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Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Ano 24 | Número 1197

Osesp Joias
Marcelo A força dos
Lopes está adornos das
‘À Mesa com escravizadas
o Valor’ brasileiras
6 11

Clima para mudanças


Construção Como a arquitetura está se moldando ao
aquecimento global. Por Daniel Salles, para o Valor, de São Paulo

NELSON KON/DIVULGAÇÃO
“É impossível imaginar, no Brasil,
um canteiro de obras sem uma caçam-
ba na frente”, diz o arquiteto para-
naense Guilherme Torres. “O país se
habituou a construir e a gerar, ao mes-
mo tempo, uma enorme quantidade
de entulho.” Refere-se, principalmen-
te, à adesão generalizada à alvenaria e
à tradição nacional de abrir talhos em
blocos e tijolos para permitir a passa-
gem de conduítes e tubulações.
“Os métodos construtivos mais dis-
seminados no país se traduzem em
taxas de desperdício que oscilam en-
tre 20% e 30%”, acrescenta Torres, cujo
escritório de arquitetura, fundado em
2001, está localizado no bairro pau-
listano de Pinheiros.
O setor, no país, ainda está longe
dos padrões mais avançados de sus-
tentabilidade. Mas exceções não fal-
tam. É o caso da Jatobá, uma casa de
583 m2 projetada por Torres. Situada
na Fazenda Boa Vista — o incensado
condomínio erguido pela JHSF em
Porto Feliz, a 100 km da capital pau-
lista —, ela foi construída com placas
de madeira entrelaçadas e prensadas
em alta temperatura.
Também chamado de CLT, na sigla
em inglês, o material forma a laje e
toda a estrutura, que foi montada em
duas semanas, com a ajuda de guin-
dastes. Não foi feita uma fundação es-
trutural, só uma base de concreto. “Só
isso diminuiu o tempo de obra em
três meses”, gaba-se o arquiteto. “E re-
duziu os custos em 30%.”
Entregue em 2021, a casa é parcial-
mente cercada por muros feitos de ter-
ra compactada. Torres recorreu à taipa
de pilão, técnica prosaica que está
caindo nas graças de arquitetos bada-
lados, para diminuir o impacto da
obra. Explica-se: o material utilizado é
fruto da terraplanagem. “Foi uma solu-
ção para evitar o transporte de terra
para outro local, o que implicaria o uso
de caminhão e a emissão de mais po-
luentes”, resume o autor do projeto.
Ele afirma que as chamadas cons-
truções a seco, as que quase não fazem
uso de cimento e argamassa, custam
praticamente o mesmo que as tradi-
cionais. “Já houve uma discrepância si-
milar à que existe, hoje em dia, entre
carros a combustão e os elétricos”,
compara. “Mas ela ficou no passado.”
Na Jatobá, ele se preocupou em fa-
vorecer ao máximo a iluminação na-
tural e a ventilação cruzada — pensan-
do, como é de imaginar, no aqueci-
mento global. A casa se resume a cinco
grandes blocos interligados por corre- WESLEY DIEGO EMES/DIVULGAÇÃO
dores praticamente sem paredes. Os retimento de icebergs na Antártida ou À dir., Douglas ck, a temperatura média na capital
dois conjuntos de salas, cada um, dis- em queimadas no Cerrado brasileiro Tolaine, sócio do carioca será de 24,53°C, quase 1°C a
põem só de duas paredes. No lugar das — também impactará, e como, o dia a escritório mais do que hoje em dia — não esta-
que não foram erguidas, ele instalou dia das grandes cidades. americano mos falando, convém lembrar, das
janelões do chão ao teto, de uma pon- Um relatório encomendado pela Perkins&Will, que máximas apocalípticas registradas
projetou o Bambu,
ta à outra, que só costumam ser fecha- Prefeitura de Londres divulgado em nos últimos tempos.
acima. O prédio
dos quando chove muito. janeiro alertou para o risco de a cidade reveste a fachada Segundo o C40, associação de quase
Placas que captam a energia solar estar sujeita a “ondas de calor mais in- com brise-soleils de 100 prefeituras globais unidas para
também foram incluídas no projeto e tensas e frequentes, chuvas mais in- bambu enfrentar a crise climática, 1,6 bilhão
os dois lagos que margeiam a residên- tensas, inundações repentinas e au- de pessoas que residem em cerca de
cia não têm fins meramente estéticos: mento do nível do mar”. mil cidades — ou 40% da população
fazem parte do sistema de reúso de Cidades portuárias urbanas correm mundial — vão enfrentar ondas de ca-
água. “Na arquitetura, soluções em o risco de ficar cada vez mais inunda- lor extremas e regulares em, no máxi-
prol da sustentabilidade sempre fo- das nas próximas décadas. É o que su- mo, 30 anos. Atualmente, calcula a
ram as mais lógicas”, argumenta Tor- gere o ranking da Nestpick, uma pla- mesma entidade, 200 milhões de ha-
res. “Mas elas ainda não são adotadas taforma de aluguel de apartamentos bitantes de mais de 350 cidades convi-
em grande escala no Brasil.” mobiliados, que calcula qual é a pro- vem com temperaturas máximas de
Para um terreno no município de babilidade de grandes metrópoles se- 35°C. Até 2050, cerca de 970 cidades
Camanducaia, em Minas Gerais, ele rem impactadas pelo aumento do ní- vão enfrentar a mesma coisa.
projetou um hotel formado por 60 vel do mar em 2050 e qual deverá ser a Além dos inevitáveis impactos na
“lodges” que remetem a casas nas ár- temperatura média de cada uma, en- saúde da população — mais de 1.300
vores. Também dispensam fundação tre outras projeções. O primeiro lugar pessoas morrem por ano por culpa
estrutural e estão sendo construídos pertence à capital da Tailândia, Bang- do calor extremo nos Estados Unidos
com madeira reflorestada, que con- kok, onde 5 milhões de habitantes, se- —, haverá reflexos econômicos. Um
trasta com as paredes de pedras e as te-
lhas metálicas. Com inauguração pre-
“O grande gundo a OCDE, poderão estar expos-
tos a inundações na década de 2070.
estudo da Organização Internacional
do Trabalho estima que a redução da
vista para este ano, o hotel será chama-
do de Montes Verdes Lodges. desafio é Em seguida, aparecem no ranking
as cidades de Ho Chi Minh (Vietnã),
produtividade provocada pelo calo-
rão deverá representar um prejuízo

convencer os
Com o aquecimento global cada vez Amsterdã (Holanda), Shenzhen (Chi- global de US$ 2 trilhões até 2030. As
mais evidente mundo afora, aumenta na), Melbourne (Austrália), Cardiff inundações e as secas provocadas pe-
a responsabilidade dos arquitetos em (Reino Unido), Seul (Coreia do Sul), lo aquecimento global, estima o C40,
apresentar soluções para melhorar
nosso convívio com as mudanças cli-
clientes” Boston (EUA), Nairobi (Quênia) e
Marrakech (Marrocos). A única cida-
poderão obrigar as principais cidades
do mundo a gastar US$ 194 bilhões

Douglas Tolaine
máticas. Como está ficando claro, o de brasileira da lista é o Rio de Janei- por ano em conjunto.
efeito estufa não resultará só em der- ro, em 83 o. Em 2050, estima a Nestpi- Para diminuir os problemas, a enti-
2 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

DIVULGAÇÃO PAULO BRENTA/DIVULGAÇÃO


dade preconiza o óbvio: ampliação de
áreas verdes e lagos, além de telhados
que ajudem a absorver o calor. Seul é
uma das cidades que soube correr
atrás do prejuízo. Depois das ondas de
calor que registrou nos anos 1990, a
capital lançou uma campanha com o
intuito de plantar 3 milhões de árvo-
res. No fim, plantou 16 milhões até
2002, quando o projeto foi encerrado.
Ele expandiu a área arborizada da ci-
dade em 3,5 milhões de m. Um aterro
sanitário deu lugar a um dos parques
criados pela iniciativa.
“Há muitos arquitetos interessados
em implantar soluções para mitigar o
aquecimento global e o impacto no
meio ambiente”, afirma Douglas Tolai-
Andréa Oliveira,
ne, sócio do escritório americano Per-
diretora de
kins&Will, que mantém uma unidade incorporação da
em São Paulo desde 2012. “O grande Marquise, que
desafio, porém, é convencer os clientes adotou pneus
da importância disso.” As recusas se descartados num
devem, geralmente, no caso de edifí- projeto no Ceará
cios e projetos mais populares, aos cus-
tos envolvidos — só no segmento de lu-
xo, ao que parece, não se nota tanta di-
ferença entre os valores das opções
ção, em conjunto com paredes de
drywall, de uma camada de ar ao re- “Queremos
ajudar a desen-
mais sustentáveis e as de sempre. dor de todo o prédio. “Ela ajuda a
Tolaine afirma, no entanto, que manter os apartamentos a salvo do ca-
empreendimentos menos nocivos ao lor de fora”, explica Longato, que pre-
meio ambiente costumam registrar
boas taxas de valorização. Cita um
tende adotar os tais painéis em em-
preendimentos futuros. volver mais tec-
dos projetos assinados pelo escritó-
rio, o Oscar Ibirapuera. Nos arredores
do parque mais conhecido de São
Às voltas com a construção de um
empreendimento residencial em Por-
to das Dunas, no Ceará, o Mandara by
nologias sus-
Paulo, ele foi revestido de brises-so-
leils de madeira, que amainam o sol e
YOO, a incorporadora Marquise se
aliou a uma startup de Minas Gerais
tentáveis”
ajudam a diminuir a dependência do
ar-condicionado. “Incluir soluções do
tipo equivale a transformar um peda-
para desenvolver um piso intertravado
mais sustentável. O complexo, cujas
entregas deverão começar em agosto
Andréa Oliveira
ço de tecido em uma peça de alta cos- de 2025, se espalha por um terreno de
tura”, compara o sócio do escritório. 115 mil m2. E terá mais de 26 mil m2 de
Os apartamentos foram comercializa- piso intertravado — envolve desde a
dos a cerca de R$ 35 mil o metro qua- pista de cooper até os passeios entre as fabricantes, prédios que optam por vi-
drado — R$ 15 mil a mais do que o edificações e as pistas dos carros. dros do tipo gastam até US$ 1 milhão a
previsto inicialmente. A solução desenvolvida: blocos que menos por ano com energia.
Com conclusão prevista para 2026, levam pneus descartados na receita. Fundada em 2019, a startup inglesa
o Biosquare também foi projetado pe- “No Mandara by YOO, vamos contri- Thermulon criou outro produto que
la Perkins&Will. Na rua dos Pinheiros, buir com a reciclagem de 2.300 tonela- ajuda a diminuir a dependência de
terá só um subsolo, algo raríssimo pa- das de pneus”, diz Andréa Oliveira, di- aquecedores e ar-condicionado. Tra-
ra um espigão de 19 andares. Em vez retora de incorporação da Marquise. ta-se de um aerogel altamente isolan-
de escavar o solo profundamente para GUSTAVO PRADO/DIVULGACAO
“Queremos adotar o mesmo tipo de pi- te e resistente ao fogo. Vendido em pó,
construir as garagens, como é de pra- so nos empreendimentos que vierem o material pode ser adicionado na re-
xe em empreendimentos do tipo, o es- pela frente e ajudar a desenvolver mais ceita de rebocos e painéis, tornando as
critório decidiu concentrá-las acima tecnologias sustentáveis.” O complexo construções mais seguras e mais efi-
do térreo. Os andares destinados aos é uma parceria da Marquise com a Cy- cientes do ponto de vista térmico.
carros, no entanto, terão o mesmo rela e o YOO Studio, do arquiteto e de- O intuito da Prometheus Materials
pé-direito que os demais, o que tam- signer francês Philippe Starck. é diminuir a dependência global de
bém não é comum — para economi- E há novidades bem mais disrupti- cimento. A produção dele, que envol-
zar, as incorporadoras costumam pre- vas no mercado. Fundada em Hong ve a queima do calcário com a argila,
ferir garagens mais baixas. Kong em 2021, a startup i2Cool desen- responde por quase 8% das emissões
O Biosquare só terá pavimentos da volveu um revestimento com nano- globais de CO2. É um percentual que
mesma altura — e só um deles abaixo partículas para paredes externas que só tende a aumentar: até 2060, a
da terra — para diminuir o impacto da reflete 95% da radiação solar — e reduz quantidade de construções sobre a
obra e para que as garagens possam ser consideravelmente a necessidade de Terra deverá dobrar. Registre-se que
transformadas, no futuro, em escritó- refrigeração e ventilação interna. Ca- 39% das emissões de carbono são atri-
rios, caso haja interesse. “É de supor da metro quadrado aplicado, segundo buídas à construção e ao dia a dia dos
que a demanda por automóveis caia a companhia, diminui o consumo de prédios, segundo o World Green Buil-
bastante daqui 30 ou 40 anos, o que já eletricidade em até 430 quilowatt-ho- ding Council.
estamos prevendo”, explica Tolaine. ra e reduz as emissões de carbono em Fundada em 2021, a Prometheus
Na altura das garagens suspensas, a 250 quilos por ano. A novidade já foi Materials confecciona blocos e painéis
fachada será coberta por elementos aplicada em mais de 53 mil m2 de pa- de concreto com a ajuda de cianobac-
amadeirados e jardins. E haverá can- redes e ajudou a poupar 1 milhão de térias mineralizantes, também cha-
teiros pendentes contornando quatro kWh e a evitar a emissão de quase 900 madas de algas azuis. Esses microrga-
dos andares corporativos. Trata-se de mil quilos de carbono. nismos, não tóxicos, são cultivados
um prédio espelhado, mas os caixi- Christiani Longato, Já os chamados vidros inteligentes com luz solar, água do mar e CO2. Dão
lhos das janelas não serão travados — do PSA, que dispõem de nanopartículas controla- origem a uma substância capaz de
um aceno para as raras empresas que projetou o das eletricamente. Para ajudar a redu- unir areia com cascalho ou pedra —
optarem pela ventilação natural. Lindenberg Praça zir o uso de lâmpadas e ar-condiciona- com a vantagem de retirar CO2 da at-
Itaim, acima,
Para um edifício residencial em Uba- do, eles mudam de cor em instantes mosfera, em vez de adicionar mais.
usando painéis
tuba, na rua da praia, o Perkins&Will pré-fabricados que
para barrar a entrada de luz em exces- Uma das companhias que investiu na
propôs outro tipo de ousadia: revestir a imitam tijolinhos so e de raios infravermelhos. Segundo startup, cuja sede fica no Colorado,
fachada com brise-soleils de bambu, aparentes a americana Nodis, uma das maiores nos Estados Unidos, é a Microsoft. ■
também utilizado para adornar o muro
e as portas dos “shafts”, ou dutos, entre DIVULGAÇÃO
outros elementos. “É um material da na-
tureza, de baixo custo e que nunca deixa
de capturar carbono”, festeja Tolaine.
“Achamos que a incorporadora que nos
contratou poderia ‘gongar’ a ideia, mas
ela foi bem aceita.” Batizado de Bambu,
o prédio foi lançado em 2018 custando
R$ 13 mil o metro quadrado — cerca de
R$ 5 mil a mais do que os empreendi-
mentos mais caros na região.
DIVULGAÇÃO
O surgimento de novos materiais
construtivos tem ajudado os arquite-
tos a criar projetos mais aclimatados
aos tempos atuais. Conhecida por pro-
jetar edifícios de luxo com fachadas
de tijolinhos aparentes — cuja instala-
ção demanda uma enormidade de
tempo e trabalho —, a PSA Arquitetura
acaba de aderir a uma solução com
mais de uma vantagem. Falamos dos
painéis pré-fabricados da Stamp, uma
companhia de Barueri, na Grande São
Paulo. Com cerca de 6,6 metros de al-
tura, eles imitam diversos materiais,
inclusive os famosos tijolinhos.
O PSA optou pela réplica dos tijoli-
nhos para compor boa parte da fachada
do Lindenberg Praça Itaim. Trata-se de
um empreendimento residencial no
bairro de mesmo nome com duas torres
de 31 andares — a entrega está prevista
para o segundo semestre. “Optamos por
esses painéis porque a qualidade é altís-
sima”, afirma Christiani Longato, uma
das sócias do escritório paulistano. Para O arquiteto
montar as bases das varandas, optou-se Guilherme Torres e a
casa Jatobá, em
também por painéis pré-fabricados —
Porto Feliz, que ele
estes imitam granilite. projetou e foi
Com a solução adotada, as obras fo- construída com
ram encurtadas em quatro meses. Os material que reduziu
painéis, que também ajudam a dimi- o tempo da obra em
nuir o desperdício, permitiram a cria- vários meses
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 3

ENERGIA • Esse é o nosso esporte CONTEÚDO PATROCINADO POR

COMPETITIVIDADEDO Maratona aquática: esporte

MARABERTOAOESCRITÓRIO
altamente competitivo, que
testa resiliência, treinamento e
imprevisibilidade do mar, pode
ser comparado à disputa pela

© GETTY IMAGES
liderança no mundo corporativo

No caso da natação no
Ex-atletas de maratona aquática — e hoje mar, estar condicio-
nado a lidar com a dor
executivos — traçam paralelo entre as rotinas e menos momentos de
satisfação imediata.
do esporte e do mundo corporativo Isso no mundo corpo-
rativo também é funda-

A
mental: saber que o
maratona resultado de quase
aquática é Para a ex-atleta Poliana Okimoto, todo tipo de projeto ou
bronze no Rio, em 2016, executivos
um esporte podem aprender com atletas a negociação não vai ser
que exige valorizar pequenos progressos de uma hora para outra.
explosão e resistência Também podemos asso-
ao mesmo tempo. O ciar o contato dentro
atleta também fica d’água com o fato de
refém das condições lidar com pessoas que
e da temperatura da têm o mesmo objetivo
água, do vento, sem que você no mercado.
falar na largada, que Nesse caso, a estraté-
é em massa, com os gia faz a diferença: nem
nadadores muitas vezes sempre a linha mais
se debatendo debaixo reta será a melhor solu-
d’água para encosta- ção”, ensina Pedro.
rem primeiro a mão no
pórtico de chegada. EXPERIÊNCIA
© DIVULGAÇÃO

A que essas circuns- MEDITATIVA


tâncias remetem, O empresário Joaquim
pensando no mundo Ribeiro foi nadador
dos negócios? A meda- no mercado, mas o que entre os concorrentes. negócio. Como nada- profissional durante
lhista de bronze no realmente faz com que Após aproximadamente dor, competiu durante oito anos, competindo
Rio, em 2016, Poliana você se torne o melhor duas horas de disputa, 20 anos na seleção pelo Minas Tênis
Okimoto percebe logo a são os detalhes, o trei- há uma emocionante brasileira, e hoje é Clube. Hoje, ele nada
semelhança: namento, a persistência finalização em sprint CEO da Effect Sport, no mar e já participou
“O mundo da mara- e muita perseverança. nos três quilôme- agência idealizadora de cinco edições do
tona aquática é alta- Se tem uma coisa que tros finais. E como do Rei e Rainha do Rei e Rainha do Mar.
mente competitivo, e o atleta entende desde sair vencedor diante Mar, uma das maiores Para ele, o esporte em
os detalhes fazem a muito cedo, é não desis- de tanta disputa e provas de maratona águas abertas não só
diferença, assim como tir, dar valor aos peque- adversidades quando aquática do mundo. traz insights para o
no mundo corporativo. nos passos alcançados associamos essas “Primeiramente, tem universo dos negócios
Em todos os segmentos e fazer das dificulda- circunstâncias à busca que estar preparado como é uma prática
existe alta competiti- des a alavanca para de sucesso em um para a imprevisibilidade revigorante:
vidade, profissionais seu progresso”, afirma empreendimento? e fazer os ajustes neces- “Acertar a direção é
dando o seu melhor Poliana. Pedro Rego Monteiro sários com agilidade, mais importante do que
para que as empresas A maratona aquática saiu das águas levando mantendo a calma. acertar a velocidade
se tornem estreou em Pequim, todo esse aprendizado Um outro diferencial na maratona aquá-
referência em 2008, e o Brasil e fez do esporte seu é treinar a resiliência. tica. É essencial saber
tem duas meda- nadar na direção certa
lhas, o ouro de Ana levando em considera-
“Assim como Marcela Cunha, em ção todas as variáveis,
no mundo Tóquio, em 2020, e para depois acelerar
corporativo, o bronze de Poliana no o nado. Assim como
© DIVULGAÇÃO

acelerar na direção Rio. Os atletas nadam no mundo corporativo,


errada (na maratona um percurso de 10km acelerar na direção
aquática) pode ser em águas abertas, um errada pode ser fatal.
fatal. Mas, além da teste tanto de força Mas, além da estra-
estratégia, nadar mental e capacidade tégia, nadar no mar
no mar é um ótimo tática quanto de resis- é um ótimo exercício
exercício físico e uma tência. O ambiente físico e uma excelente
excelente prática aberto significa que prática meditativa
meditativa para um os nadadores devem Pedro Rego para um empreende-
empreendedor” se ajustar às mudan- Monteiro dor”, relata Joaquim,
JOAQUIM RIBEIRO, ças das correntes, ao
foi nadador
durante 20 anos diretor-presidente do
Diretor-Presidente do mesmo tempo que têm e hoje é CEO da Grupo Technos, a maior
© DIVULGAÇÃO

Grupo Technos que lidar regularmente Effect Sport


empresa de relógios da
com o contato físico América Latina.

