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ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL


POLÍCIA MILITAR
CENTRO DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE PRAÇAS - CFAPM

CURSO DE FORMAÇÃO DE PRAÇAS – CFP 2023

FUNDAMENTOS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA - FPC

NATAL/RN, MARÇO/2024
APRESENTAÇÃO

O presente material foi construído para a Disciplina de Sistema de Segurança Pública


e Policiamento Comunitário – SSPPC, do Curso de Formação de Praças- CFP, da
Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte.
O material atende a ementa da disciplina e de forma dinâmica aborda os diferentes
temas que compõe as aulas do curso.
Esperamos que através da contribuições de todos os professores e profissionais que
são os instrutores da disciplina o referido material colabore da melhor forma possível
para a formação dos novos homens e mulheres que farão parte da estrutura da nossa
gloriosa instituição militar.
Assim sendo esperamos que essa filosofia de policiamento comunitário possa ser
ampliada no horizonte profissional e que novos frutos venham a chegar.
Nenhuma entrada de índice remissivo foi encontrada.

SUMÁRIO
PRIMEIRO ENCONTRO

SISTEMAS DE SEGURANÇA PÚBLICA NAS SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS

O SURGIMENTO DA POLÍCIA
A estruturação dos sistemas policiais modernos, baseados no profissionalismo, na
administração burocrática e sob o controle do Estado, é a expressão mais marcante do
processo histórico de institucionalização da noção de segurança pública.

FRANÇA
A França tornou-se a principal referência de formação de sistema policial
profissionalizado, conforme análise de MONET (2001). Ela tinha dois pilares: a
Maréchaussée (O maréchaussée é o antepassado da gendarmeria francesa. Cavaleiro da
Maréchaussée em 1786. Em 1720, o marechal foi colocado simbolicamente sob a
autoridade administrativa da gendarmeria da França, o que explica por que em 1791 foi
renomeado como "Gendarmerie nationale") nas áreas rurais e a Tenência de polícia, em
Paris.
A primeira é intrinsecamente militarizada, sendo um regimento de elite do Exército,
e tem sua estrutura territorializada a partir do século XVI. Ela vigia as populações
itinerantes, prende bandidos, assegura regras concernentes ao comércio. Ela é rebatizada
de Gendarmerie (Uma gendarmaria, gendarmeria ou simplesmente guarda (em francês:
gendarmerie) é uma força militar, encarregada da realização de funções de polícia no
âmbito da população civil. Os seus membros são designados "gendarmes" em 1791,
perdendo gradualmente suas vinculações com o Exército.
Já a Tenência é criada em 1667, com atribuição de zelar pela repressão da
criminalidade bem como deve tomar as medidas necessárias para evitar incêndios e
epidemias além de inundações. Paris é dividida em setores e bairros à frente dos quais
atuam comissários assistidos por inspetores. Todo um sistema de patrulhas a pé e a cavalo
funciona durante todo o dia. A montagem de uma estrutura de informantes foi a
característica mais marcante desta polícia parisiense, preconizando a formação de policiais
exclusivamente destinados à investigação. Os tenentes gerais de polícia acabaram sendo
nomeados em todas as grandes cidades francesas.
Fator comum às duas formas de polícia na França é a direção do governo central. O
monarca absoluto comandava tanto a Gendarmerie quanto definia as indicações dos
tenentes de polícia, sendo concebidos como oficiais da realeza. Outros países europeus
em fins do século XVIII e início do século XIX implantam suas gendarmeries, todas
vinculadas à autoridade central, orientadas para o policiamento de estradas e campos.

BRASIL
O sistema policial brasileiro, por sua vez, se estruturou no século XIX. E a matriz foi
a dualidade policial francesa. Com a chegada da Coroa Portuguesa em 1808 no Rio de
Janeiro, foi criada a Intendência Geral de Polícia, com atribuições de controle do crime, de
urbanização, saneamento, saúde pública e iluminação pública seguindo o modelo policial
que vigorava em Portugal desde o século XVIII.
A vigilância cotidiana das ruas, por sua vez, coube a forças militarizadas. No Rio de
Janeiro, por exemplo, existia a Guarda Real de Polícia (GRP). Mesmo na segunda metade
do século XVIII já existiam forças militarizadas que realizavam a vigilância ostensiva das
vias públicas. É o caso de Minas Gerais com o Regimento Regular de Cavalaria de Minas,
criada em 1775, que posteriormente veio a ser o fundamento da Polícia Militar do Estado
de Minas Gerais.

INGLATERRA
A Inglaterra, a despeito de sua tradição de gestão descentralizada, também assistiu
a intervenção do governo central na questão policial. Em 1829 o Parlamento assume a
responsabilidade pelo policiamento de Londres. É criada uma organização policial
profissionalizada, trabalhando full-time e concebida em termos civis, diferenciando-se do
modelo francês da gendarmerie. É criada a Polícia Metropolitana de Londres.
A disseminação pelo restante do país deste modelo de policiamento eminentemente
comunitário, conforme propugnado por Robert Peel, ocorreu lentamente ao longo da
segunda metade do século XIX, abolindo os sistemas paroquiais até então prevalecentes.
ATRIBUIÇÕES DAS INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICA

Segundo a nossa constituição (Brasil, 1988) a segurança pública é direito e


responsabilidade de todos e deve ser exercida nas esferas federal, estadual e municipal.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - Polícia federal;
II - Polícia rodoviária federal;
III - Polícia ferroviária federal;
IV - Polícias civis;
V - Polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - Polícias penais federal, estaduais e distrital. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 104, de 2019).

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira,
destina-se:
I - Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas,
assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II- Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando
e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas
respectivas áreas de competência;
III- Exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras;
IV- Exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-
se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, estruturado em carreira, destina-
se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem à polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;
aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.
§ 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da
unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019).
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva
do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

PACTO FEDERATIVO
Um dos principais desafios brasileiros é a segurança pública. As autoridades estão
mais atentas aos problemas e elegem o combate à violência como uma das prioridades em
seus programas. A segurança pública caminha cada vez mais para a integração e
articulação entre as forças diversas presentes no território.
O tema tem tratamento específico na Constituição Federal de 1988 no artigo 144. O
texto dispõe que a segurança pública é “dever do Estado” e deve ser exercida pelas Polícias
Federal, Rodoviária Federal, civis, militares e Corpos de Bombeiros militares. Qualquer lei
precisa respeitar as estruturas previstas na Constituição.
O Supremo Tribunal Federal afirma que a segurança pública trata de “organização
administrativa”. Por isso, a gestão em cada ente da federação fica por conta do chefe do
executivo. No caso dos estados, fica sob a chefia do governador de Estado, a quem estão
subordinados as polícias militares e civis. Já o chefe do Poder Executivo Federal tem a
competência de organizar as polícias federais, dentre outros da administração federal.
No entanto, com o aumento da violência, o governo federal passou a repassar
recursos para a modernização das instituições de segurança pública dos estados e do
Distrito Federal. A articulação entre as administrações nesse quesito é crucial. Além desses
quesitos, a segurança pública deixou de se pautar unicamente pela de repressão e passou
a ser vista sob a ótica da prevenção e capacitação dos agentes com enfoque na cidadania.
Com o governo da presidente Dilma Vana Rousseff, o papel da União na Política Nacional
de Segurança Pública passou a ser maior, com maior integração institucional e as
instituições do sistema de justiça criminal e enfatizando o planejamento, a gestão e o
monitoramento.

UNIÃO
Compete à União a defesa dos seus interesses e dos seus órgãos, o policiamento
da faixa de fronteira e o combate ao tráfico internacional e interestadual de drogas, prevenir
e reprimir o contrabando e o descaminho, bem como realizar o patrulhamento das rodovias
federais.
A União assumiu ainda a função de articular a integração entre os órgãos de
segurança pública e de justiça criminal, que teve seu ponto alto na Copa do Mundo 2014, e
deixou como principal legado a atuação integrada entre os órgãos de segurança pública
nacionais e internacionais e as Forças Armadas nos 12 (doze) Centros Integrados de
Comando e Controle Regionais.
Os locais foram equipados pelo governo federal em todas as cidades-sede da Copa.

O governo tem realizado ações como o Brasil Integrado, operação que já atuou no Nordeste
e recentemente transferiu presos entre presídios federais.

ESTADOS
Os governos estaduais e do Distrito Federal realizam a segurança pública direta,
organizando e mantendo o policiamento ostensivo, que é realizado pela Polícia Militar,
formada por policiais uniformizados, facilmente identificados, de modo a criar na população
uma percepção de segurança. É de competência dos estados ainda manter e organizar a
Polícia Civil e os órgãos técnicos de investigação dos crimes comuns.

MUNICÍPIOS
Já os municípios têm a competência para desenvolver ações de prevenção à
violência, por meio da instalação dos equipamentos públicos, como iluminação e câmeras.
Os municípios também podem criar guardas municipais para a proteção de bens, serviços
e instalações.
Neste ano, a lei nº 13.022 regulamentou as atribuições das Guardas Municipais na
prevenção à violência, proteção dos direitos humanos fundamentais, exercício da cidadania
e das liberdades públicas, preservação da vida e patrulhamento preventivo, dentre outros
e o Distrito Federal possui as mesmas competências dos estados na gestão da segurança
pública.
A provisão da segurança pública no Brasil, até a década de 1990, era compreendida
como uma responsabilidade quase que exclusiva dos governos estaduais, sobretudo dos
órgãos policiais (COSTA E GROSSI, 2007).
O artigo 144 da Constituição Federal de 1988 contribuiu para embasar a falta de
comprometimento da União e dos municípios na adoção de políticas para a preservação da
ordem pública, uma vez que atribui ao governo estadual o encargo pelas polícias civis e
militares.
Nessa interpretação restrita de segurança pública, não haveria muito espaço para a
atuação dos governos federal e municipal, uma vez que a política de gestão policial, de
execução penal e a administração da justiça criminal são majoritariamente desenvolvidas
pelos poderes estaduais.
SEGUNDO ENCONTRO

ABORDAGEM SISTÊMICA DA SEGURANÇA PÚBLICA

A segurança pública tem sido uma das maiores preocupações dos brasileiros.
Excetuando-se os dias atuais em que a saúde tem ocupado os primeiros lugares com as
notícias de epidemias de dengue no Rio de Janeiro e bactérias diversas que começaram a
atacar os hospitais de Porto Alegre, é a segurança pública a maior reivindicação lembrada
pela população em geral.

O assunto, portanto, é atual, embora não lhe seja dada a devida relevância pelos
governos, ficando a questão muito mais ao dispor de discursos inócuos do que das
verdadeiras ações que urgem ser tomadas para que se evite que cheguemos a situações
incontroláveis como já ocorre no Rio de |Janeiro e cujos respingos já começam a se fazer
presentes em outros Estados. São Estados que de uma geral maneira, em função da
omissão dos governos e, também, dos recursos de que dispõem, descumprem suas
obrigações para com a segurança sonegando direitos ao seu povo e tratando
inadequadamente suas polícias, remunerando-as e equipando-as mal. Há, da mesma
forma, um deficiente trato para com presos tornando quase que impossível a sua
recuperação para a volta ao convívio social, além de desassistir crianças pobres que se
amontoam nas ruas como pedintes ou viciadas em drogas.

E assim, a segurança pública vai sendo tratada como algo que pode ser resolvido
pontualmente com legislações, medidas e decisões de emergência que, por não terem um
estudo mais aprofundado sobre as possibilidades de resultados positivos, acabam
agravando a situação e criando esse clima de maior insegurança com o qual a população
já vai se acostumando e entendendo que o fato é que todos os problemas, sejam de
segurança pública propriamente dita, sejam de atribuições de outros setores da
administração, acabam caindo nas mãos da polícia como se fossem todos de sua
responsabilidade e ela fosse capaz de tudo resolver.

O paradoxo é tão grande que até governantes que têm a obrigação de prover suas
instituições policiais dos devidos meios e recursos para bem desempenharem suas
funções, acabam num determinado momento jogando a culpa do seu fracasso a elas, como
se estas não fizessem parte da sua administração e não precisassem do necessário apoio
governamental para fazer o que a lei lhe determina. Em vez de prover as polícias dos meios
necessários ao seu desempenho, discursam animadamente batendo nas organizações
como se elas sejam independentes e do governante não precisem. Sem pretendermos tirar
das polícias as suas responsabilidades achando que elas não têm culpa de nada e nos
colocarmos na condição daqueles que acreditam que tudo é culpa dos governos que são
omissos quanto às suas obrigações, temos a intenção neste trabalho de analisar esse
complexo tema da segurança pública, que entendemos como um sistema que engloba
todos os segmentos sociais e não está afeto unicamente às instituições policiais que
compõem a segurança pública brasileira.

II – AS POLÍCIAS FRENTE À CONSTITUIÇÃO

Embora seja um assunto por demais repetido, sempre é bom que referenciemos
sobre dispositivos constitucionais que tratam da segurança pública. É importante para que
se mostre que a segurança pública não é um trabalho unicamente das polícias, mas de um
conjunto de setores que forma um sistema que deve trabalhar harmonicamente sob pena
de nunca se chegar a soluções que satisfaçam a população em geral diz o caput do art.
144 da Constituição Federal.

Ao atribuir a segurança pública como responsabilidade de todos, o legislador tirou


das polícias em geral a obrigação de serem estas os únicos órgãos com atribuições
pertinentes à área. Desta forma, apesar de um direito, a segurança pública é, também, uma
responsabilidade de todo e qualquer cidadão, ou seja, todos devem assumir seus
compromissos para com ela e atuarem de forma efetiva.

Esta regra constitucional simples criou por assim dizer, um sistema de segurança
pública do qual não fazem parte apenas as polícias, mas todo um conjunto de órgãos
públicos e particulares e sociedade em geral, que se devem empenhar no trato da questão.
Ainda que não o diga explicitamente, a Constituição chama à lide todo e qualquer segmento
social como responsável.

Toda vez, pois, que se disser que a polícia está falhando na sua missão, deve-se
questionar até que ponto a sociedade contribui para com que tais falhas ocorram. E a
sociedade não pode fixar-se em conclusões simplistas de que, para fazer o trabalho
complementar à segurança pública, precisa armar-se e se desempenhar tal como tais
organizações, mas ter a consciência de que há um conjunto de fatores que influenciam a
segurança pública e que precisam ter o devido tratamento por parte de outros segmentos
públicos, cujas responsabilidades são fundamentais para que se superem os fatores que
contribuem para com os problemas de segurança. O complexo de segurança pública não
pressupõe unicamente a atividade policial em si, mas todo um conjunto de medidas que
desembocam na segurança pública.

A questão é que mesmo aqueles setores que não estão afetos às polícias acabam
sendo tratados por elas. Os problemas sociais ditados pela miséria em geral, pelo
desemprego, pelos salários insuficientes para a manutenção de uma família, pela falta ou
insuficiência de educação e outros fatores que implicam na criminalidade não são uma
responsabilidade da polícia, mas da sociedade como um todo que precisa envolver-se
nestes problemas pesquisando e encontrando soluções e trabalhando diretamente em
todos os setores.

A polícia trabalha com as consequências dos fatores que influenciam na segurança


pública e não com suas causas, estas bem mais complexas e que precisam de tratamento
especializado em cada área, como saúde, desemprego, impunidade, salários que não
atendem as necessidades básicas do cidadão, dentre outros fatores de especial
importância e que, não raras vezes, são desatendidos pela administração pública como se
não fizessem parte das suas obrigações.

