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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE MEDICINA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Monografia aprovada em 23/09/2021


Nota: 9,3

Aluno: Emerson Leão Inácio de Melo Júnior

Departamento de cirurgia geral e especializada

Professor orientador: Prof. Estêvão Luiz Carvalho Braga

Niterói, RJ

2021

Emerson Leão Inácio de Melo Júnior


Manejo de via aérea difícil

Revisão de literatura

Monografia produzida e apresentada à


Coordenação do Curso de Graduação
em Medicina da Universidade Federal
Fluminense, como requisito necessário
à obtenção de grau de médico.

Área de concentração: Anestesiologia

ESTEVAO LUIZ Assinado de forma digital por


CARVALHO BRAGA ESTEVAO LUIZ CARVALHO BRAGA
estevaobraga@id.uff.br:118471007
estevaobraga@id.uff 40
Dados: 2021.07.24 22:47:35 -03'00'
.br:11847100740

Orientador: Prof Estêvão Luiz Carvalho


Braga

Niterói, RJ

2021

2
Emerson Leão Inácio de Melo Júnior

Manejo de via aérea difícil - Revisão da literatura

Monografia apresentada à
Coordenação do Curso de Graduação
em Medicina da Universidade Federal
Fluminense, como requisito para
obtenção de grau de médico. Área de
concentração: anestesiologia

Aprovada em de de 2021.

BANCA EXAMINADORA

Niterói, RJ

2021

3
DEDICATÓRIA

A Deus que me deu condição para chegar até


aqui e me permitirá chegar ao meu destino.

Aos pacientes e cadáveres que me ensinaram


muito mais do que um dia poderei retribuir.

À minha família, principalmente minha mãe


Eloiza e meu irmão Eduardo, que estão comigo
em todos os momentos.

Aos meus professores que tiveram empenho,


paciência e empatia por mim e pelos pacientes.

4
AGRADECIMENTOS

À minha avó, Loide, que seguirá sempre em minha memória.

À minha mãe, Eloiza, minha futura colega de profissão, veterana de longa

data de faculdade, pessoa de pulso firme e carinhosa, demonstrou

principalmente no ano de 2021 o tipo de médico que almejo ser.

Ao meu irmão, Eduardo, também futuro colega de profissão, carinhoso,

amoroso, obrigado por me trazer tanto orgulho e felicidade.

Ao meu pai, Emerson, que esteve presente em momentos difíceis e me

deu suporte necessário, meu muito obrigado.

Aos meus amigos Kaio, Leonardo, Pedro e João, obrigado por cada

reunião, risada, conversa e conselho que me deram nesses mais de 9 anos de

amizade, vocês se formam comigo.

Aos meus amigos e colegas de faculdade, obrigado pela paciência,

companheirismo, pela convivência, por me suportarem e por fazerem momentos

difíceis se tornarem mais leves. Sentirei saudades.

Aos professores da Universidade Federal Fluminense e médicos do

Hospital de Força Aérea do Galeão que, independentemente de suas

particularidades e cadeiras, contribuíram com minha formação médica. Em

especial, gostaria de agradecer ao professor Estêvão Braga, orientador desse

trabalho e excelente professor, me ajudou também na escolha de especialidade

e à Coronel Lilian Acha por ter aberto as portas de seu CTI e ter sido um

exemplo de perseverança, empatia e foco, além de médica excepcional.

E por fim, e com certeza, não menos importante, aos pacientes e

cadáveres que em seu silêncio ou histórias homéricas mostram que antes de

qualquer coisa, a função do médico é ser um bom humano.


5
SUMÁRIO

1) RESUMO ....................................................................................................... 9

2) ABSTRACT .................................................................................................. 10

3) INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11

4) OBJETIVO ................................................................................................... 12

5) MÉTODOS ................................................................................................... 13

6) REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......................................................................... 14

6.1) ANATOMIA ............................................................................................... 14

6.2) ABORDAGEM DE VIA AÉREA ................................................................. 19

6.3) PREDITORES DE VIA AÉREA DIFÍCIL .................................................... 21

6.4) DISPOSITIVOS DE VIA AÉREA ............................................................... 28

6.5) DIRETRIZES DE VIA AÉREA DIFÍCIL ...................................................... 36

6.5.1) SOCIEDADE DE VIA AÉREA DIFÍCIL – 2015 ....................................... 36

6.5.2) VORTEX APPROACH ........................................................................... 43

7) CONCLUSÃO .............................................................................................. 49

8) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 50

6
2. LISTA DE ABREVIATURAS

VAD: via aérea difícil

TOT: tubo orotraqueal

ASA: Sociedade Americana de Anestesiologia

DAS: Sociedade de Via Aérea Difícil

SAD: dispositivo supraglótico de via aérea

CLMA: máscara laríngea clássica

ML: máscara laríngea

VLG: videolaringoscópio

7
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - vista inferior de parte superior de cavidade oral ................................................ 15


Figura 2 - corte mediano de cabeça e região cervical ......................................................... 16
Figura 3 - vista posterior de parte anterior de faringe ......................................................... 17
Figura 4 - vista lateral direita de arcabouço ósseo e cartilaginoso de laringe ................... 18
Figura 5 - laringoscopia indireta com espelho e estruturas de via aérea ........................... 19
Figura 6 - Técnica de ventilação sob máscara facial a duas mãos. Indicadores e
polegares fazem pressão sob máscara enquanto os demais dedos anteriorizam
mandíbula ...................................................................................................................... 20
Figura 7 - Importância do posicionamento no paciente obeso mórbido. A) paciente em
posição supina sem coxins, com acesso à via aérea bloqueado. B) O mesmo
paciente posicionado adequadamente em rampa, com alinhamento do meato
acústico externo e da fúrcula esternal ......................................................................... 21
Figura 8 - Sinal da reza à esquerda, demonstrando limitação ao movimento do diabético
de longa data e à direita representação do arco de movimento padrão ..................... 23
Figura 9 - Regra 3-3-2 para via aérea difícil. A: 3 dedos de abertura bucal / B: 3 dedos de
distância hióide-mentoniana / C: 2 dedos de distância tireo-hióidea ......................... 24
Figura 10 - Escala Mallampati .............................................................................................. 24
Figura 11 – CLMA à esquerda e Combitube à direita .......................................................... 29
Figura 12 - Máscara Laríngea i-Gel....................................................................................... 29
Figura 13 - Baska Mask ......................................................................................................... 30
Figura 14 - Máscara Laríngea Fastrach ................................................................................ 32
Figura 15 - Combitube à esquerda comparado ao tubo orotraqueal, mais fino, à direita 33
Figura 16 - Bougie, também conhecido como Frova ........................................................... 34
Figura 17 - A: Airtraq SP / B: The Pentax AWS / C: The Storz C-Mac / D: The GlideScoope
GVL/ E: The MacGrath Series 5..................................................................................... 35
Figura 18 - Protocolo da Sociedade de Via Aérea Difícil 2015 para manejo de via aérea
difícil não antecipada em adultos ................................................................................. 37
Figura 19 - Implementação do Modelo Vortex ..................................................................... 43
Figura 20 - Zona Verde do Protocolo Vortex........................................................................ 45
Figura 21 - Representação lateral do Vortex demonstrando visualmente o aspecto de
funil ................................................................................................................................ 46

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Fatores preditivos de dificuldade nas diferentes fases de manejo de via aérea
................................................................................................................................................. 27
Tabela 2 - Plano A ................................................................................................................. 39
Tabela 3 - Plano B ................................................................................................................. 40
Tabela 4 - Plano C ................................................................................................................. 41
Tabela 5 - Plano D ................................................................................................................. 42
Tabela 6 - Abordagem de situação não intubo não ventilo ................................................. 47

8
1) RESUMO

O manejo de via aérea é um dos pilares ao atendimento médico


principalmente no contexto cirúrgico e de emergências médicas. Um tabu para
alguns profissionais é ao mesmo tempo a especialidade de outros. De toda
forma, no atual momento de enfrentamento da pandemia de COVID-19, retoma-
se a necessidade de estudo e conhecimento acerca da anatomia e fisiologia de
vias aéreas, além do ganho de intimidade com tecnologias que facilitam a
manejo de via aérea e também dos inúmeros protocolos e algoritmos
desenvolvidos sobre o tema. Um receio de uma parcela considerável de médicos
que trabalham em unidades intensivas, emergências e ambulâncias gira em
torno do tema via aérea difícil, sendo o objetivo principal dessa monografia
realizar uma abordagem acerca da anatomia de vias aéreas, dispositivos
utilizados para facilitar a intubação e sobre protocolos de manejo de via aérea
difícil.