A ENERGIA DA NATUREZA TRANSFORMA O SER HUMANO ATRAVÉS DO ESPORTE. E O MUNDO, COM A ENGIE.
PRODUZIDO POR GLAB.GLOBO.COM
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4 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

A Sagrada
JOANA FRANCA/DIVULGACAO

Família
do Planalto
Igreja Templo inacabado em Brasília já
recebeu vários prêmios de arquitetura.
Por Vivian Oswald, para o Valor,
de Brasília

Como a Sagrada Família, de Barcelona, quentadores da igreja que precisavam uma espécie de boas-vindas a quem che- Paróquia Sagrada no teto, que se mantêm protegidas da
a de Brasília, dos arquitetos Eder Alencar, dar notas aos quesitos determinados ga, com uma construção apropriada. [...] Família tem atraído chuva pela própria estrutura. A prote-
André Velloso e Luciana Saboia, está ina- pela comunidade. O desenho ousado e A beleza da construção e a fé podem an- até alunos de ção acústica — um forro circular como
cabada. Menos monumental, certamen- minimalista daria o que falar, mas esta- dar juntas e atrair pessoas. Isso está arquitetura a o edifício — foi comparada a uma
te, mas também inspirada e inspiradora, va em linha com a cara da Brasília de Os- acontecendo”, diz o padre Américo. Brasília grande hóstia. Só há um ponto bem
a construção já está na lista dos marcos car Niemeyer e Lúcio Costa. Foi também A igreja ainda não foi consagrada. no centro da igreja com eco. Tudo foi
arquitetônicos da capital federal, onde o preferido do padre. Por isso, as missas ainda são realizadas discutido e pensado. E, para isso, os ar-
não faltam marcos arquitetônicos. “Muito da aceitação veio da relação no prédio antigo, uma construção quitetos, que não são particularmente
O projeto recebeu quatro prêmios, do público com Brasília”, disseram acanhada e desinteressante. Mas nada religiosos, tiveram de estudar a litur-
dos quais dois internacionais. Também Alencar e Velloso ao Valor. impede que se realizem casamentos gia para saber traduzi-la no projeto.
foi indicado ao Mies Crown Hall Ameri- Para obra de igreja, até que está an- no premiado edifício do escritório No subsolo, um longo e curvo corre-
cas Prize, concedido à melhor obra ar- dando relativamente depressa. Em Bar- ARQBR. A primeira missa oficial acon- dor percorre a circunferência da igreja.
quitetônica das Américas, e ao Mies celona, a obra homônima de Gaudí está tecerá quando estiver totalmente con- Liga o altar à porta principal. O padre faz
Crown Hall Americas Prize for Emer- em construção há mais de 140 anos. De cluído e com as devidas bençãos, que questão de chegar por ela. Outro corre-
ging Practice, concedido a obra destaca- proporções bem mais modestas, a Paró- farão dele, afinal, uma igreja. dor — este, reto — liga a igreja circular a
da de um escritório emergente na re- quia Sagrada Família em Brasília levou Há quem venha de longe para co- seu anexo. No caminho, também em
gião — considerada a premiação mais 11 meses para sair do papel. Falta ainda nhecer a Sagrada Família de Brasília. concreto aparente, há uma pequena ca-
tradicional das Américas. Ambos são o crucifixo do altar, que será menos mi- De fiéis a alunos de arquitetura e espe- pela subterrânea onde se veem escani-
oferecidos a cada dois anos pela Facul- nimalista, e outros detalhes. cialistas. Gente de outros estados, se- nhos com portas de madeira e respecti-
dade de Arquitetura do Instituto de Tec- A torre de 12 metros em concreto do gundo os arquitetos. O projeto, de vas chaves. É para lá que irão as cinzas de
nologia de Illinois. Os finalistas serão campanário em frente à igreja ainda acordo com Alencar e Velloso, que es- membros da comunidade no futuro.
anunciados no mês que vem. aguarda o sino que dobrará pelos 400 tudaram juntos na Universidade de Para o padre Américo, muitas igre-
A construção brasiliense, que custou fiéis esperados para encher os bancos Brasília antes de se tornarem sócios, é jas de Brasília não têm prédios convi-
cerca de R$ 14 milhões até agora, foi pa- de madeira, também idealizados pelo unir a percepção da horizontalidade e dativos, embora a capital federal tam-
trocinada por doações dos fiéis, dízimo trio de arquitetos. o imponente céu da capital, festejado bém ofereça edifícios modernistas da
e festas da paróquia. Fica no Setor de O anexo, onde estão a sala da cateque- como uma das maiores belezas da ci- época da sua fundação. Entre eles a Ca-
Mansões Park Way, bairro nobre da ca- se, administração e banheiros, espera dade, à natureza e à espiritualidade. tedral Metropolitana Nossa Senhora
pital, logo na entrada da cidade para acabamento. O mesmo vale para a casa O formato em círculo tem por obje- de Aparecida (1958), Igreja Nossa Se-
quem vem do sul, mas fora do Plano Pi- do padre Américo, cuja fachada faz lem- tivo manter o sentido de comunidade. nhora de Fátima (1958) e Santuário
loto, a área planejada por Lúcio Costa. brar o desenho do arquiteto germa- A faixa de vidros que se abrem ao lon- São João Bosco (1970).
Quando foi sondado pela Igreja Cató- no-americano Ludwig Mies van der go de todo o seu diâmetro tem as fun- Em resposta a críticas que poderia re-
lica com o inusitado pedido de projeto Rohe (1886-1969), um dos pioneiros da ções conceituais de preservar a paisa- ceber de a igreja investir tanto em um
para a nova face da Paróquia Sagrada Fa- arquitetura modernista. Aliás, os prê- gem, garantir a relação entre o ser e a novo prédio, o religioso afirma que “ca-
mília em 2012, o arquiteto Eder Alencar mios ao quais o projeto concorre neste natureza e permitir a ventilação cru- da coisa tem o seu devido lugar”. “A nos-
não sabia que se tratava de uma espécie momento são homenagem ao acadêmi- zada. “É também a transformação do sa igreja continua prestando assistência.
de concurso, que acabaria vencendo. co, que nasceu em Aachen, na Alema- espaço com a luz”, diz Velloso. Um projeto como este ajuda a abrir os
Capitaneada pelo sacerdote, a comis- nha, e morreu em Illinois, nos EUA. Não há ar-condicionado. O ar quen- olhos das pessoas, a levá-las a conhecer
são de jurados incluía doadores e fre- “Aqui é a entrada de Brasília. Seria te ainda sai do edifício por aberturas as ações que a igreja tem.” ■

Coluna Social

O
CARVALL

Estudo recente, da Universidade Fe- nas gerações mais jovens, em começo


deral de Minas Gerais, mostrou que há de vida adulta, mesmo na família.
no país quase 24 mil idosos vivendo Mas não só nem principalmente isso.

banimento nas ruas, quase 10% de todas as pessoas


que estão nessa condição. O número
delas, entre nós, aumentou sete vezes
O sistema econômico, cada vez mais,
tem transformado o trabalhador em
matéria-prima da produção ao privá-lo

dos idosos nos últimos dez anos. Estamos, portan-


to, em face de uma tendência na demo-
grafia etária dos brasileiros.
dos meios de sua própria reprodução
social, ao consumi-lo. E nele negar o
meio de realização do capital. É um
É compreensível que seja difícil equívoco político supor que, na teoria
explicar essa anomalia social. Em das classes sociais, o trabalhador se ex-
parte porque a busca das causas pro- plica apenas pela produção e não, tam-
váveis tende a ser a das mais simples, bém, pelo consumo de bens e serviços,
mais óbvias ainda que menos prová- condição da reprodução do capital.
veis, não as invisíveis. É significativo que em São Paulo, o
Chama atenção que diferentes es- estado mais rico, estejam 40% dos
tudos sobre moradores de rua ten- idosos moradores de rua do Brasil.
dam a identificar como causa de sua Entre as anomalias e contradições do
situação de abandono os chamados sistema econômico brasileiro está a
defeitos de caráter, como alcoolismo do banimento de seres humanos pa-
e droga. Ou seja, nessa perspectiva, a ra os espaços de deterioração social,
culpa é da vítima. como os define Lewis Mumford.
José de Souza Martins O que, na verdade, nada explica. É O idoso de rua é o ser humano que
É significativo que em São muito mais fácil culpar o frágil pelos chegou ao limite da procura de rein-
problemas sociais que protagoniza tegração no mercado de trabalho.
Paulo, o estado mais rico, do que buscar causas, e não culpas, Da crescente dificuldade para conse-
na própria estrutura social e em suas guir emprego, o tempo cada vez
estejam 40% dos idosos disfunções, num país em que as irra- maior de desemprego entre um em-
cionalidades da economia se expres- comunitária e afetiva. diados e abalados pelo primado de prego e outro define o ritmo da des-
moradores de rua do sam como anomia social. Pessoas repelidas e reprimidas pela relações de interesse. socialização do idoso no grupo fami-
As sociedades são relacionais, tra- sociabilidade individualista dos A afetividade familista permanece liar e na sociabilidade do trabalho,
Brasil mas de causas recíprocas, tanto no que agrupamentos formais, societários, na estrutura familiar, especialmente os vínculos sociais cotidianos muti-
dá certo quanto no que dá errado, tan- os do indivíduo e não os da pessoa. dos mais velhos em relação aos mais lados pelo desemprego.
to em relação ao rico quanto em rela- Os do sujeito da cultura da produção novos. E só residualmente presente, Sobram-lhe a necessidade de resso-
ção ao pobre. No caso de São Paulo, na lucrativa e não os da cultura do afeto. porque no sentido oposto e negativo, cialização para um modo de vida, um
chamada cracolândia, a incidência da As dificuldades do morador de rua antissocial, dos mais novos em relação cotidiano marginal e não integrativo,
marginalização decorrente do uso de para permanecer na sociabilidade da aos mais velhos. Avós tendem a ser na referência social dos grupos de rua a
drogas sugere o protagonismo da clas- família parecem provir do fato de muito mais generosos no acolhimento do viver de restos, ele próprio reduzido
se média. Observei isso na cracolândia que a família em boa parte se tornou e proteção a netos e filhos do que os a resto da condição humana.
da rua Helvétia, há alguns anos. complemento e instrumento do sis- mais novos em relação aos mais velhos.
Caso em que se pode levantar a hi- tema produtivo e lucrativo, isto é, da Isso tem muito a ver com as cada José de Souza Martins é sociólogo. Pro-
pótese legítima de que o viciado des- racionalidade econômica e não mais vez mais limitadas condições de vida fessor Emérito da Faculdade de Filosofia
ses ajuntamentos é alguém que bus- exclusivamente da afetividade social. das famílias. Com o chamado arro- da USP. Professor da Cátedra Simón Bo-
ca a sociabilidade coletiva da rua Sociologicamente, efeitos social- cho salarial dos anos iniciais da dita- livar, da Universidade de Cambridge, e
porque é ela não excludente. mente desorganizadores da vida em dura militar, o salário de duas pes- fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesqui-
Ela se dá fora dos mecanismos de família, em muitos casos, não con- soas em cada família tornou-se ne- sador Emérito do CNPq. Membro da
controle social dos diferentes grupos tam com a reação afetiva, compensa- cessário para cobrir o que antes um Academia Paulista de Letras. É autor de,
sociais de pertencimento e de refe- tória e reintegradora do grupo fami- único salário cobria. Aqui, isso tor- entre outros livros, “Capitalismo e escra-
rência. Como a família e a vizinhança liar. Em boa parte porque os laços de nou-se estrutural. Essa dificuldade vidão na sociedade pós-escravista” (Edi-
e outros grupos de orientação social família estão significativamente me- desenvolveu um egoísmo peculiar tora Unesp, São Paulo, 2023). ■
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 5

Res Publica

O dilema O ano de 2024 será decisivo para


definir o lugar e a importância futu-
ra da liderança pessoal de Bolsonaro.
ma direita e silenciosamente deseja se
livrar do bolsonarismo, sonha em
construir um conservadorismo menos
rança maior, independentemente
dos resultados das eleições de 2018 e
2020, foi a opção dos políticos petis-
disputas estaduais e nacional —, só
que isso não deveria ser preocupan-
te, pois os herdeiros da política bol-

eleitoral de É claro que o conservadorismo tem


um grande número de adeptos no
Brasil atual. Também é evidente que
estridente e livre dos escândalos.
Também é importante ressaltar
que as eleições municipais não dirão
tas. Isto custou, primeiro, a perda de
cadeiras no Congresso Nacional e,
depois, uma grande derrota nas elei-
sonarista nunca esquecerão de
quem tirou do armário o eleitorado
conservador e o fez crescer.

Bolsonaro o bolsonarismo é um movimento


político-social que domina parte re-
levante do eleitorado. Mas o ex-pre-
respeito apenas à disputa entre o go-
verno e a oposição no plano federal.
Há dinâmicas locais que colocam vá-
ções municipais. Mas a defesa de Lula
não só manteve o eleitorado cativo
mais unido como permitiu construir
Tal hipótese não é absurda, nem
impossível de ocorrer. O problema é
que geralmente quem quer suceder
sidente, sua família e os líderes mais rios partidos que apoiam o presiden- uma narrativa que possibilitou o res- a uma grande liderança de seu pró-
próximos dele vão ser muito expos- te Lula em lados opostos na disputa surgimento do lulismo em 2022. A li- prio grupo, sobretudo quando esta
tos negativamente ao longo dos pró- eleitoral. Nas cidades menores e mes- ção desse episódio é puramente ma- ficou desgastada ou se tornou tóxica
ximos meses, com investigações, in- mo médias, questões vinculadas à quiavélica: que quem quer ser hege- no curto prazo, procura afastar-se
diciamentos e até possivelmente pri- avaliação do prefeito, ao poder de in- mônico por vezes pode optar por gradativamente do “pai fundador”
sões. Daí nascerá um dilema em fluência do governador e à obtenção perder no curto prazo para salvar o do movimento.
meio às eleições municipais: priori- de recursos federais podem ser mais chefe maior e seu projeto de poder. Não se pode esquecer que há obje-
zar a defesa da principal liderança decisivas do que a polarização. Se Bolsonaro deseja ser o grande lí- tivos conflitantes entre três tipos de
bolsonarista ou tentar ser competiti- O jogo entre lulismo versus bolso- der da direita nos próximos anos, liderança que hoje comandam a di-
vo, com candidaturas mais modera- narismo vai ser mais decisivo princi- sendo o condutor e não o conduzido, reita no Brasil. Waldemar Costa Neto
das, para enfraquecer o lulismo? palmente nos maiores municípios, ele precisará de muitos candidatos quer eleger mais gente, ter mais fun-
Em contextos democráticos, a com maior ênfase em algumas capi- nas eleições municipais que o defen- do partidário e eleitoral, em suma,
combinação de eleições com proces- tais. Entretanto, mesmo nesses casos, dam frente à tempestade perfeita ter recursos para barganhar poder.
sos judiciais sempre é problemática questões locais e o eleitor para além que enfrentará no plano judicial em Ideologia não é o seu forte, nem leal-
para partidos e lideranças políticas. da polarização terão um peso estra- 2024. Há boas chances de fatos ainda dade com quem vai parar na cadeia.
Fernando Luiz Abrucio No passado, o malufismo e o petismo tégico na definição do resultado. mais explosivos serem revelados, tor- Governadores de uma direita mais
Sempre haverá um passaram por maus bocados quando O caminho originalmente combi- nando o que surgiu até agora apenas moderada devem, em boa medida,
tal conjunção astral ocorreu. Sempre nado entre Bolsonaro e Waldemar um aperitivo. Os indiciamentos po- seu poder recente ao apoio que rece-
eleitorado fiel que não haverá um eleitorado fiel que não Costa Neto era o de lançar nas maio- derão acontecer mais rápido que se beram do bolsonarismo. Apesar dis-
acreditará nas investigações e acusa- res cidades dois tipos de candidatos. imaginava no ano passado e a prisão so, não querem ficar presos eterna-
acreditará nas ções, contudo, a hegemonia política Em alguns casos, seriam bolsonaris- de um dos filhos ou do próprio Bol- mente a um movimento de extrema
exige apoio para além dos devotos de tas raiz, como Alexandre Ramagem sonaro, bem como de alguém do en- direita que joga os eleitores de centro
investigações e um grupo. O lulismo é maior do que no Rio de Janeiro. Noutros casos, a tourage mais próximo de radicais, no colo do lulismo. O governador
o PT porque foi além de seu público opção seria por um perfil mais mode- aparecerá com destaque nas princi- paulista, o mais poderoso desse gru-
acusações, contudo, a cativo; Bolsonaro ganhou a eleição rado e que ultrapasse as fronteiras do pais campanhas municipais. Quem po, sonha em estar mais do lado de
de 2018 pois teve votos além dos ra- bolsonarismo, como Ricardo Nunes arriscará perder a disputa a prefeito Kassab do que do seu antigo chefe.
hegemonia política exige dicais de extrema direita. em São Paulo. A aceleração dos múl- para defender o ex-presidente, eis a Sobra então Bolsonaro, responsá-
A polarização política cresceu na tiplos processos de investigação vin- pergunta que deveria ser feita por to- vel por impulsionar o crescimento
apoio para além dos política brasileira, tomando conta da culados ao grande líder eleitoral do da a família Bolsonaro. vertiginoso de eleitores conservado-
maior parte do eleitorado. Só que há grupo e a seus mais fiéis aliados — in- Uma resposta alternativa a essa si- res e anti-Lula. Pode-se não gostar
devotos de um grupo ainda uma parcela que não se filia cluindo aí os filhos — pode embara- tuação seria a de que direitistas mo- dele, mas ele é um líder popular com
automaticamente ao lulismo ou ao lhar o plano inicial. derados não só têm mais chances de dimensão nacional inconteste. Só
bolsonarismo. Não é o maior contin- No fundo, o que está em jogo é se conquistar a maioria dos votos como, que escândalos político-administra-
gente de eleitores, mas tem o número Bolsonaro, mesmo na berlinda, vai a partir da conquista do poder, pode- tivos sucedidos por processos judi-
suficiente para decidir o jogo quan- conseguir manter seu peso político riam futuramente salvar o núcleo du- ciais com grande apelo junto à opi-
do ele está quase empatado. Isso é dentro das forças mais à direita ou ro do bolsonarismo das questões ju- nião pública vão afetar boa parcela
ainda mais verdadeiro no plano mu- então se outros líderes direitistas vão diciais. É uma crença similar à que te- do poder do ex-presidente, princi-
nicipal, onde a necessidade de ter de conseguir, paulatinamente, se dis- ve Sergio Moro quando aceitou parti- palmente, ressalte-se mais uma vez,
escolher “um dos lados” pode levar tanciar da figura da liderança que os cipar do governo Bolsonaro. Com se ele não tiver um grupo de políti-
em conta tanto questões locais — a ergueu nos últimos anos, buscando essa decisão, acreditava ele, seria con- cos e candidatos que o defendam
avaliação do prefeito, por exemplo — construir um conservadorismo com solidada a derrota do lulismo, seu agora, no pleito municipal, e nos
quanto elementos conjunturais, co- apelo mais amplo. maior adversário, e de quebra Moro próximos dois anos.
mo a exposição de escândalos e situa- Claro que as eleições municipais seria posteriormente indicado para o A pergunta que não que calar é a
ções negativas que só os muitos de- não irão definir por completo tal jo- STF ou então se tornaria a liderança seguinte: Bolsonaro está preparado
votos não levam em consideração. go. Não obstante, uma possível pri- natural para conduzir a direita quan- e, sobretudo, disposto a perder um
O mais provável é que a longa expo- são de Bolsonaro e/ou de um mem- do o eleitor conservador percebesse o poder quase monopolístico para
sição de muitos possíveis crimes — bro de sua família, junto com outros quanto o presidente então eleito era tentar bater o lulismo, ou ainda ele
apropriação indébita de joias, ara- bolsonaristas raiz, terá um efeito tosco. Parece-me que esse raciocínio vai querer ser o dono da bola e privi-
pongagem, tentativa de golpe de Es- muito forte sobre o eleitorado de foi o começo do fim do lava-jatismo. legiar a defesa de sua biografia em
tado ou incompetência premeditada centro. Tal situação talvez até come- A mesma coisa pode acontecer vez de apoiar o plano “curtoprazista”
no combate à pandemia de covid-19 ce a mudar a posição de conservado- com Bolsonaro e família caso acredi- de Waldemar? Esse é o dilema que
— vai atingir a imagem de Bolsonaro e res que não gostariam de apoiar um tem que irão sofrer agora, apanhar Bolsonaro precisará resolver nos
seus aliados políticos mais radicais “malvado favorito” que esteja atrás por meses e talvez perder a liberda- próximos meses.
junto à parcela decisiva do eleitorado. das grades. de, mas depois voltarão novamente
Os mais fiéis não vão mudar de lugar. A situação dilemática de Bolsonaro ao pináculo do poder graças ao su- Fernando Abrucio, doutor em ciência
Todavia, esse contingente é clara- fica mais evidente quando se recorda cesso eleitoral de uma direita mode- política pela USP e professor da Funda-
mente insuficiente para ganhar elei- o que aconteceu com o petismo em rada. Ou seja, o núcleo duro do bol- ção Getulio Vargas, escreve neste espaço
ções nas principais capitais do país. meio à Lava-Jato e ao impeachment sonarismo será pouco ou quase nada quinzenalmente
Uma parcela da direita que não quer da presidente Dilma. Naquele mo- defendido nas eleições municipais —
estar atrelada ao radicalismo de extre- mento, defender o partido e sua lide- e talvez também mais adiante nas E-mail: fabrucio@gmail.com ■