III – POLÍCIA DEMOCRÁTICA

Toda vez que se fala em polícia no Brasil idealiza-se a instituição. Tratam na como
se, de repente, vivêssemos num país onde tudo é maravilhoso e apenas a polícia destoa
desta regra. Age-se como se o policial seja um alienígena brutalizado e incapaz que acabou
de cair em um mundo perfeito onde ninguém comete erros. Só ele os comete. Caídos neste
mundo perfeito, os policiais e suas atitudes passam a ser questionados pelos idealistas do
sistema, que não entendem que razões levam a polícia a, em alguns casos, tratar com
violência determinada pessoa. É como se a violência não existisse e a polícia fosse a
responsável por trazê-la ao mundo, fosse causa dela e não sua consequência.

Pretende-se, desta forma, que a polícia brasileira seja diferente de qualquer outra e
não trate o criminoso como tal, mas como alguém que precise unicamente de educação e
seja ela o ente preparado exatamente para transmitir esta educação. Vê-se a polícia como
uma instituição destoante da realidade, uma polícia violenta em uma sociedade que não é
violenta, uma polícia corrupta em uma sociedade que não é corrupta, uma polícia
despreparada em uma sociedade cujo preparo é exemplo para o mundo.
Quer se uma polícia educada e prestativa como se ela não fizesse parte da mesma
sociedade que nada tem de educada e de prestativa. A polícia não só é um organismo mal
conhecido quanto ao seu desempenho, como as pessoas ignoram as suas missões e a sua
capacidade de desempenhá-las em razão dos diversos entraves que existem, sejam de
condições materiais, intelectuais ou humanas

Toda vez que a polícia é procurada por alguém, pretende esta pessoa que ela seja
capaz de resolver todos os seus problemas e não quer saber o interessado se isto está
dentro da sua competência ou não. Por não ser uma instituição conhecida, a sociedade
acaba mitificando a polícia e acreditando que ela é aquela instituição retratada em filmes
que dão notícia de uma incomum competência e capacidade em tudo resolver. Não
compreendem que a realidade não é aquela dos filmes em que tudo se resolve em cerca
de duas horas, terminando a história com um longo beijo entre o casal de mocinhos.

Diante disto, proliferam as cobranças como se o crime fosse uma atividade a ser
combatida unicamente pela polícia. É como se isto não dependesse de um sistema
judiciário ágil e eficiente, de um acompanhamento do preso que lhe permita ser recuperado
para a volta ao convívio social e de medidas preventivas em todos os setores. Nem tudo,
portanto, que diz respeito ao crime é problema que deve ser enfrentado unicamente pela
polícia.

O fato é que não existem fórmulas prontas para que se tenha no Brasil uma polícia
que atenda os reclamos da sociedade. Aliás, mesmo nas sociedades mais desenvolvidas
temos visto que polícia nenhuma os atende na totalidade. Esta idealização, a crença de
que uma polícia deve ser capaz de resolver tudo sem, em algum momento, usar a violência
e que deva ser imune a erros e a desvios de conduta, tem feito com que proliferem fórmulas
que, sem qualquer estudo, são apresentadas como milagrosas para que se crie uma polícia
ideal. Como modelo de polícia democrática já se apresentou até a idéia de desmilitarização
das polícias militares.

Desconhece-se que a mera adjetivação, seja ela de militar ou civil, não é responsável
pela maior ou menor competência policial. O que importa é a sua destinação. Se ela, apesar
da adjetivação militar não for destinada ou empregada nas atividades que pressuponham
combates e tratos com pessoas vistas como inimigas, mas preparada e empregada
efetivamente como polícia e voltada ao bem das comunidades, pouco importa que a sua
estrutura seja militar ou civil. Chega-se a tal contradição que, ao mesmo tempo em que se
invoca a necessidade de desmilitarização das polícias, clama-se pelo emprego das forças
armadas, que são militares por excelência. A formação dos seus efetivos e a visão de que
a sociedade deve sempre ser vista como amiga, mesmo naqueles casos em que precisam
ser coibidos crimes ou simples desvios de conduta, é que vão determinar a sua maior ou
menor eficiência e não a mera adjetivação que unicamente define a sua estrutura como
corpo.

Trata-se o Brasil como se o país fosse o único no mundo a ter uma polícia adjetivada
de militar. Desconhece-se que na Itália ainda existem os Carabinieri, a Espanha ainda conte
com a sua Guardia Civil (que apesar da adjetivação, é militar), a França ainda disponha da
Gendarmerie, o Chile possua uma das polícias mais respeitadas da América Latina, os
Carabineros, e a Holanda mantenha a Rijkspolitie, todas elas organizações militares
voltadas à atividade policial como o é a Polícia Militar brasileira. Uma polícia democrática,
independente da adjetivação de civil ou de militar, precisa deixar de ser conservadora, de
centralizar-se em conceitos e comandos apegados a tradições que fundamentaram sua
criação e abdicar de manter-se destoante das necessidades sociais como se a polícia não
fizesse parte da mesma sociedade que jura defender.

O estudo e a adequação de comportamentos policiais às necessidades e interesses


da comunidade tendem a fazer da polícia uma instituição democrática. Ela assim será à
medida que atenda as necessidades individuais e de grupos que requerem seus serviços
da mesma forma que atende os interesses dos governos, desde que estes sejam voltados
aos interesses da população, orientando suas atividades conforme requeira o cidadão. Um
policial amigo, prestativo, capaz de resolver conflitos e consciente de que faz parte da
sociedade e não é alijado dos seus interesses, com certeza fará uma polícia democrática.

Não é preciso, portanto, macro mudanças nas instituições policiais para que elas
sejam democráticas. Basta que se mudem alguns comportamentos relacionados com o
trabalho e que o policial interprete que o crime e o criminoso são coisas excepcionais e não
a regra com que devem ser tratados os cidadãos.

IV – O PÚBLICO E SUAS EXIGÊNCIAS

Toda a pessoa que procura a polícia quer soluções imediatas para o seu problema.
Para ela pouco importa se o que se apresenta é um assunto de polícia ou não. Conforme
o encaminhamento do fato, a polícia se lhe parece, ora fraca e ineficaz, ora violenta e
autoritária. Tudo acaba sendo responsabilidade da polícia como se ela não dependesse de
um complexo sistema legal ao qual se submete como ocorre com qualquer órgão da
sociedade. Na idéia das pessoas o que importa é que o fato seja resolvido e, se isto não
ocorre logo, acaba culpando a polícia. É como se a polícia não fosse uma organização
como qualquer outra e não apresente, como estas, incertezas quanto a suas decisões e
encaminhamentos de questões.

Um corpo policial não deve seguir procedimentos imutáveis que contemplem todas
as questões como se tudo dependesse de uma fórmula matemática a ser aplicada a todos
os problemas indistintamente. Conforme o caso, a polícia deverá ser mais meticulosa, mais
desconfiada, mais impertinente e, em alguns pontos, até usar mais o mecanismo da força
e da pressão. É isto que não entende a pessoa que procura os serviços policiais, dado que
apresenta o seu problema como se ele fosse o único no mundo e o mais importante a
precisar da atenção exclusiva da polícia. Poderíamos pegar inúmeros exemplos, mas
vamos ficar com a questão da prostituição. Os moradores de regiões onde ocorre com mais
incidência a prostituição reclamam da ineficiência e do descaso policial que não coíbe a
prática.

As profissionais do sexo, por sua vez, reclamam da ingerência e da violência policial


que procura retirá-las das ruas prejudicando seu comércio. Desta forma, a polícia sofre
ataques por ambos os lados, ora dos moradores que reclamam da sua omissão, ora das
profissionais que reclamam da sua ação. Como nenhum dos interesses é resolvido, nem o
dos moradores porque as profissionais não são retiradas definitivamente do local, nem o
das profissionais que continuam sendo molestadas pela polícia, acabam as instituições
policiais convivendo com as acusações de inoperantes e omissas por um lado e de
violentas e autoritárias por outro, isto quando não surgem outras relativas à corrupção,
estas próprias de qualquer lado.

O que se vê é que nem os moradores reclamam diretamente às profissionais, que


se constituem no seu problema, nem as profissionais reclamam dos moradores, que são
os que efetivamente causam os entraves à sua atividade. Optam ambos por reclamarem
da polícia como se isto fosse um problema seu e não de outros setores que têm a
incumbência de tratar do caso, seja encontrando alternativas de trabalho bem remunerado
às profissionais, seja encontrando lugares onde possam exercer seus serviços sem que
outros se sintam prejudicados.

Obrigada a envolver-se, assim, em assuntos que deveriam ser tratados por órgãos
de assistência social de Estados e municípios, a polícia acaba desviando seus serviços e
atenção de outros casos em que deveria se empenhar com mais afinco por se tratarem
estes das suas reais competências. Fazendo o que não lhe está afeto legalmente, acaba
sendo responsabilizada como ineficiente e omissa também por não tratar adequadamente
aquilo que lhe é afeto por competência legal. Convencionou-se desta forma, atribuir à
polícia a competência de resolver todo e qualquer problema. Ela se transformou no
desaguadouro de todas as mazelas sociais, independente de serem estas da sua
competência ou da de outros órgãos. Se o médico não atende no posto do SUS, chama-se
a polícia.

Se o mendigo está na esquina abordando carros, chama-se a polícia. Se o menino


anda de bicicleta sobre a calçada e prejudica os pedestres, chama-se a polícia. Se falta
ambulância para levar uma parturiente ou qualquer doente ao pronto socorro, chama-se a
polícia. Se o vendedor ambulante não tem licença da prefeitura para comerciar, chama-se
a polícia. Isto já se enraizou de tal forma na cultura popular que, se a polícia não atende, é
acusada de omissa. Não há cobranças aos órgãos responsáveis, mas à polícia unicamente.

Diante destes fatores que já fazem parte da nossa cultura, é natural que a polícia,
sobrecarregada de tarefas enquanto outros órgãos descansam à noite, nos feriados e fins-
de-semana, seja tida como ineficiente, eis que, fazendo mal, apesar da boa vontade, o que
não é de sua competência, acaba deixando de fazer bem feito o que sabe e é da sua
atribuição

V – O IDOSO – UMA ATENÇÃO ESPECIAL

A partir de 2004, mais precisamente em 1º de janeiro, entrou em vigor a Lei 10.741,


conhecida como o Estatuto do Idoso. Nela se fazem presentes os direitos das pessoas com
idade igual ou superior a sessenta anos.

Na prática ela repete os direitos constitucionais de qualquer pessoa, reforçando


como fundamentais ao exercício da cidadania as garantias de respeito a tais direitos, bem
como enfatiza que aos idosos devem ser asseguradas a saúde física e mental e o
aperfeiçoamento moral, intelectual, físico e social, garantindo-selhes condições ao pleno
exercício da sua liberdade e dignidade. Inova, no entanto, mais precisamente no seu artigo
3º, quanto à prioridade absoluta da garantia à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à
cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito
e à convivência familiar e comunitária, reputando solidariamente as responsabilidades por
estas garantias ao poder público, à comunidade, à família, enfim, à sociedade como um
todo.

A partir da sua vigência, como se vê, as garantias dos idosos à liberdade e à


dignidade passam a ser uma responsabilidade de toda a sociedade e não apenas do poder
público e da família. Como a lei prevê atendimento prioritário ao idoso, é preciso que a
polícia esteja preparada para isto, não apenas quanto ao conhecimento da lei, mas também
quanto às diversas formas de encaminhamento de qualquer problema aos órgãos conforme
as suas respectivas competências, com a consciência de que este atendimento deve ser
preferencial, imediato e individualizado, não podendo o idoso, pois, ser negligenciado ou
discriminado. É importante, também, que se ressalte que o artigo 110 da referida Lei
considera como agravante genérica da pena o crime praticado contra idosos.

Desta forma, o artigo 61, do Código Penal, que trata disto, tem a seguinte redação
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime: (...) h) contra criança, velho, enfermo ou mulher grávida. Outra inovação
implementada é que, nos crimes patrimoniais de que são vítimas os idosos, serão seus
autores processados conforme ação pública incondicionada, ou seja, a ação é patrocinada
pelo Ministério Público sem qualquer condicionante, bastando que o fato chegue ao seu
conhecimento. O policial, assim, passa a ter mais exigências para o exercício da sua
atividade, quais sejam, o conhecimento legal requerido para o cumprimento daquilo que se
constitui como direito dos idosos e a necessária adequação para o trato de tais assuntos,
cumprindo ao idoso, da mesma forma, conhecer seus direitos para fazer as exigências
pertinentes a tais direitos

VI – LIMITES DA AÇÃO POLICIAL

Já referimos antes que é normal que as pessoas procurem a polícia para qualquer
problema, independente deste ser ou não de sua competência, e que isto já está arraigado
no entendimento popular. No mundo inteiro as polícias se ressentem disto. É preciso que
as pessoas compreendam sobre atos criminosos e outros que meramente ofendem a moral.
Os primeiros são puníveis conforme as suas circunstâncias, ao passo que os segundos não
o são necessariamente.

Desta forma, qualquer que seja o crime, imprescindível se faz a atuação policial, quer
para preveni-lo, quer para reprimi-lo. Não pode a polícia furtar-se disto. Já quanto a atos
que unicamente afetam a moral e os costumes, estes não são necessariamente puníveis.
Sabiamente agem os legisladores ao não criminalizar tudo para que não se limite
demasiadamente a liberdade e para que não se torne intolerável a vida do cidadão. Como
o entendimento acerca de atos ditos imorais varia de pessoa para pessoa, há os que não
os toleram e os que, aceitando ou não, os toleram e não exigem repressão a eles.
O fato é que alguns atos, embora a polícia seja sempre acionada em caso de sua
ocorrência, não representam uma atribuição sua coibi-los por não serem eles
criminalizados. Não estão, pois, dentro dos limites de atuação policial, apesar de, na maioria
das vezes, veja-se a polícia na obrigação de atuar ainda que unicamente para dar
explicações, nem sempre bem recebidas, ao reclamante

Alguém, por exemplo, que ande bicicleta sobre a calçada prejudicando o trânsito de
pessoas, não comete delito algum. As Pessoas prejudicadas, no entanto, recorrem à polícia
e exigem providências. Na maioria dos casos o policial consegue convencer o ciclista a não
andar com o veículo sobre a calçada, mas se não o conseguir, pouco poderá fazer em
razão de que o fato não é punível. Difícil, no entanto, será convencer o reclamante de que
não pode fazer muito mais que isto. Relevante hoje é o fato que diz respeito a pessoas que
se espalham pelas sinaleiras de avenidas movimentadas para pedirem esmolas. Uma
realidade nacional diante da contradição dos anúncios de que não há mais fome no país.

Já há entendimentos de que, em vista da precária situação econômica de razoável


parcela da população brasileira, comportamentos ainda tidos como criminosos ou
contravencionais devem ser excluídos do rol dos atos ilícitos. No entanto, não raras vezes
é a polícia instada a atuar. Apesar de o ato ser punível e previsto em lei como ilegal, temos
que reconhecer que a situação no Brasil tem induzido muitas famílias a esta prática para
poderem sobreviver. Grande parte das pessoas pratica a mendicância com o objetivo de
sobreviver num país onde o desemprego e a falta de comida ainda persiste.