9
2) ABSTRACT

Airway management is one of the pillars of medical care, especially in the


surgical and medical emergency context. A taboo for some professionals is at
the same time the specialty of others. In any case, in the current moment of
coping with the COVID-19 pandemic, the need for study and knowledge about
the anatomy and physiology of the airways is resumed, in addition to gaining
intimacy with technologies that facilitate airway management and also of the
numerous protocols and algorithms developed on the subject. A fear of a
considerable number of physicians working in intensive care units, emergencies
and ambulances revolves around the difficult airway theme, and the main
objective of this monograph is to approach the anatomy of the airways, devices
used to facilitate intubation and about difficult airway management protocols.

10
3) INTRODUÇÃO

O manejo adequado de via aérea difícil (VAD) torna-se um diferencial


importante para a sobrevida de pacientes que necessitem por quaisquer motivos
de ventilação mecânica via tubo oro-traqueal (TOT), principalmente sobre
aqueles críticos uma vez que são os mais suscetíveis à hipoxemia, hipotensão,
instabilidade hemodinâmica, parada cardíaca e morte¹. O estudo de Lars
Dahlgaard Hove, M.D. et al. afirma que, mesmo entre anestesistas, a falha no
manejo da via aérea e da ventilação é a principal causa de morte associada à
anestesia², ressaltando a relevância da discussão sobre o tema.

Conseguimos observar também nas últimas décadas o desenvolvimento


e a popularização de novos dispositivos que possibilitam maior segurança no
manejo da via aérea¹. Alguns dos diversos exemplos que podemos elencar são
bougie, vídeo-laringoscópios que auxiliam na intubação orotraqueal. Para
garantir a ventilação supra-glótica, temos como exemplo a máscara laríngea e a
própria máscara facial. Por fim, a técnica cirúrgica de cricotireoidostomia também
é um meio possível de se acessar a via aérea do paciente, apesar de ser
reservada como terapia de resgate, na qual todos os outros métodos tiveram
falhas para assegurar ventilação do paciente.

Não existe uma definição padrão do termo via aérea difícil. Uma delas
pode ser relacionada à quando existe uma situação clínica em que um
anestesiologista convencionalmente treinado experimenta dificuldades com
ventilação sob máscara, dificuldade para intubação oro-traqueal ou ambas,
como afirma a Sociedade de Anestesiologistas Americana (ASA), em 2003
Aprofundando-se neste assunto, podemos observar mais dois importantes
tópicos que seriam VAD antecipada, na qual o médico a realizar a intubação,
através de anamnese, exame físico, observação atenta a preditores e relato de
VAD prévio se prepara para tal desafio atentando-se à técnica adequada, uso de
dispositivos e convocação de outro médico, de preferência mais experiente, por
exemplo.3 E na outra ponta do espectro, a VAD não antecipada, na qual a
dificuldade de intubação ou ventilação não é predita, tornando o procedimento
mais arriscado e com maior chance de agregar morbimortalidade ao paciente.

11
4) OBJETIVO

Realizar uma revisão narrativa da literatura acerca da anatomia,


dispositivos, preditores e diretrizes sobre via aérea difícil.

12
5) MÉTODOS

Para elaboração desse trabalho de conclusão, foi realizado pesquisa em


fonte de dados PUBMED com os temas “difficult air way”, “dispositives for difficult
airway”, “approach of difficult air way”, além das diretrizes internacionais da
Sociedade de Via Aérea Difícil (DAS) de 2015 e do Protocolo Vortex (Vortex
Approach) de abordagem à via aérea difícil de 2016.

13
6) REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

6.1) ANATOMIA

O conhecimento básico acerca da anatomia de boca, orofaringe, laringe e região


cervical como um todo é de extrema relevância no domínio da via aérea, para
que em situações de emergência que fujam de uma laringoscopia padrão e
eletiva, como por exemplo, casos de hemorragia digestiva alta com sangue em
cavidade oral ou também a intubação durante massagem cardíaca não atrapalhe
manejo definitivo de via aérea e não agregue morbidade ao procedimento.3,

A região oral compreende a cavidade oral, dentes, gengiva, língua, palato


e região tonsilar. Tratando especificamente da cavidade oral (boca), ela é
dividida em vestíbulo da boca e cavidade própria da boca. Para manejo de via
aérea, nosso enfoque deve se voltar à segunda parte da boca. Este é definido
como o espaço entre as arcadas maxilares e mandibulares (limites laterais),
anteriormente pela dentição incisiva, o assoalho é a língua e músculos
submandibulares, o teto é o palato e faz limite posterior com a parte oral da
faringe.4

14
Figura 1 - vista inferior de parte superior de cavidade oral

Fonte: Moore, Keith L.; DALLEY, Arthur F.. Anatomia orientada para a clínica. 8 ed.

O palato, como dito, forma o limite superior da boca, além de ser o


assoalho para a cavidade nasal. É dividido em duas regiões, o palato duro
(anterior) e o palato mole (posterior). O palato duro tem formato côncavo, é
imóvel e constituído por esqueleto ósseo enquanto que o palato mole insere-se
na parte posterior do palato duro, é móvel e tem estrutura reforçada apenas por
aponeurose palatina, além de possuir uma proeminência pendente em cavidade
oral chamada úvula.4

15
Figura 2 - corte mediano de cabeça e região cervical

Fonte: Moore, Keith L.; DALLEY, Arthur F.. Anatomia orientada para a clínica. 8 ed.

Tomando um caminho rumo à região mais posterior, nos deparamos com


a parte oral da faringe. As tonsilas palatinas encontram-se em duas, ocupando,
cada uma, um lado da faringe, no mesmo eixo da úvula. Seus tamanhos são
variáveis, podem encontrar-se hipertrofiadas e causar até obstrução completa
de via aérea, em caso de, por exemplo, abscesso peri-tonsilar. A parte laríngea
da faringe encontra-se posterior à laringe e se estende da margem superior da
epiglote até a margem inferior da cartilagem cricóidea. Elas se comunicam
através do ádito da laringe em sua parede anterior.4

16
Figura 3 - vista posterior de parte anterior de faringe

Fonte: Moore, Keith L.; DALLEY, Arthur F.. Anatomia orientada para a clínica. 8 ed.

A camada respiratória das vísceras cervicais é composta pela laringe e


traqueia, tem como função direcionar o ar e o alimento para os caminhos
adequados, produzir voz e garantir patência de via aérea. A laringe é um órgão
composto por nove cartilagens unidas por membranas, encontra-se na parte
cervical anterior no nível vertebral de C3 à C6. Uma de suas funções é promover
a união da parte laríngea da faringe com a traqueia, contribuindo à formação do
pertuito de comunicação do ar dentro dos pulmões com o meio ambiente. Pelo
método palpatório superficial da região cervical anterior, podemos sentir a
cartilagem tireóidea, como a maior proeminência óssea em região cervical, mais
evidente em homens e abaixo temos a cartilagem cricóidea, sendo a ligação das
duas feitas pelo ligamento cricotireoideo mediano, local onde a laringe é menos
distante à pele e é um dos pontos de referência para o acesso de uma técnica
de via aérea cirúrgica. 4

17
Figura 4 - vista lateral direita de arcabouço ósseo e cartilaginoso de
laringe

Fonte: Moore, Keith L.; DALLEY, Arthur F.. Anatomia orientada para a clínica. 8 ed.

A traqueia, por sua vez, comunica a laringe com o tórax permitindo a


passagem do ar. Tem comprimento aproximado de 2,5cm e termina no ângulo
esternal (entre T4 e T5) local no qual divide-se em dois brônquios principais,
esquerdo, mais horizontalizado e o direito, mais verticalizado. É um tubo
fibrocartilaginoso sustentado por anéis traqueais circulares incompletos que tem
como função manter a pervialidade do conduto durante os ciclos respiratórios.4

Através de uma laringoscopia indireta, com o uso de um espelho, por


exemplo, podemos observar que apesar de ser um espaço relativamente
pequeno, a riqueza de espaços e detalhes envolvido na manipulação adequada
da via aérea. Na imagem, podemos identificar as valéculas, local alvo da
inserção da lâmina curva de Macintosh5, a epiglote, a qual é afastada pela lâmina
reta tipo Muller. Por fim, podemos observar também o espaço entre as pregas
vocais, onde é introduzido o tubo oro-traqueal, garantindo a via aérea em
pacientes com tal necessidade.