NELSON PROVAZI
6 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Maestro
dos
bastidores
À Mesa com o Valor
Marcelo Lopes
Trompetista que deixou o
palco para se tornar gestor da
Osesp fala sobre as
transformações que fizeram a
orquestra, que celebra 70
anos, se destacar entre as
instituições culturais do país.
Por Hilton Hida, de São Paulo

O diretor executivo da Fundação país, além de ter recebido elogios de di- Como a bilheteria tende a ter maior levou a ter mais contato com a adminis-
Foto: Gabriel Reis/Valor

Osesp, Marcelo Lopes, ainda hoje se re- versos críticos internacionais por seus ál- importância neste modelo, os ingres- tração e com o diretor artístico da or-
corda de uma conversa que teve há vários buns ou turnês. Economicamente, vem sos costumam ser mais caros nos EUA. questra na época, o maestro Eleazar de
anos, pouco depois de assumir o cargo, ano a ano reduzindo a dependência das A Osesp adota um híbrido. A funda- Carvalho (1912-1996).
com Pedro Moreira Salles. O copresiden- verbas do governo, o que a deixa menos ção, instituição sem fins lucrativos que Eram tempos em que a Osesp precisa-
te do conselho do Itaú Unibanco havia li- vulnerável às vicissitudes das finanças se qualificou como organização social va com frequência improvisar para fazer
gado para saber detalhes das tratativas públicas ou aos humores de quem ocupa de cultura, opera como uma entidade seus concertos. Lopes lembra como
para concessão do estacionamento da o Palácio dos Bandeirantes. privada, mas com a qual o governo fir- Eleazar costumava cobrir uma grande
Sala São Paulo. Era uma “coisa comezi- Bons motivos para a orquestra co- ma um contrato de gestão e para a qual mesa em sua casa com um minucioso
nha de gestão”, e justamente por isso Lo- memorar ainda mais seus 70 anos de continua contribuindo. Ela tem 337 planejamento de solistas, regentes, pe-
pes se pegou pensando que, se tivesse de existência, que completa nesta tem- funcionários, além dos 104 músicos fi- ças e cachês para cada apresentação ao
remunerar Moreira Salles pelo tempo porada, programada para começar xos (cujos salários ficam na faixa de R$ longo de toda a temporada, tudo escrito
que ele dedicava a questões como essa, a em 7 de março — nesta semana ela to- 20 mil a R$ 25 mil), 46 cantores do coro e à mão. “Era um ato de fé, porque na ver-
organização gastaria mais do que rece- ca com o Coro da Osesp (que está fa- Cardápio regentes. Possui ainda um braço educa- dade nada daquilo estava sendo cum-
beria anualmente pelo estacionamento. zendo 30 anos) a superpopular canta- La Casserole, São Paulo cional que neste ano deve ter 61 alunos. prido. Ele tinha que mudar toda semana
Não só no caso de Moreira Salles. Lo- ta “Carmina Burana”, de Carl Orff, co- Na criação, 100% de seu orçamento vi- porque ou a secretaria não podia con-
pes diz que todos os conselheiros da en- mo parte da pré-temporada. Água com gás, jarra 330 ml 3 20,70 nha de repasses do setor público. Neste tratar o solista ou não havia dinheiro pa-
tidade que mantém a Orquestra Sinfô- Para este “À Mesa com o Valor”, Lo- Suco de tomate 1 17,90 ano, do orçamento de R$ 140 milhões, ra locação da partitura.”
nica do Estado de São Paulo — nomes do pes escolheu um restaurante que tam- Filet au poivre 3 318,00 R$ 65,5 milhões virão do governo esta- Quando Lopes foi admitido, a orques-
primeiro escalão do mundo dos negó- bém celebra sete décadas em 2024 e Schweppes Citrus 1 8,90 dual (foram R$ 129 milhões e R$ 63,3 tra tocava no Teatro Cultura Artística.
cios como Pedro Parente, Horacio Lafer cuja história já cruzou com a da Osesp Café 2 17,80 milhões, respectivamente, em 2023). A Ele se recorda das longas filas que se for-
Piva, Fábio Barbosa e líderes de outras em diversas ocasiões: o La Casserole, Gorjeta - 49,83 maior parcela do restante virá dos 64 mavam para os ingressos gratuitos, de
áreas como o ex-presidente Fernando no Largo do Arouche, centro de São Total - 433,13 contratos de patrocínio fechados até como seu pai assistia às transmissões ao
Henrique Cardoso — sempre foram bas- Paulo. A dez quadras da Sala São Pau- agora segundo leis de incentivo. vivo dos concertos pela TV Cultura e os
tante devotados a ela. São pessoas, diz, lo, é um local ao qual ele já levou mui- Tal estrutura foi estabelecida em ju- comentava no jantar em seguida e de
que não ficam apenas sentadas dando tos regentes e solistas que visitam a ci- nho de 2005, com o propósito de dar es- como um dia depois seu professor na fa-
palpites. Ao contrário, assumem “a res- dade para tocar com a orquestra. tabilidade jurídica e institucional e ao culdade dizia tê-lo visto tocar. Mesmo
ponsabilidade como conselheiros, pela Lopes chega cedo, cumprimenta os mesmo tempo agilidade à orquestra, não tendo o nível internacional que ho-
vida da instituição, pelo funding da ins- garçons e pede um suco de tomate co- que fica livre de certas amarras típicas je ostenta, diz, era uma orquestra bas-
tituição, buscando mais recursos, bus- mo aperitivo. Elogia o ambiente: “Tem do setor público. Com ela, a Osesp regu- tante presente na vida da cidade.
cando a participação das pessoas, ou- uma curadoria musical muito boa. larizou os contratos de todos os funcio- A deterioração das finanças públicas
vindo a sociedade e cobrando a gestão”. Bom jazz, boa música brasileira”. De- nários — alguns eram empregados da naqueles tempos de hiperinflação tor-
Mesmo depois de quase duas décadas pois, escolhe um dos carros-chefes do Fundação Padre Anchieta, outros da Se- nou inviável o pagamento do aluguel do
à frente da fundação — “talvez eu seja o restaurante, o filé au poivre acompa- cretaria de Cultura, outros tinham con- teatro, o que obrigou a Osesp a peram-
gestor de orquestra mais longevo na his- nhado de batatas “à la crème”. Para be- tratos temporários — e completou uma bular por outros espaços controlados
tória do país” —, Lopes diz que as de- ber, uma Schweppes Citrus. transformação iniciada na década ante- pelo governo estadual, como o Teatro
mandas não diminuíram. “Sou cobrado Ele observa que há dois modelos de rior. Lopes, que assumiu oficialmente Sérgio Cardoso, o Memorial da América
diariamente. Era assim com o Fernando gestão que orquestras costumam con- como diretor executivo em setembro Latina e o Theatro São Pedro. Um cartaz
Henrique, com o Fábio Barbosa, é com o siderar. Em nenhum deles a receita de daquele ano, foi um participante ativo na parede do La Casserole, aliás, é justa-
Pedro Parente agora. São pessoas que es- bilheteria é suficiente para manter a de todo o processo. mente de uma montagem do São Pedro
tão acostumadas com gestores que en- organização — assim como não é para Ele próprio tem uma efeméride em de “La Cenerentola”, ópera de Rossini, da
tregam resultado. Resultado financeiro, museus ou outras entidades dedicadas 2024: completa 40 anos na Osesp. Tinha qual a Osesp participou. “Eu toquei nes-
resultado na atividade, de impacto.” às artes. No modelo europeu, a institui- apenas 19 anos quando se juntou a ela sa montagem”, diz Lopes.
Ele diz que tais comprometimentos ção é financiada e gerida pelo Estado. como trompetista estagiário, em 1984. O cartaz menciona uma “Nova Or-
ajudaram a deixar a Osesp em situação No americano, a administração é de al- Conciliava o trabalho na orquestra com questra Sinfônica do Estado de São Pau-
privilegiada entre as instituições cultu- guma entidade privada e o grosso da a faculdade de economia. Não demorou lo”. Era 1998, o início da reformulação
rais do Brasil. Artisticamente, ela é reco- receita vem de patrocínios (que se va- muito para ser efetivado e passar a inte- que elevaria a Osesp a um novo patamar.
nhecida como a melhor orquestra do lem de dedução no imposto de renda). grar a associação dos músicos, o que o Foi Eleazar, conta Lopes, quem elabo-
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 7

GABRIEL REIS/VALOR
rou alguns anos antes o plano para a re- “Muita gente não
forma da orquestra. Sofrendo de câncer, vai à Sala São Paulo,
ele sabia que não conseguiria colocá-lo mas eles me dizem:
em prática. Lopes diz que o maestro o ‘Isso precisa existir,
chamou um dia em 1995 e lhe disse: senão São Paulo não
“Nós precisamos resgatar o orgulho de vai ser o que é’”, diz
Marcelo Lopes
ser músico de orquestra, de se fazer mú-
sica clássica neste país. Eu não posso
mais. Daqui para a frente, transfiro para
você, para vocês [da associação de pro-
fissionais da orquestra], a responsabili-
dade por essa tarefa”.
O plano foi entregue ao então secretá-
rio estadual de Cultura, Marcos Men-
donça, e acabou sendo implementado
por John Neschling, que assumiu como
regente titular em 1997. “Neschling foi
brilhante nessa grande reformulação
artística”, diz Lopes. “Requalificando os
músicos, fazendo novas audições, bus-
cando músicos também no exterior pa-
ra complementar a orquestra.”
O grande salto seguinte foi a inau-
guração da Sala São Paulo, em 1999,
parte de uma tentativa do governo de
reverter a degradação dos arredores da
Estação da Luz com o fluxo de pessoas
para equipamentos culturais. A nova
sala de concertos, construída no pátio
da antiga estação ferroviária Júlio Pres-
tes, fez com que a Osesp tivesse não
apenas uma casa própria, mas uma ca-
sa com ótima acústica e uma arquite-
tura que a tornou atração turística.
Hoje a Sala São Paulo continua sen-
do motivo de orgulho (e receita, já que
é bastante requisitada por terceiros)
para a Fundação Osesp, mas seu entor- RICARDO MIGLIORINI/DIVULGAÇÃO
no nunca teve a transformação que o trato de gestão estabelece uma série de jeto do Eleazar que foi implementado
governo esperava. Ao contrário, a vizi- metas, uma delas de venda de 70% dos pelo Neschling com bastante mérito.”
nhança da cracolândia é um reconhe- ingressos. Em 2023, a ocupação média Neschling acabou saindo antes do
cido empecilho. nos concertos da Fundação Osesp — que término de seu contrato, no fim de
Lopes observa por exemplo que a também incluem recitais de solistas, 2010, por fazer queixas públicas que
quantidade de pessoas que não com- apresentações da Jazz Sinfônica e outros levaram o conselho a demiti-lo no iní-
parecem a concertos para os quais têm — foi de 72%. Neste ano, ela vendeu até cio de 2009.
ingressos é bem maior nas quintas e agora mais de 60 mil ingressos em Isso atropelou o planejamento da
sextas à noite do que nos sábados à 16.500 assinaturas, o que garante ocu- Osesp. Para cobrir a lacuna, ela passou
tarde — esses são os dias regulares de pação de 68%. Em 2023 foram pouco a ter um diretor artístico separado do
apresentação da orquestra. Tal com- menos de 54 mil em 14.700 assinaturas musical, na figura de Arthur Nestrovs-
portamento sugere um impacto de (a receita com bilheteria, incluindo ven- ki, que ficou até 2022, e contratou o
preocupações com a segurança. das avulsas, foi de R$ 4,8 milhões). francês Yan Pascal Tortelier enquanto
É algo que não vai mudar rapidamen- Lopes acredita que a Osesp conseguiu buscava alguém para assumir a dire-
te, reconhece. “Essa questão é muito tornar-se “grande demais para que- ção musical por um prazo mais longo.
mais complexa do que a oferta de pro- brar”. Ele diz que nas muitas conversas A americana Marin Alsop assumiu co-
dutos culturais de qualidade. Por uma que tem — por exemplo com potenciais mo nova regente titular em 2012.
questão social, de segurança pública, de patrocinadores na Faria Lima — fica cla- A Osesp já havia conquistado algum
saúde pública. Então, de certa maneira, ra a importância simbólica da orques- prestígio fora do Brasil com gravações
viramos reféns dessa ocupação”, diz. tra. “Muita gente não vai à Sala São Pau- para o selo sueco BIS e uma menção es-
Mas ele faz o contraponto: “Imagine o lo, mas eles me dizem: ‘Isso precisa exis- pecial da revista britânica “Gramopho-
centro de São Paulo ou aquela região do tir, senão São Paulo não vai ser o que é’.” A cerimônia de Gerry Mulligan e Astor Piazzolla que seu ne” em edição de 2010 sobre as melhores
Bom Retiro sem a Sala São Paulo, sem a É um contraste para os anos 90, o criação da Fundação pai levava para ouvir em casa, ele quis orquestras do mundo. Alsop ajudou a
Pinacoteca, sem o Museu de Arte Sacra, período pré-reformulação, quando, Osesp, em 22 de tocar saxofone. O instrumento, porém, dar ainda mais projeção internacional à
sem a Estação Pinacoteca ou a Pina Con- diz, um eventual fim da orquestra pro- junho de 2005. era grande demais, da altura dele, e o orquestra, levando-a aos Proms, o gran-
temporânea, o Museu da Língua Portu- vavelmente não causaria grande co- Fernando Henrique maestro da banda lhe ofereceu um de festival de verão que a BBC promove
Cardoso, ao centro,
guesa. Ou seja, nós somos como grupo a moção na cidade. E isso mesmo com a trompete como alternativa. “O trompe- em Londres. Sua sucessão seguiu o pro-
foi o primeiro
primeira frente de resistência da cidade. música clássica estando hoje menos presidente do te encaixava na mão e, por uma dessas cesso previsto: o atual diretor musical, o
Ainda que o lugar seja problemático, a presente no dia a dia das pessoas, sem conselho da questões da vida, talento, não sei, colo- suíço Thierry Fischer, foi escolhido em
nossa programação atrai pessoas que o espaço que tinha na TV e no noticiá- entidade. Marcelo quei na boca e começou a sair som”, con- 2019 depois de uma busca de dois anos.
admiram e que gostam do centro. Isso rio nos tempos em que ele resolveu Lopes é o primeiro à ta. “Me afeiçoei ao instrumento.” Torcedor do São Paulo, Lopes com-
pelo menos mantém a região com um abraçar a carreira de trompetista. esquerda A afeição tornou-se obsessão nos para o regente de orquestra ao técnico
fio de esperança”. Não foi por escolha própria que o anos seguintes. Lopes diz que sempre te- de futebol. Para funcionar com o time,
A Osesp tem a vantagem de contar trompete primeiro entrou em sua vida. ve desempenho muito bom na escola, não basta ter conhecimento e talento,
com o estacionamento sobre o qual Lo- Lopes nasceu e cresceu em São Bernardo mas não sentia que ia tão bem no instru- é preciso que haja química.
pes havia conversado com Moreira Sal- do Campo, onde os pais, Manoel e Ama- mento: “Foi a primeira coisa que eu fiz Ele diz que uma grande virtude de Fis-
les tempos atrás. Com 600 vagas, ele per- ra, migrantes de Pernambuco, se estabe- em que me senti deficiente”. A vontade cher é combinar enorme conhecimento
mite que muitos espectadores não pre- leceram. O pai trabalhava como progra- de corrigir isso o fez entrar aos 15 anos técnico e ouvido apurado com uma ou-
cisem andar na região. A abertura há mador de produção na Volkswagen, on- na Escola Municipal de Música de São sadia interpretativa. “Ele tira os músicos
dois anos do Boulevard João Carlos Mar- de ficou 26 anos, e tinha uma vida social Paulo. Como seu professor tocava no da zona de conforto, mas de uma ma-
tins, uma passagem coberta que liga a bastante ativa, sendo presidente da as- Theatro Municipal, passou a frequen- neira boa. Não é exigindo aquilo que o
Estação da Luz diretamente à Sala São sociação de bairro. Quando Lopes tinha tá-lo. Os concertos que via o encanta- músico não sabe, mas tirando dele o me-
Paulo, também ajuda. Ou seja, a sala de 7 anos, o pai decidiu montar uma banda vam, a ponto de fazê-lo pensar: “Quero lhor que tem para dar, dando a ele con-
concertos tornou-se uma espécie de ilha para ocupar as crianças que passavam fazer isso da vida”. fiança para ir com um pé na ponta do
segura numa área da cidade que muitos todo o tempo brincando na rua. O meni- “Eu estudava música de manhã, de precipício. É ali que a beleza acontece.”
de seu público frequentador temem. no Marcelo não quis ficar de fora. tarde e de noite, chegava a dormir com a Ele lamenta que não seja fácil levar es-
Felizmente, esse público frequenta- Primeiro, deram-lhe uma escaleta. roupa que tinha acordado”, conta, para sa beleza a mais lugares do país. A Osesp
dor não é pequeno. Lopes diz que o con- Em seguida, inspirado pelos discos de acrescentar: “E cada dia me achava pior. esteve ano passado em Nova York e nes-
ARQUIVO PESSOAL
Porque a sua percepção de excelência se te ano irá à Europa, mas não tem o hábi-
desenvolve mais rápido do que a sua ca- to de visitar outros estados brasileiros.
pacidade de performance”. Faz concertos em algumas cidades pau-
Mesmo assim, conseguiu o que ambi- listas, mas enfrenta deficiências logísti-
cionava, ingressando na Osesp. Mas não cas e falta de teatros adequados. Lopes
foi só isso que fez da vida. Além de ter es- diz que é mais barato fazer uma turnê na
tudado economia, Lopes fez um mestra- Europa do que no Brasil. Mesmo na ci-
do em administração pública na Funda- dade de São Paulo há uma falta de espa-
ção Getulio Vargas e também se formou ços que propiciem o impacto sonoro
em direito. Atuou vários anos como ad- próprio da sala de concerto.
vogado, sócio de sua irmã num escritó- Por isso, quando há discussões so-
Marcelo Lopes rio de São Bernardo dedicado à área civil bre a democratização do acesso à mú-
(flecha apontando) e trabalhista, sem deixar o trompete de sica clássica, ele acredita que o melhor
com a Banda lado. Como conseguiu conciliar tudo? que pode ser feito não é levar a Osesp a
Municipal “Eu durmo muito pouco”, diz. regiões mais pobres, mas tentar mos-
Infanto-Juvenil Ele garante que suas eventuais prá- trar para a sociedade que a Sala São
Rudge Ramos, em
ticas noturnas de trompete, usando Paulo é um local “para todo mundo,
1981. Abaixo,
tocando trompete surdina, não incomodam os vizinhos não só para a elite branca”. A tempora-
na Osesp (ele está ou mesmo sua mulher, a contadora da que está começando tem nove con-
ao lado da Márcia Tai, com quem está desde a certos a preços populares, de R$ 39,60.
percussão) adolescência e teve três filhas. Quanto à diversificação da própria
DIVULGAÇÃO
“É muito saudável fazer outras coi- orquestra, há um esforço na progra-
sas”, afirma. Os vários cursos de fato se mação que se reflete na presença nesta
provaram úteis quando teve a oportuni- temporada de obras de 23 composito-
dade de trocar o palco pelos bastidores, ras e 15 mulheres convidadas, entre as
assumindo a direção da Osesp. Ele era quais 5 regentes. No ano passado, em
presidente da associação dos músicos várias ocasiões a Osesp teve violinistas
quando a Fundação Osesp foi criada e mulheres como spallas convidadas.
recebeu o convite para atuar como ges- Lopes diz que gostaria de ver a com-
tor porque os conselheiros achavam posição da orquestra refletindo a socie-
que a experiência de alguém vindo do dade brasileira e acredita que isso vai
“chão de fábrica” seria proveitosa. acontecer em algum momento, mas an-
“Quando eu olhava para a associação tes é preciso que a diversidade chegue à
dos músicos da Osesp, da qual fui presi- educação musical. Ele observa que o
“Aorquestraéuma dente muitos anos, eu não via uma fer- processo de seleção, quando surgem va-
ramenta de negociação salarial, de bar- gas, é feito em audições em que o comitê
instituiçãode ganha de condições de trabalho. Eu via não vê quem toca atrás do biombo — “e
excelência,agente aquilo como oportunidade de inserir o
músico na discussão da construção ins-
o que está atrás do biombo ainda é algo
bastante desigual”. Ele ressalta: “A or-
nãoabremãoda titucional”, diz. “Acho que tivemos su-
cesso. Nada disso teria acontecido sem o
questra é uma instituição de excelência,
a gente não abre mão da excelência por
excelência” apoio dos músicos da orquestra ao pro- outros valores”. ■
8 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Despedida em
DIVULGAÇÃO

alto volume
Música Turnê que marcará o adeus da
banda Sepultura vai rodar o mundo em
18 meses. Por Carlos Eduardo Oliveira,
para o Valor, de São Paulo