O envolvimento puro e simples da polícia para estes casos não é a solução do


problema, até por que, retirado da rua o mendigo, logo ele retornará. O problema, no
entanto, é que, existindo, as autoridades ainda insistam em trata-lo como caso de polícia,
quando deveriam tratá-lo como questão social e, com este sentido, desenvolver estudos
capazes de fazer com que haja a erradicação do problema. Ocorre que a polícia acaba
sendo chamada para resolver tudo. O difícil é convencer as pessoas de que determinada
coisa não tem solução policial e que outro órgão deve ser recorrido.

Desta forma, em especial quanto ao desconhecimento da atividade policial, vê-se


que as organizações acabam sempre sendo envolvidas em tudo como se fossem os únicos
órgãos presentes e atuantes na administração pública. Esta noção errada acerca dos
limites da atividade policial tem feito com que muitas pessoas acabem descontentes e
sejam críticas contumazes da polícia. Basta que se verifiquem pesquisas de opiniões que,
em todos os casos, sempre colocam a polícia como uma das últimas classificadas em
questões de competência e de confiança. Será que, no entanto, este grau atribuído de
incompetência e desconfiança não estará diretamente relacionado com os diversos casos
em que a polícia deixou de resolver exatamente porque o seu trato não era de sua
competência e lhe era, por isto, impossível dar o encaminhamento que deveria ser buscado
em outro órgão que, ironicamente, está classificado nos primeiros lugares quanto à
competência e confiança?

VII – SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA

Vimos, ainda que de forma simplificada, que a segurança pública não diz respeito
unicamente às polícias, mas a todo um conjunto de setores da sociedade que devem
empenhar-se conforme suas necessidades e condições no combate à violência. Quando
se fala em violência, no entanto, não se pode centralizar os estudos unicamente naquelas
ações e reações repressivas que estamos acostumados a ver se expandindo pelo Brasil
como se isto seja a solução para a criminalidade.

É preciso que as atenções sejam direcionadas a fatores que se constituem como


causas da violência e da criminalidade como forma de combatê-las no seu nascedouro,
condição básica indiscutível para que tenhamos tais males diminuídos em seus índices. O
combate repressivo contra a violência acaba por aumentar a violência de ambos os lados,
quer das instituições policiais que acabam usando a força para tentar debelá-la, quer por
parte dos delinquentes, que aumentam o seu potencial de ofensas à integridade das
pessoas na tentativa de superar as polícias quanto a suas reações.

Paradoxalmente, sabe-se, que ao ser combatida a violência e o crime com o uso de


reações fortes significa que as ações preventivas falharam e está-se aumentando a
violência, ainda que esta seja necessária quanto à sua prática. A violência, ainda que
necessária, desencadeada pelo estado só se justifica se comprovadamente toda e qualquer
outra ação preventiva é impossível de ser praticada porque o crime e a delinquência,
naquelas condições, já chegaram ao descontrole. Enquanto for possível o uso de ações
preventivas, estas devem ter prioridade, ainda que necessária sejam ações de força para
controlar situações pontuais que se demonstrem impossíveis de serem controladas pela via
preventiva.

Só para citarmos o Rio de Janeiro como exemplo, está pacífico que o aumento da
criminalidade e da concentração de criminosos que traficam drogas e armas nas favelas se
expandiu exatamente pela ausência do Estado que não deu a devida atenção aos
moradores que reclamavam alguma atenção. Lá se optou por não desenvolver ações
preventivas de proteção da saúde, da educação, do emprego e de outros fatores sociais
deficientes da população e o crime viu esses locais como terra fértil para o desenvolvimento
das suas ações. Ausente o Estado, a situação chegou a tal ponto de descontrole que já se
fala em “estado paralelo” para definir como o comando das favelas se está desenvolvendo,
sendo disputado e ganhando corpo com a dominação de grupos que até já impõem normas
de como funcionar aquelas sociedades, criando “leis” e “justiças” através das quais impõem
punições aos que contrariam as “normas” que são impostas pelos que controlam as
diversas favelas.

Privilegia-se tanto as reações policiais repressivas que o rendimento e a eficiência


das organizações estão sendo medidos, quase sempre, pelo número de prisões feitas. Ora,
se a eficiência se mede pelo número de prisões significa que o crime praticado pela pessoa
presa já ocorreu. Se já ocorreu, falhou a polícia na sua missão primordial de prevenir, de
dar proteção ao cidadão antes que ele fosse mais uma vítima a fazer parte das estatísticas
que diariamente dão conta de que está cada vez mais arriscado sair nas ruas. E aqui não
está presente nenhuma ideia alarmista, mas a constatação feita a partir, inclusive, de
declarações feitas por dirigentes policiais que se orgulham em afirmar que sua corporação
está trabalhando mais porque os presídios estão cada vez mais lotados pelas prisões feitas.
A autoridade deveria orgulhar-se não disto, mas do número de delitos que evitou pela
presença contínua da polícia nas ruas e pelas medidas paralelas tomadas por outros órgãos
que, tal como a polícia, devem estar presentes atuando nas suas respectivas áreas. Está
visto que não se pode tirar da polícia a parcela de culpa que tem por não ter agido conforme
suas obrigações constitucionais. Mas a culpa não é só dela, dado que não compete à polícia
atuar na saúde, na educação, no emprego, na renda e noutras necessidades comuns a
qualquer setor das comunidades.

Assim, quando se fala em sistema de segurança pública, não se deve ter em mente
unicamente os órgãos nominados que compõem o artigo 144 da Constituição Federal. A
segurança pública, como obrigação de todos, deve ser observada pelas pessoas em geral,
que podem fazer alguma coisa para diminuir a criminalidade e seus efeitos. É uma
conclusão simplista, no entanto, afirmar que alguém que gradeia sua casa para dificultar a
ação de ladrões já está fazendo a sua parte, quando existem medidas inúmeras que estão
ao dispor de qualquer um para serem adotadas, aqui se incluindo trabalhos voluntários e
doações em benefício de entidades assistenciais e educacionais que atuam com imensas
dificuldades nos seus respectivos objetivos. Imagine se o que representa para famílias
carentes a disponibilidade de maiores recursos permitindo uma melhor educação para uma
criança.

A atuação eficiente na segurança pública imprescinde da formação cultural


desenvolvida pelos órgãos educacionais da mesma forma que é importante que os
responsáveis pela saúde sejam atuantes em todos os setores das comunidades como
forma de melhorar as condições de vida das pessoas. As organizações responsáveis pelas
demais condições sociais também se fazem necessárias ao acompanhamento das famílias,
como as entidades responsáveis pela formação profissional e pela preparação para o
enfrentamento de todas as dificuldades financeiras que são comuns, inclusive a criação de
vagas para empregos que dêem às pessoas condições de suprir suas necessidades, pelo
menos as mínimas.

Tal como estes órgãos que trabalham indiretamente em atividades preventivas e que
têm influência na segurança pública, de vital importância colocam-se outras instituições
que, embora não façam parte dos entes relacionados no artigo 144 da Constituição Federal,
precisam acompanhar todos os seus trabalhos, como as instâncias judiciárias e o ministério
público. Não se pode falar em segurança pública se não estiverem compondo o seu
segmento estas duas instituições a quem compete dar o coroamento ao trabalho policial.
Este trabalho, no entanto, não pode ser pensado isoladamente, mas integrado de forma a
aperfeiçoá-lo até que todos os interesses das comunidades sejam atendidos, eis que tudo
deve ser desenvolvido em seu benefício.

Aos órgãos policiais relacionados e que compõem o artigo 144 da Constituição


Federal, portanto, devem ser acrescentados todos os demais que em maior ou menor
escala são importantes e decisivos para que a segurança pública seja desenvolvida de
forma satisfatória a atender as necessidades e exigências da população, a quem se destina
qualquer serviço público. Toda vez que se falar, pois, em segurança pública, tenhamos em
mente sempre as responsabilidades de todos. Só assim teremos órgãos policiais que cada
vez menos precisão envolver-se em ações representativas da violência necessária porque
o Estado, sem omitir-se das suas atividades gerais, só precisará fazer a repressão daquilo
que, por mais que se tenha empenhado em coibir, não conseguiu porque crimes e desvios
de conduta fazem parte do ser humano e estão presentes em qualquer parte do mundo.

Deixemos de ver a violência, portanto, como algo que tem sua origem na natureza
humana. Interpretemo-la como um fenômeno que faz parte da história e está presente na
sociedade debatendo as particularidades sociais que influenciam cada grupo
particularmente e no seu conjunto pelas influências cada vez mais atuantes em razão da

VIII – CONCLUSÕES

É preciso que a violência, como fenômeno biopsicosocial, não seja vista como algo
que acomete unicamente algumas sociedades em função de determinadas peculiaridades
que se fazem presentes, em especial nos locais de maiores carências sociais. Ela é um
fenômeno que faz parte da humanidade integrando a consciência histórica pessoal dos
indivíduos. Está presente em todo e qualquer setor da vida humana e não pode ser
combatida a partir de conceitos ideológicos, mas de ações que contemplem todos os
estudos necessários ao seu conhecimento e origens, quer no campo conceitual geral, quer
na particularização de determinados fenômenos que se acentuam em algumas sociedades.

As polícias não devem ser vistas como inimigas da sociedade, conforme muitas
vezes são postas publicamente. Ela não é causa da violência, mas conseqüência dela e,
por isto, precisa ser conhecida quanto às suas destinações e necessidades de atuar
conforme se deparam as situações que enfrenta e que precisam ser resolvidas por
imposição da lei e do interesse individual ou coletivo.

A violência policial deve ser encarada como algo que está sempre presente na vida
dos profissionais que atuam na área e que ela é, na maioria dos casos tal como se
apresenta, necessária pela sua legalidade que impõe a defesa da sociedade e do próprio
agente. Não deve ser confundida nem generalizada com atos de desvio de conduta que
acometem alguns profissionais, nem estes delitos devem ser considerados como regras a
ponto de acharmos que fatos isolados são a prática que norteia todas as corporações.

Nenhum policial nasce como tal. Ele é um ser humano como qualquer outro que
pertence à mesma sociedade e, assim, dotado dos mesmos defeitos e virtudes. Por fim, a
solução de problemas de segurança pública não está afeta unicamente às polícias, mas a
todos os segmentos da sociedade que precisam envolver-se nas questões tendo a
consciência da importância que seu trabalho representa na condução de cada ação que
desempenha.
TERCEIRO ENCONTRO

POLÍTICAS PÚBLICAS

CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS?


As políticas públicas são uma resposta do Estado às necessidades do coletivo
que, por meio do desenvolvimento de ações e programas, objetivam o bem-comum e
a diminuição da desigualdade social.
Esses programas e ações precisam ser estruturados de maneira funcional e
sequencial para tornar possível a produção e organização do projeto. Esclarecido
isso, o ciclo das políticas públicas nada mais é que um processo que leva em
conta:

• A participação de todos os atores públicos e privados na elaboração das


políticas públicas, ou seja, governantes, políticos, trabalhadores e empresas;
• O poder que esses atores possuem e o que podem fazer com ele;
• O momento atual do país no aspecto social (problemas, limitações e
oportunidades);
• Organização de ideias e ações.

Ela é tida como um recurso heurístico, sabe o que é isso? Um processo que
busca desvendar e compreender algo ou uma situação. No caso das políticas
públicas, é um modelo para compreender em que pé se encontra o país e o que pode
ser feito por ele.

Primeira fase: a formação da agenda

Para começar a elaboração de uma política, é preciso decidir o que é prioritário


para o poder público. A fase da agenda caracteriza-se pelo planejamento, que
consiste em perceber os problemas existentes que merecem maior atenção. Essa
percepção precisa ser consistente com o cenário real em que a população se
encontra. São analisados nessa fase: a existência de dados que mostram a condição
de determinada situação, a emergência e os recursos disponíveis.
O reconhecimento dos problemas que precisam ser solucionados de imediato
ganham espaço na agenda governamental. Entretanto, nem tudo que está na agenda
será solucionado imediatamente. Saiba que o planejamento é flexível e que a
viabilização de projetos depende de alguns fatores. São esses:
• Avaliação do custo-benefício
• Estudo do cenário local e suas necessidades
• Recursos disponíveis
• A urgência que o problema pode tomar por uma provável mobilização social
• Necessidade política

Segunda fase: a formulação da política

É a fase de apresentação de soluções ou alternativas. É o momento em que


deve ser definido o objetivo da política, quais serão os programas desenvolvidos e
as linhas de ação. Após esse processo, se avaliam as causas e são avaliadas
prováveis alternativas para minimizar ou eliminar o problema em questão.
Portanto, a segunda etapa é caracterizada pelo detalhamento das alternativas
já definidas na agenda. Organizam-se as ideias, alocam-se os recursos e recorre-se
à opinião de especialistas para estabelecer os objetivos e resultados que querem
alcançar com as estratégias que são criadas. Nesse ponto, os atores criam suas
próprias propostas e planos e as defendem individualmente.

Terceira fase: implementação da política

É o momento em que o planejamento e a escolha são transformados em atos.


É quando se parte para a prática. O planejamento ligado à organização é
transformado em ação. São direcionados recursos financeiros, tecnológicos,
materiais e humanos para executar a política.

Quarta fase: acompanhamento e avaliação

É um elemento crucial para as políticas públicas. A avaliação deve ser


realizada em todos os ciclos, contribuindo para o sucesso da ação. Também é uma
fonte de aprendizado para a produção de melhores resultados. Nela se controla e
supervisiona a realização da política, o que possibilita a correção de possíveis falhas
para maior efetivação. Inclui-se também a análise do desempenho e dos resultados
do projeto. Dependendo do nível de sucesso da política, o poder público delibera se
é necessário reiniciar o ciclo das políticas públicas com as alterações cabíveis, ou
se simplesmente o projeto é mantido e continua a ser executado.
A boa política pública deve cumprir as seguintes funções:
– promover e melhorar a cooperação entre os atores;
– constituir-se num programa implementável
QUARTO ENCONTRO
PLANOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E DEFESA SOCIAL PREVISTO NA
PNSPDS.