18
Figura 5 - laringoscopia indireta com espelho e estruturas de via aérea

Fonte: Moore, Keith L.; DALLEY, Arthur F.. Anatomia orientada para a clínica. 8 ed.

6.2) ABORDAGEM DE VIA AÉREA

Antes de introduzir o tema via aérea difícil, devemos ter como base a
abordagem tradicional de via aérea. As principais indicações de intubação
orotraqueal são insuficiência respiratória aguda, incapacidade de manutenção
de oxigenação adequada além de incapacidade de proteção de via aérea num
paciente com queda do nível de consciência5. Indicado o procedimento, o
primeiro passo antes da introdução do tubo orotraqueal é garantir a pré-
oxigenação eficiente deste paciente. Diversas são as técnicas de pré
oxigenação, entre elas, se o paciente ainda estiver consciente, podemos
oferecer oxigênio via cateter nasal com alta litragem de oxigênio. Se ele estiver
inconsciente, a ventilação sob máscara deverá ser utilizada. Duas das principais
técnicas de ventilação sob máscara facial-balão, são a de um operador, em que

19
o mesmo profissional ventila comprimindo o balão reservatório de oxigênio com
uma das mãos e posicionando a máscara no paciente com a outra, utilizando os
dois primeiros quirodáctilos para envolver a máscara fazendo a forma de um “C”
e os outros quirodáctilos para promover a protusão da mandíbula e a técnica de
dois operadores, na qual um operador é responsável pela compressão do balão
reservatório de oxigênio e o outro, usando as duas mãos, promove selagem de
máscara sob a face e a protusão da mandíbula.6

Figura 6 - Técnica de ventilação sob máscara facial a duas mãos.


Indicadores e polegares fazem pressão sob máscara enquanto os demais
dedos anteriorizam mandíbula

Fonte: El-Orbany, M, Woehlck, HJ. Difficult Mask Ventilation. Anesthesia & Analgesia,
2009;109(6), 1870–1880.

Um pilar muito importante para o sucesso da intubação é o


posicionamento adequado do paciente 6. Para tal, o paciente deve se encontrar
em decúbito dorsal, com coxins em região occpital e seu pescoço deve ser
hiperextendido, garantindo assim a sniff position, que tem como objetivo principal
o alinhamento dos eixos oral, laríngeo e faríngeo.7 Em pacientes obesos, está
indicado o posicionamento em rampa, que consiste em utilizar lençóis a partir da
região dorsal em direção ao occpito com o objetivo de alinhar o eixo do meato
acústico externo e da fúrcula esternal, garantindo também o alinhamento de
todos os três eixos, facilitando o procedimento. 7 Por fim, para intubar, deve-se
segurar o laringoscópio com a mão esquerda, introduzi-lo pelo lado direito da

20
cavidade oral e depois centralizá-lo. Após, devemos tracioná-lo para cima e para
frente expondo, dessa forma, as cordas vocais 7. Nesse momento, através de
visualização direta, devemos introduzir o tubo com a mão direita, certificando-se
de sua passagem através da corda vocal, o cuff deve ser insuflado e o sucesso
da intubação deve ser checado através da ausculta presente nos focos
pulmonares e ausente em epigastro ou, se disponível, o capnógrafo deve ser
utilizado.7

Figura 7 - Importância do posicionamento no paciente obeso mórbido. A)


paciente em posição supina sem coxins, com acesso à via aérea
bloqueado. B) O mesmo paciente posicionado adequadamente em rampa,
com alinhamento do meato acústico externo e da fúrcula esternal

Fonte: Wiser SH, Zane RD. The Morbidly Obese Patient. In: Manual of Emergency
Airway Management, 3rd ed, Walls RM, Murphy MF (Eds), Lippincott Williams & Wilkins,
Philadelphia

6.3) PREDITORES DE VIA AÉREA DIFÍCIL

Pela definição da Sociedade Americana de Anestesiologia, de 2013, via


aérea difícil é a situação clínica em que um médico convencionalmente treinado
experimenta dificuldade na ventilação por máscara facial, dificuldade com
intubação orotraqueal ou ambos.8 O preparo para abordagem de uma via aérea
difícil, independente do médico ser anestesiologista, emergencista, intensivista
ou generalista, deve ter como ponto inicial a avaliação clínica através de

21
anamnese direta com o próprio paciente ou familiar, sempre que possível. Ela
fornecerá informações cruciais para identificação da melhor técnica de manejo
de via aérea independente da causa clínica que culminou na avaliação médica
de necessidade de intubação orotraqueal.10 Outras indicações para esse
procedimento são para garantir a perveabilidade de via aérea em pacientes com
risco de obstrução respiratória, como por exemplo na presença de corpos
estranhos, em grandes queimaduras de face e via aérea e em angioedema,
também em caso de insuficiência respiratória, fato esse observado, por exemplo
na exaustão muscular e dessaturação de muitos pacientes com Covid-19 e em
casos de volumosos derrames pleurais, além de pacientes com incapacidade de
proteção de via aérea, fato observado em pacientes comatosos.9 Para tal
avaliação, podemos usar de informações contidas em ananmense, ectoscopia e
exame físico.

Na anamnese, alguns dos preditores podem ser a história prévia de via


aérea difícil, na qual, em um procedimento cirúrgico prévio, o anestesiologista ou
o médico que manipulou a via aérea do paciente relata sua dificuldade e o alerta
quanto à necessidade de avisar ao próximo profissional que manipulará sua via
aérea de suas dificuldades11. Pesquisa ativa por comorbidades, como por
exemplo Diabettes Mellitus tipo 1 de longa data, que pode gerar pouca
mobilidade em pescoço, Síndrome de Down e hipotireoidismo nas quais o
paciente pode ter um tamanho de língua aumentado, o que prejudicará a
laringoscopia, cirurgia de coluna cervical prévia, reduzindo arco de movimento
de extensão de pescoço.11

22
Figura 8 - Sinal da reza à esquerda, demonstrando limitação ao
movimento do diabético de longa data e à direita representação do arco
de movimento padrão

Fonte: Hagiwara Y, Watase H, Okamoto H, GotoT, Hasegawa K. Prospective


validation of the modified LEMON criteria to predict difficult intubation in the ED. The
American Journal of Emergency Medicine. 2015; 33(10), 1492–1496.

Na ectoscopia e história da condição clínica, podemos encontrar


situações como trauma de via aérea ou face, instabilidade de coluna cervical,
sequelas de queimaduras ou radioterapia, fatores estes que poderão dificultar a
definição de via aérea.11

Tratando do exame físico, podemos aplicar os critérios de LEMON, os


quais possuem grande sensibilidade e alto valor preditivo negativo para previsão
de via aérea difícil.12 LEMON trata-se de um acrônimo do inglês composto por
look externally (olhar externamente), evaluate the 3-3-2 rule ( regra 3-3-2),
avaliação da escala de Mallampatti, obstruction (busca por obstruções), neck
mobility (mobilidade cervical).12

Aprofundando os itens do critério LEMON, olhar externamente está


relacionado à busca de fatores que atrapalhariam a intubação, a regra 3-3-2 se
traduz na pesquisa da distância inter-incisivos maior que 3cm, distância hióide-
mentoniana maior que 3 dedos e a distância tireo-hióidea maior que 2 dedos do
paciente.13,14

23
Figura 9 - Regra 3-3-2 para via aérea difícil. A: 3 dedos de abertura bucal /
B: 3 dedos de distância hióide-mentoniana / C: 2 dedos de distância tireo-
hióidea

Adaptado de: Reed MJ, Rennie LM, Dunn M.J, Gray AJ, Robertson CE, McKeown DW.
Is the LEMON method an easily applied emergency airway assessment tool? European
Journal of Emergency Medicine, 2004;11(3), 154–157.

A escala Malampatti relaciona a abertura bucal com o tamanho da língua


e prevê indiretamente o tamanho do espaço possível para manipulação do
laringoscópio e passagem do tubo oro-traqueal. É dividida em 4 diferentes
classes, na qual a classe I é possível observar palato mole, fauce, úvula
completa e pilares amigdalianos, na classe II palato mole, fauce e úvula, classe
III apenas palato mole e base da úvula e na classe IV apenas o palato duro é
13,14
visto, sem visibilidade do palato mole.