Na música brasileira, poucas bandas de turnê à altura da ocasião ainda estão


rock fizeram tanto sucesso no exterior por sendo feitos. “Já que é a última, vamos
tanto tempo, tocaram em tantas diferentes fazer para marcar época.” Responsável
latitudes, atraíram incontáveis nacionali- também por alguns projetos não musi-
dades e receberam elogios da crítica quan- cais — foi de sua lavra a criação de uma
to eles. Essa música vem de guitarras dis- cerveja, a Sepulweiss —, o músico diz es-
torcidas, bateria “destruidora”, contrabai- tar em curso novo projeto engarrafado,
xo trovejante, vocais guturais. Mas pode comemorativo do adeus. circuito mais alternativo e com menos Eloy Casagrande, lera, se reencontraram para regravar o
chamar de heavy metal ou de uma de suas “É um privilégio poder fazer isso de for- abertura à lingua inglesa. Andreas Kisser, primeiro EP do Sepultura, “Bestial Devas-
variações: death metal, thrash metal, groo- ma tranquila, em paz com nós mesmos, Com discos elogiados, agenda lotada, Paulo Jr. e Derrick tation” (1985), e do seu disco de estreia,
ve metal ou tudo isso junto. num momento especial como o que esta- participações em megafestivais e prestí- Green, os membros “Morbid Visions” (1986), registrados ori-
Criado em Belo Horizonte em 1984, o mos vivendo, tanto artístico, depois de gio da crítica e entre seus pares, o Sepul- atuais do Sepultura ginalmente com poucos recursos.
Sepultura celebra quatro décadas de jor- lançar um dos melhores discos de nossa tura voou alto. Dividiu palcos, coxias e Atual cantor e frontman, Derrick Gre-
nada. No fim de 2023, o grupo anunciou história, como pessoal, humano”, diz o confabulações com alguns de seus ído- en, americano, negro, entrou em 1998 e
que vai encerrar suas atividades. A deci- guitarrista Andreas Kisser. “É uma eutaná- los: Ozzy Osbourne, Slayer, Motörhead, já contabiliza nove álbuns de estúdio
são surpreende, já que, após períodos de sia consciente”, brinca. “Não por questão Anthrax, Metallica etc. O consequente como vocalista do grupo. Com nova gra-
baixa, o quarteto vive um grande mo- de necessidade, mas de oportunidade sucesso comercial habilitou-os a criar vadora e estrutura empresarial, o Sepul-
mento, entre outras razões graças ao ál- mesmo, num momento muito positivo.” uma base em Phoenix, Arizona, onde tura seguiu em frente e reconstruiu
bum “Quadra” (2020), cuja turnê mun- Quando surgiu em BH nos anos 80, o compraram casas e se estabeleceram. muito do território perdido, tendo Kis-
dial terminou em dezembro, na Austrá- Sepultura era capitaneado por seus cria- Com o sucesso internacional, a banda ser e Paulo Jr. no núcleo — Eloy Casa-
lia. Décimo quinto trabalho de estúdio, dores, os irmãos Iggor e Max Cavalera, continuou exaltando sua brasilidade. E grande, baterista, completa o time.
“Quadra” mostra uma banda ainda cria- respectivamente baterista e cantor/gui- denunciou, em letras e entrevistas, os “Sucesso é algo subjetivo”, diz Kis-
tiva, em um dos melhores registros. tarrista. Com a entrada em cena do gui- não poucos problemas sociais do país — ser. “As pessoas veem como um topo,
Com duração de 18 meses e passando tarrista Andreas Kisser, em 1987, o gru- característica ainda mantida. uma escalada. Não vejo assim. Na ver-
por vários continentes, a turnê do adeus, po descobriu sua formação ideal. Apesar do sucesso, desentendimen- dade, uma carreira na música é um
“Celebrating Life Through Death” (“cele- Compondo e cantando em inglês, tos culminaram com a saída do líder, aprendizado constante, no dia a dia,
brando a vida através da morte”), come- cravou em sequência uma trinca de dis- Max, após a demissão, pelos demais in- com alguns perrengues, mas cheio de
ça em março, em Belo Horizonte. Dela re- cos que reescreveram a história do rock tegrantes, de sua esposa, até então em- momentos fantásticos.”
sultará um disco duplo ao vivo de 40 fai- pesado brasileiro: os discos “Arise” presária do grupo. Anos depois, seu ir- Essa trajetória ganha agora um epí-
xas, cada música gravada em uma cida- (1991), “Chaos A. D.” (1993) e “Roots” mão, Iggor, também sairia, decisão cre- logo, “sem nenhum outro motivo que
de. “Estamos falando nisso já há dois (1996), que incorporou elementos da ditada a “incompatibilidades artísticas”. não seja nossa escolha”, diz o guitarris-
anos. Mas não é para ter clima de tristeza, música brasileira. De forma mais ampla, Sem cantor nem empresário, coube aos ta, que divide estúdios e palcos com ar-
pelo contrário, a ideia é respeitar a histó- o mundo descobriu que havia som pesa- remanescentes reformular o Sepultura. tistas da MPB. “Estamos com a energia
ria do Sepultura e celebrar essa nossa tra- do no Brasil — apesar de, antes do Sepul- Já os fundadores da banda, juntos ou elevada no palco e em conexão total,
jetória com os fãs”, diz o baixista Paulo Jr., tura, a banda paulistana de hardcore separados, se envolveram em projetos nos sentindo felizes e muito agradeci-
único remanescente original. punk Ratos de Porão também já excur- diversos (Soulfly, Cavalera Conspiracy dos por tudo. E deixamos a cena com o
Ajustes finais para tornar a grandiosa sionar bastante no exterior, mas num etc.) e, no ano passado, sob o nome Cava- sentimento de dever cumprido.” ■

Vinho

Janeiro seco
CONGERDESIGN POR PIXABAY
O novo ano sempre vem acompa- mudar antes que as questões ambien- Uma vez colhidas as uvas, as opções
nhado de expectativas, planos e metas tais virassem assunto da hora. para reduzir o álcool se baseiam em ar-
a serem cumpridas. Para alguns, isso in- Isso tem a ver com colher as uvas mais tificialismos que tendem sempre a alte-

ou janeiro clui uma pausa temporária no consu-


mo de bebidas alcoólicas. Dry January
(Janeiro Seco em inglês) é uma campa-
tarde (mais maduras), proposta que nas-
ceu em meados da década de 1980 com a
ascensão dos rótulos do Novo Mundo,
rar as características do vinho com a
perda de compostos de aroma ou sabor
durante o processo, além da alteração

úmido nha lançada oficialmente em 2013 pela


Alcohol Change UK, organização britâ-
nica sem fins lucrativos conhecida por
mais particularmente dos californianos,
cujos produtores adotaram novas técni-
cas para permitir que os vinhos pudes-
no corpo/textura em decorrência do
menor teor alcoólico. A noção de corpo
nos vinhos está de certa forma associa-
seus programas de conscientização do sem ser bebidos ainda jovens, ao contrá- da à presença de álcool na bebida. Não
consumo de álcool e os danos que pode rio dos europeus que precisavam de é possível baixar muito a graduação al-
causar para a saúde. Janeiro seco, o mês um prazo mais longo para serem consu- coólica sem descaracterizá-lo. Por mais
em que algumas pessoas se abstêm de midos, devido, em especial, à presença de que se empreguem técnicas de vinhe-
beber como parte do ritual de Ano No- taninos. Na prática, o que os americanos do, antecipar em demasia a data da vin-
vo, cresceu em popularidade desde que fizeram foi procurar vindimar quando dima implica vinhos magros, delgados,
o termo foi cunhado pela primeira vez, os taninos, presentes na casca da uva, es- sem ideal equilíbrio de acidez e tani-
há cerca de uma década. tivessem mais evoluídos, o que, na lin- nos, e sem identidade.
O que antes era uma simples resolu- guagem dos enólogos, significa atingir Há um arsenal de opções para dimi-
ção de Ano Novo tornou-se moda e até maturação fenólica. nuir o grau alcoólico de um vinho após
glorificado nas redes sociais como algo Naquele tempo, não havia a preocu- as uvas terem sido colhidas — sempre
a experimentar, seja por motivos de pação de produzir vinhos para consu- com consequências nefastas — desde
saúde ou por pura curiosidade. Ao lon- mo imediato. A data da colheita era adicionar água ao mosto (o conhecido
go dos anos, a ideia do Dry January ex- definida em função de uma graduação produtor/negociante/marketeiro fran-
pandiu-se e a campanha se tornou um Teor alcoólico dos vinhos tem aumentado alcoólica mínima (era exigência da cês Michel Chapoutier ousou defender
movimento internacional, com partici- legislação das Denominações de Ori- esse processo — que ele chamou de “rei-
Jorge Lucki pantes em diversas partes do mundo bre a quantidade, encorajando as pes- gem para os vinhos obterem a certifi- dratação” — durante uma conferência
A chave para desfrutar do comprometendo-se a passar o mês de soas a apreciarem cada gole, saboreando cação) e de um nível de acidez compa- em Bordeaux cerca de dois anos atrás)
janeiro sem consumir álcool. Coquetéis a complexidade das bebidas, em vez de tível, levando-se em conta que os vi- até o uso de leveduras especialmente
ato de apreciar uma sem álcool (“mocktails”) são cada vez buscar o consumo excessivo. nhos iriam envelhecer com o tempo. desenvolvidas para essa finalidade, re-
mais populares nos cardápios de bares Fazem parte do passado vinhos com Nem pensar em abrir uma boa garrafa cursos não permitidos na EU e na maio-
bebida de maneira e restaurantes mundo afora, assim co- 11% ou 12% de graduação alcoólica. Os de bordeaux ou de um barolo com ria dos países. Outra técnica é recorrer a
mo ganharam força as “NoLo” (no or tempos mudaram, brancos e tintos estão menos de 15 ou 20 anos. Os vinhos equipamentos sofisticados, baseadas
sustentável e saudável low alcoholic products), bebidas sem hoje beirando os 15% e a grande discus- eram mais tânicos e “amaciavam” na em destilação sob vácuo (portanto em
álcool ou com baixo teor alcoólico. são é até onde isso é exagero e o que fazer garrafa ao longo do tempo. temperatura e pressão mais baixas), ca-
está no conceito Mas como as resoluções excessivamen- para chegar a níveis mais razoáveis. Essa No passado, os trabalhos no campo so da coluna de cones giratórios ou
te ambiciosas de Ano Novo são frequen- tendência de vinhos com níveis alcoóli- eram realizados de maneira até meio empí- membrana (osmose reversa), utilizados
fundamental de beber temente quebradas, alguns optaram pelo cos ascendentes não deixa de ser um fa- rica, com foco mais em quantidade do que também e principalmente para reduzir
primo mais brando do Janeiro Seco: o Ja- tor que contribui para impulsionar um em qualidade. Inclusive, nas safras em que drasticamente o teor alcoólico e produ-
com moderação neiro Úmido. Como o próprio nome in- número crescente de consumidores a o clima não era favorável (frio ou chuvoso), zir as bebidas NoLo.
dica, a opção úmida não exige que a pes- aderir a campanhas como Dry January e a era até difícil atingir a graduação mínima A rigor, no que se refere à relação en-
soa pare de beber completamente, mas recorrer aos vinhos “NoLo” ou a outras exigida pela legislação, e isso explica por tre álcool e saúde, a discussão não deve-
sim encontrar um equilíbrio que se ali- bebidas não alcoólicas. que era tão comum a prática da chaptaliza- ria se ater ao volume de álcool contido
nhe com um estilo de vida saudável. Ela Faz sentido apontar o aquecimento ção (o método, concebido pelo francês numa garrafa de vinho, mas à quanti-
decide quais limites definir, estabelecen- global como vilão nessa história, afinal Jean-Antonine Chaptal no início do século dade de vinho que se consome por vez.
do regras sobre o consumo de álcool por uma elevação na graduação alcoólica XVIII, consiste em adicionar açúcar de cana Nesse aspecto, vale a sugestão bem-hu-
31 dias. É uma decisão pessoal. Seme- dos vinhos passa necessariamente por — ou de beterraba, na Europa — nas cubas morada que um reconhecido professor
lhante ao Janeiro Seco, o Janeiro Úmido uvas mais maduras, mais doces (con- em fermentação para aumentar o nível al- da Faculdade de Enologia de Montpel-
oferece a oportunidade de refletir sobre têm mais açúcar, que vai se transformar coólico dos vinhos). Reduzir a produção de lier, na França, deixou ao final do
sua relação com o álcool. em álcool). Contudo, não dá para gene- cachos por planta, utilizar mudas e porta- simpósio sobre a uva grenache, realiza-
O ato de apreciar uma bebida pode ser ralizar: o clima efetivamente mudou, enxertos mais apropriados, trabalhar me- do há alguns anos: “colocar um dedo a
uma experiência social agradável e cultu- mas muitas regiões vinícolas estão so- lhor a folhagem e mudar a condução das menos de vinho no copo”.
ralmente significativa. No entanto, a cha- frendo bem mais com a instabilidade vinhas para otimizar a exposição ao sol e
ve para desfrutar dessa prática de manei- climática do que com os efeitos dos au- possibilitar melhor fotossíntese, bem como Jorge Lucki escreve neste
ra sustentável e saudável está no conceito mentos de temperatura no índice de um trabalho mais consciente do solo são espaço semanalmente
fundamental de beber com moderação. É maturação das uvas. A bem da verdade, alguns dos conceitos hoje aplicados para se
uma prática que valoriza a qualidade so- o nível de álcool nos vinhos começou a obter uvas equilibradas. E-mail: Colaborador-jorge.lucki@valor.com.br ■
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 9

DIVULGAÇÃO
Ele também oferece vieiras com pu-
rê de berinjela; quesadillas recheadas
com cordeiro refogado; lulas sobre
tortilhas de trigo feitas no forno a le-
nha, numa área aberta ao público que
atrai observação. Vibrantes ramos de
brócolis defumados com óleo de ger-
gelim preto e pimenta são parte da
amostra vegana e vegetariana do car-
dápio, que acolhe com eficiência qual-
quer tipo de restrição alimentar.
Também surge em sintonia com car-
dápio a carta de vinhos, quase toda
com rótulos mexicanos — e aí se revela
outro atrativo. O Fauna integra o Bru-
ma, um complexo de enoturismo,
com fazenda, vinícola, hotéis bouti-
que, mercearias e restaurantes distri-
buídos em poucos hectares.
De vinhas orgânicas, faz-se 70% de
brancos e rosés e 30% de tintos, inver-
tendo a lógica mexicana.
“A paisagem, o clima e a comida
prestam-se muito mais aos brancos e
aos rosés. Faço um trabalho coerente,
também para respeitar o meio ambien-
te”, diz a enóloga Lourdes Martínez
David Castro Hussong e Maribel Aldaco comandam a cozinha do Fauna, eleito o melhor restaurante do México pelo Latin America’s 50 Best Ojeda, a Lulú, com formação clássica
francesa e anos de experiência no caste-
lo de Henri Lurton, proprietário do

Alta-cozinha
Grand Cru Classé Château Brane-Cante-
nac, em Bordeaux. “Em Bordeaux, 90%
dos vinhos são tintos porque é frio,
chove e são combinados com pato,
com foie gras. Aqui é diferente.”
Lulú retorna à Baja California, onde
nasceu, para revolucionar os vinhos
mexicanos. “Muitos pensam que o ter-

descontraída
roir se refere somente à terra e ao cli-
ma, mas há um terceiro elemento mui-
to importante que é o trabalho huma-
no. Fazer vinho envolve um processo,
há a intervenção externa e só as pes-
soas que dão o caráter único ao terroir,
tal como um chef num restaurante.”
Ano a ano, ela experimenta varieda-
des e técnicas diferentes com o mínimo
Gastronomia Pratos provocativos e novos vinhos em mesas de intervenção possível. Do trabalho de
inovação resultam exemplares como o
compartilhadas levaram Fauna ao topo do ranking de Plan B, um vinho branco com uvas
chardonnay com um amplo perfil aro-
mático, notas cítricas, paladar fresco,
melhores restaurantes mexicanos. Por Luiza Fecarotta, para o limpo e mineral com elegante acidez.
“Temos de lembrar que fazer vinho é
Valor, de Ensenada, México agricultura, exige ética e sustentabili-
dade. Não basta apenas fazer vinho.”
Na Bruma são produzidas 25 mil cai-
DIVULGAÇÃO
xas de 12 garrafas por ano, das quais 40%
Eleito o melhor restaurante do Méxi- são escoadas para os Estados Unidos e
co pelo Latin America’s 50 Best, o Fauna, 30% ficam no complexo — outros 30%
na Baja California, desafia os protoco- atendem o resto do país. Quando inau-
los de um fine dining clássico. Isolado gurou, em 2017, produzia 500 caixas.
no árido Vale de Guadalupe, longe de Em função do tempo árido, as vinhas
centros urbanos, ele dispõe de serviço, têm de ser irrigadas para render mais e
comida e louças de primeira linha, mas não produzir uvas murchas, sem polpa.
serve pratos a serem compartilhados ao A falta de chuva, por outro lado, be-
centro de mesas coletivas, num am- neficia o Wine Garden, outro restau-
biente rústico, integrado com a nature- rante do complexo, inteiro ao ar livre,
za semidesértica do entorno. que recebe mais de 400 pessoas por
Sua cozinha está sob a regência do chef fim de semana. Grandes mesas coleti-
David Castro Hussong, que antes de se de- vas são dispostas em chão de terra ba-
dicar a essa cozinha mexicana local e ele- tida sob a sombra de árvores, num ce-
gantemente condimentada, que faz com nário composto por oliveiras centená-
liberdade e ousadia no Fauna, criou reper- rias. O cardápio, sem amarras e tam-
tório pelo mundo. Foi aprendiz no Noma, bém sob o guarda-chuva de David Cas-
naDinamarca,eleitorepetidasvezesome- tro Hussong, convive bem com o espa-
lhor restaurante do mundo, e trabalhou ço. Não se sabe onde começa e onde
em dois dos mais prósperos restaurantes termina, em suas palavras. “O conceito
de Nova York: o Eleven Madison Park, do da comida aqui é como o MMA. Vale
chef Daniel Humm, e o Blue Hill at Stone tudo. Não há regras. Se é época de tru-
Barns, em uma fazenda nas cercanias da fas, de caviar, podemos servir, mas
cidade, do chef Dan Barber. Mesas coletivas e pratos compartilhados em ambiente rústico são uma característica do restaurante também temos pratos mexicanos.”
Quem o escolta é sua mulher, Mari- DIVULGAÇÃO
O molho que besunta a massa da pi-
bel Aldaco, recém-eleita melhor con- ção própria. Todos estão restritos ao mu- zza surge à semelhança de um molho
feiteira da América Latina. Ela tam- nicípio de Ensenada, cuja cidade grande mexicano. Mas, sem a pimenta, ele é
bém passou por esse último restau- mais próxima é Tijuana, que marca a preparado a partir do tomate queima-
rante nos EUA e trabalhou na Espa- fronteira com San Diego, na Califórnia. do. O chef faz bases brancas, como a
nha com Martín Berasategui, uma re- “Temos a sorte de ter muita terra e que combina alho e cebola confitados,
ferência da cozinha basca. muito mar.” O mar é do Pacífico, géli- batidos como um creme. A massa, com
“Faço sobremesas só com produtos do e provedor do suprassumo dos pei- umidade alta e fermentação natural,
regionais. Parto de sabores familiares xes e frutos do mar, firmes e carnudos, de difícil manuseio, é de responsabili-
e os recrio com diferentes texturas. que atraem chefs de todo o país. dade da equipe de Maribel.
Gosto de torná-los equilibrados, sim- No Fauna, Castro serve, por exem- “São pizzas um pouco sem regras.
ples e com pouco açúcar. Sempre colo- plo, uma barbatana de atum, rara de Não são italianas, nem americanas,
co um toque de sal”, diz Aldaco, que encontrar. “Não dá para experimentar nem mexicanas, são apenas diferen-
assina um semifreddo de mel e milho em nenhuma parte do mundo onde “Estamosnomeiodo tes”, diz o chef. Embora pertença a
criolo com sorvete de leite, caramelo não haja dedicação à pesca do atum, uma família tradicional na Baja Cali-
salgado e corn flakes, inspirado nos como aqui ou talvez no Japão”, expli- nada.Écomoentrar fornia — é bisneto da fundadora de
cereais matinais que comia quando
pequena. Ela mantém nos doces a
ca. “Trabalhamos com os mergulhado-
res para que, na hora de abater o peixe,
emumafestaparase uma das cantinas mais antigas
do país, em operação ininterrupta
mesma tônica dos pratos salgados.
Um símbolo da cozinha é o ceviche
eles retirem a barbatana e nos ven-
dam. É como se fosse um tutano, mas é
divertir,comere há 130 anos —, Castro arejou a gas-
tronomia mexicana e a projetou sem
com chiles toreados, com sabores singu- do mar, é uma loucura, uma delícia.” beberbem” lhe roubar a identidade. ■
lares do norte da Baja California, que
DIVULGAÇÃO DIVULGAÇÃO
aceita diferentes pescados, variados de
acordo com o que o pescador encontra.
O eixo do prato é o molho escuro, que
combina amargor, acidez e picância. Pi-
mentas, pepino e cebola são queimados
em uma churrasqueira gigante, que assa
até três cordeiros simultaneamente. “É
diferente do tradicional, quase um des-
respeito ao ceviche”, brinca Castro.
Com um tom provocativo — pratos
simples que fogem do óbvio e causam
certo incômodo e novos vinhos mexi-
O cardápio do Fauna
canos, que surpreendem os clientes —,
é construído com os
o Fauna é uma celebração festiva da produtos locais à
cozinha mexicana. “Estamos no meio disposição, como
do nada. É como entrar em uma festa frutos do mar e
para se divertir, comer e beber bem. brócolis defumados
Para o bem ou para o mal, criamos
uma experiência memorável.”
O cardápio é construído diariamente
com os produtos locais à disposição. São
elementos como cordeiro, ovelha, co-
dorna, frutos do mar, queijos, baunilha,
café e cacau — o chocolate é de fabrica- O Fauna fica isolado no árido Vale de Guadalupe, na Baja California
10 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Os dilemas éticos
tros países, como os EUA, não ocorre.
“A melhor coisa sobre a IA é também
a pior: ela pode nos ajudar a conseguir
o que queremos sem ter que pedir aju-
da a outras pessoas. Quando me mudei
para a Holanda, consegui me virar sem
saber holandês com a ajuda do Google

