filmes documentários anexados ao próprio Notadamente, um mundo transmedial ope-
suporte de conteúdo da história original, assim ra interpretativamente do mesmo modo que
como mais elementos ficcionais transmigram um gênero, com a diferença de que todos os
por diferentes plataformas, para dar maior coe- produtos a ele relacionados, bem como suas

88 Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016


encarnações remidiáticas compartilham uma Narrativas em multiversos: a infinitude
estória (narrativa ficcional) fundacional bá- como estética
sica, uma vez que existe somente uma versão
narrada aceitável de um ethos, tópos e mito A ideia de multiverso (múltiplos universos pa-
(KASTRUP; TOSCA, 2004, p. 409). De acordo ralelos) ou de metaverso (universos de realidades
com as autoras, o momento em que um lei- expandidas) se traduz conceitualmente pela hi-
tor/espectador reconhece um gênero como pótese de existência de um conjunto infinito ou
tal e o realiza como forma atualizada é o mes- finito de universos possíveis, do qual o nosso uni-
mo efeito que ocorre nos chamados mundos verso específico enquanto realidade sensível faria
transmediais. parte, compreendendo tudo o que teoricamente
existe como realidade física.
Jenkins (2003 apud KASTRUP; TOSCA, 2004)
aborda as narrativas em mundos transmediais re- Tal visão tem sido amplamente debatida a par-
ferindo-se à questão do processo de convergência tir de teorias plausíveis, fornecidas por cosmólogos
geral de meios tecnológicos, impulsionada pelo renomados, como Max Tegmark, Michio Kaku,
advento da digitalização em larga escala conec- Brian Greene, Alan Guth e Andrei Linde, que de-
tiva, interfacial e transformativa. Segundo ele, é fendem categoricamente que universos paralelos ou
bastante empregada na indústria atual do entre- multiversos, de fato, existem. Muitos sugerem que
tenimento, um fenômeno em relação ao qual o o nosso universo teria colidido com outros univer-
autor é extremamente crítico por considerar que sos paralelos no passado distante. Várias tentativas
se trata, por vezes, de ser bem redundante, diluí- dessa comprovação científica têm sido realizadas
do e repleto de contradições. recentemente, a partir de instrumentos científicos
que coletem dados astronômicos do espaço.

Figura 1 – Imagem ilustrativa do conceito de multiversos, amplamente explorado no universo


da arte literária e cinematográfica contemporânea como teoria científica que se justifica como
argumento plausível para a recriação contínua e infindável de narrativas ficcionais inusitadas

Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016 89


Nesses termos, para o astrônomo David Nos romances de ficção científica e fantasia, a
Darling ([s.d.]), os diferentes tipos de univer- ideia de multiverso tem servido notadamente como
sos contidos em um mesmo plano de multiver- um mecanismo e uma estratégia de enredo, de modo
so seriam definidos como paralelos. A estru- que situe os personagens em contextos não familiares
tura geral que compreende o multiverso, bem e totalmente estranhos, inusitados, e também como
como a natureza específica de cada universo uma estrutura dinâmica incorporada como fundo de
contido nesta mesma estrutura e nas relações apoio para a continuidade de estórias amplamente
de constituição de tais universos dependerá, em aberto. Pode também se constituir no tema maior
em grande parte, da hipótese de multiverso a da estória, como foco que estrutura toda a dimensão
ser considerada. A possibilidade de existência do trabalho de narrativa ficcional, ou ainda como hi-
de muitos universos alimenta questionamen- póteses amplas de cenários múltiplos para se enredar
tos de âmbito científico, filosófico, teológico, histórias (focadas na realidade das personagens) e
entre outros. estórias (focadas no distanciamento da realidade das
personagens) alternativas.
Ainda segundo os apontamentos de Darling
([s.d.]), os multiversos têm sido largamente hi- Nas elucidações de Lemos (2002, p. 138 apud
potetizados em vários campos do saber, que vão SCHLEMMER, 2008, p. 443), no ciberespaço o
desde a Cosmologia, passando por Física, Filoso- metaverso representa a encarnação tecnológica
fia, Teologia e, na criação ficcional, com especial do ideário antigo de criação de mundos parale-
destaque, pela área de ficção científica e fantasia. los, a partir do elo de uma memória coletivizante,
Tal termo, segundo ele, teria sido cunhado ini- de elementos que povoam o imaginário humano,
cialmente pelo filósofo pragmático americano os mitos, crenças e símbolos ancestrais. Ainda
William James (1842-1910), pioneiro nos estudos para o autor, é justamente nas inúmeras media-
da Parapsicologia e formulador da Teoria do Uni- ções tecnológicas possibilitadas pelos recursos
verso Pluralístico, que, embora de base metafísica, avançados de mundos digitais virtuais tridimen-
sustentava a possibilidade de múltiplas interpreta- sionais,14 que indivíduos interagentes, represen-
ções de verdades absolutas, tidas como ficcionais, e tados por avatares (interfaces simbólicas de cor-
a existência de um universo pluricultural. pos tecnologizados), experimentam o efeito da
imersão telepresencial, pela qual criam espaços
Ainda segundo Darling ([s.d]), no campo da tecnomediados de convivência e sociabilidade
ficção científica, o termo multiverso teria sido em mundos paralelos à sua realidade cotidiana.
popularizado pelo escritor britânico Michael
Moorcock, que utiliza o conceito de um Cam- Um dos conceitos atualmente fundamentais
peão Eterno que emprega diversas identidades para as narrativas em multimeios é a ideia de cons-
atravessando múltiplas dimensões espaçotempo- trução de cenários de mundos (world building).
rais. Com isso, o escritor recria diferentes versões De acordo com Jenkins (2009), essa noção está in-
do planeta Terra, com múltiplos tempos, espaços timamente relacionada ao que Janet Murray defi-
e enredos de estórias, com amplo leque de per- niu de impulso enciclopédico, em outras palavras,
sonagens. A terminologia varia muito, conforme como um fenômeno cultural que estaria por detrás
cada atributo interpretativo, podendo ser univer- das ficções interativas contemporâneas e o desejo
sos alternativos, universos quânticos, mundos crescente de diversos públicos tentarem mapear e
paralelos, realidades alternativas, realidades mis- dominar o máximo possível de elementos dos uni-
turadas, realidades expandidas. versos narrativos de suas histórias prediletas.