Figura 10 - Escala Mallampati

Adaptado de : Nuckton TJ, Glidden DV, Browner WS, Claman DM. Physical
Examination: Mallampati Score as an Independent Predictor of Obstructive Sleep
Apnea, Sleep, Volume 29, Issue 7, July 2006, Pages 903–908

24
Em relação à obstrução, devemos pesquisar massa supra-glótica como
por exemplo epiglotite, infecção com grandes abscessos que distorçam a
anatomia, traumas cervico-faciais, hematomas, obesidade. Por fim, em relação
à mobilidade cervical, pacientes em uso de colares cervicais por suspeita de
trauma raquimedular, por exemplo, possuem um fator preditivo à dificuldade de
intubação. Uma lista de alguns achados desfavoráveis que podem ser
encontrados na anamnese e no exame físico evidenciados pelo critério LEMON
são incisivos longos e pequena distância entre eles, upper lip bite test negativo
(no qual o paciente é incapaz de morder o lábio superior por um retrognatismo
importante), distância inter-incisivos menor que 3cm, Malampatti classe III e IV,
palato arqueado em ogiva, espaço mandibular firme e inelástico, distância tireo-
mentoniana menor que 3 dedos, pescoço curto e comorbidades que reduzem a
mobilidade cervical como Diabetes Melittus tipo 1, artrite psoriática, espondilite
anquilosante e obesidade, por exemplo. 12,13,14

A dificuldade para ventilação sob máscara facial é definida pela ASA como
a impossibilidade para o anestesiologista de proporcionar adequada ventilação
por um ou mais dos seguintes problemas: máscara com inadequada vedação,
excessivo escape de gás ou excessiva resistência para entrada ou saída do
gás8. Achados na anamnese e no exame físico relacionados à esta dificuldade
são condições clínicas de, por exemplo a obesidade e história de apneia do sono
uma vez tais fatores estão relacionados à redução de perveabilidade de via
aérea por queda de base de língua ou até mesmo compressão extrínseca de via
aérea pelo tecido adiposo presente em região cervical. 15 A presença de barba e
ausência de dentes dificulta o ato de selar a máscara na face do paciente,
promovendo aumento de escape de ar, diminuindo a eficácia da ventilação.15 A
classificação de Mallampati III e IV também entra como preditor de dificuldade
para ventilação sob máscara pois nesses casos há diminuição da pervealidade
por características anatômicas de epiglote e via aérea. Além disso, pacientes
com idades maiores que 55 anos e do sexo masculino devem nos deixar alertas
quanto a dificuldade de ventilação.15

A dificuldade de passagem de dispositivo supra glótico é definida por


múltiplas tentativas de introdução do equipamento na presença ou não de
patologia cervical, enquanto que a dificuldade de ventilação sob dispositivo supra

25
glótico é a situação na qual o anestesiologista experimenta uma ou mais das
dificuldades a seguir: incapacidade de garantir adequada sedação de via aérea,
excesso de escape de gás e resistência excessiva na entrada ou saída do gás.8
Em relação aos achados clínicos que são preditores de dificuldade na ventilação
sob dispositivo supra glótico temos obesidade e o sexo masculino, fatores estes
já mencionados acima como indicativos de dificuldade de ventilação sob
máscara8,15. Além destes, a dentição em mal estado e pequena abertura bucal,
dificultam a introdução do dispositivo pela cavidade oral. Podemos citar também
a hipertrofia de tonsilas, história prévia de radiação cervical e doenças cervicais
que, no geral, alteram a anatomia da via aérea gerando redução da
perveabilidade e dificuldade em garantir vedação adequada da mesma 15. Por
fim, a redução da capacidade de mobilização cervical dificulta também o
posicionamento do paciente em sniff position, o que garante também uma
dificuldade extra à introdução do dispositivo.8,15

A laringoscopia difícil é definida como aquela que, mesmo após múltiplas


tentativas de laringoscopia tradicional, não é possível a visualização de nenhuma
parte das cordas vocais.8 Seus achados clínicos indesejáveis são comprimento
dos incisivos superiores longos, retrognatismo, distância inter-incisivos menor
que 3cm, Mallampati III ou IV evidenciando dificuldade em se observar a úvula,
palato em ogiva ou muito arqueado, espaço mandibular ou hipofaríngeo com a
presença de uma massa ou com redução de complacência, distância tireo-
mentoniana menor que 3 dedos, paciente com pescoço curto e grosso, além de
limitação da mobilidade cervical.11 Todos esses achados vão atrapalhar a
introdução adequada do laringoscópio, além de dificultar o posicionamento
adequado do mesmo, reduzindo sua capacidade de exposição das estruturas
anatômicas de referência para a intubação orotraqueal.8

Por fim, muitos dos fatores preditivos de dificuldade para laringoscopia


tradicional também são encontrados na videolaringoscopia como por exemplo
condição clínica que garanta redução de mobilidade cervical e história de massa
ou radiação cervical. Mais uma vez, tais achados vão promover dificuldade em
introdução do dispositivo e para visualização de estruturas necessárias à
laringoscopia indireta.8,15

26
Abaixo temos uma tabela com os principais preditores clínicos de
dificuldade em ventilação sob máscara, de ventilação com dispositivo supra
glótico, de laringoscopia direta e indireta por videolaringoscópio.

Tabela 1 - Fatores preditivos de dificuldade nas diferentes fases de


manejo de via aérea

Dificuldade de ventilação sob máscara  História de apneia do sono ou ronco


 Idade > 55anos
 Sexo masculino
 Obesidade (IMC > 30kg/m2)
 Mallampati III ou IV
 Presença de barba
 Ausência de dentes

Dificuldade de ventilação sob dispositivo  Sexo masculino


supraglótico  Obesidade (IMC > 30kg/m2)
 Ausência de dentes
 Radiação cervical prévia
 Pequena abertura bucal
 Mobilidade cervical reduzida
 Hipertrofia de tônsilas
 Patologia de via aérea

Dificuldade em laringoscopia direta  Incisivos longos


 Retrognatismo
 Pequena abertura bucal
 Mallampati III ou IV
 Palato em ogiva
 Distâncio tireo-mentoniana < 3 dedos
 Mobilidade cervical reduzida

Dificuldade em videolaringoscopia  Cirurgia cardíaca ou otorrinolaringea


 Alteração anatômica cervical (massa,
cicatriz, cirurgia prévia)
 Mobilidade de coluna cervical reduzida
 Espaço orogaríngeo com restrição

27
Adaptado de: Apfelbaum JL, Hagberg CA, Caplan RA, Blitt CD, Connis RT,
Nickinovich, DG, Ovassapian A. Practice Guidelines for Management of the Difficult
Airway. Anesthesiology, 2013; 118(2), 251–270.

6.4) DISPOSITIVOS DE VIA AÉREA

Parte importante do manejo da via aérea reside na habilidade, domínio e


intimidade do médico com os dispostitivos complementares de via aérea. Ao se
deparar com uma via aérea difícil, principalmente a não antecipada, o
profissional deve ter conhecimento dos protocolos e dos dispositivos no arsenal
de seu setor, além de saber manejá-los, juntamente com suas indicações,
contraindicações e limitações, com o objetivo de evitar complicações
relacionadas à hipoxemia que, por exemplo, numa situação não intubo não
ventilo, pode gerar, como paracada cardiorrespiratória, arritmias e sequelas
neurológicas isquêmicas.15

Vale ressaltar também que a presença de muitos desses dispositivos


ainda é restrita a alguns serviços e dominadas por poucos operadores devido à
seu alto custo, baixa disponibilidade e alta complexidade, como por exemplo o
videolaringoscópio. Entretanto, devemos nos atentar ao fato de existirem outros
dispositivos com menor valor e tecnologia agregados, de mais fácil manipulação
e com curva de aprendizado mais célere que poderão estar presentes em uma
sala de emergência ou unidade de terapia intensiva, como por exemplo o bougie
ou máscara laríngea. Independente do dispositivo à ser utilizado, o objetivo dele
sempre vai girar em torno de ser uma ponte para o manejo de via aérea,
garantindo, portanto, a troca gasosa8,15. Nessa revisão, não temos o
compromisso de esgotar as tecnologias disponíveis no mercado, mas sim
introduzir a classificação dos dispositivos supra glóticos e o uso da máscara
laríngea, combitube, do bougie e videolaringoscópios.