Os Planos de Segurança Pública e Defesa Social são planos que a União, os


Estados, Distrito Federal e Municípios têm que fazer para cumprir as determinações
estabelecidas na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) criada
pela LEI Nº 13.675, DE 11 DE JUNHO DE 2018.
Cabe a União à confecção do Plano Nacional de Segurança Pública, aos Estados a
confecção dos Planos Estaduais de Segurança Pública e Defesa Social, ao Distrito Federal
a criação do Distrital de Segurança Pública e Defesa Social e aos Municípios a criação do
Plano Municipal de Segurança Pública e Defesa Social.
O prazo para criação do Plano de Segurança Pública é de até dois anos após da
data da conclusão do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social

Cabe a União elaborar o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social,


destinado a articular as ações do poder público, com a finalidade de:
1. Promover a melhoria da qualidade da gestão das políticas sobre segurança pública e
defesa social;
2. Contribuir para a organização dos Conselhos de Segurança Pública e Defesa Social;
3. Assegurar a produção de conhecimento no tema, a definição de metas e a avaliação dos
resultados das políticas de segurança pública e defesa social;
As políticas públicas de segurança não se restringem aos integrantes do Sistema
Único de Segurança Pública - SUSP, pois devem considerar um contexto social amplo, com
abrangência de outras áreas do serviço público, como educação, saúde, lazer e cultura,
respeitadas as atribuições e as finalidades de cada área do serviço público.
O Plano de Segurança Pública e Defesa Social terá duração de 10 (dez) anos a
contar de sua publicação.
As ações de prevenção à criminalidade devem ser consideradas prioritárias na
elaboração do Plano.
A União, por intermédio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, deverá
elaborar os objetivos, as ações estratégicas, as metas, as prioridades, os indicadores e as
formas de financiamento e gestão das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social.
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional
de Segurança Pública e Defesa Social, elaborar e implantar seus planos correspondentes
em até 02 (dois) anos a partir da publicação Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa
Social, sob pena de não poderem receber recursos da União para a execução de
programas ou ações de segurança pública e defesa social.
O poder público deverá dar ampla divulgação ao conteúdo das Políticas e dos Planos
de segurança pública e defesa social.
A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, realizará
avaliações anuais sobre a implementação do Plano Nacional de Segurança Pública e
Defesa Social, com o objetivo de verificar o cumprimento das metas estabelecidas e
elaborar recomendações aos gestores e operadores das políticas públicas.
Os agentes públicos deverão observar as seguintes diretrizes na elaboração e na
execução dos planos de segurança pública e defesa social.
1. Adotar estratégias de articulação entre órgãos públicos, entidades privadas,
corporações policiais e organismos internacionais, a fim de implantar parcerias para
a execução de políticas de segurança pública e defesa social;
2. Realizar a integração de programas, ações, atividades e projetos dos órgãos e
entidades públicas e privadas nas áreas de saúde, planejamento familiar,
educação, trabalho, assistência social, previdência social, cultura, desporto e lazer,
visando à prevenção da criminalidade e à prevenção de desastres;
3. Viabilizar ampla participação social na formulação, na implementação e na
avaliação das políticas de segurança pública e defesa social;
4. Desenvolver programas, ações, atividades e projetos articulados com os
estabelecimentos de ensino, com a sociedade e com a família para a prevenção da
criminalidade e a prevenção de desastres;
5. Incentivar a inclusão das disciplinas de prevenção da violência e de prevenção
de desastres nos conteúdos curriculares dos diversos níveis de ensino;
6. Ampliar as alternativas de inserção econômica e social dos egressos do sistema
prisional, promovendo programas que priorizem a melhoria de sua escolarização e
a qualificação profissional;
7. Garantir a efetividade dos programas, ações, atividades e projetos das políticas
de segurança pública e defesa social;
8. Promover o monitoramento e a avaliação das políticas de segurança pública e
defesa social;
9. Fomentar a criação de grupos de estudos formados por agentes públicos dos
órgãos integrantes do SUSP, professores e pesquisadores, para produção de
conhecimento e reflexão;
10. Fomentar a harmonização e o trabalho conjunto dos integrantes do SUSP;
11. Garantir o planejamento e a execução de políticas de segurança pública e
defesa social;
12. Fomentar estudos de planejamento urbano para que medidas de prevenção da
criminalidade façam parte do plano diretor das cidades, de forma a estimular, entre
outras ações, o reforço na iluminação pública e a verificação de pessoas e de
famílias em situação de risco social e criminal.

São objetivos do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social:


• Determinar ciclos de implementação, monitoramento e avaliação do PNSP;
• Definir metas estratégicas e indicadores, alinhados aos objetivos da Política Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social e às ações estratégicas apresentadas;
• Apresentar ações estratégicas alinhadas aos objetivos da Política Nacional de Segurança
Pública e Defesa Social;
• Estabelecer estratégias de governança e modelo de gestão de riscos visando à plena
execução, acompanhamento e avaliação do PNSP;
• Descrever os elementos que devem ser considerados na elaboração dos Planos
Estaduais e Municipais de Segurança Pública e Defesa Social no intuito de aferir seus
alinhamentos com a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Ciclos de Implementação
A Lei N° 13.675, de 11 de junho de 2018, estabelece que o Plano Nacional de
Segurança Pública e Defesa Social deve ter duração de dez anos. O Decreto N° 9.489, de
30 de agosto de 2018, por sua vez determina que o PNSP deve ser estruturado em ciclos
de implementação de dois anos (art. 4º, § 3º3 ).
A dinâmica de implementação do PNSP por meio de ciclos bianuais, permite que o
tema segurança pública possa ser abordado de acordo com o dinamismo que lhe é peculiar.
A governança do PNSP, aliada ao processo de monitoramento, acompanhamento e
avaliação permitirão os ajustes necessários e o aperfeiçoamento dos ciclos seguintes.
Vale destacar que são previstas avaliações anuais do Plano, que devem ocorrer até
o dia 31 de março do respectivo ano. Assim, considerando o horizonte do Plano, os Ciclos
de Implementação são:
• Ciclo I: 2020-2022;
• Ciclo II: 2023-2024;
• Ciclo III: 2025-2026;
• Ciclo IV: 2027-2028; e
• Ciclo V: 2029-2030

Metas de Resultado do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social


As metas do PNSP visam alcançar resultados em temas que impactam o
desenvolvimento do país e consequentemente o cotidiano das pessoas. O processo de
estabelecimento e construção analisou documentos referenciais e especialmente os
objetivos da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.
Entre os documentos analisados destacam-se a Agenda 2030: ODS-Metas
nacionais dos objetivos de desenvolvimento sustentável do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada; Aviso Ministerial N° 219/2018/GM/CGU; o ACÓRDÃO Nº 811/2017
– do Tribunal de Contas da União; o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões
no Trânsito instituído pela Lei n° 13.614, de 11 de janeiro de 2018.
Além dos documentos mencionados foram utilizadas as bases de dados do Sistema
Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de
Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp); do Sistema
de Informações sobre Mortalidade – SIM do Ministério da Saúde; do Sistema de
Informações do Departamento Penitenciário Nacional – SISDEPEN; do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE; do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada – IPEA; do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN;
Para melhor apresentação das informações, as metas foram reunidas em grupos, de
acordo com seus objetivos. Assim, o Grupo 1 é destinado às metas relacionadas às vítimas
fatais da violência. O Grupo 2 apresenta as metas que visam à proteção dos Profissionais
de Segurança Pública. O Grupo 3 por sua vez aborda as metas de redução dos crimes
contra o patrimônio relacionados à roubo e furto de veículos. Por fim, o Grupo 4 trata das
metas do Sistema Penitenciário.

Uma breve discussão sobre metas, indicadores e fontes de dados


O estabelecimento das metas teve como princípio atender os objetivos da Política
Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. Para que se possa conhecer, tão
precisamente quanto possível, a aproximação ou não de alcance dos objetivos, é essencial
que se tenha insumos informacionais sólidos e confiáveis, capazes de retroalimentarem o
sistema. Para tanto, a Lei Nº 13.675, de junho de 2018 estipula que o Sistema Nacional de
Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições,
de Material Genético, de Digitais e de Drogas (Sinesp) seja o instrumento oficial de
integração dos dados.
A questão da qualidade e transparência das informações criminais no Brasil tem sido
amplamente discutida nos últimos anos, e métodos têm sido propostos para que a realidade
seja abarcada de maneira confiável para subsidiar a propositura de políticas e ações
públicas. A luz dessas discussões, a reiteração do Sinesp como fonte de dados, estando o
sistema passando por um processo de reestruturação decorrente da Lei n° 13.675, de junho
2018, com suas bases de dados em fase de adesão plena e consolidação, pode soar
temerário.
Entretanto, postulou-se por sua utilização, não só em decorrência do exposto no art.
10, inciso VI desta lei, mas também com o intuito de produzir um corpus informacional capaz
de ser cotejado, no futuro, a outras fontes de dados. Ademais, em comparação a outras
fontes de dados, o Sinesp permite acesso mais célere às informações: enquanto fontes
tradicionalmente utilizadas como o SIMDATASUS são acessadas com um lapso que varia
em torno de três anos, atualmente o Sinesp trabalha com três meses de diferença entre a
coleta dos dados e sua publicação, já consolidados. Assim, alterações de cenário
decorrentes de intervenções planejadas podem ser aferidas em um prazo menor, capaz de
permitir ajustes mais eficazes.
Em decorrência disso, para este Ciclo I do PNSP (2020-2022) foram escolhidas
apenas as informações consolidadas o suficiente para permitirem a análise de série
histórica e projeções futuras. Um exemplo claro da diferença considerável entre o cenário
desejável e o presentemente possível diz respeito aos índices de Feminicídio. Definido
conceitualmente, para fins de gestão de dados e informações, pela Portaria n° 229, de
dezembro de 2018 do Ministério da Segurança Pública, o Feminicídio compreende
“Homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos
do art. 121, § 2º, VI do Código Penal”. Entretanto, conforme discutiremos em pormenores
mais adiante, tendo os dados do Sinesp estabelecidos sobre a fonte primária dos boletins
de ocorrência, a partir dos quais nem sempre é possível, no momento do registro, o
conhecimento da motivação (do animus) para o homicídio. Sabe-se que essa motivação é
condição sine qua non para que um evento de morte violenta intencional seja rotulado como
feminicídio.
À parte desta discussão exemplar acerca da diferenciação “homicídios de mulheres”
e “feminicídio”, apresentamos a seguir a descrição das metas estabelecidas para cada um
dos grupos.

Grupo 1 - Mortes Violentas


O grupo tem por objetivo reduzir o número de vítimas fatais da violência, inclusive as
decorrentes do trânsito. Na construção destas metas foram analisados os dados de
crescimento da população, em especial as estimativas da população e as projeções da
população, ambos do IBGE. Os dados permitiram estimar seu crescimento para o período
de vigência do PNSP (2020-2030) e fazer o recorte de sexo para a Meta 3 – Mortes
Violentas de Mulheres.
Esses dados indicam que em 2030 a população brasileira será de 224.868.462
habitantes, sendo 115.139.700 mulheres (51,2%). Ou seja, um crescimento de 7,85%
comparado à população no ano de 2018 (208.494.900 habitantes). A estimativa de pessoas
do sexo feminino em 2030 não apresenta grandes mudanças, mantendo-se semelhante
aos números de 2018, com as mulheres representando 51,09% da população.
As outras fontes de dados utilizadas permitiram identificar as vítimas fatais da violência. Do
Sinesp foram utilizados os dados referentes à Homicídios, Lesão corporal seguida de
morte e Latrocínio. A classificação para fins estatísticos segue o disciplinado na Portaria
N° 229, de dezembro de 2018/MSP, conforme mencionado.
O enfrentamento ao Feminicídio é um dos objetivos da PNSPDS. Todavia, os
Estados têm-se empenhando no sentido de estruturar bases de dados de Boletins de
Ocorrências (BO), em consonância com as classificações de ocorrências policiais
implementadas junto ao Sinesp, condição necessária para a criação de indicadores
nacionais padronizados.
Entretanto, a necessidade de análise de elementos volitivos da conduta do agente e
das circunstâncias de fato próprias do crime de feminicídio, em muitos casos enseja a
necessidade investigações mais aprofundadas para sua caracterização, de forma que, para
este indicador, a utilização do B.O. como única fonte de coleta de dados por vezes não
retrata a realidade dos fatos, apresentando, em regra, números bem abaixo ou
superestimados da real incidência delitiva contra a mulher motivada por sua condição como
tal.
Como medida atenuante até a consolidação dos dados, foi elaborada Meta 3 -
Mortes violentas de mulheres. Essa meta precisa ser revista no próximo Ciclo de
Implementação para que seja substituída pela meta específica ao Feminicídio.
As Mortes por intervenção de agentes do Estado estão computadas dentro do
indicador homicídio. Para o próximo ciclo de implementação do PNSP a Meta 1 –
Homicídios será revista e os dados apartados a fim de atender ao previsto na Portaria N°
229, de 2018/MSP.
Os dados disponíveis no Sinesp permitiram a construção da série histórica 2015 -
2018, referente aos crimes de Homicídio, Lesão corporal seguida de morte e Latrocínio.
A descrição da construção de cada meta é abordada logo abaixo. Meta 1 - Homicídios:
Durante o período analisado os homicídios tiveram um crescimento médio de 0,58% ao
ano, sendo que entre 2016 e 2017 houve aumento de 5,19% e 9,16%, respectivamente.
O ano de 2018 apresentou queda significativa de - 12,6%. O número de vítimas
fatais de homicídio em 2018 foi de 49.151, o que representa uma taxa de 23,57 vítimas
fatais por 100 mil habitantes. Por sua vez, a Agenda 2030: ODS-Metas nacionais dos
objetivos de desenvolvimento sustentável estabelece:
Meta 16.1 (Brasil) - Reduzir significativamente todas as formas de violência
e as taxas de mortalidade relacionadas, em todos os lugares, inclusive com
a redução de 1/3 das taxas de feminicídio e de homicídios de crianças,
adolescentes, jovens, negros, indígenas, mulheres e LGBT. (p. 414)
Considerando a referência de redução de 1/3 da Meta 16.1 dos ODS, embora com
recorte a grupos específicos, entendeu-se que essa pode ser uma meta estabelecida para
a população em geral. Para os próximos Ciclos de Implementação do PNSP e com o
aprimoramento das bases de dados do Sinesp, essa meta será desdobrada em grupos de
acordo com os recortes necessários.
A redução da Taxa de Homicídios de 23,57/100 mil habitantes para até 16/100 mil
habitantes representa uma redução de 32,13% ao final do PNSP. Para alcançar esta
redução será necessária uma redução média anual (2020 a 2030) de 3,11%.

Meta 2 – Lesão corporal seguida de morte:


As mortes nesse tipo de crime apresentaram um crescimento médio de 7,75% ao
ano, sendo que em 2016 e 2017 houve aumento de 2,66% e 27,50% respectivamente. O
ano de 2018 apresentou queda de -6,92%. O número de vítimas fatais em 2018 foi de 915
o que configura uma taxa de 0,44 vítimas fatais por 100 mil habitantes. A redução proposta
para esta meta é de 31,64%, o que implica em uma taxa de até 0,30/100 mil habitantes
em 2030. Adotou-se o mesmo critério empregado na Meta 1.
Meta 3 – Mortes violentas de mulheres:
Para essa meta foi realizado um recorte de sexo entre as vítimas de Homicídio,
Latrocínio e Lesão corporal seguida de morte. Considerando o acima exposto, no
período analisado de 2015 a 2018, a vitimização do sexo feminino apresentou um
crescimento médio de 4,69%, sendo que em 2016 e 2017 houve aumento de 3,33% e
19,94%, respectivamente. O Ano de 2018 apresentou queda de -9,19%. O número de
vítimas fatais do sexo feminino em 2018 foi de 4.359, o que representa uma taxa de 4,09
vítimas fatais por 100 mil mulheres. A proposta para essa meta é mais desafiadora e
prevê a taxa de até 2,00/100 mil mulheres em 2030. Essa taxa representa uma redução
total de 51,12% considerando-se os valores de referência (2018).
Meta 4 - Latrocínio:
Os roubos seguidos de morte no período de 2015 a 2018 apresentaram um
crescimento médio de 1,01% ao ano, sendo que em 2016 e 2017 houve aumento de 14,94%
e 7,98%, respectivamente. O Ano de 2018 apresentou a significativa redução de -19,90%.
O número de vítimas fatais em 2018 foi de 2.016 casos, o que representa uma taxa de 0,97
por 100 mil habitantes. A redução proposta para esta meta é de 27,61%, o que implica
em uma taxa de até 0,70/100 mil habitantes em 2030. Adotou-se o mesmo critério
empregado na Meta 1.
Meta 5 – Mortes no trânsito:
O trânsito tem causado um número elevado de vítimas. No ano de 2017, 36.430
pessoas perderam suas vidas em eventos no trânsito. Dados do Sistema de Informações
sobre Mortalidade – SIM, indicam que as mortes no trânsito apresentam queda se
comparadas há anos anteriores, mas ainda estão aquém do desejável. Considerando o
período de 2013 a 2017 a redução média anual foi de -4,2%. A taxa de mortes no trânsito
em 2017 foi de 17,54 por 100 mil habitantes.
O estabelecimento da Meta 5 tem como referência o Plano Nacional de Redução
de Mortes e Lesões no Trânsito. Assim, a meta prevê que a taxa de mortes no trânsito
em 2030 seja de até 9 mortes por 100 mil habitantes. Essa taxa representa uma redução
de 48,70% em relação a 2017.