14
O acrônimo usual para esta inovação tecnológica é MDV3D – Mundo Digital Virtual com 3 Dimensões.

90 Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016


Jenkins (2009) ainda afirma que o conceito dinâmicos, imagens identitárias com mobilidade
de construção de cenários de mundos narrati- em cenários imersivos ficcionais. Esses avatares
vos também se liga aos princípios elementares de simbolizam imagens cujos comportamentos po-
imersão e extrabilidade. Essa distinção, segundo dem ser modificados mediante diversos níveis de
ele, torna-se fundamental para se compreender interações num espaço virtual definido de comu-
estratégias distintas de estruturação de narrati- nicação oral, textual, gestual e gráfica. Nesses es-
vas bastante inventivas. No processo de imersão, paços de simulação e pura fantasia, os indivíduos
o indivíduo entra interiormente em contato com podem criar suas próprias histórias ficcionais,
o mundo da história, enquanto no processo de definindo novos papéis sociais que desejem ex-
extrabilidade os fãs apenas se servem de aspec- primir e concretizar simbolicamente.
tos da história distante e utilizam seus recursos
para aplicá-los em lacunas do dia a dia das per- Experiências de narrativas de vida trans-
sonagens, posteriormente, remixando trechos de mediais e multiversas
narrativas, num reencaixe de estruturas e subes-
truturas de narração. Um dos exemplos mais contundentes de ex-
perimentos de narrativas transmediais e mul-
Mediante o próprio autor aponta, o foco com tiversas é o trabalho do notável escritor, jor-
base na criação de múltiplos cenários narrativos nalista, historiador da ciência, pesquisador e
tem longa tradição histórica nas obras ficcionais educador britânico James Burke. Ele empregou
de literatura (ficção científica, por exemplo), em diversas plataformas multimodais – rádio, te-
que o escritor procura construir mundos inter- levisão, vídeo, livro, enciclopédia, jogos didáti-
conectados nos quais histórias conjuntas se espa- cos em CD-ROM, internet e mapas conceituais
lham por meio de diversas publicações paralelas. – para dimensionar sua visão da infinitude de
possibilidades interpretativas da história social
A visão de multiverso narrativo tem bastante do conhecimento humano.
correlação com a ideia de construção de mun-
dos de cenários plurificcionais, pois se apoia No tocante à internet, a diversidade de en-
em múltiplos universos narrativos (planos, rea- foques de conteúdos é ainda mais ampla, pois
lidades, dimensões). Isso significa dizer que as Burke, primeiramente, criou “um website em
narrativas se sucedem paralelamente umas às formato estético de blog com o objetivo de dis-
outras e entre certa quantidade de cruzamen- cutir a sua visão de um sistema holístico e in-
tos realizados. Do ponto de vista filosófico, tal terdisciplinar do conhecimento – Knowledge
nuance leva em conta que cada escolha feita cria Web, o seu projeto K-Web (<www.k-web.org>)”
duas ou mais consequências possíveis, podendo (QUADROS, 2015, p. 95).
ou não existir, de fato, na realidade narrada. No
entanto, como uma destas consequências de es- Posteriormente, ele incluiu um sistema de ma-
colha pode ser que não exista em dado universo, peamento interativo digital, em formato de teia,
outro universo precisa ser criado para que essa com a intenção de esclarecer seu mais ambicioso
escolha venha a existir. projeto de inovação curricular, apoiado no mo-
delo de mapas conceituais digitais e em uma tec-
De acordo com as indagações propostas por nologia prognosticadora, para se problematizar
Beckes e Schlemmer (2014, p. 49), a tecnologia coletivamente a criação novos conhecimentos.
digital de metaverso permite a construção de
mundos digitais virtualizados a partir de arte- Complementarmente, o propósito de se ex-
fatos em 3-D, que possibilitam a representação plorar a teia como processo de construção do
de indivíduos interagentes por meio de avatares conhecimento é prover autonomia narrativa para

Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016 91


que o sujeito possa escolher as trilhas que quer Assim como cada suporte serve para despertar
percorrer a fim de descobrir as possibilidades de um sentido de compreensão da natureza do co-
conexões entre fatos, pessoas e locais, em uma nhecimento: o livro denota a narrativa escrita; o
grande teia do conhecimento, de modo geral. radio, a narrativa oralizada; o vídeo e a televisão,
a narrativa audiovisual; e a mídia digital, a nar-
Pesquisando, de um ponto de vista não tra- rativa híbrida, hipertextual, conectiva e imersiva.
dicional, como ocorreram diversas construções
sociais do conhecimento, Burke hibridiza his- O projeto K-Web de Burke, seu trabalho mais
tórias biográficas, autobiográficas, relatos de audacioso, é a tentativa de corporificação tec-
experiências pessoais, documentos científicos, nológica das diversas possibilidades de mundos
registros históricos, memória social, ensaios narrativos do conhecimento, explorados por
investigativos, entre outros elementos multi- ele, a partir de uma plataforma multi-interfacial
gêneros, para dar corpo à percepção indagati- complexa, em que se conjugam mapas concei-
va idiossincrática que tem a respeito da cultura tuais, realidade imersiva, telepresença e aprendi-
científica e tecnológica. zagem em ambientes de multiversos. A partir da
ilustração que segue, é possível verificar de que
Quadros (2009, p. 231) considera que um dos modo Burke concebe cada nó da sua teia do co-
pontos fortes do trabalho investigativo de Burke é nhecimento como um feixe que condensa múl-
como ele evidencia hipóteses infindas para múlti- tiplas relações, como um mundo autônomo que
plas perspectivas de leituras narrativas do conhe- se intercomunica com diversos outros mundos
cimento. Cada mídia, para ele, opera como um autônomos do conhecimento.
instrumento óptico que vislumbra como o co-
nhecimento pode ser observado, experienciado
e descrito com maior complexidade de enfoque.