da tecnologia
Tradutor. Mas essa ajuda é também o
motivo pelo qual tem sido tão difícil
para mim aprender a língua, e o Goo-
gle Tradutor se tornou algo de que de-
pendo como uma muleta.”
Na Universidade de Twente, Gertz
diz que procura ensinar seus alunos a
ler a história da filosofia e entender
como ela pode ser aplicável para aju-
dar a levantar questões sobre os pro-
blemas enfrentados hoje. Segundo
Filosofia ‘Estamos perdendo oportunidades de ele, a filosofia é muito útil para prever
por que temos que entender a relação
autoconhecimento e crescimento pessoal’, diz americano entre o passado e o presente para ten-
tar passar do presente para o futuro.
“Os filósofos são bons em fazer per-
Nolan Gertz. Por Claudia Penteado, para o Valor, do Rio guntas, especialmente quando se trata
de tentar pensar em como os avanços
tecnológicos podem dar errado ou pelo
menos não acontecer como esperado.”
DIVULGAÇÃO
O existencialismo, a fenomenologia
O professor de filosofia e pesquisa- e a teoria crítica são escolas da filosofia
dor americano Nolan Gertz, que lecio- que ele considera mais importantes
na na Universidade de Twente, na Ho- para abordar a tecnologia. Para ele, a
landa, costuma dizer que quando as pergunta mais importante a ser feita
pessoas olham para o smartphone, não sobre IA é simplesmente “o que é is-
enxergam apenas um objeto, mas um so?”. Esta pergunta, diz, leva inevitavel-
portal para o mundo. Na medida em mente ao exército invisível de trabalho
que oferece respostas sobre o clima, co- humano em lugares como África
necta amigos e até “diz verdades” sobre Oriental, que fazem a IA parecer “inte-
seu usuário (com base em selfies e ras- ligente”, e ao mesmo tempo à gigan-
treamento de saúde), o aparelho se tor- tesca e desastrosa pegada de carbono
na um modo de fazê-lo enxergar a si dos centros de dados usados pelas em-
próprio e o mundo ao redor. presas de tecnologia que tentam de-
É aí que as coisas começam a se com- senvolver a IA no mundo. Fala-se mui-
plicar, porque embora a tecnologia pa- to pouco sobre esse custo ambiental
reça ser essencialmente amoral, ape- embarcado na tecnologia ChatGPT.
nas uma ferramenta que pode ser usa- Sobre o futuro das Big Techs e os
da para o bem e para o mal, quando ela possíveis efeitos positivos da regula-
tem a capacidade de moldar como ve- mentação, Gertz parece um pouco de-
mos o mundo, passa a ter implicações sanimado. “É difícil regular empresas
éticas intrínsecas, que é preciso reco- de tecnologia porque apenas as pes-
nhecer — e abordar. Neste sentido, de- soas que trabalham nelas parecem ca-
manda maior reflexão e pensamento pazes de entender o que elas estão fa-
crítico no seu uso — e é justamente aí zendo. Portanto, pedir ajuda a elas na
que entra a filosofia, com seu papel de elaboração de regulamentações, co-
ajudar a pensar o mundo e a vida. mo os EUA e o Reino Unido fizeram,
Fascinado por computação, Gertz se vai, é claro, enviesar a regulamentação
apaixonou por filosofia na graduação a favor das empresas de tecnologia.”
em ciências políticas, quando entrou É preciso, na sua visão, que as pessoas
em contato com o pensamento de Jo- em geral se levantem e rejeitem as “ino-
seph Wittgenstein (1889-1951) — filó- vações”, para forçar as empresas de tec-
sofo austríaco, naturalizado britânico, nologia a fazerem mudanças reais que
que teve importantes contribuições beneficiem a humanidade, e não apenas
nos campos da lógica e da filosofia da a si mesmas — como ocorreu com o lan-
linguagem. Acabou unindo as duas çamento do Google Glass, exemplifica.
paixões e se especializou em analisar Um de seus ex-alunos de Twente é
os impactos da tecnologia na humani- Leonardo Werner, advogado que cur-
dade pelo viés da filosofia. sou por lá o mestrado em filosofia da
Na Holanda, Gertz é pesquisador sê- ciência, tecnologia e sociedade e se
nior do Centro de Ética e Tecnologia tornou, agora de volta ao Brasil, con-
da Universidade de Twente, que fica sultor associado da Principia Advisory
na cidade de Enschede, na fronteira e também articulista da FreedomLab,
com a Alemanha. Sua pesquisa se con- um think tank baseado em Amsterdã.
centra na interseção entre filosofia po- Sabendo que estava se arriscando a
lítica, fenomenologia existencial e fi- estudar filosofia em uma “sociedade
losofia da tecnologia. Ele se declara técnica” movida a dados, que valoriza
um heavy user de celular e redes so- pessoas multitarefas e ama inovação,
ciais e confessa que se inspirou nos Werner acabou descobrindo que esta
próprios maus hábitos e excessos para sociedade que busca os “comos” parou
enxergá-los nos outros. de pensar nos “porquês”. Estudar criti-
Em seu livro “Nihilism and Techno- camente textos difíceis e ideias com-
logy” (Niilismo e tecnologia, 2018), plexas e mergulhar fundo na subjetivi-
Gertz afirma que a tecnologia exacer- dade alargou sua visão de mundo e a
ba o niilismo do ser humano: ao usar a compreensão sobre valores humanos.
tecnologia para evitar o tédio, o ser “Se a nossa medida para tudo na vi-
humano evita questionar a razão do da for a capacidade de executar tarefas
seu tédio, e com isso acaba por se afas- eficientemente, então a IA certamente
tar de questões muito maiores, como sairá vencedora. Precisamos nos per-
o significado e o propósito da vida. guntar, então, quais valores podem
Gertz chama de niilismo a tentativa resgatar, ressignificar, preservar e pro-
de escapar do confronto com a reali- mover a nossa humanidade”, diz.
dade, imaginando “mundos melho- Foi Gertz quem lhe apresentou
res” que a tecnologia poderia tornar Martin Heidegger e Jacques Ellul, dois
possível, como escapar da morte “fa- filósofos que ele considera essenciais
zendo upload da consciência para a para quem quer compreender o fenô-
nuvem”, o que ele define como uma meno tecnológico.
versão tecnológica do niilismo reli- “Em 1954, Heidegger escreve um ar-
gioso, que trata da vida após a morte
nas nuvens do céu.
tédio nos impede de enfrentar e en-
tendê-lo. O tédio não é apenas uma
gia na educação, também consideremos
cuidadosamente quais valores quere- “Écrucialque tigo chamado ‘A questão da técnica’.
Também no mesmo ano, Ellul publica
Enquanto a tecnologia nos dá robôs
para limpar as casas, drones para en-
falta de estímulo. É uma oportunidade
para reflexão e questionamento sobre
mos promover e como podemos usar a
tecnologia para apoiar esses valores.”
façamosescolhas o livro ‘La Téchnique’, traduzido para o
português como ‘A sociedade tecnoló-
tregar pacotes, aplicativos que aju- nossas vidas e valores. Estamos per- Para Gertz, a inteligência artificial conscientessobreo gica’. São duas leituras reveladoras e
dam a encontrar empregos, carros que dendo oportunidades de autoconhe- tem o potencial de revolucionar o traba- fascinantes”, indica.
dirigem sozinhos e algoritmos que cimento e crescimento pessoal.” lho, automatizando tarefas rotineiras e tipodefuturoque Werner também é leitor assíduo de
nos dizem o que gostamos e o que de-
veríamos fazer, nos dá também uma
O problema é grave e tende a piorar,
uma vez que a interação humana com
abrindo novas possibilidades para a
criatividade humana. No entanto, teme
queremoscriar” outro filósofo, este bem contemporâ-
neo, o sul-coreano naturalizado alemão
falsa sensação de liberdade, que nos
leva a uma inércia, que faz com que
a tecnologia se tornará cada vez mais
íntima e onipresente.
que a crescente automatização da eco-
nomia leve a desigualdades cada vez
Nolan Gertz Byung-Chul Han, autor de “A sociedade
do cansaço”. Ele comenta que em um li-
não estejamos, como humanidade, “O futuro dessa interação depende- maiores e ao desemprego em massa. vro recente, intitulado “Não-coisas”,
pensando e agindo de maneira mais rá em grande parte de como escolhe- Desenhar esse futuro do trabalho Han discorre sobre a digitalização do
efetiva diante da iminente catástrofe mos moldá-la. Podemos projetar tec- mais justo e gratificante para todos é mundo como uma ameaça à ordem ter-
climática, das crises de refugiados e nologias que promovam a conexão algo que demanda o cuidado propor- rena, à ordem das coisas materiais, que
das ameaças fascistas. É uma espécie genuína, o crescimento pessoal e o cionado pelo pensamento crítico, pe- são fundamentais para nos dar o senso
de desumanização, embora se acredi- bem-estar coletivo ou podemos per- la reflexão e compreensão profunda de um mundo habitável.
te exatamente no contrário. mitir que as tecnologias nos manipu- dos problemas. Neste sentido, a filo- “Ele afirma que não vivemos mais en-
“O problema do modelo de design lem e nos isolem. O futuro da nossa sofia se apresenta como um campo tre o céu e a terra, mas entre o Google
tecnológico ‘lazer como libertação’ é o interação com a tecnologia está nas vasto e diversificado para pensar a Cloud e o Google Earth. Não é um mun-
defeito que o filósofo Friedrich Nietzs- nossas mãos, e é crucial que façamos tecnologia, contribuindo com novas do mais palpável e nem tangível. Isso
che identificou pela primeira vez há escolhas conscientes sobre o tipo de perspectivas e insights. nos gera a ilusão de que somos seres in-
mais de 100 anos como a doença do futuro que queremos criar”, observa. Com seu trabalho de pesquisador, condicionados e separados da natureza,
niilismo. É o abraço do nada, de não se Para Gertz, a tecnologia tem o po- escritor e palestrante, Gertz tem pro- podendo alcançar técnicas cada vez
importar, a crença de que nada impor- tencial de transformar radicalmente a curado fazer provocações, na tentativa mais eficientes para postergar a vida,
ta”, diz Gertz ao Valor. educação, tornando-a mais acessível e de inspirar e engajar as pessoas para torná-la mais cômoda e cada vez mais
Isso faz com que, diante dos pro- personalizada. No entanto, também que elas tentem fazer mais perguntas conveniente. Mas esse mundo digital
blemas que se apresentam, muitas existe o risco de que ela leve a uma ên- e não se contentem com as respostas não nos traz nenhuma orientação sobre
pessoas prefiram simplesmente não fase excessiva em resultados quantifi- que vem sendo dadas. como viver uma vida boa e significativa.
pensar a respeito, sentar diante de cáveis e em aprendizagem superficial, Na Holanda, falar de filosofia para Na ausência de um norte, optamos sim-
uma tela e assistir a uma nova tempo- em detrimento do pensamento crítico tecnólogos é mais fácil, pois segundo ele plesmente por viver mais. Mas essa é
rada de sua série favorita. e da compreensão profunda. trata-se de um saber respeitado “por uma vida sem vivacidade, esvaziada de
“Usar a tecnologia para combater o “É crucial que, ao integrar a tecnolo- quem está no poder”, algo que em ou- significados e de sentido.” ■
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 11

A força das joias afro-brasileiras


NÁDIA TAQUARY/DIVULGAÇÃO

Escravidão Adornos de escravizadas


inspiram livro e artistas visuais. Por
Sheila Kaplan, para o Valor, do Rio

Com um turbante cuidadosamente atuavam no pequeno comércio e


amarrado, colares e pulseiras exube- eram obrigadas a dar uma parte do
rantes, muitos anéis e brinco de ouro ganho a seus proprietários, e por al-
na orelha, a linda mulher negra olha forriadas. Esses adornos contam a
confiante para a câmera, olhos sorri- nossa história e guardam muito mais
dentes, porte de rainha. Na cintura, perguntas que respostas”, diz, esclare-
carrega berloques de proteção. A foto- cendo que é antes um pesquisador do
grafia faz parte do acervo do Museu do que um teórico do tema.
Traje e do Têxtil, em Salvador, e a iden- Confeccionadas por ourives ne-
tifica como a ex-escravizada Florinda gros, as joias consistem em pencas de
Anna do Nascimento, nascida no Re- balangandãs com pingentes-amule- Obras da artista
côncavo Baiano e cria da Fazenda Bom tos, colares de bolas de renda de me- Nádia Taquary
Sucesso em Cruz das Almas. Era quase tal ou formados por alianças interli- inspiradas em joias
tudo o que se sabia, até pouco tempo gadas, pulseiras largas tipo “copo”, afro-brasileiras em
atrás, sobre a Preta Folô, que, como brincos em forma de argola ou pitan- exposição no MAR:
“As joias
principal personagem do livro “Flo- ga e anéis. Entre os materiais usados,
representam
rindas”, que está sendo lançado com o o ouro, a prata, coral, marfim, pedras, estratégias criadas
selo da editora Cosac, finalmente se contas multicoloridas. por essas mulheres
tornará mais conhecida. No estilo, elas resultam do encontro em uma sociedade
Um dos volumes da obra, capitanea- de padrões africanos de influência is- em que não tinham
do pelo escritor e jornalista Eduardo lâmica — muitos escravizados eram de como ascender
Bueno, traz ensaios que buscam re- origem muçulmana — com técnicas socialmente”
constituir a figura de Florinda Anna do da ourivesaria portuguesa. Moraes
Nascimento. Assinam os textos Lilia chama atenção para “o lugar da per-
Schwarcz, Pedro Corrêa do Lago, Mary versidade” que as joias permitem vi- NÁDIA TAQUARY/DIVULGAÇÃO
del Piore e Muniz Sodré, entre outros. sualizar: “Alguns braceletes, usados
Um poema dedicado à Preta Folô tem por mulheres negras, tinham no cen-
como autora Flora Gil. O segundo volu- tro um medalhão com uma efígie de
me da caixa contém a preciosa coleção mulher europeia branca”.
de joalheria crioula do antiquário Ao mesmo tempo que comercializa as
baiano Itamar Musse. A atriz Zezé Mot- joias, e a cantora Maria Bethânia é uma
ta, fotografada por Christian Cravo, de suas clientes, além de grande amiga
veste as joias dos séculos XVIII e XIX. — “tudo que faço é entrelaçado pelo afe-
“A coleção foi formada ao longo de to” —, Rafael Moraes mantém sua cole-
quase 30 anos”, conta Musse, terceira ção particular, que inclui documentos e
geração de uma família de antiquários fotografias, com o propósito de divulgar
cujo patriarca chegou ao Brasil em a joalheria afro-brasileira.
1918 vindo do Líbano. “A ideia do livro Emprestou alguns de seus livros pa-
surgiu quando recebi uma foto das ra a historiadora e antropóloga Lilia
joias usadas por Florinda. A partir das Schwarcz escrever seu texto para o li-
joias, começamos a descobrir uma his- vro “Florindas” e não vende as joias de
tória que nunca foi contada.” seu acervo para que possa disponibili-
A imagem lhe foi enviada pelo es- zá-las para exposições. Peças de sua
cultor e museólogo Emanoel Araújo, coleção estiveram na mostra “Dos Bra-
fundador do Museu Afro Brasil, em sis: Arte e Pensamento Negro”, no Sesc
São Paulo, e diretor curador da insti- Belenzinho, e podem ser vistas no Mu-
tuição de 2004 até sua morte, em seu da Língua Portuguesa, no Museu
2022. Também em sua coleção priva- Afro Brasil e, em Lisboa, no Museu do
da, adquirida em outubro último por Design e da Moda (Mude).
R$ 30 milhões pela Fundação Lia Ma- Está nos planos do antiquário, que RAFAEL MARTINS/DIVULGAÇÃO
ria Aguiar, as joias afro-brasileiras ti- também se dedica às joias de artistas Carlos Costa Pinto, ela entendeu o que gras nos arquivos históricos, ela busca
nham lugar especial. — como Roberto Burle Marx, Di Ca- significavam aquelas joias. “Eu me novas possibilidades interpretativas
“Era vontade de Emanoel que a co- valcanti, Sergio Camargo, Tunga, Mes- senti totalmente abduzida por esse para as imagens de mulheres negras.
leção não fosse dispersada, e agora tre Didi e de contemporâneos que universo e comecei a pesquisar as joias Com bolsa de fotografia do Institu-
ela poderá ser apreciada pelo público criaram peças a seu pedido, como Éri- de crioula, a partir das minhas memó- to Moreira Salles, ela criou, em 2022,
no museu que a fundação vai cons- ka Verzutti, Fernanda Gomes, Laura rias afetivas”, conta. um gigantesco painel, a que deu o tí-
truir em Campos do Jordão”, informa Lima —, escrever um livro sobre A primeira peça que criou, sem qual- tulo de “Vênus”, reunindo mais de mil
Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, 500 anos de joias no Brasil, que co- quer pretensão de fazer uma obra de ar- imagens, retiradas de livros, revistas,
responsável pelo leilão do acervo de meçaria com o muiraquitã e seguiria te — compridos colares decorativos —, jornais, sites e redes sociais.
mais de 4 mil itens. “Contratei uma até as joias do funk e do rap, tendo as foi vista pelo arquiteto Flávio Moura, A investigação visual da iconografia
equipe que trabalhou full time para ditas joias de crioula como capítulo que a colocou na Casa Cor Bahia de ligada à escravidão a fez enxergar além
inventariar e catalogar as joias de de importância central. 2010. A repercussão do trabalho a levou da violência a que as mulheres negras
crioula, sempre muito disputadas nos Foi a partir da beleza e força da joa- a seguir com sua pesquisa e ela criou vá- foram submetidas. “Encontrei, nessas
leilões”, diz o marchand. lheria afro-brasileira que Nádia Taqua- rias joias-esculturas, como “Abre Cami- imagens, indícios da autonomia e da au-
Pertencente a uma linhagem de ou- ry descobriu-se artista visual. Na expo- nhos”, uma grande penca de balangan- toagência dessas mulheres. As joias de
rives iniciada por seu bisavô, Emanoel sição “Ònà Irin: Caminho de Ferro”, em dãs, com vários amuletos, apresentada crioula são documentos importantíssi-
Araújo foi proibido pelo pai de seguir cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR) na exposição no MAR. mos da presença de mulheres negras na
a trilha familiar, sendo conduzido, até 27 de fevereiro, ela apresenta obras “Quis tirar os balangandãs do qua- historiografia brasileira”, diz.
muito jovem, para a tipografia. Mas a que tiveram por inspiração as joias de dro de souvenir da Bahia para aproxi- Para a artista, a compreensão usual
paixão pelas joias afro-brasileiras o crioula. Quando menina, em todas as mar as joias do protagonismo femini- de que as mulheres negras posaram,
acompanhou sempre e ele reuniu festividades, seu pai lhe entregava um no negro, uma história de superação e contra sua vontade, para os artistas
1.700 peças no seu acervo particular. colar que contava ter pertencido à sua liberdade, em uma sociedade escravo- franco-germânicos que as retrataram
“Araújo também doou muitos exem- bisavó e uma pulseira larga, ornamen- crata e sexista. As joias representam é falsa: “Como esses artistas europeus
plares para o Museu Afro Brasil, que tos que ele depois voltava a guardar. estratégias criadas por essas mulheres saberiam sobre as amarrações dos
agora leva seu nome”, conta o joalhei-
ro antiquário Rafael Moraes, que con-
“Era um colar muito grande para o
meu tamanho, uma corrente que dava
“Essesadornos em uma sociedade em que não ti-
nham como ascender socialmente.
turbantes, do porquê do uso dos ba-
langandãs à direita ou à esquerda, do
viveu de perto com o escultor baiano. três voltas no corpo e, em cada volta, contamanossa Era um pecúlio que guardavam no uso de quatro ou cinco voltas de con-
Moraes é também um grande cole- tinha um pingente. Tudo muito dife- próprio corpo, suas economias para a tas? Ainda faltam muitos estudos,
cionador das joias ditas de crioula, rente do que eu estava acostumada a históriaeguardam compra da liberdade.” mas essas imagens revelam, de ma-
como ele prefere denominá-las para
driblar o termo que entende ser de-
ver à minha volta”, recorda.
Foi somente quando saiu de Valen- maisperguntasque Também a performer Val Souza en-
contra nas joias rastros de uma histó-
neira muito perspicaz, que elas eram
autoras e coautoras das imagens. As
preciativo. “As joias eram usadas por
mulheres negras nos séculos XVIII e
ça, onde nasceu, para Salvador, onde
iria cursar o vestibular para literatura,
respostas” ria distinta da que tem dominado a
historiografia brasileira. Em sua pes-
joias são documentos vivos sobre o
papel que exerciam no contexto his-
XIX, as ganhadeiras, escravizadas que que, ao conhecer o acervo do Museu Rafael Moraes quisa sobre retratos de mulheres ne- tórico da escravidão”. ■
NÁDIA TAQUARY/DIVULGAÇÃO RAFAEL MORAES/DIVULGAÇÃO