Grupo 2 – Proteção dos Profissionais de Segurança Pública


Ainda que sejam efetivamente mortes violentas, aquelas cujas vítimas são
profissionais da segurança pública carecem de atenção particular, por se configurarem
numa população restrita, abarcada pelo SUSP e com características particulares. São estes
os pressupostos básicos que permitem o delineamento das Metas 6 e 7.
Metas 6 e 7 – Mortes de profissionais de segurança pública:
Em razão da própria natureza da atividade de segurança pública, o risco de morte
do agente precisa ser considerado como um fator de incidência particular quando em
comparação com outros grupos laborais. Entretanto, apesar desse entendimento ser
compartilhado amplamente pela população, as instituições ainda carecem de dados sólidos
sobre duas vertentes desse problema: de um lado a vitimização dos profissionais da
segurança pública e, de outro, os índices de suicídio destes.
No que tange especificamente aos casos de suicídio, os dados são ainda mais
frágeis. Seus problemas vão desde o aspecto de tabu do tema, problemas de coleta e até
mesmo mascaramento deliberado de dados por razões morais. Apesar disso, tomando a
segurança pública como um sistema integrado, dedicar atenção à qualidade de vida de
seus profissionais é dedicar atenção à segurança como um todo, em sentido amplo.
Como atualmente não existem ainda rotinas de coleta e análise dos números de
vitimização e suicídio de profissionais da segurança pública. Assim, optou-se por postular
provisoriamente a meta em coerência àquela proposta para a população geral, não
excluindo a necessidade de ajustes futuros mediante novos dados.

Grupo 3 – Roubo e Furto de Veículos

As metas do Grupo 3 visam à redução dos crimes contra o patrimônio, restrito aos
roubos e furtos de veículos. Esse recorte tem duas justificativas principais: a primeira delas
diz respeito à baixa subnotificação dos delitos dessa natureza, pela combinação entre o
alto preço do bem subtraído, a possibilidade de ressarcimento por seguro patrimonial e o
impacto administrativo da ausência de declaração.
Além desta, subjaz o entendimento de que os dois delitos são impulsionadores para
uma série de outros crimes, na medida que grande parte dos delitos se dá com o suporte
de veículos para o deslocamento dos criminosos. Ademais, destaca-se que o roubo de
veículo representa grande potencial ofensivo e possui relação direta com latrocínios.
Ao se combater esses dois delitos espera-se impactos na redução de mortes violentas e
sob o ponto de vista econômico, uma vez que lesam o patrimônio dos indivíduos. Dados
extraídos do Sinesp em dezembro de 2019, apontam que a tendência é de queda, conforme
Tabela 1 a seguir:
Tabela 1 - Ocorrências de roubo e furto de veículo (2015 a 2018) – Fonte: Sinesp
Variação Variação Variação Variação
Delito 2015 2016 2017 2018
(2015/2016) (2016/2017) (2017/2018) Média

Roubo de
237.115 271.592 14,54% 276.389 1,77% 242.914 -12,11% 1,40%
Veículo

Furto de
268.709 278.639 3,70% 262.805 -5,68% 238.164 -9,38% -3,79%
Veículo

Em 2018, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), a


frota de veículos em circulação era de 100.746.553 (cem milhões, setecentos e quarenta e
seis mil, quinhentos e cinquenta e três veículos). Isso se desdobra em taxas de roubo e
furto por 100 mil veículos foram de 241,11 e 236,40, respectivamente.
A meta proposta para as ocorrências de furto de veículos é de até 140 ocorrências
por 100 mil veículos até 2030. Gerando redução de 40,78% se comparado a 2018. Para
os delitos de roubo de veículo a meta é de até 150 ocorrências por 100 mil veículos,
representando uma redução de 37,79%.

Grupo 4 – Sistema Penitenciário


O cenário carcerário é das questões mais complexas da realidade social brasileira,
desafiador tanto para o sistema de justiça penal em si, quanto para as políticas criminal e
de segurança pública. Nesse sentido, é essencial a discussão em torno do desenvolvimento
de soluções que permitam a redução da superlotação carcerária, a melhora das condições
de cumprimento de pena e a redução da reincidência criminal por parte de egressos do
sistema penitenciário. Desta forma, o fomento a criação de vagas, ao trabalho e à educação
compõem os objetivos do Grupo 4, com vistas a enfrentar os desafios que se observa, já
há muito, neste cenário.

Tabela 2 - Dados do Sistema Penitenciário Brasileiro - Fonte: SISDEPEN

Dados Prisionais

2016 2017 2030

População carcerária 722.120 726.354 -

Vagas existentes 446.874 423.242 673.242

Trabalho 127.643 127.514 350.000

Atividades educacionais 78.990 76.840 250.000


Elemento fundamental para a racionalização do cumprimento de penas privativas de
liberdade no país é combater a superlotação carcerária. Não bastassem seus efeitos
nocivos por ser um mal em si, a superlotação dificulta a gestão das unidades prisionais, o
cumprimento das penas com respeito aos direitos fundamentais dos condenados e fortalece
o crime organizado. Dado então o cenário nacional, é medida urgente, postulada já pela
PNSPDS, sua racionalização, propondo-se então, como meta, a diminuição da relação de
presos por vaga através da construção de novas unidades de cumprimento de pena.
Em paralelo, atividades laborais e educacionais são ferramentas importantes para
ressocialização dos indivíduos apenados. Sendo assim, é primordial a oferta de qualificação
técnica que contribua para a aprendizagem de ofício capaz de habilitar profissionalmente
os reclusos, humanizar a pena, diminuir a reincidência e possibilitar a reinserção social dos
sujeitos.
QUINTO ENCONTRO

ANÁLISE DE CENÁRIOS E PERSPECTIVAS DA SEGURANÇA GLOBAL E LOCAL

A análise de cenários é uma área de estudos que envolvem probabilidades, porém,


rodeada de incertezas pois o futuro é imprevisível! Tudo que podemos fazer é analisar os
fatos presentes para projetar atitudes e esperando um possível resultado.

“Talvez não sejamos capazes de evitar catástrofes (embora às


vezes isso até seja possível), mas certamente podemos aumentar
nossa capacidade de responder e nossa aptidão para detectar
oportunidades que, de outro modo, seriam desperdiçadas”.
(SCHWARTZ, 2003; 16).

Segundo Schwartz, nossa reação natural em relação a acontecimentos inevitáveis


são manifestas através de duas reações naturais, a negação, que é a recusa em acreditar
que existam coisas inevitáveis e a defesa, que é a paralisação, pois não há um modo
possível de reação. Ambas podem levar a decisões ineficazes. Porém a decisão mais
arriscada é justamente não fazer nada.

“Num mundo onde ocorrem crises a intervalos regulares, as quais


mudam profundamente as premissas básicas sobre o
funcionamento das coisas, a estratégia mais eficiente é a
flexibilidade consciente, isto é, manter o equilíbrio entre reações
de curto prazo e visão de longo prazo, e providenciar a preparação
necessária, de modo a poder mudar rapidamente de direção se
houver necessidade” (SCHWARTZ, 2003: 23).

Vemos acima uma constatação humana sobre como é o comportamento deste, de


forma natural, em relação a situações que fogem de seu controle, negar o que está
acontecendo é fugir da possibilidade de resolver um possível conflito, e o estado de
paralisação, não muda o quadro da situação em que se encontra.

Surge então, a necessidade de resolução de problemas a curto e longo prazo, a


grande dúvida é por onde começar e se as decisões tomadas serão assertivas ou
desastrosas, então o medo do incerto se torna natural!

Esse medo do desconhecido fez com que o homem procurasse formas de diminuir
os possíveis danos às suas decisões, pois estas poderiam interferir diretamente nas vidas
das pessoas que estavam sob sua responsabilidade.
Desde o início da humanidade, o ser humano tem em sua natureza o interesse de
conhecer o futuro.

No Egito, os faraós tinham seus sacerdotes que anunciavam o resultado das


colheitas antes mesmo do plantio. Estes sacerdotes faziam isso observando a coloração e
o volume das águas do rio Nilo, no início da primavera. Em The art of the long vew, Schwartz
relata:

“Toda primavera, os sacerdotes do templo se reuniam às margens


do rio para verificar a cor da água. Se estivesse clara, a inundação
seria branda e tardia, e os fazendeiros teriam colheitas pequenas.
Se a corrente estivesse escura, a cheia seria suficiente para
encharcar os campos e proporcionar uma colheita abundante.
Finalmente se houvesse predominância das águas verde-escuras,
as cheias viriam cedo e seriam catastróficas. As plantações
ficariam submersas e o faraó teria que usar seus armazéns para
reserva de estoques de grãos.”

Para Schwartz, esses sacerdotes foram os primeiros futurólogos do mundo a


entenderem o significado de elementos predeterminados e de incertezas críticas.
(MARCIAL, 2002: 23).

Outros exemplos similares entre os povos, por exemplo: os gregos que tinham seus
oráculos, os hebreus tinham os profetas.

Na idade média, haviam os bruxos, alquimistas e magos que descreviam suas


visões sobre o futuro.

Com o avanço dos estudos sobre probabilidades, passou-se a considerar também


os fatores externos para que essas previsões pudessem ser mais abrangentes para o
futuro, agora estamos falando de uma intenção de prever o mercado, e esse é sempre
instável. Pois depende de oscilações da especulação, desastres, ações políticas entre
outros fatores que fazem com que esse mercado sofra interferência externa. Todo o
planejamento tradicional baseado em previsões clássicas perdia rapidamente sua razão de
ser. Havia a necessidade do desenvolvimento de nova ferramenta que auxiliasse no
planejamento de longo prazo. Agora o objetivo não é prever o futuro e sim a liberação dos
insights das pessoas com a finalidade de criar cenários exploratórios e ampliar a
compreensão do sistema, identificando elementos predeterminados e descobrir as
conexões entre as várias forças e eventos que conduziam esse sistema -sistema esse que
esteja sendo estudado- seja financeiro, político ou qualquer um que possa se efetuar uma
visão de prognóstico. O que levaria, consequentemente, à melhor tomada de decisão.
É claro que assim como a construção de cenários pode ser usada por diversas
áreas, deverá ser usada também na segurança pública para lhe dar a condição de poder
monitorar as probabilidades de ocorrências, sejam elas boas ou não, dos inúmeros fatores
portadores de futuro e seus reflexos na sociedade. Com isso, teriam condições de antecipar
as situações desfavoráveis e traçar estratégias preventivas, evitando o caos.

CENÁRIOS

Godet (1993), define cenário como sendo “o conjunto formado pela descrição
coerente de uma situação futura e pelo encaminhamento dos acontecimentos que permitem
passar da situação de origem à situação futura”.

Já Schwartz (2003), afirma que, cenário é uma ferramenta para ajudar a adotar
uma visão de longo prazo num mundo de grande incerteza. Cenário é uma ferramenta para
ordenar as percepções de uma pessoa sobre ambientes futuros alternativos nos quais as
consequências de sua decisão vão acontecer. Ou ainda, um conjunto de formas
organizadas para sonharmos eficazmente sobre nosso futuro. De forma resumida, o autor
define cenário como sendo “histórias do futuro”, histórias capazes de nos ajudar a
reconhecer as mudanças de nosso ambiente e nos adaptar a elas.

Segundo Porter (1989) os cenários objetivam reduzir as chances de que ações


adotadas para se lidar com um elemento de incerteza em uma indústria piorem
involuntariamente a posição de uma empresa em relação a outras incertezas.

Para Marcial e Grumbach (2005), um cenário completo é composto por seis


componentes principais: um título, uma filosofia, variáveis, atores, cenas e trajetórias.

O título é possuidor de uma carga tremenda, pois age como sua referência de um
cenário específico, ele deve dar a ideia da lógica dos cenários, além de ser vivos e de fácil
memorização. A filosofia sintetiza o movimento ou a direção fundamental do sistema
considerado. As variáveis representam aspectos ou elementos relevantes do sistema ou
contexto considerado, tendo em vista o objetivo do cenário. Os atores desempenham um
papel importante no sistema, influenciando o comportamento das variáveis, com o objetivo
de viabilizar seus projetos. A cena descreve como estão organizados ou vinculados entre
si os atores e as variáveis naquele instante. E por último a trajetória é o percurso ou caminho
seguido pelo sistema no horizonte de tempo considerado (SCHWARTZ, 2003).
De acordo com Stollenwerk (1998) cenários classificam como globais, focalizados
ou de projetos. Os cenários globais são desenvolvidos com o objetivo de definir estratégias
globais. Enfocam, em seu conteúdo, questões políticas, macroeconômicas, sociais e
tecnológicas tanto nacionais quanto mundiais. Já os focalizados servem para definir
estratégias regionais ou setoriais. E os cenários de projeto são desenvolvidos para tomada
de decisão referente a investimentos que envolvam grande incerteza ou que exijam longo
prazo de maturação.

Marcial e Grumbach (2005), quanto à tipologia, confirma que os cenários podem


ser classificados como exploratório e normativo. Os cenários normativos são aqueles que
configuram futuros desejados, e os cenários exploratórios caracterizam-se por futuros
possíveis ou prováveis do sistema considerado ou de seu contexto, mediante a simulação
e o desenvolvimento de certas condições iniciais.

A lógica da construção de cenários é estabelecer primeiro o futuro desejado para,


depois, traçar as trajetórias para alcançá-lo. A função dos cenários não é acertar os eventos
futuros, mas considerar as forças que podem direcionar o futuro por determinados
caminhos, auxiliando os gestores a compreender a dinâmica do ambiente de negócios,
reconhecer novas possibilidades, avaliar opções estratégicas e decisões de longo prazo
(SHELL INTERNATIONAL, 2001).

ANÁLISE SWOT

Uma das formas de analisar um cenário com o intuito de encontrar soluções para
problemas é a Análise SWOT, não vamos aprofundar muito sobre esse tipo de análise pois
não é o propósito deste curso, mas os conceitos básicos são muito importantes para trazer
referencial teórico.