Figura 2 – Imagem ilustrativa do projeto K-Web e do princípio de conexões entre conhecimen-


tos, que imita tanto a imagem de uma grande rede neural quanto a de multiversos em contato
intercomunicativo

92 Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016


No livro Women and Second Life: Essays on de que forma as vidas virtuais acabam por afetar
Virtual Identity (Mulheres e Second Life: Ensaios significativamente as vidas reais cotidianas.
sobre a Identidade Virtual), as pesquisadoras Bal-
dwin eAchterberg (2013) organizaram um com- Os ensaios elaborados definem uma unidade
pêndio de relatos de experiências e vivências de de visão que parecem simbolicamente pertencer
diversas mulheres com o uso do ambiente meta- a uma mulher inteiramente virtual (ficcionaliza-
verso imersivo Second Life (Segunda Vida). Para da). Como, algumas vezes, as mulheres tratam de
atender a diferentes perspectivas de visões, as au- assuntos difíceis de abordar, como gênero e raça,
toras organizaram diferentes gêneros e estilos de a partir da criação de avatares no Second Life, elas
escrita, que cultivassem certa liberdade de expres- tentam lidar com tais questões a partir do artifí-
são da narrativa feminina, ao mesmo tempo que cio de uma mulher virtual. Em outro momento,
mantivessem certo tom de discurso acadêmico. é abordada a experiência feminina com o traba-
lho e a educação, em que se investiga como a vida
Nesse sentido, são mobilizados ensaios de real pode ser realizada a partir de um ambien-
autoria feminina que traçam uma série de tó- te virtual voltado à formação educacional, e de
picos multivariáveis, que vão desde a escrita de que modo é possível enriquecer a experiência de
poesia a peças de dois atos, bem como a ensaios vida a partir da perspectiva interacional com este
no estilo tradicional. meio tecnológico. Por último, discutem-se como
um fenômeno cultural pode ser tanto reprodu-
Num primeiro momento, são examinados zido quanto recriado no Second Life e como se
como os avatares se iniciam e envolvem as parti- chega a uma cultura de criatividade por meio do
cipantes em ricas experiências de aprendizado, e uso do espaço virtual.