À esq., obra de
Nádia Taquary em
exposição no MAR.
À dir., bracelete de
copo, joia de matriz
africana, com efígie
central de mulher
europeia, parte da
coleção do
antiquário Rafael
Moraes
12 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

O apelo do enigma
DIVULGAÇÃO

Pesquisa Laura de Mello e Souza, que ganhou Prêmio


Internacional de História, diz que Brasil desperta muita
curiosidade entre historiadores do mundo. Por Maria da Paz
Trefaut, para o Valor, de São Paulo

“Minha mãe sempre disse: não crio fi- e francês. “Também me viro bem no es- aula em qualquer universidade do mun-
lhas para se casarem, crio filhas para se- panhol, como todo o brasileiro, falo do. Mas tá lá na Bahia e quer ficar.”
rem independentes”, lembra Laura de um patuá”, diz rindo. Aos 19 anos in- Outra explicação que ela dá para a
Mello e Souza, de 71 anos, a primeira mu- gressou no Departamento de História visibilidade internacional da historio-
lher e a primeira pessoa do continente da Faculdade de Filosofia, Letras e grafia brasileira é o fato de o Brasil ser
americano a receber o Prêmio Interna- Ciências Humanas da Universidade de um enigma: um país riquíssimo e com
cional de História. A distinção criada em São Paulo e está lá até hoje, onde atua um dos maiores índices de desigual-
2015, concedida pelo Comitê Internacio- como professora aposentada. dade do planeta. “É um país que des-
nal de Ciências Históricas (fundado em “Minha alma mater, sempre digo, é a perta muita curiosidade, que tem con-
Genebra em 1926), será entregue numa USP.” E foi esse caminho que a permitiu tingentes populacionais muito varia-
cerimônia em Tóquio, em outubro. percorrer o mundo como professora dos. Desde ascendência europeia, ára-
“Recebi a notícia do prêmio sentada convidada dando cursos breves e semi- be, japonesa, até as populações origi-
naquela cadeira [aponta para a janela] nários. Professora para valer, de gradua- nárias, que ainda estão aí falando e
e quase desmaiei. Fiquei dois dias ção, foi em Paris e na Universidade do que agora começamos a enxergá-las.”
meio atordoada. Não é um prêmio Texas, em Austin, nos Estados Unidos. Outro componente nesse variado
que você saiba alguma coisa a respeito “Aprendi muito no Texas. É a maior uni- caldo cultural é a imensa presença
dele como o Jabuti, por exemplo, que versidade pública dos EUA. O fato de ser africana — é a maior população africa-
tua editora te inscreve. Há imensos pública não quer dizer que seja gratuita, na fora da África. “Tudo isso, durante
historiadores vivos. E muitos deles te- mas é muito mais barata do que as ou- muito tempo, fez do Brasil uma espé-
riam 30 vezes mais possibilidade de tras. E lá é o maior centro de estudos lati- cie de exemplo de concórdia racial e
ganhar do que eu”, conta, vestida de no-americanos do mundo. Tem uma bi- hoje em dia nós estamos vendo que
forma clássica, em seu apartamento blioteca absolutamente extraordinária, não é nada disso. A historiografia tam-
no bairro dos Jardins, em São Paulo. muito dinheiro, e é uma das universida- bém deu uma guinada nesse sentido,
Aqui é sua base, a cidade onde nas- des norte-americanas que têm uma ver- por mais importante que eu ache que
ceu e viveu sempre e para a qual voltou ba especial para contratar professores o Gilberto Freyre tenha sido.”
em meados de 2022, depois de lecio- latino-americanos.” O perfil dos alunos, A contribuição de Mello e Souza pa- “Minha experiência décadas pra entender que você vira
nar durante oito anos na Universidade relata, é muito misturado, com muitos ra a historiografia é vasta. Passa pelo prova que o grande outra pessoa quando entra na sala de
de Paris IV — a Sorbonne. “São Paulo é hispânicos bilíngues. período colonial, pelo império, por es- meio de ascensão aula. Encarna outra persona, age e diz
minha cidade preferida. Adoro morar A historiografia brasileira, segundo tudos sobre religiosidade. Entre os li- social é o coisas que normalmente não diz as-
aqui. É uma falsa cidade horrorosa. Mello e Souza, hoje é fortíssima e cada vros que publicou estão “O diabo e a conhecimento”, sim conversando. Tem sempre um
diz Laura de
Claro que quando passo na Amaral vez mais reconhecida internacional- terra de Santa Cruz” (1986) e “Inferno pouco de ator no professor. Naquele
Mello e Souza
Gurgel, o cenário é terrível. Mas o Brasil mente. “Sou suspeita para falar, mas, Atlântico” (1993), ambos pela Compa- que se investe de verdade.”
inteiro tem aspectos medonhos. Ou é dentro das ciências humanas, acho que é nhia das Letras. Apaixonada pelo ro- Nessa qualidade, afirma que o edu-
uma coisa radiosa ou uma ignomínia”, a disciplina que tem mais impacto.” Isso mance histórico, revela que leu “Guer- cador não tem o direito de ser pessi-
diz, antes de elogiar a vida cultural da se deve à qualidade dos profissionais e ra e paz”, de Liev Tolstói, cinco vezes. mista. Ainda que, pessoalmente, ela
grande metrópole. “Tem exposições ao fato de o Brasil ter uma historiografia Em inglês, francês e duas vezes em seja. “Otimista com o Brasil? Não sou,
incríveis e a cena musical é maravilho- de inserção internacional em função dos português, “muitíssimo bem traduzi- infelizmente. Mas acho que a gente
sa. No Theatro São Pedro, no Municipal cursos de intercâmbio. “Os grandes his- do pelo Rubens Figueiredo”. tem que agir com otimismo e fazer tu-
e na Sala São Paulo. Algumas das mon- toriadores do mundo já deram cursos “‘Guerra e Paz’ é um romance de his- do para que o Brasil se transforme. Se a
tagens de óperas mais incríveis vi aqui, aqui.” E cita o francês Michel Foucault toriador. Muitos desses romances tra- gente lutar contra a desigualdade e
inclusive ‘O Guarani’, no ano passado.” (1926-1984), com quem fez um curso na tam de certos períodos melhor do que pela liberdade, a gente vai construir
Ela cresceu num meio intelectual USP que foi interrompido em função do qualquer historiador. Sempre leio a li- uma sociedade mais justa do ponto de
privilegiado, filha do sociólogo e críti- assassinato do jornalista Vladimir Her- teratura com olho de historiadora e vista dos gêneros, das etnias, de tudo.”
co literário Antonio Candido de Mello zog, durante a ditadura militar. seleciono alguns parágrafos para A colonização foi um dos nossos ma-
e Souza e da crítica de arte e filósofa Por outro lado, afirma que a historio- meus alunos.” les, mas não pode ser uma desculpa infi-
Gilda de Mello e Souza. As origens da grafia brasileira no que diz respeito à es- No início, Mello e Souza resistiu a le- nita. “Teria dado tempo da gente refazer
família misturavam cidades do Rio, de cravidão é, ao lado da americana, a mais cionar, queria ser pesquisadora ape- esse percurso se tivesse a coisa mais ele-
São Paulo e de Minas Gerais. Nessa forte do mundo. “Temos historiadores nas. Divorciada e com duas filhas, não mentar que todo o mundo sabe que tem
mescla havia alguns acadêmicos e com nome internacional como o João Jo- teve saída. A terceira filha, de outro ca- que ter: educação. Uma educação de
profissionais liberais, mas a maioria sé Reis. Ele é um dos responsáveis pela samento, veio mais tarde, quando ela qualidade que permitisse o desenvolvi-
era composta por fazendeiros, que se guinada no estudo da escravidão e talvez já começava a descobrir sua paixão pe- mento do pensamento crítico. Minha
dedicavam à criação de gado. seja o mais importante de todos. O João é lo ensino. “Eu morria de medo da sala experiência prova que o grande meio de
Aluna do Colégio Dante Alighieri, traduzido nos Estados Unidos e não dá de aula. Ia com taquicardia e demorei ascensão social é o conhecimento. É o
Mello e Souza estudou italiano, inglês aula lá porque não quer. Ele podia dar anos pra me sentir à vontade. Demorei elevador social, como se chama.” ■

A guerra no ar de Spielberg e Tom Hanks


.

DIVULGAÇÃO

TV ‘Masters of the Air’ integra antologia


de guerra iniciada pela dupla em ‘Band
of Brothers’. Por Luciano Buarque de
Holanda, para o Valor, de São Paulo

Tudo começou em “O Resgate do padrão de TV ao nível das maiores su-


Soldado Ryan” (1998), épico de guer- perproduções do cinema. Era 2001,
ra dirigido por Steven Spielberg e afinal, muito antes de “Game of Thro-
coestrelado por Tom Hanks. Embora nes” e tudo o que veio depois.
uma obra de ficção, o filme capturou “Masters of the Air” é o terceiro volu-
um realismo até então inédito, ao re- me desta franquia. Foi anunciada há
criar todo o caos e a tensão do desem- mais de uma década e sofreu sucessi-
barque das tropas aliadas na Nor- vos atrasos, em parte em virtude da
mandia, no histórico Dia D. A dupla pandemia de covid-19, em parte devi-
Spielberg e Hanks, então, reaprovei- do a impasses nas negociações — origi-
tou tanto a equipe quanto as locações nalmente produzida pela HBO, a fran-
de “Soldado Ryan” para produzir a quia agora passa para a Apple TV+.
minissérie “Band of Brothers” (2001), Como antecipa o título, o foco da vez
de temática e espírito similares. está nas batalhas aéreas, tal como narra-
Diferentemente do filme de 1998, das no livro “Mestres do ar”, do historia-
“Band of Brothers” adaptava uma his- dor Donald L. Miller. Um material forte, Callum Turner como um dos líderes da esquadrilha de “Masters of the Air”: série foi baseada em livro do historiador Donald J. Miller
tória real, narrando a campanha da dadas as peculiaridades da aviação mili-
brigada de paraquedistas Easy Com- tar do período, só para começar. Masters of the Air “Masters of the Air” se concentra Novamente sob produção de Steven
pany em diferentes pontos da Europa 1943: era a época dos casacos de EUA - 2024. Criadores: John Shiban, John nos esforços do lendário 100th Bomb Spielberg e Tom Hanks, “Masters of the
ocupada pelos nazistas. Quase dez couro, dos caças de hélice com torres Orloff. Onde: Apple TV+ Group, esquadrilha liderada pelos Air” conta com nove episódios, os quatro
anos depois, os mesmos realizadores de artilharia. A Força Aérea Americana ★★★★★ majores Gale Cleven e John Egan (Aus- primeiros dirigidos por Cary Joji Fukuna-
rodaram “The Pacific” (2010), outra possuía bombardeiros arrojados co- tin Butler e Callum Turner, de “Elvis” e ga,daprimeiratemporadade“TrueDetec-
minissérie baseada em memórias de mo o quadrimotor Boeing B-17 Flying “Animais Fantásticos”, respectivamen- tive”. O início é discreto, definitivamente
ex-combatentes americanos, desta vez Fortress, principal modelo de “Mas- te) e baseada na Inglaterra. nada bombástico em comparação às em-
nas ilhas do Pacífico sob o domínio do ters of the Air”, mas tudo era muito A princípio destacada para missões preitadas anteriores da franquia.
Império Japonês. Lugares como Pavu- precário para os padrões de hoje. de reconhecimento, o regimento ga- Os fãs se sentirão em casa, entretanto:
vu e Guadalcanal, onde algumas das O episódio de abertura mostra como nhou notoriedade pelo altíssimo núme- muda a plataforma, mas a abordagem
batalhas mais sangrentas da Segunda eram frequentes trens de pouso emper- ro de baixas sofridas. Em menos de dois permanece a mesma, dos combates
Guerra foram travadas. rados e aviões saindo de rota, operando anos, perderam 177 aeronaves e 732 pi- apoteóticos ao melodrama sutil, pas-
Ambas as produções arrebataram com prosaicas ferramentas manuais. lotos, razão pela qual eles ganhariam o sando por créditos de abertura muito
crítica, público e os principais prê- Muitos escaparam do fogo inimigo para apelido de “The Bloody Hundredth”. familiares. Inspirado como sempre, o
mios da televisão. “Band of Brothers”, morrer em quedas ou colisões banais, Numa missão, em particular, o grupo casting inclui Barry Keoghan (“Salt-
em especial, fez história elevando o parte da rotina diária daqueles homens. perdeu metade de seu contingente. burn”) e Anthony Boyle (“Tolkien”). ■
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 13

DIVULGAÇÃO

A evolução de
de entrar na cabeça da Celie permitiria
ver e sentir tudo o que acontecia com a
personagem”, comenta Oprah.
Bazawule é um artista multimídia de
Gana, mais lembrado por ter codirigi-
do “Black Is King”, em 2020, com

‘A Cor Púrpura’
Beyoncé. “Foi importante entender que
‘A Cor Púrpura’ era um texto sagrado e,
como Oprah costuma dizer, uma fonte
de cura para muitos”, conta o cineasta,
que também participou do evento onli-
ne. “Estava claro para mim que, se eu
não tivesse nada de novo para trazer,
era melhor abandonar o projeto. Levei
Cinema Versão musical dá vida ao um tempo para perceber o que pode-
ríamos acrescentar. Voltei ao livro de
mundo interior da protagonista Celie. Alice e a resposta estava logo na pri-
meira página, nas primeiras palavras,
assim que li ‘Querido Deus’”, completa
Por Elaine Guerini, para o Valor, de ele, lembrando que a narrativa é estru-
turada com cartas de Celie para Deus e
São Paulo também para a irmã, Nettie.
“Alguém que escreve sobre a sua
condição para Deus só pode ter uma
forte imaginação. E se pudéssemos ex-
pandir, dando voz a essa imaginação,
Oprah Winfrey tinha 30 anos quan- de uma nova versão cinematográfica estaríamos contribuindo com a obra,
do recebeu o telefonema de Steven do enredo, calcado no racismo, no pa- com esse multiverso que é ‘A Cor Púr-
Spielberg confirmando que ela encar- triarcado, no sexismo e na violência do- pura’”, diz o diretor, de 41 anos. “Ainda
naria Sofia em “A Cor Púrpura” (1985). méstica no sul dos EUA. O longa-metra- que o mundo tenha mudado, há uma
“Nunca quis algo tão intensamente na gem que chega agora ao Brasil é, mais nova geração que infelizmente conti-
minha vida”, diz a apresentadora, es- precisamente, uma adaptação do mu- nua lidando com as mesmas questões
critora, produtora e atriz, que foi esco- sical da Broadway, que estreou nos pal- pesadas. Precisávamos então encon-
lhida na época mesmo sem ter expe- cos em 2005, baseado tanto no livro trar um jeito novo para reapresentar
riência em artes dramáticas. quanto no filme de Spielberg, indicado os problemas e tentar solucioná-los,
Diante da câmera, ela até então só ti- a 11 Oscars em 1986. Fantasia Barrino e menos tolerado, considerado mais como violência baseada em gênero ou
nha apresentado um programa matinal Entre as categorias, Oprah concorreu Taraji P. Henson em uma exploração perversa. discriminação por orientação sexual
de baixa audiência chamado “AM Chica- à estatueta de melhor atriz coadjuvante cena do novo “A Cor A evolução a que Oprah se refere diz ou racial”, acrescenta Bazawule.
go”. “Foi o momento que mudou tudo daquele ano, pelo desempenho como Púrpura”, baseado respeito à aura de superprodução dada Para Brooks, não importa o tama-
na minha trajetória, abrindo as portas Sofia, a destemida enteada de Celie. E a no musical da aqui à jornada emocional da protago- nho do tombo, referindo-se a mulhe-
Broadway
para o ‘The Oprah Winfrey Show’, que história se repete agora, com a indica- nista, que ganha ainda mais ecos com a res negras que a vida insiste em derru-
veio logo depois”, conta, referindo-se ao ção de Danielle Brooks ao Oscar (a úni- inserção de números musicais, fazendo bar, como Celie ou Sofia. “No final, vo-
talk show exibido de 1986 a 2011, que ca que a produção recebeu), também aflorar os sentimentos. Celie (interpre- cê sempre pode se levantar e dizer o
fez dela uma celebridade. por Sofia, responsável por um dos me- tada agora por Fantasia Barrino, que fez seu ‘Nem no inferno’”, afirma a atriz de
Quando soube que Spielberg adapta- lhores momentos da obra. A certa altu- o mesmo papel na montagem teatral) 34 anos, que reprisa o papel desempe-
ria para as telas o livro de Alice Walker, ra, Millie, a mulher do prefeito, vê Sofia também não precisa esconder a atração nhado no revival do musical “A Cor
publicado em 1982 e vencedor do Prê- nas ruas e, após elogiar a limpeza de que passa a sentir por Shug Avery (Taraji Púrpura”, na Broadway, em 2015. “Na
mio Pulitzer de ficção, Oprah simples- suas crianças, pergunta se ela não quer P. Henson), a cantora amante de seu ma- época, dizer ‘Nem no inferno’ todas as
mente pôs na cabeça que participaria da trabalhar em sua casa, como emprega- rido, deixando que o romance floresça noites no palco foi dizer ‘Nem no in-
empreitada. Em parte, por ter sentido da. Sofia solta um “Nem no inferno!”, — diferentemente do ocorrido no filme ferno’ para os meus medos. E hoje isso
uma profunda conexão com o material. ainda que ela acabe levando uma bofe- anterior, mais contido nesse aspecto. é um hino para mim.”
Oprah foi abusada física e sexualmente tada do prefeito pela resposta. Outra novidade é o mundo interior E não é necessariamente preciso
quando era jovem, assim como a prota- “O que experimentamos agora é de Celie, que ganha vida aqui, com ce- que essas mulheres perdoem aqueles
gonista da obra literária, Celie. uma evolução de ‘A Cor Púrpura’”, con- nas que conferem um toque quase de que lhe fizeram mal, segundo Oprah.
Trata-se de uma garota negra da zo- ta Oprah, em encontro virtual com realismo mágico à narrativa. “Quando “Não é essa a mensagem do filme. Há
na rural da Geórgia, do início do sécu- jornalistas, do qual o Valor partici- começamos a conversar com Blitz [o uma fala maravilhosa que eu lutei pa-
lo XX, que é estuprada pelo padrasto, pou. Embora a releitura seja fiel à tra- cineasta Blitz Bazawule], já tínhamos ra manter no roteiro, no final da histó-
obrigada a entregar os dois filhos que ma e à mensagem do original, que ce- entrevistado uns quatro ou cinco can- ria. Mister pede desculpa a Celie, di-
teve com ele à adoção e ainda forçada lebra a resiliência, a superação e a ir- didatos”, recorda Oprah, que produz o zendo que ela está bonita e que quer
a se casar com um homem violento, mandade, o último desdobramento filme em parceria com Steven Spiel- sair com ela. Mas Celie é clara: ‘Vamos
chamado apenas de Mister, sofrendo no cinema não é tão calcado na cruel- berg, Scott Sanders e Quincy Jones. ser apenas amigos’. Isso significa que,
todo tipo de agressão em suas mãos. dade e na violência. Este foi o caso do “Decidimos que seria Blitz no mo- quando você perdoa o outro, você faz
“‘A Cor Púrpura’ é um projeto inspi- primeiro filme, que possivelmente es- mento em que ele apareceu no vídeo, isso por si mesmo, para seguir em
rador. Alice Walker é apenas uma, mas cancarou o sofrimento da protagonis- em nosso encontro virtual, durante a frente. E não para ter o outro de volta
ela fala por 10 mil”, afirma Oprah, de 70 ta para acentuar o caráter de denúncia pandemia, com a sua apresentação do na sua vida, comendo na mesma mesa
anos, agora responsável pela produção da obra, o que nos dias de hoje seria filme em storyboard. Sua brilhante ideia com você”, comenta ela. ■