Segundo Silva (2011) a análise SWOT é uma das ferramentas de confecção do


planejamento estratégico de uma organização. O termo SWOT é uma sigla advinda do
inglês, que significa: Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades
(Opportunities) e Ameaças (Threats). Esta análise foi desenvolvida durante as décadas de
1950 e 1960 por Kenneth Andrews e Roland Christensen, professores da Harvard Business
School.

Esta ferramenta tem como objetivo focalizar a combinação das forças e fraquezas
da organização com as oportunidades e ameaças do mercado. Esta análise se divide em:
Forças (pontos fortes) e Fraquezas (pontos fracos) referem-se ao ambiente interno da
organização, passível de ser controlado. Por outro lado, Ameaças e Oportunidades tratam
dos aspectos externos e "incontroláveis" para a organização. Analisando o ambiente interno
e externo, leva-se em conta os pontos fortes e pontos fracos e as ameaças e oportunidades,
para basear para a formulação da Matriz SWOT (DAYCHOUW, 2010).

A intenção de apresentar essa forma de análise para cenários, é que temos uma
grande oportunidade de dar ao Aluno Soldado PM/RN CFP 2023, ferramentas para
resolução de problemas, sabendo que a análise é importante para a redução prejuízos e
uma maior assertividade nas ações.

A VIOLÊNCIA URBANA NO BRASIL COMPARADA AO CENÁRIO INTERNACIONAL

Este material criará condições para que você possa compreender por que a
magnitude da violência urbana no Brasil é uma das mais elevadas no mundo. Além disso,
é importante que o aluno tenha em mente que não há tendência global de crescimento da
violência. O mundo como um todo não está sofrendo com o crescimento das taxas de
homicídios. Em diversos países importantes, ao contrário, o que se verifica é a redução da
violência urbana.

O BRASIL ESTÁ ENTRE OS PAÍSES MAIS VIOLENTOS DO MUNDO.

Referenciando-se em parâmetros internacionais, pode-se afirmar que a taxa de


homicídios no Brasil é bastante elevada. Cerca de 40% dos países no mundo têm taxas
inferiores a 3 homicídios por 100 mil habitantes, ao passo que 17% dos países manifestam
taxas superiores a 20 homicídios por 100 mil habitantes, identificando-se alguns que
alcançam taxas acima de 50 por 100 mil habitantes.

As regiões mais violentas do planeta são a África, excetuando os países do norte, e


as Américas, excetuando os países da América do Norte, com taxas médias superiores a
15 homicídios por 100 mil habitantes. Os países da Europa, Ásia e Oceania apresentam
taxas médias de homicídios abaixo de 3 por 100 mil habitantes.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é uma entidade da
ONU que sistematiza as estatísticas internacionais sobre homicídios. Periodicamente
publicaram o Estudo global sobre homicídios (Global Study on Homicide).
VIOLÊNCIA EM QUEDA

É equivocado afirmar que há uma onda de violência assolando as diversas


sociedades ocidentais. A incidência de homicídios nos países da Europa ocidental, por
exemplo, está em queda. Nos seis principais países da Europa ocidental, o número
absoluto de homicídios está se reduzindo desde 2003, com destaque para a Inglaterra,
França e Alemanha.

O caso da sociedade norte-americana é mais instigante, pois, entre 1995 e 2011, as


principais cidades daquele país apresentaram redução bastante significativa de homicídios,
próximo a 30%.

Não há também na América Latina um processo generalizado de recrudescimento


da violência. A Venezuela é o país latino-americano que apresentou o crescimento mais
expressivo dos homicídios, patamar superior a 100% entre 1995 e 2010. No México, a
violência inicia trajetória ascendente a partir de 2008, prolongando-se até 2011.

Na Argentina, por sua vez, tem prevalecido a estabilidade da taxa de homicídios e a


Colômbia é o país que experimentou nítida redução da violência, saindo do patamar de 70
homicídios por 100 mil habitantes em 1995 para menos de 40 por 100 mil habitantes em
2011.

INCIDÊNCIA DE ROUBOS

A violência urbana no Brasil não se limita aos homicídios. Os crimes contra o


patrimônio, em especial os roubos, também devem ser considerados na análise. Neste
quesito, nosso país revela números preocupantes.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em 2011


aproximadamente um milhão de roubos, o que equivale à taxa de 552 roubos por 100 mil
habitantes. E o latrocínio o acompanha de perto, pois representa o roubo seguido de morte.
É um tipo de crime que sempre provoca grande clamor popular. O país registrou
oficialmente 1.636 latrocínios em 2011 e 1.803 em 2012.

Esse patamar de incidência dos roubos nos coloca em posição de destaque negativo
no âmbito internacional.
RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA DE JUSTIÇA
CRIMINAL

OBSERVATÓRIO CONSTITUCIONAL

Segurança Pública e Justiça Criminal - Por Gilmar Ferreira Mendes 11 (04 de abril de 2015)

A análise de cenários é uma área de estudos que envolve probabilidades, porém,


rodeada de incertezas pois o futuro é imprevisível! Tudo que podemos fazer é analisar os
fatos presentes para projetar atitudes e esperando um possível resultado. Vivenciamos no
Brasil, em matéria de segurança pública, um trágico paradoxo. De um lado, os elevados
índices de criminalidade e o sentimento generalizado de impunidade têm levado a
população a um descrédito cada vez maior nas leis e nas instituições. De outra parte, nunca
se prendeu tanto como nos últimos tempos, sem que isso tenha refletido em mais
segurança no dia a dia.

De acordo com a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em


2013, registramos 53 mil mortes violentas, incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões
corporais seguidas de morte. No mesmo ano, foram notificados 50 mil estupros, cabendo
considerar que nem todas as vítimas desse tipo de crime relatam o caso às autoridades
policiais. Isso sem contar os assaltos à mão armada, os sequestros, a corrupção, o
narcotráfico, entre tantos outros crimes igualmente graves.

Diante de cobranças da mídia e da opinião pública por soluções imediatas, a


resposta das instituições tem se concentrado, em regra, no agravamento de penas e de
seu regime de cumprimento, Não é incomum, aqui e em outros países, a chamada
legislação simbólica. Em face do clamor público atiçado por algum crime grave, lança-se
mão da fórmula mágica: “vamos aumentar a pena desse crime”; “vamos transformar a
corrupção em crime hediondo” e assim por diante, sem se atentar para o fato, cada vez
mais evidente, de que medidas dessa natureza pouco ou nada contribuem para a
superação desse quadro.

1
Gilmar Ferreira Mendes (Diamantino, 30 de dezembro de 1955) é um jurista, magistrado e professor brasileiro. É
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 20 de junho de 2002, tendo presidido a corte entre 2008 e 2010.
Foi indicado pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em cujo governo exercera o cargo de
advogado-geral da União desde janeiro de 2000.
Temos hoje, no país, 574 mil pessoas encarceradas em penitenciárias e cadeias
públicas, em condições sub-humanas, sem nenhuma perspectiva de recuperação. Isso,
contudo, não quer dizer que o sistema punitivo esteja funcionando a contento, já que cerca
de 40% da população carcerária é de presos provisórios aguardando julgamento, muitos
por longo tempo, às vezes anos, sem sequer condenação em primeira instância.

A questão prática que se coloca são indagações acerca de quantos inquéritos são
transformados em denúncia, quantas denúncias resultam efetivamente em condenação e
se as penas fixadas estão sendo adequadamente cumpridas. São indagações que dizem
respeito, em grande parte, ao funcionamento do sistema de Justiça. Seria mais
interessante, portanto, aproveitar momentos assim para um completo diagnóstico sobre a
Justiça Criminal, que tem graves problemas de funcionalidade, para que se possa identificar
e corrigir distorções.

Tenho sustentado que a falência crônica do sistema prisional é tema prioritário de


segurança pública. Trata-se de assunto, todavia, indissociável de outros temas que também
exigem especial atenção, como, por exemplo, a prevalência de prisões provisórias em
detrimento de outras medidas, a excessiva demora nos julgamentos, a aplicação de penas
privativas de liberdade a crimes de menor gravidade, enfim, a temas que, em última análise,
dizem respeito à eficiência e racionalidade da Justiça Criminal e que, também, estão
relacionados à questão da segurança pública.

Nesse sentido, podemos iniciar com algumas considerações sobre a cultura da


prisão como remédio à impunidade e os efeitos adversos que se tem constatado. Cabe
observar, desde logo, que a contrariedade à lei e à Constituição escancara-se diante das
péssimas condições dos presídios, em situações que vão desde instalações inadequadas
até maus-tratos, agressões sexuais, promiscuidade, corrupção e inúmeros abusos de
autoridade, verdadeiras escolas do crime controladas por facções criminosas. Não é de se
estranhar, portanto, que muitas dessas pessoas, quando soltas, voltam a praticar novos
crimes, às vezes bem mais graves do que o cometido pela primeira vez.

Agregue-se a isso que a progressão de regime no cumprimento de penas no Brasil,


concebida como modelo de reintegração do preso à sociedade, não passa de pura ilusão.
Em razão da absoluta escassez de estabelecimentos prisionais apropriados para os
regimes aberto e semiaberto, as penas acabam sendo cumpridas, na prática, em regime
fechado, não raro em estabelecimentos sob o comando dos próprios presos, ou em prisão
domiciliar sem nenhum tipo de fiscalização, como se constatou em recente audiência
pública no Supremo Tribunal Federal.

Na outra ponta do problema, a evidenciar ainda mais a iniquidade do sistema,


convivemos com o fato de que os denunciados que respondem a processo em liberdade
acabam, muitas vezes, em razão da prioridade conferida a processos de denunciados
presos, não sofrendo punição alguma. Com a excessiva demora no julgamento desses
processos, em todas as instâncias, muitos crimes acabam atingidos pela prescrição. A
extinção da punibilidade representa, nesses casos, uma grande derrota para o sistema e
uma irreparável erosão na credibilidade da Justiça.

Sobre o modelo de prisão provisória, travamos uma luta intensa no Conselho


Nacional de Justiça, concebendo, inclusive, o projeto de lei que resultou na Lei
12.403/2011, para que aprovássemos as medidas cautelares alternativas à prisão
provisória. Até hoje, contudo, não se identificam os reflexos dessa alteração.

A toda hora deparamos, no STF, com situações de prisão provisória que poderia ter
sido substituída por alguma medida alternativa. Há uma série de medidas cautelares
previstas na referida Lei, entre elas, o monitoramento eletrônico, medida, contudo, ainda
pouco utilizada e que, se adequadamente implantada, poderia reduzir, significativamente,
a superlotação carcerária.

Ainda sobre o tema, tenho insistido, também, na apresentação do preso em flagrante


ao juiz, em curto prazo, para que o magistrado possa avaliar, de forma mais eficaz, as
condições em que foi realizada a prisão e se é de fato imprescindível a sua conversão em
prisão preventiva. Trata-se de medida prevista em tratados internacionais já incorporados
ao direito interno, mas que ainda encontra alguma resistência em sua aplicação, por razões
atinentes, sobretudo, a dificuldades operacionais. Pensamos, todavia, que objeções dessa
natureza poderiam ser superadas, por exemplo, com a dispensa da apresentação nos
casos em que o juiz, quando da comunicação do flagrante, já puder aplicar, desde logo,
alguma cautelar alternativa à prisão.

Há inúmeros casos de prisões provisórias com excesso de prazo, sem conclusão da


instrução e sem sentença de primeiro grau. Muitos desses presos, quando sentenciados,
acabam absolvidos ou condenados a penas alternativas, o que denota que o
encarceramento no decorrer do processo, devido à demora no julgamento, acaba por se
mostrar, nesses casos, muito mais grave que a própria pena, em clara dissonância com o
princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, a demora no julgamento reflete, substancialmente, na própria pauta
dos Tribunais Superiores, como revela o elevado número de habeas corpus em tramitação
no Superior Tribunal de Justiça, aproximadamente 200 mil. Como grande parte desse
acervo tem por objeto a concessão de liberdade provisória por excesso de prazo, mostra-
se clara, de novo, a necessidade de se repensar não só o atual modelo de prisão cautelar,
como, também, todo o sistema de Justiça Criminal.

A Justiça Criminal é pressuposto imanente a qualquer política de segurança pública.


Nenhum programa de redução da criminalidade terá eficácia se não levar em conta a
efetividade de seu funcionamento. Partindo-se dessa premissa, é possível avançar no
entendimento de que o aprimoramento da Justiça Criminal não é tema isolado de
responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário desta ou daquela unidade federativa. Um
eficaz plano de melhorias do sistema deve englobar o trabalho harmônico de todos os entes
estatais responsáveis pela segurança pública.

Há na Constituição Federal diversos dispositivos sobre segurança pública que


indicam essa responsabilidade compartilhada, como a previsão de que a segurança pública
é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos (art. 144), exercida por intermédio
da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Ferroviária Federal, das
Polícias Civis e Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares e Polícias Penais Federal,
Estaduais e Distrital, a partir de lei que discipline sua organização e funcionamento de
maneira a garantir a eficiência de suas atividades (art. 144, §7º). Prevê a Constituição,
ainda, a criação, pelos Municípios, de guardas municipais destinadas à proteção de seus
bens, serviços e instalações (art. 144, §8º).

Além disso, cumpre à União legislar privativamente sobre direito penal e processo
penal (art. 22, I), sobre requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo
de guerra (art. 22, III), sobre convocação e mobilização das polícias militares e corpos de
bombeiros militares (art. 22, XXI), sobre competência da polícia federal e das polícias
rodoviária e ferroviária federais (art. 22, XXII).

União, Estados e Municípios detêm, portanto, nesse campo, atribuições próprias e


conexas que podem e devem ser exercidas de forma coordenada com indispensável senso
de cooperação. No caso dos Municípios, podemos citar, por exemplo, a possibilidade de
atuação conjunta entre suas guardas municipais e as demais forças de segurança pública.
Nesse contexto, um sistema integrado de segurança pública e Justiça Criminal poderia ser
pensado, por exemplo, em termos de um federalismo cooperativo, cabendo à União
assumir, em razão do seu vasto leque de responsabilidades nessa matéria, a
responsabilidade de coordenar e organizar esse novo enfoque de atuação.

Todo esse quadro legitima o que aqui se propõe: é preciso uma estratégia global de
segurança pública que contemple, com especial prioridade, o inadiável aprimoramento da
Justiça Criminal. É preciso pensar, com urgência, em soluções que imprimam maior
celeridade no julgamento das ações penais e uma completa reestruturação do sistema
prisional.

Esse seria o caminho. O CNJ já vem fazendo isso, por exemplo, nas ações relativas
a atos de improbidade, dando prioridade ao acompanhamento desses processos. É preciso
verificar qual a estrutura adequada para as varas criminais, as condições de trabalho de
juízes e servidores, os recursos materiais disponíveis, entre outros temas relevantes para
um melhor funcionamento da Justiça Criminal. Os próprios juízes, a partir de suas
experiências e das dificuldades enfrentadas no exercício da jurisdição criminal, muito
poderiam contribuir com sugestões para melhoria do sistema.

Quando estávamos à frente do CNJ, firmamos, em 2010, com o Conselho Nacional


do Ministério Público (CNMP) e o Ministério da Justiça, a Estratégia Nacional de Justiça e
Segurança Pública (ENASP), que teve como foco, inicialmente, os crimes de homicídio.
Após a análise de 135 mil inquéritos que investigam homicídios dolosos instaurados no
Brasil até o final de 2007, descobriu-se que apenas 43 mil foram concluídos. Dos
concluídos, pouco mais de oito mil se transformaram em denúncia. Ou seja, mais de 80%
dos inquéritos de homicídios foram arquivados. Com o conhecimento dessa realidade, foi
possível estabelecer metas que hoje podem ser acompanhadas, em tempo real, nos sites
do CNJ e do CMMP.