Figura 3 – Imagem ilustrativa de avatares femininos no ambiente Second Life

Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016 93


O projeto “Imagens e Narrativas: Portugal/ Nesse sentido, a proposta final será a de se
África” é um exemplo de projeto de narrativas criar “um mosaico dinâmico de histórias e de pai-
de vida em amplo aspecto e em processo de sagens visuais e sonoras”,15 num ambiente de in-
construção, pois objetiva a produção coletiva de teração contínua, para que aqueles que quiserem
um Atlas Cultural relativo aos vínculos cultu- contribuir possam ter a garantia do seu anoni-
rais existentes entre Portugal e África, tomando mato e da inviolabilidade de suas contribuições,
por base experiências individuais, familiares e quer sejam cidadãos anônimos, quer sejam per-
comunitárias do presente e do passado. Tal em- sonalidades públicas portuguesas.
preitada decorre da visão crescente de um ima-
ginário pós-colonial cada vez mais presente nos O projeto “Imagens e Narrativas: Portugal/
campos da arte e da literatura. África” está inserido no programa de ativida-
des que visa à implementação da Década In-
Com base na partilha de histórias entrecruza- ternacional de Afrodescentes (2015-2024),16
das do povo português e dos povos africanos (ex- iniciativa proclamada pela Assembleia Geral
-colônias portuguesas), a ideia do projeto é valo- da Organização das Nações Unidas (Resolução
rizar a questão da afrodescendência no Portugal n. 68/237), cujo tema é “Reconhecimento, Jus-
contemporâneo, assim como reconhecer a diver- tiça e Desenvolvimento”. Com isso, pretende-se
sidade de experiências multiculturais, plurilin- reforçar a necessidade de cooperação em larga
guísticas e interafetivas numa ótica transversal, escala para valorização dos diversos direitos de
transdisciplinar e intermediática, que permeia pessoas afrodescendentes (econômicos, sociais,
aspectos vigorosos da sociedade portuguesa. culturais, civis e políticos), assegurando sua par-
ticipação plena e igualitária em ampla dimensão
O trabalho pretende desenvolver um atlas di- na sociedade contemporânea.
gital multimídia, contendo textos, imagens e sons,
obtidos da coleta de narrativas e de materiais A iniciativa das Nações Unidas visa estimular
ilustrativos referentes aos povos pesquisados. As programas de combate ao racismo, discrimina-
histórias contadas em amplitude polissêmica e ção racial, xenofobia e intolerância, problemas
polifônica servirão para se produzir um arquivo comuns geralmente enfrentados por afrodescen-
vernacular documental e como um objeto ima- tes. Em 2020, planeja-se construir um memorial
ginário coletivo, com o intuito de se constituir o permanente na sede da ONU para homenagear
imaginário simbólico das narrativas de vida in- a memória das vítimas de escravidão e de tráfico
terconectadas para a construção de identidades transatlântico de escravos.
culturais dialógicas. Outra ideia é também de que
o Atlas Virtual Identitário tenha uma dimensão
poética, a partir da reelaboração criativa de obras
artísticas, com artistas especialmente convidados
para se engajarem no projeto.

15
Citação extraída da página explicativa sobre o projeto “Imagens e Narrativas: Portugal/África”, do Centro de Estudos de Comunica-
ção e Linguagens (CECL), da Universidade Nova de Lisboa/Portugal, disponível em: <http://www.cecl.com.pt/pt/atlasportugalafrica>.
Acesso em: 15 ago. 2016.
Mais informações sobre o programa “Década Internacional de Afrodescentes (2015-2024)” da Organização das Nações Unidas (ONU)
16

podem ser obtidas no seguinte endereço: <http://decada-afro-onu.org/>. Acesso em: 15 ago. 2016.

94 Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016


Figura 4 – Imagem ilustrativa do projeto “Imagens e Narrativas: Portugal/África”

Considerações finais sua contemporaneidade, seja com base na estra-


tégia de relatos verídicos de uma suposta reali-
As narrativas são modos expressivos que o ser dade, seja com o intuito de criar ficcionalidades
humano inventou para comunicar emoções, sen- verossímeis ou até transficcionalidades comple-
timentos, sensações, histórias de vida, dor, sofri- tamente imagináveis.
mento, alegria, temor.
As narrativas de vida, com sua dimensão so-
Pode-se perceber que, com a evolução dos cial inequívoca, tornam claro que seu propósito
meios tecnológicos de comunicação, novas possi- é intervir em cenários indesejáveis e transfor-
bilidades narrativas acabaram por surgir, por ali- má-los, bem como acalentar esperanças que não
mentar a ideia de que narrar é necessário para se podem ser totalmente perdidas do espírito do ser
fazer presente no mundo, para demonstrar emo- humano e trazer perspectivas para emancipar in-
ções, sentimentos e sensações. Essa é uma forma divíduos diante de uma realidade que pode ser
de contribuir para a compreensão singela do que combatida e modificada.
é ser humano, em sua amplitude complexa.
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cos dotados de interfaces multicomunicacionais, BALDWIN, D.; ACHTERBERG, J. (Ed.). Women
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tornarem-se até mais bem-reaparelhadas. Contu-
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do, o que não se consegue deixar de antemão é a
lo: Cultrix, 1971.
necessidade indagável de que é preciso narrar a

Scitis, Ano II - Vol. 4 (Edição Especial), Jan. - Jun. 2016 95


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