É Tudo Verdade

Robert
SCOTT GRIES/GETTY IMAGES
Neste dia 15 comemora-se o cente- que eu compreendi foi que algo esta-
nário de nascimento de um dos gran- va definitivamente errado — e era o
des revolucionários do cinema docu- fato de que o filme documental era

Drew aos mentário: o americano Robert Drew


(1924-2014). Drew foi um dos men-
tores e pioneiros da escola do Cine-
baseado na palavra. Era a narração”.
“A história estava na narração (so-
nora), não nas imagens. E, para real-

100 ma Direto, que dinamizou as filma-


gens e a narrativa pela maior agilida-
de na utilização de câmeras mais
mente funcionar, teríamos que regis-
trar imagens espontâneas de pessoas
reais e de situações reais, no local on-
portáteis e do registro sincronizado de as coisas acontecem, e depois edi-
de imagem e som. tar, não com a narração para mantê-
Como toda autêntica ruptura es- las unidas, mas sim com a edição ci-
sencial, Drew não a fez sozinho. No nematográfica para mantê-las uni-
que se tornaria a equipe histórica da das. Assim poderíamos ter o desen-
Drew Associates, na virada dos anos volvimento de personagens e cenas,
1950 para os 60, reuniram-se mestres poderíamos construir um clima, su-
como Albert Maysles (1926-2015), D. cessos e fracassos, mas não estaría-
A. Pennebaker (1925-2019) e Richard mos falando sobre isso o tempo todo.
Leacock (1921-2011), todos exímios Saí de Harvard com essa compreen-
diretores de fotografia que desenvol- são, a de que tínhamos que fazer isso”.
veram carreiras solo como realizado- É tocante ainda a evolução de per-
res de documentários clássicos, so- sonalidade que testemunhou ao fil-
bretudo a partir da separação em mar JFK: “Kennedy na campanha era
meados daquela década. uma figura glamourosa. Ele era con-
Amir Labaki Mas se deve a Drew a sacada de reu- fiante e forte e bonito e sua esposa
Diretor foi um dos ni-los em equipe, como diretor, pro- (Jacqueline) era ainda mais linda. Na
dutor e técnico de som, para chacoa- Casa Branca ele enfrentou um monte
mentores e pioneiros da lhar a mesmice de documentários es- Robert Drew foi um dos grandes revolucionários do cinema documentário de problemas. Envelheceu rápido; fi-
táticos e chatos, narrados por locuto- cou mais sóbrio e mais preciso. Ele
escola do Cinema Direto, res com “vozes de deuses” — o que era pectiva de seus clássicos, como três mentário que nunca finalizei. ainda tinha aquele glamour. Ainda
padrão, sobretudo nos EUA, mas dos principais documentários roda- Drew recordou as paixões por cine- conseguia fazer uma multidão rir”.
que dinamizou as também mundo afora, com raras ex- dos no calor da hora com o presi- ma e por aviação herdadas de seu pai; “Mas tinha questões a equilibrar e
ceções, como os movimentos simila- dente americano John Fitzgerald sua experiência como piloto de guer- com as quais se preocupar, uma delas
filmagens e a narrativa res quase simultâneos iniciados na Kennedy (1917-1963). ra na Itália durante a Segunda Guerra a situação racial nos EUA. A integra-
época no Canadá e na França. O cine- São eles “Primárias” (1960), sobre (1939-1945); a oportunidade inicial ção progredia, mas lentamente”, con-
com filmes como ma do real nunca mais foi o mesmo e a campanha para a indicação do Par- na equipe de fotografia documental ta Drew. “Quando fiz o filme ‘Crise’
sua influência apenas se agigantou a tido Democrata à disputa presiden- da revista “Life”; a sacada quanto à (1963), que trata de integrar a última
“Primárias”, que retrata partir dos anos 1990 com o impacto cial; “Crise” (1963), que registra um necessidade de uma revolução técni- universidade que não estava integra-
da tecnologia digital. momento capital da luta pelos direi- ca para renovar a linguagem não fic- da, vi aquele homem lutando com es-
John F. Kennedy Tive o privilégio de conviver com tos civis dos afro-americanos em sua cional; as primeiras experiências que sas grandes dificuldades e tendo de
Drew e sua mulher, Anne, parceria administração; e “Rostos de Novem- sedimentaram as bases do Cinema resolvê-las. Ele se tornara um homem
essencial como montadora e produ- bro” (1964), um devastador curta- Direto; suas memórias de JFK. muito mais reservado.”
tora, a partir da participação dele, em metragem sobre seu funeral. Todos Celebro modestamente Drew JFK está ao centro também de seu
1998, num inesquecível debate com foram lançados posteriormente em transcrevendo dois preciosos trechos último filme, “Um Presidente a Lem-
Maysles, Pennebaker e Leacock, orga- DVD na coleção Videofilmes, mas es- de seu depoimento. No primeiro, ele brar” (2008). Não menos memorável
nizado pela curadora Betsy McLaine tão esgotados. relembra a reflexão que injetou novo foi Robert Lincoln Drew.
na Academia de Artes e Ciências Ci- Depois de participar de encontros frescor ao documentário.
nematográficas de Hollywood. públicos mediados pelos documen- Fala Robert Drew: “Tirei um ano de Amir Labaki é diretor-fundador do
Para celebrar a 10 a edição do É Tu- taristas João Moreira Salles, no Rio, e folga do meu trabalho na ‘Life’ e fui É Tudo Verdade — Festival Internacional
do Verdade, em 2005, o casal Drew Ricardo Dias, em São Paulo, Robert para Harvard (em 1955) para estudar de Documentários.
nos honrou com uma visita a São Drew me concedeu uma entrevista ‘storytelling’. Havia algo de errado
Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, filmada sobre sua vida e carreira, pa- quanto a ‘storytelling’ em documen- E-mail: labaki@etudoverdade.com.br
acompanhando a pioneira retros- ra o acervo do festival e um docu- tários. Demorou talvez seis meses. O Site do festival: www.etudoverdade.com.br ■
14 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

PABLO JACOB / AGENCIA O GLOBO

Uma tragédia da postumamente, no ano da morte


do autor, e pela primeira vez no Brasil
apenas 60 anos depois.
que poderia ter Não à toa, o filme homônimo dirigi-
do por Jim Jarmusch em homenagem a

sido evitada Paterson tem como protagonista um


motorista de ônibus, interpretado por
Adam Driver. O personagem tem o
mesmo nome da cidade e também se
Daniela Arbex investiga dedica aos versos. Se o itinerário do
morte de garotos em CT poema, tal o cinematográfico, pode su-
gerir que os limites municipais não são
do Flamengo. Por ultrapassados — de modo que o rio
Passaic pode evocar uma mesma paisa-
Gabriel Zorzetto, para o gem localizável no mapa — , ele tam-
bém nos escapa porque marcado pela
Valor, de São Paulo mutabilidade intrínseca aos espaços
caudalosos da cidade industrial e do
Longe do ninho percurso das águas, onde são transpor-
Daniela Arbex tadas as mercadorias e achados os cor-
Intrínseca pos de suicidas. Nascente, cataratas e,
304 págs., R$ 69,90 mais além, a foz tampouco dão conta
de assinalar um deslocamento pro-
gressivo em um poema no qual, como
anuncia seu criador em prefácio: “o co-
meço é seguramente/ o fim”.
Colabora para esse movimento inin-
terrupto, em que a cobra morde a cauda,
a alternância abrupta do verso para dife-
A tragédia do Ninho do Urubu, no rentes registros em prosa, como diálo-
Rio de Janeiro, completou cinco anos gos, monólogos, lendas indígenas, crô-
no dia 8 de fevereiro. Naquela madru- nicas, recortes de jornal, com destaque
gada de 2019, dez garotos com idade para as cartas e seu teor autobiográfico.
entre 14 e 16 anos morreram por cau- Em uma dessas missivas, escrita por
sa de um incêndio que se alastrou pe- O Ninho do Urubu, alojamento do centro de treinamento do Flamengo onde um incêndio matou dez jovens jogadores um jovem poeta e endereçada ao “ca-
lo contêiner-dormitório localizado no ro doutor” (William Carlos Williams
centro de treinamento do Flamengo. com familiares, sobreviventes e profis- sencial e contundente ao oferecer a começar, o contêiner-dormitório, cuja era médico, atendia em especial pa-
A catástrofe agora é rememorada no sionais da perícia, ajudam a compor um certeza de que a tragédia do Ninho do estrutura continha chapas de aço, era cientes oriundos da classe operária de
livro “Longe do ninho”, escrito pela quadro detalhado do ocorrido. Urubu poderia ter sido evitada. tão nocivo que seria classificado mais sua região e escrevia entre consultas),
jornalista mineira Daniela Arbex. Arbex revela que oito das dez vítimas A autora relata que, entre 2012 e tarde como “arapuca mortal” pelo juiz lê-se: “Eu vislumbro para mim um ti-
Autora consagrada, Arbex é referên- não morreram dormindo, como as fa- 2019, órgãos públicos cobraram me- que conduziu a denúncia oferecida po de discurso novo [...] na medida em
cia no jornalismo investigativo e tem mílias imaginavam, mas sim enquanto lhorias no alojamento do Flamengo. pelo Ministério Público. que ele seja uma clara descrição fac-
no currículo obras essenciais acerca de tentavam fugir das chamas. “Como não Em 2014, por exemplo, o então presi- Soma-se a esse elemento a precária tual sobre a miséria (e não a miséria
outras tragédias notáveis como “Arras- tinha por onde escoar, em função dos dente do clube, Eduardo Bandeira de instalação elétrica do CT, que deveria em si mesma) e esplendor se houver
tados” (ed. Intrínseca, 2022), sobre o blocos de cimento da edificação, o ca- Mello, se recusou a assinar um Termo ter sido submetida a uma reforma que algum a partir das expedições subjeti-
rompimento da barragem de Bruma- lor se concentrou com maior intensida- de Compromisso de Ajustamento de não ocorreu — segundo um parecer vas através de Paterson. Este lugar é
dinho, e “Todo dia a mesma noite - A de exatamente naquele ponto, atingin- Conduta (TAC), proposto pelo Ministé- técnico independente, contratado pe- como o meu habitat natural da me-
história não contada da boate Kiss” do pelo menos 600 graus Celsius antes rio Público do Trabalho, que previa a lo próprio Flamengo, havia disjunto- mória [...]: embora eu saiba que você
(ed. Intrínseca, 2018), que trata do in- de o fogo ser controlado pelos bombei- “regularização da situação precária res fora de padrão, fiações mal dimen- se alegrará ao dar-se conta de que pe-
cêndio na casa de shows em Santa Ma- ros. A temperatura estava tão elevada e dos atletas da categoria de base”. sionadas e “gambiarras”. lo menos um cidadão de sua comuni-
ria (RS) e virou série da Netflix. a cortina de fumaça tão densa que os Além disso, dias antes do desastre, o Oito réus estão sendo julgados por in- dade herdou sua experiência ao lutar
Boa parte do novo livro-reportagem meninos perderam a orientação espa- recém-empossado presidente Rodolfo cêndio culposo qualificado no processo para conhecer seu próprio mundo-ci-
dedica-se a contar a trajetória daqueles cial”, escreve a jornalista. Landim recebeu um ofício do Ministério que se encontra em grau de recurso. Das dade, através de sua obra, o que é um
jovens: quem eram, quais suas origens e O pós-acidente traz detalhes dramá- Público do Rio de Janeiro com pedidos dez famílias impactadas, apenas uma (cuja feito que você quase não terá imagi-
como chegaram ao clube carioca, cons- ticos e conecta o leitor com o luto das de esclarecimentos sobre a piora das ação ainda está em andamento) não fir- nado ser capaz de alcançar”.
truindo assim uma base emocional que famílias, desde a identificação dos cor- condições dos atletas adolescentes — fa- mou acordo de indenização com o Fla- Para William Carlos Williams, alcan-
sensibiliza ainda mais o leitor quando pos até os respectivos sepultamentos to constatado por um perito do órgão, mengo. Os valores definidos, porém, são çar uma linguagem na qual fosse possí-
este se depara com relato do acidente fa- em meio a comoção nacional, o que que inclusive alertara que tais irregulari- quase irrisórios haja vista que o clube, um vel se reconhecer, assim como tornar re-
tal, momento em que fica claro o afinco nos encaminha à reta final da obra, na dades poderiam “trazer dificuldades em dos mais poderosos da América do Sul, conhecível a visualidade daquilo de que
da autora para reconstituir o que de fato qual percebe-se uma guinada narrati- caso de situações de emergência”. tem a marca avaliada em R$ 516 milhões. E trata, era primordial. Celebrado, mesmo
aconteceu — laudos técnicos e trocas de va em torno das investigações jornalís- Um punhado de fatores contribuí- mais do que isso: dinheiro nenhum é ca- que tardiamente, por ser aquele que
mensagens, bem como entrevistas feitas ticas que tornam “Longe do ninho” es- ram para que o incêndio ocorresse. A paz de suprir a morte de um ente querido. rompeu com os modelos ingleses de ver-
sificação, libertando a poesia americana
da dependência europeia, em “Pater-
Uma cidade, son”, o poeta, filho de um inglês com
uma porto-riquenha, nos coloca em con-

Lançamentos um mundo tato com uma língua coletada de ouvido,


ditada por aqueles que o cercavam nas
ruas e no consultório, cacos de conversas
revelados nas linhas curtas de seus ver-
Qe regressem A revolução do branding ‘Paterson’, de William sos livres. Essa variação idiomática e a
Georges Perec Ana Couto multiplicidades de vozes, com sua infle-
Trad.: Zéfere. Autêntica Gente
Carlos Williams, ganha xão, são de longe o maior desafio da tra-
dução para o português.
144 págs., R$ 69,80 192 págs., R$ 64,90 tradução. Por Luciana Contudo, é importante não confun-
Reconhecido como um grande inova- Precursora em seu segmento, CEO da Araujo Marques, para o dir esse apreço pelo coloquialismo com
dor da forma literária de sua geração, Pe- Ana Couto Comunicação, a autora desta falta de erudição. Embora os grandes
rec (1936-1982) — que integrou o OuLi- obra assegura que, se as marcas nacio- Valor, de São Paulo nomes da poesia e suas influências não
Po, centro de literatura experimental nais fizerem uma gestão rigorosa do in- sejam citados em uma obra que mais
fundado por Raymond Queneau — tem tangível com foco em criação de valor, opta por vocalizar o não livresco, eles
afinal “Les revenentes”, de 1972, publica- elas irão se manter firmes e fortes no Paterson são decisivos na formação de William
do no Brasil. A narrativa, mescla de poli- mercado e competir em igualdade com William Carlos Carlos Williams, caso de Walt Whit-
cial e erótico, traz a história de uma orgia as gigantes globais. Para isso as empresas Williams man (1819-1892), outro obcecado com
organizada com a ideia de se roubarem precisam adotar vários tipos de ações e Trad.: Ricardo Rizzo os achados em quintal americano.
joias. Mas surpreendente para o leitor é a posturas. Entre elas, identificar quando Círculo de Poemas: É que há em meio a esse anseio pelo
forma escolhida para a escrita desse li- chega a hora de um “rebranding”; co- Luna que seria autenticamente dos EUA e con-
vro: eliminando A, I, O e U, Perec utiliza nhecer a metodologia para entender seu Parque/Fósforo temporâneo, sobretudo, o trabalho de
unicamente a vogal E. Zéfere mergulhou código genético; perceber a importância 372 págs., R$ 89,90 quem almeja a singularidade de sua ex-
na tarefa monovocálica após concluir o da coerência das organizações que preci- pressão artística, confundindo-se assim
lipogramático “O sumiço” — tradução sam ser, fazer e falar. E ainda aprender com a noção de fundação de uma poesia
que levou o Jabuti e o Prêmio Literário com exemplos reais por meio de cases nacional. “Mas o poema também é a bus-
Biblioteca Nacional em 2016. globais e nacionais. “A província do poema é o mundo.” ca do poeta por sua linguagem, sua pró-
Retirado de seu contexto, esse verso de pria linguagem que eu, já bem distante
“Paterson”, de William Carlos Wil- do tema material, tinha que usar para es-
As viúvas passam bem Escriba errante liams (1883-1963), pode evocar um crever o que quer que fosse”, escreve o
Marta Barbosa Stephens Fernanda Pompeu território sem fronteiras. Se de fato to- poeta em declaração de 1951, reprodu-
Folhas de Relva Labrador pa-se com o que é da ordem do mun- zida na edição brasileira.
132 págs., R$ 58,90 176 págs., R$ 45,00 dano, de qualquer tempo e lugar, nes- Desse modo, a metalinguagem, isto é,
se que é seu poema mais longo e am- a linguagem do poema como assunto do
Margarete e Guiomar são vizinhas. Elas Escritora, blogueira e oficineira de bicioso, o espaço empírico de onde poema em si, é outra marca incontorná-
se odeiam. E expõem tal sentimento. A si- escrita digital, Fernanda Pompeu des- sua matéria foi recolhida foi delimita- vel de “Paterson”. “Tanta conversa sobre a
tuação é aceita entre as pessoas da vila em creve uma jornada com as palavras e os do pelo poeta desde sua concepção. linguagem — quando não há/ nenhum
que moram — embora algumas desejem amores — jornada com encruzilhadas, Ele queria um local apreensível em ouvido”, lamenta-se em versos. E nesse
que elas sumam de vez. Motivo do ódio? sem GPS, contando a vida de uma es- sua intimidade: nem tão pequeno ponto podemos retornar e apreender o
Seus maridos mataram um ao outro em criba mais inquieta do que correta, quanto a Rutherford natal, nem tão sentido salutar do mundo como a pro-
um duelo sem sentido. Ainda assim am- mais errante do que linha reta. Ela tra- grande como Nova York. víncia do poema anunciado acima:
bas devem, precisam, seguir a vida e cui- fega na fronteira do analógico com o Paterson, em Nova Jersey, mais per- “Quando o sol se levanta, ele se levanta no
dar dos filhos. A altiva Margarete vai à digital, às vezes seguindo “a manada”; to de casa, foi então a eleita a conver- poema/ e quando ele se põe a escuridão
igreja, faz novos amigos. Guiomar encon- outras vezes se insurgindo contra. Ela ter-se, para além de espaço, em um desce e/ o poema fica escuro”, em Pater-
tra um novo amor. O romance foi finalis- foi uma das roteiristas de “Mundo da homem e suas inúmeras facetas no son, a cidade, o poema, o homem, mas
ta do Prêmio LeYa, de Portugal. Natural Lua”, na TV Cultura; lançou o livro de conjunto de livros que compõem a também aqui, quando e onde o lemos.
do Recife, Stephens mora em Londres. Ela microcontos “64”; participou do livro obra, quatro deles lançados ao longo
estreou com o romance “Desamores da “Mulheres guerreiras da paz”; foi “pe- dos anos 1940 e 1950. Embora regis- Luciana Araujo Marques é mestre em teoria
portuguesa”. Seu livro de contos “Feliz na de aluguel” para publicações. Seu tre-se a existência do esboço de um literária e literatura comparada (USP) e
aniversário” foi indicado para o ensino projeto Acelera Texto encoraja escrito- sexto volume, sua versão integral, in- doutoranda em teoria e história literária
médio via PNLD/MEC de 2021. res na esfera digital. ■ cluindo o quinto volume, foi publica- (Unicamp)
Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024 | Valor | 15

LAYRA GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO

Experimental mites entre realidade e ficção.