Os dispositivos de via aérea supra glóticos(SAD) podem ser classificados


em 3 grandes gerações a depender de seu mecanismo de promoção à selagem
da via aérea16. Na 1a geração, encontramos dispositivos que possuem cuff e
através de sua insuflação temos a selagem da via aérea, temos como exemplos

28
a máscara laríngena clássica(CLMA) e o Combitube 16. A CLMA é uma máscara
de formato oval, com um cuff insuflável e abertura para laringe enquanto o
Combitube é um tubo com duplo-lúmen que possibilita drenagem gástrica
através de uma de suas vias. Possui dois cuffs, um de maior calibre, proximal
que é posicionado em base de língua e outro, menor e mais distal, posicionado
em esôfago.16

Figura 11 – CLMA à esquerda e Combitube à direita

Fonte: Almeida D, Gonçalo JS. Utilização e Tipos de Dispositivos Supraglóticos da Via


Aérea: Estado da Arte. 2016.

Os SAD de 2a geração são chamados também de dispostivos pré-


formados, impedem escape aéreo através de selagem anatômica. 16 Um
exemplo é o i-Gel, dispositivo de selagem peri-laríngea que, com a temperatura
corporal do paciente, se molda às estruturas anatômicas da via aérea depois
de ser inserido, garantindo selagem. Além disso, possui óstio para passagem
de sonda de aspiração gástrica.16

Figura 12 - Máscara Laríngea i-Gel

29
Fonte: Almeida D, Gonçalo JS. Utilização e Tipos de Dispositivos Supraglóticos da Via
Aérea: Estado da Arte. 2016.

Por fim, os de 3a geração realizam a selagem de via aérea através de


um bloqueio relacionado à pressão positiva exercida sobre a mesma. 16 Com o
aumento da pressão positiva, há maior força sendo realizada sobre o material
de selagem da máscara e, por fim, maior capacidade de selagem garantindo,
dessa forma, maior eficácia e segurança ao paciente. 16 A Baska Mask se difere
dos outros dispositivos e, é então, classificada como SAD de 3a geração pois
possui cuff não insuflável, sendo seu interior um pertuito contínuo com a via
aérea. Dessa forma, quando exercida pressão positiva sobre o dispositivo, há
discreta expansão desse cuff não insuflável garantindo melhor selagem, melhor
eficácia e reduzindo também lesão de via aérea por hiper-insuflação de cuff.

Figura 13 - Baska Mask

Fonte: Almeida D, Gonçalo JS. Utilização e Tipos de Dispositivos Supraglóticos da Via


Aérea: Estado da Arte. 2016.

A máscara laríngea (ML), independentemente de sua geração, é


classificada como um dispositivo supra glótico. Bastante conhecida entre
anestesiologistas, foi usada no início principalmente em centros cirúrgicos mas
há um tempo vem ganhando popularidade em unidades de terapia intensiva e
também em salas de emergência. 17 Serve como método para manutenção de
perveabilidade de via aérea durante cirurgias de curta duração e também tornou-
se uma importante ferramenta para o resgate de uma via aérea difícil não

30
antecipada já que está presente em diversos protocolos e fluxogramas de
abordagem de via aérea. A ML, no geral, é composta por um tubo acoplado a
uma estrutura elíptica em parte distal que tem como objetivo se acoplar e cobrir
a região supra-glótica do paciente, mantendo via aérea pérvea, garantindo
ventilação espontânea pelo paciente e também possibilitando ventilação por
pressão positiva, caso necessário. Antes da passagem do dispositivo, a ML deve
ser lubrificada para facilitar sua passagem e o paciente, se possível, deve ser
colocado em sniff position, ou se não for possível, deve ser realizado manobra
de anteriorização da mandíbula. Então, realiza-se a introdução da máscara
laríngea sem necessidade de laringoscopia, no espaço entre a língua e o palato
duro, realizando leve pressão sobre este até o dispositivo encontrar-se
totalmente introduzido na região supra-glótica.17 Após isso, deve ser realizada
capnografia com o objetivo de confirmar o sucesso do procedimento. Algumas
complicações associadas são relacionadas à própria introdução do
equipamento, como sangramentos de região orofaríngea e escoriações,
laringoespasmo também pode ser observado.18 Com relação à ventilação
positiva, por não ser um dispositivo infraglótico, há um risco factível de
desposicionamento da máscara e insuflação do estômago, situação que pode
desencadear regurgitação e broncoaspiração de conteúdo gástrico, apesar de
haver algum benefício sobre a proteção da via aérea com a ML, ele não é
completo.17,18 Além disso, pode ser difícil promover uma vedação supraglótica
eficaz em pacientes que necessitam de grandes pressões positivas para
ventilação como nos casos de parada cardiorrespiratória ou em obesos
mórbidos.16,17 A Máscara Laríngea Fastrach surge para aliar os benefícios da
ventilação supra glótica e também servir como um meio de se definir a via aérea
de forma infraglótica através de uma cânula orotraqueal, introduzida através
desse dispositivo totalmente às cegas. Além de uma ML padrão, ela possui um
elevador de epiglote, espaço para introdução do tubo e uma manopla para
auxiliar na estabilização do equipamento. O sucesso da intubação através deste
dispositivo depende de alguns fatores, como por exemplo, a capacidade técnica
do operador, nível de sedo-analgesia do paciente, que deve ser aprofundado e
considerar até o bloqueio neuromuscular para se obter sucesso na intubação às
cegas via Fastrach.20

31
Figura 14 - Máscara Laríngea Fastrach

Fonte: Almeida D, Gonçalo JS. Utilização e Tipos de Dispositivos Supraglóticos da Via


Aérea: Estado da Arte. 2016.

O combitube é outro dispositivo supra glótico disponível, com calibre


maior se comparado ao tubo orotraqueal, possui um lúmen duplo, com um canal
de aspiração de conteúdo gástrico. Sua técnica de utilização consiste em
passagem às cegas, sem laringoscopia, no qual a parte distal do dispositivo
encontrar-se-á na faringe do paciente.21 Primeiro infla-se o cuff distal, localizado
na faringe, de menor diâmetro, ele tem a função de impedir refluxo e
broncoaspiração de conteúdo gástrico. Segundo, infla-se o cuff proximal, de
maior volume, localizado em região orofaríngea. Durante a ventilação com
pressão positiva, como os caminhos para faringe ou retorno para nariz e boca
está bloqueado pelos cuffs, o ar segue rumo à traqueia, permitindo fluxo de ar
para o pulmão.21,22 Por se tratar de um tubo realmente calibroso, é possível a
passagem de broncofibroscópio através dele, caso necessário. Vale ressaltar
que esse equipamento possui tamanhos distintos e com isso, varia também a
necessidade de volume necessário para se encher os cuffs, fato esse que vem
informado adequadamente e de forma simples através de cores na seringa e no
combitube.22

32
Figura 15 - Combitube à esquerda comparado ao tubo orotraqueal, mais
fino, à direita

Fonte: Reviriego-Agudo L, Charco-Mora, P, Greif R, Kleine-Brueggeney M. Blind


intubation through the disposable intubating laryngeal tube suction. European Journal of
Anaesthesiology, 2020;37(6), 508–510.

O bougie conhecido como Frova ou gum elastic bougie é um dos


dispositivos complementares com menor custo e maior disponibilidade nos
centros de saúde, principalmente nos cirúrgicos. 23 É considerado um introdutor
já que uma vez posicionado em via aérea, torna-se possível a passagem de uma
cânula oro-traqueal através do mesmo. Pode ser descartável ou até mesmo
reutilizável e com isso haverá mudanças nos padrões de consistência do material
empregado. Sua parte mais importante é a angulação de 35 a 40 graus na parte
distal que facilita a sua passagem em, por exemplo, vias aéreas anteriorizadas.
Deve ser obtido a melhor visão laríngea através de posicionamento em sniff
position, laringoscopia com técnica adequada e pressão externa em região
cervical com o objetivo de expor da melhor forma possível a entrada da laringe
antes da tentativa de introdução do bougie.23,24 Dois sinais que podem indicar
um sucesso da passagem do mesmo são os cliques sentidos pelo operador que
demonstram passagem através dos anéis cartilaginosos da traqueia, além de
uma discreta rotação do bougie quando o mesmo passa pelo brônquio fonte
direito.23,24,25 Suas indicações principais são a via aérea difícil não antecipada,
troca de cânulas traqueais, podendo até mesmo auxiliar na introdução de

33
máscara laríngea ou cânulas traqueais de duplo lúmen. 23,24 Também possui
complicações, não tão comuns envolvendo o próprio material, como quebra de
parte distal do dispositivo, traumatismo de via aérea gerando sangramentos
vultuosos, principalmente no bougie descartável, pois o mesmo possui superfície
mais áspera com maior risco de lesão, além de catástrofes como perfuração de
faringe, lesão esofagiana e pneumotórax. 24 O uso do bougie em pacientes com
critérios de via aérea difícil pode ser um fator que venha a aumentar a chance
de sucesso em uma primeira tentativa de intubação, garantindo redução da
chance de hipoxemia, duração curta do procedimento, agregando, enfim, menor
morbidade ao procedimento.25

Figura 16 - Bougie, também conhecido como Frova

Fonte: Reis LA, Reis GF, Oliveira MR, Ingarano Lel B. Bougie [Bougie]. Rev Bras
Anestesiol. 2009 Sep-Oct;59(5):618-23.