A partir dessa experiência, poderíamos pensar, em relação ao tema deste artigo, na


ampliação do foco de atuação da ENASP, de forma a incluir em seu programa de trabalho,
como meta prioritária, o mapeamento dos principais gargalos enfrentados pela Justiça
Criminal, com a indicação de ações concretas que possam reduzir a morosidade nos
julgamentos, bem como uma profunda reavaliação da cultura de prisões provisórias e dos
regimes de cumprimento de penas. O CNJ e o CNMP muito poderão contribuir para as
esperadas melhorias nessa área por meio de monitoramento conjunto e mais efetivo em
relação a certos gargalos, coordenando, inclusive, o aporte de recursos.

É claro que ações dessa natureza, em âmbito nacional, devem contar com alguma
fonte de recursos específicos. Nesse sentido, poderíamos pensar, também, em algum
fundo de segurança pública que pudesse atender prontamente, por exemplo, a situações
mais sensíveis em Estados com notória carência de recursos.

Nessa linha, poderíamos pensar, ainda, em uma possível reformulação do Fundo


Penitenciário (FUNPEN), gerido pelo Ministério da Justiça, com a sua transformação em
fundo de segurança pública, com alguma forma de incremento em suas fontes de custeio,
redefinição de suas finalidades e proibição de contingenciamento dos recursos disponíveis.
É incompreensível que diante da falta de vagas no sistema prisional, os recursos FUNPEN
ainda sejam passíveis de contingenciamentos, como infelizmente tem ocorrido. Dados
recentes do Ministério da Justiça indicam que esse Fundo dispõe de cerca de R$ 1,065
bilhão e recebe, em média, R$ 300 milhões por ano. Em 2013, o FUNPEN foi autorizado a
investir R$ 384,2 milhões, mas apenas 10,6% desse valor foi efetivamente empregado.

Enfim, a modernização do sistema de Justiça e uma completa reestruturação do


sistema prisional são temas prioritários na busca de soluções que possam reverter, em
grande parte, o atual quadro de insegurança pública. Nesse contexto, afigura-se
fundamental que se proceda, sem mais tardar, a uma profunda reavaliação da estrutura e
funcionamento da Justiça Criminal para que possamos ter, também nessa área, um
Judiciário bem mais moderno e eficiente.
SEXTO ENCONTRO
BREVE HISTÓRICO DA POLÍCIA COMUNITÁRIA

A concepção de que a polícia poderia atender de maneira mais apropriada aos


cidadãos e às comunidades, a partir da instituição do Estado Democrático de Direito fez
crescer em várias partes do mundo, a ideia de um policiamento próximo à comunidade, sob
a égide de uma ideologia preventiva.
Todavia, Skolnick e Bayley (2006, p. 52) lecionam que “[...] o sistema de policiamento
comunitário mais antigo e estabelecido de melhor forma é o japonês”, adotado
imediatamente após a II Guerra Mundial, antes mesmo de se tornar popular. Já Marcineiro
(2009) vai mais além, afirmando que suas manifestações primeiras no Japão datam de
1879. O modelo é calcado numa ampla rede de postos policiais denominados kobans e
chuzaishos.
Esta orientação para o serviço à comunidade e o tratamento proativo do crime
também foi adotada se não na mesma época, pouco tempo depois, pela Malásia, Coréia,
China e Cingapura, o que deu origem ao termo “Escola de Polícia Oriental” (ideologia
preventiva), a qual se contrapõe à Escola Anglo- Saxônica (ideologia reativa e de controle
social) e à Escola Latina (ideologia militarista).
Em 1829, o Primeiro Ministro Inglês Sir Robert Peel, tendo por base a polícia
francesa, criou a Real Polícia Metropolitana de Londres, tida por vários autores como a
primeira organização policial moderna, estabelecendo nove princípios para regê-la, todos
em sintonia com a filosofia de Polícia Comunitária. Um dos princípios diz: “[...] A polícia
deve se esforçar para manter constantemente com o povo [comunidade] um
relacionamento que dê realidade à tradição de que a polícia é o povo [comunidade] e o
povo é a polícia” (MARCINEIRO E PACHECO, 2005 apud AMORIN, 2009, p. 32).
No período de 1914 a 1919, Arthur Woods, Comissário de Polícia de Nova Iorque -
EUA, começou a incutir na base da Polícia e da comunidade, através de uma série de
conferências na Universidade de Yale, a percepção da importância social, da dignidade e
do valor público do trabalho do policial.
Inovou ao criar o policial júnior e ao visitar as escolas, podendo suas ações serem
consideradas uma primeira versão do policiamento comunitário nos Estados Unidos.
Mas foi a partir da década de 60, após cerca de 40 anos de “período tranquilo”, que
algumas pesquisas, como a realizada em Kansas City, onde ficou constatada a ineficácia
do “patrulhamento preventivo de rotina” com relação à diminuição da criminalidade, ao
medo do crime, a atitude da comunidade frente à polícia e ao tempo resposta, bem como
os tumultos urbanos ocorridos em bairros negros de cidades como Detroit, Newark, Los
Angeles e Nova Iorque a partir de tensões entre policiais e afro-americanos, levaram
algumas polícias estadunidenses a se encorajarem para a realização de algumas reformas
na sua estrutura e nos seus procedimentos operacionais, buscando uma cooperação da
comunidade.
Esta atitude foi fortalecida com o Relatório da Comissão Presidencial sobre
Policiamento e Administração da Justiça (Comissão do Crime), em 1967, o qual afirmou
que a polícia sozinha não seria capaz de preservar a paz e controlar o crime, sendo
necessária a participação do público, surgindo daí o “policiamento em grupo”, culminando
na comunitarização da polícia.
Ainda nesse período, as pesquisas apontaram que o aumento do número de
policiais, o patrulhamento ao acaso (passivo), as viaturas com duas pessoas, o
patrulhamento mais intenso, o tempo resposta e as investigações criminais não se
constituíam em medidas eficazes para a redução da criminalidade.
O problema do aumento da violência e da criminalidade ocorreu paralelamente em
países da Europa e Ásia, surgindo novas experiências do policiamento comunitário na
Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Inglaterra, bem como na Austrália, no Canadá e
em Cingapura, entre as décadas de 70 e 80.
Na América Latina, as polícias vêm passando por uma crise de identidade, fruto da
transição do período ditatorial, quando estavam muito ligadas às Forças Armadas, para a
redemocratização, que exigiu uma mudança significativa de seu papel. Com isso, as
organizações policiais latino-americanas tem sido vistas frequentemente como ineficientes
no combate ao crime e violentas no trato com a população.
Este foi o contexto para a realização de experiências comunitárias no Brasil,
Colômbia, Chile, Uruguai, Argentina, Paraguai, República Dominicana, no intuito de se
recuperar o prestígio da Polícia. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -
PNUD tem desenvolvido em parceria com estes países, o Projeto Segurança Cidadã, que
visa modificar o velho paradigma de gestão da segurança pública baseado na “Defesa do
Estado” e na “Segurança Nacional”, para um modelo mais voltado para o cidadão.
Portanto, as experiências internacionais aqui relatadas expressaram “[...] uma
tentativa de se repensar e reestruturar o papel da polícia na sociedade” (ROSENBAUM,
2002, apud BRODEUR, 2002, p. 27), assim como de se resgatar a confiança e legitimidade
junto à comunidade, sendo que esse processo acumulou algumas dificuldades.
POLICIAMENTO COMUNITÁRIO

O policiamento comunitário é uma filosofia de policiamento que ganhou força nas


décadas de 70 e 80, quando as organizações policiais em diversos países da América do
Norte e da Europa Ocidental começaram a promover uma série de inovações na sua
estrutura e funcionamento e na forma de lidar com o problema da criminalidade.
Em países diferentes, as organizações policiais promoveram experiências e
inovações com características diferentes. Mas, algumas destas experiências e inovações
são geralmente reconhecidas como a base de um novo modelo de polícia, orientada para
um novo tipo de policiamento, mais voltado para a comunidade, que ficou conhecido como
policiamento comunitário (Bayley; Skolnick, 2001; Skolnick; Bayley, 2002).
Quatro inovações são consideradas essenciais para o desenvolvimento do
policiamento comunitário (Bayley; Skolnick, 2001:224-232; Skolnick; Bayley, 2002:15-39):
- organização da prevenção do crime tendo como base a comunidade;
- reorientação das atividades de policiamento para enfatizar os serviços não emergenciais
e para organizar e mobilizar a comunidade para participar da prevenção do crime;
- descentralização do comando da polícia por áreas;
- participação de pessoas civis, não-policiais, no planejamento, execução, monitoramento
e/ou avaliação das atividades de policiamento.
Estudos de processos de implantação do policiamento comunitário em diversos
países apontam quatro fatores cruciais para a implantação e consolidação deste tipo de
policiamento (Bayley; Skolnick, 2001:233-236):
- envolvimento enérgico e permanente do chefe com os valores e implicações de uma
polícia voltada para a prevenção do crime;
- motivação dos profissionais de polícia por parte do chefe de polícia;
- defesa e consolidação das inovações realizadas;
- apoio público, da sociedade, do governo e da mídia.
Estes estudos apontam também as principais dificuldades para a implantação e
consolidação do policiamento comunitário (Bayley; Skolnick, 2001:237-241; Skolnick;
Bayley, 2002:71-92):
- a cultura tradicional da polícia, centrada na pronta resposta diante do crime e da desordem
e no uso da força para manter a lei e a ordem e garantir a segurança pública;
- a expectativa ou a demanda da sociedade pela pronta resposta diante do crime e da
desordem e pelo uso da força para manter a lei e a ordem e garantir a segurança pública;
- o corporativismo dos policiais, expresso principalmente através das suas associações
profissionais, que temem a erosão do monopólio da polícia na área da segurança pública,
e consequentemente a redução do emprego, do salário e dos benefícios dos policiais, além
daquele decorrente do crescimento da segurança privada, e também o aumento de
responsabilização dos profissionais de polícia perante a sociedade;
- a limitação de recursos que a polícia dispõe para se dedicar ao atendimento de
ocorrências, a investigação criminal e a organização e mobilização da comunidade,
especialmente se a demanda pelo atendimento de ocorrências e investigação criminal é
grande (seja em virtude do número de ocorrências e crimes e/ou pela pressão do governo
e da sociedade);
- a falta de capacidade das organizações policiais de monitorar e avaliar o próprio trabalho
e fazer escolhas entre tipos diferentes de policiamento, levando em consideração sua
eficácia, eficiência e legitimidade;
- a centralização da autoridade na direção das polícias, e a falta de capacidade da direção
de monitorar e avaliar o trabalho das unidades policiais e profissionais de polícia;
- as divisões e conflitos entre os policiais da direção e os da ponta da linha, entre policiais
experientes e os policiais novos — e, no caso do Brasil, uma dificuldade adicional seria a
divisão e conflito entre os policiais responsáveis pelo policiamento ostensivo na polícia
militar e aqueles responsáveis pela investigação criminal na polícia civil;
- as divisões e conflitos entre a polícia e outros setores da administração pública;
- as divisões e conflitos entre grupos e classes sociais no interior da comunidade.
Diante destas dificuldades, há sempre o risco da oposição e da resistência a
experiências e inovações visando à implementação do policiamento comunitário, dentro e
fora da polícia. Mas há também um risco de que o policiamento comunitário venha a ser
implantado como mais uma atividade especializada, atribuída a unidades e a profissionais
especializados, pouco integrados às unidades responsáveis pelo patrulhamento,
atendimento a ocorrências e investigação criminal. Ou mesmo o risco de que as unidades
policiais, quando passam a ter a responsabilidade de fazer o policiamento comunitário,
deem menos valor às atividades de policiamento comunitário do que às atividades
tradicionais de polícia. Por exemplo, designando para estas atividades menos tempo,
menos recursos e/ou profissionais menos qualificados.

INTEGRAÇÃO

Quais são os objetivos da Polícia Comunitária?


A Polícia Comunitária visa a participação social, ou seja, o envolvimento de todos os
cidadãos que morem, estudem ou trabalham na comunidade e que possam,
voluntariamente, auxiliar a instituição policial na busca de soluções que atuem sobre as
causas da violência e da criminalidade, proporcionando desta forma mais segurança e uma
maior qualidade de vida.

O que faz o CONSEG?


Cada Conselho Comunitário de Segurança define suas prioridades, pois as
comunidades possuem diferenças culturais, econômicas e sociais entre si, porém existem
alguns objetivos comuns a todos os CONSEG's, entre os quais podemos citar:
- Aproximar e integrar mais a polícia e a população;
- Planejar a ação comunitária e avaliar os resultados;
- Encaminhar coletivamente as denúncias;
- Levar diretamente à autoridade superior às reivindicações e as queixas da
comunidade;
- Auxiliar no combate às causas da violência e da criminalidade;
- Desenvolver campanhas educativas visando orientar a população.

Quem ganha e quais são as vantagens em montar um CONSEG?


A implementação dos Conselhos Comunitários de Segurança vem demonstrando
que a atuação policial nos processos de proteção de segurança do cidadão depende da
integração e participação social, confirmando o preceito Constitucional de que "a
Segurança Pública é dever do Estado, direito e 'RESPONSABILIDADE' de todos". (CF
Art.144) Com base neste raciocínio, desenvolveu-se o lema da Polícia Comunitária e dos
CONSEG's, que define adequadamente o seu propósito: "PARCERIA PARA MAIS
SEGURANÇA"
Quando ocorre esta parceria entre a instituição policial e a comunidade, podemos afirmar
que quem ganha com a criação do CONSEG são:
A COMUNIDADE, porque os Conselhos Comunitários de Segurança vão ajudar o controle
da violência e da criminalidade. Além de promover uma maior integração, a ação
comunitária é um elemento de dissuasão dos propósitos do delinquente.
VOCÊ, porque esta é uma maneira inteligente de melhorar a proteção da sua família, pois
favorece uma melhor integração da comunidade, pois estimula projetos de prevenção e
atua sobre as causas da criminalidade.
A POLÍCIA, porque passa a contar com a ajuda da comunidade em seu trabalho difícil e
muitas vezes complicado.

O que é um CONSEG e qual sua finalidade?


Os CONSEG's (Conselhos Comunitários de Segurança) são grupos de pessoas de
uma mesma comunidade que se reúnem para discutir, analisar, planejar e acompanhar a
solução de seus problemas de Segurança, assim como estreitar laços de entendimento e
cooperação entre as várias lideranças locais.

Qualquer pessoa pode participar do CONSEG?


Qualquer pessoa idônea que esteja disposta a colaborar com o bem-estar de sua
comunidade ou as entidades comunitárias já existentes, como os Conselhos Comunitários,
as associações de bairro e as organizações não governamentais.