Diante desses atores-criadores, cada
vez mais serena e madura e menos im-
descomplicado perativa, com mais de 40 anos de car-
reira, Sodré conta que vem abrindo
mão de padronizar os processos para
concentrar-se em seu poder de obser-
Trajetória do Studio vação: “O trabalho do diretor é olhar,
Stanislavski é contada escutar: não é falar”.
Tal como seu mestre Grotowski, So-
em livro. Por João dré acredita que quanto mais atuar pe-
la via não verbal mais conectada estará
Bernardo Caldeira, para o com esse lugar inatingível que esse tea-
tro, sob impulso também de Antonin
Valor, do Rio Artaud, se propõe tocar. Como explica
no livro, a obra de arte (livro, música,
Estrada alta: 30 Jonyjarp Pontes e Branca Temer em “Matrioshka Polifonica” (2021), peça de 2021 do Studio Stanislavski, fundado por Celina Sodré pintura, espetáculo) é apenas veículo.
anos do Studio A arte é aquilo que está para além do
Stanislavski forma de diálogos, nesta obra. lumbrarem as entranhas desses pro- petição do repertório que porventura suporte físico, à espreita do incons-
Celina Sodré, Daniel Depois de ocupar cargos de gestão cessos. Como um dos pilares que nor- já tenham conquistado. ciente, do indizível, da própria vida.
Schenker, Dinah de cultural e dirigir espetáculos no circui- tearam a construção das cerca de 60 Não é por acaso, portanto, que as Professora de teatro da Universida-
Oliveira & Henrique
to comercial (com atores como Beth obras encenadas pelo grupo carioca costuras textuais desses espetáculos de Federal Fluminense, além de direto-
Goulart e Vera Holtz) e em espaços al- está a autoexposição do ator diante privilegiem as escolhas dos próprios ra, Sodré forma não apenas atores, mas
Gusmão (orgs.)
ternativos como presídios, Celina So- do público. Nas conversas entre al- atores, alçados à condição de coauto- relações humanas, como relatam inú-
Hucitec
dré, uma das primeiras mulheres do guns dos atuais 20 membros da res dessa escritura cênica sensorial e meros de seus pupilos. É que esse expe-
240 págs., R$ 70 país a se consolidar numa função ma- companhia e ex-integrantes, como psíquica. Mais que histórias com co- rimento teatral não existe sem uma
joritariamente ocupada por homens, Bruce Gomlevski e Fábio Porchat, o li- meço, meio e fim, buscam-se imagens, ética correspondente. É somente atra-
seguiu o conselho de seu mestre e fun- vro resgata histórias de trabalhos em contradições, traumas, questões vés desses sucessivos pactos de hori-
Com frequência, as expressões artís- dou a sua própria companhia. que atores subiram escadarias de joe- fundamentais da humanidade. Sha- zontalidade, entre múltiplos criado-
ticas englobadas sob o termo “experi- Desde que conheceu e trabalhou com lhos, permaneceram contritos dentro kespeare, Tchekhov, Dostoiévski, Sara- res, entre palco e plateia, que algo as-
mental” são consideradas inacessíveis, o polonês Jerzy Grotowski, considerado de baús ou acionaram suas mais ínti- mago, Clarice Lispector ou cineastas sim, um produto ao mesmo tempo
fechadas, eruditas. Entre os méritos do um dos maiores encenadores de todos mas memórias enquanto diziam o como Bergman, Pasolini e Lars von simples e refinado, se pode dar a ver.
livro “Estrada alta: 30 anos do Studio os tempos, Sodré passou a dedicar-se a texto de suas personagens. Trier, além de pinturas, trilhas, dan- Esse não é um livro que se propõe a
Stanislavski” está o de desmitificar es- metodologias para o desenvolvimento As tarefas físicas e psíquicas cumpri- ça-teatro — são os elementos consti- historiografar cada detalhe de cada
sas ideias e compartilhar com o leitor, do trabalho de atores. Ambos estavam das em cena, portanto, que resultam tuintes dessa paisagem. espetáculo encenado. Caberá ao pú-
de forma direta e descomplicada, os seguindo a pista deixada pelo ator e di- na almejada ação psicofísica formula- É fascinante observar, portanto, essa blico leitor reunir, associar e elaborar
processos de uma companhia teatral retor russo Constantin Stanislavski, no da por Stanislavski, são a tônica desse ênfase a despontar tanto no trabalho da esse emaranhado de depoimentos,
de viés experimental. início do século XX, que buscou sistema- teatro. Numa passagem, Sodré explica companhia como da própria encenação conteúdos, pensamentos, da forma
Em atividade desde 1991, com sede tizar o trabalho de atuação. que é preciso “amar o difícil”, “cons- ao longo do século XX. No campo da que lhe apetecer. Como num cubo
no Instituto do Ator, na rua da Lapa, Com discreta edição, que procura truir esse amor pela dificuldade”. Co- dança, do teatro pós-dramático, da per- mágico, a cada movimento, novas
Rio de Janeiro, o grupo possui como respeitar a coloquialidade das falas, a mo resultado desse procedimento, es- formance, o foco se desloca do texto dra- cores e imagens irão se descortinar,
foco de pesquisa a investigação sobre o obra dá a oportunidade não apenas pera-se que os atores — e por conse- mático, dos sentidos evocados pelas pa- como num salto no ar, um ato de fala
trabalho do ator, cujos métodos e pro- para iniciados, mas também admira- guinte as cenas por eles produzidas — lavras, para a presença desse corpo vivo que inaugura a existência de um espa-
cedimentos são compartilhados, na dores da arte e do teatro em geral, vis- evitem a acomodação, o clichê e a re- em cena, aqui e agora, que fricciona os li- ço coabitado por arte e vida.

Outros Escritos

Arte como
CRIS BIERRENBACH
De passagem pelo Rio de Janeiro, célebre frase: “Nunca mais”.
assisti a uma peça e a um filme que, E no entanto... estamos aqui, cheio
por coincidência, dialogam muito de guerras ao nosso redor, pessoas

antídoto entre si. O filme, muitos de vocês já


devem ter visto, é “Argentina, 1985”,
de Santiago Mitre. A peça, “Lady Tem-
sendo mortas por nada, civis ou sol-
dados, para mim é tudo gente igual.
Acreditar na humanidade nunca es-
pestade”, é um monólogo com An- teve tão difícil. Mas também por isso,
drea Beltrão, dirigido por Yara de No- filmes, peças e livros como esses são
vaes, em cartaz no Teatro Poeira. tão importantes, para nos lembrar
“Argentina, 1985” mostra a história que o “nunca mais” é aqui e agora. No
do “Julgamento das Juntas Militares”, o início dos diários, numa entrada sem
primeiro julgamento do mundo por data de 1972, Mércia escreve: “Aradin
um tribunal civil contra comandantes me surpreendeu com a seguinte afir-
militares. Em 1983, com o retorno da mativa: ‘Mamãe, o pior bicho é o bi-
democracia na Argentina, começou cho homem’”. Aradin era seu filho,
um longo processo de incriminação de com sete anos na altura. É triste que
militares que comandaram uma das essa afirmação tenha se tornado uma
mais terríveis ditaduras, com milhares banalidade corriqueira. Nem conse-
de mortos e torturados. O filme parte guimos mais discordar dela.
Tatiana Salem Levy da história real de Julio Strassera e Luis Ao mesmo tempo, entre nós, encon-
‘Argentina, 1985’, Andrea Moreno Ocampo, os promotores pú- tramos Strassera, Ocampo, A., Mércia...
blicos que enfrentaram as pressões po- E isso não é pouca coisa, haver pessoas
Beltrão e como, quando líticas e militares para levar a cabo o capazes de nos fazerem acreditar que
“Julgamento das Juntas”. nem sempre o pior bicho é o bicho ho-
não há um processo “Lady Tempestade” também parte mem. “Prometi procurar o rapaz; a ve-
de uma história real. Neste caso, da lha saiu chorando”, anota Mércia, em
oficial, temos que advogada Mércia Albuquerque Fer- relação a Dona Rosália, mãe de Jarbas,
reira, uma advogada pernambucana que procurava o filho desesperada-
processar a História de que defendeu prisioneiros políticos mente, antes que fosse morto. A advo-
depois do golpe de 1964 no Brasil. gada, além de defender os prisioneiros,
outra maneira São, portanto, três pessoas reais, duas ampla, geral e irrestrita absolveu os de hoje e o de amanhã. Há um ponto estava sempre dando alento à família.
na Argentina e uma aqui, que tive- nossos carrascos militares, que nunca de encontro entre A. e Strassera: os dois Ela os acolhia, os ouvia, lhes dava espe-
ram a coragem de se opor aos milita- foram julgados. hesitam diante do fantasma à sua fren- rança. Também visitava os presos na ca-
res — num caso, após o fim da ditadu- Sem julgamento equivalente, tive- te, mas os dois acabam por entender deia, enfrentava os militares, gritava,
ra, para incriminá-los; no outro, du- mos que inventar as nossas próprias que, se não o encararem, serão devora- esperneava. Nunca se conformou que
rante, para defender os presos, que formas de ao menos quebrar o silêncio. dos por ele. Ou a gente encara e aborda um Estado pudesse cometer tantas
eram constantemente torturados e, Quando não há um processo oficial, te- o Mal ou ele nos come. crueldades contra seus cidadãos.
muitas vezes, mortos e dados como mos que processar a História de outra Filme e peça são dois exemplos da De vez em quando, entre processos,
desaparecidos. A peça parte dos diá- maneira. A arte sempre esteve aí para arte como antídoto contra o horror. assassinatos e torturas, Mércia ensaia
rios escritos por Mércia entre 1973 e isso, revisitando o passado para não o Diante do dilema: ler ou não ler os um poema, talvez para poder também
1974 (Editora Potiguariana), um ver- deixar afogar no esquecimento. Mes- diários de Mércia, A. opta por ler. E o salvar a si própria. “Apesar do meu sor-
dadeiro testemunho daqueles anos mo, ou talvez sobretudo, quando esse faz junto ao filho, Francisco, que na riso / Há soluços no meu peito / Angús-
de chumbo e da impressionante co- passado é de dor. No dia 23 de abril de peça é F. e dialoga com a mãe enquan- tia em minha alma / Revolta na minha
ragem de uma mulher. 1974, Mércia escreve: “Gostaria de vol- to lê. O contraponto mãe e filho, pre- mente, / Vocês não sofrem sozinhos /
Em seu texto de apresentação, An- tar a ser criança, porque criança não sente e futuro, aparece junto com a Adotei-os, são meus filhos / Se minha
drea diz que “o silêncio só interessa aos tem passado. É maravilhoso não ter o cumplicidade dos dois: o amor que, vida bastasse / Para liberdade lhes dar /
que deveriam ter sido julgados, mas que recordar; por melhor que seja a como a arte, também salva. Em “Ar- Morreria sem lamentar / Só para vê-los
não foram. O silêncio é parceiro do me- lembrança, deixa sempre aquela ponti- gentina, 1985”, depois de não conse- voar”, cantam alguns de seus versos. E
do”. Strassera e Ocampo enfrentam es- nha de saudade”. É claro que no con- guir o apoio de seus contemporâneos, de poesia também se vale “Lady Tem-
se silêncio — que os militares tentaram texto dos seus diário, nos quais encon- Strassera segue a proposta de Ocampo pestade”: Andrea Beltrão é por si só um
impor finda a ditadura, com pressões tramos relatos de torturas, assassina- e forma uma equipe de jovens inte- poema, uma força inigualável nos pal-
políticas — e o medo, para que seja fei- tos, pais desesperados por seus filhos, grantes, que reúnem milhares de pági- cos, uma atriz que ama e respira teatro
ta justiça. No início do filme, Strassera não estamos falando de lembranças nas de provas contra os militares. Com — e nos faz amar e respirar teatro. E no
teme por si e pela família — afinal, se boas, mas do horror que o Estado bra- a ajuda dessa nova geração, o julga- fim do espetáculo a poesia explode
mataram tantos, quem podia garantir sileiro perpetrou durante duas déca- mento decorre em 530 horas de au- quando o que estava escondido — o
que não voltariam a fazê-lo? Ele é acu- das àqueles que não se calaram. diência e 839 testemunhas, que rela- que sempre quiseram nos esconder — é
sado de não ter feito nada durante a di- Na peça, Andrea Beltrão é A., que re- tam cenas de horror que chocaram to- enfim revelado para o espectador.
tadura, por excesso de medo, mas ago- cebe de R. os diários de Mércia. Ela quer do o país, mesmo pessoas que se posi-
ra ele vai se convencendo, com a ajuda e não quer os ler. Sabe que o que essas cionavam a favor da ditadura militar. Tatiana Salem Levy, escritora e pesquisa-
da mulher e dos amigos à sua volta, de páginas escondem é triste demais, po- Os testemunhos narrados no tribunal dora da Universidade Nova de Lisboa,
que não se pode deixar abater pelo te- rém não ler, não saber, não vai fazer são tão desoladores quanto os que A. escreve neste espaço quinzenalmente
mor. No Brasil, nunca tivemos nada pa- com que o horror deixe de ter aconteci- nos revela das páginas de Mércia. No
recido com essa história, pois a anistia do, nem vai nos ajudar a pensar o país fim, ouvimos Strassera pronunciar a E-mail: tatianalevy@gmail.com ■
16 | Valor | Sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

O resgate de
AP PHOTO/BOSTON GLOBE

mos). A seleção e a apresentação da co- “Se você nunca leu a obra de Anne
letânea ficaram a cargo de sua filha e Sexton, agora conhecerá uma poeta

uma poeta
executora literária, Linda Gray Sexton, que fala com uma coragem extraordi-
o que dá inegável autoridade à forma nária e que se aprofunda em assuntos
como a edição foi pensada. Bilíngue, o que eram considerados inadmissíveis
essencial livro, que tem tradução de Bruna Beber,
oferece a oportunidade de se percorrer
em sua época: traumas de infância e
incesto; dependência de drogas e de
também os textos como foram origi- álcool; loucura e depressão; masturba-
nalmente concebidos, o que sempre é ção e menstruação; casamento e adul-
Coletânea apresenta relevante quando se trata de poesia. tério; maternidade, filhos e amizade; o
obra de Anne Sexton Em meados da década de 1950, casa- desejo de viver e o desejo de morrer.
da e mãe de duas filhas, Sexton foi diag- Esses são apenas alguns dos temas que
pela primeira vez no nosticada com depressão e recebeu o ela abordou, cada qual com ardor, fú-
conselho de seu psiquiatra para que ria e, ao mesmo tempo, uma clareza
país. Por Fabricio Vieira, tentasse começar a escrever, poemas contundente”, diz Linda Gray.
talvez, como uma ferramenta de apoio Somando-se a isso uma vida de peque-
de São Paulo terapêutico. E foi assim que nasceu o nas tragédias cotidianas — as crises fami-
trabalho de uma das escritoras mais ce- liares, as internações psiquiátricas, os
Compaixão lebradas de sua geração. Sexton desco- problemas com o álcool, o desfecho com
Anne Sexton briu na escrita uma nova forma de viver o suicídio —, o mito artístico, com seu in-
Trad.: Bruna Beber seus dias e não tardou para que a poe- teresse perene, estava criado. Mas o que
Relicário sia tomasse conta de seu cotidiano. torna sua obra ainda potente e relevante
376 págs., “Debruçada sobre sua máquina de é seu original e esmerado labor poético.
R$ 89,90 escrever enquanto o tempo corria — “Já que perguntou, em geral não
às vezes, até tarde da noite, depois que consigo lembrar./ Chego vestida, sem
todos já estavam dormindo —, ela re- impressões da tal jornada./ Aí a luxúria
visava e tornava a revisar cada poema. quase inominável regressa./ No entan-
Logo, tinha-os em número suficiente to, nada tenho contra a vida./ Conheço
para encher uma pasta”, conta Linda bem as lamelas de grama de que fa-
Cinco décadas se passaram desde a Gray no prefácio. De seu primeiro li- lou,/ os móveis que você colocou no
morte da poeta americana Anne Sex- vro, “Alta parcial do manicômio” sol./ Mas suicidas têm uma linguagem
ton (1928-1974) até que sua obra ga- (1960), até a consagração com o Prê- específica./ Feito marceneiros, querem
nhasse pela primeira vez uma edição A escritora americana Anne Sexton recebeu o Prêmio Pulitzer de poesia em 1967 mio Pulitzer, recebido em 1967, se saber quais ferramentas/ Nunca ques-
no Brasil. Apenas agora, com a coletâ- passariam poucos anos. tionam a mão de obra (...)”, escreve ela
nea “Compaixão”, sua premiada poesia de as editoras brasileiras a terem igno- tação do trabalho de escritoras funda- A temática íntima e pessoal que fez a no poema “Vontade de morrer”.
é vertida ao nosso português. Como rado até o momento. É curioso que mentais até então deixadas em segundo fama de sua obra, enquadrada à época É possível encontrar no YouTube ví-
nunca é tarde para a grande literatura, uma biografia dedicada a ela — “Anne plano por aqui — alguns anos atrás, ha- em uma prateleira que chamavam de deos de Sexton lendo este e outros
não deixa de ser um evento a se come- Sexton: A morte não é a vida” (Siciliano, via sido a vez de a poeta argentina Ale- “poesia confessional”, ao lado de no- poemas seus, o que dá uma ideia mais
morar — finalmente sua força poética, 1994) — tenha sido publicada no Brasil jandra Pizarnik (1936-1972) ter sua obra mes como Robert Lowell (1917-1977), clara de como ela entendia a particular
intocada mesmo com o passar do tem- três décadas atrás, mas sua poesia, per- publicada pela mesma editora. John Berryman (1914-1972) e de sua musicalidade dessas peças. A poesia de
po, poderá chegar a mais leitores. manecido à margem. Talvez o fato de “Compaixão” reúne textos escritos amiga Sylvia Plath (1932-1963) — que Sexton é um marco indiscutível na lite-
Sexton nunca foi uma escritora obs- ser mais fácil vender biografias que li- por Sexton durante toda sua relativa- recebeu de Sexton uma homenagem ratura americana da segunda metade
cura. Ela sempre permaneceu como um vros de poesia explique tal anomalia. mente breve carreira literária, com com o poema “A morte de Sylvia”, pre- do século XX e uma lacuna no merca-
nome de relevo no mundo literário, o A Relicário, ao trazer Sexton ao país, poemas extraídos dos sete livros que sente nesta edição —, ainda é um dos do editorial brasileiro é sanada agora
que torna difícil de entender o porquê dá uma importante sequência à apresen- publicou em vida (mais alguns póstu- pontos que atrai novos leitores. com o lançamento de “Compaixão”. ■

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10 e 12/2. Alegria no Carnaval de
Sábado e Pernambuco
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10/2. Sábado, 16h30. Vitória Mendonça
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Mantiqueira 10 e 11/2. Sábado, 21h. É Di Santo 10 e 11/2. Sábado, 21h30. Cornucópia Ventura
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Santana Sábado e 11/2. Domingo, 14h.
domingo, 16h30. Itaquera
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Encarnación 10 a 13/2. Sábado a terça, 15h30. o Rachão de do Vôlei Feminino Brasileiro
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Tradução em libras (11 e 18/2). Feminino Até 1/5. Terça a sexta, 10h às 21h.
Até 18/2. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 18h30. Charanguinha do França 10/2. Sábado, 15h. Sábado, domingo e feriado, 11h às 18h.
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Festas, Sambas Andança: Os Encontros
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Carnavais de Beth Carvalho 11/2. Domingo, 12h.
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