Os videolaringoscópios (VLG) utilizam uma câmera para a visualização


das estruturas da via aérea e possibilitar a intubação orotraqual. Os VLG, desse
modo, promovem uma laringoscopia indireta, que, se comparada com a
laringoscopia direta, utiliza-se de menor força sobre a base da língua, gerando
menor chance de laceração de estrutura e também menor reflexo adrenérgico
no procedimento, além de garantir maior visualização de epiglote.26 É um
dispositivo muito mais difundido entre anestesistas e principalmente utilizado no
centro cirúrgico, entretanto, vem ganhando popularidade também em centros de
terapia intensiva de excelência já que o seu uso está associado a um incremento
às taxas de sucesso na primeira tentativa de intubação, redução da falha de
intubação e de riscos de eventos adversos associados à intubação, agregando,
portanto, menor morbi-mortalidade ao procedimento em pacientes que,

34
geralmente, são mais graves e críticos que aqueles do centro cirúrgico.26,27 Hoje,
no ano de 2021, não é possível afirmar que a videolaringoscopia é a realidade
da maioria dos centros hospitalares no mundo, entretanto, em um futuro próximo,
pode vir a ser. Ao traçarmos um paralelo entre como era realizada a punção
venosa central há 15 anos, às cegas, e hoje, com o ultrassom, temos um
procedimento muito mais rápido, seguro e com curva de aprendizado mais
rápida, fatos estes que podem ser extrapolados da punção venosa central para
o manejo de via aérea com videolaringoscópio.28 Alguns dos principais exemplos
de videolaringoscópios são o Airtraq SP, The Pentax AWS, The Storz C-Mac,
The GlideScoope GVL e o The MacGrath Series 5, representados na figura
abaixo.

Figura 17 - A: Airtraq SP / B: The Pentax AWS / C: The Storz C-Mac / D:


The GlideScoope GVL/ E: The MacGrath Series 5

Adaptado de: Chemsian R, Bhananker S, Ramaiah R. Videolaryngoscopy. International


Journal of Critical Illness and Injury Science. 2014;4(1)

35
6.5) DIRETRIZES DE VIA AÉREA DIFÍCIL

O desenvolvimento de diretrizes tem o objetivo de fornecer uma resposta


estruturada e padronizada a um problema clínico além de ser importante também para
respaldo em defesa jurídica de profissionais de saúde uma vez que vivemos uma
época na qual o número de processos jurídicos alcança números significativos. 29,30
Para a abordagem de via aérea, diversas sociedades notórias dissertam sobre o tema
com suas particularidades e nuances, entretanto, algumas considerações iniciais
comuns aos protocolos feitas antes do procedimento de intubação são a garantir a
pré-oxigenação e posicionamento do paciente ideal, colocando-o, sempre que
possível, em posição olfativa e alinhamento de eixos e que sua melhor tentativa de
intubação deve ser a primeira. Quando há falha no procedimento, o médico,
experiente ou não, deve ter conhecimento do material disponível em seu setor e saber
manipulá-lo com maestria pode ser sinônimo da garantia da vida daquele paciente. As
diretrizes à serem discutidas neste trabalho monográfico serão a da Sociedade de Via
Aérea Difícil (Difficult Airway Society ) de 2015 e o Vortex approach, da Sociedade
Europeia de Anestesiologia de 2016.

6.5.1) SOCIEDADE DE VIA AÉREA DIFÍCIL – 2015

A Sociedade de Via Aérea Difícil divide a abordagem sobre a via aérea difícil
em 4 grandes planos, do A, B, C e D.

36
Figura 18 - Protocolo da Sociedade de Via Aérea Difícil 2015 para manejo
de via aérea difícil não antecipada em adultos

Manejo de intubação traqueal difícil não antecipada em adultos

Sociedade de Via Aérea Difícil - 2015


Plano A: máscara facial e intubação traqueal Se dificuldade  chamar ajuda
1. Otimizar posição de cabeça e pescoço
2. Pré-oxigenar
3. Otimizar bloqueio neuromuscular Sucesso
4. Laringoscopia direta e VLG (máximo de 3 + Confirmar intubação com capnografia
1tentativas
5. Bougie
6. Remover pressão cricoidea externa
7. Manter oxigenação e anestesia

Declarar falha de intubação

Plano B: Manter oxigenação: introdução de SAD Pare e pense


Sucesso
1. Dispositivos supra glótico de 2a geração são Opções: considerar risco e benefício
recomendados
1. Acordar paciente
2. Mudar dispositivo e tamanho (máximo de 3 vezes 2. Intubar via SAD
3. Oxigenar e ventilar 3. Proceder sem intubar
4. Realizar traqueostomia ou
Declarar falha de SAD cricotireoidostomia

Plano C: Ventilação por máscara facial


1. Se ventilação por máscara facial impossível, usar Sucesso
bloqueador neuromuscular
2. Última chance de ventilação por máscara facial
Acordar paciente
3. Utilizar técnica de ventilação com 2 operadores

Declarar situação não intubo não


ventilo
Plano D: Acesso emergencial de região cervical
1. Cricotireoidostomia cirúrgica

Adaptado de: Flerk C, Mitchell VS, McNarry AFA, et al. Difficult Airway Society intubation
guidelines working group, Difficult Airway Society 2015 guidelines for management of
unanticipated difficult intubation in adults. BJA: British Journal of Anaesthesia. 2015 Dec
06;115(6):827-848.

O plano A consiste sucintamente em ventilação com bolsa-máscara-válvula e


intubação traqueal. Todos os pacientes devem ser posicionados adequadamente em
sniff position ou, se obesos, em rampa, por exemplo. Otimizar a posição aumenta
patência de via aérea, facilita a mecânica respiratória e também a ventilação por

37
pressão positiva sob máscara facial. A pré oxigenação sempre deve ser feita antes da
indução anestésica. Com o paciente ainda consciente, o mesmo, de forma ativa deve
respirar ar rico em oxigênio oferecido através de cateter nasal com alta litragem de
oxigênio, ventilação sobre pressão positiva contínua ou até mesmo a combinação dos
dois dispositivos, garantindo desnitrogenação pulmonar, maior reserva de oxigênio e,
portanto, maior tempo de apneia possível sem dessaturação. Após indução
anestésica, a ventilação por máscara facial com fração inspirada de oxigênio em 100%
deve ser ofertada. Se houver dificuldades nesse momento, manobras como chin lift e
jaw thrust, além de ventilação à quatro mãos estão indicadas, sempre com atenção à
sniff position, otimização anestésica e uso de bloqueador neuromuscular. A escolha
do laringoscópio na primeira e segunda tentativa de intubação depende da experiência
e treinamento do médico. Vale ressaltar que devemos sempre que possível estar
treinados para uso do videolaringoscópio, uma vez que o mesmo fornece maior campo
de visão sobre as estruturas de via aérea e já é considerado método de escolha por
alguns anestesiologistas. A laringoscopia em si é definida como a introdução do
laringoscópio em cavidade oral. Toda tentativa deve ser feita nas melhores condições
possíveis e se houver falha, a próxima tentativa deve ser associada à alguma
mudança na técnica ( por exemplo, com a aplicação do BURP- backward, upward,
rightward pressure em cartilagem tireóidea com o objetivo de facilitar a visão à
laringoscopia), em dispositivos (como uso do bougie, por exemplo), posicionamento
do paciente, mudança de lâmina ou até mesmo de operador, sendo que a quarta e
última tentativa do plano A, deva ser feita pelo profissional mais experiente do setor.
O plano A tem dois possíveis fins, o sucesso da intubação com confirmação
capnográfica ou a declaração de falha de intubação, no momento em que há início do
plano B.30

38
Tabela 2 - Plano A

Objetivos do Plano A:

 Manutenção de oxigenação é prioridade


 Atenção ao posicionamento do paciente (em rampa ou sniff position)
 Pré-oxigenação é recomendada a todos pacientes
 Oxigenação com cânula nasal e máscara facial é recomendada em pacientes de
alto risco
 O papel do VLG na intubação difícil é reconhecido
 Todos anestesistas devem ser treinados com VLG
 Um máximo de três tentativas de laringoscopia é recomendado, sendo possível
extrapolar para mais uma quarta laringoscopia se realizada por outro profissional
 Pressão cricóidea externa deve ser removida se intubação é difícil

Adaptado de: Flerk C, Mitchell VS, McNarry AFA, et al. Difficult Airway Society intubation
guidelines working group, Difficult Airway Society 2015 guidelines for management of
unanticipated difficult intubation in adults. BJA: British Journal of Anaesthesia. 2015 Dec
06;115(6):827-848.