Para montar um CONSEG, quais são os grupos que devem participar, para que
efetivamente se consiga resultados proveitosos para melhoria da segurança e
aumento da qualidade de vida?
O CONSEG é uma parceria que reúne seis grandes grupos para que juntos, com
suas experiências e capacidade criativa, colaborem para solucionar os problemas de
segurança, os quais são:
- As organizações de polícia que atuam no local;
- O cidadão comum que resida, estude ou trabalhe na comunidade;
- As autoridades públicas dos diversos órgãos e esferas de governo;
- A comunidade de negócios;
- As organizações não governamentais que atuam na comunidade;
- A mídia.
SÉTIMO ENCONTRO

FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA GESTÃO INTEGRADA E


COMUNITÁRIA E OS MECANISMOS DO ESTADO QUE FAVORECEM A
IMPLANTAÇÃO DA GESTÃO INTEGRADA E COMUNITÁRIA NO ÂMBITO
DA SEGURANÇA PÚBLICA

FUNDAMENTOS E PRINCÍPIOS DA GESTÃO INTEGRADA E COMUNITÁRIA

1 – Filosofia e Estratégia Organizacional

• A base desta filosofia é a comunidade. Para direcionar seus esforços, a Polícia, ao invés de buscar
ideias pré-concebidas, deve buscar, junto às comunidades, os anseios e as preocupações das
mesmas, a fim de traduzi-los em procedimentos de segurança.

2 – Comprometimento da Organização com a concessão de poder à Comunidade

• Dentro da comunidade, os cidadãos devem participar, como plenos parceiros da polícia, dos direitos
e das responsabilidades envolvidas na identificação, priorização e solução dos problemas.

3 – Policiamento Descentralizado e Personalizado

• É necessário um policial plenamente envolvido com a comunidade, conhecido pela mesma e


conhecedor de suas realidades.

4 – Resolução Preventiva de Problemas a curto e longo prazo

• A ideia é que o policial não seja acionado pelo rádio, mas que se antecipe à ocorrência. Com isso,
o número de chamadas do COPOM deve diminuir.

5 – Ética, Legalidade, Responsabilidade e Confiança

• O Policiamento Comunitário pressupõe um novo contrato entre a polícia e os cidadãos aos quais
ela atende, com base no rigor do respeito à ética policial, da legalidade dos procedimentos, da
responsabilidade e da confiança mútua que devem existir.
6 – Extensão do Mandato Policial

• Cada policial passa a atuar como um chefe de polícia local, com autonomia e liberdade para tomar
iniciativa, dentro de parâmetros rígidos de responsabilidade. O propósito, para que o Policial possua
o poder, é perguntar-se:
➢ Isto está correto para a comunidade?
➢ Isto está correto para a segurança da minha região?
➢ Isto é ético e legal?
➢ Isto é algo que estou disposto a me responsabilizar?
➢ Isto é condizente com os valores da Corporação?

7 – Ajudar às pessoas com Necessidades Específicas

• Valorizar as vidas de pessoas mais vulneráveis: idosos, sem teto, pessoas com necessidades
especiais, etc.

8 – Criatividade e apoio básico

• Ter confiança nas pessoas que estão na linha de frente da atuação policial, confiar no seu
discernimento, sabedoria, experiência e, sobretudo na formação que recebeu. Isso propiciará
abordagens mais criativas para os problemas contemporâneos da comunidade.

9 – Mudança interna

• Exige uma abordagem plenamente integrada, envolvendo toda a organização. É fundamental a


reciclagem de seus cursos e respectivos currículos, bem como de todos os seus quadros de
pessoal.

10 – Construção do futuro

• Deve-se oferecer à comunidade um serviço policial descentralizado e personalizado, com endereço


certo. A ordem não deve ser imposta de fora para dentro, mas as pessoas devem ser encorajadas
a pensar na polícia como um recurso a ser utilizado para ajudá-las a resolver problemas atuais de
sua comunidade.

MECANISMOS DO ESTADO QUE FAVORECEM A IMPLANTAÇÃO DA GESTÃO INTEGRADA


E COMUNITÁRIA NO ÂMBITO DA SEGURANÇA PÚBLICA
• Constituição Federal de 1988;
• Sistema Único de Segurança Pública – SUSP;
• Política Nacional de Segurança Pública - PNSPDS;
• Lei Complementar Estadual nº 656/2019 – CONSESP/FUNSEP/CCDS

Sistema Único de Segurança Pública – SUSP

• Implantado pela Lei nº 13.675/2018, sancionada em 11 de junho.


• Permite uma arquitetura uniforme ao setor em âmbito nacional e prevê, além do
compartilhamento de dados, operações e colaborações nas estruturas federal, estadual e
municipal.
• Os órgãos de segurança pública, como as polícias civis, militares e Federal, as secretarias
de Segurança e as guardas municipais serão integrados para atuar de forma cooperativa,
sistêmica e harmônica.
• Tem como órgão central o Ministério da Segurança Pública e é integrado:
➢ Polícia Federal, Rodoviária Federal; Polícias Civis, Polícias Militares, Força Nacional
de Segurança Pública, Corpos de Bombeiros Militares, Agentes Penitenciários,
Guardas Municipais e demais integrantes estratégicos e operacionais do segmento
da Segurança Pública.

Política Nacional de Segurança Pública – PNSPDS

• Objetivos:
➢ Fomentar a integração em ações estratégicas e operacionais, em atividades de
inteligência de segurança pública e em gerenciamento de crises e incidentes;
➢ Estimular e apoiar a realização de ações de prevenção à violência e à criminalidade,
com prioridade para aquelas relacionadas à letalidade da população jovem negra,
das mulheres e de outros grupos vulneráveis;
➢ Apoiar as ações de manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas,
do patrimônio, do meio ambiente e de bens e direitos;
➢ Incentivar medidas para a modernização de equipamentos, da investigação e da
perícia e para a padronização de tecnologia dos órgãos e das instituições de
segurança pública, entre outros objetivos.
• A Política será estabelecida pela União e está prevista para valer por dez anos.
• Caberá aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecerem suas respectivas
políticas a partir das diretrizes do Plano Nacional.

• A segurança pública continua atribuição de estados e municípios. Cabe a União criar as


diretrizes que serão compartilhadas em todo o País.
• As unidades da Federação assinarão contratos de gestão com a União, que obrigará o
cumprimento das metas como a redução dos índices de homicídio e a melhoria na formação
de policiais.

Lei Complementar Estadual nº 656/2019

Institui:

• O Conselho Estadual de Segurança Pública e de Defesa Social do Rio Grande do Norte


(CONSESP/RN);
• Os Conselhos Comunitários de Defesa Social (CCDS).

Dispõe:

• Fundo Estadual da Segurança Pública e da Defesa Social (FUNSEP).

➢ CONSESP/RN - órgão de caráter consultivo, sugestivo e de acompanhamento social das atividades


de segurança pública e de defesa social.

Dentre as competências, podemos destacar:

• Propor a Política Estadual de Segurança Pública e de Defesa Social (PESPDS) e a Política Estadual
de Administração Penitenciária (PEAP), conjuntamente com a SESED SEAP e SEMJIDH;
• Estimular a modernização e o desenvolvimento institucional das forças estaduais de segurança
pública e de defesa social;

Composição: O CONSESP/RN é constituído por 31 (trinta e um) representantes de órgãos e entidades:


dentre eles:
• Representantes do Gabinete Civil do Governador do Estado (GAC); Secretaria de Estado da Segurança
Pública e da Defesa Social (SESED); da Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SEAP); da
Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH);
da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC); Defensoria Pública Estadual
(DPE); Polícia Civil do Rio Grande do Norte (PCRN); Polícia Militar do Rio Grande do Norte (PMRN); Corpo
de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte (CBMRN); Instituto Técnico-Científico de Perícia do Rio Grande
do Norte (ITEP/RN); Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Norte (FUNDASE);
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN); Polícia Federal no Rio Grande do Norte (PF); Polícia
Rodoviária Federal do Rio Grande do Norte (PRF) dentre outros.

O FUNSEP
Dentre as finalidades:
• O aperfeiçoamento e a modernização da gestão, a elaboração de diagnósticos e estudos, a formulação, a
implementação, o desenvolvimento, o acompanhamento e o monitoramento das políticas e estratégias, dos
programas e projetos, da construção e reforma de infraestrutura física, do reaparelhamento, da tecnologia da
informação e da comunicação, da formação do capital humano, dentre outras.
Os recursos:
• Poderão ser utilizados para a realização de programas de ensino e aprendizagem, especialização,
aperfeiçoamento e requalificação dos agentes de segurança pública.
OITAVO ENCONTRO

POLICIAMENTO ORIENTADO POR PROBLEMAS E ESTRATÉGIAS QUE


FAVOREM A PARTICIAÇÃO E MOBILIZAÇÕ DACOMUNIDADE

O termo gestão pode ser definido como um conjunto de tarefas que procuram
garantir a utilização eficaz de todos os recursos disponibilizados pela organização, a fim de
serem atingidos os objetivos pré-determinados. Cabe à gestão a otimização do
funcionamento das organizações através da tomada de decisões racionais e
fundamentadas na recolha e tratamento de dados e informações relevantes.
Neste passo, a gestão pública pode ser vista como a utilização das práticas de
gestão voltadas à administração e emprego dos recursos disponíveis no planejamento,
execução e avaliação das funcionalidades dos serviços públicos.
Como instituições públicas, as Polícias precisam ser geridas com técnicas que
consigam extrair a máxima efetividade de sua atuação, mesmo diante das adversidades
comumente enfrentadas, como a falta de recursos humanos e de novas tecnologias.
É importante para as Polícias encontrarem modelos que lhes permitam atuar com
eficiência e transparência, alcançando índices aceitáveis de produtividade e de resolução
de casos, levando criminosos à Justiça, sem se afastar de sua missão de proteção de
direitos fundamentais.
Neste estudo serão abordados de forma simplificada os modelos de gestão policial
que consideramos os mais adequados à atividade Policial, sem excluir outros que também
podem ter utilização pela organização.
O primeiro modelo de gestão policial a ser abordado é o chamado policiamento
para a resolução de problemas, também conhecido como policiamento orientado para o
problema (POP), que se trata de uma estratégia, cujo objetivo principal é melhorar o
policiamento profissional, acrescentando reflexão e prevenção criminal.
O policiamento orientado para o problema pressupõe que os crimes podem estar
sendo causados por problemas específicos e talvez contínuos na mesma localidade, de
modo que a polícia deve identificar e atacar a causa do crime.
Deste modelo surgiu o método IARA, que significa identificar, analisar, responder e
avaliar. Identifica-se o problema, analisa-se o ambiente criminal e seus atores, implementa-
se resposta adequada à eliminação ou diminuição do problema, e, por fim, são avaliados
os resultados, com base em estatísticas criminais e outros modos de aferição.
A importância do policiamento orientado para o problema está em não se contentar
tão somente com o esclarecimento de um ou alguns crimes, preocupando-se em eliminar
a causa, evitando a repetição criminal.
Contudo, deve-se observar que o modelo de policiamento orientado para o
problema tem aplicação em áreas de pouca extensão, como bairros, por exemplo, não
sendo adequado para áreas maiores. Além disso, a causa a ser atacada, muitas vezes,
depende de políticas públicas que não podem ser implementadas pela polícia, mas sim pelo
governo.
Outro modelo de gestão de policiamento que interessa ao estudo é o orientado pela
inteligência, cujo foco está nos criminosos de maior reincidência e responsáveis pelos
crimes mais graves, sendo de suma importância para seu sucesso o compartilhamento de
informações, a fim de que o trabalho de inteligência leve à identificação dos responsáveis
pelo incremento da criminalidade.
A inteligência deve interpretar adequadamente o ambiente, produzindo
conhecimento capaz de influenciar o decisor e levá-lo a tomar decisões que efetivamente
impactem a estatística criminal.
Além dos dois modelos já mencionados, também é relevante falar no modelo de
policiamento preditivo, termo que vem da tradução da expressão em inglês predictive
policing, e se refere a ações policiais preventivas com base na capacidade de prever
possíveis crimes, locais de ocorrência e, algumas vezes, até seus autores.
O policiamento preditivo funciona através da análise de dados, informações e
estatísticas, de modo a projetar a ação criminosa em um determinado local, permitindo,
muitas vezes, que o crime seja antecipado e até evitado. Trata-se de importante método de
prevenção ao crime.
Contudo, não se trata de uma técnica que preveja com certeza onde o crime irá
ocorrer ou quem irá praticá-lo, como se fosse uma bola de cristal, mas sim de análise de
riscos, apontando locais onde há maior probabilidade de um evento criminoso acontecer,
tudo com base em informações e dados processados.
Como se percebe, a inteligência e a análise criminal ganham destaque nos modelos
de policiamento elencados, especialmente a partir das possibilidades apresentadas pelas
novas tecnologias da informação.
Nesse aspecto, vale ressaltar o Compstats (acrônimo de estatísticas
computadorizadas, em inglês), que se caracteriza pelo emprego intensivo de estatísticas
criminais, através da análise de dados oriundos de diversas fontes como forma de implantar
uma estrutura de accountability e de solução de problemas estratégicos.
No compstats há largo emprego da tecnologia para identificação dos problemas
relacionados à criminalidade e suas soluções, ajudando na gestão de recursos e escolha
das estratégias adequadas.
No modelo de gestão compstats são importantes às reuniões para verificação dos
resultados obtidos, contudo, uma das críticas é que nas reuniões, muitas vezes, dá-se mais
importância ao desempenho na apresentação que aos resultados realmente alcançados.
Pois bem, precisa ficar claro que os modelos aqui apresentados não são
excludentes, ao contrário, complementam-se e representam uma verdadeira mudança de
paradigma das polícias, aumentando a eficiência e eficácia, como vem sendo demonstrado
onde foram adotados.
Portanto, para as Polícias, cada um dos modelos propostos pode contribuir para
uma gestão inteligente e eficiente, com emprego adequado dos recursos humanos e
tecnologias, tornado a investigação criminal proativa e até preventiva.
O policiamento orientado para o problema permite uma maior aproximação das
Polícias à população, além da identificação da causa de crimes em certas regiões,
possibilitando a eliminação do problema na raiz.
Por outro lado, com o policiamento orientado pela inteligência, as Polícias podem
focar em criminosos mais perigosos, especialmente quando de investigações envolvendo
organizações criminosas, associações criminosas e milícias.
Já o policiamento preditivo ajuda na prevenção de delitos, possibilitando que a
Polícia Militar deixe de atuar apenas de forma reativa e procure se antecipar à ocorrência
do crime, minimizando os custos da repressão e diminuindo a incidência criminal.
Mas para a efetividade dos modelos de gestão, é preciso a verificação de
resultados, por isso a importância também do compstats, a fim de que as estratégias
empregadas sejam avaliadas e para que se possam apresentar os resultados dos trabalhos
à população.
Portanto, a conclusão a que se chega é de que não há um só modelo de gestão
policial que pode ser aplicado às Polícias. Na verdade, para uma gestão eficiente e eficaz,
as Polícias devem lançar mão de um conjunto de modelos de policiamento, um
complementando o outro naquilo que lhe é peculiar.
Destarte, pelo que foi apresentado, entende-se que o Policiamento Orientado para
o Problema, o Policiamento Orientado pela Inteligência, o Policiamento Preditivo e o
Compstats, juntos, possibilitam uma maior efetividade na gestão das Polícias, sem prejuízo
da utilização de outros modelos que se adéquem e venham a contribuir para o bom
funcionamento das instituições policiais no Brasil.

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