O plano B tem como objetivo principal manter a oxigenação do paciente através


da passagem de um dispositivo supra glótico. O sucesso dessa etapa garante oferta
de oxigênio e dá ao profissional tempo precioso para parar e refletir sobre o que fará
em seguida, se interromperá a anestesia e acordará o paciente, se tentará mais uma
vez a intubação via dispositivo supra glótico, continuará a anestesia sem intubação
traqueal ou até mesmo prosseguirá para uma definição cirúrgica via traqueostomia ou
cricotireoidostomia. O dispositivo supra-glótico, como por exemplo máscara laríngea,
deve estar prontamente disponível já no início da indução anestésica, e, assim como
na intubação orotraqueal, o sucesso da sua passagem está intimamente relacionado
ao treinamento e capacidade do operador. Duas observações são válidas nesse
momento: a pressão externa laríngea feita no plano A deve, agora, ser removida uma
vez que a mesma reduz o espaço hipofaríngeo e dificulta a passagem do dispositivo
supra glótcios e dar-se-á preferência por aqueles de segunda geração uma vez que
promovem melhor selamento da região de via aérea, reduzindo risco de
39
broncoaspiração além de possibilitar passagem de tubo orotraqueal ou até mesmo via
broncofibroscópio. Assim como no plano A, o número de tentativas deve ser limitado
à três e a troca de dispositivos e tamanhos entre as tentativas é estimulada. Se houver
falha de ventilação via dispositivos supra glóticos, procedemos então ao plano C.30

Tabela 3 - Plano B

Objetivos de Plano B – Dispositivos supra glóticos

 Falha de intubação deve ser declarada


 A ênfase é oxigenação do paciente através de dispositivo supra glótico
 Dispositivos supra glóticos de 2a geração são recomendados
 Um máximo de três tentativas de inserção de dispositivo supra glótico é
recomendado
 Durante indução de sequência rápida, pressão cricóidea externa deve ser
removida para facilitar inserção de dispositivo supra glótico
 Tentativas de intubação às cegas via dispositivo supra glótico não são
recomendadas

Adaptado de: Flerk C, Mitchell VS, McNarry AFA, et al. Difficult Airway Society intubation
guidelines working group, Difficult Airway Society 2015 guidelines for management of
unanticipated difficult intubation in adults. BJA: British Journal of Anaesthesia. 2015 Dec
06;115(6):827-848.

O plano C versa sobre a última chance de ventilação via máscara facial após
três tentativas falhas no plano B. Já é um fato o conhecimento acerca das condições
de ventilação desse paciente, se é possível ou impossível uma vez que já foi feita
entre os planos A e B, entretanto, nessa fase, todas as manobras de ventilação já
discutidas devem ser otimizadas. Se ventilação facial impossível, o paciente deve ser
bloqueado e se possível, o mesmo deve ser acordado. É possível que nesse momento
já haja alguma lesão, escoriação ou edema por manipulação da região o que
dificultará ainda mais o sucesso do plano C. Nesse momento todas as ferramentas de
oxigenação devem ser tentadas, cânula nasal de alto fluxo, outros dispositivos supra

40
glóticos, bolsa-máscara-reservatório, máscara facial uma vez que o paciente possui
alto risco de desenvolver hipóxia, agregando morbi-mortalidade ao procedimento. Se
apesar de tudo, houver falha, é declarado a situação de não intubo, não ventilo e
inicia-se o plano D.30

Tabela 4 - Plano C

Objetivos de Plano C – situação não intubo não ventilo

 Falha de ventilação via dispositivo supra glótico deve ser declarada


 Deve ser realizado tentativa de ventilação via máscara facial novamente
 Se falha em ventilação por máscara facial, usar bloqueador neuromuscular
 Se sucesso em ventilação por máscara facial, manter oxigenação e acordar
paciente
 Declarar situação não intubo não ventilo e iniciar Plano D
 Realizar novas tentativas de ventilação e oxigenação por máscara facial,
dispositivo supra glótico e cânula nasal

Adaptado de: Flerk C, Mitchell VS, McNarry AFA, et al. Difficult Airway Society intubation
guidelines working group, Difficult Airway Society 2015 guidelines for management of
unanticipated difficult intubation in adults. BJA: British Journal of Anaesthesia. 2015 Dec
06;115(6):827-848.

O plano D é último passo dessa diretriz e consiste na abordagem cervical de


emergência da via aérea. A cricotireoidostomia é a técnica cirúrgica mais rápida e
confiável nesse momento. Utiliza-se de um bisturi, um bougie e um tubo pequeno de
calibre 6.0 mm. Basicamente identifica-se a membrana cricotireoidea onde é feita uma
incisão que possibilite a passagem do bougie em direção à traqueia e através dele,
insere-se o tubo, inflando seu cuff e confirmando o sucesso através de capnografia. É
uma medida heroica e, infelizmente, pouco dominada entre anestesiologistas e entre
médicos em geral, mas pode ser um procedimento crucial para manutenção da vida
deste e de outros pacientes em situação de não intubo não ventilo.30

41
Tabela 5 - Plano D

Objetivos de Plano D

 Situação não intubo não ventilo declarada e agora há progressão para


acesso cricotireoideo cirúrgico
 Realizar técnica cirúrgica de cricotireoidostomia por bisturi
 Introdução de tubo de calibre considerável com cuff através de membrana
cricotireoidea facilita litragem de ventilação por minuto com boa mecânica
ventilatória
 Oferta de alta pressão de ventilação sobre cânula estreita em membrana
cricotireoidea confere morbidade ao procedimento
 Todos anestesiologistas devem ser treinados para abordagem de via aérea
cirúrgica
 Treinamentos devem ser repetidos em intervalos regulares para garantir
domínio de técnica

Adaptado de: Flerk C, Mitchell VS, McNarry AFA, et al. Difficult Airway Society intubation
guidelines working group, Difficult Airway Society 2015 guidelines for management of
unanticipated difficult intubation in adults. BJA: British Journal of Anaesthesia. 2015 Dec
06;115(6):827-848.

Por fim, após o término do procedimento de definição de via aérea, seja ele
para cirurgia ou em ambiente de terapia intensiva, por exemplo, todas as dificuldades
para com o manejo de via aérea devem ser informadas ao paciente ou ao
acompanhante e essas devem ser passadas ao próximo profissional que vier, por
ventura, manipular a via aérea desta pessoa, garantindo menor morbi-mortalidade ao
procedimento.30

42
6.5.2) VORTEX APPROACH

A abordagem Vortex, diferente das demais diretrizes tem o objetivo de gerar


um algoritmo mais visual, dinâmico e intuitivo sobre a abordagem da falha de via
aérea. Além disso, por sua adaptabilidade e flexibilidade, pode ser usado com maior
facilidade entre os diversos tipos de médicos, sejam eles emergencistas, intensivistas,
generalistas e também anestesiologistas. Os princípios do Vortex giram em torno de
três técnicas não cirúrgicas, máscara facial, dispositivo supraglótico e tubo
orotraqueal, e uma técnica cirúrgica para manutenção de patência de via aérea e
trocas gasosas. Após tentativas falhas de diferentes técnicas não cirúrgicas, em uma
situação de não intubo não ventilo, a abordagem cirúrgica cervical anterior está
indicada.31

Figura 19 - Implementação do Modelo Vortex

Para cada etapa, considerar:


Manipulação:

1- Cabeça e pescoço
2- Laringe
3- Dispositivo

Adjuntos

Tamanho/tipo

Sucção/fluxo de O2

Tônus muscular

1- Máximo de três tentativas


2- Pelo menos uma tentativa deve ser realizada pelo mais experiente
3- Situação não intubo não ventilo é declarada após melhor tentativa em qualquer etapa

Adaptado de: Chrimes, N. The Vortex: a universal “high-acuity implementation tool” for
emergency airway management. British Journal of Anaesthesia, 2016; 117, i20–i27.

43
Trazendo mais detalhes à abordagem, ela versa em primeiro momento
sobre a necessidade de se atingir as melhores tentativas independente da técnica a
ser utilizada utilizando-se por exemplo de posicionamento adequado do paciente,
manipulação laríngea externa, uso de dispositivos como bougie, otimização de
sedação e bloqueio neuromuscular do paciente, além de mudança do tamanho e tipo
de dispositivo, além da capacidade de ofertar oxigênio e garantir aspiração de
secreção caso haja, por exemplo, conteúdo gástrico ou sangue em cavidade oral.31

A zona verde que circunda todo o modelo e também está presente no centro
da imagem acima representa um momento no manejo da via aérea o qual,
independente da técnica desprendida (máscara facial, intubação orotraqueal ou
dispositivo supra glótico), há capacidade de garantir oxigenação ao paciente. Nesse
momento, temos como principal objetivo garantir a reoxigenação do paciente o mais
rápido possível, organizar recursos, como por exemplo, chamar um médico mais
experiente ou usar um videolaringoscópio além de traçar um plano individualizado
àquele paciente. Para elaboração do plano, deve-se levar em conta, por exemplo, a
urgência do procedimento, a capacidade em manter a patência de via aérea, o risco
de broncoaspiração, além da experiência do corpo clínico envolvido nessa
abordagem. Elaborado o plano, temos três possíveis caminhos: o primeiro será
interromper a abordagem e acordar o paciente, a segunda será a abordagem cirúrgica
para manutenção de trocas gasosas e a terceira será a re-entrada no círculo azul para
tentativa de troca do dispositivo que garantiu troca gasosa e, portanto, a ida para zona
verde por outro, mais seguro, como por exemplo de uma situação hipotética,
estabilizar e reoxigenar o paciente com máscara facial e partir para uma nova tentativa
de intubação orotraqueal agora usando videolaringoscópio. Uma observação válida,
no modelo Vortex, independente da técnica desprendida, o objetivo é se manter na
zona verde que, em resumo, demonstra o local que o paciente possui, mesmo que
por um breve momento, oferta de oxigênio o suficiente para manutenção da vida, ou
seja, é a zona de segurança do algoritmo.31

44
Figura 20 - Zona Verde do Protocolo Vortex

Objetivos da Zona Verde


1- Reoxigenar:
a. Otimizar saturação de oxigênio
b. Otimizar oferta de oxigênio
2- Organizar recursos:
a. Pessoal
b. Equipamento
c. Local
3- Montar um plano:
a. Manter técnica
b. Converter para acesso cirúrgico
c. Tentar outra técnica

O que considerar para o planejamento na zona verde?

Urgência
Situação clínica
Complexidade

Estabilidade

Via aérea Saturação de oxigênio

Capacidade de manutenção em zona verde

Risco de broncoaspiração
Paciente
Possibilidade de acordar

Adaptado de: Chrimes, N. The Vortex: a universal “high-acuity implementation tool” for
emergency airway management. British Journal of Anaesthesia, 2016; 117, i20–i27.

Quando não é possível atingir e se manter na zona verde, devemos encarar o


Vortex como um protocolo tridimensional, no formato de um furacão, ou mais simples,
como formato de um funil. A cada tentativa falha de se manter na zona verde de
oxigenação garantida, retornamos à zona azul e às três técnicas de abordagem da via
aérea. Nesse momento, em cada tentativa falha, nos aprofundamos mais neste funil
imaginário e o fato de nos aprofundarmos implica na redução do tempo para ação e
também na redução de opções de nosso arsenal. Isso é demonstrado também
45
esquematicamente pelo escurecimento do tom de azul do modelo que significa o
aumento da chance de se desenvolver hipóxia caso não abordemos com sucesso a
via aérea, independente do material utilizado e retornemos à zona verde, zona de
segurança, de oferta adequada de oxigênio.31

Figura 21 - Representação lateral do Vortex demonstrando visualmente o


aspecto de funil

Fonte: Chrimes, N. The Vortex: a universal “high-acuity implementation tool” for emergency
airway management. British Journal of Anaesthesia, 2016; 117, i20–i27.

Se nos depararmos com uma condição de manutenção de saturação de


oxigênio menor que 90%, desenvolvimento de hipoxemia e falhas consecutivas
independente da técnica não cirúrgica de manutenção de via aérea, nos deparamos
com uma situação de não intubo não ventilo, representada pela parte inferior do funil
tridimensional. Agora, se não conseguirmos retornar rapidamente à zona verde, o
paciente pode experimentar condições hipoxêmicas que agregarão grande morbi-
mortalidade ao mesmo. O mnemônio ready, set and go resume a abordagem. No
primeiro momento, devemos chamar por ajuda, convocar médico capaz de fazer o
procedimento e checar o kit cirúrgico, em segundo momento, devemos abrir e
preparar kit e paciente e checar anatomia e no terceiro passo, otimizar posicionamento
e iniciar procedimento cirúrgico de cricotireoidostomia, por exemplo. Com o sucesso
do procedimento, adquirimos patência de via aérea, possibilidade de trocas gasosas
e retornamos, por fim, à zona verde, findando o modelo.31

46
Tabela 6 - Abordagem de situação não intubo não ventilo

PREPARAR 1. Chamar ajuda


2. Chamar médico habilitado ao
procedimento
3. Abrir bandeja de kit e checar

APONTAR 1. Preparar equipamentos


2. Identificar anatomia
3. Infiltrar anestésico

VAI 1. Otimizar posição de paciente


2. Iniciar procedimento de resgate

Adaptado de: Chrimes, N. The Vortex: a universal “high-acuity implementation tool” for
emergency airway management. British Journal of Anaesthesia, 2016; 117, i20–i27.

Em resumo, o modelo Vortex, diferentes de algoritmos mais complexos e


menos visuais, foca na abordagem coletiva da via aérea, como se fosse numa
situação de parada cardiorrespiratória. Isso se dá por ser um protocolo de cunho
basicamente visual, em primeiro momento, bidimensional, no qual vemos a zona
externa, verde, zona de segurança na qual há manutenção da oxigenação e nos
fornece tempo de traçar um plano exclusivo para aquele paciente. Caminhando para
o centro, nos deparamos com zona azul, dividida em três partes, chamadas do inglês
de lifeline, compostas por três diferentes tecnologias, máscara facial, tubo
endotraqueal e dispositivo supraglótico que tem o único objetivo de garantir a via aérea
e trocas gasosas, retornando, desse modo, à zona verde. E por fim, o centro,
composto de um tom azul mais escuro, que representaria a abordagem cirúrgica da
via aérea em uma situação não intubo não ventilo, utilizando por exemplo,
cricotireoidostomia e ao centro de tudo, a zona verde por técnica cirúrgica, que
representa o sucesso do modelo Vortex e a patência da via aérea. E, em segundo
momento, com o cunho tridimensional, é possível observar um estreitamento do
diâmetro do funil de acordo com as falhas nos métodos não cirúrgicos intimamente
conectado à necessidade da equipe de agir em menos tempo e de forma mais

47
eficiente para retorno o mais rápido possível à zona verde. E, por fim, o local mais
estreito do funil que representa, mais uma vez, o fim do protocolo e a abordagem
cirúrgica para retorno à zona verde.31

48
7) CONCLUSÃO

O conhecimento acerca da anatomia, preditores de via aérea difícil, dos


dispositivos disponíveis no mercado e no seu centro médico além da intimidade com
as diretrizes de manejo de via aérea difícil podem ser definitivos para a vida daquele
paciente.

É dever do profissional intensivista, emergencista, anestesiologista e todos


aqueles que desejam trabalhar com situações que possam vir à envolver manejo de
via aérea estar sempre se atualizando, estudando novas diretrizes, conhecendo novas
tecnologias e, com isso, sendo um médico mais capaz à enfrentar adversidades.

Um tema como manejo de via aérea difícil nunca vai ser completamente
esgotado, principalmente por ele viver uma constante evolução em torno de novas
tecnologias, tipos de abordagem e novos protocolos.

49
8) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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